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NOTA: 9. - Algumas vezes você tem que fazer alguma coisa indesculpável, só para ser capaz de continuar vivendo. Pelo menos boa parte da influência da pscicologia até hoje se dá por causa de seus dois criadores: Carl Jung e Sigmund Freud. Duas mentes tão brilhantes na criação de suas teorias sobre os mistérios da mente humana e principalmente na exposição e validação das mesmas. Ponham os dois frente a frente e pode-se achar que a conversa fica tão complicada e que não se poderá entender nada, mas a verdade é que eles expõem tudo com tanta clareza que não só se compreende do que estão falando como até identificamos alguém que tem o mesmo comportamento. Apesar de ter sido "atualizada" nos tempos de hoje, desde aquele tempo que a pscologia se tornou parte do nosso cotidiano. E este filme conta os poucos anos em que grande parte desse campo foi inventado (com o perdão da palavra). Especialmente pela associação entre Sigmund Freud (Viggo Mortensen), Carl Jung (Michael Fassbender) e Sabina Spielrein (Keira Knightley), esta última que se tornou paciente e depois colega de profissão. Através de muitos diálogos, o que não costuma ser comum nos filmes do diretor David Cronenberg, o filme mostra com muita habilidade cada teoria sendo construída a partir das experiências de cada personagem. Tudo de forma sutil graças às atuações de um elenco muito afiado. Mortensen faz de seu Freud um sujeito contido e extremamente analítico. Jung de Fassbender é um sujeito mais imprevisível tanto nas suas teorias quanto em suas próprias ações. O filme começa em 1904, com a chegada de Sabina à clínica onde Jung trabalha. Ela não chega em silêncio, chega gritando e lutando contra as enfermeiras que tentam contê-la. Mesmo depois de sua chegada, não parece se acomodar. Somente depois de usar os métodos de Freud, é que Jung consegue acalmá-la, chegar ao centro do problema e até mesmo liberar uma mente brilhante de onde só parecia haver caos. Depois disso, é que Jung vai finalmente conhecer o criador das teorias que está usando. É aí que começam as conversas e a amizade entre os dois gênios. Sabina finalmente consegue controlar seus impulsos e até mesmo se formar em psicologia. O interesse entre ela e Jung vai além de interesse profissional ou de uma amizade, e apesar de amar

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NOTA: 9.

- Algumas vezes você tem que fazer alguma coisa indesculpável, só para ser

capaz de continuar vivendo.

Pelo menos boa parte da influência da pscicologia até hoje se dá por causa

de seus dois criadores: Carl Jung e Sigmund Freud. Duas mentes tão

brilhantes na criação de suas teorias sobre os mistérios da mente humana e

principalmente na exposição e validação das mesmas. Ponham os dois

frente a frente e pode-se achar que a conversa fica tão complicada e que

não se poderá entender nada, mas a verdade é que eles expõem tudo com

tanta clareza que não só se compreende do que estão falando como até

identificamos alguém que tem o mesmo comportamento.

Apesar de ter sido "atualizada" nos tempos de hoje, desde aquele tempo

que a pscologia se tornou parte do nosso cotidiano. E este filme conta os

poucos anos em que grande parte desse campo foi inventado (com o perdão

da palavra). Especialmente pela associação entre Sigmund Freud (Viggo

Mortensen), Carl Jung (Michael Fassbender) e Sabina Spielrein (Keira

Knightley), esta última que se tornou paciente e depois colega de profissão.

Através de muitos diálogos, o que não costuma ser comum nos filmes do

diretor David Cronenberg, o filme mostra com muita habilidade cada teoria

sendo construída a partir das experiências de cada personagem. Tudo de

forma sutil graças às atuações de um elenco muito afiado. Mortensen faz

de seu Freud um sujeito contido e extremamente analítico. Jung de

Fassbender é um sujeito mais imprevisível tanto nas suas teorias quanto

em suas próprias ações.

O filme começa em 1904, com a chegada de Sabina à clínica onde Jung

trabalha. Ela não chega em silêncio, chega gritando e lutando contra as

enfermeiras que tentam contê-la. Mesmo depois de sua chegada, não

parece se acomodar. Somente depois de usar os métodos de Freud, é que

Jung consegue acalmá-la, chegar ao centro do problema e até mesmo

liberar uma mente brilhante de onde só parecia haver caos. Depois disso, é

que Jung vai finalmente conhecer o criador das teorias que está usando. É

aí que começam as conversas e a amizade entre os dois gênios.

Sabina finalmente consegue controlar seus impulsos e até mesmo se

formar em psicologia. O interesse entre ela e Jung vai além de interesse

profissional ou de uma amizade, e apesar de amar sua mulher ele acaba

tendo um caso com ela. Quando a amizade entre os dois teóricos vai

decaindo, Freud usa esse romance contra Jung. A partir daqui, o que

parece vermos é que grande parte das teorias é criada a partir  da

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necessidade de virar uma arma contra o outro. As únicas teorias isentas

parecem vir de Sabina que é pega no fogo cruzado dos dois.

Apesar do péssimo poster, que parece indicar um triângulo amoroso entre

os três, o filme não se trata disso. Menos ainda, pela maior exposição de

Knightley tem no poster, se trata da vida dela. A história é sobre a relação

entre Freud e Jung, e talvez os dois poderiam criar teorias interessantes

sobre quem criou a arte.

O filme Um Método Perigoso do diretor David Cronenberg estreou nos EUA no dia 3 de setembro de

2011. Por motivos que nós brasileiros nunca vamos entender a estreia no Brasil foi adiada para dia 20 de

abril de 2012. No mínimo “alguém” considerou prudente que se adiasse este filme para que não

“competisse” com os grandes blockbusters de verão. Quem perde com isso? Por um lado, alguns

espectadores que tem que esperar um tempo desnecessário para assistir um filme. Pelo outro, a própria

indústria do cinema que favorece o compartilhamento informal de filmes, vulgo pirataria. De qualquer

maneira, Cronenberg merece fazer parte de um prólogo nesta resenha, pois no subsolo da sétima arte

este diretor sempre esbanjou coragem e talento.

Em 1975, Cronenberg dirigiu um clássico dos anos setenta sobre zumbis: Calafrios(Shivers), em que um

parasita fálico, transforma seus hospedeiros em zumbis tarados por sexo. O diretor também perambulou

por alguns programas de TV americanos, trabalhando principalmente em episódios de seriados de terror.

Em 2002 dirigiu Spider, em que se arrisca pelo campo da psicopatologia, já mostrando seu interesse por

temas relacionados à Psicanálise. Estrelando Viggo Mortensen, Senhores do Crime (Eastern Promisses –

2007) é um ótimo filme sobre a máfia russa, brutal e inteligente. Em Um Método Perigoso, o diretor decide

voltar a trabalhar com Viggo Mortensen, em um roteiro que fala de psicopatologias e sexualidade.

Mudando de assunto, e retomando outro, Um Método Perigoso tem como argumento a instigante história

da Psicanálise, que está na moda há um pouco mais de um século. O filme conta alguns episódios sobre

o encontro de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung, assim como trata da personalidade de Sabina Spielrein

como pivô deste encontro – dinâmica expressa tanto no enredo, quanto no pôster do filme em que vemos

a figura de Sabina (Keira Knightley) ao centro, ligando os rostos de Jung (Michael Fassbender) e Freud

(Viggo Mortensen). O que há de novo, além de ser o grande atrativo do filme, é exatamente a retratação

dos encontros e desencontros de Freud e Jung. O tratamento e a relação amorosa entre Jung e Sabina já

foram retratados uma vez no filme Jornada da Alma (Prendimi L’Anima – 2003), e a “invenção” da

Psicanálise e a história de Freud já foi mostrada em Freud Além da Alma (Freud – 1962) e Segredos de

Uma Alma (Geheimnisse Einer Seele – 1926), do diretor alemão G.W. Pabst. A frequência da palavra

“alma” nestes filmes se dá por que uma das traduções de Psique é exatamente “alma”.

O filme trata da problemática relação que C. G. Jung manteve com Sabina, já que esta era sua paciente.

Um pouco de história da Psicanálise se faz aqui necessária. Sigmund Freud era um neurologista que se

especializou no tratamento da Histeria. Esta patologia produzia nos doentes muitos sintomas psíquicos e

somáticos (crise de pânico, alucinações, delírios, paralisias corporais, convulsões, entre outras) que os

médicos não conseguiam apontar uma causa orgânica. Freud, no início de seus estudos sobre esta

patologia, hipnotizava suas pacientes para, através da sugestão, retirar os sintomas que os perturbavam.

Ele começou a substituir o método hipnótico por um que ele nomeou de Método de Associação de

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Palavras. Esse método, em resumo, consiste que o paciente fale qualquer ideia, ou associação que

venha a sua mente durante o tratamento, para que o médico possa interpretar estas informações

trabalhando para a amenização dos sintomas patológicos. Freud assim inventava a Psicanálise, que

transformou e reverberou profundamente na cultura humana geral, comparando suas descobertas às de

Copérnico e Darwin.

O nome do filme trata de um artigo de Freud intitulado Observações Sobre o Amor Tranferencial (Novas

Recomendações Sobre a Técnica da Psicanálise III) escrito em 1914 e publicado em 1915. Neste curto

texto (nos parâmetros de Freud) o psicanalista desenvolve indicações sobre a questão do envolvimento

amoroso entre analistas e analisando, de maneira quase provocativa para Jung, que manteve relações

com Sabina durante o atendimento da mesma de 1904 a 1911. Freud neste texto compara o trabalho do

analista à manipulação de substancias explosivas realizada por químicos, ou seja, os psicanalistas

“manuseiam” conteúdos da intimidade de seus pacientes que precisam de um extremo rigor técnico para

que não “explodam” na mão do analista. Freud assim, dois anos após o escândalo entre Sabina e Jung,

teoriza que o envolvimento afetivo/sexual entre analista e paciente não traz beneficio algum para o

tratamento e, portanto, não pode ser considerado nunca como método de tratamento.

O filme trata do erro de técnico de Jung ao arriscar-se neste método perigoso. Porém o filme traz diversos

dados retirados das cartas publicadas de Freud e Jung, que apresentam algumas indicações do conflito

entre os dois. O longa aborda diversas divergências entre ambos, mas foca-se na diferença étnica e de

idade dos dois. Freud é apresentado como um senhor de idade, judeu, inflexível, que está extremamente

preocupado com o futuro de sua ciência, assim como se preocupa em protegê-la do rótulo de misticismo.

Já Jung é retratado como um jovem, ariano, mimado, que está preocupadíssimo com o seu próprio futuro,

pois quer ser famoso e livre em suas ideias, não se limitando ao rigor e se atrevendo a pesquisar o

misticismo e além. Tenho que confessar que para um estudioso da área, fiquei extremamente satisfeito

com estas representações, ela conciliam em perfeição com a imagem que tenho de ambos, quando os

leio.

Keira Knightley está ótima no papel de Sabina durante as crises histéricas. Ela representa muito bem os

trejeitos descritos nos artigos científicos destas pacientes. Seu papel cai um pouco quando Sabina se

forma em medicina, já que a atriz volta à interpretação de sempre, que pode ser vista em Orgulho e

Preconceito e em outros filmes de época realizados pela mesma. Interpretando Jung, Fassbender está

bom o suficiente, já que para mim Jung era um pouco sem graça mesmo. Um suíço, protestante que vive

na hipocrisia. O papel do ator ganha muita profundidade e destaque nos minutos finais durante a

“depressão” de Jung, após a briga com Freud. Viggo Mortensen está impressionante. O ator já tem seu

status de inesquecível após o show de atuação que deu em O Senhor dos Anéis. Assumir para si a

responsabilidade de interpretar Aragorn e fazer o que fez já seria de ótimo tamanho para qualquer ator,

mas assumir a personagem de Freud e fazê-lo como fez, somente adiciona mais dignidade a este ator

que merece, sim, destaque, já sendo (em minha opinião) o melhor da atualidade. Para quem conhece os

vídeos de Freud, suas fotos, biografias, falas e citações, a interpretação é de tirar o fôlego. Mortensen fez

renascer Freud de uma maneira que nem Montgomery Clift (Freud Além da Alma) conseguiu.

As referências para os eternos estudantes da área psi são inúmeras, no filme temos as 13 horas do

primeiro encontro, o psicogauvonômetro, o teste de associação de palavras, Ferenczi, Otto Gross, a

teorização da pulsão de morte e muitas outras; é um prato cheio. Para os espectadores leigos nestas

questões, é uma ótima oportunidade para assistir a um bom filme sobre eventos reais do início do século

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passado, além de servir de referência para Jung e Freud. Ambos os pensadores são muito famosos. A

maneira de se pensar o homem moderno é influência direta do discurso Freudiano e Junguiano. Para dar

um exemplo, todos os conflitos de infância dos heróis, que são “causa” para o caráter deles quando

adultos, são referências claras à teorização de Freud. É simples perceber isso quando notamos que a

maioria dos heróis de quadrinhos surge após 1900, depois que Freud publicou o A Interpretação dos

Sonhos. No próprio quadrinho Arkhan Asylum há uma imagem de Jung nas primeiras páginas como se

este fosse o mentor do Dr. Amadeus Arkhan, fundador do manicômio de Gothan City. Os próprios vilões

de Batman são criados e compostos nas premissas junguianas de imagens arquetípicas. Tanto no

filmeBatman Begins quanto no Batman Eternamente o nome e a teoria arquetípica de Jung são citados.

Assim me despeço, agradecendo a oportunidade me oferecida por Daniel Lopes, Bruno Zago e Alexandre

Callari de escrever para este site que tanto admiro – o Pipoca e Nanquim. Deixo assim minha indicação

para os interessados: quem estuda ou trabalha na área psi tem a obrigação de assistir esse filme. Para

todos os outros deixo a dica de um ótimo filme, bem roteirizado, com ótimas atuações e um tanto quanto

fidedigno.