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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: ENTRE A DÁDIVA E O MERCADO. CURITIBA 2005

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: … O objetivo desta monografia é identificar a evolução das práticas e do discurso da Responsabilidade Social Empresarial no Brasil (RSE),

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: ENTRE A DÁDIVA E O MERCADO.

CURITIBA 2005

BRUNO DE VIZIA IGNÁCIO OLIVEIRA

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: ENTRE A DÁDIVA E O MERCADO.

CURITIBA 2005

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em pesquisa Histórica como requisito parcial à conclusão do curso de bacharelado e licenciatura em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Carlos Lima.

Dedico esta monografia à minha família e amigos que muito me apoiaram nesta jornada. Em especial agradeço à colega Karine, sempre presente neste percurso, e ao professor e orientador Carlos Lima, sempre atencioso na arte de ensinar.

SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................1

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................2

2CAPÍTULO I: TROCAS, MERCADO E DÁDIVA..............................................7

3 CAPÍTULO II: RUPTURAS NO SISTEMA DE DÁDIVA ARCAICA, ESTADO DE

BEM-ESTAR SOCIAL ...............................................................................................11

4 CAPÍTULO III: JARGÕES DA RSE: CIDADANIA, O PÚBLICO E O

PRIVADO....................................................................................................................14

5 CAPÍTULO IV: A REORGANIZAÇÃO DO SOCIAL NAS RELAÇÕES

INDUSTRIAIS - PRIMEIRAS RESPONSABILIDADES SOCIAIS ATRIBUÍDAS AO

EMPRESARIADO BRASILEIRO. ...................................................................................18

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................21

7 ANEXOS............................................................................................................... 22

8 REFERÊNCIAS....................................................................................................43

RESUMO

O objetivo desta monografia é identificar a evolução das práticas e do discurso da

Responsabilidade Social Empresarial no Brasil (RSE), em um meio jornalístico específico. Para

tanto, foram selecionadas reportagens publicadas nos cadernos Brasil e Economia do Jornal

Folha de São Paulo, nos meses de dezembro dos anos entre 1993 e 20031, que de alguma

maneira indiquem a presença da dádiva ou dom no meio empresarial. Utilizando as categorias

da troca, simbólica ou material, como formadora de laços sociais, e da dádiva e do mercado

como fatores da RSE, é possível identificar nas fontes a evolução das práticas e termos

pertinentes a esse universo. Inicialmente é feita uma distinção dos tipos e formas de troca de

interesse para o trabalho, inserindo o mercado na rede social advinda destas trocas. Em seguida

a dádiva como tipo específico de troca instrumentaliza a análise de alguns dos jargões da RSE.

As primeiras responsabilidades sociais atribuídas ao empresariado brasileiro e a reorganização

do social nas relações industriais introduzem a temática no Brasil, sendo possível identificar nas

fontes, a partir do biênio 1997-98, uma gradual mudança nos termos do discurso, indicativa de

uma assimilação por parte da opinião publica do conceito e das responsabilidades socialmente

atribuídas às empresas e empresariado brasileiro.

1 Para este trabalho foram considerados também os cadernos Folha Dinheiro e Folha Invest, bem como cadernos especiais sobre Solidariedade.

1 INTRODUÇÃO

RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

Pesquisas recentes encomendadas pela revista Exame, uma com consumidores e outra

envolvendo executivos de empresas revelaram duas percepções distintas sobre o papel social

das empresas privadas no Brasil. Em pesquisa realizada pelo

Instituto Vox Populi, 93% dos entrevistados responderam que a missão das empresas é gerar

empregos, e apenas 10% acreditam que a missão é gerar lucro para os acionistas. Já entre os

empresários entrevistados pela FAAP, 82% responderam que dar lucro aos acionistas é a missão

das empresas, sendo que a geração de empregos obteve 34% de respostas.2 As mesmas

pesquisas revelaram que, enquanto para 42% dos consumidores entrevistados Desenvolver

trabalhos comunitários deve ser uma das principais preocupações das empresas, entre os

empresários este item obteve apenas 5% de indicações.3

A discrepância entre as visões destes dois públicos é significativa, revelando diferentes

percepções quanto à atribuição da responsabilidade social das empresas no Brasil. Os

questionamentos sobre se, como e quais responsabilidades devem ser atribuídas às empresas

datam de época recente, e começaram a ser sistematizados com mais objetividade nos países do

capitalismo central a partir da década de 1960, inicialmente propulsionados por questões de

preservação e danos ambientais causados pelas atividades industriais. As discussões evoluem,

englobando temáticas comunitárias e urbanas. Em meados da década de 1970 nos Estados

Unidos, o termo Corporate Social Responsibility (CSR), ou Responsabilidade Social

Empresarial (RSE) já era utilizado em publicações empresariais de relatórios anuais e de

impacto ambiental.4 Caracterizar o que é, e quais os limites da RSE é bastante difícil, pois

existem uma multiplicidade de definições diferentes entre si, e cuja evolução e conceituação

variam conforme o país. Neste sentido, compreender melhor como se dá a assimilação deste

conceito no Brasil auxilia um melhor entendimento das relações entre empresas, Estado e

sociedade e, consequentemente, quais os limites e implicações da RSE.

2 GUROVITZ, H. e BLECHER, N. O estigma do lucro. Revista Exame, ed. 839, n.6, p. 21, mar.2005. 3 Idem 4 KEEF, J. Five Trends: The Rise of Corporate Reputation and CSR. Disponível em: http://www.newcirclecom.com Acesso em:31 jan. 2005

2 CAPÍTULO I

TROCAS, MERCADO E DÁDIVA

As relações sociais pertinentes ao cotidiano humano podem ser consideradas trocas. Seja

no campo simbólico ou material, o ato de dar, receber e retribuir faz parte da construção das

sociedades, arcaicas ou modernas, mercantis ou não. Pode-se compreender a troca como a

unidade básica para o estabelecimento do laço social, formando o que se convencionou chamar

de tecido social. O processo da troca envolve dois elementos, e duas fases: dar e receber.

Tonnies, discorrendo sobre comunidades e sociedades, introduz o elemento da vontade social:

Na verdade, tem de se compreender que cada acto de dar e receber, (...) institui implicite uma vontade social. Mas uma tal acção não é pensável sem uma razão ou finalidade, isto é, a retribuição esperada. Consequentemente, como esta acçaõ está igualmente condicionada, nenhuma pode anteceder as outras, elas têm de coincidir. Por outras palavras: a aceitação equivale à entrega do substituto aceite, de maneira que a própria troca, como acto reunificado e único, é o conteúdo da vontade social fictícia. Com respeito à mesma vontade, os bens ou valores permutados são iguais.5 Há diversos tipos e modalidades de troca. Destas, dois tipos são de especial interesse

para este trabalho, as trocas econômicas e não-econômicas. As trocas econômicas são

formativas da moderna sociedade regulada pelo mercado. Comentando sobre a noção de troca

econômica primitiva de alguns economistas da segunda metade do séc. XIX, como Spencer e

Mises, Polanyi argumenta:

A história e a etnografia conhecem várias espécies de economia, a maioria delas incluindo a instituição do mercado, mas elas não conhecem nenhuma economia anterior a nossa que seja controlada e regulada por mercados, mesmo aproximadamente. (...) O papel desempenhado pelos mercados na economia interna de vários países, parece, foi insignificante até época recente e a mudança total para uma economia dominada por padrões de mercados ficará ainda mais ressaltada. “6

Assim, considera que a descoberta mais importante nas recentes pesquisas históricas e

antropológicas seria que a economia do homem, como regra, está submersa em suas relações

sociais. Utilizando como fonte os trabalhos de Malinowski e Thurnwald sobre a troca em

sociedades arcaicas, Polanyi afirma que a ordem na produção e distribuição é fornecida por dois

princípios de comportamento inicialmente não associados à economia: a reciprocidade e

redistribuição.7

A partir do séc. XVI um elemento se torna mais significativo, em número e importância:

o mercado. Este seria uma instituição específica advinda da barganha ou da permuta. A partir do

5 TONNIES, Ferdinand. Comunidades e Sociedade. In: Teorias Sociológicas. Braga, M. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. v.1, p. 516. 6 POALNYI, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980. p. 60 7 Idem, p.63

séc. XIX o fator econômico se mostra vital para a existência e organização da sociedade, que

passa a funcionar cada vez mais como um acessório do mercado. Neste momento, há uma

inversão clara frente à importância do mercado nas sociedades arcaicas, pois, “ao invés da

economia estar embutida nas relações sociais, são as relações sociais que estão embutidas no

sistema econômico.”8 Esta inversão é particularmente importante se considerarmos um dos

fatores característicos da troca mercantil: a equivalência.

Quando na troca temos uma “prestação de bens ou serviços efectuada, sem garantia de

retribuição, tendo em vista criar, alimentar ou restabelecer laços sociais entre as pessoas”9,

temos então um dom, ou uma dádiva. Para Mauss, “basta haver uma prestação unilateral, um

oferecimento e uma aceitação para haver dádiva.”10 Esta diferenciação entre trocas econômicas

e dádiva é oportuna, pois é precisamente no intervalo entre ambas que a RSE opera. Em uma

sociedade regida pelo mercado a dádiva pode ser interpretada como caminho para se chegar ao

nexo social, estabelecendo um ciclo formativo. Uma vez que o que se troca neste ciclo de dar,

receber e retribuir não seja pautado pela equivalência, (ou seja, não mercantil), tem-se então a

dádiva como formadora de um sistema social. Como afirma Godbout:

Convém ir para além da simples observação e formular a hipótese de que essa perenidade não resulta apenas e negativamente da necessidade universal de acrescentar um suplemento de alma às únicas lógicas solidamente instituídas, a do interesse mercantil e a do poder do Estado, mas que ela testemunha o facto de que também o dom, como o mercado e o Estado, constitui um sistema.11 Ante a perspectiva moderna, é difícil pensar o sistema do dom como um sistema com

coerência intrínseca, sem antes pensá-lo como “uma forma primitiva da lei da equivalência

contabilizável, um esboço da reciprocidade do mercado”.12 No entanto, é possível pensar em sua

presença em sociedades arcaicas ainda não reguladas pelo mercado, para compreendê-lo como

um sistema único, criando laços sociais através das três fases da troca, conforme demonstrou

Mauss em seu Ensaio sobre a Dádiva, analisando a prática da kula nas sociedades das Ilhas

Trobriand, ou o potlach, entre índios norte-americanos. Para Lanna, o argumento central do

Ensaio é de que “a dádiva produz a aliança, tanto as alianças matrimoniais como as políticas

(trocas entre chefes ou diferentes camadas sociais), religiosas (como nos sacrifícios, entendidos

como um modo de relacionamento com os deuses), econômicas, jurídicas e diplomáticas.”13

Assim, o Ensaio postularia um “entendimento da constituição da vida social por um constante

8 Ibid, p.72. 9 GODBOUT, J. O espírito da dádiva. Lisboa: Editora Piaget, 1992. p. 30. 10 MAUSS, M. Ensaio sobre a Dádiva. Citado em: LANNA, M. Nota sobre Marcel Mauss e o Ensaio sobre a Dádiva. In: Revista de Sociologia e Política. Curitiba: UFPR, 2000. nº 14, p.178. 11 Idem. p. 20. 12 Ibid. p. 187. 13 LANNA, M. Nota sobre Marcel Mauss e o Ensaio sobre a Dádiva. In: Revista de Sociologia e Política. Curitiba: UFPR, 2000. nº 14, p.175

dar-e-receber.”, estabelecendo um ‘contrato’ para exprimir a sociabilidade criada pela dádiva.14

Porém, o valor do dom não é o valor de troca mercantil. Segundo Godbout, “o valor das coisas

em função do laço entre as pessoas tende igualmente a ser negado pelo conceito de valor de uso,

o que se concentra na utilização material e na função das coisas. No entanto, para além e

independentemente do valor de troca e do seu valor de uso, as cosas adquirem valores diferentes

segundo a sua capacidade de exprimir, de veicular, de alimentar os laços sociais.”15

Para fazer a passagem do dom arcaico ao dom moderno deve-se considerar o próprio

dom como objeto, para compreendê-lo no quadro da circulação mercantil. A introdução do

mercado nas relações sociais como substituto das relações internas seria a origem do estado

atual do dom nas sociedades modernas. Isso porque o mercado vem a substituir o modo de

circulação das coisas, tornando-o indireto. Nas sociedades arcaicas a circulação era feita de

modo direto e inserida nas relações pessoais, no interior de laços comunitários regulados por

normas sociais. O mercado despersonaliza as relações, as trocas, utilizando-se dos subterfúgios

da equivalência, impessoalidade e da moeda. Poderia a RSE ser interpretada como uma tentativa

de repersonalizar as relações, ao menos simbolicamente, uma vez que uma das características do

dom moderno é o desconhecimento do beneficiário, ou do receptor. No dom arcaico, a dádiva é

realizada para um receptor específico e conhecido daquele que a realiza, não sendo concebida a

troca ou a dádiva para com desconhecidos. Isso porque, nas sociedades arcaicas, uma dádiva

pressupunha uma contra-dádiva, ou uma dívida. Assim, o receptor era obrigado, pelos costumes,

a retribuir a dádiva, fechando o ciclo. São abundantes os exemplos cuja contra-dádiva não éÉ

possível, mesmo em termos simbólicos, pois tanto o doador/realizador quanto o

beneficiário/receptor não se conhecem. Por exemplo: um grande banco privado nacional lançou

em 1993 um cartão de crédito “politicamente correto” (sic), filantrópico, no qual, parte da renda

obtida, geralmente a parcela da anuidade do cartão, é revertida para instituições como a

Fundação SOS Mata Atlântica, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), e a

Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD).16 Neste sentido, caracterizada a

impossibilidade de uma contra-dádiva, qual seria o intuito desta dádiva? Uma vez que os ganhos

para os receptores/beneficiários da dádiva são evidentes, cabe indagar quais os ganhos por parte

dos realizadores intermediários (?), neste caso o banco. Questiona-se se não seria uma maneira

enviesada de introdução da dádiva no mercado, transformando-a em produto a serviço do

capital. Deveria-se considerar este um exemplo da inserção da dádiva no mercado, ou uma

14 Idem. p.177 15 Ibid. p.245 16 Mautone, S. Cartões filantrópicos foram pioneiros. Folha de São Paulo. 10 dez. 2001. Folha Invest. p. B1

inserção do mercado no sistema de dádiva? Para Mauss, a dádiva nas sociedades modernas

estaria embutida na “compra e venda”, e não paralela a esta. Já Lanna considera que: “Se, em

determinados contextos há conflitos entre as lógicas da dádiva e da mercadoria, em outros pode

haver complementaridade. Há instâncias onde cada uma dessas idéias opostas se verificam, a

mercadoria ora pressupondo ora destruindo a dádiva.”17

17 17 LANNA, M. Nota sobre Marcel Mauss e o Ensaio sobre a Dádiva. In: Revista de Sociologia e Política. Curitiba: UFPR, 2000. nº 14, p. 177.

3 CAPÍTULO II

RUPTURAS NO SISTEMA DE DÁDIVA ARCAICA, ESTADO DE BEM-ESTAR

SOCIAL

A inserção do mercado despersonaliza o sistema da dádiva, criando uma primeira

ruptura frente ao dom arcaico. Uma segunda ruptura seria a inserção do Estado neste ciclo. O

Estado, democrático e providência, assume parte importante da troca de dons, essencialmente as

excluídas pelo mercado, mas ainda assim as transformando em relações do tipo mercantil.

Ambos, porém, não são excludentes, visto que o Estado desenvolve um papel crucial no

estabelecimento do mercado. Todavia, essa segunda ruptura fica mais clara quando analisada

sob a ótica do estabelecimento e falência do Estado de Bem Estar Social. Ao assumir,

profissionalizar e burocratizar os serviços de assistência social, o Estado torna impessoal a

relação da dádiva, rompendo assim com o dom arcaico.

Apesar da temática da RSE ser recente, tornou-se usual interpretar o fenômeno da RSE à

luz do esfacelamento do Estado de Bem Estar Social, considerado como aquele em que “o bem-

estar dos cidadãos é conseguido pelos esforços do governo e não pelas organizações privadas”.18

Dentre diversas definições possíveis, esta, apesar de reducionista, é oportuna por colocar em

lados opostos o Estado e o privado. Considerando uma natural exclusão e marginalização de

alguns frente ao processo produtivo, Sachs considera que políticas sociais reativas compensam,

em parte, o mal causado por esta exclusão/marginalização, aliviando a miséria, preço inevitável

do progresso técnico e econômico. Considera também o direito de se “ganhar a vida

decentemente” relacionando a inserção no processo produtivo com a cidadania. Assim, estas

políticas sociais reativas “proporcionam, também, uma renda mínima que garanta a

sobrevivência do indivíduo, enquanto mantém os sobreviventes na condição de excluídos do

processo produtivo, e, assim, privados de sua cidadania”. 19 Para preservar e universalizar os

avanços sociais conquistados no último século, Sachs afirma que as políticas públicas nacionais

e internacionais devem ser revistas e fortalecidas em todo seu corpo. Esta ação poderia exigir

um (re)exame de algumas questões institucionais, das quais destacam-se duas:

* formas de articulação entre as esferas de ação pública e privada transcendendo a dicotomia simplista Estado x Mercado e explorando-se diversos modi operandi com a participação de formas de organização, propriedades lucrativas (públicas, cooperativas, comunitárias) e não-lucrativas (privadas, individuais e coletivas);

18 SACHS, Ignacy. O problema da democracia econômica e social. Revista de Estudos Avançados USP. São Paulo, 1994. v.8, n.21, p.19 19 Idem. p.13.

* busca por novas formas de parceria entre os protagonistas sociais do desenvolvimento, com atenção especial à cooperação entre autoridades públicas, empresas e organizações civis que ofereçam proposições concretas ao postulado de participação popular em processos de desenvolvimento, explorando com esse fim as várias experiências sociais – passado e presente – em auto-orgaziação, ajuda mútua e ação coletiva20. Pode-se considerar, nestas proposições encontram-se alguns dos elementos constitutivos

da RSE, como parcerias entre protagonistas sociais do desenvolvimento, que posteriormente

estarão diretamente envolvidos no estabelecimento de uma arena pública de discussão das

responsabilidades sociais da empresa. Dentre os três principais estão conjugados, não por acaso,

autoridades públicas (o Estado), empresas e organizações civis. À estas últimas pode-se

acrescentar, posteriormente, as Organizações Não-Governamentais (ONG’s), termo ainda não

corrente na década de 1990, quando o texto foi produzido, mas detentoras de um papel central

no desenvolvimento da RSE no Brasil e no Mundo. A dicotomia público x privado será tratada

posteriormente, em outro capítulo deste trabalho, mas vale ressaltar que, esta visão de atuação

dos três elementos, se acrescida da dádiva, configuraria, ainda que remotamente, uma possível

delimitação do espaço da RSE na sociedade. Segundo Sachs, seriam estes os elementos que

devem forjar o estabelecimento ou consolidação de sistemas de governo democráticos que

garantam a implementação efetiva de direitos sociais e econômicos.

Para tanto, seriam necessárias reformas ou ajustes institucionais juntamente com adoção

de planejamento e coordenação de políticas públicas sinérgicas com o objetivo de

fomentar um desenvolvimento socialmente responsável, ecologicamente viável e economicamente

eficiente. (grifo meu) Aumentos na produtividade devem ser primeiramente utilizados para gerar empregos e/ou oportunidades de ocupação. Uma vez que a finalidade do desenvolvimento é o bem-estar social, empregos que têm um alto valor social (grifo do autor) deveriam ser cuidadosamente estudados, juntamente com o esforço de se promover a integração fecunda dos excluídos, até o momento, econômica, social e politicamente.

21

Interessante fazer um paralelo com as proposições de Sachs descritas acima e a pesquisa

realizada pela revista Exame, comentada no início deste trabalho. Já em 1994, ano de

publicação do texto, Sachs relaciona textualmente que “aumentos na produtividade devem ser

primeiramente utilizados para gerar empregos”, coincidentemente a resposta com mais dada

pelas pessoas (93%) quando perguntadas sobre qual seria a missão das empresas, sendo que

apenas 34% dos empresários citaram esta possibilidade, configurando esta resposta como a

quinta mais acionada neste grupo específico. Esta concomitância de pensamentos e opiniões

revela, apesar de mais de uma década de intervalo entre o texto de Sachas e a pesquisa, como

conceitos são construídos e assimilados pela opinião pública, com o transcorrer dos anos. Sachs

20 SACHS, Ignacy. O problema da democracia econômica e social. Revista de Estudos Avançados USP. São Paulo, 1994. v.8, n.21, pp. 11-12 21 Idem. p.11.

também utiliza-se neste texto de palavras e expressões como desenvolvimento socialmente

responsável, ecológicamente viável, ação coletiva, e comunidade, que, posteriormente, viriam a

ser adotados como vocabulário básico da RSE.

4 CAPÍTULO III

JARGÕES DA RSE: CIDADANIA, O PÚBLICO E O PRIVADO

A gênese do discurso da RSE no Brasil desenvolve concomitantemente jargões

específicos. Após uma breve observação dos termos recorrentes nas fontes analisadas, é possível

reconhecer alguns destes jargões. A análise de alguns destes termos específicos permite

compreender melhor não só a construção do discurso da RSE no país, mas também a definição

dos espaços de cada um dos atores envolvidos neste processo (em linhas gerais: Sociedade,

Empresa, Estado). Dentre estes jargões, talvez o mais emblemático seja o termo cidadania. Sua

utilização difusa abarca, sob uma mesma nomenclatura, conceitos díspares, cuja precisão parece

ser inversamente proporcional à sua utilização, assim como os termos comunidade, ou inclusão

social, por exemplo. Em reportagem publicada no Caderno Especial Solidariedade da Folha de

São Paulo, em 19 de dezembro de 1997, o jovem Rodrigo Mendes, que ficou tetraplégico após

um assalto, criou uma associação para “promover o desenvolvimento artístico e a inclusão

social de deficientes físicos ou mentais.”22 Jaime Pinsky comenta esta banalização: “Esvaziar o

conteúdo de um conceito é fácil, basta utilizá-lo de forma muito genérica, privando-o de sua

especificidade. Isso é válido tanto para adjetivos usados no dia-a-dia quanto para situar

realidades históricas bem determinadas.”23

A etimologia indica que “Cidadania vem de ‘cidade’. Cidade vem de civitas, civilis. A

cidadania é a ação pela qual alguém se torna civil, habitante de uma cidade, e passa a fazer parte

de uma civilização”.24 Rastreando a partir deste termo sua origem romana, tem-se que: “a

cidadania (o status civitatis dos romanos) é o vínculo jurídico-político que, traduzindo a

pertença de um indivíduo a um Estado, o constitui perante este num particular conjunto de

direitos e obrigações (...) A cidadania exprime assim um vínculo de caráter jurídico entre um

indivíduo e uma entidade política: o Estado”.25 A distinção entre duas de suas categorias

formativas, o público e o privado é essencial para, neste trabalho, estabelecer o lugar da RSE na

sociedade.

Traçando o desenvolvimento do conceito de cidadania na Inglaterra, T.H.Marshall, em

Cidadania, classe social e status, afirma: “a cidadania é um status concedido àqueles que são

22 ANTENORE, A. O pintor. Folha de São Paulo, 19 de dez. 1997. Caderno Especial Solidariedade. p. 4 23 PINSKY, Jaime. Cidadania e Educação. São Paulo: Editora Contexto, 2000, p. 17 24 LIBANIO, I.B. Ideologia e cidadania. São Paulo: Editora Moderna, 2000, p. 16 25 Moura Ramos. Cidadania, Enciclopédia Verbo, Lisboa, 1983. p. 824-5. In: LIBANIO , I.B. Ideologia e cidadania. São Paulo: Editora Moderna, 2000, p. 16

membros integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com

respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status.”26 A edição original do livro data do ano

de 1963, e, freqüentemente, independente dos anos transcorridos da publicação do livro até

hoje, o termo cidadania é ligado a direitos e deveres, mesmo que a definição ou distinção destes

não seja bem clara na maioria dos textos em que os três elementos: cidadania, direitos e deveres

aparecem conjugados. Pinsky, definindo cidadania, acrescenta elementos relacionados ao

coletivo:

(...) cidadania enfaixa uma série de direitos, deveres e atitudes relativos ao cidadão, aquele indivíduo que estabeleceu um contrato com seus iguais para a utilização de serviços em troca de pagamento (taxas e impostos) e de sua participação, ativa ou passiva, na administração comum. Por esta defininção (mesmo apressada e meramente funcional), se vê que cidadania pressupõe, sim, o pagamento de impostos, mas também a fiscalização de sua aplicação; o direito a condições básicas de existência (comida, roupa, moradia, educação e atendimento de saúde) acompanhado da obrigação de zelar pelo bem comum.

Marshall divide o desenvolvimento do conceito de cidadania, até o fim do século XIX,

em três partes: civil, política e social. O elemento civil seria composto dos direitos necessários à

liberdade individual – direito de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à

propriedade e de concluir contratos válidos.27 O elemento político entende-se o direito de

participar no exercício do poder político e como membro da autoridade política ou como eleitor

de tal. Já o social se refere “a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar

econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de

um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais

intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais.”28 Inicialmente

estes direitos estariam fundidos em um só, pois não havia distinção precisa entre as instituições,

nem separação de poderes. No mundo antigo, o mesmo Estado, possuia várias funções: de

assembléia legislativa, conselho governamental, tribunal de justiça, etc. Somente quando

separadas as instituições das quais os três elementos da cidadania dependiam, foi possível que

cada um deles evoluísse em ritmo próprio. A cronologia dos períodos formativos dos três

elementos da cidadania, localiza-os, grosso modo, em diferentes séculos: os direitos civis no

XVIII, os políticos no XIX e os sociais no XX, ressaltando que houve um “considerável

entrelaçamento entre os dois últimos.”29

O conceito cidadania está diretamente relacionado à origem e construção de um discurso

e de conceitos de Responsabilidade Social Empresarial, seja, como no caso desta pesquisa, em

26MARSHALL, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p.76. 27 MARSHALL, T.H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 63 28 Ibid. p. 64 29 Ibid p. 70

um veículo jornalístico específico ou em qualquer outro meio. A palavra cidadania têm uma

historicidade e evolução neste contexto (da pesquisa e do discurso da RSE) consideráveis, assim

como o próprio termo “Responsabilidade Social Empresarial”. Nas fontes analisadas, a

primeira aparição do temo cidadania acontece em reportagem de 21/12/05, cujo título é

“Cidadania Empresarial”. Nela o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, critica o governo e

empresários ligados a Fiesp por falta de apoio à área social30, mais especificamente à Campanha

assistencialista denominada Natal Sem Fome, capitaneada pela ONG Ação da Cidadania contra

a Miséria e Pela Vida, da qual é fundador. Segundo Betinho, “esse empresários têm falado em

ajudar os mais necessitados, mas nada fazem”.31 Betinho critica também o governo por colocar

dinheiro público para ajudar bancos, em detrimento de investir na solução dos problemas sociais

do país.

Neste exemplo o conceito de cidadania é atrelado ao universo do privado, atribuindo

responsabilidades sociais aos empresários, em nome da dádiva, ou seja, da ajuda aos

necessitados. A reportagem relaciona três esferas interdependentes: o público, o privado e o não

governamental. A distinção entre o público e o privado, e a atribuição de méritos e

responsabilidades específicas a cada um dos fatores destas duas esferas é indicativa de como

está sendo pensada e operada a RSE no país. Sua existência não é independente, e sim

interdependente. Segundo Habermas:

Tratam-se de duas categorias de origem grega que nos foram transmitidas em sua versão romana. Na cidade-estado grega desenvolvida, a esfera da pólis que é comum aos cidadãos livreis (koiné) é rigorosamente separada da esfera do oikos que é particular a cada indivíduo (idia). A vida pública, bios

politikos, não é, no entanto, restrita a um local: o caráter público constitui-se na coversação (lexis), que também pode assumir a forma de conselho e de tribunal, bem como a de práxis comunitária (práxis), seja na guerra, seja nos jogos guerreiros.

32

Na sociedade feudal da alta Idade Média, tendo em vista as formas de representatividade

pública, não pode ser comprovada sociologicamente a existência de uma esfera pública

independente de uma esfera privada. Esta esfera pública começa a se estabelecer a partir de um

aumento significativo do fluxo de trocas de mercadorias e informações, no mercantilismo,

quando as economias nacionais e territoriais se constituem simultaneamente com o Estado

Moderno. Este fluxo de informações e mercadorias engendra um dos principais instrumentos

desta consolidação de uma esfera pública: a imprensa. Conforme Habermas:

Dentro dessa ordem política e social, reestruturada durante a fase mercantilista do capitalismo (cuja nova configuração já se expressa em grande parte no fato de que nela se separam os momentos próprios do político e

30 LIMA, R. Betinho ataca governo e Fiesp por falta de apoio à área social. Folha de São Paulo, 21 dez. 1995. Caderno 1, Brasil, p. 10 31 Idem 32 HABERMAS, J. Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p.15.

do social), agora também o segundo elemento de do sistema de trocas pré-capitalistas desenvolve uma peculiar força explosiva: a imprensa.

Inicialmente esta troca de informações acontece como correspondências privadas sobre

resultados de colheitas, assembléias parlamentares, impostos e notícias sobre o comércio

internacional. Dirigida de comerciantes para comerciantes, em meados do século XVII esta

troca passa a ser diária. Nesta fase, uma boa parte das informações contidas nestas

correspondências não é publicada, isto é, impressa e divulgada para públicos que não dos

grandes comerciantes, autoridades reais e administrativas. Entretanto, nesta época, a própria

dinâmica da economia, cada vez mais interligada e interdependente de outras regiões e

informações, torna as próprias notícias em mercadorias. Assim, freqüentemente escritórios de

trocas de correspondências privadas tornam-se jornais impressos, desenvolvendo os então

denominados “jornais políticos”. Os governos e reinados vigentes logo percebem o potencial

destes jornais, tornando a imprensa sistematicamente útil às suas intenções. Neste sentido,

somente ao se servirem dos jornais para divulgar nomeações, solenidades da corte, decretos e

portarias é que o alvo do poder público torna-se um autêntico “público”. Deste modo:

A autoridade dirige sua comunicação ‘ao’ público, portanto, em princípio, a todos os súditos; comumente, ela não atinge, assim, o ‘homem comum’, mas, se muito, ‘as camadas cultas’. Junto com o moderno aparelho de Estado surgiu uma nova camada de ‘burgueses’ que assume uma posição central no ‘público.’(...) A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera das pessoas privadas reunidas em um público. Elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social.33

Já no início do séc. XIX na Europa, a liberdade empresarial permite a livre negociação

entre empregador e empregado para fixação de salário, e deixa à boa-vontade do empregador o

funcionamento da empresa, bem como a formação dos empregados. Em 1814 é extinta a lei

elizabetana que previa um período educacional de sete anos para aprendizes.34 A questão da

formação e qualificação dos empregados torna-se um dos elementos centrais do que viria a ser

posteriormente considerado como responsabilidade social do empresário.

33 HABERMAS, J. Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p.37-42 34 Durante o reinado de Elisabeth I, desenvolveu-se uma legislação específica para a administração e alívio da pobreza. Também conhecidas por Elizabetha Poor Law (ou Leis Elizabetanas para os pobres), foram sendo aprovadas entre os anos de 1552 e 1601, e incluíam desde o cadastramento oficial daqueles que se enquadravam na categoria de “pobres”, até o recolhimento compulsório de taxas das corporações e comerciantes para abrigo e reaproveitamento daqueles considerados aptos ao trabalho.

5 CAPÍTULO IV

A REORGANIZAÇÃO DO SOCIAL NAS RELAÇÕES INDUSTRIAIS - PRIMEIRAS

RESPONSABILIDADES SOCIAIS ATRIBUÍDAS AO EMPRESARIADO

BRASILEIRO.

A periodização da RSE no Brasil é sensivelmente diferente. Cientistas sociais do final da

década de 1950 e início dos anos 60 concluem que a burguesia industrial nacional era

politicamente fraca, atrasada, e incapaz de desenvolver um projeto próprio para a economia e

sociedade brasileiras.35 Derivando estudos de Francisco Weffort, cientistas sociais daquela

época argumentam que, nesta incapacidade ou ausência de uma burguesia nacional hegemônica,

cria-se um vácuo preenchido pelo Estado, que independente de qualquer grupo social específico,

constrói um projeto de industrialização e controle social, o estado de compromisso. Estas

pesquisas, no entanto, baseavam-se em tipos ideais (procedimento bastante comum na

Sociologia daquela época), o que limita seus resultados. Barbara Wienstein ressalta esta

limitação, discordando do papel do empresariado proposto neste estado de compromisso:

Líderes da emergente burguesia industrial de São Paulo e intelectuais estreitamente ligados à classe estavam tentando desenvolver uma abordagem mais coerente dos problemas da industrialização e das relações sociais já na década de 1920. Longe de tranferir seu papel social e intelectual a um Estado corporativo, os industriais brasileiros e seus aliados tecnocratas procuravam, de forma agressiva, assumir a liderança na reorganização das relações industriais e na construção de uma nova sociedade urbano-industrial. 36

No caso brasileiro, que a gênese das atribuições sociais das empresas tem seu lugar e

tempo definidos: São Paulo, décadas de 1920 e 1930. Dentre a gama de atribuições sociais hoje

imputadas às empresas como parte de seu programa de responsabilidade social, fica claro que a

origem é a qualificação profissional, preocupação constante de uma parte do empresariado

daqueles anos de incipiente industrialização. Industriais, tecnocratas e intelectuais brasileiros

começam a discutir novas formas de capacitação profissional e serviços sociais como parte de

um projeto mais amplo de sustentação e desenvolvimento da industrialização, não só

localmente, mas também nacionalmente. Neste sentido, é inegável a grande influência de

métodos estrangeiros de racionalização da produção, via “administração científica” do trabalho,

em especial os conceitos advindos de Taylor, Ford entre outros menos conhecidos. Este discurso

teve alento em uma parte mais “esclarecida” do empresariado paulista, mais especificamente

entre alguns industriais, especialmente àqueles formados e educados em outros países. É entre

35 WEINSTEIN, B. A (re)formação da classe trabalhadora no Brasil. São Paulo: Editora Cortez, 2000, p. 26. 36 Ibid., p.27.

esses que a responsabilidade social da empresa (ou indústria, no caso) é mais ampla e

abrangente, tendo a indústria como lugar primeiro de uma reorganização da sociedade brasileira,

em busca de uma “paz social”. Porém,

embora os industriais defensores da organização racional aspirassem a reestruturar o local de trabalho e a força de trabalho, eles se preocuparam em primeiro lugar em reestruturar a si mesmos, ou pelo menos s ua imagem de classe. Identificando-se com novas correntes na organização racional e na administração científica, esses industriais, engenheiros, e educadores arrogaram a si a autoridade e a competência técnica necessárias para modernizar a sociedade brasileira. (...) Tal abordagem, afirmavam eles, iria não apenas aumentar a produtividade mas também promover a paz social.37

Esta reestruturação de si mesmos que Weinstein cita está implicitamente ligada à

responsabilidade social que se atribuem estes industriais. Exemplo perfeito encontra-se no

discurso de Roberto Simonsen quando da sua posse como vice-presidente do CIESP – Centro

das Indústrias do Estado de São Paulo (embrião da futura FIESP – Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo), em 1928, articulando o novo papel da indústria na sociedade brasileira,

citando o caso dos Estados Unidos, “onde por toda a parte faz-se uma intensa propaganda do

aperfeiçoamento dos métodos das indústrias e dos negócios que são considerados como uma

espécie de função pública, comportando responsabilidades sociais e deveres para com a

comunidade.”38

Apesar deste discurso de Simonsen evidenciar uma preocupação do empresariado com a

o retorno à comunidade, há de se levar em conta alguns fatores relevantes. Em primeiro lugar, a

percepção dos empresários quanto a esta questão não é unânime. Isso não descredencia

Simonsen como representante da classe, mas apenas ressalta que esta percepção ainda não era

plenamente difundida e compartilhada por todo o empresariado (ainda hoje não é), e variava

conforme a orientação política, educação, e porte do empresário. Em segundo lugar, a

responsabilidade social das empresas inicialmente foca-se, no Brasil, na formação e capacitação

dos operários, o que confere um caráter endógeno ao conceito de responsabilidade, uma vez que

esta perspectiva responde a uma crescente demanda dos empresários por mão-de-obra mais

qualificada.

A evolução do conceito de RSE no Brasil remete, necessariamente, a fatores exógenos

ao ambiente fabril e empresarial. Inúmeras circunstâncias e eventos interferem na construção

histórica deste conceito, alterando profundamente, senão seus propósitos, ao menos suas

atribuições. A crise do sistema financeiro norte americano da década de 1930 afeta diretamente

o sistema produtivo dos países capitalistas do ocidente. A resposta a essa crise é um 37 Ibid., p. 20-21. 38 Ibid., p. 38

engrandecimento das intervenções econômicas do Estado, necessariamente apoiado por um

crescimento da participação deste mesmo Estado como regulador social (também conhecido

como estado keynesianista). A orientação econômica do Estado, no Brasil, varia, entre 1920 e

hoje, seguindo três grandes modelos: liberal, desenvolvimentista e neo-liberal. Sem adentrar nas

especificidades de cada um dos modelos, podemos afirmar que cada qual possui dinâmicas e

lógicas próprias, bem como competências e responsabilidades variáveis no trato do social. À

estas variações estão sensíveis, inexoravelmente, os empresários e os operários. Não só devido à

natural inter-dependência entre as esferas pública e privada, mas a como cada uma se comporta

frente às demandas sociais às quais ambas as esferas estão relacionadas. Assim, o Estado

desenvolvimentista, para seus teóricos, assume paulatinamente uma maior participação na

intermediação das demandas e conquistas sociais das coletividades, dentre elas o operariado, por

exemplo. Conforme Celso Furtado, “O Estado nacional (...) assumiu progressivamente a defesa

dos interesses coletivos”.39 Na esteira dessa defesa dos interesses coletivos está o

estabelecimento do chamado Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), que chama para si

responsabilidades sociais onerosas, como seguro-desemprego, por exemplo, que influi

diretamente no ambiente fabril e na percepção do empresariado quanto à suas responsabilidades

sociais. A subseqüente crise e desmonte deste Welfare State, presenciado principalmente a partir

de meados da década de oitenta, re-insere ao mercado demandas sociais das classes produtivas.

Concomitante à esse processo, há uma desvalorização crescente do valor do trabalho fabril.

Conforme Giusepe Cocco:

Ao mesmo tempo, os movimentos decorrentes de 68 amplificavam as pressões sociais para a extensão não-corporativa do Welfare State e progressivamente anunciaram a crise das formas de legitimação política estruturada em torno da representação dos interesses dos grandes corpos sociais: operariado e elites empresariais. O aumento dos déficits públicos, devido à crise, encontra desta maneira o aumento exponencial (e até agora irreversível) dos gastos ligados à transformação da vocação dos tradicionais dispositivos do Estado-provdência (por exemplo, do seguro-desemprego, que se tornou fonte de sustentação de estratégias de vida, trabalho e formação cada vez mais independente do ciclo fabril) e a multiplicação destes como instrumento de mediação de conflitos sociais externos ao regime de fábrica (por exemplo, sobre o acesso aos serviços e às infra-estruturas básicas – telefone, habitação, transporte, etc.)40

Esta mediação dos conflitos externos ao regime de fábrica começa a ser atribuída

também à classe empresarial, mesmo que o eixo do beneficiamento social não seja mais,

necessariamente, o operariado. Seja de forma assistencialista ou produtiva, o empresariado é

chamado a participar ativamente da intermediação e solução dos problemas sociais. Isso fica

mais claro quando analisadas reportagens sobre RSE publicadas nos últimos anos.

39 FURTADO, C. O capitalismo global. São Paulo, Paz e Terra, 1998, p.22. 40 COCCO, Giuseppe. Trabalho e Cidadania. São Paulo: Cortez Editora, 2000, p.85.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender quais responsabilidades sociais e qual o processo de atribuição destas às

empresas permite um melhor entendimento sobre o estabelecimento do lugar social da empresa

e sua premência frente a outras instituições, fenômeno este mais acentuado a partir da década de

1990. O esfacelamento do Estado de Bem-Estar Social e a globalização encaminham as

empresas para um lugar de destaque na sociedade, tornando-as cada vez mais a instituição

central do capitalismo moderno. No entanto, esta centralização gera expectativas e distorções

quanto se quanto e como devem retribuir as empresas à sociedade.

Analisando reportagens que de alguma maneira relacionam a dádiva ao universo do

privado e empresarial, é possível perceber tendências na consolidação destas responsabilidades

e, conseqüentemente, avaliar a participação do Estado, da sociedade e da imprensa neste

contexto. Assim, no âmbito da pesquisa, as fontes indicam, em primeiro lugar, um considerável

aumento da incidência de reportagens que relacionam a dádiva ao empresarial a partir do biênio

1997-98. Isso parece se dar devido a um aumento de pressões internas (ONG`s e entidades

civis) e externas (determinações das matrizes, no caso de empresas multinacionais) por uma

participação maior da empresa no retorno, financeiro ou simbólico, às comunidades nas quais

atuam e produzem lucro. Percebe-se que este movimento não se dá de maneira total, mas via

vetores, sendo estes questões como “combate ao trabalho infantil”, “voluntariado entre os

empregados”, “participação na diminuição de desigualdades sociais”.

Pode ser auferida em uma análise das fontes outra tendência característica do processo

de atribuição e assimilação de responsabilidades às empresas no Brasil, que seria uma certa

privatização das categorias. Isto é, tornam-se privados conceitos como “culpa social”,

“diminuição de desigualdades”, “abismo social”. O linguajar e os jargões específicos deste

discurso evidenciam um movimento de centralização de expectativas e de categorias nas

empresas. Isso fica mais claro quando analisados dois exemplos de reportagens publicadas no

Caderno Especial Solidariedade da Folha de São Paulo de 1997. Em uma reportagem sobre

trabalho voluntário (dentro e fora das empresas), que por sinal é a inicial e de maior destaque

deste referido suplemento, inicia-se com o seguinte texto: “Culpa. Esse é o sentimento que o

aflige toda vez que você pensa que poderia fazer alguma coisa _seja lá o que for_para ajudar

alguém? _seja lá quem for, desde que verdadeiramente necessitado?”41 Emana deste trecho o

fato de que não importa o que é feito para ajudar, nem a que se dá esta ajuda. Destaca-se e

41 CARVESAN, L. Maioria nunca fez trabalho voluntário. Folha de São Paulo, 19 de dez. 1997. Caderno Especial Solidariedade. p.1

direciona-se a culpa a todos, indiscriminadamente. Coincidentemente, a segunda reportagem

deste suplemento (e a segunda em importância, dado seu lugar de destaque), segue o mesmo

tom. Com o título de “Abismo social impõe urgencia de iniciativas”, segue o texto: “Se você

quiser ajudar alguém e não sabe como, a primeira coisa a fazer é olhar à sua volta: com o

indicadores sociais brasileiros, não é difícil achar quem ajudar”42 Privatiza-se a diminuição do

abismo social a um “você” indistinto, pois este abismo impõe que “você” faça algo para

diminuí-lo. Mais uma vez, fica patente e explícito que não importa quem ou como ajudar, e sim

que há uma culpa e um abismo que devem ser dirimidos por um sujeito privado.

Percepções como esta são emblemáticas de como foi construído e assimilado o discurso

da RSE no Brasil, e significativas observando-se que as relações entre empresa, Estado e

sociedade devem se desenvolver considerando um insurgente destaque para a primeira.

42 SANTOS, C. Abismo social impõe urg6encia de iniciativas. Folha de São Paulo, 19 de dez. 1997. Caderno Especial Solidariedade. p.2

7 ANEXOS

24/12/95

Autor: MARCELO COPPOLA Origem do texto: Da Reportagem Local Editoria: COTIDIANO Página: 3-3 Edição: Nacional DEC 24, 1995 Legenda Foto: O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho , idealizador da campanha contra a fome no jardim do Ibase, no Rio de Janeiro Crédito Foto: Luciana Whitaker/Folha Imagem Primeira: Chamada Observações: COM SUB-RETRANCAS Vinheta/Chapéu: AÇÃO DA CIDADANIA Selo: NATAL SEM FOME Assuntos Principais: FOME; CAMPANHA; NATAL; BETINHO ; ENTREVISTA

Betinho quer trazer idosos para campanha Betinho quer trazer idosos para campanha

Sociólogo destaca a participação dos jovens neste ano e acredita no crescimento do movimento em 96 MARCELO COPPOLA Da Reportagem Local O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho , quer ampliar o alcance da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida com a ajuda dos idosos. Ele vai fazer uma campanha para que "pessoas entre 50 e 70 anos" se engajem no movimento. "Queremos juntar a energia dos mais jovens com a experiência dos mais velhos."

Betinho aposta no crescimento da Ação da Cidadania em 96, apesar de, em algumas capitais, a campanha "Natal sem Fome" não ter tido o mesmo sucesso de 95. O sociólogo promete pressionar o governo para que ele crie um plano social de grande alcance. "A miséria é muito grande e o programa Comunidade Solidária é pequeno", afirmou em entrevista à Folha na última quinta-feira.

Betinho voltou a criticar a Fiesp e disse que no próximo ano lutará "corporalmente com os empresários para que eles entrem na campanha para valer". Lamentou ainda a "resignação" do brasileiro com a situação social. A seguir, trechos da entrevista. * Folha - A campanha "Natal sem Fome" deste ano terá o mesmo sucesso dos últimos dois anos?

Betinho - Estou participando mais aqui no Rio, onde a arrecadação foi maior do que nos dois últimos anos. No ano passado, conseguimos cerca de 570 toneladas de alimentos. Este ano, tivemos a sorte de contar com o apoio da Bolsa de Mercadorias, que levantou cerca de 500 toneladas. Nossos cálculos são de que, no total, conseguimos em torno de 600 a 700 toneladas de alimentos, que já começaram a ser distribuídas. Cerca de 60 mil famílias vão comer nessa Natal graças a essa mobilização. Folha - E como está a campanha em outros Estados?

Betinho - Não tenho ainda muitas informações. Em São Paulo, eu sei que existem várias iniciativas, mas talvez a campanha não tenha tido o mesmo impacto do ano passado. Folha - Um pesquisa do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, divulgada há poucos dias, revela que o movimento vem perdendo fôlego no país. Como o sr. vê essa retração?

Betinho - Essa foi uma pesquisa feita em cinco cidades. O importante é que, em nível

nacional, a ação se mantém, como indica uma pesquisa do Datafolha publicada antes. Houve variação em algumas capitais, é verdade, mas considero isso absolutamente normal. É difícil você manter uma iniciativa como essa crescendo o tempo todo. Ela avança, recua, volta a avançar. Acho isso natural. Folha - Quais os planos da Ação da Cidadania para 96?

Betinho - Queremos jogar os jovens e os idosos na campanha. Juntar a energia dos mais jovens com a sabedoria dos mais velhos. Os jovens já tiveram um papel de destaque este ano. Foram a grande surpresa. Mas queremos que eles se engajem de forma ainda mais intensa. E a grande novidade será a participação dos idosos, gente entre 50 a 70 anos, uma massa capaz de sustentar este país. São pessoas que têm experiência e estão buscando um sentido para a vida. Como pode uma pessoa chegar aos 50, 55 anos, e ficar apenas de pijama em casa ou jogando dominó nas esquinas? Folha - Como o sr. pretende trazer os idosos para campanha?

Betinho - Eles já estão organizados em muitas entidades. Depois do Carnaval, já que tudo no Brasil começa a partir daí, vamos mapear as entidades que trabalham com eles no Brasil. E começar a trabalhar com essas entidades. Não vamos tomar nenhuma iniciativa isolada. Queremos discutir com os idosos e ter idéias juntos.

Folha - Nesta semana o sr. criticou a atuação dos empresários, especialmente da Fiesp, na área social. O sr. acredita que eles possam ter uma participação mais efetiva em 96?

Betinho - No próximo ano vou lutar corporalmente, fisicamente, com os empresários. Eu quero que eles entrem para valer. O empresariado brasileiro, em geral, é ainda muito omisso. Têm setores que se manifestam, como o de alimentos aqui no Rio. Mas onde está a ação da Fiesp, que é um símbolo do empresariado nacional? Sesc/Senai? Isso é pouco. É uma ação importantíssima, mas é pouco. Nós estamos diante de um quadro de miséria espantoso. Temos um aumento da miséria e do desemprego. Em São Paulo, a taxa do desemprego formal chega a 13%, o que significa cerca de 30% a 40% de desemprego real. Então, quem é forte, como a Fiesp, tem que dar uma resposta forte. Não pode dar uma resposta tímida, normal e comum. Foi assim que chegamos a esse quadro de miséria.

Folha - Como o sr. vê a atuação do governo Fernando Henrique na área social? Betinho - A verdade é que o governo federal não definiu um plano global para o social. Essa

é a grande crítica que faço ao governo. Assim como há um plano econômico, que todo mundo torce para que dê certo, tem que haver um plano social para que a democracia seja viável, senão a gente pode ter a moeda mais forte do mundo junto com a maior miséria do mundo. Folha - E o programa Comunidade Solidária?

Betinho - A miséria é muito grande e o Comunidade Solidária é pequeno. Estão colocando no ombro da dona Ruth, pessoa que respeito muito, e do Comunidade Solidária uma carga muito maior do que o tamanho do ombro. Folha - O sr. acha que, se criado esse plano para a área social, o governo FHC pode acabar com a fome no país?

Betinho - Com a miséria não sei se há tempo, mas com a fome sim. O governo FHC deveria acabar afirmando o seguinte: ninguém mais passa fome no Brasil. Se o governo não fizer isso, estará perdendo uma oportunidade de entrar para história, de acabar com um mal secular. E perdendo uma fantástica oportunidade política, porque o plano econômico, além de ter os seus problemas, tem os seus limites. Ninguém vive de plano econômico. Caso não resolva isso, ele estará frito, será fritado pela consciência nacional. Quanto à pobreza, não podemos aceitar, mas aí já é um problema de longo prazo, de mudanças estruturais.

Folha - O sr. teme algum tipo de explosão social caso esse combate à fome não tenha sucesso? Betinho - Infelizmente, digo isso com um pouco de ironia, não. Se o brasileiro fosse mais

indignado, a coisa seria resolvida mais rapidamente. Mas o brasileiro ainda é muito resignado, e isso é uma coisa ruim para nós. Folha - Como o sr. vê o futuro da Ação da Cidadania? É um movimento com data para acabar?

Betinho - Enquanto tiver miséria no Brasil, o movimento vai estar _como dizem os jogadores de futebol, 'comigo ou sem migo'_ funcionando e crescendo.

24/12/95

Autor: Origem do texto: Da Reportagem Local Editoria: COTIDIANO Página: 3-3 Edição: Nacional DEC 24, 1995 Legenda Foto: Márcia Juvêncio, líder de cooperativa na Vila Brasilândia Crédito Foto: Ormuzd Alves/Folha Imagem Observações: SUB-RETRANCA Vinheta/Chapéu: AÇÃO DA CIDADANIA; A INICIATIVA Assuntos Principais: FOME; CAMPANHA; NATAL

"A gente acaba se ajudando" Da Reportagem Local Márcia Iolanda Juvêncio, 35, participa da campanha de Betinho desde o início, em 1993. "E vou estar sempre ao lado dele", diz. Ela preside uma cooperativa em Vila Brasilândia (periferia da região norte de São Paulo). Márcia comanda o trabalho de 51 pessoas, 33 delas crianças. Fazem roupas e sapatos. A maioria mora na favela ao lado da cooperativa. Na última sexta, Márcia recebeu da coordenação da campanha 35 cestas de Natal para distribuir entre as pessoas com quem trabalha. "Vai garantir um pouco de alegria para as famílias. Não vai dar para todo mundo, mas a gente acaba se ajudando, dividindo os mantimentos e, no final, tudo se ajeita", afirmou. A grande aflição de Márcia, a dois dias do Natal, era como conseguir pagar o salário de R$ 50 para as crianças da cooperativa. "Faltam R$ 300, mas acho que até o Natal eu consigo." A cooperativa foi uma das entidades beneficiadas pela campanha por emprego feita, no ano passado, pela Ação da Cidadania. Com a ajuda de empresas, foram comprados equipamentos e abertas novas vagas. Quase tudo foi levado em um roubo no início do ano. "Mas estamos trabalhando para recuperar o prejuízo. Tudo vai dar certo", diz Márcia.

Betinho ataca governo e Fiesp por falta de apoio à área social

21/12/95

Autor: RONI LIMA Origem do texto: Da Sucursal do Rio; Da Redação Editoria: BRASIL Página: 1-10 Edição: Nacional DEC 21, 1995 Legenda Foto: Betinho entrega cesta básica a Maria da Paz Viana no Rio Crédito Foto: Luciana Whitaker/Folha Imagem Primeira: Chamada

Vinheta/Chapéu: NATAL SEM FOME Assuntos Principais: CAMPANHA; ALIMENTAÇÃO; GOVERNO FHC; FIESP

Betinho ataca governo e Fiesp por falta de apoio à área social RONI LIMA Da Sucursal do Rio Ao anunciar a arrecadação no Rio de 600 toneladas de alimentos pela campanha Natal sem Fome, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho , criticou o governo federal e os empresários ligados à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Para Betinho , esses empresários têm falado em ajudar os mais necessitados, mas nada fazem.

Betinho criticou o governo por colocar dinheiro público para ajudar os bancos Nacional e Econômico. "Isso prova que existe muito dinheiro sobrando. Basta dar prioridade para botar dinheiro no social, e não no setor financeiro." As 600 toneladas de alimentos arrecadadas começaram a ser entregues ontem para 217 comitês no Rio do movimento Ação da Cidadania contra a Miséria e Pela Vida, que promove a campanha Natal sem Fome. Ao participar do início da entrega das 600 toneladas de alimentos para os comitês da campanha, no galpão da CNA (Companhia Nacional de Abastecimento), em Benfica (zona norte do Rio), Betinho elogiou os empresários do setor de alimentos. Convocados pela Bolsa de Gêneros Alimentícios, empresários do setor doaram 350 toneladas de comida. Entre eles, Olacyr de Moraes, de São Paulo. A assessoria de imprensa da Fiesp informou que o presidente da entidade, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, só faria comentários sobre as declarações de Betinho depois que elas fossem publicadas. Colaborou a Redação

Betinho ataca governo e empresários de SP

15/12/95

Autor: CLÓVIS ROSSI Origem do texto: Da Reportagem Local Editoria: BRASIL Página: 1-14 Edição: São Paulo DEC 15, 1995 Observações: SUB-RETRANCA Vinheta/Chapéu: CLÁUSULA SOCIAL Assuntos Principais: FUNDAÇÃO ABRINQ; PROPOSTA; TRABALHO INFANTIL; MAPEAMENTO

Governo e OIT fazem crítica Da Reportagem Local A iniciativa da Abrinq recebe aplausos e críticas de dois dos principais interessados no tema, o Ministério do Trabalho brasileiro e a OIT (Organização Internacional do Trabalho), organismo das Nações Unidas. Paulo Paiva, ministro do Trabalho, diz que a idéia de investigar todo o ciclo produtivo coincide com a concepção do governo no que se refere ao trabalho escravo. Mas acha que é "reducionismo" afirmar que a Petrobrás (por subsidiar o álcool) ou a indústria automobilística se beneficiam ou estimulam o trabalho infantil.

"É um problema muito mais complexo, que envolve desde necessidades familiares até uma tradição antiga no campo, passando, claro, por casos gritantes de exploração, como no setor de calçados", diz o ministro. João Carlos Alexin, representante da OIT no Brasil, elogia a idéia de mapear toda a cadeia produtiva "para convencer os empresários a não comprar de quem utiliza mão-de-obra infantil". Mas Alexin critica a divulgação de empresas que empregam mão-de-obra infantil, a ser feita pela Abrinq. Em assembléia na segunda-feira, dia 18, a Fundação Abrinq e um punhado de outras entidades devem divulgar uma lista dessas empresas. "Não podemos apoiar a divulgação de uma lista de empresas, porque, primeiro, se deve dar a elas a oportunidade de colaborar." O representante da OIT acha que não basta impedir o trabalho infantil. "É preciso dar uma alternativa para as crianças e para as famílias, porque o rendimento delas pesa no orçamento da casa." É o mesmo argumento usado por Ademerval Garcia, presidente da Abecitrus, que reúne empresas exportadoras de suco de laranja. A Abecitrus recusou-se a participar da iniciativa da Abrinq, sob a alegação de que suas filiadas não empregam crianças. Mas também sob o argumento de que "é preciso ir à raiz do problema", assim descrita por Garcia: "A raiz é o fato de a renda do maior não ser suficiente para manter o menor na escola e nem sempre haver escola para o menor". Além disso, a Abecitrus desconfia do que chama de "envolvimento político muito claro da Abrinq", em alusão ao fato de seu presidente, Oded Grajew, ser assumidamente do PT. Grajew, de seu lado, diz que o lado denuncista da operação é menos relevante do que a iniciativa de propor uma solução. Em busca de uma solução, já marcou, para o dia 20, dois dias depois da denúncia pública, uma audiência com Paulo Paiva, para discutir o assunto. (CR)

Fim do trabalho infantil

04/12/96

Autor: ODED GRAJEW Editoria: OPINIÃO Página: 1-3 Edição: Nacional Dec 4, 1996 Seção: TENDÊNCIAS/DEBATES Arte: ILUSTRAÇÃO: ORLANDO Observações: PÉ BIOGRÁFICO

Fim do trabalho infantil Em vez de resistir à adoção de cláusulas sociais o Brasil deveria ter uma atitude mais inteligente e digna

ODED GRAJEW O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Felipe Lampreia, escreveu na Folha (10/11) um artigo condenando a tentativa de alguns países, sindicatos de trabalhadores, entidades empresariais e organizações de defesa dos direitos humanos de introduzir cláusulas sociais nas normas de funcionamento do comércio internacional. Alega o ministro que a adoção de tais normas introduziria um ''elemento estranho ao comércio'', abrindo caminho para um sem-número de medidas e práticas nitidamente protecionistas. A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança iniciou há um ano um trabalho de pesquisa mostrando a presença de trabalho infantil na cadeia produtiva de importantes setores da nossa economia. As crianças que trabalham nas carvoarias, que colam sapatos, colhem laranjas e cortam cana-de-açúcar estavam alimentando, com o resultado do seu trabalho, a produção de carros, sapatos, suco de laranja, açúcar e álcool. Sensibilizados com o problema, preocupados com a repercussão dessa situação junto aos consumidores e à comunidade nacional e internacional, várias montadoras de automóveis (Volkswagen, Ford, General Motors e Mercedes-Benz), os fabricantes de sapatos de Franca e a Abecitrus (Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos) manifestaram o seu compromisso político com a eliminação do trabalho infantil na cadeia produtiva dos seus produtos e estão promovendo ações efetivas para o encaminhamento e a permanência das crianças na escola. Na área da cana-de-açúcar, o governo paulista articulou o ''pacto dos bandeirantes'', e o governo federal firmou um acordo envolvendo vários ministérios, detalhando ações concretas de apoio a iniciativas que provoquem a retirada das crianças do trabalho nos canaviais e a volta à escola. Em 6/9, o presidente, governadores, ministros, presidentes de centrais sindicais e de federações empresariais e representantes de entidades não-governamentais assinavam um pacto contra o trabalho infantil. O programa ''Empresa Amiga da Criança'', da Fundação Abrinq, visa formar uma rede de empresas que não exploram o trabalho infantil e que, ao mesmo tempo, promovam ações em favor das crianças mais carentes. Centenas de empresas já receberam um diploma e o direito de usar o selo do programa nos seus produtos. Em 1997, será realizada uma campanha estimulando as comunidades a prestigiar essas empresas. A força do mercado, punindo empresas por práticas predatórias e valorizando aquelas que se preocupam com o patrimônio humano ambiental e cultural, tem se revelado extraordinariamente eficaz e poderosa para melhorar a vida de milhões de pessoas em todo o mundo. A pressão internacional pela adoção de regras éticas no comércio é cada vez maior. O ministro Lampreia afirma que ''o Brasil não participa do comércio internacional à base de salários

iníquos, do uso extensivo de trabalho infantil, escravo ou de presidiários''. O presidente FHC acaba de enviar uma proposta de mudança constitucional que elimina inclusive o trabalho infantil na forma de aprendiz, fixando em 14 anos a idade mínima para que adolescentes possam começar a trabalhar, sempre em condições que não sejam insalubres e que possam viabilizar a continuação dos seus estudos. Quem não deve não teme. Portanto, em vez de simplesmente resistir à introdução de cláusulas sociais no comércio internacional e ficar na contramão da história, o Brasil deveria estar em condições de ter uma atitude mais inteligente e digna. Coerente com seus compromissos pela eliminação do trabalho infantil, pelo grave atentado à dignidade humana que representa essa prática, o Brasil deveria propor na reunião ministerial de Cingapura da Organização Mundial do Comércio a formação de um grupo de trabalho que apresentasse propostas de eliminação da exploração de crianças no comércio internacional. Esse grupo ofereceria a oportunidade de propor medidas efetivas, evitando ao mesmo tempo que ações com interesse exclusivamente protecionista pudessem agravar a situação de países e, consequentemente, de famílias pobres. Ao tomar essa iniciativa, o Brasil ganharia o respeito da comunidade internacional e teria a oportunidade e a autoridade de participar ativamente no processo, preservando a essência da proposta, propondo medidas efetivas, defendendo os legítimos interesses nacionais e evitando ações deturpadoras tão temidas pelo ministro Lampreia. Temos que ter coragem, sabedoria, dignidade e confiança na nossa competência. O Brasil não pode se esquivar e perder a oportunidade de assumir uma posição de liderança mundial na defesa dos direitos das crianças.

Oded Grajew, 52, empresário, é presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e coordenador-geral da Cives (Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania).

Dezembro de 1996 Edição 24.725 Quinta, 12/12/96 Tiragem 495,444 COTIDIANO

Brasil é o 63º pior em morte de crianças

12/12/96

Autor: RODRIGO VERGARA Origem do texto: Da Reportagem Local Editoria: COTIDIANO Página: 3-6 Edição: São Paulo Dec 12, 1996 Arte: TABELA: RANKING DA MORTALIDADE INFANTIL; CRIANÇAS TRABALHANDO Vinheta/Chapéu: INFÂNCIA Assuntos Principais: CRIANÇA; VIOLÊNCIA; MORTALIDADE INFANTIL; TRABALHO INFANTIL; UNICEF

Relatório do Unicef sobre morte de crianças de até 5 anos põe país em posição pior que Vietnã e El Salvador Brasil é o 63º pior em morte de crianças RODRIGO VERGARA

da Reportagem Local O Brasil reduziu sua taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos (TMM5), mas manteve a 63ª pior colocação no mundo nessa taxa, considerada pelo Unicef um indicador do progresso de um país. O ranking inclui 150 nações. ''Situação Mundial da Infância 1997'', relatório anual do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) divulgado ontem em São Paulo, diz que a TMM5 no Brasil foi de 60 crianças por mil em 1995. No relatório do ano passado, referente a 1994, o país registrava 61 mortes por mil. O Brasil fica atrás de países como Vietnã (45 mortes em mil), El Salvador (40), Paraguai (34) e Bósnia-Herzegóvina (17). O primeiro colocado no ranking é Níger, na África, com 320 mortes por mil. Os últimos colocados, com menor TMM5, são Suécia e Finlândia (5), ambos na Europa. Apesar dos índices brasileiros, os representantes do Unicef e da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que apresentaram ontem o relatório se disseram otimistas em relação às iniciativas em curso no Brasil. O relatório de 97 tem como principal enfoque a exploração do trabalho infantil no mundo. O Brasil, segundo o informe, emprega 9,3 milhões de crianças. O documento cita várias experiências brasileiras em relação ao trabalho infantil. Relata casos de desrespeito à Convenção sobre os Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, mas elogia iniciativas consideradas importantes para a erradicação da exploração infantil. Escravidão O Unicef relata, entre outros casos, a existência de trabalho insalubre no Mato Grosso do Sul e de escravidão de crianças em minas de carvão de Minas Gerais e Bahia. O Brasil é lembrado ainda pela chacina da Candelária, como exemplo dos riscos do trabalho de rua exercido por crianças. Já os elogios são endereçados, entre outros, ao Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, surgido em 85, ao Projeto Axé, da Bahia, e à iniciativa da Abrinq.

Oded Grajew, presidente da fundação, esteve presente à apresentação do relatório e disse que a Abrinq pretende cadastrar, até o final de 97, mil empresas que garantam não empregar crianças em sua linha produtiva. O Estatuto da Criança e do Adolescente também foi elogiado pelo documento, dentro da abordagem da legislação de proteção à criança. Vesna Bosnjak, representante adjunta do Unicef no Brasil, diz que o gasto público brasileiro é bastante para suprir a demanda por ensino e saúde fundamentais e ajudar famílias de baixa renda. ''A alocação dos recursos é ruim.''

Dezembro 1997 Edição 25.080 Terça, 02/12/97 Tiragem 521,775 OPINIÃO

Mulheres e empregos

02/12/97

Autor: EVA BLAY Editoria: OPINIÃO Página: 1-3 12/573 Edição: Nacional Dec 2, 1997 Seção: TENDÊNCIAS/DEBATES Observações: PÉ BIOGRÁFICO

Mulheres e empregos No Brasil, muito antes do feminismo, mulheres sempre trabalharam, sob a alegação de que faziam isso para ''ajudar'' em casa EVA BLAY Lendo um artigo do estimado e respeitado Clóvis Rossi ('Mulheres, mulheres', Folha de 23/11, pág. 1-2), vi retornar uma velha discussão que envolveu os sindicatos nas décadas de 20 e 30 _a de que a mulher ''rouba'' o emprego do homem. Três décadas de feminismo e outras tantas de luta sindical para esclarecer a falsa questão parecem não ter sido suficientes para desfazer essa falácia. Informa Rossi que uma suposta salvação para a alta taxa de desemprego, pelo menos a européia, seria o retorno das mulheres à ''fórmula tanque-e-fogão''. Cabe perguntar: a mulher deixou essa e tantas outras tarefas domésticas? Na verdade, ela somou o trabalho remunerado ao trabalho doméstico gratuito, sua segunda jornada. Vale a pena ir um pouco mais fundo. Supondo que a mulher fosse afastada do trabalho remunerado, qual delas deveria ser excluída? A celibatária, a viúva, a casada, a separada, a mãe-chefe-de-família, a pobre, a de classe média, a rica, a analfabeta, a escolarizada? Qualquer escolha teria como pressuposto a existência de um parceiro que a sustentasse ''para sempre''. Ela deveria necessariamente se casar, e o homem deveria ser absolutamente responsável por ela e pelos filhos. Ou seja, trataríamos de uma fantasia, de uma visão utópica da realidade. Por trás dessa exclusão esconde-se um perverso cálculo econômico. O salário do homem é insuficiente para si mesmo _quanto mais para sustentar uma família. Prova-o o fato de que as empresas fornecem comida a seus trabalhadores, para que trabalhem melhor. Quanto à mulher e aos filhos... passam fome. Além disso, a mulher deve cuidar do trabalhador, de sua roupa, de sua saúde; preparar sua marmita, quando necessário; zelar pela higiene da casa. Isso significa que ela está trabalhando gratuitamente para o mercado que absorve o trabalho masculino. A empresa contrata um homem, paga o salário de uma pessoa, mas obtém o trabalho de, no mínimo, duas. Alguém se apropriou desse trabalho não pago, e não foi o trabalhador _nem sua família. Na condição de sustentada, a mulher sempre teve de suportar todas as contingências da vida conjugal _incluindo violência física e sexual, infidelidade e prepotência. Os problemas se tornam agudos quando o homem a abandona com os filhos; ou quando resolve enxotá-la de casa por ter arrumado uma nova companheira; ou quando se separam e não há pensão; ou, ainda, quando ele morre e a mulher, após longos anos longe de sua profissão, deve

retornar, desatualizada, ao mercado de trabalho. A década de 60 mostrou que a mulher escolarizada, sobretudo em universidades, quando era relegada à condição de espectadora dos acontecimentos da vida política, econômica ou científica só fazia aumentar a frequência ao divã do psicanalista e o consumo de antidepressivos. Era o preço pela renúncia à sua cidadania. E há, ainda, a célebre fantasia de que a mulher, ao perder seu papel de mãe-doméstica, quando os filhos crescem, torna-se uma depressiva contumaz. Curiosa contradição: a sociedade lhe impõe a maternidade como único caminho e não lhe ensina como enfrentar a perda dessa função após a curtíssima presença dos filhos em casa. As mulheres há muito tempo tomaram seus destinos nas próprias mãos. No Brasil, muito antes do feminismo, mulheres sempre trabalharam, sob a alegação de que faziam isso para ''ajudar'' em casa. Essa ''ajuda'' era, inúmeras vezes, a única fonte de renda da casa, segundo revelaram pesquisas. E, por ser uma ''ajuda'', as mulheres continuam até hoje ganhando a metade do que se paga ao homem pelas mesmas tarefas. O feminismo desmascarou a falsa ideologia de que a condição biológica do sexo feminino impunha a domesticidade. Mostrou que a condição de gênero é construída pela própria sociedade, que determina os papéis que homens e mulheres devem desempenhar. Também renovou os conceitos de maternidade e paternidade, dando aos homens e às mulheres a mesma oportunidade de amar e expressar por seus filhos todo o carinho que quiserem. Com o feminismo, os homens conquistam o direito de manifestar seus sentimentos, e as mulheres, o de optar pela maternidade. E, já que a condição de gênero é socialmente construída, ela pode também ser modificada. Os homens não precisam ser os únicos responsáveis econômicos pelas famílias nem morrer mais cedo em decorrência da enorme pressão que sofrem. As mulheres querem partilhar da construção de uma vida comum, mantendo suas capacidades integralmente. Trabalhar é um pressuposto da sociedade contemporânea, não apenas para que a mulher ganhe o próprio dinheiro, mas para que seja respeitada como ser humano. Resolver o complexo problema do desemprego não depende de sua exclusão do trabalho remunerado. Para começar, bastaria impedir o trabalho precoce das crianças, substituindo-as por adultos; colocá-las nas escolas, ampliando o sistema escolar e o emprego de docentes; retirar da rua as que nela vivem, num efetivo trabalho de reinserção na sociedade; criar moradias normais para elas, com o trabalho de especialistas e leigos treinados. Dirão os céticos que não há dinheiro para isso. É claro que há. Basta ser essa uma prioridade que a sociedade civil imponha aos governos. Eva Blay , socióloga, é professora titular de Sociologia na Universidade de São Paulo. Foi senadora pelo PSDB-SP (1992-95).

Autor: RONI LIMA Origem do texto: Da Sucursal do Rio Editoria: BRASIL Página: 1-4 12/11872 Edição: Nacional Dec 25, 1997 Vinheta/Chapéu: NATAL SEM FOME Assuntos Principais: RIO DE JANEIRO /RJ/; NATAL SEM FOME /CAMPANHA/; CESTA BÁSICA; DISTRIBUIÇÃO

Mesmo sem Betinho, 100 mil cestas básicas foram doadas no Rio de Janeiro Campanha arrecada mais do que em 96 RONI LIMA da Sucursal do Rio Mesmo sem a presença de seu maior incentivador, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que morreu em agosto, a campanha Natal sem Fome no Rio superou em 1997 os números de 96: pelo menos 100 mil cestas de comida já foram arrecadadas. No Natal do ano passado, foram doadas cerca de 80 mil cestas de alimentos básicos. Os números ainda são parciais. Apenas em 5 de janeiro os coordenadores da campanha anunciarão o total arrecadado no Estado do Rio. ''Esse resultado é uma prova concreta de quanto a Ação da Cidadania estava viva. Para suprirmos uma ausência tão forte como a do Betinho, nossa responsabilidade aumentou'', disse o coordenador da campanha, Maurício Andrade. Andrade coordena o comitê Rio do movimento Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida. Segundo ele, 312 comitês da Ação da Cidadania, espalhados por 14 municípios do Estado, participaram da campanha. Além dos comitês, outros grupos _parcerias envolvendo prefeituras e entidades da sociedade civil, em geral_ ajudaram na mobilização em mais dez municípios. Pelo país, houve mobilização em todas as capitais e em centenas de municípios. Segundo Andrade, foi a primeira vez que a campanha se espalhou para fora do Rio independentemente da mobilização de comitês da Ação da Cidadania. O balanço final da arrecadação em todo o país deverá sair até 10 de janeiro. Perfil O coordenador do movimento Viva Rio, Rubem César Fernandes, que participou da campanha no Rio, disse ter notado neste ano uma menor participação do empresariado. As camadas mais pobres, porém, participaram. ''Diferentemente do ano passado, o lado pobre da cidade se mobilizou mais que o das classes média e rica'', disse Fernandes. Pelo menos 144 favelas, 60 escolas e grupos funkeiros participaram da campanha incentivada pelo Viva Rio. Para Fernandes, ficou evidente que ''a idéia do Natal sem Fome se generalizou'', pois a maioria das pessoas já tinha noções de como se organizar e que tipo de alimentos deveriam ser arrecadados. As doações de alimentos podem ser feitas até 2 de janeiro, nos comitês espalhados pelo Estado. Doações em dinheiro (para a compra de cestas básicas) podem também ser feitas. Cada ligação para o telefone 0900-211211 representa a doação de R$ 5 para a campanha.

13/12/97

Origem do texto: Da Sucursal do Rio Editoria: BRASIL Página: 1-14 12/6016 Edição: Nacional Dec 13, 1997 Observações: COM SUB-RETRANCA Vinheta/Chapéu: NATAL SEM FOME Assuntos Principais: NATAL SEM FOME /CAMPANHA/; CESTA BÁSICA; ALIMENTO; ARRECADAÇÃO

Total de cestas atinge 42 mil, menos da metade da meta para este ano Vigília arrecada 30 mil cestas básicas da Sucursal do Rio Após dois dias de vigília na Cinelândia (centro do Rio), a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida alcançou a marca de 42 mil cestas de alimentos para distribuir entre famílias carentes na campanha ''Natal sem Fome''. É menos da metade das 100 mil cestas que a campanha pretende entregar nos dias 20 e 21 de dezembro a famílias pobres. Antes da vigília, a campanha já dispunha de 12 mil cestas básicas. Na vigília, foram arrecadadas 30 mil cestas. ''A população está fazendo sua parte, mas é preciso que os empresários façam a parte deles. Vamos continuar em busca de doações até o Natal'', afirmou o economista Maurício Andrade, coordenador do ''Natal sem Fome''. A Ação da Cidadania foi criada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, morto em agosto de 97. No primeiro Natal sem Betinho, a campanha tem enfrentado dificuldades. No final da tarde de ontem, uma empresa do setor petrolífero anunciou a doação de R$ 50 mil. Quem quiser colaborar com o ''Natal sem Fome'' pode ligar para o telefone 0900-211211 e doar R$ 5. Há duas contas abertas em nome da campanha: Caixa Econômica Federal, agência 198, OP-003, conta 790900-7 e Banco do Brasil, agência 1211/4, conta 500537-X

12/12/97

Autor: LUIZ CAVERSAN Editoria: OPINIÃO Página: 1-2 12/5367 Edição: Nacional Dec 12, 1997 Seção: RIO DE JANEIRO

Triste disputa LUIZ CAVERSAN Rio de Janeiro _ Foi-se o tempo em que paulistas e cariocas disputavam palmo a palmo a primazia pelas coisas boas da vida. O Rio tem as praias, São Paulo, os restaurantes; os cariocas se divertem mais, os paulistas trabalham mais; o Rio lança moda, São Paulo faz a moda. Coisas do passado. Agora, a porfia é cruel, assustadoramente desumana: qual das duas cidades é mais violenta? Onde se mata mais? Onde os traficantes são mais poderosos? Crack ou cocaína? Alinham-se, de um lado e de outro, argumentos tenebrosos: chacinas, assassinatos de inocentes, balas perdidas, assaltos seguidos de estupros, espancamentos em espetáculo de futebol, assaltos impedidos por seguranças ferozes e matadores, tiros, tiros, mortes, mortes. No limiar do novo milênio, a questão que se impõe inexorável é a falta de solução visível para a escalada da violência nos grandes centros urbanos. O cidadão-refém sente-se acuado e sem perspectiva. As autoridades mandam e desmandam

sem método ou consequência, visivelmente perdidas; não sabem como conduzir suas tropas nessa verdadeira guerra de guerrilha, na qual _lembra-se do Vietnã?_ todo o aparato do Estado revela-se inútil _o poder nas quebradas das favelas e nas periferias distantes está na mão de quem pode mais e chora menos. * A campanha da fome , que todos os anos mobiliza milhares de pessoas em nome dos despossuídos e que serve, ao menos, para diminuir a nossa culpa, vai mal das pernas. Era de se esperar que com a morte do Betinho _inspirador maior da solidariedade nesses tempos crespos_ a campanha sofresse mesmo alguns revezes. Mas não tantos: até agora arrecadou-se

pouquíssimo alimento para as cestas básicas a serem distribuídas em nome de um Natal sem fome . Sente-se, sobretudo, a ausência dos empresários, das chamadas pessoas jurídicas, que sempre responderam aos apelos _aliás irrecusáveis_ do Betinho. E aí, sr. empresário, que tal esquecer um pouquinho o pacote do governo e colaborar com umas boas cestas? É básico.

09/12/97

Autor: WILSON TOSTA Origem do texto: Da Sucursal do Rio Editoria: BRASIL Página: 1-7 12/3947 Edição: Nacional Dec 9, 1997 Legenda Foto: Alimentos doados por favelados são recolhidos por voluntários no Rio Crédito Foto: Publius Vergilius/Folha Imagem Vinheta/Chapéu: NATAL SEM FOME Assuntos Principais: NATAL SEM FOME /CAMPANHA/; ALIMENTO; CESTA BÁSICA; BETINHO /SOCIÓLOGO/

Sem Betinho, participação de empresas no programa diminuiu Campanha faz vigília para ter apoio de empresários WILSON TOSTA da Sucursal do Rio Os organizadores do '' Natal sem Fome '' promoverão amanhã uma vigília na Cinelândia (centro do Rio) com o objetivo de obter mais doações de empresários para a campanha. A meta deste ano é conseguir 100 mil cestas básicas a serem doadas a famílias carentes. Até ontem, tinham sido arrecadadas apenas 10 mil cestas. ''O Betinho (sociólogo Herbert de Souza, criador da campanha, morto em 9 de agosto) faz muita falta'', disse o economista Maurício Andrade, coordenador do projeto. ''Ele tinha retorno direto dos empresários.'' Para Andrade, depois que Betinho morreu, a relação com o empresariado passou a ser de ''maior distância'', mas o ritmo das doações não é diferente do observado em 96. Desde a criação da campanha (em 93), a sociedade sempre se mobilizou antes dos empresários. ''No ano passado, só a 15 dias do Natal começamos a ter a participação dos empresários e chegamos a nossa meta, que era obter 80 mil cestas'', disse. A vigília começará às 10h de amanhã e acabará às 10h da próxima sexta-feira. Durante essas 48 horas, haverá atividades culturais, como peças teatrais e espetáculos de música popular. Um painel registrará publicamente as doações feitas pelos empresários. Um estande da empresa Eat Alimentos venderá, por R$ 6, cestas para quem quiser fazer doações. ''Se um empresário doar R$ 600, cem cestas serão compradas e mandadas para o depósito da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), e o nome do doador será escrito no painel.'' Segundo Andrade, até ontem tinham colaborado com a campanha 25 mil pessoas, número que ele considerou ''fantástico''. ''Está faltando os empresários fazerem a sua parte'', disse. Até ontem, as doações de alimentos totalizavam 100 toneladas. Também tinham sido coletadas cerca de 53 mil latas vazias de cerveja e de refrigerante. O produto da venda será convertido em cestas básicas. A campanha '' Natal sem Fome '' também promoverá uma visita ao Jardim Zoológico do

Rio e um passeio ciclístico pela zona sul, no próximo fim-de-semana. Nos dois eventos, o preço da participação será o mesmo: 2 kg de alimentos. Cada cesta básica a ser doada terá uma lata de óleo de soja, 3 kg de arroz, 1 kg de macarrão, 2 kg de açúcar, 2 kg de feijão e 1 kg de fubá.

Dezembro 1997 Edição 25.100 Segunda, 22/12/97 Tiragem 526,793 OPINIÃO

NOVA SOLIDARIEDADE

22/12/97

Editoria: OPINIÃO Página: 1-2 12/10361 Edição: Nacional Dec 22, 1997 Seção: EDITORIAL

NOVA SOLIDARIEDADE Desde 1993, quando surgiu a Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, liderada por Betinho, vêm aparecendo indícios concretos de que as ações solidárias e a filantropia ganham força na sociedade brasileira. Talvez mais importante seja o fato de que, ao longo dessa década, foi se firmando uma nova maneira de encontrar paliativos para a miséria. Tais ações são marcadas pela idéia de que ''mais importante do que dar o peixe é ensinar a pescar''. Isso já é visível em iniciativas de empresas, fundações e organizações não-governamentais, que substituíram doações episódicas e vícios paternalistas por formas de atuação mais modernas e permanentes, voltadas prioritariamente para a formação de cidadãos. O caso da Fundação Abrinq, por exemplo, que hoje atende cerca de 500 mil crianças, tem sido apontado como modelo. Mas, se houve avanços, muito ainda está por ser feito. O caderno ''Solidariedade'', publicado na sexta-feira por esta Folha, mostrou que 80% dos paulistanos nunca atuaram como voluntários, embora 92% deles considerem que esse trabalho é positivo e necessário. A comparação com os EUA é reveladora. Lá, 49% da população adulta trabalha em programas voluntários. Essa adesão mostra que o espírito comunitário está como que institucionalizado nos EUA, enquanto no Brasil ele ainda é incipiente, para dizer o mínimo. A multiplicação das ações solidárias no país é uma necessidade, sobretudo na forma do que o economista Stephen Kanitz chama de ''filantropia estratégica'', menos dependente de impulsos caridosos e mais dedicada a perspectivas de longo prazo. Isso não deve conduzir, porém, à idéia equivocada de que os problemas sociais possam ser resolvidos à margem do Estado. Políticas públicas de educação, saúde e emprego ainda são a forma mais racional e eficaz de combate à exclusão. Parcerias com entidades civis são obviamente um caminho, mas não devem significar, como por vezes parece, que ao Estado não caiba mais a incumbência de combater a miséria.

Dezembro 1997 Edição 25.107 Segunda, 29/12/97 Tiragem 518,399 OPINIÃO

Filantropia estratégica

29/12/97

Autor: STEPHEN KANITZ Editoria: OPINIÃO Página: 1-3 12/13126 Edição: Nacional Dec 29, 1997 Seção: TENDÊNCIAS/DEBATES Arte: ILUSTRAÇÃO: ORLANDO Observações: PÉ BIOGRÁFICO

Filantropia estratégica Em vez de dispersar recursos filantrópicos, a empresa abraça uma única causa e fica conhecida por ela STEPHEN KANITZ A maioria das empresas brasileiras possui uma política filantrópica que poderia ser assim resumida: começa com uma verba filantrópica estipulada em orçamento e, ao longo do ano, negam-se polidamente inúmeras solicitações de recursos. Pedidos irrecusáveis, como o da filha do prefeito e o da irmã do maior cliente, são concedidos. Apesar da filantropia, nenhum funcionário se orgulha por esses gastos, os jornalistas não respeitam mais a empresa e os consumidores nem ficam sabendo do empenho. Joga-se fora uma gota d'água no oceano. E mais: a filha do prefeito e sua entidade nem mandam um cartão de Natal agradecendo. Os acionistas acham, corretamente, que as doações são, no fundo, um desperdício e que nada acrescentam às soluções dos problemas sociais. Os executivos da empresa sabem que irão para o inferno pelas desculpas esfarrapadas dadas às madres superioras, e não pelas armadilhas feitas aos concorrentes. Como mudar essa infeliz situação? A saída é adotar a filantropia estratégica. No caso brasileiro, é a melhor alternativa para as empresas que querem causar o máximo de impacto junto à comunidade dentro da limitada verba filantrópica brasileira. Da mesma forma que o Omo tomou para si a frase "lava mais branco" e a TAM, o "tapete vermelho", o segredo da filantropia estratégica é capturar para si uma causa social antes do concorrente. Em vez de dispersar recursos filantrópicos em uma dezena de entidades diversas, a empresa abraça uma única causa e fica conhecida por ela. Exemplos dessa política são O Boticário _associado, para o consumidor, à proteção do meio ambiente_ e a C&A, que apóia a educação infantil. Muitas empresas doam pequenas fortunas, mas os clientes não conseguem associá-las a nenhum projeto social específico. Com muito menos recursos, O Boticário tem uma visão social positiva junto a consumidores, fornecedores, clientes e potenciais funcionários. Grandes empresas irão descobrir que apoiar um evento beneficente ou outro, dirigido pelo departamento de marketing, normalmente sai pela culatra. Os consumidores e a opinião pública começam a perceber o tom mercadológico de certas iniciativas. A filantropia estratégica, por ser uma definição clara da companhia, ganha enorme credibilidade. Uma das consequências imediatas de sua implantação é que a empresa cobrará resultados das entidades. Pela primeira vez, seu corpo de executivos se preocupará em saber se esses recursos serão bem gastos. O segredo de uma boa estratégia filantrópica é achar a causa ideal para a sua empresa. Aqui não há respostas fáceis; até uma consultoria pode ser necessária. O primeiro passo é conhecer o enorme leque de necessidades sociais não atendidas. Depois, definir quais as competências, os interesses e os desejos dos funcionários de sua empresa que podem ser canalizados eficientemente. Outra alternativa é analisar os problemas que sua empresa causa à sociedade ou à ecologia. A

Latasa _que provoca uma certa poluição de latas de alumínio vazias, jogadas por todo lado_ instituiu uma bem-sucedida campanha beneficente, que troca por equipamento escolar latas vazias devolvidas. Donald Trump, por meio do Trump Taj Mahal, financia um serviço telefônico para jogadores compulsivos. Muitas empresas se recusariam a promover uma campanha como essa, por parecer uma admissão de culpa. Ledo engano. Trump cria uma aura de credibilidade ao mostrar que há uma categoria de jogadores sadios e que os compulsivos não são desejados nem pela indústria do jogo. A rigor, são esses que dão os maiores problemas e calotes. Provavelmente, sua empresa terá que continuar dando parte de seu dinheiro à entidade da filha do prefeito ou à creche da cidade onde fica a fábrica. Mas a outra metade, gasta com constância e comprometimento de, digamos, dez anos, dará muito mais dividendos. No fundo, doações para bingos e rifas, ao longo do tempo, não acrescentam nada à empresa, mas a dedicação a um único projeto acaba gerando um clima benéfico _não só entre os consumidores, mas, mais importante, entre seu próprio corpo de funcionários. As grandes empresas brasileiras serão cada vez mais pressionadas por comunidade, opinião pública e governo a contribuir para solucionar os problemas sociais. Quais os benefícios disso? 1. A filantropia estratégica fará seus funcionários sentirem-se orgulhosos de trabalhar para você. Quem trabalha para uma empresa que não respeita produz menos. Veja as empresas públicas, em que os empregados passam 30% do tempo falando mal dos chefes. 2. Fará seus consumidores felizes por serem seus clientes. Pesquisas mostram que empresas que apóiam instituições beneficentes capturam 80% a mais de clientes do que as que não apóiam, com equivalentes preços e qualidade. Stephen Kanitz , consultor e professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, é diretor da Kanitz & Associados, criadora do prêmio Bem Eficiente.

Um modelo para a saúde

01/12/98

Autor: LUÍS NASSIF Editoria: DINHEIRO Página: 2-3 12/322 Edição: Nacional Dec 1, 1998 Seção: LUÍS NASSIF

Um modelo para a saúde O trabalho desenvolvido pela Organização Não-Governamental (ONG) Instituto para o Desenvolvimento da Saúde (IDS), dirigida pelo cirurgião Raul Cutait, merece ser transformado em um "case'' de como é possível articular ações conjuntas entre sociedade civil, empresas, governo, universidade e organizações internacionais. E demonstra na prática os resultados que podem ser alcançados por meio de trabalhos de coordenação e mobilização das forças já existentes. A ONG foi criada há anos para pensar problemas de saúde. Sua primeira iniciativa foi um seminário com o Banco Mundial, para discutir a questão do financiamento da saúde. A segunda, um trabalho com a Unicef, para discutir a questão da mortalidade infantil. Recentemente, a pedido do Ministério da Saúde, contratou a Booz Allen para um levantamento sobre experiências mundiais de vigilância sanitária, que servissem de subsídio para a transformação da atual Secretaria de Vigilância Sanitária em Agência. Há dois anos resolveu investir mais pesadamente em uma das grandes fragilidades do setor: a questão gerencial. Em contato com a Organização Panamericana de Saúde (OPS) surgiu a idéia de criar manuais de gerenciamento da saúde. Mas não bastariam meros manuais. Teria que ser algo prático, que refletissem as necessidades de cada município. Assim, a IDS resolveu incluir no projeto a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), única do setor em São Paulo. A faculdade se incumbiu de organizar cursos para monitores que pudessem implementar os princípios em cada cidade. Editar, imprimir e distribuir os manuais implicava um custo de R$ 500 mil. Aí entrou a terceira perna do projeto, o Banco Itaú, fornecendo os recursos e colocando sua rede de agências à disposição, para informações e contatos. O passo seguinte foi atrair municípios. Por intermédio do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasem), foram identificadas cinco cidades médias onde o projeto-piloto pudesse ser implementado _Diadema, Fortaleza, Betim, Foz do Iguaçu e Volta Redonda. Nesse piloto, os manuais foram submetidos ao crivo dos profissionais envolvidos no trabalho, a fim de conferir sentido prático a eles. Adotou-se também um software de gerenciamento da saúde, desenvolvido pelo setor em Marília. No estágio atual, o IDS está entrando em contato com faculdades de medicina regionais, a fim de que se tornem os centros de irradiação desses conceitos. O modelo é redondo. Falta apenas um vetor, empregado em todo programa de qualidade total: indicadores que permitam o acompanhamento e monitoramento das ações , para que os esforços não se percam no vazio. Montado esse sistema, em cima de uma boa base de informações e indicadores, o modelo estará fechado. O controle dos atos de cada agente se dará pelo uso competente da informação. ²

Câmbio e "hedge" As mudanças no câmbio enfrentavam duas fortes resistências: empresas que empenharam seus ativos em dólares e consultores que empenharam suas análises na imutabilidade da atual política. Ambos já estão devidamente "hedgeados'': as empresas, quitando suas dívidas ou se garantindo nos mercados futuros; os consultores, se '"hedgeando'' com o conceito de flexibilização cambial. ² Sebrae Recebo carta da Associação Brasileira dos Sebrae/Estaduais (Abase), com comentários acerca da coluna onde expunha as opiniões do professor Sylvio Goulart Rosa Jr. sobre o novo papel do Sebrae. O trabalho começa por discutir a missão do Sebrae. "Como organismo central de um programa com múltiplos papéis e extensa capilaridade, a descrição que mais se aproxima da sua missão é a de contribuir com o processo de desenvolvimento nacional, em particular no fortalecimento de mecanismos de geração/ manutenção do empreendedor e do emprego e melhoria da renda no lugar onde as pessoas vivem'', diz o documento. O lema central é a ação descentralizada, representada pelos 27 Sebrae/Estaduais e por mais de 500 pontos de atendimentos espalhados por todo o território nacional. "Para que este aparato institucional atue adequadamente, o requerimento básico é de que haja mobilidade e flexibilidade operacional, capaz de propiciar a oferta de produtos e serviços compatíveis com a realidade de cada região do país'', continua o documento. O trabalho reconhece a importância de sintonizar sua ação com as estratégias do governo federal. A Abase considera oportuna a rediscussão do papel do Sebrae. Rebate, no entanto, a proposta de que os recursos do Sebrae sejam aplicados sob comando do governo federal _justamente a ressalva apresentada pela coluna_ pelo fato de conflitar com a visão federativa que caracteriza o sistema. A maneira disso ocorrer, segundo a Abase, seria a ampliação da representatividade nos colegiados diretivos do Sistema, permitindo a presença de representantes de micro e pequenas empresas no Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae e nos Conselhos Deliberativos Estaduais. Poderia ser um caminho. O ideal seria, em um futuro Ministério da Produção, o sistema Sebrae ter participação ativa, como formulador e como implementador de estratégias voltadas para o segmento das pequenas e micro.

Trabalho voluntário em alta

04/12/98

Autor: MILÚ VILLELA Editoria: OPINIÃO Página: 1-3 12/1217 Edição: Nacional Dec 4, 1998 Seção: TENDÊNCIAS/DEBATES Arte: ILUSTRAÇÃO: ORLANDO Observações: PÉ BIOGRÁFICO

Trabalho voluntário em alta O trabalho voluntário , em geral, supre a falta de meios de financiamento para atividades de benefício coletivo MILÚ VILLELA

O voluntariado, uma atividade tão esquecida nas últimas décadas, tem ressurgido com força total neste último ano. Atualmente, termos como promoção social, filantropia empresarial, cooperativismo e solidariedade têm aparecido constantemente na mídia impressa e eletrônica. Esse fato pode ser entendido como uma manifestação da sociedade civil, até então apática e desmotivada, que gera todo um estado de mobilização e envolvimento crescente da população na resolução dos problemas sociais. Essa mobilização social é o "tom" pretendido pelas ações dos grupos que compõem o terceiro setor. Pertencem ao terceiro setor entidades sem fins lucrativos, que cuidam da educação, da saúde, da pesquisa, da cultura, da proteção ao meio ambiente e das demais áreas ligadas à comunidade. No Brasil, o reconhecimento da importância do terceiro setor já se verifica nos bancos de cursos universitários. A Fundação Getúlio Vargas possui uma cadeira específica no assunto, que desperta nos jovens o interesse em desenvolver trabalhos voltados para a comunidade. Outras entidades de ensino, como a Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo) e a PUC (Pontifícia Universidade Católica) paulista, também instalam núcleos de estudos do terceiro setor. Assim, criam-se espaços para atividades não-remuneradas que buscam ser um elo de ligação entre aqueles que desejam doar tempo, trabalho e talento e aqueles que precisam de ajuda. O trabalho voluntário não é somente uma "doação de tempo livre", mas uma troca produtiva. Doando tempo e talento específico, exerce-se um serviço de cunho social e comunitário. É um sentimento de solidariedade sempre latente no povo, mas que não encontra a devida repercussão institucional. E a gratificação recebida é proporcionalmente maior do que aquilo que se dá. O voluntariado liga a pessoa à sua comunidade, cria situações de companheirismo e sociabilização, promove o crescimento pessoal e desenvolve em cada um a responsabilidade pelo bem-estar social. Para que o trabalho voluntário se expanda, é necessário seu encorajamento. Há que identificar e formalizar o que já existe, incentivar a iniciativa pessoal com aprovação social, dar treinamento específico para desenvolver o sentido de realização e valorização. É preciso aproveitar de cada voluntário o potencial daquilo com que ele já é capaz de contribuir e gosta de fazer, estabelecendo normas de conduta para esse tipo de trabalho, para que ele se sinta parte da entidade. E deixar claro o que e quanto se espera dele, dando, ao mesmo tempo, as melhores condições para a realização de suas tarefas. Há um ano e meio foi criado o Centro de Voluntariado de São Paulo, com a finalidade de incentivar e valorizar o trabalho voluntário . Seus objetivos incluem a promoção da cultura e do reconhecimento do trabalho em comunidade, a organização de oferta e demanda, o estímulo ao trabalho em diversas áreas, o treinamento e a capacitação de voluntários e a promoção do intercâmbio entre instituições e pessoas. Assim como o centro em São Paulo, outros dez instalados em grandes capitais do país promovem essa atividade solidária e cidadã, fornecendo programas de voluntariado especializado para empresas, jovens e outros grupos adequados à realidade de cada região. Tratado dessa forma, o voluntariado não concorre com o setor público nem reduz postos de trabalho. Ocupa apenas espaços vazios em entidades que não teriam como pagar por certos serviços. De modo geral, supre a falta de meios de financiamento para atividades de benefício coletivo, sejam de natureza cultural, educativa, assistencial ou de ajuda em serviços comunitários. Em fevereiro deste ano, foi sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso a lei 9.608, regulamentando todas as atividades não-remuneradas prestadas por pessoas físicas a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos. Essa importante lei legitima e valoriza o trabalho voluntário . Amanhã comemoramos o Dia Internacional do Voluntário . Aproveitamos a data para

reforçar nossa crença no voluntariado como opção consciente no exercício pleno da cidadania. Milú Villela, empresária, é presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo, do Centro de Voluntariado de São Paulo e da Associação Comunitária Despertar 1 e 2.

8 REFERÊNCIAS

FONTES PRIMÁRIAS

DATA AUTOR CADERNO PÁGINA TÍTULO 24/12/95 MARCELO

COPPOLA

Brasil 3-3 Betinho quer trazer idosos para campanha

24/12/95 Brasil 3-3 A gente acaba se ajudando

21/12/95 RONI LIMA Brasil 1-10 Betinho ataca governo e Fiesp por falta de apoio à área social

15/12/95 CLÓVIS ROSSI Brasil 1-14 Governo e OIT fazem crítica

04/12/96 ODED GRAJEW

Brasil 1-3 Fim do trabalho

infantil 12/12/96 RODRIGO

VERGARA Brasil 3-6 Brasil é o 63º pior

em morte de crianças

02/12/97 EVA BLAY Brasil 1-3 Mulheres e empregos 25/12/97 RONI LIMA Brasil 1-4 Campanha arrecada

mais do que em 96 19/12/97 CRISTINA

GRILLO Especial 1-3 Desconfiança não é

motivo para deixar de ajudar

19/12/97 Especial 1-3 Onde encontrar trabalho voluntário

19/12/97 Especial 1-3 Saiba o que qualquer pessoa pode fazer

19/12/97 Especial 1-4 Terapeutas doam horas de trabalho

19/12/97 Especial 1-4 Curso de 10 reais leva computador à favela

19/12/97 Especial 1-4 Idealismo demais resulta em problema

13/12/97 Brasil 1-14 Vigília arrecada 30 mil cestas básicas

12/12/97 LUIZ CAVERSAN

Brasil 1-2 Triste disputa

09/12/97 WILSON TOSTA

Brasil 1-7 Sem Betinho, participação de empresas no programa diminuiu

22/12/97 Editorial Brasil 1-2 Nova Solidariedade 29/12/97 STEPHEN

KANITZ Brasil 1-3 Filantropia

Estratégica 01/12/98 LUÍS NASSIF Dinheiro 2-3 Um modelo para

saúde 04/12/98 MILÚ VILLELA Brasil 1-3 Trabalho voluntário 10/12/01 SILVIO

MAUTONE Dinheiro B-1 Cartões filantrópicos

foram pioneiros BIBLIOGRAFIA

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