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Prof. Fernando Antunes Soubhia Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 1 TÍTULO X DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA I Conceito de Fé Pública Fé pública é a confiança na autenticidade que a sociedade deposita em certos documentos, atos, sinais, símbolos, etc, empregados pelo homem em sua vida cotidiana, em razão do valor probatório que o direito lhes atribui. Fé pública, como bem jurídico, tutela a confiança na autenticidade de documentos que permite a continuidade das relações jurídicas. II - Requisitos para os crimes de falso Os delitos de falso, em todas as modalidades, exigem quatro requisitos: a) Alteração da verdade (immutatio veri) b) Imitação do verdadeiro (imitatio veritatis) c) Dano real ou potencial d) Dolo Ausente qualquer dos requisitos, o crime não se configura. 1) Alteração da Verdade A falsidade é a mudança da verdade feita dolosamente em prejuízo de outrem. Assim, referida alteração deve recair sobre fato juridicamente relevante. Não caracterizará delito contra a fé pública a mulher que mente sobre sua idade para parecer mais jovem ao seu namorado (ex. JUNQUEIRA); também não haverá crime na reprodução ipsis liteiris de contrato em razão da perda do original (ex. FMB).

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 1

TÍTULO X

DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA

I – Conceito de Fé Pública

Fé pública é a confiança na autenticidade que a sociedade

deposita em certos documentos, atos, sinais, símbolos, etc, empregados

pelo homem em sua vida cotidiana, em razão do valor probatório que o

direito lhes atribui.

Fé pública, como bem jurídico, tutela a confiança na

autenticidade de documentos que permite a continuidade das relações

jurídicas.

II - Requisitos para os crimes de falso

Os delitos de falso, em todas as modalidades, exigem

quatro requisitos:

a) Alteração da verdade (immutatio veri)

b) Imitação do verdadeiro (imitatio veritatis)

c) Dano real ou potencial

d) Dolo

Ausente qualquer dos requisitos, o crime não se configura.

1) Alteração da Verdade

A falsidade é a mudança da verdade feita dolosamente em

prejuízo de outrem. Assim, referida alteração deve recair sobre fato

juridicamente relevante.

Não caracterizará delito contra a fé pública a mulher que

mente sobre sua idade para parecer mais jovem ao seu namorado (ex.

JUNQUEIRA); também não haverá crime na reprodução ipsis liteiris de

contrato em razão da perda do original (ex. FMB).

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2) Imitação da verdade

O falso deve ser semelhante ao verdadeiro, a ponto de

iludir o homem médio.

A falsidade grosseira, perceptível ictu oculi (a olho nu),

incapaz de enganar o homem médio, não configurará o crime de falso.

Conforme se verá, poderá haver, dependendo da hipótese, o crime de

estelionato.

Súmula 73, STJ: a utilização de papel moeda grosseiramente

falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da

competência da justiça estadual.

3) Dano

Dano é o prejuízo efetivo, que já ocorreu. A potencialidade

de dano trata da probabilidade concreta deste ocorrer.

O dano não é necessariamente econômico. Haverá delito

ainda que o prejuízo seja apenas moral (ex: confissão de adultério em

testamento)

Assim, o prejuízo ou a possibilidade concreta de sua

ocorrência deve ser comprovada, sob pena de não restar tipificado o

crime contra a fé pública.

Daí exigir-se que o falso recaia sobre fato juridicamente

relevante e de que a falsificação seja idônea.

FMB traz exemplos de ausência de dano:

Forjar escritura pública de venda de escravo em pleno século XXI;

Oficial de justiça que certifica ter citado esposa de devedor em

ação de cobrança, uma vez que em ações pessoais a citação do

cônjuge é dispensável;

Silvio do Amaral sustenta que quando se tratar documento

público qualquer falsificação será considerada juridicamente relevante. P.

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ex: escrivão, ao registrar a sentença, substitui ou suprime determinada

palavra, ainda que irrelevante para o contexto.

4) Dolo

Haverá dolo direto quando o agente tiver certeza da

falsidade e eventual quando houver fundada dúvida.

O dolo consubstancia-se na vontade livre e consciente de

efetuar a falsificação, independente da intenção de utilizar o documento.

Na falsidade ideológica haverá o elemento subjetivo

específico relativo à intenção de prejudicar terceiros.

Nenhuma modalidade de falso é punida na forma culposa.

III – Modalidades de Falsidade

A falsidade pode ser material, ideológica ou pessoal:

1) Falsidade material (externa, formal, caligráfica) o agente cria

o documento falso ou então altera o documento verdadeiro,

incluindo novos elementos ou dizeres;

2) Falsidade ideológica (ideal ou expressional) o documento é

formalmente perfeito, a falsidade recai sobre o seu conteúdo;

3) Falsidade pessoal atribuição a si ou a terceiro de falsa

identidade.

Falsidade Material x falsidade ideológica

Na falsidade material o documento emana de pessoa sem

competência para produzi-lo, ao passo que na falsidade ideológica o

documento emana da autoridade competente, no exercício de suas

funções.

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Na falsidade material, o documento será inteiramente

falso; na ideológica, o documento será formalmente válido, incidindo a

falsidade apenas em relação ao seu conteúdo.

A falsidade material exige perícia para sua comprovação;

na falsidade ideológica a perícia se torna inviável, uma vez que o

documento foi produzido pela pessoa competente.

Conceito de Documento

Em sentido amplo, documento é qualquer objeto capaz de

comprovar um fato.

Em sentido restrito, apenas será documento o escrito

com valor probatório.

Para efeitos penais, adota-se o conceito restrito de

documento.

Digna de citação, a definição de Heleno Cláudio Fragoso:

“documento é todo escrito devido a um autor determinado, contendo

exposição de fatos ou declaração de vontade, dotado de significação e

relevância jurídica”.

Assim, são elementos do conceito de documento:

1) Forma escrita representação gráfica do

pensamento. Assim, a falsificação artística de um quadro não se insere

dentro do conceito de falsidade documental.

Prevalece que não há necessidade que seja escrita em

papel, contudo, é indispensável que o documento seja transportável

autonomamente. Ex: declaração pichada em um muro não constitui

documento.

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Nos documentos públicos, exige-se que o escrito seja

indelével. Assim a declaração feita a lápis não poderá configurar um

documento público.

Os documentos particulares, por outro lado, podem ser

escritos por qualquer meio (caneta, lápis, carvão, sangue...).

2) Autor determinado para ser considerado

documento deve ser identificado ou identificável o seu autor.1

Texto apócrifo não pode ser considerado documento para

o direito penal.

A identificação de um texto por meio da impressão digital

não afasta sua característica, desde que a impressão seja acompanhada

pelo nome ou pseudônimo da pessoa.

3) Conteúdo declaração de vontade ou exposição de

fatos.

O escrito ininteligível não será considerado documento.

Também não será documento o papel assinado em

branco.

4) Relevância jurídica apenas será considerado

documento se, por si só, comprovar o fato nele contido.

A fotocópia simples de documento não será considerada

documento. Contudo, se houver autenticação, passa a ter o mesmo valor

probatório do original, de modo que será considerada documento.

1 (...) sendo uma das características do documento a identificação de quem o escreveu, o escrito

anônimo não é documento, constitui a mais clara manifestação da vontade de não documentar. Nesse

contexto, a Turma concedeu a ordem a fim de extinguir a ação penal, visto que o fato, evidentemente,

não constitui crime (art. 386, III, do CPP). Precedente citado: RHC 1.499-RJ, DJ 4/5/1992. HC 67.519-MG,

Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 1º/10/2009.

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O uso de fotocópia não autenticada de documento falso

será fato atípico.

Também não serão considerados documentos:

Requerimentos ou petições, pois não comprovam, por si só, os

fatos narrados, apenas remetendo a documentos. FMB narra

exemplo onde o fato poderia configurar o crime de estelionato:

“uma petição inicial para levantar fundo de garantia de uma pessoa

morta, passando-se por seu único herdeiro”;

Declaração sujeita a verificação – se a declaração contida no

documento depender de verificação pela autoridade competente, o

documento não poderá ser considerado falso. Assim, p.ex., não

haverá falsidade documental na declaração de pobreza não

condizente com a realidade (Contudo, a Lei 1060/50 prevê em seu

art. 4, §1º, comprovada a falsidade da declaração, o requerente

pagará as custas judiciais em “até o décuplo”).

Escrito contendo ato ou negócio jurídico inexistente não traz

consequências jurídicas: ex: petição inicial sem assinatura.

Escrito contendo ato ou negócio jurídico nulo (nulidade absoluta) -

não produz efeitos. Ex: certidão de casamento entre irmãos,

testamento sem testemunhas, certidão de venda da lua.

o Tratando-se de nulidade relativa, configura-se o delito de

falso, uma vez que a nulidade relativa produz efeitos até que

seja declarada pelo Juiz. Ex: contrato assinado por menor

sem assistência.

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Boletim de Ocorrência a finalidade do BO não é comprovar a

autoria do delito, mas sim de levar ao conhecimento da autoridade

policial a notícia de um crime para que seja dado início às

investigações.

Documento Público x Documento Particular

O conceito de documento particular é obtido por exclusão,

ou seja, todos os documentos que não forem públicos serão, via de

consequência, particulares.

Para que o documento seja considerado público, devem

ser atendidas algumas formalidades:

1) Elaboração por funcionário público competente para a

emissão daquele determinado documento. O documento emitido fora das

atribuições legais não será considerado público.

2) Forma legal havendo violação da forma, o

documento será nulo, podendo ser considerado ainda como documento

particular.

A mera autenticação de um documento particular não o torna

público, com exceção à autenticação em si.

Existe ainda o documento público por equiparação: CP,

art. 297, § 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o

emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso,

as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

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CAPÍTULO III

DA FALSIDADE DOCUMENTAL

Falsificação de documento público

Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento

público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime

prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.

§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento

público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador

ou transmissível por endosso, as ações de sociedade

comercial, os livros mercantis e o testamento particular.

1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública. Confiabilidade dos

documentos públicos.

2) TIPO OBJETIVO

a. Verbos núcleo:

o Falsificar – contrafazer o documento por completo ou

parcialmente inserindo informações nos espaços em branco

o Alterar – modificar documento público existente e verdadeiro,

substituindo dizeres.

b. Meio Executório: forma livre.

c. Elementares: Documento Público e Falsidade. Ambas

normativas.

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Documento Público: é aquele elaborado por funcionário público,

no exercício de sua competência funcional, obedecidas as

exigências legais. A doutrina subdivide em:

Documento formal e substancialmente público emanado

de agente público, no exercício das suas funções, com

conteúdo relativo a questões de interesse público

Documento formalmente público e substancialmente

privado emanado de agente público, no exercício de suas

funções, retratando interesse privado.

Documento Público por equiparação (CP, art. 297, §2º):

Emanado de entidade paraestatal – pessoas jurídicas de

direito privado, dispostas paralelamente ao Estado para

execução de atividades de interesse público.

Título ao portador ou transmissível por endosso – cheque,

nota promissória, duplicata.

o O cheque apões o vencimento, passado o prazo de

apresentação, prescrito ou devolvido por falta de fundos não

será mais endossável, de modo que deixa de ser documento

público por equiparação.

Ações de sociedade comercial – sociedades por ações ou

comandita por ações.

Livros mercantis – não importa se obrigatórios ou facultativos

Testamento particular – não abrange os codicilos

Falsidade: o documento falso deve imitar documento verdadeiro,

de forma apta (idônea) a iludir o homem médio.

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o A falsidade grosseira no crime de falsificação de moeda

configura, em tese, crime de estelionato – Súmula 73, STJ

3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de falsificar

documento público. Não há elemento subjetivo específico.

4) SUJEITOS:

a. Ativo – qualquer pessoa.

Se o agente for funcionário público e prevalecer de sua função,

aumenta-se a pena de 1/6.

b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.

5) CONSUMAÇÃO Crime formal.

Consuma-se com a falsificação ou alteração do documento. O

uso posterior pela mesma pessoa será post factum impunível.

6) TENTATIVA Possível.

7) CONDUTAS EQUIPARADAS

§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:

I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório; II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita; III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado. § 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.

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Trata-se, em realidade, de modalidade de falsidade ideológica.

A inserção dentro do crime de falsificação de documento público é fruto

da reforma assistemática realizada pela Lei 9983/2000.

Caso haja sonegação de contribuição previdenciária como

decorrência das condutas descritas, o crime de Apropriação Indébita

Previdenciária absorverá o crime de falso (CP, art. 169-A).

8) COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO

A circunstância do documento falsificado emanar de órgão

federal não implica, necessariamente, na competência da justiça federal.

Súmula 62, STJ: compete à Justiça estadual processar e julgar o

crime de falsa anotação na CTPS, atribuído a empresa privada.

Súmula 104, STJ: Compete à Justiça Estadual o processo e

julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso

relativo a estabelecimento particular de ensino.

Súmula 107, STJ: Compete à Justiça Estadual processar e julgar

crime de estelionato praticado mediante falsificação de guias de

recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não

ocorrente lesão à autarquia federal.

Jurisprudência:

Na hipótese, o ora paciente foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão e 90

dias-multa por falsificação de documento público e a dois anos e três meses de reclusão

e 80 dias-multa por uso de documento falso, totalizando quatro anos e nove meses de

reclusão no regime semiaberto e 170 dias-multa. Em sede de apelação, o tribunal a quo

manteve a sentença. Ao apreciar o writ, inicialmente, observou o Min. Relator ser

pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o agente que pratica as

condutas de falsificar documento e de usá-lo deve responder por apenas um delito.

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Assim, a questão consistiria em saber em que tipo penal, se falsificação de documento

público ou uso de documento falso, estaria incurso o paciente. Para o Min. Relator,

seguindo entendimento do STF, se o mesmo sujeito falsifica documento e, em seguida,

faz uso dele, responde apenas pela falsificação. Destarte, impõe-se o afastamento da

condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo a

imputação de falsificação de documento público. Registrou que, apesar de seu

comportamento reprovável, a condenação pelo falso (art. 297 do CP) e pelo uso de

documento falso (art. 304 do CP) traduz ofensa ao princípio que veda o bis in idem, já

que a utilização pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara

constitui fato posterior impunível, principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou

seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação.

Significa, portanto, que a posterior utilização do documento pelo próprio autor do falso

consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior. Diante dessas

considerações, entre outras, a Turma concedeu a ordem para excluir da condenação o

crime de uso de documento falso e reduzir as penas impostas ao paciente a dois anos e

seis meses de reclusão no regime semiaberto e 90 dias-multa, substituída a sanção

corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

Precedentes citados do STF: HC 84.533-9-MG, DJe 30/6/2004; HC 58.611-2-RJ, DJ

8/5/1981; HC 60.716-RJ, DJ 2/12/1983; do STJ: REsp 166.888-SC, DJ 16/11/1998, e

HC 10.447-MG, DJ 1º/7/2002. HC 107.103-GO, Rel. Min. Og Fernandes, julgado

em 19/10/2010.

FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO.

Insurge-se o impetrante contra a classificação jurídico-legal narrada na denúncia, por

entender que o MP expõe um episódio de estelionato em concurso formal e não a

prática de delitos autônomos da maneira pela qual acabou por ser condenado a três anos

de reclusão, com cinqüenta dias-multa, por falsificação de documento público, e um ano

e seis meses de reclusão, com o pagamento de trinta dias-multa por falsidade ideológica,

por falsificação de duas certidões que visaram a obter empréstimos bancários e

movimentar contas-correntes da empresa do seu pai. A Turma, por maioria, não

conheceu do habeas corpus, pois o paciente deverá rever sua pena na revisão criminal.

HC 24.774-GO, Rel. originário Min. Paulo Medina, Rel. para acórdão Min. Fontes

de Alencar, julgado em 16/10/2003.

Falsificação de documento particular

Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento

particular ou alterar documento particular verdadeiro:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Tudo o que foi dito sobre falsificação de documento público se

aplica à falsificação de documento particular, lembrando que o conceito

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de documento particular se obtém por exclusão: os documentos que não

forem púbicos, serão particulares.

Cheque prescrito, após o prazo de apresentação, devolvido por

falta de fundos, ou qualquer outro motivo que impeça o endosso,

será considerado documento particular

O documento público eivado de nulidade poderá, por vezes, ser

considerado documento particular.

Jurisprudência

FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR. SONEGAÇÃO DE PAPEL

OU OBJETO DE VALOR PROBATÓRIO. TIPICIDADE.

A conduta de alterar a petição inicial não se subsume aos tipos descritos nos arts. 298 e

356 do CP. No caso, o advogado percebeu que a lista de pedidos da petição

protocolizada estava incompleta. No dia seguinte, retornou ao cartório, trocou a última

folha da peça por outra que continha o pedido que faltava, momento em que foi flagrado

jogando algo no lixo, o que parecia ser uma folha dos autos. Em seguida, foi chamado

um representante da OAB para confirmar a adulteração, acompanhado por um servidor

do tribunal e por um policial. Não foi identificada, na oportunidade, a supressão de parte

dos autos ou outra grave irregularidade, apenas a alteração da última folha da petição

inicial, sendo que a folha constante dos autos continha um pedido a mais. O Min.

Relator registrou que a petição inicial não pode ser considerada documento para

aplicação das sanções dos arts. 298 e 356 do CP, pois não atesta nada, nem certifica a

ocorrência de fatos ou a existência de qualquer direito. Ela tem caráter propositivo e as

afirmações nela contidas poderão ser submetidas ao contraditório para posterior análise

pelo Poder Judiciário, que averiguará a procedência ou não dos pedidos. Precedentes

citados do STF: HC 85.064-SP, DJ 12/5/2006; HC 82.605-GO, DJ 11/4/2003; do STJ:

RHC 11.403-CE, DJ 10/6/2002, e RHC 20.414-RS, DJ 7/2/2008. HC 222.613-TO, Rel.

Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em

24/4/2012.

FALSIDADE IDEOLÓGICA. CPF E CI. CONTA BANCÁRIA.

Trata-se de movimentação de conta bancária por ex-prefeito que teria utilizado cheques

emitidos por “fantasma” até julho de 1989. Toda vez que o paciente, usando CPF e CI

falsos e nome fictício, depositou ou emitiu cheques, praticou um ilícito penal, ocorrendo

a continuidade delitiva. Não procede a afirmação que o cheque é um documento

particular, o art. 297, § 2º, do CP o equipara a documento público para efeitos penais,

por se tratar de um título ao portador. O crime de uso de cheque bancário falso, por

equiparação a documento público, só prescreve, no caso, em 12 anos. Considerando que

o recebimento da denúncia ocorreu em 3/7/2000, a alegação de prescrição restou

afastada. Outrossim a paciente está sendo processada pelos crimes de falsificação e uso

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de papéis falsos como crimes autônomos mas, mesmo chegando à conclusão que o

crime-fim seria a sonegação fiscal e estivesse prescrito, esse fato não alcançaria os

outros crimes. HC 16.927-PE, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 18/9/2001.

Falsidade ideológica

Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular,

declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer

inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita,

com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a

verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o

documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se

o documento é particular.

Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e

comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação

ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a

pena de sexta parte.

1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública. Confiabilidade no

conteúdo dos documentos.

2) TIPO OBJETIVO

a. Verbos núcleo:

o Omitir – o agente silencia sobre declaração que deveria

constar do documento. Crime omissivo próprio.

o Inserir (falsidade imediata) – o agente, por ato próprio,

introduz uma declaração falsa no documento. Ex:

preenchimento de um formulário com informações falsas;

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oficial de justiça que certifica falsamente não ter encontrado

o réu para citação.

o Fazer inserir (falsidade mediata) – o agente utiliza de um

terceiro para introduzir a declaração falsa. Ex: fornecer

dados falsos ao tabelião.

b. Meio Executório: forma livre.

c. Elementares: declaração falsa ou diversa da que deveria

constar, documento público e documento particular.

declaração falsa ou diversa da que deveria constar: declaração

falsa é aquela que não condiz com a realidade. Declaração diversa

da deveria constar é aquela que, apesar de verdadeira, é inócua

para o caso, ocultando a essencial.

Ex. dado por FMB: sujeito informa que é divorciado de Joana, mas

silencia-se quanto ao fato de ter se casado novamente.

A exemplo da falsidade documental, a falsidade da declaração

deve ser apta a iludir o homem médio. Ex: declarar que é Dom

Pedro reencarnado.

O Caso do Abuso do papel assinado em branco (ex: cheque):

o Se o agente tinha permissão para preenchê-lo, mas abusa

dessa confiança, o crime será de falsidade ideológica;

o Se o agente não tinha a permissão de preencher o

documento, o crime então será de falsificação de

documento.

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3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de falsificar

documento público. Não há elemento subjetivo específico.

Elemento Subjetivo Específico: fim de prejudicar direito, criar

obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

4) SUJEITOS:

a. Ativo – qualquer pessoa.

Se o agente for funcionário público e prevalecer de sua função,

aumenta-se a pena de 1/6.

b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.

5) CONSUMAÇÃO Crime formal. Dispensa a ocorrência do dano,

sendo suficiente que o documento ideologicamente falso tenha

potencialidade lesiva.

6) TENTATIVA Possível, apenas nas modalidades comissivas.

Jurisprudência:

GRATUIDADE JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. FALSIDADE.

A Turma reiterou o entendimento de que a apresentação de declaração de pobreza com

informações falsas para obtenção da assistência judiciária gratuita não caracteriza os

crimes de falsidade ideológica ou uso de documento falso. Isso porque tal declaração é

passível de comprovação posterior, de ofício ou a requerimento, já que a presunção de

sua veracidade é relativa. Além disso, constatada a falsidade das declarações constantes

no documento, pode o juiz da causa fixar multa de até dez vezes o valor das custas

judiciais como punição (Lei n. 1.060/1950, art. 4º, § 1º). Com esses fundamentos, o

colegiado trancou a ação penal pela prática de falsidade ideológica e uso de documento

falso movida contra acusado. HC 217.657-SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina

(Desembargador convocado do TJ-RS), julgado em 2/2/2012.

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 17

FALSIDADE IDEOLÓGICA. POLO ESPECÍFICO. NECESSIDADE.

O Ministério Público, na denúncia, assinalou que o paciente teria cometido o delito do

art. 299 do CP (falsidade ideológica) pelo fato de ser procurado pela Justiça. O tribunal

a quo, na apelação, entendeu que o paciente teria inserido sua foto na carteira de

identidade civil de outrem a fim de não ser reconhecido pela Justiça, haja vista existir

mandado de prisão expedido em seu desfavor. Logo, a Turma, por maioria, reiterou o

entendimento de que, uma vez indicado pelas instâncias ordinárias o dolo específico do

paciente, de maneira suficiente a configurar o crime pelo qual foi condenado, não cabe

em habeas corpus analisar profundamente as provas para chegar à conclusão diversa.

Assim, a Turma, por maioria, denegou a ordem. Precedentes citados: HC 139.269-PB,

DJe 15/12/2009; HC 111.355-SP, DJe 8/3/2010, e HC 80.646-RJ, DJe 9/2/2009. HC

132.992-ES, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 26/10/2010.

LICENCIAMENTO. VEÍCULO. ESTADO DIVERSO.

A Turma reiterou o entendimento de que o licenciamento de veículo em Estado que

possua alíquota do imposto de propriedade de veículo automotor (IPVA) menor que a

alíquota do Estado onde reside o proprietário do veículo não configura crime de

falsidade ideológica, em razão da indicação de endereço falso, mas, sim, supressão ou

redução de tributo. A finalidade da falsidade ideológica é pagar tributo a menor, uma

vez que ela é o crime meio para a consecução do delito fim de sonegação fiscal.

Precedentes citados: CC 96.939-PR, DJe 5/3/2009; HC 70.930-SP, DJe 17/11/2008, e

HC 94.452-SP, DJe 8/9/2008. HC 146.404-SP, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em

19/11/2009.

FALSIDADE IDEOLÓGICA. ADVOGADO. PETIÇÃO.

Mostra-se atípica a conduta do advogado que insere dado incorreto na petição de habeas

corpus (corrigido nas informações da própria autoridade coatora). Esse dado (o número

de um procedimento administrativo fiscal que se mostrou ser o de uma representação

fiscal para fins penais) lastreou-se em informações constantes da própria denúncia, a

evidenciar o equívoco ou a falsa representação a respeito do fato objeto da falsidade.

Anote-se que, a par da ciência ou não do agente acerca do falso, não caracteriza o

crime de falsidade ideológica a declaração que depende de confirmação ou controle

posterior, pois ela não produz efeitos por sua própria força, tal como no caso, em

que o dado inserto na petição foi confrontado pelo juízo com a informação correta

da autoridade coatora, a Receita Federal, quanto mais se a petição judicial não

pode ser tida por documento particular a amoldar-se ao elemento normativo do

tipo penal do art. 299 do CP. Por último, vê-se que um exame mais aprofundado da

prova pré-constituída jungida ao habeas corpus é possível se necessário para a

constatação da existência de justa causa no recebimento da denúncia. Precedente citado

do STF: HC 82.605-9-GO, DJ 11/4/2003. HC 51.613-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de

Assis Moura, julgado em 25/9/2008.

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 18

Uso de documento falso

Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados

ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302:

Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública.

2) TIPO OBJETIVO

o Verbo núcleo: Fazer Uso – o agente deve utilizar o

documento falso em sua específica destinação probatória

como se fosse verdadeiro.

Portar o documento o mero porte do documento não se

subsume à conduta narrada no tipo. A mera exibição do

documento, entre amigos, não configura o crime. Por outro lado,

há quem defenda que o porte de CNH seria uso de documento

falso, uma vez que o CTB prevê que tal documento é de “porte

obrigatório” e, assim, o agente estaria usando o documento para

sua a finalidade.

A simples alusão ao documento falso ou a exibição para

vangloriar-se não configura o uso.

A apresentação de fotocópia não autenticada do documento falso é

fato atípico, pois esta foge ao conceito de documento.

Espontaneidade da exibição prevalece que a apresentação não

precisa ser espontânea, basta que seja voluntária (por todos,

Nucci). Assim, quando o agente fornece o documento falso a

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 19

policial que o requisita, consuma-se o crime. Por outro lado,

Delmanto, citando Nelson Hungria, sustenta que o documento

deve sair da esfera de disponibilidade do agente por sua própria

iniciativa.

o Revista Pessoal se o documento falso é encontrado com

o agente durante revista pessoal, não houve apresentação

espontânea nem voluntária, o que afasta a ocorrência do

injusto.

Prevalece hoje que a apresentação de documento falso no

momento do interrogatório policial foge ao âmbito da auto defesa,

configurando o crime de uso de documento falso.

a. Meio Executório: forma livre.

b. Elementares: documento falso, apresentação voluntária e

apresentação dentro da destinação específica do

documento.

3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de fazer uso de

documento que saber ser falso. Prevalece que a dúvida sobre a

falsidade não afasta o crime, uma vez que o delito admite dolo

eventual. Em sentido contrário: Damásio, que exige o dolo direto.

4) SUJEITOS:

a. Ativo – qualquer pessoa, menos a que falsificou o

documento.

O uso do documento falsificado pelo falsário configura mero

exaurimento do delito de falsificação e será por ele absorvido.

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 20

Se o falso se exaure no crime de estelionato, por ele será

absorvido.

o Súmula 17, STJ: Quando o falso se exaure no estelionato,

sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.

Haverá punição pelo uso, ainda que a pessoa que falsificou o

documento seja absolvida ou desconhecida.

b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.

5) CONSUMAÇÃO Crime de mera conduta e, em regra,

unissubsistente. Consuma-se no momento em que o agente faz

uso do documento. Dispensa a ocorrência do dano, sendo

suficiente que o documento falso tenha potencialidade lesiva.

6) TENTATIVA Em regra, inadmissível. Flávio Monteiro de Barros

propõe que, se o documento é enviado pelo correio, seria

admissível a tentativa.

Jurisprudência:

USO DE RECIBOS IDEOLOGICAMENTE FALSOS. DECLARAÇÃO DE IRPF.

TIPIFICAÇÃO.

Constitui mero exaurimento do delito de sonegação fiscal a apresentação de recibo

ideologicamente falso à autoridade fazendária, no bojo de ação fiscal, como forma de

comprovar a dedução de despesas para a redução da base de cálculo do imposto de

renda de pessoa física (IRPF), (Lei n. 8.137/1990). Na espécie, o paciente, em

procedimento fiscal instaurado contra terceira pessoa (psicóloga), teria apresentado

recibo referente a tratamento não realizado, para justificar declaração anterior prestada à

Receita Federal por ocasião do recolhimento do seu IRPF. Segundo se afirmou, o falso

teria sido cometido única e exclusivamente com o objetivo de reduzir ou suprimir o

pagamento do imposto de renda. Assim, em consonância com o enunciado da Súm. n.

17 desta Corte, exaurida a potencialidade lesiva do documento para a prática de outros

crimes, a conduta do falso ficaria absorvida pelo crime de sonegação fiscal. Noticiou-se,

por fim, o adimplemento do débito fiscal, oriundo da referida sonegação, na esfera

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 21

administrativa. Nesse contexto, a Turma determinou o trancamento da ação penal – por

falta de justa causa – instaurada contra o paciente com fulcro nos arts. 299 e 304 ambos

do CP. HC 131.787-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 14/8/2012.

USO SE DOCUMENTO FALSO: TIPICIDADE DA CONDUTA E PRINCÍPIO

DA AUTODEFESA.

A Turma denegou habeas corpus no qual se postulava o reconhecimento da atipicidade

da conduta praticada pelo paciente – uso de documento falso (art. 304 do CP) – em

razão do princípio constitucional da autodefesa. Alegava-se, na espécie, que o paciente

apresentara à autoridade policial carteira de habilitação e documento de identidade

falsos, com objetivo de evitar sua prisão, visto que foragido do estabelecimento

prisional, conduta plenamente exigível para a garantia de sua liberdade. O Min. Relator

destacou não desconhecer o entendimento desta Corte de que não caracteriza o crime

disposto no art. 304, tampouco no art. 307, ambos do CP, a conduta do acusado que

apresenta falso documento de identidade à autoridade policial para ocultar antecedentes

criminais e manter o seu status libertatis, tendo em vista se tratar de hipótese de

autodefesa, já que atuou amparado pela garantia consagrada no art. 5º, inciso LXII, da

CF. Considerou, contudo, ser necessária a revisão do posicionamento desta Corte para

acolher entendimento recente do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário,

proferido no julgamento do RE 640.139-DF, quando reconhecida a repercussão geral da

matéria. Ponderou-se que, embora a aludida decisão seja desprovida de caráter

vinculante, deve-se atentar para a finalidade do instituto da repercussão geral, qual seja,

uniformizar a interpretação constitucional. Conclui-se, assim, inexistir qualquer

constrangimento ilegal suportado pelo paciente uma vez que é típica a conduta daquele

que à autoridade policial apresenta documentos falsos no intuito de ocultar antecedentes

criminais negativos e preservar sua liberdade. HC 151.866-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi,

julgado em 1º/12/2011.

USO. DOCUMENTO FALSO. AUTODEFESA. IMPOSSIBILIDADE.

A Turma, após recente modificação de seu entendimento, reiterou que a apresentação de

documento de identidade falso no momento da prisão em flagrante caracteriza a conduta

descrita no art. 304 do CP (uso de documento falso) e não constitui um mero exercício

do direito de autodefesa. Precedentes citados STF: HC 103.314-MS, DJe 8/6/2011; HC

92.763-MS, DJe 25/4/2008; do STJ: HC 205.666-SP, DJe 8/9/2011. REsp 1.091.510-

RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 8/11/2011.

FALSIFICAÇÃO. DOCUMENTOS. USO.

No caso, o paciente fora condenado pela prática de três crimes, dois de falsificação de

documentos e um de uso de documento falso. Isso porque teria falsificado duas

certidões de casamento, uma que fora utilizada por ele próprio para obtenção do

passaporte e outra utilizada pelo corréu para o mesmo fim. Assim, apenas a condenação

relativa a um dos três crimes deve ser afastada. Somente com relação à falsificação e

utilização do mesmo documento pelo paciente pode incidir o princípio da consunção.

Como a falsificação e o respectivo uso se encontram teleologicamente ligados, em

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 22

respeito ao princípio mencionado, tem-se um único delito. Quanto ao delito de

falsificação da outra certidão de casamento, é inviável tal proceder, uma vez que foi

utilizado pelo corréu, pois o bis in idem somente é reconhecido quando o mesmo agente

falsifica e usa o documento. Precedentes citados: HC 107.103-GO, DJe 8/11/2010; HC

146.521-SP, DJe 7/6/2010, e CC 107.100-RJ, DJe 1º/6/2010. HC 150.242-ES, Rel.

Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 31/5/2011.

USO. DOCUMENTO FALSO. FALSIFICAÇÃO. CRIME ÚNICO.

Na hipótese, o ora paciente foi condenado a dois anos e seis meses de reclusão e 90

dias-multa por falsificação de documento público e a dois anos e três meses de reclusão

e 80 dias-multa por uso de documento falso, totalizando quatro anos e nove meses de

reclusão no regime semiaberto e 170 dias-multa. Em sede de apelação, o tribunal a quo

manteve a sentença. Ao apreciar o writ, inicialmente, observou o Min. Relator ser

pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o agente que pratica as

condutas de falsificar documento e de usá-lo deve responder por apenas um delito.

Assim, a questão consistiria em saber em que tipo penal, se falsificação de documento

público ou uso de documento falso, estaria incurso o paciente. Para o Min. Relator,

seguindo entendimento do STF, se o mesmo sujeito falsifica documento e, em seguida,

faz uso dele, responde apenas pela falsificação. Destarte, impõe-se o afastamento da

condenação do ora paciente pelo crime de uso de documento falso, remanescendo a

imputação de falsificação de documento público. Registrou que, apesar de seu

comportamento reprovável, a condenação pelo falso (art. 297 do CP) e pelo uso de

documento falso (art. 304 do CP) traduz ofensa ao princípio que veda o bis in idem, já

que a utilização pelo próprio agente do documento que anteriormente falsificara

constitui fato posterior impunível, principalmente porque o bem jurídico tutelado, ou

seja, a fé pública, foi malferido no momento em que se constituiu a falsificação.

Significa, portanto, que a posterior utilização do documento pelo próprio autor do falso

consubstancia, em si, desdobramento dos efeitos da infração anterior. Diante dessas

considerações, entre outras, a Turma concedeu a ordem para excluir da condenação o

crime de uso de documento falso e reduzir as penas impostas ao paciente a dois anos e

seis meses de reclusão no regime semiaberto e 90 dias-multa, substituída a sanção

corporal por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

Precedentes citados do STF: HC 84.533-9-MG, DJe 30/6/2004; HC 58.611-2-RJ, DJ

8/5/1981; HC 60.716-RJ, DJ 2/12/1983; do STJ: REsp 166.888-SC, DJ 16/11/1998, e

HC 10.447-MG, DJ 1º/7/2002. HC 107.103-GO, Rel. Min. Og Fernandes, julgado

em 19/10/2010.

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 23

Falsa identidade

Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade

para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para

causar dano a outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o

fato não constitui elemento de crime mais grave.

1) OBJETIVIDADE JURÍDICA Fé Pública.

2) TIPO OBJETIVO:

o Verbo núcleo: Atribuir a si – o agente se faz passar por

outra pessoa - ou a terceiro – o agente imputa a terceiro,

falsa identidade.

A doutrina diverge sobre o conceito de identidade, prevalecendo o

conceito amplo:

o Corrente extensiva – abrange a identidade física, civil e

social

o Corrente restritiva – abrange apenas a identidade física.

Silenciar-se diante do erro alheio não se subsume ao tipo.

Troca de Fotografia em RG – prevalece ser falsificação de

documento público, uma vez que a fotografia é parte integrante e

essencial ao documento.

Falsa identidade em Interrogatório prevalece que o agente que

atribui falsa identidade em interrogatório com a intenção de ocultar

seu passado criminoso não pratica o crime. Trata-se de exercício

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Direito Penal IV - Crimes Contra a Fé Pública Página 24

da autodefesa, pois ninguém é obrigado a produzir provas contra si

mesmo.

a. Meio Executório: forma livre.

b. Elementares: Identidade e falsidade.

3) TIPO SUBJETIVO Dolo. Consciência e vontade de atribuir a si

ou a outrem identidade falsa.

Elemento Subjetivo Específico: finalidade de obter vantagem, em

proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:

4) SUJEITOS:

a. Ativo – qualquer pessoa.

b. Passivo – Estado e, secundariamente, a pessoa lesada.

5) CONSUMAÇÃO Crime formal.. Consuma-se no momento em

que o agente atribui a si ou a outrem a falsa identidade. Dispensa

a ocorrência do dano, sendo suficiente que a mentira tenha

potencialidade lesiva.

6) TENTATIVA Admite-se, quando realizada por escrito.

Jurisprudência:

RCL. CRIME. FALSA IDENTIDADE.

A reclamação tem por base a Res. n. 12/2009-STJ, visto que a turma recursal dos

juizados especiais estaduais em questão teria proferido acórdão que diverge da

jurisprudência do STJ. Houve a concessão de liminar para determinar a suspensão dos

processos em trâmite nos juizados especiais que tratem de tema semelhante ao da

reclamação. O reclamante foi condenado por ter declarado, diante da autoridade

policial, nome diverso do seu com o fim de ocultar sua vida pregressa (art. 307 do CP).

Contudo, prevalece no STJ o entendimento de que, em regra, essa conduta é atípica,

pois geralmente não se subsume ao tipo constante do referido artigo, visto que se está

buscando não uma vantagem ilícita, mas sim o exercício de possível direito

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constitucional – a autodefesa. Anote-se, todavia, que essa averiguação faz-se caso a

caso. Quanto ao tema, a Min. Maria Thereza de Assis Moura trouxe ao conhecimento da

Seção recente julgado do STF nesse mesmo sentido. Assim, a Seção julgou procedente

a reclamação para reformar a decisão da turma recursal dos juizados especiais estaduais

e absolver o reclamante por atipicidade, ratificando a liminar concedida apenas quanto a

ele, revogando-a no que diz respeito aos demais processos, que deverão ser analisados

um a um pelos respectivos órgãos julgadores, mas com a observância do entendimento

reiterado pelo STJ. Por último, cogitou-se sobre a remessa do julgamento à Corte

Especial em razão da cláusula de reserva de plenário, diante da aventada

inconstitucionalidade parcial do referido artigo do CP, o que foi descartado. Precedentes

citados do STF: HC 103.314-MS, DJe 7/6/2011; do STJ: HC 171.389-ES, DJe

17/5/2011; HC 99.179-SP, DJe 13/12/2010; HC 46.747-MS, DJ 20/2/2006; HC 21.202-

SP, DJ 13/3/2006; HC 153.264-SP, DJe 6/9/2010; HC 145.261-MG, DJe 28/2/2011, e

REsp 432.029-MG, DJ 16/11/2004. Rcl 4.526-DF, Rel. Min. Gilson Dipp, julgada em

8/6/2011.

“HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR A

CONDIÇÃO DE FORAGIDO. EXERCÍCIO DE AUTODEFESA. ABSOLVIÇÃO.

CRIME DE RECEPTAÇÃO. PENA-BASE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. REINCIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM.

REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. 1. Consolidou-se nesta Corte o entendimento

de que a atribuição de falsa identidade, visando ocultar antecedentes criminais, constitui

exercício do direito de autodefesa. 2. No caso dos autos, a conduta atribuída ao paciente

foi a de fazer uso de documento falso. É bem verdade que a finalidade era a mesma, ou

seja, ocultar sua verdadeira identidade, por ser "procurado pela Justiça". 3. Embora o

delito previsto no art. 304 do Código Penal seja apenado mais severamente que o

elencado no art. 307 da mesma norma, a orientação já firmada pode se estender ao ora

paciente, pois a conduta por ele praticada se compatibiliza com o exercício da ampla

defesa. 4. Absolvição que se impõe quanto ao crime de uso de documento falso. 5. (...)”

(HC 151470/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 06/12/2010)