84

Residuos_Solidos_0

Embed Size (px)

DESCRIPTION

residuos solidos - gestão

Citation preview

  • MARIA CECLIA LOSCHIAVO DOS SANTOSSYLMARA LOPES FRANCELINO GONALVES -DIAS

    ORGANIZADORAS

    RESDUOS SLIDOS URBANOS E SEUS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS

    So Paulo

    IEE-USP

  • 2012 IEE-USPQualquer parte desta publicao pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

    ORGANIZAO MARIA CECLIA LOSCHIAVO DOS SANTOS SYLMARA LOPES FRANCELINO GONALVES-DIAS

    REVISO DO TEXTOJOO MCIO AMADO MENDES MARIA CECLIA GOMES PEREIRA

    COORDENACO DO PROJETO DO EVENTO CAMILA CHEIBUB FIGUEIREDO

    ARTE DA CAPA E CONTRACAPATOMS VEGA

    EDITORAOSRGIO ANTONIO DE OLIVEIRA

    FOTOSTOMS VEGA

    TRANSCRIO: COOPERLNGUAS COOPERATIVA DE PROFESSORES E TRADUTORES

    R429

    Resduos slidos urbanos e seus impactos scio / organizadoras, Maria Ceclia Loschiavo dos Santos, Sylmara Lopes Francelino Gonalves-Dias. -- So Paulo: IEE-USP, 2012 82p.: il. ISBN 978-85-86923-26-5

    1.Resduos slidos 2. Impactos ambientais- aspectos sociais. Santos, Maria Ceclia Loschiavo. II.Dias, Sylmara Lopes Francelino Gonalves CDU 620.92

  • Aos saudosos professores Cesar Ades e Aziz AbSaber

  • SUMRIO

    PREFCIO de Ildo Sauer e Sonia Seger............................................................6

    INTRODUO..................................................................................................8

    Maria Cecilia Loschiavo dos Santos e Sylmara Lopes Francelino Goncalves-Dias

    PARTE I - RESDUOS SLIDOS E IMPACTOS NO MEIO URBANO.............13

    1. RESDUOS SLIDOS: O CAMINHO PARA A SUSTENTABILIDADE........14Jos Goldemberg

    2. RESDUOS SLIDOS URBANOS: REPENSANDO SUAS DIMENSES ..18Raquel Rolnik

    3. INCINERAO E ATERRO SANITRIO: UMA COMPARAO ENTRE DUAS TECNOLOGIAS...............................................................................................23

    Antnio Bolognesi

    4. DESAFIOS E REFLEXES SOBRE RESDUOS SLIDOS NAS CIDADES BRASILEIRAS ..................................................................................................31Pedro Roberto Jacobi

    PARTE II - RESDUOS SLIDOS: A TRAJETRIA DAS POLTICAS

    PBLICAS E A NORMATIVA NACIONAL..................................................35

    5. OS RESDUOS SLIDOS NO MUNDO DO SCULO XXI........................36Fbio Feldmann 6. A POLTICA NACIONAL DE RESDUOS SLIDOS: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A LEI N. 12.305/2010...........................................40Srgio Antnio Gonalves

    PARTE III - RESDUOS SLIDOS: O PAPEL DOS CATADORES NA GESTO COMPARTILHADA..........................................................................................48

  • 7. UMA BREVE HISTRIA DE DOIS CATADORES DE MATERIAIS RECICLVEIS..................................................................................................49Maria Dulcinia Silva Santos, Walison Borges da Silva Walison

    8. A HISTRIA DA COOPAMARE: DIFICULDADES, LUTAS E CONQUISTAS DOS CATADORES...........................................................................................51Eduardo de Paula

    9. GESTO SUSTENTVEL DE RESDUOS SLIDOS NA REGIO METROPOLITANA DE SO PAULO...............................................................55Gina Rizpah Besen

    10. O TRATAMENTO DE LIXO ELETRNICO COMO DESENCADEADOR DE AES DE PROTEO AMBIENTAL E INCLUSO SOCIAL.................61Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho

    PARTE IV RESDUOS SLIDOS: A EXPERINCIA DA CIDADE DE BORS, NA SUCIA.......................................................................................................69

    11. A EXPERINCIA SUECA DA CIDADE DE BORS..................................70Hans Bjrk, Jessica Magnusson, Mohammad Taherzadeh, Olle Engtrm e Tobias Richards

    Posfcio de Jorge Tenorio e Patricia Iglecias..................................................78

    Posfcio de Jose Roberto Cardoso....................................................................80

  • PREFCIO

    Aqueles que, por fora de vocao, ou de escolha, tm o olhar voltado para a apropriao da Energia e seus impactos sobre a Vida, em todas as suas dimenses, sobretudo aps percorrer um caminho considerado, por muitos, heterodoxo, ao pensar no primeiro instante do Universo - a se considerar o Big Bang como a teoria mais aceita sobre sua origem - e no presente, noenfrentam grandes dilemas para constatar uma das mais notveis consequncias deste processo. Ao longo de quase doze mil anos, o Caador Coletor do Paleoltico transformou-se no Lavrador Pastor do Neoltico, gerou as Grandes Civilizaes, atravessou a Idade Mdia e, no m das luzes do Modernismo, foi capaz de romper uma nova barreira e dar incio Revoluo Industrial. Com a insurgncia desta nova era e do modo de produo que lhe deu luz e rapidamente tornou-se hegemnico, o Capitalismo, menos de duzentos anos foram necessrios para que se impusesse Natureza um ritmo, ou produtividade, muitas vezes ampliado e a fora poderosa, acumulada e dominada, dos recursos energticos transformasse os insumos vegetais, animais e minerais em milhes de objetos inanimados e processos, ou servios, em moeda e tambm em mais Vida! Essa constatao emerge da quantidade de almas observadas no incio da Revoluo Agrcola, cerca de 20 a 30 milhes de seres, que chegaram a ser cerca de 700 milhes, por volta de 1750, e a aproximadamente 1,7 bilho de almas em 1900, quando a segunda fase da Revoluo Industrial mal principiara. Hoje, somos sete bilhes.

    Como em um organismo vivo, a Sociedade contempornea, possui um metabolismo singular, em que quantidades crescentes de matria so extradas da Natureza, para que, tragados pelas estruturas de produo sejam convertidos em produtos, suprindo necessidades sociaisconstantemente intensi cadas e cada vez mais complexas. Os resultados dessa digesto so mltiplos e desiguais: a gerao de excedentes econmicos apropriados e distribudos assimetricamente, assim como o acesso qualidade de vida resultante do progresso tecnolgico e industrial e tambm a gerao dos e uentes, atmosfricos, lquidos, gasosos, causandoimpactos biolgicos, qumicos e fsicos e ampliando a distncia j to aprofundada no plano social.

    Para este modo de produo, tudo o que excede mercadoria tratado como inservvel: no tem valor, no tem contedo, no tem utilidade. Entretanto, o olhar pela dimenso energtica diz: - no! Ainda h valor, fsico, naquilo que o sistema rejeita! A 2 Lei da Termodinmica nos prova

    6

  • que muito contedo energtico est presente nos restos que vo parar nas lixeiras, em vrias etapas desse metabolismo fabril. Tambm da analogia com a *Bos* que vm mais elementos para investigar e desmentir essades-valorizao: todo o Ciclo de Vida desses objetos, processos, se investigado, revelar os sorvedouros de valor abandonado, em prol da satisfao de necessidades, de desejos e, tambm, de fetiches, da vida contempornea. Toda a diversidade de restos de materiais semiutilizados nafabricao dos bens que compramos, usamos e cedo ou tarde descartamos, junto com os primeiros, guarda em si ainda muito potencial de *trabalho til*, representado pela *Energia Livre de Gibbs*, uma grandeza fsica, mensurvel, capaz de demonstrar o imenso desperdcio que praticamos singelamente, a cada sucessivo dia da existncia de cada um dos sete bilhes de humanos que somos...

    Este o olhar de um homem muito acostumado a radiografar a existncia pelo vis da energia e das disputas que travam os homens em torno dela e das riquezas por ela possibilitadas. Porm, h outros olhares possveis e necessrios, sobre o que se convencionou, por muito tempo, alcunhar de LIXO. Um olhar permeado pela alma feminina, combativa e sensvel, queproduziu o I Encontro Acadmico Internacional Resduos Slidos Urbanos e seus impactos socioambientais, cujo relato se segue a este breve manifesto.

    viso de Ceclia e Sylmara, como a nossa, fruto de vocao e de escolha, crtica e propositiva, somam-se outras, nacionais e internacionais, para as quais no pode haver acomodao sobre o enorme problema que repousa nas mos de nossa prpria gerao e que restar para o futuro, se nada for feito. Uma profunda re! exo e reviso da problemtica dos Resduos Slidos Urbanos, suas causas e consequncias e, principalmente em nosso pas e regio, o papel reservado a quem tira do lixo a razo de sua prpria existncia.

    O Ciclo de Vida dos resduos aqui est contemplado e esmiuado, para quem o pode encarar.

    Boa leitura.

    Ildo Luis Sauer Professor Titular e Diretor do Instituto de Energia e Eletrotcnica

    Sonia SegerPesquisadora do Instituto de Energia e Eletrotcnica

    7

  • INTRODUO

    Maria Ceclia Loschiavo dos Santos1

    Sylmara Lopes Francelino Gonalves Dias 2

    Como todos os povos, os brasileiros integram as estatsticas sempre crescentes relativas produo de resduos slidos. A gerao de resduos no mundo gira em torno de 12 bilhes de toneladas por ano, e at 2020 o volume previsto de 18 bilhes de toneladas/ ano (UNEP-EEA, 2007). O Brasil repete as tendncias mundiais, em 2008 foram produzidos aproximadamente 67 milhes de toneladas de resduos (IBGE, 2011), apresentando mltiplos desa os e dilemas para sua gesto. A existncia de um expressivo contingente de pessoas que extraem dos resduos sua principal fonte de sobrevivncia, acrescenta problemtica dos resduos uma dimenso sociocultural e antropolgica, que somada aos impactos ambientais e sanitrios requer rigorosa considerao.No ano de 2010, aps longo processo de tramitao, nalmente foi promulgada a lei 12.305 que propiciou sociedade brasileira seu principal instrumento de regulao e criao da Poltica Nacional de Resduos Slidos PNRS (Brasil, 2010). Trata-se de momento signi cativo para todos ns, que requer a participao integral da sociedade e dos atores diretamente envolvidos com os processos de gesto dos Resduos Slidos Urbanos (RSU). Cursos, workshops, conferncias sucederam-se pas a fora fomentando o debate sobre o tema. Neste contexto, o Instituto de Estudos Avanados IEA, da Universidade de So Paulo solicitou-nos a organizao de seminrio para debater os impactos socioambientais dos resduos. Assim, reunimos no I Encontro Acadmico Internacional sobre Resduos Slidos alguns especialistas, docentes, pesquisadores de diversas reas do conhecimento, aos quais se somaram colegas de universidades estrangeiras e de organismos governamentais num esforo de debater as mltiplas facetas dos RSU.

    1Filosofa pela Universidade de So Paulo, mestrado em Filoso a pela Universidade de So Paulo e doutorado em Filoso a pela mesma instituio. professora Titular da Universidade de So Paulo, pela Faculdade de Arquitetura.2Administradora (PUC Minas) e Pedagoga (IEMG). Mestre em Administrao (FEA-USP). Doutora em Administrao (EAESP-FGV) e Doutora em Cincias Ambientais (PROCAM-USP). Professora da Escola

    de Artes, Humanidades e Cincias da Universidade de So Paulo EACH USP.

    8

  • Este livro rene as transcries das apresentaes realizadas pelos participantes, organizadas tematicamente. Desta forma, na parte I, Resduos Slidos e seus impactos no meio urbano esto agrupados os quatro primeiros captulos que buscaram discutir sobre a problemtica dos resduos e a cidade. No Captulo 1, Jos Goldemberg discute a origem e o alcance do conceito de desenvolvimento sustentvel, popularizado em 1987 com a publicao do Relatrio Brundtland, bem como sua importncia para evoluo da proteo ambiental, considerando sua conexo com o problema dos resduos slidos urbanos, enquanto possvel caminho para a sustentabilidade. No Captulo 2, Raquel Rolnik apresenta algumas dimenses do urgente problema dos resduos slidos urbanos e dos diversos aspectos, inclusive de mercado, que esto por trs das discusses em torno de suas possveis solues, na qualidade de observadora de polticas pblicas urbanas, sempre atenta para a necessidade de reduo de resduos e dos padres de produo e consumo, assim como para a perspectiva dos direitos humanos, dentre os quais, o direito moradia adequada. No Capitulo 3, Antnio Bolognesi compara as tecnologias utilizadas na incinerao e na disposio de resduos slidos urbanos em aterros sanitrios, considerando suas emisses e impactos, a partir de um estudo tcnico elaborado pela Empresa Metropolitana de guas e Energia (EMAE), reconhecendo que a temtica dos resduos deve ser tratada, de forma integrada, conforme a complexidade e a disponibilidade de recursos apresentados em cada local, e no com base em uma nica alternativa de soluo para o problema, envolvendo inclusive a questo social dos catadores. No Capitulo 4, Pedro Roberto Jacobi traz diversos desa! os e re" exes sobre os resduos slidos nas cidades brasileiras, considerando seus aspectos espaciais, ambientais, de sade, sociais, culturais e institucionais, destacando inclusive a necessidade do gerenciamento integrado de resduos slidos urbanos e a emergncia de um marco regulatrio institudo pela Poltica Nacional de Resduos Slidos (Lei n. 12.305/2010). A parte II, Resduos slidos: a trajetria da poltica pblica e a normativa nacional, rene dois captulo que tratam da construo da Poltica Nacional de Resduos Slidos e tiveram como questo direcionadora: o que muda na gesto das cidades a partir do novo marco regulatrio? E para os demais atores? Desta maneira no captulo 5, Fbio Feldmann descreve os desa! os dos resduos slidos urbanos na transio para a agenda do sculo XXI, marcada pela ideia de sustentabilidade, a qual remete a uma viso de mdio a longo prazo para soluo dos problemas ambientais. Destaca a importncia de polticas pblicas nacionais, como a Poltica Nacional de Resduos Slidos, e

    9

  • a necessidade de se repensar o desenho dos bens e servios, sob a perspectiva

    holstica de uma economia circular, de baixa intensidade de carbono, criativa e

    de biodiversidade.

    No capitulo 6, Srgio Antnio Gonalves realiza alguns apontamentos

    sobre a Lei da Poltica Nacional de Resduos Slidos (Lei n. 12.305/2010),

    que com sua modernidade impactar a vida de todos, desde os cidados at o

    setor industrial, discutindo e analisando temas como a insero dos catadores, o

    Sistema Nacional de Informaes sobre a Gesto dos Resduos Slidos (SINIR),

    a formao de consrcios municipais para gesto de resduos slidos, a hierarquia

    de resduos trazida pela PNRS, o gerenciamento de resduos perigosos, e os

    objetivos legais dos planos de gesto e gerenciamento de resduos, que no se

    confundem, embora se inter-relacionem.

    J na parte III, Resduos Slidos: o papel dos catadores na gesto

    compartilhada, apresenta em outros quatro captulos as perspectivas, dilemas e

    desa! os socioambientais para insero dos catadores. Como viabilizar a insero

    do catador? Como estamos avanando na discusso do pagamento de servios

    ambientais urbanos? No captulo 7, Maria Dulcinia Silva Santos e Walison

    Borges da Silva apresentam um breve relato de suas experincias e lutas como

    catadores de materiais reciclveis em So Paulo, associados Cooperativa de

    Catadores Autnomos de Papel, Papelo, Aparas e Materiais Reaproveitveis

    (COOPAMARE), disseminando a importncia da reciclagem dos resduos

    slidos urbanos.

    No captulo 8, Eduardo de Paula relata a histria da COOPAMARE,

    marcada por di! culdades, lutas, movimentos e conquistas dos catadores de

    materiais reciclveis, como ele, e aborda a importncia do catador na questo

    dos resduos slidos urbanos, inclusive na Lei da PNRS, e o seu reconhecimento

    enquanto categoria pro! ssional, que a um s tempo colabora com o poder

    pblico, sociedade e meio ambiente.

    No captulo 9, Gina Rizpah Besen discorre sobre os desa! os de uma

    gesto sustentvel dos resduos slidos na regio metropolitana de So Paulo,

    pressupondo que a efetiva sustentabilidade indissocivel da incluso dos

    catadores de materiais reciclveis, que so os protagonistas da atividade da

    coleta de seletiva, objeto de sua tese de doutorado sob o ttulo Coleta seletiva

    com incluso de catadores: construo participativa de indicadores e ndices de

    sustentabilidade, defendida em 2011 na Faculdade de Sade Pblica da USP, e

    destacando a falta de dados padronizados e con! veis sobre a coleta seletiva, e

    de uso de indicadores de sustentabilidade.

    10

  • No captulo 10, Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho apresenta algumas iniciativas na rea de lixo eletrnico realizadas pela Universidade de So Paulo (USP), dentre as mais importantes, o Selo Verde, o Centro de Descarte e Reso de Resduos de Informtica (CEDIR) e o Projeto Eco-Eletro, que desencadeiam aes de proteo ambiental e incluso social, por exemplo, ao oferecer treinamento para catadores de cooperativas da Grande So Paulo em conceitos de microinformtica e lixo eletrnico, potencializando a sua segurana e gerao de renda. Finalmente, a parte IV, Resduos Slidos: a experincia da cidade de Bors na Sucia traz a discusso das perspectivas e oportunidades tecnolgicas para o tratamento de resduos slidos urbanos. As questes que direcionaram a construo deste eixo foram: (1) tecnologia a chave para as solues? E o que dizer do comportamento dos atores envolvidos? Deste modo, no captulo 11, Hans Bjrk, Jessica Magnusson, Mohammad Taherzadeh, Olle Engtrm e Tobias Richards retratam a experincia da cidade de Bors, na Sucia, que tem se destacado no gerenciamento de seus resduos slidos urbanos, por meio de um sistema de triagem tica em larga escala que abrange toda a cidade e possibilita a recuperao completa dos resduos orgnicos, de usinas de produo de biogs e fertilizantes. Tambm se destaca a reciclagem de praticamente 100% dos materiais descartados e a incinerao dos rejeitos. No entanto a experincia da cidade de Bors na Sucia nos traz uma importante lio constituindo-se em signi! cativo exemplo de articulao, participao comunitria, pesquisa acadmica para gesto de resduos com 100% de recuperao e reintroduo em uma nova cadeia de valor, seja ela energtica ou de reciclagem. Este caso mostrou-nos a fora da cooperao em hlice tripla entre Universidade, Estado e iniciativa privada para repensar nosso prprio percurso estratgico para busca de solues da problemtica brasileira. A realizao deste evento contou com o entusiasmo e pro! ssionalismo de jovens alunos, Camila Cheibub Figueiredo, Julia Gomes e Carvalho, Lucia Lucena, Luciana Ziglio, Rafael Galvo e Toms Vega, a quem agradecemos vivamente. Para a organizao do evento foi decisiva a coordenao de Camila, para a logstica foi fundamental a participao de Ins Iwashita. Agradecemos aos patrocinadores Estre Ambiental e Empresa Metropolitana de gua e Energia (Emae), acolhida da Escola Politcnica da USP, em cujo auditrio se realizou esse seminrio e ao convite do Instituto de Estudos Avanados (IEA) e ao apoio dos professores do IEE-PROCAM. Ao grupo BijaRI pela instalao Carro Verde que de forma simblica buscou traduzir as questes urbanas relacionadas aos danos ambientais. A ativa participao dos colegas da Universidade de Boras, na Sucia enriqueceu o debate sobre os desa! os para a construo da gesto dos RSU.

    11

  • Finalmente queremos agradecer aos catadores, particularmente da

    COOPAMARE pela inestimvel colaborao e por nos ensinarem que o lixo de

    alguns o capital de muitos.

    Referncias

    BRASIL. Poltica Nacional de Resduos Slidos. Braslia, 2010. Disponvel

    em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm

    Acesso em 30/10/2010.

    Brasil. IBGE Instituto Brasileiro de Geogra! a e Estatstica. IBGE Cidades -

    2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.

    UNEP-EEA. The Road from land lling to recycling: common destination,

    different routes, 2007.

    12

  • PARTE I - RESDUOS SLIDOS E IMPACTOS NO MEIO URBANO

    13

  • 1. Resduos slidos: o caminho para a sustentabilidade

    Jos Goldemberg3

    A ideia de desenvolvimento sustentvel se tornou popular a partir de

    1987, quando foi publicado um relatrio preparado por comisso presidida

    pela ento Primeira Ministra da Noruega, Gro Brundtland, uma mdica que

    mais tarde veio a se tornar diretora-geral da Organizao Mundial da Sade. Em

    1983, a Comisso recebeu da Assembleia Geral das Naes Unidas o mandato

    de preparar um relatrio sobre desenvolvimento sustentvel e seus vrios

    aspectos. Essa Comisso viajou pelo mundo e ouviu um nmero expressivo

    de especialistas que foram convidados a expor seus pontos de vista sobre o

    problema. Tive a oportunidade de participar desses trabalhos, apresentando as

    vises sobre desenvolvimento sustentvel na rea de energia.

    O relatrio elaborado chama-se Our Common Future (Nosso Futuro

    Comum) e nele h um captulo sobre energia baseado na apresentao que ! z

    na ocasio, em 1984. O referido relatrio de! ne o desenvolvimento sustentvel

    como aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a

    possibilidade de as geraes futuras atenderem a suas prprias necessidades.

    A ideia de desenvolvimento sustentvel contm dois conceitos-chaves,

    quais sejam: o conceito de necessidades, sobretudo as necessidades bsicas

    dos pobres do mundo, que, por sua vez, devem receber a mxima prioridade; a

    noo de limitaes que o estgio atual da tecnologia e da organizao social

    impe ao meio ambiente, impedindo-o de atender s necessidades presentes e

    futuras.

    Pelo fato de ser bastante vago, o conceito de desenvolvimento sustentvel tem

    sido objeto de inmeras pesquisas e trabalhos de mestrado e doutorado, que

    tentam esclarecer o seu signi! cado. O conceito no esclarece muito bem o que

    so necessidades futuras. A de! nio acima no tem mtrica e no ! ca claro

    o que se entende por geraes futuras. Nossos ! lhos? Nossos netos? Uma das

    crticas que foram feitas ao relatrio menciona uma frase de Kant (1792), de

    3Doutor em Cincias Fsicas pela Universidade de So Paulo da qual foi Reitor de 1986 a 1990. Foi

    Presidente da Companhia Energtica de So Paulo (CESP); Presidente da Sociedade Brasileira para o

    Progresso da Cincia; Secretrio de Cincia e Tecnologia; Secretrio do Meio Ambiente da Presidncia da

    Repblica; Ministro da Educao do Governo Federal e Secretrio do Meio Ambiente do Estado de So

    Paulo.

    14

  • mais de 200 anos, em que ele a rma que todos ns nos preocupamos com as geraes futuras e a melhor maneira de faz-lo dar educao aos nossos lhos, de modo que uma ideia antiga. Apesar disso, o denominado relatrio Brundtland foi muito importante porque estimulou os movimentos ambientalistas no mundo, o que levou mais tarde realizao da Conferncia do Rio4 em 1992 e s Convenes dela resultantes como a Conveno do Clima e a Conveno da Biodiversidade, alm da Agenda 21. Deseja-se explicar aqui qual a origem do conceito de desenvolvimento sustentvel e qual a conexo com os resduos slidos que o tema que nos reuniu neste seminrio. O problema comeou h dois sculos quando Malthus observou que na Inglaterra, poca, a populao crescia de acordo com uma progresso geomtrica (1, 2, 4, 8, 16, 32, 64 ...), ao passo que a atividade agrcola crescia numa progresso aritmtica (1, 2, 3, 4 ...), isto , linearmente. Tal autor temia que a exploso populacional acabasse provocando fome no mundo. No entanto, nas dcadas seguintes, a produo agrcola cresceu muito mais rapidamente do que se supunha, devido ao aumento da produtividade, de modo que em uma mesma rea de terra se produzia muito mais do que antes. H ainda pases no mundo em que as consideraes de Malthus permanecem vlidas, mas como um todo elas deixaram de ser verdadeiras. A ttulo de exemplo, o rendimento da produo de trigo ou de milho dos EUA cerca de 3 ou 4 vezes maior do que na frica por causa da revoluo verde. Por volta de 1970, o Clube de Roma chamou a ateno para o fato de que no era s o crescimento populacional, mas tambm o consumismo que crescia exponencialmente. Assim, examinou a evoluo da populao, da industrializao, da produo de alimentos e do esgotamento das reservas fsicas, principalmente do petrleo que parecia iminente. Como resultado dessas previses pessimistas, a Organizao das Naes Unidas criou a Comisso Brundtland. De fato, no sculo XX, a populao cresceu 1,34% ao ano e o consumo de energia cresceu 2,21% por ano, ou seja, o crescimento de energia foi muito mais rpido que o crescimento populacional, sobretudo porque se acreditava que a crise de 1973 tinha que ver com a exausto das reservas de petrleo, o que no era verdade. O petrleo representa 34% da energia que se consome no mundo, o carvo, 27%, e o gs, 22%, todos eles combustveis fsseis e, portanto,

    4Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada

    entre 3 e 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro.

    15

  • exaurveis. Somando-se esses trs componentes, obtm-se aproximadamente 80%. O restante se origina de energia nuclear, biomassa tradicional (usada em foges de lenha na frica, no sul da sia e em algumas partes do Brasil) e energias renovveis modernas como, etanol, energia geotrmica, solar e elica. Os combustveis fsseis apresentam, contudo, trs problemas: a exausto das reservas; a segurana de abastecimento, na medida em que petrleo e gs esto distribudos de uma maneira muito desigual no mundo (cerca de 50% do petrleo no mundo se origina no Oriente Mdio que h muito tempo tem problemas de natureza poltica); e os impactos ambientais que con guram um problema novo. Vale observar que os combustveis fsseis so hidrocarbonetos que quando queimam geram CO2, que no um poluente normal. Esses problemas adquiriram recentemente uma grande importncia, uma vez que o aquecimento global passou a ser detectado experimentalmente, a partir de 1950. Efeitos mais dramticos e visveis so hoje aparentes: derretimentos das geleiras, o nvel mar est subindo, assim como a temperatura mdia da Terra. Algumas possveis solues para esses problemas so: o uso mais e ciente de energia, que uma receita aplicvel principalmente aos pases industrializados; o aumento do uso de energias renovveis; e o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias e sua adoo pelos pases em desenvolvimento. O desenvolvimento sustentvel impe que se apliquem medidas desse tipo para tentar resolver os problemas energticos, o que est ocorrendo de maneira signi cativa em vrios lugares do mundo, inclusive no Brasil. Malthus no tinha razo no caso da agricultura, pois nunca houve fome generalizada no mundo em um nvel que colocasse em perigo a sobrevivncia da humanidade. No entanto, outros problemas efetivamente surgiram desde ento e um deles o do excessivo consumo de recursos naturais consequente gerao de resduos. Existem sete bilhes de pessoas na Terra, de modo que ao longo de um ano cada pessoa movimenta cerca de 8 toneladas de recursos minerais. Nos Estados Unidos, so 80 toneladas de recursos minerais per capita por ano, enquanto na ndia e em parte da China so menos de 8 toneladas, mas em mdia so 8 toneladas. O Brasil est na mdia mundial e, se aprofundarmos um pouco, veremos que movimentar 8 toneladas de recursos minerais por ano um nmero considervel: apenas de gasolina colocamos aproximadamente 1 tonelada por ano em cada automvel. H um sculo, quando a populao era de 1,5 bilho de habitantes, o consumo era menor que 2 toneladas per capita por ano, ou seja, 3 bilhes de toneladas por ano. Hoje so 7 bilhes de pessoas consumindo 8 toneladas per capita por ano, isto , 56 bilhes de toneladas por ano, quase 20 vezes mais. Os fenmenos naturais movimentam cerca de 50 bilhes de toneladas de

    16

  • recursos minerais por ano que se originam de erupes vulcnicas, de ventos que movimentam areia do deserto e de gua que carrega sedimentos. Portanto, pela primeira vez na histria da humanidade, o homem se tornou uma fora de propores geolgicas. At o sculo XIX, o homem desenvolveu uma enorme e cincia em matar os seus semelhantes, mas no de modi car a natureza. Em todas as guerras do passado, a natureza sofreu relativamente pouco, mas isso deixou de ser verdade hoje. Os resduos slidos so um componente signi cativo dessa movimentao, na medida em que cada um de ns produz por dia aproximadamente 1 kg de resduos, ou seja, uma frao que no desprezvel na movimentao total de materiais. Portanto, se desejamos ter um desenvolvimento sustentvel, no podemos continuar a fazer isso. Temos que reciclar os materiais e eliminar as perdas, e se h um lugar onde h perdas evidentes nos resduos slidos, sobretudo aqui no Brasil. O contedo de matria orgnica no lixo brasileiro maior do que o contedo orgnico em outros pases. Por sua vez, o contedo orgnico como um combustvel fssil que, devidamente tratado, pode ser queimado. A tecnologia para faz-lo no estava desenvolvida at recentemente, uma vez que no havia maior interesse. Agora que a disponibilidade de combustveis fsseis est com os dias contados, o uso de resduos orgnicos passou a ser uma opo. Apesar das descobertas de petrleo do pr-Sal, as reservas mundiais de petrleo esto em exausto. Temos, portanto, de desenvolver novas fontes de energia e uma delas a reutilizao da matria orgnica que est nos resduos slidos urbanos. por essa razo que os resduos slidos so um componente importante do que se entende como desenvolvimento sustentvel.

    17

  • 2. Resduos slidos urbanos: repensando suas dimenses

    Raquel Rolnik5

    A questo dos resduos slidos urbanos absolutamente urgente, dada a dimenso catastr ca da sua situao nos Municpios e nas regies metropolitanas, e do atraso brasileiro no enfrentamento desse tema. Ao mesmo tempo, absolutamente necessrio louvar as iniciativas que tm sido feitas no Brasil inteiro. importante considerar as experimentaes e os trabalhos nesse sentido, nos nveis municipal, estadual, e nacional, tanto no campo legislativo e institucional como na experimentao concreta, envolvendo universidades, ONGs e comunidades. Como Relatora do Conselho de Direitos Humanos da Organizao das Naes Unidas (ONU) para o Direito Moradia Adequada, uma das coisas que eu aprendi ao longo desses trs anos de mandato foi tentar pensar todas as questes do ponto de vista dos direitos humanos e, sobretudo, daquela dimenso dos direitos humanos que pouco absorvida no discurso e na prtica, que so os direitos econmicos, sociais e culturais. O direito moradia, o direito gua, o direito ao trabalho e aos meios de sobrevivncia so dimenses dos direitos humanos que so to direitos humanos quanto a liberdade de expresso, a liberdade do voto e a autodeterminao dos povos, embora sejam muito menos absorvidos na linguagem comum e principalmente nas polticas pblicas. Nessa oportunidade, venho trazer algumas dimenses da questo dos resduos slidos urbanos, bem como dos aspectos que esto por trs das discusses em torno de suas possveis solues. O tratamento dos resduos no uma questo de natureza tcnica e tecnolgica, nem um problema de natureza nanceira, ou seja, de existncia ou no de dinheiro e de investimentos. evidente que sem dinheiro no se consegue trabalhar ou encaminhar qualquer soluo, mas reduzir o tema a certa quantidade de recursos e alternativas de tecnologia parece desconsiderar, sobremaneira, a sua complexidade. Assim, apresento algumas dimenses como uma observadora das polticas urbanas e no como especialista em polticas ou em resduos slidos.

    5Possui graduao em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de So Paulo mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de So Paulo e doutorado em Graduate School Of Arts And Science History Department - New York University. Desde 1979 professora universitria no campo da arquitetura

    e urbanismo, sendo atualmente professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

    18

  • A primeira dimenso refere-se ao fato de que o lixo visto cada vez mais como uma mercadoria e um campo de negcios, na medida em que seu tratamento e destinao nal geram negcios. Tal situao ajuda a explicar, em parte, porque no entram em pauta temas to importantes como a reduo da quantidade de resduos, a reciclagem, a diminuio do consumo e a reduo da produo de mercadorias, que a princpio so contracclicos no sentido da expanso da quantidade de mercadorias. Essa discusso parece estar absolutamente ausente. Ns estamos condenados a conviver com uma quantidade de coisas e de objetos produzidos e descartados cada vez maior. Tem se tornado claro que no ser possvel, numa escala global, continuarmos a expanso de uma quantidade de produtos to gigantesca como a que estamos consumindo. Embora esse processo esteja cada vez mais evidente, as intervenes e as polticas de resduos no tocam nessa questo. Nosso grande modelo internacional de poltica econmica hoje a China, que o pas que produz a maior quantidade de cacarecos e objetos que j pudemos imaginar; todo e qualquer pequeno cacareco descartvel made in China. uma quantidade absolutamente exagerada de produtos; eu diria de inutilidades domsticas e empresariais com profuso. No entanto, isso visto como um modelo, j que o crescimento chins fantstico. Outro grande modelo, inclusive praticado largamente pelo Brasil, o de reduo da pobreza via expanso da capacidade de consumo, ou seja, via integrao ao mercado para que as pessoas possam comprar mais e mais objetos. Mas o que faremos com esses objetos depois? Para onde eles iro e como sero tratados no colocado como um problema, j que depois vai tornar outro campo empresarial de gerao de negcios. Assim, os objetos podero ser levados para aterros ou queimados num incinerador ou serem tratados de outra forma e tudo isso vai gerar mais mercadorias e negcios. Os impactos ambientais desse modelo so muito claros quando discutimos o potencial de emisso de gases de efeito estufa com o tratamento de resduos. Portanto, no me parece sustentvel um debate sobre resduos slidos urbanos que no trabalhe com a ideia da reduo. Mesmo quando se discute sobre se vamos repensar os produtos ou se vamos comear a fazer produtos mais verdes, isso se torna algo quase pattico, pois temos todos os produtos no verdes para descartar e substituir pelos produtos verdes, que logo mais tarde a tecnologia nos dir serem muito pouco verdes, ento surgiro novos produtos verdes. Vejamos um exemplo bem comum disso: outro dia me dei conta da quantidade de sacolas reutilizveis (no de plstico) que eu tenho na minha

    19

  • casa. Eu no consigo e nem preciso usar vinte e cinco sacolas reutilizveis. Mas a cada evento ambientalista ou a cada evento em que se busca um compromisso ambiental e empresarial, eu ganho uma sacola reutilizvel e com isso se disseminam milhares e milhares de sacolas reutilizveis. A reciclagem tambm virou uma mercadoria e um produto. A ideia do reciclado virou um novo produto que se soma ao velho produto e noves fora, nada. mais um cacareco a ir para o lixo, j que vai chegar uma hora em que no vo caber mais sacolas na minha gaveta e eu vou mand-las para o lixo. A segunda dimenso questiona o que o ponto de vista dos direitos humanos nos auxilia quanto a essa questo. Quando pensamos nas dimenses sociais do lixo, de um lado, relaciona-se com o prprio modo de produo e os limites concretos que nos coloca. De outro lado, h a discusso de quem perde e de quem ganha, de quem bene ciado e de quem no bene ciado por esse processo. Nesse sentido, parece-me muito exemplar toda a experincia da reciclagem por meio dos catadores e de sua incluso dentro das polticas de resduos slidos, no apenas no Brasil, mas mundo afora. Aqueles segmentos da populao mais vulnerveis, mais pobres ou mais excludos dos circuitos econmicos e sociais so na maior parte das situaes os que lidam com o lixo, ou seja, os catadores que utilizam o lixo como fonte de sobrevivncia. A reciclagem do lixo representa para esse setor no apenas uma alternativa de sobrevivncia, mas tambm uma alternativa de manipulao desses produtos, juntamente com a reduo, constituindo-se como uma estratgia muito importante. Mas novamente, se a reciclagem for pensada estritamente do ponto de vista empresarial, como campo de negcios, ela seguir na contramo de uma poltica social, em que o trabalho com os resduos slidos urbanos seja tambm uma poltica de ampliao de direitos. Eu vejo e posso citar o exemplo de So Paulo, que um exemplo absurdo, pois como possvel que tenhamos numa cidade, que a mais rica do Brasil, um percentual de reciclagem to n mo. Evidentemente, o modelo de gesto de resduos de So Paulo baseado na ideia de que o mais importante as empresas que trabalham com o lixo ganharem dinheiro. Desse modo, haver menos reciclagem, porque haver menos lixo e, quanto menos lixo, menos lucro. E a populao e o planeta no seriam mais importantes? A coisa mais importante, novamente, acaba sendo o negcio do lixo. A questo de natureza poltica, ou seja, trata-se de uma questo de opes polticas que so feitas em relao a esse tema. Ns teramos condies claramente de incorporar muito mais esse segmento vulnervel da populao no ciclo da reciclagem e do reaproveitamento dos resduos, mas no estamos fazendo isso. No por incapacidade tcnica ou por incapacidade de gesto, mas

    20

  • por opo poltica que prefere tratar o lixo como uma fonte de lucro e no dar

    a importncia devida para o problema, mesmo que tal escolha seja feita numa

    dimenso pblica, numa poltica pblica.

    A terceira dimenso, relacionada com a anterior, refere-se importncia

    de uma poltica com os catadores que atue em vrias linhas. Como Relatora para

    o Direito Moradia Adequada, uma das denncias de violao de tal direito que

    tenho recebido, muitas vezes, que quando se fazem projetos de reassentamento,

    por exemplo, de assentamentos informais, favelas e comunidades informais,

    em que se tem um grande nmero de catadores e recicladores, no se pensa

    que o local onde essa comunidade se encontra seja o lugar que lhe permite

    o exerccio desse trabalho. Muitas vezes, a comunidade assentada longe

    dali, sem espao para que a atividade de reciclagem possa acontecer de forma

    adequada. Geralmente, esses elementos no so considerados nos projetos

    habitacionais.

    Trata-se, portanto, de uma enorme violao do conceito de moradia

    adequada, na medida em que o conceito de moradia adequada no apenas o

    de quatro paredes e um teto, mas aquele que inclui o acesso aos meios de vida e

    aos meios de sobrevivncia, como um de seus elementos conceituais, conforme

    sua de nio enquanto direito humano.

    Para concluir, levantarei apenas mais uma questo, que precisa ser

    enfrentada, que o tema da gesto. Ora, parece-me que exatamente nos temas

    ambientais, como o caso da gua e do saneamento ambiental de uma maneira

    geral, incluindo o lixo, a escala de tratamento muito raramente uma escala

    municipal. Isso vale para as metrpoles, mas tambm para pequenos Municpios

    que fazem parte de uma regio. Essa escala muitas vezes uma escala regional,

    seja de aglomerados urbanos, seja de pequenos Municpios que, muitas vezes,

    tm uma capacidade muito limitada de interveno no s nanceira, mas

    tambm tcnica e de gesto.

    Apesar dos esforos que foram muito importantes no sentido de serem

    propostos instrumentos voltados para uma articulao federativa, como os

    consrcios pblicos, do ponto de vista geral de organizao do Estado brasileiro

    na rea do desenvolvimento urbano, o modelo atual absolutamente boicota

    qualquer ao federativa. Boicota, porque um modelo vertical, no qual as

    relaes so estabelecidas entre a Unio e os Estados, entre cada Estado e os

    Municpios que o compem, e entre a Unio e os Municpios.

    Em outras palavras, no se trata de um modelo que favorece uma

    articulao horizontal entre os Municpios ou entre os Estados. O modelo de

    nanciamento, a contabilidade pblica e o controle de gesto esto estruturados

    dessa forma vertical, de modo que as tentativas de se realizarem aes

    21

  • consorciadas vo na contramarcha de todo o modelo de nanciamento de gesto

    existente. Assim, as aes consorciadas se tornam uma gincana que quase nunca

    chega ao m, o que no ser resolvido com equaes tcnicas. Ns apenas

    resolveremos tal situao no momento em que nalmente percebermos que

    sem uma mudana no modelo federativo brasileiro, que tem muita relao com

    o modelo poltico eleitoral, muito di cilmente ns conseguiremos enfrentar o

    tema da gesto pblica compartilhada e da gesto consorciada, no campo dos

    resduos slidos urbanos, em especial, e no campo do saneamento ambiental,

    de forma geral.

    22

  • 3. Incinerao e aterro sanitrio: uma comparao entre duas tecnologias

    Antnio Bolognesi6

    No existe uma nica alternativa para tratar a questo dos resduos slidos. No podemos dizer que o problema dos resduos ser resolvido nica e exclusivamente com mecanizao, produo de biogs, incinerao ou reciclagem, mas por meio do conjunto de todas essas solues. Acreditamos que os problemas decorrentes dos resduos devem ser tratados conforme a complexidade que se apresenta em cada local e tambm de acordo com a disponibilidade de recursos existentes. lgico que difcil de nir uma soluo como sendo a nica para uma determinada regio. No mundo, h exemplos de solues mltiplas nas quais se faz uso de aproveitamento energtico de resduos, de reciclagem, de compostagem e de aterros. Em alguns pases, simplesmente proibido depositar materiais no tratados em aterros. Nos pases mais desenvolvidos, h uma grande quantidade de reciclagem e compostagem, e tambm se faz uso da tecnologias de transformao ou reciclagem energtica de resduos. Uma regio como So Paulo, por exemplo, admite mltiplas solues e elas devem ser todas integradas dentro de uma lgica para tratamento do problema, envolvendo inclusive as questes sociais dos catadores, ou seja, o trabalho importante que eles realizam nessa parte da reciclagem, o qual deve ser tratado de uma forma mais pro ssional do que amadora. Portanto, devemos enfrentar a questo dos resduos de uma forma muito mais sria e proporcional ao tamanho do problema como o caso de So Paulo, onde produzimos entre resduos domsticos, comerciais e da construo civil cerca de 15 mil toneladas por dia. uma quantidade imensa que exige uma soluo bastante complexa. Dessa forma, vamos conhecer o tamanho do nosso problema. No Brasil, todo o lixo coletado encaminhado para aterros sanitrios, aterros controlados ou lixes. Em termos proporcionais, em torno 20% desses resduos vo para os lixes, 24% para aterros controlados, que so lixes que passaram a ser tratados como aterros sanitrios, e cerca de 57% para aterros sanitrios (ABRELPE, 2009). No Estado de So Paulo, que est em melhores condies no pas, cerca de 76% dos resduos so dispostos em aterros sanitrios, 14% em aterros controlados e apenas 9% em lixes (ABRELPE, 2009).

    6Engenheiro, ex presidente da Empresa Metropolitana de guas e Energia (EMAE).

    23

  • importante apontar, que praticamente 80% dos resduos gerados em So Paulo se encontram nas trs regies metropolitanas do Estado, a saber, Baixada Santista, Campinas e Grande So Paulo. Devemos ter bastante ateno com essas regies onde h uma grande densidade demogr ca. Apresentado esse breve quadro sobre a destinao de resduos slidos no Brasil, apresentaremos a pesquisa realizada pelos tcnicos da Empresa Metropolitana de guas e Energia (EMAE). Trata-se de estudo comparativo entre o aterro sanitrio (principal soluo para resduos no Brasil), e a incinerao ou a unidades de recuperao energtica de resduos slidos urbanos (soluo amplamente utilizada no mundo, com mais de oitocentas usinas espalhadas por diferentes pases). O objetivo do estudo foi quanti car as emisses e os impactos na sade pblica e no meio ambiente, associados disposio de resduos em aterros sanitrios e em unidades de recuperao energtica de resduos slidos urbanos, aplicando-se uma tecnologia que possibilitou uma comparao objetiva entre o total de emisses e os impactos associados a cada uma das alternativas. Nosso objetivo original com esse estudo era quebrar um paradigma que existe, principalmente aqui no Brasil, de que as unidades de incinerao so danosas sade, que trazem problemas por meio da produo e emisso de algumas substncias malignas e/ou cancergenas. J o aterro sanitrio visto com mais tranquilidade, ou seja, como se no ocorresse problema algum ao depositar os resduos em aterros sanitrios. Com isso, objetivvamos mostrar que a situao no exatamente da forma como se imagina. importante que se diga que no pretendemos com isso a rmar que o aterro sanitrio no uma soluo ambientalmente adequada. Existem vrias regies em que o aterro sanitrio sempre ser a nica soluo, principalmente em municpios muito isolados. Contudo, nas grandes regies metropolitanas, devemos dispor de mltiplas solues. O estudo considerou a unidade de recuperao energtica e o aterro, ambos com capacidade para recebimento de 1.200 toneladas de resduos por dia. Para os dois casos, foram quanti cadas as emisses e os impactos. Buscou-se quanti car esses impactos com base na Resoluo SMA n. 797 (que na verdade similar das diretivas europeias para implantao das unidades de recuperao energtica de resduos); em dados de usinas europeias em operao; em fatores de emisso da United States Environmental Protection Agency (EPA);

    7Resoluo SMA n. 79, de 04 de novembro de 2009, da Secretaria do Estado de Meio Ambiente de So Paulo, que estabelece diretrizes e condies para a operao e o licenciamento da atividade de tratamento

    trmico de resduos slidos em Usinas de Recuperao de Energia (URE).

    24

  • em agncias ambientais da Inglaterra; ainda, utilizaram-se metodologias do

    Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), da EPA; e dados do

    projeto. Alm disso, foram considerados os custos totais das emisses dos

    impactos por meio dos custos marginais de danos. A tabela 1 mostra fontes

    de referencias utilizadas para quanti! car os impactos socioambientais tanto do

    aterro como de URE.

    Tabela -1 Fontes das referencias utilizados pela EMAE para quanti! car os

    impactos ambientais do aterro e da URE

    Fonte: EMAE

    Aterro

    Natureza Discriminao URE Com queima do

    biogs em flare

    Com queima do

    biogs em motor ciclo Otto

    Slidas Cinzas (UTTRs) dados de projeto no existente

    Lquidas Rejeitos do ECP (UTTRs) Chorume (Aterro)

    praticamente no existente

    Dados de aterros e modelos matemticos

    CO2 dados de projeto dados de projeto e metodologia IPCC

    Metano no existente metodologia IPCC

    NOx

    CO

    MP

    Fatores de emisso EPA

    Dioxinas e Furanos estudo especfico

    COV (HCT) estudos EPA e UK Environm. Agency

    SO2

    HCl estudo especfico

    HF

    Hg e compostos estudo Comunidade Europia

    Cd + Tl e compostos

    Gasosas

    Pb+As+Co+Ni+Cr+Mn+Sb

    +Cu+V e compostos

    Resoluo

    SMA-079 e mdia de dados operacionais de

    40 plantas existentes na Alemanha

    sem dados disponveis

    Emisses Fatores de emisso do PROCONVE - CONAMA

    Transporte Adensamento de trfego,

    acidentes no considerados - maiores para aterros

    Intercorrncias

    Incndios, exploses,

    vazamentos, desmoronamentos

    no considerados

    Passivo ps-encerramento praticamente

    inexistente

    no considerado - muito maiores para

    aterros

    Disamenities

    Odores, impacto visual,

    desvalorizao, rudo, presena de vetores, aves

    de rapina, etc,

    no considerado - maiores para aterros

    25

  • Estudos desta natureza no so muito comuns para o Brasil, mas esto h

    mais de vinte anos em desenvolvimento na Europa. As unidades de recuperao

    energtica esto hoje muito bem estudadas, monitoradas com muito cuidado,

    divulgadas e questionadas em todo o mundo. Ou seja, hoje se tem muita

    informao a respeito das unidades de recuperao energtica de resduos.

    Quanto aos aterros, a situao diferente, uma vez que so pouco estudados

    e as informaes so pouco divulgadas. No existe qualquer metodologia

    espec ca aqui no Brasil, com exceo do metano que tem como objetivo nico

    a questo de crditos de carbono. Em qualquer aterro, por mais bem feito que

    possa ser, utilizando-se dos melhores critrios de engenharia, existe uma parte

    do biogs que escapa, ou seja, que no coletado. A outra parte do biogs que

    coletada pode ser queimada em ares8 ou queimada em motores para produo

    de energia. No caso do Brasil, estamos usando basicamente motores.

    Quais emisses so quanti cadas? Os gases de efeito estufa, como

    metano e CO2, as emisses gasosas decorrentes do transporte e outras emisses

    como NOx, monxido de carbono, dioxinas, furanos e inclusive metais pesados.

    Existem ainda as emisses lquidas como o chorume, nos aterros, e os rejeitos

    dos processos de tratamento energtico, como cinzas e escorias das unidades de

    recuperao energtica.

    Houveram impactos que no conseguimos quanti car, ou melhor, os

    que ainda no foram foco de estudo mais aprofundado. Dentre esses impactos

    ainda no quanti cados, est o adensamento de trfego, que maior para aterros

    devido ao maior trajeto, na medida em que os aterros geralmente esto cando

    cada vez mais distantes. Esse um impacto importante, porque interfere no

    trfego. No caso dos aterros, necessrio transbordar este material, enquanto

    na unidade de recuperao energtica no se usa transbordo. Outro impacto

    refere-se aos passivos ps-encerramento, que so muito grandes para aterros,

    mas que no existem nas usinas de recuperao energtica. Odores, impacto

    visual e desvalorizao do entorno so outros impactos que nos estudos que ns

    pesquisamos so chamados de disamenities9. H tambm a presena de vetores

    e organismos patognicos, praticamente exclusivos de aterros.

    Como gerado o biogs no aterro? O que aproveitamos para produo de

    energia no aterro? O biogs tem uma produo bastante elevada nos primeiros

    8Os ares so equipamentos que coletam o biogs de aterros sanitrios e biodigestores e fazem a queima

    a uma temperatura acima de 500 C.

    9Amenities signi cam amenidades, portanto, disamenities traduzem o seu oposto, tratando-se de uma

    palavra criada para expressar nvel de desconforto e inconvenincia, amplamente utilizada nos estudos

    cient cos sobre o destino nal de resduos slidos.

    26

  • 10 a 15 anos do aterro, contudo depois comea a cair. At por volta de 60 anos,

    ainda h produo de biogs, mas sempre numa tendncia a zerar ao longo do

    tempo. Existe um potencial explorvel desse gs que de aproximadamente

    70% de toda a produo de um aterro sanitrio. H um determinado ponto do

    tempo em que no mais economicamente vivel aproveitar esse gs. Desse

    potencial explorvel, conseguimos coletar em torno de 50% de todo o gs

    produzido em um aterro sanitrio, uma vez que os outros 50% de todo gs vaza

    para a atmosfera j que no h um perfeito encapsulamento do aterro. Como

    esse encapsulamento feito com o solo, sempre h um pequeno vazamento; por

    mais e ciente que seja o bombeamento de remoo dos gases, sempre ocorre

    uma perda.

    Realizamos comparaes entre a produo de emisses de uma usina

    de recuperao energtica e de um aterro sanitrio. No caso do aterro sanitrio,

    existem duas condies: queima do biogs em ares ou queima em um motor

    ciclo Otto, esta ltima a tcnica que vem sendo praticada no Brasil. No caso do

    CO2, a queima do resduo direto por meio da incinerao produz um pouco mais

    do que a queima do biogs no aterro. J quanto emisso de metano, praticamente

    no h produo na incinerao. H apenas uma pequena quantidade de metano

    que produzida entre o tempo que o resduo ca na vala at que ele possa

    ser queimado. J no aterro, a produo de metano bem elevada, que o gs

    coletado para a queima. A tabela 2 apresenta os resultados do estudo realizado

    pela EMAE para quanti cao de emisses anuais em uma URE e um aterro

    sanitrio com capacidade de 1.200 t/dia.

    27

  • Tabela 2- Quanti cao de emisses anuais de URE e aterro sanitrio com

    capacidade de 1.200 t/dia

    (1) Biogs coletado: 50% do potencial total de gerao

    Fonte: Estudo comparativo EMAE (2011)

    A grande surpresa desse estudo foi quanto emisso de dioxinas e

    furanos, que pela so sticao do tratamento de gases e e uentes, em uma usina

    de incinerao, a produo dessas substncias quase 25 vezes menor10 do

    que em um aterro. No aterro, quando a queima ocorre em motor de ciclo Otto,

    produz-se em torno de 5 vezes mais dioxinas e furanos. O grande problema que

    se discute que as usinas de incinerao produzem dioxinas e furanos que so

    prejudiciais sade.

    De fato, como veremos, as dioxinas e os furanos so as piores substncias

    para a sade humana, tendo enorme custo ambiental e para a sade. Todavia,

    importante apontar que em um timo aterro sanitrio, onde se queima todo

    o metano, inclusive para crdito de carbono, por meio de ares ou motores

    para produo de energia, produzem-se 25 vezes mais dioxinas e furanos do

    que em uma usina de incinerao, queimando a mesma quantidade de resduos.

    Com isso, veri ca-se uma total quebra de paradigma do que se discute hoje, em

    termos nacionais.

    10Nmeros atestados de produo real em usinas europeias e asiticas.

    Aterro (1)

    Compostos Unidade UTTR Queima do biogs em flare

    Queima do biogs em motor

    ciclo Otto

    CO2 (t/ano) 207.966 135.732 135.732

    Metano (t/ano) 4 15.707 15.707

    NOx (t/ano) 259 121 361

    CO (t/ano) 20,8 16,1 185

    MP (t/ano) 2 7,6 7,5

    Dioxinas e Furanos (g/ano) 0,006 0,15 0,03

    SO2 (t/ano) 17,1 13,8 13,8

    HCl (t/ano) 5,1 2,5 2,5

    COV (t/ano) 0,9 87,5 87,5

    Chorume (t/ano) no aplicvel 105.850 105.850

    HF (t/ano) 0,36 0,57 0,57

    Cd + Ti e compostos (t/ano) 0,004 no disponvel no disponvel

    Hg e compostos (t/ano) 0,007 0,18 0,18

    Pb+As+Co+Ni+Cr+Mn+Sb+Cu+V e compostos

    (t/ano) 0,044 no disponvel no disponvel

    Cinzas leves (t/ano) 17.500,00 no aplicvel no aplicvel

    Escria (t/ano) 80.000,00 no aplicvel no aplicvel

    28

  • As experincias que j tivemos na cidade de So Paulo com usinas de

    incinerao foram terrveis, porque na dcada de 1950, quando foram instaladas,

    no havia a preocupao com o tratamento dos e uentes, nem havia preocupao

    com o tratamento dos prprios resduos, de modo que o entorno tinha muito

    mau cheiro. Alm disso, a emisso de gases provocava chuva cida e uma

    srie de outros problemas. Atualmente, em muitas usinas ao redor do mundo,

    esse problema est completamente resolvido, de forma que suas emisses so

    in nitamente menores do que eram h vinte anos.

    Em termos de produo de gases de efeito estufa, na usina de recuperao

    de energia, produz-se em torno de 208 mil toneladas por ano e, no caso do aterro

    com queima dos gases em ares ou em motores, produz-se cerca de 465 mil

    toneladas por ano, ou seja, mais do que o dobro de produo de gases de efeito

    estufa. No Brasil, utilizamos a soluo da queima como um abatimento dos

    gases de efeito estufa que de fato melhor do que soltar o metano na atmosfera.

    Queim-lo muito melhor, mas queimar o resduo dentro de uma usina

    incineradora com controle de acordo com a tecnologia atual muito melhor.

    Comparando a questo das emisses e impactos, o CO2 um pouco

    maior no caso da incinerao, mas o metano muito maior para o aterro sanitrio.

    J o NOx praticamente equivalente para as duas tecnologias. O monxido

    de carbono e o material particulado so maiores para o aterro sanitrio, e as

    dioxinas e os furanos so muito maiores. Uma surpresa refere-se aos gases que

    contm mercrio, que no aterro sanitrio so muito maiores do que na soluo

    da incinerao. Enquanto a incinerao produz cinzas e escorias, o aterro produz

    chorume. J o transporte com uso da incinerao muito menor do que com o

    aterro. Assim, na incinerao, os inconvenientes para a sociedade so muito

    menores e no h passivo, j com o aterro se forma um passivo bastante elevado.

    A comparao de emisses e impactos nessa sistemtica foi a valorao

    por meio do custo marginal de dano, que o valor presente dos impactos,

    associados emisso adicional de uma unidade de massa, de um determinado

    poluente e expresso em reais por tonelada.

    Nas dcadas de 1990 e de 2000, foi desenvolvida uma ferramenta

    de comparao e taxao de clculo de compensaes que tem origem no

    mecanismo de desenvolvimento limpo e de crdito de carbono. Os fatores

    considerados foram: danos sade, como custos de atendimento, medicaes,

    tratamentos e internaes relativos s doenas degenerativas, cardiovasculares

    e respiratrias, alergias, afastamentos, sequelas e incapacidades; prejuzos

    diretos agricultura como nas colheitas, corroso provocada pelos compostos

    dos derivados de enxofre; danos ao patrimnio artstico e cultural; e danos

    associados ao aquecimento global, como enchentes, secas, e nevascas.

    29

  • Trata-se de estudos bastante complexos, elaborados por universidades europeias. Foram adotadas as mdias de todos esses estudos, e a ordem de grandeza e de proporcionalidade entre os valores se mantm, evidenciando uma consistncia grande entre os vrios estudos realizados. Por exemplo, o custo da produo em reais por uma tonelada de dioxinas e furanos de um quatrilho seiscentos e setenta trilhes de reais. Esse o dano causado para o ser humano em termos de custos convertidos de todos os problemas das dioxinas e furanos. No caso de todas essas produes gasosas e todos esses resduos, se os custos unitrios forem multiplicados pela produo de cada uma dessas solues, chega-se concluso de que, por exemplo, no caso de dioxinas e furanos, uma usina de recuperao energtica produz em torno de R$11,00 por tonelada de dano. No caso do aterro sanitrio, R$350,00 (ou R$ 73,00, quando se usa um motor ciclo Otto). As dioxinas e furanos so, sem sombra de dvidas, problemticos, mas no so to impactantes nem preocupantes no caso da unidade de recuperao energtica. Os custos totais em milhes por ano no caso da usina de recuperao energtica cam em torno de 17 milhes. J no caso do aterro sanitrio, cam em torno de 26 milhes (ou 30 milhes, quando se queima em um motor). Assim, o custo para a sociedade de um aterro sanitrio pode chegar quase ao dobro de uma usina de recuperao energtica, em termos de valores das emisses, conforme os problemas que as emisses causam. Nesse sentido, so possveis as seguintes concluses: as emisses das usinas de recuperao de energia so amplamente estudadas; os aterros tm uma menor preocupao com as emisses; as usinas de incinerao apresentam menores emisses de dioxinas e furanos, gases de efeito estufa, NOx, particulados e metais pesados do que os aterros; os impactos decorrentes das unidades de tratamento trmico ou recuperao energtica e de aterros podem ser comparados em termos de custos ambientais e de sade pblica. Os valores obtidos indicam que o custo ambiental e sade das unidades de recuperao energtica so signi cativamente menores do que no caso dos aterros e essa vantagem tende a ser maior se considerarmos os impactos no abordados, como os passivos ps-encerramento, odores, visual e inconvenincias do entorno de um aterro sanitrio.

    Referncias:

    ABRELPE . ASSOCIAO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE LIMPEZA PBLICA E RESDUOS ESPECIAIS . Panorama dos Resduos Slidos no Brasil. ABRELPE: So Paulo, 2009.

    30

  • 4. Desa os e re exes sobre resduos slidos nas cidades brasileiras

    Pedro Roberto Jacobi11

    Para re etir sobre os resduos slidos urbanos necessrio levar em

    conta aspectos espaciais, ambientais, de sade, sociais, culturais e institucionais.

    A questo central que se coloca : o que fazer com os resduos?

    No aspecto ambiental, um dos desa os a necessidade de de nirmos

    as melhores alternativas a serem adotadas, com menores impactos e que no

    sejam meramente tecnolgicas. Esse desa o se expressa, por exemplo, quando

    nos referimos produo de cerca de 11 mil toneladas de resduos por dia no

    Municpio de So Paulo e mais de 17 mil toneladas por dia na regio metropolitana

    de So Paulo. Essa uma questo que efetivamente no nos apresenta respostas

    imediatas, devendo ser buscadas solues que combinem alternativas, ainda que

    paream se encaminhar de uma forma extremamente limitada.

    No que se refere aos aspectos sociais, a incluso social se impe como

    um tema fundamental, que deve ser tratado sem paternalismos, como parte de

    uma poltica pblica, sob uma lgica institucional, sem glamouriz-la, e sim

    trazendo tona efetivamente as possibilidades que uma poltica pblica pode

    promover em termos de reduo de desigualdades.

    Em relao aos aspectos culturais, com os quais todos ns estamos

    envolvidos, principalmente nas ideias de se produzir menos, de reutilizao e

    de reciclagem, est presente um desa o que se associa aos temas das prprias

    polticas pblicas, tal como a Poltica Nacional de Resduos Slidos - PNRS

    (Lei n. 12.305/2010).

    Para situarmos as dimenses do problema, importante destacar, de

    modo geral, alguns aspectos do cenrio brasileiro. Aproximadamente 80%

    da populao vive em reas urbanas, ao mesmo tempo em que a gerao de

    resduos slidos per capita est aumentando cada vez mais, assim como a sua

    complexidade e periculosidade. No Estado de So Paulo, por exemplo, em

    funo do papel que a Companhia Ambiental do Estado de So Paulo (CETESB)

    exerce, h um certo controle da periculosidade dos resduos, mas em outros

    Estados do pas a situao absolutamente problemtica.

    11Possui graduao em Cincias Sociais e em Economia pela Universidade de So Paulo. Mestrado

    em Planejamento Urbano e Regional pela Graduate School of Design - Harvard University, Doutorado

    em Sociologia pela Universidade de So Paulo. Livre Docente em Educao -USP. Professor Titular da

    Faculdade de Educao e do Programa de Ps Graduao em Cincia Ambiental (PROCAM/USP) da

    Universidade de So Paulo.

    31

  • A gerao mdia de resduos no Brasil tem se situado quase num patamar

    de pases desenvolvidos. Estima-se que so geradas entre 140.000 toneladas dia

    (SNIS, 2010) e 173.500 toneladas/dia de resduos urbanos (ABRELPE, 2010).

    Entretanto, importante alertar para o fato de que os dados de resduos so

    extremamente contraditrios. No fcil tomar decises quando olhamos para

    esses dados, pois so bastante discrepantes entre os agentes pblicos e privados.

    Os dados das Prefeituras so na maioria das vezes imprecisos, desatualizados e

    insu cientes. Disseminam-se dados nos diferentes sites, da forma mais confusa

    e controversa, de modo que devemos tomar muito cuidado para no cairmos na

    simpli cao nem na demagogia em relao a esses dados.

    Outros desa os a serem destacados esto relacionados com a lgica da

    gesto, principalmente a di culdade de reas para disposio nal dos resduos

    e o enorme desperdcio de materiais reciclveis que so depositados em lixes.

    No se pode desconsiderar a existncia de um quadro muito problemtico, ou

    de crise como alguns preferem a rmar, quando se fala em resduos, no uso

    insustentvel de recursos naturais e na superao da capacidade de suporte do

    planeta. No se trata de uma crise ambiental que crie pnico como se veri cou

    recentemente em Fukushima, mas no devemos deixar de consider-la como

    uma crise ambiental.

    Outro elemento a ser considerado a necessidade do gerenciamento

    integrado dos resduos slidos urbanos. Prticas gerenciais inadequadas

    associadas justamente a essa dimenso da no existncia da gesto metropolitana

    no Brasil, apesar da existncia de legislao desde a dcada de 1970, di cultam

    o processo. Um aspecto que no podemos deixar de considerar refere-se falta

    de ateno, omisso e demora em colocar em prtica as aes. Trazendo as

    questes para os temas da contemporaneidade, vale mencionar o despreparo

    para os efeitos do aquecimento global e seus impactos na infraestrutura urbana

    e na sade.

    Embora exista uma alta cobertura da coleta de lixo no Brasil, existe

    uma irrisria cobertura da coleta seletiva e uma baixssima realizao de

    compostagem. Um dos exemplos que no podemos deixar de citar o lixo de

    Gramacho no Estado do Rio de Janeiro, que ser desativado. A situao desse

    lixo nos mostra uma enorme contradio, quando observamos a forma de vida e a

    sobrevivncia de centenas de pessoas em condies absolutamente inadequadas

    em termos de sade. A eliminao dos lixes uma mudana que deve ocorrer

    rapidamente na poltica pblica, mas com a criao de outra alternativa para os

    que de l retiram seu sustento. Outro exemplo o lixo acumulado em torno de

    represas, como na Billings situada na regio metropolitana de So Paulo.

    Cabe olharmos tambm a questo da existncia de um novo marco

    32

  • regulatrio institudo pela PNRS, bem como os Comits Interministeriais que j

    esto aprovados, como o Comit Orientador da Logstica Reversa, que articula

    diferentes Ministrios. Para articular somos bons, mas para colocar em prtica

    realmente ai outra questo. Devemos chamar a ateno dos gestores e dos

    segmentos polticos para que efetivamente se acelere o passo de todos esses

    processos, como a elaborao do Plano Nacional de Resduos Slidos, dos

    Planos Estaduais e Municipais, bem como das metas de nidas.

    Espera-se que os planos e suas metas sejam cumpridos dentro dos prazos

    de nidos, principalmente a erradicao de lixes. A insero nos planos de temas

    como reduo, reutilizao, reciclagem e reduo de rejeitos dispostos no solo

    fundamental, uma vez que transformar os resduos em negcio e mercadoria

    uma caracterstica da sociedade contempornea em que vivemos. O problema

    ocorre quando os negcios prevalecem sobre os interesses pblicos, sobre a

    garantia da proteo ambiental, sobre os direitos humanos e sobre a incluso

    social. E tambm quando os negcios esto to associados com a tecnologia que

    outros aspectos cam em segundo plano.

    O ciclo de vida de produtos outro importante aspecto para re etirmos.

    Voltando ao tema dos cacarecos e da obsolescncia programada que faz parte

    da sociedade contempornea, parece ser difcil contra ela lutar, mas existem

    maneiras diferentes de se lidar com essas questes. Os acordos setoriais

    propostos pela PNRS nos desa am bastante no tocante a essa articulao do

    setor empresarial com o setor pblico e com organizaes da sociedade civil.

    Assim como existem formas de compartilhamento e de gesto tripartite

    dos recursos hdricos, a questo dos resduos slidos tambm poderia avanar

    muito mais se esse aspecto fosse considerado. Outra questo importante o

    setor empresarial remunerar o setor pblico e as organizaes de catadores para

    operar a coleta seletiva. Isso no algo ilusrio, algo possvel de acontecer,

    porque possvel mudar a lgica de algo puramente paternalista para uma

    viso efetiva de uma poltica pblica que remunera aqueles que se dedicam e

    contribuem efetivamente. Esses temas so questes que precisam estar mais

    presentes nos debates sobre resduos slidos.

    O problema no apenas colocar nmeros de gerao e destinao de

    resduos que nos assustam o tempo inteiro, mas buscar respostas. As respostas

    e as propostas existem. No espao universitrio, muito tem sido feito sobre

    esse tema, mas muito pouco tem sido aproveitado, uma vez que muitas vezes

    no atende aos interesses econmicos, embora atenda aos interesses sociais e

    a uma preocupao de se buscar alternativas ecolgicas, sendo esse o espao

    mais adequado para o debate porque no esto colocados apenas os interesses

    espec cos.

    33

  • Quanto aos desa os, vale apontar mais alguns: reduzir a gerao

    crescente de resduos; maximizar o reso, a reciclagem e a recuperao

    energtica do metano emitido nos aterros sanitrios (tema relevante que comea

    a ser desenvolvido no Brasil, por exemplo, com as experincias da regio

    metropolitana de So Paulo); erradicar os lixes como j mencionado; recuperar

    as reas degradadas e contaminadas (questo essa fundamental que talvez no

    Estado de So Paulo esteja mais sob controle); implantar a coleta seletiva com

    incluso de catadores; e obter sustentabilidade nanceira.

    Em relao ao ltimo item, na cidade de So Paulo, um interesse poltico

    impediu a efetiva busca de respostas para se tentar obter a sustentabilidade

    nanceira da poltica pblica, com a eliminao da taxa do lixo. Um tema

    que do meu ponto de vista deve voltar a ser discutido, porque fundamental

    para a corresponsabilizao, uma palavra-chave que deve ser includa quando

    discutirmos a Poltica Nacional de Resduos Slidos. As metas gradativas de

    reduo de disposio em aterros e esses acordos setoriais que hoje se colocam

    so fundamentais para coresponsabilizar tambm o setor empresarial em torno

    do destino dos resduos slidos.

    34

  • PARTE II - RESDUOS SLIDOS: A TRAJETRIA DAS POLTICAS

    PBLICAS E A NORMATIVA NACIONAL

    35

  • 5. Os resduos slidos no mundo do sculo XXI

    Fbio Feldmann12

    Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma observao genrica sobre a

    questo dos resduos slidos. Nos ltimos dois ou trs anos, tenho defendido

    que o mundo est dividido em uma polarizao muito diferente da existente em

    nossa poca. O mundo do sculo XX era polarizado em: esquerda vs. direita,

    democracia vs. ditadura, masculino vs. feminino, e assim por diante. O mundo

    do sculo XXI, ou pelo menos no ano de 2011, tem como con ito a polarizao

    entre a viso do sculo XXI vs. a viso dos sculos XIX e XX. Quando ns

    veri camos, por exemplo, no Congresso Nacional, a discusso sobre o Cdigo

    Florestal, eu diria que ca muito ntida essa polarizao, uma vez que o grande

    desa o da nossa gerao claramente promover a transio para o sculo XXI,

    para o modelo de sustentabilidade.

    Quando se fala sobre sustentabilidade, o grande diferencial do conceito

    que ele remete a uma viso de mdio a longo prazo e o principal desa o da

    humanidade inserir na agenda das sociedades essa perspectiva, bem como

    construir mecanismos polticos que permitam com que os desa os de mdio

    a longo prazo sejam colocados. Por exemplo, no tema do aquecimento global,

    qual a grande di culdade que ns temos? E qual o desa o? Se eu tivesse vindo

    aqui h uns dois ou trs anos, talvez estivssemos falando sobre as futuras

    geraes, mas, baseando-me em dados recentes do Painel Intergovernamental

    sobre Mudanas Climticas, eu posso falar da gerao que est nessa mesa e

    tambm dos jovens que vivero 100 anos com o aumento de expectativa de

    vida.

    O grande desa o do aquecimento global, que foi discutido na Conferncia

    do Clima (COP-15), em Copenhagen, estabilizar o clima do planeta. Dessa

    forma, teria de haver uma estabilizao das emisses at 2020 e eventualmente

    at 2050, com uma reduo de cerca de 80%. Mas por que eu estou colocando

    preliminarmente essas questes? Porque, quando se fala de uma viso de sculo

    XXI, eu acho que ela traz, primeiramente, uma radical transformao na viso

    de mundo e a questo do lixo est envolvida nesse processo, ao re etir um claro

    con ito no campo da sociedade e na vida das pessoas.

    12

    Consultor, administrador de empresas graduado pela Faculdade Getlio Vargas (1977) e advogado pela

    Faculdade de Direito do Largo So Francisco (1979). Foi eleito deputado federal por trs mandatos consecutivos

    (19861998) e atuou como Secretrio do Meio Ambiente do Estado de So Paulo entre 1995 e 1998.

    36

  • O Brasil tem um grave problema em relao aos resduos slidos

    urbanos: se algum for casa de qualquer pessoa de alta renda ou a uma casa

    de pessoa de baixa renda, ver que a casa limpssima, mas tanto pessoas de

    baixa, como de alta renda, do ponto de vista de atitude, de comportamento, no

    se sentem remotamente constrangidas de jogar lixo na rua. Por qu? Porque a

    imagem que as pessoas tm do pblico a de que no existe problema em lanar

    lixo na rua. Mas no h um tema que esteja mais no nosso cotidiano do que a

    questo dos resduos, inclusive para se combater a emisso de metano.

    A questo dos resduos no sculo XXI, principalmente depois da ECO-

    92, na qual comeamos a discutir qual seria a agenda ps Rio-92, remete

    necessidade de se colocar para o pas polticas pblicas nacionais. Foi

    praticamente nesse mesmo perodo que foram criadas as Polticas Nacionais

    de Recursos Hdricos e de Educao Ambiental. Com a Poltica Nacional de

    Resduos Slidos (PNRS), comeamos a ter uma agenda na qual colocamos

    legislaes com vrios objetivos, inclusive com um carter pedaggico. Ns

    temos um pas absolutamente continental, com milhares de Municpios em

    condies completamente diferentes, de modo que xar uma poltica nacional

    signi ca transmitir alguns conceitos bsicos e comear uma negociao sobre

    isso.

    A grande di culdade da aprovao da PNRS, que foi um empecilho

    inclusive do ponto de vista poltico, foi a ideia da responsabilidade ps-

    consumo que se traduziu no conceito de logstica reversa, presente na lei. O

    setor empresarial brasileiro se organizou e, durante muitos anos, conseguiu

    impedir que se implantasse a ideia da logstica reversa. A ideia dessa obstruo

    e esse lobby do setor empresarial re! etem um pouco o sculo XX. Para que

    possamos trabalhar adequadamente com a viso do sculo XXI e com a questo

    de resduos slidos, teramos que discutir um pouco a questo da economia.

    Pensar em como ns poderamos fazer uma economia circular que v alm de

    simplesmente imaginar que o ps-consumo representa unicamente a destinao

    nal do lixo.

    O grande desa o que temos na agenda daqui em diante conversar

    com o setor empresarial e mudar radicalmente o conceito de resduo ou de lixo.

    Pactuar com o setor empresarial e pensar no que poderamos fazer e qual seria a

    agenda comum para permitir que os produtos ps-consumo sejam efetivamente

    recolocados na economia.

    O consumidor de hoje diferente do consumidor de 10 ou 15 anos atrs.

    Hoje o consumidor brasileiro j tem uma noo do que signi ca a aquisio

    de bens e servios e seus impactos. Tratar da questo dos resduos slidos, do

    ponto de vista do sculo XXI, signi ca repensar o desenho dos bens e servios.

    37

  • Talvez este seja o grande desa o, ou seja, pensar alm de como o resduo ser destinado. Quando eu trabalhei junto realizao de um inventrio dos resduos slidos no Estado de So Paulo, lembro que fomos para Araatuba, uma cidade rica do Oeste do Estado de So Paulo, e o lixo dessa cidade, que recebia lixo hospitalar, estava situado ao lado do ponto de captao de gua. Vejam o que ns enfrentamos em So Paulo: uma situao que ns imaginaramos que s ocorreria fora do Estado, em reas em que realmente o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) fosse muito baixo. A agenda dos resduos slidos urbanos est acoplada ideia de economia circular e um instrumental contemporneo que podemos usar a anlise de ciclo de vida do produto. H anos defendemos o que se chama de licitao sustentvel, na qual o poder pblico adota posturas em suas licitaes e faz a escolha adequada, de modo a conscientizar todos sobre a responsabilidade social com o meio ambiente. Mas, se no temos efetivamente uma anlise de ciclo de vida de produto, teremos muita di culdade de orientar o que se venha a fazer. Podemos fazer uma licitao sustentvel no campo simblico, ou seja, naquele campo em que se sinalizam mudanas para a sociedade por meio de exemplos ou de situaes emblemticas. Mas, se ns queremos ter uma agenda de futuro, deveremos ter uma anlise de ciclo de vida de produto e, mais do que isso, comear a trabalhar tambm no que eu chamo de uma agenda do sculo XXI, com o setor empresarial e com o poder pblico, e, juntos, comear a fazer um grande cadastro que permita orientar tanto o poder pblico, quanto o consumidor em relao s escolhas que esses venham a fazer. Colocar para a sociedade, como um todo, um repertrio amplo de escolhas que vo desde as escolhas nas eleies e na sociedade civil, isto , eu posso querer apoiar o Greenpeace ou posso querer apoiar outra organizao no governamental, mas no campo do consumo que eu creio que ns devemos fazer essa ampliao de repertrio. Quando eu penso nesse cadastro, signi ca desenhar os bens e servios aprioristicamente, antes de colocar no mercado, de modo que possa contribuir para uma mudana de comportamento no consumidor. Nesse sentido, eu sempre dou o exemplo da escova de dentes. Porque que eu preciso comprar um cabo de escova de dentes se eu posso comprar s as cerdas? Mesmo o tubo de pasta de dente. Ns teremos de caminhar para oferecer esse tipo de escolha. Em parte, isso seria resolvido a mdio e a longo prazo, se realmente fossem desenhadas pastas de dentes e escovas de dentes que, aps a realizao dos seus ciclos de vida, pudessem ser efetivamente reinseridas na economia. Para isso, alguns instrumentos de tributao seriam importantes para

    38

  • que os bens e servios sustentveis tivessem um preo menor e eventualmente

    fossem mais competitivos. Por exemplo, por que uma lmpada e ciente deve

    pagar o mesmo tributo que uma lmpada que no e ciente? Existe uma barreira

    cultural dentro do governo: quando vamos conversar com o setor da Receita

    Federal ou da Secretaria da Fazenda em So Paulo, percebe-se uma viso de

    curto prazo e uma enorme resistncia em diminuir a tributao.

    Uma lmpada e ciente signi ca um menor gasto de energia e menos

    investimentos em hidroeltricas, termoeltricas e energia nuclear. Existem leis

    que resolvem problemas ao trazerem de nies de regras espec cas. A PNRS,

    mais do que uma lei que cumpre esse papel, gera um processo de discusso com

    a sociedade. O tratamento de resduos slidos numa viso de sculo XXI deve

    ser feito de uma maneira radicalmente diferente, numa viso holstica e dentro

    de uma perspectiva mais horizontal.

    Na agenda do sculo XXI, a questo dos resduos slidos dever ser

    colocada claramente dentro da viso de economia circular. O setor empresarial

    ter de discutir e colocar no mercado produtos e servios sustentveis, inclusive

    abarcando a dimenso da sade pblica, porque h produtos, por exemplo, que

    tm chumbo em sua composio, ou outras substncias que so prejudiciais

    sade. Nesse processo, podemos usar mecanismos como a regulao e a

    tributao. A poltica pblica no Brasil j foi lanada pela PNRS, mas ela

    apenas uma parte. Se ns no formos capazes de pensar que a economia do

    sculo XXI precisa ser uma economia de baixa intensidade de carbono, uma

    economia criativa e uma economia da biodiversidade, trabalhando nessa inter-

    relao entre as trs economias e tratando a questo de resduos slidos nessa

    perspectiva, ns estaremos ainda pautados numa agenda do sculo XX ou do

    lixo que a do sculo XIX.

    39

  • 6. A Poltica Nacional de Resduos Slidos: alguns apontamentos

    sobre a Lei n. 12.305/2010

    Srgio Antnio Gonalves13

    A Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS) uma lei que mexe

    com a vida de todos ns, envolvendo desde as nossas aes cotidianas como

    cidados at o setor industrial. Falar sobre a Lei da PNRS engloba discutir

    e analisar: a insero dos catadores; a logstica reversa; o Sistema Nacional

    de Informaes sobre a Gesto dos Resduos Slidos (SINIR), que ser um

    instrumento importante de planejamento; o gerenciamento de resduos perigosos;

    os planos de gesto e os de gerenciamento, os quais so diferentes, uma vez que

    tm objetivos legais distintos, mas que se unem; dentre outros elementos.

    Devemos aprender a viver com uma Lei nova, a construir e a conhecer

    seus potenciais. A PNRS, assim como qualquer lei, deve se adequar sociedade

    e sua dinmica social, de modo que, no futuro, talvez, sejam necessrias

    adequaes e mudanas. Mas o que importa que temos hoje o que debater

    de uma Lei agora existente, o que j um passo fundamental e importante,

    considerando os 21 anos que envolveram sua construo, desde 1989, quando

    foi elaborado o primeiro projeto de lei. Temos uma Lei muito moderna na viso

    nossa, do Ministrio do Meio Ambiente (MMA), porque dialoga com a questo

    do aquecimento global e com as metas que o Brasil assumiu.

    A PNRS uma lei ambiental que obrigatoriamente deve dialogar com as

    questes de recursos hdricos, de sade pblica e outros temas ligados ao meio

    ambiente. Tal Lei tem um vis muito claro, ao trazer a insero social, pela

    gerao de emprego e renda, isto , rea rma o tempo todo a condio do catador

    como um protagonista legal importante. H um nmero expressivo de catadores

    no Brasil, conforme apontam dados utilizados pelo governo federal. O governo

    deve optar por algumas fontes de dados para poder realizar seu planejamento e

    trabalho. Nesse sentido, utilizamos os dados do SINIR, da Pesquisa Nacional

    de Saneamento Bsico (PNSB) e do Ministrio do Desenvolvimento Social e

    Combate Fome (MDS), alm de alguns estudos internos do MMA.

    13Diretor de Ambiente Urbano da Secretaria de Recursos Hdricos e Ambiente Urbano Ministrio do

    Meio Ambiente (MMA).

    40

  • No cadastro do Programa Bolsa Famlia do MDS, h mais de 800 mil

    pessoas cadastradas como catadores. Trabalhamos com um nmero de 800 mil

    a 1 milho de catadores que, por sua vez, so responsveis pelas suas famlias,

    o que chega a 3 milhes de pessoas que vivem da renda gerada pela coleta

    de materiais reciclveis. A maioria ainda est em um estado de misria, sendo

    explorada por uma marmita diria. Se o catador no catar lixo diariamente, ele

    no come, essa a realidade da grande maioria. H tambm o catador que j est

    em cooperativa, de modo que hoje existem cerca de 32 a 35 mil cooperativados

    no pas, os quais j saram daquele estgio de misria para um estgio de pelo

    menos um salrio mnimo, o que constitui uma diferena muito grande.

    Quando os catadores esto em cooperativas, geralmente, eles j

    esto em maior grau de organizao, de conscientizao, de formao e de

    capacitao. Ns temos um potencial enorme ainda para ser explorado. Estamos

    trabalhando com nveis de cooperativas para a transio do catador individual

    para cooperativas de nveis 1, 2, 3 e 4. A cooperativa de nvel 4 a maior, na

    qual os trabalhadores e trabalhadoras j ganham uma faixa de R$1.300,00 a

    R$1.400,00, o que parece promissor. No entanto, isso no uma regra, uma vez

    que h poucas cooperativas nesse nvel.

    Um estudo do Instituto de Pesquisa Econmica e Aplicada (IPEA) e do

    MMA, que foi publicado em abril de 2010, analisou cinco das principais cadeias

    produtivas e apontou o quanto desperdiamos. Trata-se de oito bilhes de reais

    por ano que so desperdiados, ou seja, materiais que no so reaproveitados,

    mas levados aos aterros ou lixes. Muitos resduos no so reaproveitados como

    insumos que poderiam voltar para as cadeias produtivas. Estamos falando de

    economia, dinheiro, trabalho, renda e insero social, aspectos esses que foram

    trazidos fortemente pela PNRS, alm das questes ambientais que tambm so

    fundamentais.

    Ns estamos melhorando, mas h muito a se fazer ainda. O catador deve

    ser garantido e a PNRS aborda uma questo importantssima, na medida em que

    atribui valor econmico ao resduo. Dessa forma, alm da bandeira ambiental

    que fundamental, temos tambm uma bandeira de emprego, renda e incluso

    social. Em outras palavras, o catador vai agachar e pegar o material, fazer fora,

    no apenas porque ambientalmente correto, mas porque ele precisa sobreviver

    e comer. O catador precisa vender o material e se no tiver valor no conseguir

    vender e, por sua vez, no poder comer, de modo que se torna necessrio dar

    valor aos resduos passveis de reciclagem.

    A PNRS traz uma proposta importante quando atribui valor econmico e

    diferencia rejeito de resduo. Trata-se de algo novo que agrega fundamentalmente

    uma das espinhas dorsais dessa Lei que conferir valor econmico ao resduo.

    41

  • Assim, aquilo que era visto como lixo sem valor ou como um problema pode ser a soluo para muita coisa, j que o resduo insumo para muitos agentes, tem valor econmico e volta para a cadeia produtiva. Vale lembrar que apenas o rejeito pode ser disposto, ao passo que o resduo no, de modo que devemos esgotar todas as possibilidades antes de fazer a disposio nal, o que tambm abre economicamente a possibilidade de novas empresas e de novos negcios na rea de reciclagem. O governo ter de incentivar para que isso realmente se fortalea, agregando valor para que se desenvolva como uma cadeia produtiva que gerar riquezas sociais e econmicas para as pessoas melhorarem de vida, evoluindo de classe (da E para a D, desta para C e assim sucessivamente) e propiciando a extino da classe E de uma vez por todas no pas, o que funo do governo e do Estado brasileiro. No entanto, resta saber como que trataremos um pas com as nossas dimenses territoriais e especi cidades de modo que as polticas pblicas sejam justas para todos. importante apontar que 90% das cidades brasileiras tm at 100 mil habitantes e ns no faremos poltica para tratar s de 14 Municpios que concentram uma grande populao. No Brasil, apenas 14 Municpios tm mais de 1 milho de habitantes. Um problema srio a ser destacado que, embora o governo federal invista na gesto de resduos, repassando recursos para os Municpios fazerem obras, nossos estudos mostram que uma obra de resduos no se sustenta mais de dois anos e torna-se um lixo. Portanto, o problema no somente dispor de recursos nanceiros para construir, mas fundamentalmente de gesto. Um dos problemas da gesto a questo econmica nanceira, relativa sustentabilidade do servio. Temos de enfrentar esse desa o, caso contrrio, a Prefeitura enganar que presta o servio e o cidado enganar que paga ou no, e tambm no receber. No entanto, isso precisa ser feito com transparncia, discutindo-se o quanto deve ser pago e como deve ser pago. A Lei Nacional de Saneamento Bsico (Lei n. 11.445/2007) j trouxe essa preocupao e a PNRS tambm refora a necessidade da regulao. Devemos criar mecanismos e instrumentos para a populao ser resguardada, para que o servio seja bem prestado, com preo justo, como est prevista na lei. necessrio que o Prefeito e os demais entes pblicos, federais e estaduais, mostrem com contas abertas e claras, o quanto custa a disposio nal dos resduos slidos, para dialogar e debater com a populao, de modo que ela entenda o quanto pagar e para onde ir esse dinheiro. Porque car pagando sem saber para onde vai, ou sumir o dinheiro e no ser feito nada, ningum quer, nem eu, nem voc. Teremos de enfrentar esse problema, se quisermos avanar nessa questo, que ainda um tabu. Para tanto, temos de trabalhar com o tema

    42

  • da sustentabilidade econmica e nanceira da gesto dos resduos slidos.

    Outro instrumento a realizao de consrcios, uma vez que a gesto

    municipal de resduos slidos, muitas vezes, no se sustenta em Municpios

    menores e o consrcio pode ser uma das sadas. Se no dermos escala ao servio

    pblico de destinao de resduos, ele ca muito caro e com isso se torna

    insustentvel. Por exemplo, um Prefeito de um determinado Municpio tem de

    destinar recursos nanceiros para a educao, para a sade, que so obrigatrios,

    para outras reas, e para a destinao dos resduos, mas com um ou dois anos,

    ele esquece, deixa para l e colocar o dinhei