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Educação Musical
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Reconhecimento de canes por crianas de quatro a cinco anos de idade: palavra ou
melodia?
Por Helena Rodrigues (1) & Paulo Ferreira Rodrigues (2)
Cantar um dos comportamentos musicais mais observados em crianas de diferentes
faixas etrias. tambm uma actividade com grande relevncia quer na comunicao
intuitiva entre o adulto e a criana quer na prtica educativa em contextos formais. Pelas
suas caractersticas estruturais e expressivas, a cano oferece inmeras possibilidades
para o estudo da interligao entre os processamentos musical e lingustico.
Sabemos que o texto de uma cano exerce um forte poder de atraco sobre a criana
em idade pr-escolar. Numa fase em que est muito desperta para a descoberta e
explorao de capacidades lingusticas, ouvir uma histria ou brincar com palavras que
rimam adquire amplitudes diversas consoante se utilize a voz falada ou a voz cantada.
Sendo a criana sensvel palavra cantada, envolvendo-se que na escuta quer na
produo musical, poderemos questionar-nos sobre o papel desempenhado pela
melodia no processamento do pensamento musical da criana quando produzida em
simultneo com a palavra. Como que a criana se relaciona com as palavras e a
melodia de uma cano?
Em investigaes preliminares, Rodrigues (1997) apresentou pares de fragmentos
rtmicos, com a mesma estrutura rtmica mas com timbres diferentes, a crianas de seis
e sete anos, pedindo-lhes para os compararem. Os exemplos incluam pares de
estmulos rtmicos em que um fragmento rtmico era percutido no tampo de uma mesa,
sucedendo-se depois esse mesmo fragmento rtmico vocalizado numa determinada
slaba (por ex. em papap). Apresentavam-se tambm pares de estmulos rtmicos em
que o mesmo fragmento rtmico era vocalizado primeiro numa determinada slaba (por
ex. em papap), sendo depois vocalizado noutra (por ex. em ttet). Para cada
situao, pedia-se s crianas para compararem os dois fragmentos do par apresentado,
dizendo se eram iguais ou diferentes. Caso as crianas optassem pela resposta so
diferentes, pedia-se-lhes para dizerem se algo permanecia igual.
Algumas crianas, perante um par de fragmentos rtmicos, em que um era executado em
percusso e o outro era vocalizado com uma slaba (por ex. em papap), diziam tratar-
se da mesma msica. No entanto, quando esse mesmo par de fragmentos rtmicos era
apresentado em duas slabas diferentes (por ex. em papap e tititi), diziam tratar-se
1
de msicas diferentes. Excepcionalmente, B., uma criana de seis anos, filosofou:
Os sons so diferentes, mas a coisa a mesma. A coisa?, perguntou-se-lhe. Sim, a
coisa a msica, foi a resposta.
Na altura em que foi levado a cabo este tipo de experincias procurava-se apenas
compreender como que crianas desta faixa etria se posicionavam face aos conceitos
de igual e de diferente, presentes no teste Intermediate Measures of Music
Audiation de Edwin Gordon (1986) visando a adaptao deste teste para a populao
portuguesa. Entretanto, a resposta daquela criana os sons so diferentes, mas a coisa
a mesma; a coisa a msica remeteu-nos para o universo piagetiano, para o
conceito de conservao.
As questes sobre conservao piagetiana foram redimensionadas para contextos
musicais em diversos estudos. Simons (1978), Hargreaves (1986), Zimmerman (1986,
1993), Sloboda (1985) e Gonalves (2006) referem trabalhos de autores como Pflederer,
Zimmerman, Sechrest, Botvin, Foley, Serafine, Tunks e Webster em que foi abordada a
conservao de parmetros musicais como a melodia, o andamento, a tonalidade, o
ritmo, a harmonia, a mtrica ou o timbre. Mantendo o princpio bsico das experincias
piagetianas (Piaget & Inhelder, 1962, 1966; Piaget, 1975) em que se pretende verificar
se a criana capaz de conservar uma propriedade invariante de um objecto quando
ocorrem transformaes noutra propriedade desse mesmo objecto , foram efectuadas
experincias em que se verificava se perante duas verses de um fragmento musical
diferindo num daqueles parmetros as crianas conseguiam conservar o parmetro ou
parmetros que se mantinham sem alterao.
Num estudo pioneiro, Pflederer (1963, in Zimmerman, 1993) pretendeu verificar a
conservao da melodia quando apresentada, por exemplo, em metade do andamento da
verso inicial. Considerou que as crianas de oito anos conseguiam dar respostas
evidenciando a conservao da melodia ao indicarem que duas verses de uma melodia
diferindo na mtrica, na tonalidade ou no ritmo eram de algum modo o mesmo
embora diferentes em determinados aspectos (94%). Metade das crianas de cinco
anos revelou no possuir ainda a capacidade de estruturar um pensamento com estas
caractersticas.
No entanto, a maioria dos investigadores privilegiou grupos de crianas com idades
superiores a seis anos. Por outro lado, no so referidos estudos no mbito da
conservao musical manipulando as palavras de uma cano (vulgo a letra, termo
este que usaremos tambm neste estudo).
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Pode questionar-se se o conceito de conservao pode ser redimensionado para o
contexto musical. Alguns aspectos crticos so apontados por Hargreaves (1986) e por
Sloboda (1985) sobre estudos de conservao musical, nomeadamente: (1)
comparativamente aos estudos de Piaget, as pesquisas realizadas sobre conservao
musical diferem no sentido em que a criana no pode observar as transformaes da
melodia nem ter a certeza que a segunda verso deriva da primeira, uma vez que a tarefa
musical decorre numa dimenso temporal (nas tarefas de Piaget, de dimenso espacial,
a criana via sua frente a transformao contnua dos materiais enquanto era
questionada sobre os seus efeitos); (2), assim, nos estudos de conservao musical no
existe a possibilidade de reversibilidade do fenmeno musical, ou seja, o retorno sua
verso original, pelo facto de cada momento musical surgir isolado dos precedentes; (3)
a terminologia utilizada, assim como a estrutura das perguntas, podem determinar as
respostas; e (4) os resultados dos estudos devem ser tambm considerados em funo
de, por exemplo, diferentes nveis de desenvolvimento da memria, da concentrao, da
capacidade de percepo e da expresso verbal.
Em suma, o facto de a msica ser um acontecimento que se desenrola no tempo, no
permite que se estabeleam comparaes entre objectos musicais simultaneamente. Isto
, aspectos ligados memria podem estar a interferir de modo diverso do que sucede
nas provas piagetianas. Assim, se por um lado a expresso de B. (o som diferente,
mas a coisa a mesma) fez ressoar uma situao de tipo piagetiano, levando-nos a
questionar a capacidade da criana em conservar o ritmo de um fragmento musical
perante variaes na letra ou timbre desse fragmento, podemos alternativamente
equacionar as nossas observaes no mbito do estudo da percepo e da categorizao
da informao musical.
Por outro lado, importa recordar que, segundo os estdios de Piaget, o pensamento pr-
operacional utilizado pelas crianas at cerca dos sete/oito anos caracteriza-se pela
tendncia em centrar a ateno exclusivamente em partes isoladas ou pores limitadas
do estmulo que, de alguma forma, se salientem ou tenham interesse particular para a
criana, excluindo a informao restante. Considera-se, assim, a relevncia do processo
de identificao de invariantes qualitativas a que Piaget chama identidade qualitativa
(uma dissociao entre as qualidades permanentes e as qualidades variveis). A
capacidade para descentrar ou considerar diversas propriedades simultneas de um
estmulo poder constituir, ento, uma importante competncia perceptiva e
discriminativa no processo de desenvolvimento musical.
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Este estudo foi desenhado com o objectivo de perceber se a utilizao de palavras numa
melodia cantada interfere no reconhecimento dessa melodia e de que modo que
palavras e melodia interferem no reconhecimento de uma dada cano. Concretamente,
procurou-se verificar se o reconhecimento de uma melodia afectado pelo facto de essa
melodia ser apresentada com palavras ou sem palavras. Procurou-se ainda verificar se,
para a identificao de uma cano, a criana se baseava na letra ou na melodia. Ou
seja, independentemente da referncia conservao, centramo-nos na descrio de
experincias em que manipulmos as variveis melodia e letra de canes apresentadas
a crianas de quatro e cinco anos de idade.
O estudo deste problema lana pistas relevantes para o conhecimento do pensamento da
criana e abre portas para questes acerca das relaes entre melodia e linguagem
verbal, quer no mbito da investigao sobre o desenvolvimento psicolgico na infncia
quer no mbito da pedagogia musical.
Mtodo
Participantes
Participaram neste estudo 31 crianas com idades compreendidas entre os quatro anos
(8 rapazes e 8 raparigas) e os cinco anos de idade (8 raparigas e 7 rapazes). Estas
crianas frequentavam um jardim-de-infncia em Lisboa e tinham aulas de expresso
musical no seu plano curricular com um professor especialista, realizando com
regularidade actividades estruturadas de canto e de audio musical.
As crianas estavam divididas em dois grupos homogneos (a sala dos 4 anos e a
sala dos 5 anos), com os quais foram replicados os mesmos procedimentos de
investigao.
Materiais
Foram utilizadas duas melodias e duas canes criadas especificamente para este estudo
como se pode verificar, a cano do co foi criada a partir da melodia 1 e a cano
do pato foi criada a partir da melodia 2 que abaixo se transcrevem:
Melodia 1
4
Melodia 2
Cano 1. Co
Cano 2. Pato
Para as respostas das crianas foram usados cartes coloridos e cartes com imagens em
associao com as melodias e as canes.
Para a recolha das respostas das crianas foi utilizado um conjunto de 31 envelopes e
um mesmo nmero de cartes (coloridos ou com imagens, de acordo com o
procedimento) em associao com as melodias e as canes.
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Procedimento
Este estudo desenrolou-se em duas fases, cada uma das quais constituda por um
perodo de instruo (em que as crianas escutavam o professor a cantar) e um perodo
de testagem do reconhecimento das melodias ouvidas durante o perodo de instruo
(em que as crianas participavam sob a forma de jogo).
Primeira Fase
Na primeira fase, sujeitou-se as crianas a um perodo de instruo em que foram
expostas audio da melodia 1 e da melodia 2. Posteriormente, fez-se a testagem do
reconhecimento da melodia:
a) nas mesmas circunstncias da instruo, isto , entoando a melodia 1 e a melodia 2
em lailailai;
b) introduzindo palavras, isto , cantando a cano do co e a cano do pato.
Durante o perodo de instruo, o professor de Msica explicou s crianas que iriam
ouvir "duas msicas" (melodia 1 e melodia 2) que designou por msica amarela e por
msica azul. Ao longo de trs sesses, no incio, o professor entoou cada uma das
melodias usando o vocbulo lailailai (ou seja, no usou palavras), pela seguinte
ordem: 1, 1, 2, 2, 1 e 2. Tendo em ateno a faixa etria destas crianas e pretendendo
envolv-las activamente na audio das melodias, o professor recorreu a estratgias
ldicas semelhantes s que costumava habitualmente usar nas suas aulas. As crianas
estavam sentadas no cho, em crculo, cada uma possuindo dois cartes (um amarelo e
outro azul) e iam seguindo as indicaes do professor. Este pediu s crianas que,
enquanto entoava a melodia 1, movessem livremente o carto amarelo; e que, enquanto
entoava a melodia 2, movessem livremente o carto azul. Assim, a melodia 1 passou a
ser designada por msica amarela e a melodia 2 por msica azul.
Na quarta sesso, passou-se ao perodo de testagem, tendo o professor pretendido
verificar se as crianas reconheciam as melodias 1 e 2, na mesma condio em que
foram escutadas durante o perodo de instruo (isto , entoando-as em lailailai).
Depois, o professor cantou a cano do co e a cano do pato procurando verificar se
nesta nova condio, em que eram utilizadas palavras, as crianas continuavam a
identificar as melodias.
Para isso, instruiu as crianas no sentido de, aps ouvirem cada uma das melodias j
suas conhecidas, colocarem no envelope o carto com a cor correspondente melodia
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entoada (amarelo ou azul). No caso de no saberem a resposta deveriam colocar um
carto branco no envelope.
Visando assegurar a mxima individualidade e exactido nas respostas, e seguindo o
contexto ldico criado, o professor explicou s crianas que iam fazer uma viagem de
comboio, sentando-as numa fila de cadeiras. O jogo consistia em cada passageiro
ouvir a melodia e colocar dentro do envelope o respectivo bilhete (o carto colorido
associado a cada melodia), o que deveria ser feito em segredo. Aps ter entoado cada
melodia, o professor verificava a resposta dada por cada criana, escrevendo o resultado
obtido nos respectivos envelopes.
Este jogo foi repetido quatro vezes, tendo os exemplos musicais sido apresentados pela
seguinte ordem: melodia 1, melodia 2, cano do co e cano do pato. Nesta primeira
testagem pretendeu-se, pois, verificar se as crianas, tendo identificado as melodias 1 e
2, continuavam a reconhec-las quando as mesmas eram apresentadas com palavras.
Segunda Fase
Na segunda fase, as crianas foram expostas a um perodo de instruo em que lhes era
dado a ouvir a cano do co e a cano do pato. Posteriormente fez-se a testagem do
reconhecimento:
a) retirando as palavras, ou seja, reapresentando a melodia 1 e a melodia 2;
b) trocando as letras das canes entre si, conforme abaixo se descreve:
Melodia 1 com letra do pato
Melodia 2 com letra do co
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O professor seguiu procedimentos semelhantes aos da fase anterior: ao longo de trs
sesses subsequentes explicou s crianas que iriam ouvir a msica do co e a
msica do pato ao mesmo tempo que fazia corresponder cano do co e cano
do pato um carto com a imagem do respectivo animal. Ao longo destas sesses foi
possvel verificar que no havia dvidas por parte das crianas em associar a imagem
respectiva cano, na sua forma original.
Depois, numa quarta sesso, passou-se ao perodo de testagem, tendo o professor
pretendido verificar:
a) se as crianas reconheciam a cano do co e a cano do pato, quando voltava a
ento-las sem palavras (melodias 1 e 2, novamente entoadas em lailailai);
b) se as crianas identificavam as canes em funo da melodia ou em funo da letra
quando as canes eram cantadas com as letras trocadas entre si (cano do co com a
letra do pato e vice-versa).
Ou seja, procuraram-se dados que indicassem, por um lado, se o reconhecimento da
melodia de uma cano era afectado pela ausncia da letra da cano e, por outro lado,
se a identificao de uma cano se fazia em funo do reconhecimento da melodia ou
da letra.
Mantendo o contexto ldico criado na fase anterior, as crianas sentaram-se em
diferentes locais da sala, tendo-se-lhes sugerido que a moravam os animais das duas
canes conhecidas, os quais necessitavam de ajuda para regressar a casa. Nesse
sentido, o professor instruiu as crianas para ouvirem cada uma das canes e para
colocarem no envelope o carto com a imagem correspondente ao animal associado
cano ouvida. No caso de no saberem a resposta deveriam colocar o carto branco no
envelope.
Visando certificar-se da fiabilidade das informaes recolhidas, o professor apresentou
duas vezes seguidas a melodia 2 (em princpio, se as crianas estivessem a responder
sem ser ao acaso repetiriam a mesma resposta) e, depois, uma vez a melodia 1. De
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seguida, procedeu experincia de apresentar as canes com troca de letras. De forma
a aumentar a fiabilidade do procedimento de resposta, nesta ltima situao o professor
deu tambm a hiptese de as crianas no colocarem nenhuma imagem no envelope
dando a seguinte instruo: "s colocam no envelope se for a msica do co ou a
msica do pato que conhecemos da sesso; se vocs acharem que no igual, msica
do co ou msica do pato que ouvimos nas aulas ento no pem nada no
envelope.
Apresentao dos Resultados
Na primeira fase do estudo, 27 crianas, do total de 31 crianas, reconheceram a
melodia 1 e a melodia 2 na situao em que a melodia era apresentada tal e qual como
havia sido ensinada (isto , sem palavras).
A Figura 1 apresenta os resultados obtidos na primeira fase do estudo na situao em
que se testou se as crianas apresentavam o carto amarelo e o carto azul quando
ouviam as melodias, comportamento esse indicativo de que estariam a reconhecer a
melodia que durante o perodo de instruo foi associada ao respectivo carto.
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Na primeira fase do estudo verificou-se ainda que as crianas alteraram a sua opo de
resposta na situao seguinte, em que se testou se as crianas continuavam a apresentar
o carto amarelo e o carto azul quando as respectivas melodias eram apresentadas
com palavras (a melodia amarela cantada com a letra do co; a melodia azul
cantada com a letra do pato).
A Figura 2 apresenta os resultados obtidos nesta situao. Quando as melodias foram
apresentadas com palavras (melodia 1. Co e melodia 2. Pato) , verificou-se que 26 e
24 crianas, para as melodias 1. Co e 2. Pato, respectivamente, optaram pela hiptese
de resposta "carto branco", indicativa (segundo as instrues dadas) de que no sabiam
que resposta dar. Para a melodia 2. Pato regista-se que 2 crianas no deram nenhuma
resposta. Finalmente, assinale-se que uma criana optou por ter colocado no envelope
dois cartes: o respeitante melodia em causa (melodia 1.) e o carto branco.
Na segunda fase do estudo, na situao em que se procurou testar se as crianas
reconheciam as melodias quando lhes eram retiradas as palavras depois de terem tido
um perodo de instruo em que as aprendiam com palavras (cano 1. Co e cano 2.
Pato) verificou-se que um grande nmero de crianas optou pelo carto que
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identificava a respectiva melodia. A Figura 3 mostra que 24 crianas optaram pelo
carto pato na primeira apresentao da melodia correspondente cano 2. Pato e
que 27 crianas optaram pelo carto pato na reapresentao da melodia (reteste),
revelando estabilidade no seu comportamento (o que indicia que no estavam a
responder ao acaso). Mostra ainda que 28 crianas optaram pelo carto co na
apresentao da melodia correspondente cano 1. Co.
Na segunda situao da segunda fase do estudo, em que se apresentaram as canes
com as letras trocadas, verifica-se que a maior parte das crianas optou pelo carto
correspondente s palavras da cano.
A Figura 4 mostra que, quando apresentada a melodia 1. Pato, 22 crianas escolheram
a hiptese de resposta "pato", enquanto que 5 optaram por no colocar nenhum carto
no envelope, 2 colocaram o carto branco e 2 colocaram ambos os cartes do Co e
do Pato. Para a melodia 2. Co, 15 crianas optaram pela resposta "Co", 13 crianas
optaram por no colocar nenhum carto no envelope (estas respostas foram observadas
nas crianas com cinco anos) e 3 crianas optaram pela resposta "Pato" (estas respostas
foram observadas nas crianas com quatro anos). Verificou-se, na altura, que algumas
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crianas reagiram com estranheza nova situao, fazendo comentrios como mudou o
ritmo".
Discusso dos resultados
Os resultados indicam que:
a) as crianas observadas reconheceram facilmente uma melodia sem palavras
depois de a terem ouvido num perodo de exposio que ocorreu ao longo de
3 sesses;
b) quando questionadas se a melodia apresentada com palavras correspondia
melodia que tinham ouvido durante as sesses as crianas optaram pela
resposta carto branco, indicativa de que no sabiam a resposta;
c) depois de essa mesma melodia passar a ser apresentada com palavras as
crianas continuaram a reconhec-la quando, novamente, as palavras foram
retiradas (note-se, no entanto e isto constitui uma limitao metodolgica
do presente trabalho , que apesar de na segunda fase as crianas terem sido
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expostas apresentao das melodias com palavras, as mesmas j tinham sido
apresentadas sem palavras na primeira fase do estudo);
d) quando se trocaram os textos dessas melodias e se pediu para as crianas
compararem as canes entre si, a maior parte das crianas julgou o
reconhecimento da canco em funo das palavras e no da melodia,
enquanto que um outro grupo de crianas, mais reduzido, optou por uma
resposta indicativa de que no se tratava da cano escutada durante o
perodo de instruo.
Note-se, ainda, neste ltimo caso, que h excepes aos dois tipos de comportamentos
tpicos. Por exemplo, logo na primeira fase do estudo quando se apresentou com
palavras a melodia inicialmente exposta sem palavras, uma das crianas optou por
colocar no envelope dois cartes: o respeitante melodia em causa e o carto branco.
Interpretmos este comportamento como a sinalizao, por um lado, de que se tratava
de uma situao diferente daquela a que tinha sido exposta mas tambm de que se
tratava da mesma melodia.
Se interpretarmos estes dados como um problema de conservao, dir-se- que numa
situao de teste de conservao em que se manipulam as variveis palavra e melodia,
as crianas parecem "conservar" melhor a palavra que a melodia. O facto de inserir ou
retirar palavras a uma melodia entoada parece afectar a conservao da melodia das
mesmas.
Uma interpretao possvel que a presena de palavras vai direccionar a ateno da
criana para este elemento e que, mais do que uma questo centrada na capacidade da
criana reconhecer ou no a melodia, se trata de uma questo cultural uma cano, ou
um dado fragmento musical, so referenciados no quotidiano por um nome. Neste
estudo, o problema da "conservao" apareceria, assim, mesclado com um problema de
"conceito" da informao (o que constitui a "msica do Pato" ou a "msica do Co": a
melodia ou as palavras?). Ou seja, de certa forma a identidade de uma cano
definida no imaginrio da criana pelas suas palavras e no pela sua melodia.
Assim, ser possvel argumentar que se est perante um processo de categorizao da
informao e no de um problema de conservao. Isto , so as palavras que
determinam a catalogao e denominao da melodia: duas melodias diferentes
executadas com o mesmo texto passam a ser "a mesma coisa"; uma mesma melodia
executada com textos diferentes passa a ser "duas coisas diferentes". Indirectamente, o
problema da conservao estar associado s noes de igual e de diferente (ou,
13
talvez melhor, de no igual) que constituem noes importantes na aprendizagem. a
partir destas noes que se podem estabelecer comparaes e categorizaes.
Em alternativa, poder-se- argumentar que estamos perante uma questo metodolgica:
as crianas podero compreender que so melodias diferentes mas no dispem ainda
das competncias de verbalizao que permitiram a B. (referido no incio deste
trabalho) explicar que eram "sons diferentes" apesar de se tratar da "mesma coisa".
No obstante, na situao a que todos os sujeitos foram submetidos, no se pode
negligenciar que se obteve trs grandes tipos de resposta:
a) crianas que se centraram predominantemente nas palavras em vez da
melodia;
b) crianas que se mostraram confusas perante as experincias de troca de
palavras entre as melodias/canes;
c) crianas que conseguiram lidar com ambas as variveis (palavra e melodia) de
forma independente, considerando as propriedades invariantes de cada uma.
Ser que retomando o tpico da conservao piagetiana, se poderia descrever esses trs
tipos de resposta em termos de: a) inexistncia de conservao da melodia; b)
comportamentos de transio; c) existncia da conservao da melodia?
Dito de outro modo: a capacidade de lidar com a transformao de uma cano a partir
das variveis melodia e palavras configura, efectivamente, um problema de conservao
piagetiana redimensionado para o contexto musical ou ser que deveramos antes
analisar o conjunto de dados obtidos em termos de memorizao e de armazenamento
de informao?
Poder tambm haver limitaes de carcter metodolgico: a mesma criana, perante
tarefas similares, quando colocada perante dispositivos de observao ou de dispositivos
experimentais diferentes poder apresentar diferentes respostas, revelando formas de
funcionamento e de pensamento inconsistentes.
Poderemos tambm interrogar-nos se no existiro diferenas individuais no que toca ao
processamento da informao lingustica e da informao musical. Poder haver
crianas que, em determinadas situaes, recorrem mais ao canal de informao
musical, enquanto outras apresentam estruturas de pensamento mais direccionadas para
o canal de informao lingustico?
A este respeito, cabe referir que, em observaes informais que temos efectuado quer
com crianas com idades compreendidas entre os dois e os trs anos de idade quer com
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adultos submetidos ao mesmo tipo de experincias que as aqui relatadas temos
encontrado dois plos opostos de comportamento: sujeitos que se centram nas palavras
e para os quais as diferenas meldicas parecem ser irrelevantes e sujeitos muito
exigentes no que toca associao de uma determinada letra a uma determinada
melodia.
Esta discrepncia de comportamentos, notada quer na infncia como na idade adulta,
dever-se- sobretudo a diferenas individuais? Isto , as crianas que exibem
privilegiadamente um determinado tipo de comportamento em detrimento do outro
sero mais ou menos "musicais" ou mais ou menos "lingusticas"? Tratar-se- de uma
questo de desenvolvimento musical? A diferena de comportamentos evidenciados tem
reflexos ao nvel da compreenso e da performance musical? Ou pura e simplesmente
de mbito cognitivo? De que forma palavra e melodia interferem nas estratgias de
memorizao? De que forma que palavra e melodia se inter-relacionam ao longo do
desenvolvimento individual; isto , o enfoque sobre a palavra ou a melodia altera-se ao
longo da trajectria de desenvolvimento individual? Estas so algumas das questes a
que ser necessrio responder no futuro, para alm de se prosseguir no sentido da
replicao e aperfeioamento metodolgico do estudo aqui relatado.
Perante os factos relatados, pode-se perguntar se, na presena de duas linguagens
(musical e verbal), a criana privilegia aquela cujo cdigo melhor domina. Mas pode
ainda questionar-se se as letras e as melodias, em si prprias, no tm tambm a sua
"autonomia ontolgica". Isto , h letras ou melodias que so melhor reconhecidas ou
"conservadas" que outras? H letras que so conservadas independentemente das
melodias ou h melodias que as "conservam" melhor?
Finalmente, uma reflexo de carcter epistemolgico: pretender investigar se existe
"conservao da melodia" poder revelar um enviesamento por parte do investigador:
porque ser que, alternativamente, no equacionmos ns o problema em termos de
conservao da letra?
Concluses
Em face dos dados observados pode concluir-se que a utilizao de palavras numa
melodia cantada interfere no reconhecimento dessa mesma melodia. O desenho do
estudo no permite concluir, no entanto, se uma melodia apresentada desde o incio com
palavras to facilmente reconhecida quando "despida" de palavras como outra
apresentada sem palavras desde o incio da aprendizagem.
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Os dois momentos de testagem efectuados parecem indicar a existncia de trs tipos de
comportamento associados s experincias efectuadas para o reconhecimento de uma
cano: crianas que centram a sua ateno nas palavras (que identificam uma cano
pelas suas palavras), crianas que centram a sua ateno na melodia (que identificam
uma cano pela sua melodia) e crianas que exibem comportamentos intermdios entre
estas duas situaes.
Recorde-se que Gordon (2000) na sua teoria de aprendizagem musical tem defendido a
necessidade de incluir canes sem palavras no ensino da msica, pois esta uma
situao que permite que a ateno se concentre em caractersticas intrinsecamente
musicais. Dando continuidade ao estudo aqui relatado, ser importante desenvolver
estudos que procurem perceber que implicaes tem ensinar melodias com letra e
melodias sem letra para diferentes situaes de desempenho musical e para o
desenvolvimento de capacidades musicais.
Tentar estabelecer relaes entre a natureza do pensamento musical da criana e as
estratgias de ensino-aprendizagem, contribuir para que a prtica pedaggica tenha
uma sustentao emprica com base na Psicologia e na Psicologia da Msica.
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Agradecimentos
s crianas, educadoras de infncia e auxiliares de aco educativa que participaram
neste estudo.
A Paulo Maria Rodrigues pela criao dos materiais musicais.
A Orlindo Gouveia Pereira, a Ana Mono e a Maria Manuel Vidal pelas sugestes
relativas redaco deste artigo.
(1) - Investigadora-responsvel do Projecto de Investigao Desenvolvimento Musical
na Infncia e Primeira Infncia (PTDC/EAT/68361/2006), financiado pela Fundao
para a Cincia e Tecnologia ([email protected]). Professora-auxiliar da
FCSH-UNL.
(2) - Membro do Projecto de Investigao Desenvolvimento Musical na Infncia e
Primeira Infncia (PTDC/EAT/68361/2006), financiado pela Fundao para a Cincia e
Tecnologia ([email protected]). Professor Adjunto da ESE-IPL.
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