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1 REVISTA DE MANGUINHOS | DEZEMBRO DE 2014

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última edição de 2014 da Revista de Manguinhos celebra os15 anos de criação do Museu da Vida (MV), o que certamenteorgulha a todos que trabalham, frequentam e visitam o principalcampus da Fiocruz, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Anualmen-

te, milhares de pessoas conhecem (ou retornam) a este espaço que se trans-formou num dos mais vibrantes e diversificados polos de divulgação da ciên-cia no Brasil. A cada dia, dezenas de visitantes – em sua maioria estudantesde colégios públicos e privados, mas não apenas alunos – têm contato comexposições e atividades científicas, culturais e lúdicas oferecidas gratuitamen-te. Visitantes que vêm não apenas da cidade do Rio de Janeiro, mas tambémdo interior do estado e até de unidades da Federação próximas, como MinasGerais e Espírito Santo. E não apenas isso.

O Museu da Vida é ainda um centro de estudos museológicos, um local depesquisa e ensino e também de irradiação de projetos socioculturais voltadospara jovens do entorno da Fundação. A atuação do MV – cujas exposições jáforam vistas por cerca de 3 milhões de pessoas em todo o Brasil – alcançaoutros estados por meio de atividades que são levadas para as demais regiõesdo país e lá montadas e pelo projeto Ciência Móvel, que tem percorrido mu-nicípios da Região Sudeste. Portanto, este é um momento de comemoraçãopara o Museu da Vida, para os profissionais que nele trabalham e para toda aFiocruz. Como as celebrações se estenderão até maio de 2015, ainda é horade dizer: “parabéns!”.

Outro tema de destaque desta edição é a experimentação animal, queganha preciosas páginas. O assunto é apresentado sob alguns pontos de vista,como o dos métodos alternativos ao uso de animais em pesquisa, os impactosda Lei Arouca e da legislação que rege esse campo, o das técnicas que redu-zem a utilização de animais e ainda um histórico do tema.

Este número presta homenagem a Gaspar Vianna, patologista que fezhistória ao descobrir uma maneira de curar a leishmaniose que grassava emBauru e no oeste de São Paulo, na época da construção da ferrovia que ligariaa região ao Mato Grosso. Morto prematuramente, aos 29 anos, Vianna foi umdos grandes médicos de uma geração que revolucionou a ciência e a saúdebrasileiras. E deixou um legado que está aqui registrado, entre outros temasque mostram, nas páginas desta revista, a pluralidade da atuação da Fiocruz.

Boa leitura!

Paulo Gadelha

Presidente da Fundação Oswaldo Cruz

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Detalhe arquitetônico do Pavilhão da Febre Amarela (foto: Arquivo CCS)

EDITORIAL

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Epidemiologia22

Alerta

Aids14

12PresidentePaulo Ernani Gadelha Vieira

Vice-presidente de Ambiente,Atenção e Promoção da SaúdeValcler Rangel Fernandes

Vice-presidente de Gestão eDesenvolvimento InstitucionalPedro Ribeiro Barbosa

Vice-presidente de Ensino,Informação e ComunicaçãoNísia Trindade Lima

Vice-presidente de Pesquisae Laboratórios de ReferênciaRodrigo Guerino Stabeli

Vice-presidente de Produçãoe Inovação em SaúdeJorge Bermudez

Chefe de GabineteFernando Carvalho

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial / Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 30 - DEZEMBRO/2014

Coordenação: Elisa Andries

Edição: Renata Moehlecke e RicardoValverde

Colaboradores: Aline Câmera, Amandade Sá, Danielle Monteiro, FernandaMarques, Filipe Leonel, Glauber Queiroz,Graça Portela, Haendel Gomes, IsabelaPimentel, Lucas Rocha, Maíra Menezes,Mayara Almeida, Nelly Kruczan, PamelaLang, Priscila Sarmento, RenataFontanetto, Renata Frota, TalitaRodrigues e Tatiane Vargas

Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita e Rodrigo Carvalho

Revisão: Ricardo Valverde

Fotografia: Gutemberg Brito, PeterIlicciev e Arquivo CCS

Administração: Assis Santos

Secretaria: Inês Campos

Autorizada a reprodução deconteúdos desde que citada a fonte

O que você achou desta edição?Mande seus comentários [email protected]

Revista de ManguinhosAvenida Brasil 4.365 - ManguinhosRio de Janeiro - RJ - CEP 21.040-900Telefone: 55 (21) 2270-5343

Agência Fiocruz de Notíciaswww.fiocruz.br/ccs

Impressão: Editora Nova Aliança

ÍNDICE

Nova ameaçade meningiteLevantamento detalha comose prevenir de caramujos

Reforço àprevençãoAs estratégias para evitara contaminação pelo HIV

Malária naMata AtlânticaEnfermidade ainda ocorreno Estado do Rio de Janeiro

6 Notas

10 Atendimento

Ambulatório de hanseníaserecebe acreditação internacional

16 Diagnóstico

A importância de se fazero teste que identifica o HIV

18 InovaçãoComunidadescompartilham informações

20 InformaçãoUm jogo que educasobre imunologia

44 Acolhimento

Creche Fiocruz - 25 anos

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Memória

ESPECIAL II

Gaspar ViannaMédico brilhante morreuprecocemente há 100 anos

Cavalariça da Fundaçãoabre visitação às obras

Fio da História66

32

ESPECIAL I24

Novos caminhosna experimentaçãoanimalReportagem especialaborda métodosalternativos e inovadores

52

CAPA:Foto dePeter Ilicciev

Museu da VidaAos 15 anos, papelconsolidado nadivulgação científica

Mapa da barbárieSite reúne relatos deviolências da ditadura

46 Políticas públicas

Os desafios da inclusão

48 Saúde do idosoA bioética de proteçãoao paciente

50 AdministraçãoA Política Nacionalde Humanização

54 InformaçãoSai resultado de edital parabibliotecas virtuais em saúde

60 JudicializaçãoAs demandas pormedicamentos nos tribunais

62 Saúde mentalComo está acabeça dos jovens

64 ResenhaOs novos lançamentos daEditora Fiocruz

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NOTAS

Registro para produzirmedicamento contratuberculose

O Instituto de Tecnologia em Fár-macos (Farmanguinhos/Fiocruz) obte-ve da Agência Nacional de VigilânciaSanitária (Anvisa) o registro para a pro-dução do isoniazida+rifampicina (150mg+ 300 mg), um importante medi-camento usado no tratamento de pa-cientes com tuberculose. O iso+rifam,como é popularmente chamado, pas-sa a ser o terceiro medicamento a com-por o portfólio de Farmanguinhoscontra essa doença negligenciada. Amesma resolução confere também àunidade o direito de produzir o anti-helmíntico do trato gastrointestinal pra-ziquantel 600 mg nas instalações doComplexo Tecnológico de Medicamen-tos (CTM). No caso deste medicamentoespecificamente, foi alterado somen-te o local de fabricação, já que eraproduzido nas instalações na fábricado campus de Manguinhos.

Além do composto iso+rifam, Far-manguinhos tem uma linha de medi-camentos especificamente voltadapara o tratamento da tuberculose. OInstituto produz etionamida, isoniazi-da. A unidade vai produzir ainda o 4em 1, tuberculostático que reúne qua-tro fármacos em um único comprimi-do: isoniazida, rifampicina, etambutole pirazinamida. Essa formulação emdose fixa combinada é consideradapela Organização Mundial da Saúde(OMS) como a forma mais eficaz decombate à doença.

Passaram-se duas décadas da1ª Conferência Nacional de Ciên-cia e Tecnologia em Saúde e dezanos da 2ª Conferência Nacional deCiência, Tecnologia e Inovação emSaúde, que aprovou a Política Na-cional de Ciência, Tecnologia e Ino-vação em Saúde. Para refletir sobrea trajetória construída e debater osrumos futuros, a Associação Brasi-leira de Saúde Coletiva (Abrasco),a Comissão Intersetorial de Ciên-cia e Tecnologia do Conselho Na-cional de Saúde (CNS) e a Fiocruzpromoveram, em setembro, o se-

Seminário avalia 20 anosde C&T e Inovação no Brasil

minário 20 anos de Ciência, Tec-nologia e Inovação em Saúde noBrasil. “O momento em que ocorreesta reunião é imperativo, pelaperspectiva de preparação da 15°Conferência Nacional de Saúde, naqual será formulado um novo pla-no plurianual e uma nova políticanacional de saúde, para a qual oMinistério da Saúde (MS) tem con-vocado a Fiocruz e a Abrasco a te-rem protagonismo e se envolveremfortemente neste processo”, co-mentou o presidente da Fiocruz,Paulo Gadelha, no evento.

Na seção Fio da História da últi-ma edição (29) da Revista de Man-guinhos foi publicada uma foto coma legenda trocada. Na página 45, aimagem mostra Gabriel Schlatter, aus-tríaco que atuou como médico no RioGrande do Sul na primeira metadedo século 20, e não Ernst Bassewitz.

Em nota publicada na ediçãoanterior, sobre o Jogo de Vacinas –

Erratasproduto criado pelo Instituto deTecnologia em Imunobiológicos(Bio-Manguinhos/Fiocruz) e peloMuseu da Vida da Casa de Oswal-do Cruz (COC/Fiocruz) – foi ditoque 8 vacinas constam do calen-dário nacional de vacinação infan-til. Na verdade, são 12 vacinas,sendo que 7 delas são produzidaspor Bio-Manguinhos.

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Com a tese A campanha continen-tal para a erradicação do Aedes ae-gypti da Opas e a cooperaçãointernacional em saúde nas Américas(1918-1968), Rodrigo Cesar da SilvaMagalhães foi o vencedor do Prêmiode Melhor Tese de Doutoramento emHistória das Ciências (2014) promovi-do pela Sociedade Brasileira de Histó-ria das Ciências (SBHC). A tese foidefendida em dezembro de 2013 noPrograma de Pós-Graduação em His-tória das Ciências e da Saúde da Casade Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC/Fio-cruz), sob a orientação do pesquisadorMarcos Chor Maio.

Com base em pesquisas realiza-das em arquivos no Brasil e nos Esta-dos Unidos, Rodrigo Cesar analisou asorigens, o desenvolvimento histórico,os impactos e as controvérsias suscita-das pela Campanha Continental paraa Erradicação do Aedes aegypti, umainiciativa lançada em 1947 pela Orga-nização Pan-americana da Saúde(Opas) para erradicar o vetor da febreamarela das Américas e que se consti-tuiu no primeiro e mais duradouro pro-grama internacional de erradicação deuma doença já implementado.

COC ganha prêmiode melhor tese emHistória das Ciências

Mosquitos para reduzir atransmissão da dengue

Infusão de casca da manguei-ra e óleo de peixe para quem, deasma, se queixe. Parece ditadopopular ou recomendação da avó,mas são os indicativos de estudosrealizados no Instituto OswaldoCruz (IOC/Fiocruz). Nas bancadasdo Laboratório de Inflamação doIOC, Marco Aurélio Martins e Pa-trícia Silva investigam alternativaspara alívio dos sintomas da doen-ça saídas diretamente da cozinha.

Os pesquisadores apostam no usopreventivo da mangiferina (subs-tância com propriedades anti-in-flamatórias e antiespasmódicaspresente na casca de árvorescomo a mangueira) e do ômega3, ácido graxo essencial encon-trado em peixes como o atum eo salmão. Os resultados da etapade testes com animais foram pu-blicadas recentemente na revistacientífica Plos One.

Efeitos preventivos contra aasma na ingestão de ômega 3

Em setembro, a Fiocruz deu iní-cio a uma importante etapa do proje-to Eliminar a Dengue: Desafio Brasil.Já realizada com sucesso na Austrá-lia, Vietnã e Indonésia, a fase de es-tudos de campo conta com a liberaçãosemanal de cerca de 10 mil mosqui-tos Aedes aegypti com a bactéria Wol-bachia. O projeto conta com o apoiodo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fio-

cruz), Centro de Pesquisa René Ra-chou (Fiocruz Minas) e do Programade Computação Científica (Procc/Fi-ocruz). O primeiro local a participar éo bairro de Tubiacanga, localizado naIlha do Governador, na cidade do Riode Janeiro, e estudado pela equipedo projeto desde 2012. Esta é a pri-meira vez em que um país nas Amé-ricas recebe o estudo.

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NOTAS

Cientistas do Laboratório deVirologia Molecular do InstitutoOswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) reali-zaram, pela primeira vez, o se-quenciamento completo do DNAde vírus causadores da hepatite Bno Brasil e fizeram uma descober-ta surpreendente. O trabalho re-velou que a origem da maioriadeles não está na África central eocidental, de onde foram impor-tados cerca de cinco milhões de

O Sistema de Informação em Saú-de Silvestre (Siss-Geo), desenvolvidopelo Programa de Biodiversidade eSaúde da Fiocruz em parceria com oLaboratório Nacional de ComputaçãoCientífica (LNCC), ganhou o prêmioda Sociedade Brasileira de Computa-ção na categoria Saúde. Foram 33concorrentes e 6 premiados com ostemas Energia, Saúde, Educação, Sis-tema Bancário/Financeiro e Mobilida-de. A premiação foi realizada noCentro de Ciência Matemáticas e daNatureza da UFRJ e contou com a pre-sença do secretário de Política de In-formática do Ministério da Ciência eTecnologia, Virgílio Almeida, do rei-tor da UFRJ, Carlos Levy, e do presi-dente da Sociedade Brasileira de

Escravos ilegais podem ter trazido hepatite B para o Brasilescravos entre 1551 e 1840; massim no leste do continente, ondeo tráfico negreiro prosperou já nafase de ilegalidade. A pesquisa,realizada em colaboração com aUniversidade de Witwatersrand,na África do Sul, foi publicada narevista científica Plos One.

“Nós já havíamos identificadoque a maioria dos vírus da hepatiteB no Brasil tem origem africana.Logo, a principal hipótese era de que

estes patógenos tivessem vindo comos escravos. E de onde vieram amaioria dos escravos? Da costa oci-dental, principalmente de Angola.Pensando em números, era poucoprovável que a doença tivesse sidointroduzida a partir da costa orientalafricana, mas foi o que nossa pes-quisa evidenciou”, afirmou SelmaGomes, pesquisadora do Laborató-rio de Virologia Molecular do IOC/Fiocruz e coordenadora do estudo.

Computação, Paulo Cunha, além deprofessores, pesquisadores, estudan-tes e empresários.

Segundo Paulo Cunha, os critéri-os de avaliação dos premiados forama qualidade da proposta, a adequa-ção e a proximidade dos problemasda sociedade. “A proposta do Siss-Geo está no cerne do que se busca,pois é interdisciplinar e próxima dasolução de problemas reais. Trata-sede um projeto inovador”, disse. Emseu discurso, o secretário Virgílio Al-meida destacou a iniciativa do prê-mio e a importância estratégica dosetor de Tecnologia da Informação eComunicação (TIC). “As TICs são ve-tores para os demais setores e repre-sentam 7% do PIB nacional”.

Sistema de Informação em Saúde Silvestre ganha prêmio

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Fiocruz lança livroda Pesquisa Nacionalsobre o Uso de Crack

Já está disponível o livro digitalPesquisa Nacional sobre o Uso de Cra-ck – Quem são os usuários de cracke/ou similares do Brasil? Quantos sãonas capitais brasileiras?, organizadopelos pesquisadores Francisco InácioBastos e Neilane Bertoni do Labora-tório de Informação em Saúde (LIS)do Instituto de Comunicação e Infor-mação Científica e Tecnologica emSaúde (Icict/Fiocruz). Resultado deuma parceria entre a Secretaria Na-cional de Políticas sobre Drogas (Se-nad) e a Fiocruz, a pesquisa foiconsiderada a maior do mundo natemática e trouxe uma ampla investi-gação, que buscou delinear o perfildos usuários de crack no Brasil e esti-mar a proporção dessa população nas26 capitais e no Distrito Federal.

O estudo servirá para orientar aspolíticas governamentais e sociais comrelação à população usuária de cracke outras drogas similares. Além de tra-zer números sobre a real situação docrack no país, a pesquisa também re-vela que são as vulnerabilidades soci-ais que marcam o usuário – jovensadultos, homens e mulheres – a mai-oria com baixa escolaridade e negrosou pardos, evidenciando que o uso docrack é, no Brasil, atualmente, um pro-blema social.

Fundação contribuipara novos ‘acertos’no combate à leucemia

Pesquisadores do Instituto Oswal-do Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universi-dade Federal Fluminense (UFF)avançam na criação de novos trata-mentos contra a leucemia, um tipode câncer que atinge as células dedefesa do sangue (os chamados gló-bulos brancos). Apresentadas em umestudo publicado na revista científicaEuropean Journal of Medicinal Chemis-try, as moléculas promissoras são ca-pazes de atuar seletivamente sobre ascélulas cancerígenas, com pouco im-pacto sobre os glóbulos brancos saudá-veis – uma característica fundamentalpara o desenvolvimento de novos me-dicamentos para esta doença.

“Moléculas com este potencial deação são chamadas tecnicamente de‘hits’. Encontrá-las é o primeiro passopara o desenvolvimento de novos fár-macos”, afirmou o pesquisador Flori-ano Paes Silva Junior, chefe doLaboratório de Bioquímica de Proteí-nas e Peptídeos do IOC e um dos co-ordenadores do estudo. Ele recorre auma analogia para explicar o valor dadescoberta: “Em inglês, a palavra ‘hit’significa acerto. É como se, entre de-zenas de alternativas, tirássemos umbilhete premiado”, compara.

Em setembro, a organização Vac-cination divulgou a lista com os no-mes das 50 pessoas mais influentesna indústria de vacinas no mundo.Foram indicados mais de 100 candi-datos, envolvendo cientistas, pesqui-sadores, estudiosos e presidentes degrandes empresas. A seleção foi ela-borada com o apoio do CongressoEuropeu de Vacinas, que acontece naFiladélfia. Em primeiro lugar, ficou oempresário Bill Gates, que tem apoi-ado diversas pesquisas nos países emdesenvolvimento. O presidente doConselho Político e Estratégico do Ins-tituto de Tecnologia em Imunobioló-gicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), AkiraHomma, conquistou a 20ª posição.

Akira foi diretor de Bio-Mangui-nhos (1976 - 1989), presidente da Fi-ocruz (1989-1990) e coordenador doPrograma de Autosuficiência Nacio-nal de Imunobiológicos (1990-1991)do Ministério da Saúde, além de as-sessor regional em Biológicos da Or-ganização Pan-Americana de Saúde(1991 - 1997), assumindo a vice-pre-sidência de Tecnologia da Fiocruz(1997 – 2000). Atualmente, é mem-bro do Grupo Técnico Assessor do Pro-grama de Imunização da Opas/OMSe do Programa Nacional de Imuniza-ções do Brasil, membro do ConselhoCientífico e Tecnológico da Hemo-brás, do Conselho Executivo doDCVMM, vice-presidente de Biotec-nologia da Abifina; presidente doConselho Político e Estratégico de Bio-Manguinhos e do IBMP.

Dirigente da Fiocruzé eleito uma das pessoasmais influentes do mundona área de vacinas

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Ambulatório Souza Araú-jo, unidade assistencial quepresta atendimento a pa-

cientes do Laboratório deHanseníase do Instituto

Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), recebeu oCertificado de Acreditação Internacionalpela Joint Commission International (JCI),maior e mais antiga comissão acredita-dora dos Estados Unidos, por meio do Con-sórcio Brasileiro de Acreditação (CBA).Com o título, o ambulatório, que atuajunto ao Ministério da Saúde (MS), passaa ser reconhecido como o primeiro cen-tro brasileiro especializado em hansenía-se a atuar alinhado aos padrões deexcelência internacional.

Para as instituições de saúde, a acre-ditação é um mecanismo de avaliaçãoda qualidade e da segurança do aten-

O

ATENDIMENTO

dimento ao paciente. Dessa forma, sãoutilizados padrões rigorosos que seguemnormas internacionais. Os ambulatóri-os, por sua vez, são avaliados em to-das as suas especificidades: gestão,ensino e assistência. O Brasil ocupao segundo lugar no ranking mundialde casos de hanseníase, atrás ape-nas da Índia, que tem uma popula-ção consideravelmente superior.O processo foi coordenado pelo vice-presidente de Ambiente, Atenção ePromoção da Saúde da Fiocruz, Val-cler Rangel. Para o vice-presidente, noâmbito da Fiocruz, o Souza Araújo podeinspirar outras unidades na busca pelocertificado. “A acreditação contribuipara um processo contínuo de melhoriados espaços da Fiocruz. O ambulatóriopassa a fazer parte de um conjunto de

setores da Fundação que já são reco-nhecidos por sua qualidade por meio deacreditações, como o Centro de Estu-dos da Saúde do Trabalhador e Ecolo-gia Humana (Cesteh), o Centro deSaúde Escola Germano Sinval Faria(CSEGSF) e o Serviço de Referência Na-cional em Filariose”, afirma.

De acordo com a vice-diretora deServiços de Referência e Coleções Bioló-gicas do IOC, Eliane Veiga, a acredita-ção reforça e garante a qualidade doserviço. “A conquista revigora o esforçode garantir a assistência aos pacientesde forma ímpar e de proporcionar a atu-alização constante para as equipes”, res-salta. A pesquisadora Euzenir Sarnodestaca que a certificação ratifica o cum-primento da missão do ambulatório naassistência aos pacientes, alinhado às

Lucas Rocha

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Projeto inovadorrecebe financiamentointernacional daFundação Bill & MelindaGates

normas de qualidade e de bem-estar. “Oreconhecimento reflete o empenho daequipe em realizar suas atividades dire-cionadas à segurança, à qualidade e aoaperfeiçoamento contínuo dos processosde cuidado ao paciente”, comemora.

Múltiplasvocações

O Ambulatório Souza Araújo agre-ga atividades de assistência, referência,pesquisa e ensino em um só lugar. Vin-culado ao Ministério da Saúde, é inte-grado ao Laboratório de Hanseníase doIOC. Desde 1976 são oferecidos para apopulação importantes serviços de edu-cação em saúde, diagnóstico, tratamen-to e prevenção do agravo. SegundoEuzenir, a integração é um dos princi-pais fatores para o sucesso do tratamen-to. “Desenvolvemos atividades depesquisa clínica e epidemiológica como objetivo de investigar o comportamen-to da doença, bem como as melhoresformas de assistência. Por outro lado, odiferencial é o trabalho intensivo de edu-cação em saúde com pacientes e fami-liares, o que tende a aumentar ocontrole da doença”, afirma. Uma dascaracterísticas da hanseníase é o con-tágio a partir do contato contínuo compessoas mais próximas, nesse sentido,este trabalho visa reduzir as chances detransmissão da doença.

Passo a passoO caminho para a acreditação do

Souza Araújo teve início em 2008, apartir da aprovação do Ministério da Saú-de, e contou com o apoio do HospitalSamaritano, de São Paulo. O objetivo foiimplantar modelos de gestão assistenci-al, base nos padrões do manual de Acre-ditação Internacional da JCI.

A obtenção do certificado foi re-sultado de um longo trabalho em equi-pe, conduzido por Euzenir Sarno eacompanhado pela enfermeira NádiaDuppre. “O Souza Araújo recebeu seisvisitas de membros da comissão acre-ditadora e todas essas fases foram im-portantes para a construção de umaassistência segura e de qualidade. Asetapas sistêmicas e de gestão deman-daram mais esforços e adequação porparte da equipe”, recorda Nádia.

No processo de acreditação, umaequipe externa composta por médicos,

enfermeiros e administradores avalia ainstituição in loco, periodicamente,com base em padrões aplicáveis, pre-determinados e publicados. Após secandidatar, a unidade de saúde rece-be uma vistoria do CBA, chamada Vi-sita de Educação Diagnóstica, na qualos pontos de avaliação são classifica-dos em três níveis segundo o grau deadequação encontrado. A partir do re-sultado, a unidade traça planos de tra-balho em busca de correções e ajustespara alcançar o máximo possível deconformidades. O próximo passo é avisita final de avaliadores internacionaisque verificam a segurança do pacien-te e dos profissionais com relação à as-sistência e à qualidade do espaço físico.A divulgação do resultado depende dorelatório encaminhado pela equipe àJCI e o título é entregue de acordo como cumprimento das metas.

Atendimento no Ambulatório Souza Araújo e fachada do setor. Fotos: Gutemberg Brito

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Maíra Menezes

ma nova forma de me-ningite está se espalhan-do pelo Brasil. Transmitidaprincipalmente por molus-cos, incluindo o caramujo

gigante africano, a infecção é causadapelo verme Angiostrongylus cantonensis.Chamada de meningite eosinofílica ouangiostrongilíase cerebral, ela já foi di-agnosticada em seis estados, nas re-giões Nordeste, Sudeste e Sul. Olevantamento faz parte de um estudode pesquisadores do Instituto OswaldoCruz (IOC/Fiocruz), da Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio Grande do Sul(PUC-RS) e da Universidade de KhonKaen, da Tailândia, publicado na revistacientífica Memórias do InstitutoOswaldo Cruz. Originário da Ásia, o A.cantonensis foi associado a um caso demeningite pela primeira vez no territóriobrasileiro em 2006. Desde então, foramconfirmados 34 casos da infecção em pa-cientes de Pernambuco, Espírito Santo,Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e RioGrande do Sul, com um óbito.

Caramujoafricano é o vetormais frequente

No Brasil, a disseminação do parasi-to é favorecida pelo grande número demoluscos, em especial da espécie Acha-tina fulica – o chamado caramujo gigan-te africano. Assim como os ratos, osmoluscos fazem parte do ciclo de vida

Udo verme. As formas adultas do A. can-tonensis são encontradas nos roedores:é neles que os vermes se reproduzem,garantindo sua continuidade. Eliminadasnas fezes destes animais, as larvas doparasito são ingeridas pelos caramujos.Dentro dos moluscos as larvas vão cres-cer, atingindo a fase em que se tornamcapazes de infectar animais vertebrados.“O ciclo se fecha quando os ratos co-mem os moluscos infectados. Porém, aspessoas também podem ser infectadasse ingerirem os caramujos ou a baba(muco) liberada por eles, contendo aslarvas do parasito”, explica a pesquisa-dora Silvana Thiengo, uma das autorasda pesquisa e chefe do Laboratório deMalacologia do IOC.

Hoje o caramujo gigante africano é

encontrado em 25 estados e no DistritoFederal. Dados compilados pelos pesqui-sadores do IOC e da PUC-RS mostramque em 11 estados já foram coletadoscaramujos da espécie infectados pelo A.cantonensis. Ou seja: ainda que nemtodos os estados tenham registrado ca-sos até o momento, há potencial para atransmissão da doença.

Medidasde prevenção

No Brasil, a infecção costuma ocor-rer por meio da ingestão acidental dosanimais ou do muco liberado por eles.Crianças e indivíduos com deficiênciamental, assim como pessoas que traba-

ALERTA

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lham em hortas e jardins, podem serconsiderados grupos de risco para a do-ença. O consumo de verduras, legumese frutas crus sem a higienização ade-quada também pode levar à infecção,uma vez que os moluscos liberam mucosobre os alimentos.

Catar os caramujos é a principalmedida recomendada para eliminá-los.Segundo Silvana, os próprios moradorespodem fazer a limpeza de quintais ehortas infestados. “Evitar o contato dosmoluscos com as mãos é fundamental.Na ausência de luvas, deve-se usar umsaco plástico para proteger a pele”, indi-ca a bióloga, acrescentando que é im-portante recolher também os ovos, quecostumam ficar semienterrados. Os ani-mais e ovos recolhidos devem ser colo-cados em um recipiente, como balde oubacia, e submersos em solução prepara-da com uma parte de hipoclorito de só-dio (água sanitária) para três de água.

Após 24 horas de imersão, a solu-

ção pode ser dispensada e as conchasdevem ser colocadas em um saco plás-tico e descartadas no lixo comum. Alavagem das mãos após os procedimen-tos é fundamental, podendo ser reali-zada com sabão comum. A águasanitária também deve ser utilizada parahigienizar verduras, legumes e frutas,mas a orientação é colocar uma colherde sopa do produto em um litro de águae deixar os alimentos de molho por 30minutos antes do consumo.

Sintomas,diagnóstico etratamento

A meningite causada por A. canto-nensis começa com a ingestão do cara-mujo ou de muco do molusco infectado.Uma vez ingeridas, as larvas do vermemigram para o sistema nervoso central

e se alojam nas meninges – membranasque envolvem o cérebro. O organismoinicia uma reação inflamatória, que re-sulta no quadro de meningite. Geralmen-te, a doença é autolimitada, pois osparasitos não conseguem se reproduzirno ser humano e morrem naturalmente.No entanto, alguns pacientes desenvol-vem formas graves, sendo o atraso nodiagnóstico um dos fatores que contri-buem para o agravamento do quadro.

Os sintomas da meningite eosinofíli-ca são os mesmos de outras formas demeningite, causadas por vírus e bactéri-as. Por isso, o diagnóstico correto da do-ença depende de resultados laboratoriais.Entre as etapas mais importantes está aanálise do líquor, líquido que fica entre asmeninges e é extraído através da punçãolombar. Embora não exista uma medica-ção com eficácia comprovada para ma-tar os parasitos, o tratamento é importantepara amenizar os sintomas e reduzir aschances de agravamento da doença.

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forma mais eficiente deprevenir a Aids e outrasdoenças sexualmentetransmissíveis é o uso dacamisinha em todas as

relações sexuais. Se utilizado corretamen-te, o risco de transmissão do HIV caipara 2%. Isso porque existe o risco dopreservativo romper ou escorregar emalgumas relações sexuais. Em entrevis-ta, o pesquisador e psicólogo do Labo-ratório de Pesquisa Clínica em DST/Aids

do Instituto Nacional de InfectologiaEvandro Chagas (INI) Nilo Fernan-

des explica o uso do preservati-vo e as novas estratégias de

prevenção. “As pesquisasmostram que mais de 90%

das pessoas estão informa-das sobre formas de trans-missão e de prevençãomas, no máximo, 60%usam camisinha. Base-ado nisso, percebeu-se que alguma coisaprecisava ser feita ecomeçou-se a pesqui-

sar formas alternativasde prevenção”.

A primeira pesquisaque estudou a capacidade

dos antirretrovirais de evitarema transmissão do HIV foi o Pro-

tocolo ACTG 076 (Grupo de Pesqui-sa Clínica em Aids). O estudo pesquisou“mulheres portadoras do vírus que que-riam engravidar e fizeram o uso da me-dicação. O estudo demonstrou umaeficácia muita alta de proteção para osbebês”, explica Fernandes. Baseado noestudo, começou-se a pesquisar a profi-laxia também para acidentes perfuro-cor-tantes com profissionais de saúde edepois em situações de mulheres quesofriam estupros. Por fim, o uso da profi-laxia foi utilizado para pessoas que corri-am o risco de se infectarem em relações

Asexuais com parceiros soropositivos equando o preservativo rasgasse. Esse mé-todo de profilaxia chama-se ProfilaxiaPós-Exposição Sexual, ou PEP Sexual, eestá disponível gratuitamente nos servi-ços de emergência médica, serviços deatendimento especializado para Aids enas unidades da saúde da família.

Um outro estudo, o HPTN 052 (Redede Estudos de Prevenção ao HIV), comcasais sorodiscordantes (casais em queum parceiro é soropositivo e o outro ésoronegativo para o HIV), comprovouque, quando o parceiro soropositivo utili-za corretamente no tratamento as me-dicações antirretrovirais, a carga viral ficaindetectável e o parceiro soronegativotem uma proteção de até 96% em casode não utilização do preservativo ou dea camisinha furar. Esta estratégia alter-nativa é chamada de tratamento comforma de prevenção.

O pesquisador assinala que outroestudo de prevenção, o iPrEX (Iniciativade Profilaxia Pré-Exposição), comprovouque o uso diário do antirretroviral Truva-da (composto por dois antirretroviraischamados Tenofovir e Entricitabina) porhomens que fazem sexo com outros ho-mens (HSH) e transexuais não infecta-dos protegeu-os em cerca de 44% a 90%nas relações sexuais sem preservativo.Esta variação se deveu respectivamenteà utilização menor ou maior da medica-ção diária. O estudo comprovou que ouso de profilaxia pré-exposição (PrEP),com acompanhamento caso a caso, paraas populações mais vulneráveis epide-miologicamente (HSH, transexuais, pro-fissionais do sexo e usuários de drogas),pode ser uma importante alternativa deprevenção. “O INI/Fiocruz está iniciandoum estudo demonstrativo de PrEP comHSH em parceria com o Departamentode DST/Aids e Hepatites Virais do Minis-tério da Saúde, a USP e o CRT-SP”.

Pesquisas indicam que o sexo anal

Priscila Sarmento

AIDS

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é 3% mais arriscado do que o vaginal.Os indivíduos que são penetrados nosexo anal têm dez vezes mais risco dese infectar pelo HIV do que os que pe-netram. “A partir dessas informações,alguns HSH têm usado uma estratégiade prevenção chamada de ‘posiciona-mento estratégico’ ou ‘escolha de par-cerias pela sorologia’, em que éescolhida a posição de quem penetraou é penetrado a partir do conhecimen-to do resultado do teste do HIV”.

A circuncisão, relatada em estudosfeitos no Quênia e em Uganda, mostrouser capaz de oferecer 60% de proteçãoao homem no sexo vaginal com mulhe-res e o uso de microbicidas em forma degel nos órgãos genitais demonstrou umaproteção de 39% para mulheres africa-nas no estudo Caprisa 004. Depois deestudos promissores, o FDA, órgão ame-ricano de fiscalização de medicações ealimentos, aprovou em 2013, para usocomercial, o teste domiciliar do HIV, pormeio da saliva, e que agora é vendidonas farmácias dos Estados Unidos. “Estatambém é uma importante medida deprevenção, pois as pessoas podem setestar e, ao descobrirem um resultadoreagente no teste, podem iniciar o trata-mento precoce para o HIV/Aids e tomar

medidas de prevenção com seus parcei-ros sexuais”, comenta Fernandes.

Em vista de todos esses estudos, éde fundamental importância a mudan-ça do foco nas estratégias prescritivasdo preservativo como única forma deprevenção. “Embora o preservativo ain-da seja o melhor meio de proteção con-tra o HIV, o mantra ‘use camisinha’deve ser substituído pelo gerenciamen-to das vulnerabilidades e riscos indivi-duais dos usuários, com o objetivo defazer uma avaliação mais personaliza-da e propor estratégias de prevençãosob medida e viáveis para cada usuá-rio, em cada momento de suas vidas.Deste modo, o profissional de saúdepoderá propor a camisinha ou qualqueruma das alternativas de prevenção, deacordo com as necessidades de cadaum”, explica o pesquisador.

Em se tratando de prevenção, éimportante lembrar da camisinha fe-minina, que ainda é pouco divulga-da. “O uso dela é fundamental comoforma de barganha pela mulher quan-do houver a negação do uso do pre-servativo masculino pelo homem.Alguns homens acharam o uso da ca-misinha feminina até melhor, pois elesse sentiram mais à vontade, embora

tenham reclamado da parte estética.O preservativo feminino está sendousado também por homossexuais”,afirma Fernandes.

Os preservativos masculinos e femi-ninos estão disponíveis nas unidades bá-sicas de saúde, centros de testagem eaconselhamento, serviços especializadose bancos de preservativos. Além disso,são distribuídos em ações de prevençãorealizadas por organizações não-gover-namentais e em escolas que trabalhamcom o programa Saúde e Prevenção.

O Ministério da Saúde define a po-lítica de prevenção e estabelece as di-retrizes desses produtos estratégicospara planejamento familiar e prevençãode doenças. Também define as etapasde aquisição e logística. É do governofederal a responsabilidade pela comprae distribuição da maior parte de preser-vativos e géis lubrificantes disponíveis àsociedade. Aos governos estaduais e mu-nicipais cabe a compra e distribuição de,no mínimo, 10% do total de preservati-

vos masculinos disponibi-lizados nas regiõesNorte, Nordeste eCentro-Oeste e de20% nas regiões Su-

deste e Sul.

Instalação no Congresso Mundial de Aids em Melbourne, Austrália. Foto: aids2014.smugmug.com

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parágrafo acima é omote de uma campa-nha do Laboratório dePesquisa Clínica emDST/Aids do Instituto

Nacional de Infectologia EvandroChagas (INI/Fiocruz), chamada A horaé agora. O teste é feito em parceriacom a Secretária Estadual de Saúdedo Rio de Janeiro em uma unidademóvel todas às quartas-feiras, das 18hàs 22h, no viaduto de Madureira, naZona Norte do Rio de Janeiro. O tra-balho visa atender principalmente aopúblico masculino (heterossexuais,gays, travestis e transexuais) acimade 18 anos. “Essa campanha buscaestimular o diagnóstico ultraprecocedo HIV e o controle da formação dosreservatórios do vírus, que ocorre nas

Ofases mais precoces da infecção”,explica a pesquisadora e infectologis-ta do INI Brenda Hoagland.

A campanha começou em maio eo atendimento conta com a presençade psicólogos e “educadores de pa-res”, como os voluntários Josias Freitase Toni Araújo, ambos do Laboratóriode Pesquisa Clínica em DST/Aids.“Nosso trabalho começa com orienta-ção e acabamos como uma grandefamília, falamos de igual para igual, eassim quebramos o gelo e o constran-gimento”, explica Araújo. “O trabalhocomo orientador é muito complexo,não ficamos apenas dizendo o que éprevenção e seus meios, nós somosamigos e psicólogos e entendemos oconstrangimento e vergonha das pes-soas” diz Freitas.

Priscila Sarmento

O trabalho dos “educadores depares” não é apenas o de ir aos locaisem que o público-alvo está, mas tam-bém trabalhar na conscientização doque é prevenção e identificação dassituações de risco. “Cresceu muito onúmero de jovens gays que não querusar nenhum tipo de preservativo ecom isso precisamos conscientizar asfamílias para que nos ajudem”, contaAraújo. Durante o trabalho educativoocorre a distribuição de folderes e car-tazes com informações sobre o HIV eoutras DST. Além da indicação de lo-cais onde a testagem pode ser feita.“Apresentamos as novas formas deprevenção, tais como os estudos queestão em andamento, a exemplo doPreP Brasil. A campanha está sendocada vez mais maciça em informação

DIAGNÓSTICO

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e esclarecimento, com relação à car-ga viral”, observa Araújo.

Brenda ressalta a importância dodiagnóstico ultraprecoce do HIV.“Quanto mais cedo o HIV for tratado,menos se dissemina no corpo, o quecontribui para um melhor controle dainfecção no futuro, além de colaborarna prevenção da transmissão do vírusentre parceiros sorodiscordantes”.

O termo “cura funcional” é defi-nida como a supressão permanenteda replicação viral e diminuição sig-nificativa dos reservatórios virais, per-mitindo um controle da infecçãomesmo com a interrupção do trata-mento antirretroviral. “Pesquisas re-alizadas na França e nos EstadosUnidos mostraram que o início ultra-precoce do tratamento antirretroviral,

nas fases iniciais da infecção, poderesultar em uma possível cura funci-onal dos pacientes, com a possibili-dade da suspensão do tratamento.Todo esse conhecimento é novo e sãonecessários outros estudos para ter-mos dados mais conclusivos”, argu-menta Brenda.

A infecção aguda pelo HIV podeou não ser acompanhada por sintomas.Metade das pessoas desenvolvem sin-tomas de 5 a 30 dias após a infecção eque podem durar cerca de duas sema-nas. Os sintomas de infecção precocepelo HIV são semelhantes aos de ou-tras infecções virais, como a gripe, den-gue, a mononucleose e a hepatite.Apresentar estes sintomas não signifi-ca necessariamente que o indivíduotenha o HIV.

foto: Peter Elicciev

foto: Peter Elicciev

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INOVAÇÃO

randes ideias podem sur-gir a partir da troca ecompartilhamento de in-formações em redes co-laborativas. Com base

nesta filosofia, o projeto de Gestão doConhecimento (GC) do Instituto deTecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) lançou as Comu-nidades de Práticas (CoP), espaçosque reúnem funcionários para estimu-lar o debate de temas estratégicospara a unidade. A iniciativa faz parteda estratégia de aprendizado organi-zacional e busca estimular a constru-ção do conhecimento, um dos bensestratégicos da instituição. Atualmen-te, ainda na fase piloto do modelo deCoP, existem quatro grupos em funci-onamento: Comunidade de Práticassobre Embalagem e Logística (CoPPackLog), de Nanotecnologia (CoPNanotec), Plataformas Vegetais (CoPPVeg) e Redes Colaborativas em On-cologia (CoP-Rede Onco).

A primeira comunidade, criadaem maio de 2013, sobre embalageme logística, reúne colaboradores dasáreas de engenharia industrial, pro-dução, desenvolvimento tecnológico,garantia e controle da qualidade, lo-gística e da área de relações com omercado. O grupo tem atuação dedestaque nos debates da implemen-tação da Resolução de Diretoria Co-legiada (RDC) 54/2013, da Agência

GNacional de Vigilância Sanitária (An-visa), que determina a adoção de pro-cedimentos para rastreamento deprodutos, por meio da tecnologia decodificação, armazenamento e trans-missão eletrônica de dados em todaa cadeia de produtos farmacêuticos.Foi nos debates do grupo que surgiua ideia de organizar um workshop so-bre o tema em Bio-Manguinhos, en-volvendo todos os laboratórios daAssociação dos Labortórios Farmacêu-ticos Oficiais do Brasil (Alfob), reali-zado em abril.

Comunidadesindependentes

Formadas por colaboradores econstituídas por núcleos centrais, ascomunidades operam independente-mente da estrutura organizacional ehierárquica, exatamente para esti-mular novas abordagens e colabo-ração entre os membros. Eles são deáreas diferentes, têm expertisescomplementares e usam o espaçopara compreender melhor outras prá-ticas profissionais e conhecimentosespecializados por meio da troca deexperiências.

Como ferramenta operacionalpara estimular, organizar, registrar asações e avaliar a participação nasCoP, estão sendo estruturaras áreas

virtuais dentro do Portal Corporativode Bio-Manguinhos (intranet), que seutiliza do conceito web 2.0, forman-do um novo cenário de ambientes deredes e estimulando a interatividade.Os novos conceitos surgiram paraagrupar, nomear e incentivar proje-tos voltados para interação e capazde produzir novos conhecimentos: ainteligência coletiva em rede.

A iniciativa ajuda a estruturaruma cultura de redes de aprendiza-do, gerando um ambiente propício àinovação. Além de reuniões periódi-cas e encontros entre os membros decada grupo, há uma troca constanteentre comunidades diferentes. Emjunho foi realizado um encontro en-tre todos os líderes das comunidadespilotos. Quando surgiram as primei-ras CoPs, a proposta era ter apenasum líder, mas a experiência mostrouque, para facilitar os fluxos e nãosobrecarregar ninguém, a meta é quecada CoP tenha um núcleo centralformado por três a cinco colaborado-res e que esse núcleo seja responsá-vel por estimular a participação detodos os interessados nas ações dasCoPs. Com o objetivo de discutir aprodução de produtos biotecnológicosa partir de plataformas vegetais tam-bém surgiu, em março, um grupo so-bre o tema, refletindo os desafios daunidade na implantação do novocampus, no Ceará.

Isabela Pimentel

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Redes colaborativasem oncologia

Para discutir as perspectivas e de-safios no combate ao câncer e desen-volvimento de novos biofármacos, foicriada em junho a mais recente Comu-nidade de Prática de Bio-Manguinhos,a de Redes Colaborativas em Oncolo-gia. O tema torna-se estratégico para opaís, em um momento em que o trata-mento do câncer é responsável pelogasto de R$ 400 milhões pelo Ministé-rio da Saúde para aquisição de biofár-macos. O câncer, causado por alteraçõesno metabolismo, deve registrar cerca de22 milhões de novos casos por ano até2030, de acordo com previsões da OMS.

Neste cenário, os biofármacos as-sumem perspectivas cada vez mais pro-missoras no tratamento da doença ese tornam parte estratégica do Com-plexo Industrial da Saúde, o que se re-fletiu na assinatura de 17 Parcerias parao Desenvolvimento Produtivo (PDP) re-lacionadas ao câncer, em 2013. Consi-derando a atual carteira de projetos, oInstituto tem a possibilidade de futura-mente atuar na produção de vacinasterapêuticas contra o câncer, com usoda nanotecnologia.

Encontrode redes

Em 10 de setembro,ocorreu em Bio-Mangui-nhos um encontro entreas Comunidades de Prá-tica de Plataforma Vege-tal e Redes Colaborativasem Oncológicos, com oobjetivo de discutir a pro-dução de biofármacosdesse gênero, especial-mente os monoclonais,em plataformas vege-tais. A proposta surgiuapós a divulgação do tra-tamento experimentalque está sendo utiliza-do contra a infecçãopelo vírus ebola, ba-seado na utilizaçãodeste tipo de anticor-po contra o vírus, quefoi produzido rapida-mente em folhas de ta-baco, em um sistemabastante semelhante aoque será utilizado na fá-brica de Bio-Manguinhosno Ceará.

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INFORMAÇÃO

caba de ser criado, naFiocruz, um jogo que es-timula o processo deaprendizagem em imu-nologia. Idealizado pela

professora-pesquisadora Flávia Ribei-ro, da Escola Politécnica de Saúde Jo-aquim Venâncio (EPSJV), o objetivo dojogo é estimular o processo de apren-dizagem dos alunos do Curso Técnicode Nível Médio em Saúde na habilita-ção de Análises Clínicas. O Imunorealtraz perguntas como qual a primeiraimunoglobulina sintetizada pelo feto equal a única imunoglobulina capaz depassar pela placenta, entre outras.

”Sempre me interessei em pes-quisar e criar estratégias didáticas afim de facilitar a aprendizagem. Crieio jogo porque, assim como faço nasaulas, tento estabelecer associaçõespara facilitar o entendimento da dis-ciplina pelos alunos”, conta Flávia,que ensina imunologia. O Imunorealé um jogo de perguntas e respostas,com 40 cartas que têm uma questãoe cinco opções de resposta. Sua fun-ção é revisar o conteúdo ministradona disciplina de imunologia, que es-tuda as células e os órgãos e sua in-teração no sistema imunológico.

Para jogar, a turma é dividida emquatro equipes, que escolhem umnome para o time, como Ig Ótimos,Ostimócitos, Imunoglobinas Perspica-zes, entre outros relacionados ao con-

Ateúdo da disciplina. Após sortear a equi-pe que vai começar, um representantedo grupo escolhe uma carta com umapergunta. O aluno, então, diz se vairesponder à pergunta sozinho ou coma ajuda. Após a resposta, a turma dis-cute se a alternativa escolhida estácorreta ou não e, depois, Flávia expli-ca qual é a resposta certa. “Ao mes-mo tempo em que o aluno se sentedesafiado a responder sozinho, o jogoestimula o trabalho em equipe e a com-petitividade”, diz a professora.

Todos os anos, após utilizar o jogocom os alunos, Flávia aplica um ques-tionário para que eles digam, sem seidentificar, suas impressões sobre a ati-vidade. “O jogo me ajudou muito aentender melhor a matéria. A dinâmi-ca do jogo faz a gente gravar mais osconteúdos do que quando a gente sótem a aula teórica”, diz a aluna Adria-na Oliveira, sugerindo a utilização dejogos para a disciplina de química, cujoconteúdo também é complexo.

Flávia destaca que os jovens estãosujeitos a um bombardeio de informa-ções que desviam a atenção deles, porisso, é importante buscar alternativasdidáticas que chamem a atenção dosalunos e facilitem a compreensão doconteúdo. “Os adolescentes estão nafase que alguns autores chamam de‘tempo de dispersão’, então é um de-safio grande conseguir atrair a aten-ção deles”, ressalta a professora.

Talita Rodrigues

Professora cria jogo educativosobre imunologia para adolescentes

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Danielle Monteiro

pesar de considerada eli-minada desde 1968 noRio de Janeiro, casos demalária que tiveram ori-gem local, conhecidos

como autóctones, ainda ocorrem em di-ferentes regiões cobertas por Mata

Atlântica no estado, sendoescassos os dados referentesàs formas de transmissão eapresentação clínica da do-ença naquelas áreas. Foi apartir desta constatação quea estudante de doutoradoem Pesquisa Clínica em Do-enças Infecciosas do Institu-to Nacional de InfectologiaEvandro Chagas (INI/Fiocruz)Anielle de Pina-Costa reali-zou um estudo inédito no Riode Janeiro, com estratégia deinvestigação de casos, adqui-ridos na região da MataAtlântica, em que não haviahistórico de deslocamentopara áreas com transmissãolocal de malária. A tese, ori-entada pelos pesquisadoresda Fiocruz Patrícia Brasil, do

Ambulatório de Doenças Febris Agudas,e Martha Mutis, em colaboração comCláudio Ribeiro, ambos do Centro dePesquisa Diagnóstico e Treinamento em

A

EPIDEMIOLOGIA

fotos: Lin Lima

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Malária (CPDMAL), avaliou os aspectosepidemiológicos, clínicos, sorológicos emoleculares de 14 casos atendidos en-tre 2006 e 2013 no INI.

Foram identificados dois perfis epi-demiológicos distintos de acordo com asáreas estudadas. Nos casos ocorridos nasregiões montanhosas (Guapimirim, Tere-sópolis, Sana, Macaé de Cima e Lumi-ar), o agente causador da doençaencontrado é fenotipicamente diferentedo Plasmodium vivax, parasita respon-sável por 85% dos casos de malária re-gistrados no Brasil. Foram os primeiroscasos de malária no Sana e em Guapi-mirim. “O resultado indica a possibilida-de de existir diferentes espécies doparasita que, pouco patogênicas no ho-mem, poderiam causar infecções subclí-nicas”, afirma a autora da tese. O estudoainda encontrou alta taxa de anticorpospara Plasmodium entre moradores deáreas próximas aos casos (50%), massem identificação do parasito no sanguedos indivíduos. Para a autora da tese, oachado acende um alerta para as auto-ridades de saúde da região: “a alta taxade anticorpos para plasmódio em regi-ões não endêmicas indica a transmissãode malária na região e aponta para anecessidade de estudo ou triagem nosbancos de sangue locais, visando à re-dução do risco de transmissão da ma-lária por via transfusional”, adverte.

Os vetores responsáveis pela trans-missão da doença na região serrana fo-ram mosquitos do gênero Anopheleskerteszia cruzii, que utilizam as bromé-lias como criadouros, o que caracterizaa doença nessas regiões como “malá-ria de bromélias”. Todos os casos ocor-reram perto de áreas de mata fechadae parcialmente preservada. Segundo aautora da tese, a transmissão para hu-manos seria acidental, quando se aden-tra o habitat onde existem primatas evetores como mosquitos do gênero Ancruzii. “A construção de moradias cadavez mais próximas à floresta e o des-matamento, associado à entrada cons-tante na mata, sugerem relação com aaquisição da malária”, justifica. A teseainda revela que os casos ocorreram em

sua maioria em visitantes (71,5%). “Abaixa frequência de exposição aos mos-quitos vetores da doença e ao parasito,além da consequente proteção imunereduzida do visitante contra o plasmó-dio, seriam possíveis explicações para amaior ocorrência de casos nesses indi-víduos quando comparados aos mora-dores”, explica Anielle.

Em parceria com o Centro de Pri-matologia do Estado do Rio de Janeiro,localizado em Guapimirim, e o Centrode Pesquisa René Rachou (CPqRR/FiocruzMinas), foram examinados 30 primatasdas famílias Cebidae e Atelidae, sendoque 30% deles estavam infectados porPlasmodium. É o primeiro estudo querevela a infecção de primatas da famí-lia Cebidae com o parasito, indicandoque a doença na região pode ser umazoonose, e não uma antroponose (in-fecção exclusiva dos seres humanos)como ocorre em regiões endêmicas.“Esse resultado aponta a possibilidadede existir um reservatório primata não-humano desempenhando um papelimportante na transmissão da maláriana região”, reforça Anielle.

Já em áreas de planície, nas locali-dades de Santana de Japuíba (no muni-

cípio de Cachoeiras de Macacu) e Sapu-caia, o plasmódio encontrado na maio-ria dos casos se assemelha ao P. vivaxtradicional quanto aos aspectos clínicose de parasitemia (presença de parasitoscirculando no sangue). A população vi-zinha, no entanto, apresentou baixa fre-quência de anticorpos para o parasito.Já o vetor encontrado na região é dosubgênero Anopheles aquasalise.

Em relação aos aspectos clínicos, oestudo aponta que, tanto na região ser-rana quanto na de planície, a maláriaapresenta evolução subaguda, com tem-po médio de 16 dias entre o inicio dossintomas e o diagnóstico. Segundo Ani-elle, o atraso na detecção dos casosautóctones está associado ao desconhe-cimento da população, devido à baixadivulgação da doença na região e aosprofissionais médicos, que supõem queindivíduos que não se deslocaram paraáreas endêmicas de malária não podemter a doença. “Por ser evento pouco fre-quente em regiões não endêmicas, amalária pouco faz parte do currículo dasescolas médicas sediadas nessas regiões,que associam a doença apenas aos paí-ses africanos e à floresta amazônica”, con-clui a autora do estudo.

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Métodos inovadores

Validação de novométodo alternativoserá feita pelaprimeira vez no Brasil

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Pamela Lang

Ministério da Ciência,Tecnologia e Inovação(MCTI) aprovou a valida-ção de um método alter-nativo para o uso de co-

elhos em testes de irritação ocular,conhecido como HET-CAM (membra-na corioalontóide de ovo embriona-do). A validação deste método serácoordenada pelo Centro Brasileiro deValidação de Métodos Alternativos(BraCVAM), o primeiro da AméricaLatina a validar e coordenar estudosde substituição, redução ou refina-mento do emprego de cobaias emtestes de laboratório, conhecida comoa teoria dos 3R (em inglês, reduction,replacement e refinement)

“O HET-CAM é um método que jávem sendo trabalhado internacional-mente, como um teste inicial, em paí-ses como França e Alemanha, mas ain-da não havia estudos suficientes parasua validação. Esta é a primeira vez emque será conduzida a validação de umnovo método alternativo no Brasil”, afir-mou o pesquisador do Instituto Nacio-nal de Controle de Qualidade em Saú-de (INCQS/Fiocruz) e coordenador doBraCVAM, Octavio Presgrave. A inicia-tiva contará com o apoio de laboratóri-os nacionais e internacionais, do Cen-tro Europeu de Validação de MétodosAlternativos (ECVAM) e da Universida-de Johns Hopkins.

Embora o coelho ainda não possaser totalmente substituído nesse tipode pesquisa, Presgrave acredita que avalidação do HET-CAM seja um passoimportante para que isso ocorra. “Nocaso da irritação ocular é muito difíciluma substituição completa por umúnico método, já que o olho é com-posto por várias estruturas, morfológi-ca, histológica e funcionalmente dife-rentes. Para isso acontecer, serianecessária uma combinação de méto-dos alternativos. Já existe um métodovalidado internacionalmente para es-tudos de irritação ocular, o BCOP (opa-cidade e permeabilidade de córnea bo-vina), mas ele substitui apenas o usode parte da córnea. Com o HET-CAM,

conseguiríamos substituir também aparte vascularizada da conjuntiva”,ponderou o coordenador.

Outra novidade no campo foi o re-conhecimento oficial, em agosto des-te ano, pelo Conselho Nacional de Ex-perimentação Animal (Concea), de 17métodos alternativos recomendadospelo Centro Brasileiro de Validação deMétodos Alternativos (BraCVAM) coma finalidade de reduzir, substituir ourefinar o uso de animais em ativida-des de pesquisa. Embora esses méto-dos já tenham sido validados interna-cionalmente, no Brasil, é a primeiravez que métodos alternativos são le-gal e nacionalmente reconhecidos.Segundo a Resolução Normativa no 17,publicada em julho deste ano peloConcea, isso significa que laboratóriose instituições de pesquisa têm agora oprazo de cinco anos para a substitui-ção obrigatória dos métodos originaispelos novos.

Nos últimos 20 anos, grupos depesquisadores em todo o mundo têmcriado diversos métodos alternativospara o uso de animais em experimen-tos. Mas o desafio de encontrar mé-todos alternativos eficazes ainda éconsiderável. A maior parte das alter-nativas encontradas substituem umprocedimento ou etapa da pesquisae não a metodologia como um todo,o que faz com que os pesquisadoressejam capazes de reduzir o númerode animais utilizados nos estudos, masnão o eliminarem por completo. Pres-grave argumenta que uma das gran-des limitações atuais é o fato de queainda não há como substituir a intera-ção de um produto com o organismocomo um todo, pois não é possível re-produzir os efeitos que determinadassubstâncias teriam no conjunto queforma o corpo do animal. Igualmentenão seria possível reproduzir em tes-tes in vitro situações em que um paci-ente se encontra coinfectado por doisagentes causadores de doenças, ava-liando como determinado medicamen-to age e os efeitos deste no organis-mo frente ambas as enfermidades.

No entanto, em alguns procedi-mentos, como teste de permeabilida-

Teoria dos

3RREDUÇÃO (reduction) apre-

senta a ideia de usar sempre omenor número de animais possí-vel para o objeto de investigação.Isso pode ser conseguido com odesenvolvimento de técnicas gené-ticas ou de aparelhagem que per-mitam a geração de animais commenor variabilidade de respostas,reduzindo a necessidade de maisanimais para se conseguir resulta-dos confiáveis.

SUBSTITUIÇÃO (replacement)remete ao uso de modelos alter-nativos de investigação. Como uti-lizar gatos ou ratos em vez demacacos, cultura de células em vezde modelos animais e, após lon-gos períodos de experimentação eaquisição de dados, modelos com-putacionais. A reposição do mode-lo acaba por reduzir o uso de ani-mais, dependendo do objetivoexperimental.

Por fim, REFINAMENTO (refi-nement) traz o aperfeiçoamento detodos os processos envolvidos naexperimentação visando, no fim, aredução do uso de animais ou re-dução do seu sofrimento. Comoexemplo, o aperfeiçoamento daaparelhagem dos biotérios (de cri-ação, manutenção etc) e de dese-nhos experimentais em si, das téc-nicas que possam proporcionar omenor nível de aversão (dor, estres-se e afins) possível.

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de ou irritação cutânea (que determi-na o quanto uma substância passa ounão pela pele), já não há mais a ne-cessidade do uso de animais, optan-do-se pelo uso de pele sintética. Emoutros casos, também já houve umgrande avanço, havendo a possibilida-de de se realizar pesquisas in vitro,como, por exemplo, em testes paraverificar a reação a certas sustâncias:aplica-se o produto no sangue huma-no, dentro de um tudo de ensaio, everifica-se se houve ou não a libera-ção de mediadores inflamatórios.

O BraCVAMDesde 2005, a busca por méto-

dos alternativos que dispensem ouso de animais em pesquisas labo-ratoriais tem sido prioridade para umgrupo de pesquisadores do InstitutoNacional de Controle de Qualidadeem Saúde (INCQS/Fiocruz). A partiruma parceria da instituição com aAgência Nacional de Vigilância Sa-nitária (Anvisa), esse esforço con-junto originou, em setembro de2012, o Centro Brasileiro de Valida-ção de Métodos Alternativos (Bra-CVAM), o primeiro da América La-tina a validar e coordenar estudosde substituição, redução ou refina-mento do emprego de cobaias emtestes de laboratório.

“No Brasil, existem cerca de 20 gru-pos de pesquisadores que trabalhamcom a elaboração de métodos alter-nativos para o uso de animais e querealizavam seus estudos isoladamen-te, tendo a oportunidade de se encon-trar apenas em congressos internacio-nais. Isso porque faltava um espaçoque reunisse esses estudos e organi-zasse o potencial de pesquisa brasilei-ro”, explicou Octavio Presgrave, pes-quisador do INCQS e coordenador donovo centro de validação. “O Bra-CVAM surge para preencher a lacunae, junto com o Conselho Nacional deExperimentação Animal (Concea) e aRede Nacional de Métodos Alternati-vos (Renama), organizar o expertise ea demanda nacional por métodos quesubstituíam ou reduzam o uso de ani-mais em pesquisas”.

PROCESSO DE VALIDAÇÃO PARAMÉTODOS ALTERNATIVOS

BraCVAM

ReNaMa

VALIDAÇÃO

Comitê de revisãocientífica

Recebe propostas de novosmétodos de universidades,institutos de pesquisa eindústria. Coordena oprocesso de validação erecomenda ao Concea aoficialização do método.

Centro Brasileiro deMétodos Alternativos

Rede Nacional deMétodos Alternativos

Rede composta porlaboratórios públicos,provados, universidadese indústrias, responsávelpela execução dosestudos de validação.

MÉTODO ALTERNATIVOA SER VALIDADO

MÉTODO ALTERNATIVOJÁ VALIDADO

INTERNACIONALMENTE

SIMNÃO ACEITO? Recomendaçãodo BraCVAM

BraCVAMCONCEA

Conselho Nacionalde Controle de

Experimentação Animal

CONSULTA: agênciasreguladoras, partes

interessadas e sociedade

ACEITAÇÃOREGULATÓRIA

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Nelly Kruczan e Renata Frota

o contexto da teoria dos3Rs, uma técnica de re-dução que se insere cadavez mais no sistema pro-dutivo de animais de la-

boratório e que contribui para diminuira produção de algumas linhagens é acriopreservação de embriões e sê-mens. O Serviço de Biotecnologia eDesenvolvimento Animal (SBDA) doCentro de Criação de Animais de La-boratório da Fiocruz (Cecal) realizaesse trabalho desde 2007 e observainúmeras vantagens. “O congelamen-to permite salvaguardar o patrimôniogenético dos modelos experimentais,mantendo altos padrões de qualidade

Caminhos alternativosFiocruz investe em criopreservação como técnica de redução do número de animais em pesquisas

para a pesquisa cien-tífica da instituição. Oprocedimento permiteainda que animaispouco demandadosnão precisem ser man-tidos na colônia, redu-zindo o número deindivíduos no bioté-rio”, afirmou o biólo-go Cristiano Sobrinho,chefe do serviço.

O Cecal congela,em média, seis linha-gens por ano, o quesignifica que aproxima-damente 1.290 ani-mais deixam de serproduzidos no período.Thais Veronez, biólogado Centro, explicaque, tradicionalmente,mesmo as linhagensque não tenham sidodemandadas em anosrecentes, necessitamde no mínimo oito ca-sais de matrizes nacolônia de fundação.Do contrário, há a ex-tinção da cepa e do

seu patrimônio genético.Com o congelamento dos embri-

ões, esse procedimento não precisa seradotado e, com isso, o tamanho dacriação é reduzido. Cristiano lembraque, além disso, o custo de manuten-ção do material congelado é baixo, oque possibilita uma economia de re-cursos em torno de R$ 34 mil a cadaano. No Cecal, o critério adotado parao armazenamento das linhagens é apriorização daquelas com maior valoragregado ou as raramente encontra-das em biotérios do país.

A prática consiste no congelamen-to de células ou tecidos dentro de tan-ques de nitrogênio líquido a 196 grausnegativos. Nessa temperatura, os em-briões ficam em estado de dormência e

as propriedades das estruturas não sãocomprometidas. Após o descongelamen-to, a atividade de divisão celular retornanormalmente. Uma vez que o cientistaprecise da linhagem, basta solicitar areimplantação do embrião em uma fê-mea, que vai gerar o novo animal.

Rede latino-americana

Em 2010, foi criada a Rede Lati-no-americana de Criopreservação deAnimais de Laboratório e tem comorepresentantes brasileiros o Cecal/Fio-cruz, o Centro Multidisciplinar para In-vestigação Biológica na Área daCiência em Animais de Laboratório daUniversidade Estadual de Campinas(Cemib/Unicamp), a Universidade deSão Paulo (USP), a Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG) e aUniversidade Federal de São Paulo(Unifesp). Essas instituições seguem omodelo do European Mouse MutantArchive (Emma, o Arquivo Europeu deRatos Mutantes), um repositório semfins lucrativos para coleta, arquivamen-to e distribuição de cepas.

O Emma é considerado hoje umareferência mundial no assunto. Ele fun-ciona como uma rede de parceriasentre vários laboratórios e instituiçõesem toda a Europa. O material é depo-sitado gratuitamente em reservatóri-os, aos quais todos os participantes têmacesso. O banco de dados classifica edescreve o conteúdo, incluindo as suaspropriedades genéticas e fenotípicas.

A rede latino-americana preten-de tornar-se um repositório semelhan-te ao Emma, mas ainda necessita deinvestimentos. Um dos grandes desa-fios é aprimorar a eficiência dos mé-todos utilizados. No Brasil, a pecuárialidera os estudos em criopreservação.No que se refere aos animais de la-boratório, o país ainda está estabele-cendo seus protocolos.

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Pamela Lang e Renata Moehlecke

m prol dos direitos dosanimais, o debate so-bre a necessidade douso de métodos alter-nativos em pesquisas

tem sido intenso, mas os desafiossão inúmeros para que essas novasformas se estabeleçam de fato nopaís. “O Brasil tem uma das leis maiscompletas do ponto de vista doscuidados com os animais, plenamen-te baseada na chamada teoria dos3R: reduction, replacement e refine-ment ou, em português, redução,substituição e refinamento”, expli-cou o vice-presidente de Pesquisa eLaboratórios de Referência da Fio-

Não tão fácil quanto pareceEntenda os entraves burocráticos e legislativos para a utilização de métodos alternativos no Brasil

cruz, Rodrigo Stabeli. “No entanto,muitos cientistas reclamam dos en-traves burocráticos e da morosida-de dos serviços alfandegários, quecriam um obstáculo adicional”.

Segundo Stabeli, um dos maio-res exemplos atuais da problemáticaque esses entraves pode causar é odebate em torno do uso de pele sin-tética, que pode substituir animaisem algumas etapas de pesquisa. “Aentrada de produtos, kits e reagen-tes no país é regulada e fiscalizadapela Anvisa [Agência Nacional deVigilância em saúde] e segue todoum protocolo de importação paraestes materiais. No caso da pele sin-tética, a duração de todo o processofaz com que o material se torne inu-

Etilizável, já que tem validade de ape-nas uma semana”, esclareceu.

Atualmente, o Centro Brasileiro deValidação de Métodos Alternativos(BracVam) da Fiocruz tem realizado umtrabalho junto a Anvisa, o Ministérioda Saúde, a Polícia Federal, a ReceitaFederal e o Conselho Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecnológi-co (CNPq) para colocar na agenda dediscussão esses entraves burocráticos,a fim de obter maior agilidade emdeterminados processos.

Além da agenda política para fa-cilitar a importação da pele sintética,uma alternativa que pretendesse eli-minar essa dependência externa se-ria uma solução para o uso dessesmateriais a médio prazo. É o que o

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Cientistas reclamam da burocracia e da morosidade dos serviços alfandegários, que criam um obstáculo adicional

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Ministério da Ciência, Tecnologia eInovação (MCTI) visa incentivar coma abertura de um edital do CNPq quecontempla uma linha de pesquisapara o desenvolvimento de modelode pele sintética brasileiro. “Esse edi-tal é extremamente relevante”, des-tacou Stabeli.

Outra possibilidade que vem sen-do debatida no país é o desenvolvi-mento de modelos computacionais quepoderão substituir animais em testespara verificar a toxicidade de umasubstância ou de que maneira ela serámetabolizada pelo organismo. Essestestes virtuais poderão ser feitos pormeio da análise de moléculas por pro-gramas de computador, que permitemcompará-las com dados referentes aoutras moléculas.

“Se o governo busca, junto com acomunidade cientifica, a redução e ainterrupção do uso dos animais paraexperimentação científica, é preciso

As primeiras iniciativas para regu-lamentar a pesquisa com animais delaboratório no Brasil surgiram no go-verno de Getúlio Vargas, em julho de1934, com o Decreto 24.645, e em1941, quando foi publicado o Decre-to-Lei 3.688, que tratava das leis decontravenções penais. Quase quatrodécadas depois, em maio de 1979,foi publicada a Lei 6.638, que esta-belecia “normas para a prática didá-tico-científica da vivissecção deanimais”, que não teve eficácia prá-tica, pois não foi regulamentada peloExecutivo após aprovação pelo Con-gresso, caindo no esquecimento.

Depois de 13 anos de tramitaçãono Congresso Nacional, a Lei 11.794,mais conhecida como Lei Arouca,que regulamenta o uso de animaisem pesquisa, foi finalmente sancio-nada pelo presidente Luiz Inácio Lulada Silva em outubro de 2008. A le-gislação ficou conhecida assim comohomenagem ao médico, sanitaristae ex-presidente da Fiocruz SergioArouca, autor do projeto de lei.

De Vargas a AroucaCom a aprovação da

Lei Arouca, foi criado oConselho Nacional deControle de Experimen-tação Animal (Concea),ligado ao Ministério daCiência, Tecnologia eInovação. O Concea temcomo competências “ex-pedir e fazer cumprir nor-mas relativas à utilizaçãohumanitária de animaiscom finalidade de ensi-no e pesquisa cientifica”;credenciar instituiçõesbrasileiras para criação ou utilização deanimais em ensino e pesquisa científi-ca; monitorar e avaliar a introdução detécnicas alternativas que substituam ouso de animais em ensino e pesquisa.

Hoje, o Conselho é presidido peloministro de C&T e Inovação. Tambémcontam com representantes no Con-cea os ministérios da Educação, doMeio Ambiente, da Saúde e da Agri-cultura, o CNPq, o Conselho de Reito-res das Universidades do Brasil (Crub),

a Academia Brasileira de Ciências(ABC), a Federação de Sociedades deBiologia Experimental (FeSBE), o Co-légio Brasileiro de ExperimentaçãoAnimal (Cobea), a Federação Nacio-nal da Indústria Farmacêutica, a SBPCe dois representantes de sociedadesprotetoras dos animais legalmente es-tabelecidas no país.

Ricardo Valverde

que ele financie essas iniciativas queestão acontecendo na ciência brasilei-ra para o desenvolvimento de méto-dos alternativos. O investimento empesquisa na área é bastante cara. Nãopodemos ter simplesmente uma leique restrinja o uso sem dar alternati-vas, pois tal atitude pode ocasionar umretrocesso à pesquisa”, comentou ovice-presidente.

Mais um enorme avanço para asuperação desses entraves é o Proje-to de Lei, já em tramitação na Câ-mara, que permitiria a remoção defragmentos de tecidos do corpo hu-mano, ou seja, a pele, e sua multipli-cação em cultura, para utilização empesquisas e testes laboratoriais comsubstâncias para o desenvolvimentode produtos de uso cosmético emhumanos. Atualmente, a Lei no 9.434,que dispõe sobre o assunto, restrin-ge-se apenas à remoção de órgãos,tecidos e partes do corpo humano

para fins de transplantes e tratamen-tos, mas não aborda a possibilidadede seu uso científico.

“Na teoria, já temos uma alterna-tiva para não precisarmos mais utili-zar a pele de animais em diversos ex-perimentos. Mas, para isso realmen-te fazer parte do cotidiano das pes-quisas científicas, será necessário o de-senvolvimento de um modelo de pelesintética brasileiro, a agilização da im-portação da pele sintética ou ainda apossibilidade de uso de fragmentos detecido humano, por meio de uma le-gislação atualizada e coerente com osproblemas hoje vividos pelos pesqui-sadores brasileiros. E a Fiocruz está di-retamente envolvida em cada um des-ses processos, buscando elevar a le-gislação brasileira, no que tange osmétodos alternativos ao uso de ani-mais, ao patamar com que é tratadaem países da Europa e Estados Uni-dos”, finalizou Stabeli.

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Renata Frota

ão é a primeira vez quea experimentação emanimais é questionada.A diretora do Centro deCriação de Animais de

Laboratório da Fiocruz (Cecal), Car-la Campos, lembra que, em 2005 e2006, no Rio de Janeiro, o então ve-reador Claudio Cavalcanti propôs umprojeto de lei que impedia o uso deanimais em experimentos científicosna cidade. O político defendia quetestes em animais não teriam valorcientífico.

“Esse conceito de que testes emanimais não garantem a eficácia doque é produzido e equivocado. As eta-pas da pesquisa básica e dos examespré-clínicos indicam a efetividade e asegurança dos medicamentos e sãoessenciais para o posterior teste emhumanos”, afirmou Carla. Ela escla-rece que o desenvolvimento de umnovo fármaco passa por três grandesetapas: a pesquisa básica, os testespré-clínicos e os ensaios clínicos. Ape-nas na última são realizados experi-mentos em seres humanos.

Na época em que o projeto de leifoi discutido, representantes do Ce-cal, da Fiocruz e da comunidade ci-entífica participaram de reuniões naCâmara Municipal para esclarecerdúvidas sobre o uso de animais emestudos científicos e o projeto acabousendo vetado. Sebastião Enes, um dosparticipantes desses encontros, rela-ta que a Fiocruz zela pelo bem-estaranimal antes mesmo da aprovação daLei Arouca em 2008. “Muitos concei-tos que já eram praticados na Fiocruzforam usados posteriormente comobase para a elaboração dessa lei”,contou. “A Comissão de Ética em Usode Animais de Laboratório (Ceua) da

Impactos de novas leisDiretora do Cecal defende criação cautelosa de umapolítica brasileira para o uso de animais de laboratório

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Fiocruz, criada em 1999, é um exem-plo disso. Nós fomos uma das primei-ras instituições brasileiras a ter umaCeua, que passou a ser obrigatória eminstituições de pesquisa.”

A invasão do Instituto Royal, emoutubro de 2013, multiplicou as inici-ativas da causa animal, que ganha-ram força nas diferentes instânciaslegislativas do país. Apesar da regu-lamentação existente no âmbito fe-deral, os municípios podem criarlegislação própria. Dias depois do epi-sódio em São Roque, foi sancionadauma lei proibindo totalmente experi-mentos científicos em animais no mu-nicípio de Jundiaí, localizado tambémno interior paulista.

A diretora do Cecal defende a cri-ação de uma política brasileira parao uso de animais de laboratório, masafirma que leis sobre o assunto de-

vem ser aprovadas com cautela. “Osimpactos de algumas dessas decisõessobre a saúde da população aindanão são conhecidos. Uma política na-cional contribuiria com a unificaçãodo entendimento em relação à expe-rimentação animal, proporcionandomaior transparência e controle pelaprópria sociedade.”

Carla, que é médica veterinária,reafirma a impossibilidade da comple-ta substituição de animais por méto-dos alternativos atualmente, masressalta que a legislação pode ser sem-pre aprimorada visando ao bem-estaranimal. “Técnicas alternativas são uti-lizadas quando possível e devem serincentivadas. Se pudéssemos, não uti-lizaríamos animais na pesquisa, mas,infelizmente, se a prática fosse proibi-da hoje, as consequências seriam de-sastrosas para a saúde”.

Carla: “Se pudéssemos, não utilizaríamos animais na pesquisa, mas, infelizmen-te, se a prática fosse proibida hoje, as consequências seriam desastrosas para asaúde”. (Foto: Peter Ilicciev (CCS/Fiocruz)

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* Paulo Gadelha e Wilson Savino

percepção pública sobreas ciências e a capaci-dade de influenciar aspolíticas para seu desen-volvimento são condi-

ções essenciais da cidadania nomundo contemporâneo. Em especial,é no campo das implicações éticasque esse desafio se torna imperativo.A experimentação animal é, nessesentido, um caso exemplar.

Nos anos recentes, temos convividocom rejeição de algumas parcelas dasociedade ao uso de animais na ciên-cia. Muitas vezes, estes movimentosencontram ressonância também noambiente jurídico. Existem grandes ex-pectativas por um mundo em que o usode animais para a experimentação ci-entífica não seja mais necessário. Acomunidade científica também com-partilha deste desejo. No entanto, nosargumentos que circulam, muita desin-formação ainda vigora. Esclarecer o queé verdade e o que é mito se torna fun-damental para que a sociedade possase posicionar sobre o assunto.

No atual estágio da ciência mundial,e em particular no campo da saúde hu-mana, o uso de animais permanece im-prescindível para a elucidação deprocessos biológicos, a descoberta de no-vos medicamentos, vacinas e tratamen-tos para doenças. O aumento naexpectativa e a melhoria na qualidadede vida que vemos na população se de-vem, em muito, às inovações médicasque dependeram e ainda dependem, emgrande parte, do uso de animais.

Para o futuro, é impossível eluci-dar o funcionamento do cérebro , osmecanismos das doenças neurodege-nerativas, a exemplo do Alzheimer, egarantir a eficácia e segurança denovos tratamentos para essas doenças

Animais: ciência embenefício da vida

perativo ético, o uso responsável e ofoco no bem-estar dos animais é umaexigência legal. A ciência está sub-metida a diversas instâncias de re-gulamentação e a rigoroso controledas atividades de pesquisa. A redu-ção do sofrimento por meio do usode anestésicos e analgésicos, a es-colha de técnicas adequadas e a ne-cessidade de acompanhamento porveterinários são protocolos obrigató-rios. Com foco na tríade substituição-redução-refinamento, o uso só épermitido quando não há alternativaconhecida, autorizando-se o menornúmero de animais necessário pararesultados válidos e buscando-se,sempre que possível, o refinamentode técnicas e procedimentos para re-sultados mais precisos.

A sociedade tem protagonismo fun-damental em cobrar que as instituiçõescientíficas pautem sua atuação na éti-ca no uso de animais e é saudável paraa democracia que esta vigilância aten-ta seja exercida. No entanto, parar aexperimentação animal em pesquisas,hoje, significaria um retrocesso para aciência e uma perda para a saúde dapopulação e para o próprio campo daveterinária. Cabe aos pesquisadores eàs instituições manterem seu compro-misso de responsabilidade e ética comos animais, firmes no propósito de be-neficiar a sociedade.

* Paulo Gadelha é presidente daFiocruz e Wilson Savino é diretor do

Instituto Oswaldo Cruz

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que estarão cada vez mais presentescom o envelhecimento da população,sem a utilização de animais. O mes-mo se aplica a uma multiplicidade decasos, entre os quais o Ebola e outrasdoenças emergentes.

Um mito muito comum é a ideiade que todas as pesquisas poderiamabrir mão do uso de animais. Apesardos grandes esforços neste sentido, estaafirmativa não é verdade. A ciência teminvestido no desenvolvimento de mé-todos alternativos, como o cultivo decélulas e tecidos e os modelos virtuaisque recorrem à bioinformática para pre-ver as reações dos organismos.

No entanto, ainda estamos longede uma solução que reproduza de for-ma precisa as complexas interações doorganismo: estes métodos são aplicá-veis apenas em determinadas etapasda pesquisa e em situações específi-cas. A ciência brasileira também inte-gra este empenho. Um exemplo dissoé a criação do Centro Brasileiro deValidação de Métodos Alternativos(BraCVAM), que a Fiocruz lidera emparceria com a Agência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa).

Outro mito comum é a ideia deque os cientistas utilizam animais deforma indiscriminada. Além do im-

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Ricardo Valverde

essenta mil pessoas, a cadaano, cruzam os portões da Fio-cruz para conhecer o Museu daVida (MV), situado no campusda instituição em Manguinhos.

Diariamente, alunos de até oito escolas, públi-cas e privadas, fazem o mesmo trajeto – inclu-indo algumas localizadas no interior do estadoe mesmo em outras unidades da Federação,como Minas Gerais e no Espírito Santo. E, se aesses números forem somadas a quantidadede pessoas que viram as exposições do Museuda Vida que saíram de Manguinhos e foramlevadas a outros lugares país afora, chega-se aum público de 3 milhões. Assim, a instituiçãocumpre um de seus principais papeis, que é ode ser um polo de divulgação científica.

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De acordo com o coordena-dor do MV, Diego Vaz Bevilaqua,já nos anos 1920 o então InstitutoOswaldo Cruz criava o Museu daPatologia e o Museu OswaldoCruz – este último onde ficava ogabinete do patrono da Fundação.“Eram museus nos moldes do queocorria costumeiramente na épo-ca, mas fundaram as bases dessacultura na instituição”, afirma o co-ordenador. Para o presidente daFiocruz, Paulo Gadelha, que foi oprimeiro coordenador e um dosidealizadores do MV, “o museu,desde o início, pretendeu desper-tar vocações científicas e divulgaro conhecimento para o grande pú-blico. O objetivo sempre foi o denão somente treinar seus frequen-tadores para ler e compreendertemas de ciência, como tambémcontribuir para que expressem opi-nião sobre esses assuntos. Feliz-mente, temos conseguido”.

Os anos passaram e na dé-cada de 1990, surgiu o anseiode estabelecer um museu quecontribuísse para o esforço depopularizar a ciência e ao mes-mo tempo manter um diálogocom a sociedade. E assim, de-pois de a ideia ser maturada, em1999 foi inaugurado o MV, queatua em cinco áreas: atendimen-to ao público; formação de pro-fissionais (do Ensino Médio àpós-graduação); realização deexposições e produtos; acervomuseológico (composto por cer-ca de 3 mil peças); e pesquisa(divulgação científica, avaliaçãode público e pesquisa histórica).E essa atuação, como já citado,não se dá apenas no campus deManguinhos, mas nacionalmen-te, por meio de ações e exposi-ções itinerantes, como o projetoCiência Móvel, que já percorreuum grande número de municípi-os da Região Sudeste.

O MV também participa deredes de museus internacionais,como ASTC (Associação de Cen-tros de Ciência e Tecnologia),Icom (Conselho Internacional de

Museus) e Ecsite, além de organismoscomo a Rede Pop, que atua na popula-rização da ciência e da tecnologia naAmérica Latina e no Caribe. O MV tam-bém mantém parcerias interdisciplina-res com os ministérios da Educação, daSaúde, da Cultura e da Ciência e Tec-nologia. Todo esse trabalho e históriacomeçaram a ser comemorados em 25de maio deste ano e se estenderão atéa mesma data em 2015.

“Montamos um seminário para de-bater a ação de museus do gênero etambém discutir a nossa própria traje-tória. Vamos lançar um livro sobre estes15 anos e ainda rever a marca do MV ecriar um novo site para o Museu. Que-remos ser cada vez mais uma âncorana área de divulgação científica”, afir-ma Bevilaqua. Ele informa que o MVconta atualmente com cinco espaçosfixos no campus da Fiocruz: o Centrode Recepção, o Passado Presente, a Bi-odescoberta, o Ciência em Cena e oParque da Ciência.

“E um grupo interdisciplinar da Casade Oswaldo Cruz trabalha para requali-ficar parte do chamado Núcleo Arqui-tetônico e Histórico de Manguinhos(Nahm), com destaque para o Casteloda Fiocruz, o Prédio do Relógio, o Qui-nino, o Pombal, a Casa de Chá e aCavalariça – esta já está em obras. As-sim poderemos ampliar em até quatrovezes a área de exposições”. No mo-mento, são cerca 900 metros quadra-dos de área expositiva interna e outros1,5 mil em área externa. Há ainda astrilhas históricas, como o CaminhoOswaldo Cruz – que o cientista percor-ria quando se deslocava pelo campus.

Bevilaqua afirma que há até 2 milpeças não inventariadas no acervo mu-seológico. As mais antigas pertencerama Oswaldo Cruz e faziam parte do seugabinete. E nem todas são peças cien-tíficas, como atesta uma pinacoteca com30 quadros. “É possível remontar comprecisão o ambiente de um laboratóriodo início do século 20. E temos tam-bém objetos de outras décadas, comoo primeiro sequenciador de DNA, queé dos anos 70. O objetivo é que todoesse material venha a ser exposto”,observa o coordenador.

Ele comenta que a mostra mais

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vista da história do MV foi Baleia àvista, visitada por mais de 300 mil pesso-as e que rodou o Brasil. Outras exposiçõestambém se tornaram célebres, como Ele-mentar – a química que faz o mundo, queganhou dois prêmios internacionais dedesign interativo em 2012 e que está no-vamente em cartaz na Fiocruz. No total,mais de 20 mostras já rodaram o país.“Neste momento, há cinco exposições emoutros estados”, diz Bevilaqua.

Ele observa que um dos símbolos do MV,o charmoso trenzinho que passeia com osvisitantes pelo Castelo, está no momento semuso, mas uma boa notícia deve surgir embreve. Por meio de uma parceria com a Co-ordenadoria de Programas de Pós-Gradua-ção em Engenharia (Coppe) da UFRJ, estásendo desenvolvido um novo veículo, basea-do em energia elétrica e solar. O novo trenzi-nho deverá entrar em circulação em 2015 eatenderá até 44 pessoas em cada viagem.

O MV, que conta com dez doutores edois doutorandos, mantém dois grupos depesquisa (em divulgação científica e em edu-cação em museus), cursos de especializaçãoem parceria com Jardim Botânico, Casa daCiência, Museu de Astronomia e CiênciasAfins e Centro de Ciências e Educação Su-perior a Distância do Estado do Rio de Janei-ro. “Em 2016 vamos lançar um mestrado emdivulgação científica. Além disso, estamosrevendo cursos e nossa estrutura pedagógi-ca, para oferecer novidades na área de pro-dução cultural para moradores do entornoda Fundação”, diz o coordenador.

Pós-doutorado em física pela Universi-dade de Harvard, Bevilaqua, segundoaqueles que o conhecem, tem uma incrí-vel semelhança física com um personagemda ficção: o também físico Leonard Hofs-tadter, do seriado americano The Big BangTheory, com o qual, aliás, já foi confundidoem uma exposição doMV. Para reforçaras semelhanças –que Bevilaqua, porsinal, nega – o co-ordenador é casadocom uma atriz. Nasérie, o personagemnamora uma garço-nete que também éuma profissional dainterpretação.

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m espaço onde a aven-tura pela ciência, tecno-logia e a saúde começa!Assim pode-se definir oCentro de Recepção do

Museu da Vida, erguido em local privi-legiado no campus da Fiocruz, emManguinhos. Neste espaço cercado deverde, o visitante é recebido em umaconstrução inspirada em antigas esta-ções de trem inglesas. O Centro de Re-cepção acolhe, orienta e distribui opúblico, fornecendo informações sobreas atividades, incluindo a visita ao im-ponente Castelo da Fiocruz, às exposi-ções como a do espaço Passado ePresente – Ciência, Saúde e Vida Pú-blica (sobre Oswaldo Cruz e CarlosChagas), o Parque da Ciência e o Ci-ência em Cena (também chamadoTenda da Ciência).

Segundo o responsável pelo aten-dimento no Centro, ao chegar ao cam-pus, a escola ou o grupo temconferidos seus dados e as ati-vidades, previamente, esco-lhidas no momento doagendamento (o que deveser feito com um mês deantecedência). Adminis-trador, com pós-gradua-

Ução em Gestão da Qualidade, MauricioCarlos Baptista Figueiredo ingressou noMuseu como bolsista há 12 anos. De lápara cá desenvolveu uma série de ativi-dades nos espaços do departamento,no Passado e Presente, e no Centro deRecepção. De acordo com ele, o agen-damento pode ser feito pessoalmenteou por telefone, com grupos de 42 pes-soas. A visita aos espaços selecionadospode durar uma hora e meia.

Maurício afirma gostar dos temasdesenvolvidos no Museu. “É uma for-ma de aproximar a sociedade à ciên-cia”, explica. Ele revela que sãoatendidos grupos escolares de várioslugares da cidade do Rio de Janeiro ede outros municípios do estado, comoBelford Roxo, Duque de Caxias, SãoGonçalo e Volta Redonda, no sul flumi-nense; Juiz de Fora, em Minas Gerais,e de São Luiz do Paraitinga, cidade na-tal de Oswaldo Cruz, em São Paulo.

Há um encantamento dosestudantes, especialmente,

quanto ao Castelo da Fio-cruz. “Eles querem sabero que tem lá, se alguémtrabalha no prédio”, di-verte-se ao lembrar as in-dagações dos visitantes.

Centro é inspirado naarquitetura inglesa

O projeto do Centro de Recepçãoé assinado pelos arquitetos BeneditoTadeu de Oliveira e Renato Gama-Rosa Costa, do Departamento de Pa-trimônio Histórico da Casa de OswaldoCruz (DPH/COC). O trabalho recebeuo prêmio Melhores Obras com Açodo Ano da Associação Brasileira daConstrução Metálica (ABCEM), em1999, ano em que o Museu da Vidafoi criado.

A construção não possui paredes eocupa área de 880 metros quadrados,deixando toda a exuberância naturaldo lugar visível. O espaço possui aindaanfiteatro e um painel de mosaicos as-sinado pelo artista plástico Glauco Ro-drigues, com ilustrações sobre asexpedições científicas da Fiocruz.

Para oferecer mais conforto aopúblico, o espaço é dotado de cadei-ras, bancos em madeira, bebedouro,banheiros e telefone público. O Cen-tro de Recepção também é ocupadocom pequenas exposições, de curtaduração, e outras iniciativas do Mu-seu da Vida.

Haendel Gomes

Visita ao Museu da Vida começa pelo Centro de RecepçãoO início da aventura

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ma das atividades daCasa de Oswaldo Cruz(COC) é a preservação ea gestão do acervo histó-rico sob os cuidados do

Museu da Vida. Essa importante atri-buição na área museológica foi desti-nada à Reserva Técnica do Serviço deMuseologia, concebida em 1995 paradar suporte ao então projeto EspaçoMuseu da Vida, que se tornaria realida-de quatro anos depois. No entanto, otrabalho de coleta e preservação daspeças de modo sistemático começouainda mais cedo, na década de 1970,com a contratação do museólogo LuizFernando Fernandes Ribeiro. A partir daía coleção, até então dedicada a preser-var a memória de Oswaldo Cruz, foiampliada e passou a ser representativadas atividades desenvolvidas na Fiocruz.

Também são iniciativas adotadaspelo Museu da Vida, para a valorizaçãoe preservação da Reserva Técnica, odesenvolvimento de uma base de dadospara a gestão de suas informações, a

UAlguns itens do acervo podem serconhecidos na seção Objeto emFoco, no site do Museu da Vida

www.museudavida.fiocruz.br

É uma maneira de mostrar aopúblico peças de importante va-lor cultural, científico e histórico.

elaboração de um pro-jeto de pesquisa paraidentificar e propormeios para salvaguar-dar e divulgar o pa-trimônio material eimaterial da Ciênciae Tecnologia (C&T) em saúde na Fio-cruz, e a ampliação e modernização dasáreas de tratamento técnico e guardade acervo.

Atualmente, cerca de 2.100 itenscompõem o acervo, incluindo objetospessoais de pesquisadores do antigo Ins-tituto Oswaldo Cruz e da atual Funda-ção, além de material de laboratório,instrumentos de precisão, itens relacio-nados à produção de medicamentos evacinas, equipamentos médicos, entreoutros. Ele está relacionado aos demaisconjuntos documentais – arquivos tex-tuais e iconográficos – da Casa deOswaldo Cruz, permitindo ampliar acompreensão em torno do desenvolvi-mento histórico da ciência no país.

Em dois anos (2010 e 2011) foram

incorporados ao con-junto 68 objetos histó-ricos, por meio decaptação e doação.Pelo menos 1.514 pe-ças foram tratadastecnicamente, docu-

mentadas, higienizadas e acondiciona-das. Nesse período, o Museu da Vidaemprestou cerca de 300 peças paracompor oito exposições no campus daFiocruz, no Museu de Arte Moderna deSão Paulo, na Pinacoteca do Estado deSão Paulo e no Museu Histórico Nacio-nal do Rio de Janeiro.

Entre os itens sob guarda do Servi-ço de Museologia do Museu da Vida,também estão a medalha obtida peloInstituto por sua participação na expo-sição de Higiene de Berlim, em 1907,o fardão, a espada e o chapéu queOswaldo Cruz usou ao tomar posse naAcademia Brasileira de Letras (em 26de junho de 1913), o primeiro micros-cópio eletrônico da América Latina e oprimeiro sequenciador de DNA (deo-

Haendel Gomes

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Casa de Oswaldo Cruz (COC), por meiodo Museu da Vida, coordena há trêsanos o Programa de Produção Culturalem Divulgação Científica, uma açãode educação não formal voltada a jo-

vens estudantes, de 16 a 19 anos, cursando o se-gundo e o terceiro anos do ensino médio de escolasda rede pública do território onde está inserida a Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos, nazona norte do Rio de Janeiro. Como destaque, o Pro-grama, recentemente, tornou-se um Ponto de Cul-tura Carioca, integrando-se assim à estratégia daPolítica Nacional de Cultura ao ser selecionado pelaSecretaria da Cidadania e da Diversidade Culturaldo Ministério da Cultura.

A iniciativa é desenvolvida todos os anos de abrila novembro, com turma de até 30 jovens, e seus ob-jetivos se pautam em subsidiar a reflexão dos estu-dantes sobre as relações entre expressões culturais eidentidade, e sobre a ligação entre democracia e aimportância do acesso à cultura como parte da edu-cação e do processo de formação cidadã. Visa aindaao acesso às noções de produção cultural, dando opor-tunidade à participação em ações culturais que pos-sam contribuir para a popularização da ciência e aprodução social da saúde no contexto territorial daFundação. Desde 2012, foram formados 43 jovens peloprograma. Outros 15 estudantes estão matriculados.

AHaendel Gomes

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Na avaliação da coordenado-ra do Programa, Hilda Gomes,vive-se um movimento importan-te para alinhamento das açõesda Fiocruz com a integração devárias iniciativas voltadas à po-pulação da região. “O objetivoé a sistematização de ações quefuncionem como um observa-tório das políticas públicas doterritório”, salientou.

O Programa busca articu-lação com os vários projetosdesenvolvidos a fim de inte-grar esta rede, compartilhan-do informações e atuando deforma mais colaborativa como Tecendo Redes por um Pla-neta Saudável e o ProjetoTerritório em Transe, alémde ampliar suas ações pormeio da parceria com aBiblioteca Parque de Man-guinhos e o Grupo de Edu-cação Multimídia/GEM daFaculdade de Letras daUniversidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ).

“O programa ofereceaos jovens uma oportuni-dade singular de tomarcontato com os mais di-versos componentes davida cultural, na qual seinclui a ciência”, afirmouo diretor da Casa deOswaldo Cruz, Paulo Eli-an. “Na Fiocruz, estaoportunidade é maisampla ainda pela diver-sidade de suas áreas deatuação”, completou.

Inovadora, a inici-ativa do Museu daVida parte de um con-junto de ações dirigi-das ao segmentovisado pela Funda-ção, cujas diretrizes

estão estruturadas em três eixos temáti-cos: Educação, Comunicação e Cultura;Trabalho, Renda e Solidariedade; Terri-tório, Saúde e Ambiente. Desta forma,o programa coordenado pelo Museu daVida se alinha à preocupação institucio-nal em reduzir vulnerabilidades e riscosà saúde relacionados às condições devida, trabalho, habitação, ambiente, edu-cação, cultura e acesso a bens e a servi-ços. O objetivo é contribuir para a inclusãosocial, o diálogo e o fortalecimento dademocracia, em parceria com as comu-nidades locais.

Essa relação com os jovens já existehá 12 anos. Hilda Gomes explicou que,no início, o Serviço de Educação em Ci-ências e Saúde (Seducs) do MV manti-nha o curso de Formação de Monitores,com foco no apoio à mediação em cen-tros e museus de ciência. De 2012 emdiante, a iniciativa sofreu uma inflexãoem busca de uma formação mais amplae produtiva com os jovens moradores doterritório onde estão inseridos por meioda integração com os processos, iniciati-vas e equipamentos culturais locais.

Curso inclui visitatécnica a museus eespaços culturais

A coordenadora ainda destaca queo programa compreende a realizaçãode visitas técnicas a museus e espaçosculturais, possibilita a ampliação docapital cultural dos jovens e ofereceoportunidade ao acesso e conhecimen-to sobre a dinâmica cultural da cidadedo Rio de Janeiro. “Também buscamosalternativas de estágio que oferecemdiversos olhares sobre o campo da edu-cação, cultura e comunicação. A par-ceria com o Instituto de Comunicaçãoe Informação Científica e Tecnológicaem Saúde /ICICT potencializou estaestratégia”, concluiu Hilda.

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ermitir o desenvolvi-mento de uma série desinais científicos em li-bras e criar grupos desurdos treinados para

trabalhar como monitores em museuse espaços de ciências: esse é o objeti-vo de uma ação pioneira do Museuda Vida (MV), que integra o projetoQuebrando Barreiras Culturais: a Ci-ência e o Surdo, da professora VivianRumjanek, da Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ), contempla-do em edital da Fundação CarlosChagas Filho de Amparo à Pesquisado Estado do Rio de Janeiro (Faperj).A ideia também dá continuidade àsações desenvolvidas no Instituto deBioquímica Médica (IBqM/UFRJ) des-de 2005, no projeto Inclusão do SurdoAtravés do Conhecimento Científico(projeto Surdos).

As atividades são desenvolvidasem três espaços do MV abertos à vi-sitação, com encontros semanais queacontecem desde julho. Os locaistambém serão palco da atividade prá-tica dos jovens estudantes. Segundoa coordenadora do Serviço de Edu-cação em Ciências e Saúde (Seducs),Hilda Gomes, o desafio apresentadopela professora da UFRJ reforçou acontinuidade das reflexões e discus-sões do grupo Acessibilidade, forma-do por profissionais de várias áreasdo MV (Serviço de Visitação e Aten-

Pdimento ao Público, Núcleo de Estu-dos de Público e Avaliação em Mu-seus e Serviço de Design e Produtosde Divulgação Científica).

Hilda explica que o objetivo é es-tudar e refletir sobre questões relati-vas à acessibilidade, discutindo açõese possíveis intervenções. “A ação edu-cativa é a primeira etapa de um lon-go caminho de inclusão do segmentoda população surda nas visitas aosmuseus de ciência”, explicou. Do pla-no de trabalho, participam ainda o in-térprete de Libras e professor daUniversidade Federal do Estado do Riode Janeiro (Unirio), Tiago Batista, aex-professora do Instituto Nacional deEducação de Surdos (Ines), Djane Ca-valcanti, e quatro jovens surdos, es-tudantes do curso de pedagogia doinstituto: Lorena Assis Emídio, Rafae-la Silva do Vale, Deleon Baptista eBruno Baptista dos Santos.

Em 26 de novembro, os quatro alu-nos puderam colocar o conhecimentoadquirido nas visitas ao museu em prá-tica, mediando atividades para cercade 40 estudantes do oitavo e nono anosdo Ines. Bruno e Lorena acompanha-ram a turma na célula gigante do Par-que da Ciência e na atividade Faça suacélula, da Pirâmide, enquanto Rafaelae Deleon fizeram um passeio pelos sé-culos 19 e 20 no Castelo Mourisco, re-velando detalhes da história da Fiocruze da ciência no Brasil.

Haendel Gomes e Renata Fontanetto

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Haendel Gomes

frase do título é do coordenador do Serviço de Visitação e Aten-dimento ao Público (SVAP) do Museu da Vida. Mestre em Edu-cação, Alessandro Machado Franco Batista formou-se em históriae soma 15 anos de atuação neste que é o maior departamentoda Casa de Oswaldo Cruz, unidade técnico-científica da Fio-

cruz. Ele conta que o público gosta de saber que se faz ciência de qualidade noBrasil, ao tomar conhecimento da história e das atividades desenvolvidas naFiocruz. Segundo Alessandro, são em média 50 mil visitantes por ano nos espa-ços do Museu, número que pode aumentar para cerca de 200 mil com asexposições itinerantes e o projeto Ciência Móvel – Vida e Saúde para Todos.Nesta entrevista, o coordenador destaca a reação das pessoas ao visitar osespaços do Museu da Vida e participar de suas atividades. Alessandro revelaque as escolas e o público também podem participar fazendo sugestões, adian-ta atrações para este ano e outras previstas para 2015.

A

É possível falar sobreciência, história e outrossaberes com alegria ede forma dialogadacom a vida prática

Revista de Manguinhos - Na suaavaliação, o que marca mais os vi-sitantes, especialmente os estudan-tes, que vêm ao Museu?

Alessandro Batista - O que minhaexperiência nesses quase 15 anos demuseu tem mostrado com relação aoimpacto do museu nos nossos visitantesé a capacidade de instigar a curiosida-de das pessoas pelo saber cientifico, par-ticularmente as questões da saúde. Elastambém gostam de saber que se fazciência de qualidade no Brasil. Os estu-dantes, em particular, percebem que épossível falar sobre ciência, história eoutros saberes com alegria e de formadialogada com a vida prática deles.

Revista de Manguinhos -Quantas pessoas, em média, vi-sitam o Museu da Vida por ano?

Alessandro Batista - Recebe-mos no campus Manguinhos umamédia de 50 mil visitantes ao anoe, aproximadamente, 200 mil sesomarmos nossas exposições itine-rantes e a seção Ciência Móvel.

Revista de Manguinhos - Asescolas, por meio de seus re-presentantes, fazem suges-tões? Indique alguma queconsidere importante ou quetenha sido incorporada ao cir-cuito de visitação.

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Alessandro Batista - As escolasnos sugerem por meio do nosso site[www.museudavida.fiocruz.br] ou,mais recentemente, por meio das re-des sociais. Também, diretamente,nas visitas ou no Encontro com Pro-fessores, realizado todos os meses nomuseu. Uma demanda antiga de nos-sos visitantes, principalmente das es-colas, era conhecer um pouco ascoleções e trabalhos científicos, na Fi-ocruz. Desde 2006 iniciamos aproxi-mação com algumas coleções epesquisadores da instituição que par-ticipam com mostras, debates e “con-versas” em torno dos nossos eventos,de modo a aproximar ainda mais otrabalho da Fiocruz ao público geral.Fruto dessa aproximação, temos a vi-sita à sala Costa Lima, no CasteloMourisco, parceria com o Laborató-rio de Entomologia do IOC [InstitutoOswaldo Cruz]. Temos outros exem-plos também de sugestões do públi-co incorporadas à visitação.

Revista de Manguinhos - Para2015, o que pode nos adiantar paraos visitantes?

Alessandro Batista - O Museu daVida em parceria com Instituto deNeurociências da UFRJ [UniversidadeFederal do Rio de Janeiro] está pre-parando para o ano que vem umaexposição sobre o cérebro, que terácomo marco o encontro internacio-nal de neurociência no Rio de Janeiro[Congresso Mundial de Neurociência- IBRO 2015 na sigla em inglês, de 7 a11 de julho]. Vale destacar tambéma exposição “Oceanos” para o próxi-mo ano. Teremos ainda uma novapeça de teatro e muitas outras sur-presas para provocar o nosso públi-co. 2015 promete!

Revista de Manguinhos – Na suaopinião, quais exposições e outrasatividades foram marcantes nesses15 anos do Museu da Vida?

Alessandro Batista - As expo-sições que mais nos marcaram fo-ram muitas, mas destaco a exposiçãoVida que deu, digamos, origem aomuseu; Darwin, a exposição dosdinossauros [“Pré-história no Bra-sil: dinos e outros fósseis”, de2010] foi um grande sucesso depúblico, a exposição Nós do Mun-do [por ocasião da Rio + 20, e inau-gurada em maio de 2012], aexposição Elementar – a químicaque faz o mundo, premiada inter-nacionalmente [conquistou o prêmiode Engajamento e o do júri popular,na edição 2012 do Interaction Awar-ds pela tabela periódica criada paraa mostra] e que retornou ao mu-seu neste segundo semestre. Ama-zônia também foi um grandesucesso de público e não poderiadeixar de citar Revolta da Vacina[A Revolta da Vacina - Da varíolaàs campanhas de imunização, so-bre episódio marcante ocorrido em1904]. Outra atividade que merecedestaque é a exposição itineranteManguinhos – território em transe,em parceria com a Coordenadoriade Cooperação Social da Presidên-cia da Fiocruz. E não se pode es-quecer a Expo-Interativa: Ciênciapara Todos, promovida no Riocen-tro (zona oeste do Rio de Janeiro),em 2005, um evento que fez par-te do 4º Congresso Mundial deCentros de Ciência.

Revista de Manguinhos - Porque é legal visitar um museu deciências?

Alessandro Batista - Porque éum lugar muito divertido, onde brin-cando refletimos sobre coisas mui-to importantes. É um local ondedescobrimos a importância de sem-pre querermos questionar, sabermais e o porquê das coisas. Ondeciência, arte, história, saber popu-lar se encontram e dialogam.

fotos: Peter Elicciev

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Renata Moehlecke

evar a experiência deum museu de ciênciapara além dos muros daFiocruz, para municípiosda região Sudeste do

país carentes destes espaços: foi com esseobjetivo que o projeto Ciência Móvel –Vida e Saúde para Todos surgiu em 2006.Hoje, após oito anos de experiência, asexposições transportadas em um cami-nhão de 13,5 metros de comprimento jáforam recebidas em mais de 110 muni-cípios. Ao público, é oferecida a oportu-nidade de aprender ciência de formadivertida, com exposições, jogos, ativi-dades interativas, palestras, oficinas eapresentação de vídeos.

“No Brasil, museus e centros de ci-ências se concentram nas capitais, e aspopulações das suas periferias e cidadesafastadas têm pouco acesso a ativida-des científicas e culturais. Existem váriasescolas de cidades de fora do Rio de Ja-neiro que vêm para o Museu da Vida,mas existem muitas que não conseguem

Lvisitar o espaço”, comentou o biólogoMarcus Soares, coordenador do projeto,que é mantido pelo Museu da Vida (MV)da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz)em parceria com o governo do estado(Fundação Centro de Ciências e Educa-ção Superior a Distância do Estado doRio de Janeiro, o Cecierj), duas empre-sas privadas (IBM e Sanofi) e o Institutode Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). “A proposta doCiência Móvel é, então, a populariza-ção da ciência, contribuindo para o for-talecimento do ensino nessas localidades,por meio da educação não formal, e con-tribuindo para a inclusão sociocultural daspopulações que atende”.

O projeto do MV teve início a partirde uma iniciativa do Ministério da Ciên-cia e Tecnologia e da Academia Brasilei-ra de Ciências de criação de museusitinerantes nas cinco regiões do país.Hoje, existem mais de 20 projetos do tipoem todo o Brasil. “Desde que começa-mos, o projeto já passou por altos e bai-xos. No início, a dificuldade se dava porconta de entender qual era a melhor

maneira de fazer a itinerância ou o trans-porte de equipamentos. Aprendemoscom a prática e estabelecemos um modode itinerância que tem sido copiado poroutras instituições”, explicou Soares.

O coordenador também falou sobre aexperiência com o público. “Ao longo des-ses anos, eu acompanhei o Ciência Móvelem quase todas as viagens e não me re-cordo de uma em que não tenhamos tidouma boa receptividade. O Ciência Móvelfunciona como um espaço de descobertae reflexão e aproxima a ciência do cotidia-no dos visitantes”, destacou Soares. “Ge-ralmente, o público escolar atendidodemonstra um encantamento pelo que agente apresenta. Já recebemos depoimen-tos de alunos que relataram para seus pro-fessores que, depois da visita, querem seguircarreira na área de ciências”.

Novidadespara 2015

Mediado por uma equipe de cercade 25 pessoas, atualmente, o projeto con-

foto: Roberto de Jesus

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ta com cinco grandes blocos temáticosde atividades interativas, além das expo-sições: energia, óptica, som, biologia eastronomia. “Ao longo destes oito anosde existência, apesar das dificuldadesenfrentadas, tivemos uma história bembacana de construção, que levou a umcrescimento significativo e ampliação dacapacidade de atendimento ao público”,esclareceu Soares. “Já conseguimos rea-lizar 14 viagens em um ano, o que é bas-tante coisa, considerando os meses deférias escolares. Nossa capacidade deatendimento é 350 pessoas por hora e,depois de três a cinco dias, a média depúblico tem sido de 5 mil pessoas”.

A proposta agora é que, no próximoano, o Ciência Móvel apresente umaconfiguração diferenciada, com novosmobiliários. “No final de 2012, a partirda lei Rouanet e de apoio do CNPq, con-seguimos capitar recursos para aumen-tar em pelo menos dez o número deatividades ou equipamentos interativos.A intenção é inserir novas temáticas queestejam relacionadas ao entendimentodo corpo humano, saúde e prevençãode doenças”, explicou o coordenador.“Este ano, devido a uma parceria comBio-Manguinhos, já investimos no Jogodas Vacinas, que visa sensibilizar jovense crianças sobre vacinação contra váriasdoenças, como defende o programanacional de imunização do Ministério daSaúde. Teremos também uma exposi-

ção que explica como as vacinas agemno organismo, além de mostrar suas eta-pas de produção”.

Soares ainda cita que a nova tem-porada irá ganhar a arte como um novocomponente a ser relacionado com aciência. “Até 2015, será feito um tra-balho intenso para aliar arte e ciênciapor meio do projeto Ciência Móvel: Artee Ciência sobre Rodas, que vai incorpo-rar atividades circenses e teatrais aosmódulos do caminhão. Também tere-mos uma nova parceria com o ProjetoPortinari, que vai participar com partede sua exposição Portinari - Arte e Ci-ência”, apontou.

Curiosidades eexperiências nasviagens

O coordenador do projeto conta quea experiência na estrada traz situaçõesinusitadas e muitas vezes engraçadas.“Em geral, a estrutura do Ciência Móvelé montada em um ginásio/escola domunicípio ou tenda em uma praça, masem algumas localidades foi diferente.Em Petrópolis, por exemplo, o museu iti-nerante ficou dentro do Museu Imperial;em Sorocaba, dentro do zoológico dacidade, outro espaço de educação nãoformal; em Barbacena, trabalhamos em

estábulos dentro de um parque de expo-sição; também já ficamos dentro de umaigreja, em Cabo Frio. Em outras duas vi-sitas, montamos a estrutura dentro defeiras agropecuárias e, quando o rodeiocomeçava, era impossível as pessoasouvirem os mediadores”, relatou Soares.

Ele ainda citou outra experiênciacuriosa. “Certa vez, em Cubatão, tive-mos um público bem pequeno no pri-meiro dia. No seguinte, ao saber doocorrido, o prefeito da cidade enviou to-das as escolas de uma só vez para a visi-tação. Foi uma loucura, cerca de 500pessoas por hora! No final, acabou dan-do tudo certo”, recordou o coordenador.“Em outra situação, Muriqui, no estadodo Rio de Janeiro, o portão de entradada escola em que ficamos era tão pe-quena que foi preciso derrubar um dosmuros para o caminhão poder entrar”.

Soares também indicou que as visi-tas possibilitam o conhecimento de no-vas culturas e hábitos, o que enriqueceo trabalho da equipe. “No município deSanta Maria de Jetibá, no interior do Es-pírito Santo, por exemplo, a populaçãoda localidade se considera a mais po-merana do Brasil (antiga região com idi-oma próprio que ficava entre a Alemanhae a Polônia)”, comentou. “Lá, as crian-ças aprendem primeiro o pomerano edepois o português, então era comumouvir a língua durante as mediações. Foiuma experiência realmente única”.

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Glauber Queiroz e Mayara Almeida

nstituição de referência emsaúde pública e destaqueem suas principais áreas deatuação, a Fiocruz se so-bressai também em um

campo cuja rotina se desenvolve longede tubos, seringas, kits diagnósticos, ban-cadas e esteiras, mas em caixas deareia, casa na árvore, brinquedoteca ejardins. A Creche Fiocruz, tratada pelopresidente Paulo Gadelha como “umadas joias da instituição”, completa 25anos em 2014 e comemorou a data nomês de novembro, em uma festa quereuniu o passado e o presente. O en-contro de diversas gerações que passa-ram e que estão na creche foi um dosatrativos da celebração.

Embasada em um projeto político-pedagógico que enxerga a criança

como indivíduo, a Creche Fiocruz temnessa relação um de seus principaisatrativos. “O diferencial está na basedo trabalho realizado que respeita to-das as crianças em sua cidadania”,afirma a diretora da creche, Silvia La-couth Motta. O respeito à criança, naótica de um aprendizado mútuo, é umdos orgulhos da casa. “Este não é umprojeto de divisão e sim de soma per-manente de histórias, vivências, valo-res, experiências... Enfim, de vida”,completou.

Planejada desde 1986, a CrecheFiocruz foi inaugurada no campus deManguinhos em 14 de agosto de 1989e, de lá para cá, já recebeu quase 1,5mil crianças com idade até 5 anos. Noano seguinte, a creche do InstitutoNacional de Saúde da Mulher, da Cri-ança e do Adolescente Fernandes Fi-gueira (IFF) foi inaugurada. Com a

Creche Fiocruzcomemora 25 anosCerca de 1,5 mil crianças passaram pelo local ao longo deste período

última obra de expansão, em 2013,os espaços comportam atualmente320 crianças. O serviço acarreta bene-fícios para elas, que são cuidadas comexcelência e segurança, e aos seus res-ponsáveis, servidores da instituição.

“Essa creche traz muita coisa boapara minha filha e para mim. Tenhoa tranquilidade de deixá-la em umlugar excelente e poder ficar maistempo com ela. Isso é qualidade devida”, relata a servidora Rita TorresSobral, mãe da Manuela, de 3 anos.A opinião de outra mãe, Clélia Xavi-er, vai ao encontro dessa percepção.Marianna Xavier frequentou a CrecheFiocruz até o ano 2000, quando com-pletou 5 anos. “Para mim, foi exce-lente trabalhar com minha filha porperto, tendo a certeza e segurança queestava sendo bem cuidada, por pesso-as capacitadas. Ela saiu daqui muito

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independente e responsável, para aidade que tinha”, revelou. “Crecheigual a essa, não tem”, emendou.

Um benefício paratoda a família

Segundo o psicólogo da FiocruzMarcello Rezende, que atua no Nú-cleo de Saúde do Trabalhador (Nust),uma creche no local de trabalho geraum conjunto de benefícios tangíveis eintangíveis. “Além do ganho materi-al, a existência de uma creche de ex-celência funcionando na Fiocruz podeproduzir um benefício simbólico difícilde ser medido, que é o orgulho e aidentificação do trabalhador com a ins-tituição em que trabalha. Pode-se con-siderar essa identificação como maisum fator que promove a saúde e obem-estar do trabalhador”.

Rezende relata ainda o valor quetal serviço agrega à instituição. “Empesquisas realizadas em todo o mun-do, uma das características para seavaliar um bom local de trabalho é sea organização permite uma boa inter-face entre vida familiar e trabalho. Nocaso específico da Fiocruz, a crechefunciona no próprio local de trabalhopara os servidores que desenvolvemsuas atividades no IFF e em Mangui-nhos, o que aumenta a satisfação des-ses trabalhadores”.

O diretor de RH, Juliano Lima, res-saltou que o verbo cuidar é o quemelhor expressa o que a creche fazem seu cotidiano. Para Gadelha, a cre-che sintetiza bem o universo da Fio-cruz: “Esta creche é um lugar depesquisa, de ensino, de convivência,de construção de sentimento e de vida.É uma Iniciativa que consegue reunirtudo o que a gente pensa ser a Fio-cruz”, declarou durante a comemora-ção. Em 2015, a novidade do local seráa inauguração do Espaço de Ciências,uma espécie de parque temático ondeas crianças terão acesso a conheci-mentos científicos por meio de brinca-deiras, instrumentos e linguagensadaptados à sua compreensão.

Dentre os – agora adultos – quecompareceram à creche na comemo-

ração, em 14 de novembro, muitosreencontros e descobertas. As crian-ças cresceram e hoje atuam em di-versas áreas. Cadete da AcademiaMilitar das Agulhas Negras (Aman),Vinicius Soares Ferreira Ginuíno saiuda creche em 1996 e aos 23 anosestuda para ser oficial do Exército. Ojovem credita a base obtida na edu-cação infantil como um dos pilares deseu desenvolvimento. “A creche foiimportante pelo aprendizado pormeio do lúdico e pelo desenvolvimen-to motor que tivemos. Saímos daquidesenvolvidos em várias áreas e en-tramos avançados na escola”.

A professora de história Thaís SilvaBrito (26 anos) compôs uma das primei-ras turmas da Creche Fiocruz e saiu em1993. Como educadora, ela percebeclaramente o diferencial da educaçãode base e ratifica a fala de Vinicius.“Quando a educação infantil não fun-ciona a criança carrega isso para a vidainteira. Hoje, vendo nossos colegas bemsucedidos, percebemos o quão bem tra-balhada essa base foi”.

Fabio Porto (21) deixou a Fiocruzcinco anos depois de Thaís, mas aca-bou retornando à instituição na faseadulta, agora como estagiário de me-dicina veterinária no Instituto Nacionalde Controle de Qualidade em Saúde.Para ele, o maior legado que carregafoi a educação e respeito ao próximo,valores trabalhados pela creche. So-bre as memórias do local, o jovem temuma recordação marcante: “lembroque a gente descia pelo gramado compapelão. É uma das lembranças maisforte que tenho daqui”.

A memória de Fábio é razão deorgulho para Adriana de Oliveira Ro-drigues. Professora da creche desde1993, a educadora valoriza as ativida-des ao ar livre. “Fazemos esse traba-lho até hoje, para que as criançasexplorem o ambiente da creche e per-cebam diferentes, texturas, tempera-turas e sensações. Saber que essasatividades são lembradas por eles émuito importante, porque eles são tãopequenos quando estão aqui e quan-do a gente vê que alguma coisa ficouna memória, percebemos que tudo oque a gente fez valeu a pena”.

Para a professora, a creche devepossibilitar que a criança aproveite essafase ao máximo. “A infância é muitocurta, enquanto a vida adulta é muitolonga. É importante permitir que elesexperimentem, brinquem, vivenciemtoda a proposta pedagógica que a cre-che oferece de forma bem lúdica, ali-ando a brincadeira na área externa eo aprendizado nas salas”. Sobre o re-encontro com os egressos, ela demons-trou grande satisfação. “Foi muitoemocionante poder revê-los e saberque estão bem e felizes. O mais gos-toso foi poder mostra-los que eu melembrava deles”.

De volta ao larSe é emocionante voltar à creche

para visita-la, o que dirá para trabalhar?A nutricionista Márcia Toledo de Mi-randa (24) atua como assistente denutrição no local e é mais um das cen-tenas de casos de sucessos da casa.Egressa da turma de 1994, Márcia vol-tou à creche em 2011, na época comoestagiária de nutrição. “Aqui me lem-bro de cheiros e sons que eu nem sa-bia que conhecia e ao voltar para cá evivenciar essas experiências, penso:caramba! Isso é da minha infância. Émuito gratificante”, revela. Ao falar dacreche, Márcia faz um paralelo entrepassado e presente e revela todo seufascínio pelo local. “Sou encantada comeste lugar, ele representa um misto doquanto fui feliz lá atrás e quanto soufeliz agora e o que essas crianças e seusfamiliares trazem para nós”.

Vinte e cinco anos após sua inau-guração, pais, crianças, egressos e fun-cionários revelam que a Creche Fiocruzsegue desempenhando seu papel demaneira ímpar. Valorizando o indivíduoe o lúdico. Aplicando, assim, em suafilosofia a marcante frase de Antoinede Saint-Exupéry, no clássico O peque-no príncipe: “Conhecer não é demons-trar nem explicar, é aceder à visão”. Ea creche segue pronta para novas dé-cadas de troca de saberes e cuidados.Garantindo aos servidores da Fiocruzque seus filhos se desenvolvam o comzelo e a excelência, que são marcasda Fundação.

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Tatiane Vargas

o longo das últimas dé-cadas, diversos avançosforam obtidos em rela-ção às políticas públicaspara pessoas com defici-

ência no Brasil e no mundo. A parti-cipação efetiva dessas pessoas nadefinição de políticas, por exemplo,foi um grande avanço, pois demons-tra a significativa conscientização dasociedade sobre o tema. Apesar dosprogressos, diversos obstáculos ain-da existem, de forma que é possívelafirmar que a política de atenção àsaúde da pessoa com deficiência ain-da é precária. No intuito de explorara questão, a terapeuta ocupacionalVania Mefano desenvolveu a pesqui-sa Política pública para pessoa comdeficiência: Brasil e experiência in-ternacional. O estudo foi orientadopelo coordenador do Programa dePós-Graduação em Saúde Pública epesquisador Nilson do Rosário, noâmbito do mestrado em saúde pú-blica da Escola Nacional de SaúdePública (Ensp/Fiocruz).

O principal objetivo da pesquisa foianalisar a política nacional de saúdeda população com deficiência no Bra-sil a partir de documentos nacionais einternacionais e expor a relevância doproblema dada às condições socioe-

países de alta renda, pessoas com de-ficiência enfrentam dificuldades noacesso aos serviços universais de saú-de devido às causas relacionadas aotransporte, equipamentos e falta deconhecimento por parte de profissio-nais da saúde das especificidades nocuidado de pessoas com deficiência.De acordo com Vania, nesses paísesforam observadas dificuldades na aqui-sição de equipamentos que auxiliamna locomoção, órteses e outros equi-pamentos de acessibilidade imprescin-díveis para independência e melhorana qualidade de vida em algumas si-tuações de incapacidade.

Já nos países de baixa renda asprincipais barreiras de acesso estãorelacionadas às dificuldades de paga-mento pelos serviços de saúde e pelotransporte, com o agravante da reali-dade que nesses países há ausênciade serviços universais de saúde. “Arealidade de crianças com deficiênciaé drástica. O relatório do Fundo dasNações Unidas para a Criança (Uni-cef) sobre a Situação Mundial da In-fância/Crianças com Deficiência 2013sinaliza que as crianças com deficiên-cia são as menos propensas a recebercuidados de saúde ou ir à escola. Elasestão entre as mais vulneráveis a vio-lência, abusos, exploração e negligên-cia, especialmente se estão escondidasou em instituições – como é o caso de

conômicas desse grupo populacionale ao vazio na abordagem do tema naárea da saúde, tanto por parte do po-der público como por parte da acade-mia. “Percebi a necessidade de discutirde forma mais profunda os problemase tentar com isso alterar um pouco asituação de invisibilidade do tema”,justificou a autora do estudo. Segun-do Vania, a pesquisa em fontes dedados secundários internacionais mos-trou que a atenção de saúde a pesso-as com deficiência, em todos os países,é precária. A procura por assistênciaem saúde é maior nas mulheres dospaíses de alto desenvolvimento. Des-se grupo são as pessoas com deficiên-cia as que necessitam de mais cuidadosde saúde nos serviços de internação eambulatório em todas as idades e emqualquer extrato econômico.

Em todos os países e na popula-ção em geral existe um número signi-ficativo de procura de serviços desaúde sem sucesso, sendo a prevalên-cia nos países de baixa renda e naspessoas com deficiência. A procura porinternação de pessoas com deficiên-cia tem maior concentração na faixaetária de 60 anos ou mais, já a buscapor atendimento ambulatorial é entre50 e 59 anos. As barreiras de acessosão uma realidade mundial, no entan-to existem diferenças entre os paísesde acordo com o nível econômico. Nos

Os desafios da inclusãoPessoas com deficiência, no Brasil e no mundo, ainda enfrentam numerosas barreiras

POLÍTICAS PÚBLICAS

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muitas delas, ainda nos dias de hoje,devido ao estigma social ou ao custoeconômico para criá-las. O resultadocombinado é que as crianças com de-ficiência estão entre as pessoas maismarginalizadas no mundo. Criançasque vivem na pobreza estão entreaquelas com menor probabilidade deusufruir, por exemplo, dos benefíciosda educação e de cuidados de saúde,mas para crianças que vivem na po-breza e têm deficiência é ainda me-nor a probabilidade de frequentar aescola ou centros de saúde no localonde vivem”, lamentou a autora.

De acordo com Vania, uma análi-se comparada entre países de alta ebaixa renda mostra que, quanto maisperto dos níveis econômicos mais bai-xos, maior a incidência de deficiênci-as e menor acesso de saúde e, quantomais perto dos níveis socioeconômi-cos mais altos, menor a incidência dedeficiência e menos barreiras de aces-so. Em todos os países, os grupos vul-neráveis, como mulheres, pessoasvivendo em situação de pobreza ex-trema e idosos apresentaram incidên-cias superiores de deficiência, sendoque nos países em desenvolvimentoas taxas são mais altas.

Panoramaatual no Brasil

Segundo dados do Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatística (IBGE)de 2010, no Brasil 23,91% da popu-lação possuem “alguma deficiência”,com maior concentração entre as mu-lheres, em áreas rurais, nas regiõesNorte e Nordeste, na seguinte ordem:afrodescendentes, pardos e indíge-nas. Vania destacou que a pesquisafoi direcionada a apenas uma partedesse grupo, ou seja, as pessoas comgrande dificuldade e os que não con-seguem de modo algum realizar asfunções intelectuais, motoras e sen-soriais (visual e auditiva). “A razãodeste recorte se dá pelo fato de queas políticas públicas de cuidados desaúde na atenção primária, secundá-ria e terciária para este grupo popu-lacional são específicas devido à cargade incapacidades e de cuidados de

saúde envolvidos. Pessoas que apre-sentam dificuldades funcionais demoderada à grave, no Brasil, são emtorno de 8,27% da população e nomundo, de acordo com as pesquisas,variam entre 2,2% e 3,8%”, apon-tou a pesquisadora.

De acordo com dados do IBGE de2010, 59% das pessoas com deficiên-cia pertencem ao grupo etário entre15 a 64 anos, 34% têm 65 anos oumais e 7% têm até 14 anos. A médiada variação do nível de ocupaçãoquanto ao gênero em todas as defici-ências foi de 57,3% para os homens e37,8% para as mulheres, uma diferen-ça de 19,9 pontos percentuais. Maisde 23,7 milhões de pessoas com defi-ciência em idade ativa não estão ocu-padas e mais da metade das pessoascom deficiência (61,1%) não possueminstrução ou apresentam nível funda-mental incompleto. A assistência desaúde tanto no SUS quanto na medi-cina suplementar não atende à neces-sidade da população. Na saúdesuplementar apenas 21,39% das pes-soas com deficiência têm planos desaúde. Desse total, o grupo que seencontra no segundo nível de rendarepresenta apenas a 2,31% e para aspessoas com deficiência mais ricas (úl-timo nível) 61,54% desfrutam de al-gum plano de saúde.

No SUS existem algumas varia-ções de acordo com o tipo de aten-ção. Na atenção especializada, comexceção de casos pontuais que con-seguem desenvolver um bom traba-lho, a maioria da população estadescoberta. Neste segmento que re-aliza os serviços de média e alta com-plexidade, os programas demandamrecursos financeiros de grande porte,com equipe multidisciplinar, um car-dápio vasto de equipamentos de aces-sibilidade, que em muitos casos sãode alto custo. Apesar de insuficien-tes, pode-se dizer que, se existe al-guma ação de saúde para pessoascom deficiência, é nesse segmentoque ocorre. Segundo Vania, na aten-ção básica a situação é diferente, poisefetivamente não existe acessibilida-de e não há investimento político nes-se nível de atenção para pessoas com

deficiência. “Por se tratar de açõesque dependem da compreensão eefetivação de outra concepção desaúde e cuidados, a pessoa com defi-ciência esta invisível”, avaliou.

De acordo com a terapeuta educa-cional, a Rede de Cuidados à Pessoacom Deficiência no âmbito do SistemaÚnico de Saúde (Portaria Nº 793, de24 de abril de 2012) tem avanços im-portantes. Dentre os quais o aspectoorçamentário pode ser apontado comoo principal deles, uma vez que existeverba específica para a reforma, cons-trução e custeio dos serviços de reabili-tação - atenção especializada. Noentanto a regulação dessas ações ain-da deixa muito a desejar. “Em relaçãoà atenção básica e a cuidados de saú-de, com promoção e prevenção dedoenças secundárias à deficiência, oplano não dedica medidas de incenti-vo e regulação, o que representa ummau prognóstico. Algumas reinvindica-ções antigas dos movimentos sociaisestão contempladas, como a expansãodo cardápio de equipamentos dispen-sados pelo SUS e a ampliação das açõespreventivas de doenças reconhecida-mente evitáveis”, descreveu.

Para Vania, o que se pode observaré que os municípios que se enquadramnos critérios de elegibilidade para a im-plantação de serviços e que dispõem degestores afeitos ao programa, tomarama frente e começaram a executá-lo, quehoje representa uma minoria. Nos mu-nicípios onde o programa não tem omesmo apoio as ações são inexpressi-vas, o que é uma realidade majoritáriano território nacional. Nesse sentido, apesquisa apresenta a análise de diver-sos autores que tratam da descentrali-zação de políticas públicas em estadosfederativos, o papel do Estado e a im-portância de medidas de regulação eincentivos para efetivação das políti-cas. “Considerando nossa realidadegeográfica de dimensão continental eo tema específico da deficiência naforma como historicamente vem sen-do tratado, chamo a atenção para anecessidade de medidas mais contun-dentes como a presença mais efetivado Estado para a garantia do sucessodessa política”, concluiu.

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SAÚDE DO IDOSO

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foto: Banco de Imagens virtual

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s procedimentos em rela-ção aos pacientes idososno Centro de TratamentoIntensivo (CTI) tendem aser executados sem dis-

cussão com os enfermos e com os res-ponsáveis, os quais têm estado alheios àmaioria das decisões e acolhem aquelastomadas pelos médicos de forma autori-tária”. A observação é da aluna do dou-torado em Bioética, Ética Aplicada eSaúde Coletiva da Escola Nacional de Saú-de Pública (Ensp/Fiocruz) Edna EstelitaCosta Freitas. De acordo com ela, vemaumentando rapidamente o número depacientes idosos com demência - inclusi-ve em grau avançado – necessitando decuidados no CTI. A partir disso, seu estu-do buscou desenvolver a Bioética de Pro-teção (BP) como modelo de tomada dedecisão moral na medicina clínica em re-lação ao paciente idoso vulnerado. Se-gundo Edna, os médicos intensivistasestão pouco familiarizados com os conhe-cimentos bioéticos necessários para lidarcom a conflituosidade moral implícita naprática durante os cuidados da interna-ção de pacientes geriátricos.

“Com frequência, os médicos sedefrontam com cenários em que se tor-na necessária a tomada de uma decisãodifícil, tanto em relação a diagnósticoscomo para condutas terapêuticas. Esseprocesso relativo a pacientes idosos re-mete à questão da alocação de recur-sos. A discussão moral pelos profissionaisde saúde, entretanto, corre o risco deficar restrita ao campo técnico da medi-cina para abordá-la. Assim sendo, fica aproposta de ampliar o campo do debatemoral a uma parcela maior da socieda-de. Este poderia ser o caso, por exem-plo, de uma política que não prolongassea qualquer custo a sobrevida sem quali-dade dos pacientes de CTI, que só leva

“Oao sofrimento evitável e ao aumento doscustos hospitalares”, explicou Edna.

Assim, na busca de solucionar con-flitos de decisão relacionados ao fim devida e, em algumas situações, de evitarum desnecessário prolongamento doprocesso de morrer, a aluna aponta queos decisores substitutos ou as DiretrizesAntecipadas (DA) podem contribuir paraproteção da autonomia prévia do paci-ente com demência avançada. Os Cui-dados Paliativos (CP) também colaboramcom o enfermo crítico e/ou terminal, como alívio de sintomas que tragam o sofri-mento evitável, pois têm como planeja-mento da assistência o controle de váriostipos de sintomas (físicos e psíquicos),considerando também os interesses exis-tenciais e as relações sociais.

A pesquisa indicou que os CP sãoimportantes para o contingente total depacientes críticos que estejam com sin-tomas que devem ser melhor maneja-dos, como desconforto respiratório, dor,delírio e constipação intestinal. “São im-portantes, igualmente, para os enfer-mos que apresentam necessidades deajuda para solucionar conflitos na to-mada de decisão moral do médico emrelação ao paciente”.

Para a aluna, em relação à consti-tuição dos CP, é importante aprofundaro conhecimento dos médicos intensivis-tas. Além disso, o engajamento do gru-po do CTI na discussão em relação àfinitude e à necessidade de tratamentocurativo, que em determinados casospoderá ser estéril, é fator que deve serdebatido nas várias situações que se es-tabelecem perante o paciente geriátricocom demência avançada. “É fundamen-tal elucidar que a proteção fornecida pormeio de ações paliativas demonstra quea terapia não é interrompida, mas contí-nua, no sentido de melhorar o desalento

de qualquer proveniência do enfermo”.Por conseguinte, o conceito novo é

a transformação da medicina intensiva,entendida, exclusivamente, no sentidocurativo tradicional, para o advento denovas condutas no sentido de amenizaros sintomas de desalento e desconfortono enfermo crítico, grave e/ou terminal.Entretanto, de acordo com Edna, é fun-damental enfatizar perante os intensivis-tas que os CP não contrariam e, também,não são incompatíveis com o CTI. “OCP ajuda no cuidado de pacientes críti-cos e/ou em fase terminal de vida admi-tidos no CTI. Conclui-se que qualquer queseja o processo de tomada de decisãomoral escolhido – por exemplo, os base-ados em princípios ou consequencialis-tas –, a BP terá sempre muito a contribuir,devendo, em determinadas situações, serconsiderada como complementar a ou-tras abordagens”.

A aluna defende que a Bioética deProteção deve ser difundida, por meioda educação, como disciplina do cursomédico, ou com o treinamento de mé-dicos discutindo casos conflituosos do CTI,pelo profissional de saúde com os comi-tês de bioética. “Institucionalmente, ascomissões de bioética devem contribuir,protegendo os interesses das populaçõesvulneradas frente ao não cumprimentodos direitos do paciente e, no âmbitomacropolítico, deve-se promover políti-cas públicas de incentivo aos CuidadosPaliativos (CP) e ao cadastro nacional deDiretrizes Antecipadas (DA)”, opinou.

Edna Estelita Costa Freitas tem gra-duação em Medicina pela FundaçãoTécnico Educacional Souza Marques(1989) e mestrado em Clínica Médicapela Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (2004). Sua tese de doutoradoteve a orientação do professor FerminRoland Schramm.

Amanda de Sá

Estudo defendebioética de proteção

do paciente idoso

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e que forma a discussãomultiprofissional de umcaso clínico pode interfe-rir na forma da equipeorganizar o seu trabalho?

Até que ponto a criação de um espaçocoletivo para discussão das dificuldadesda equipe pode produzir uma atençãoem saúde mais qualificada e integral?Essas questões ajudam a ilustrar como oInstituto Nacional de Saúde da Mulher,da Criança e do Adolescente FernandesFigueira (IFF/Fiocruz) vem organizandoseu novo modelo de gestão, pautado naPolítica Nacional de Humanização (PNH).

Criada em 2003 pelo Ministério daSaúde com o desejo de abrir um amplodebate sobre humanização no SistemaÚnico de Saúde (SUS), a PNH traz comoprincípio básico a inclusão e valoriza-ção dos diferentes sujeitos no processode produção da saúde, de forma ativae autônoma. Nesse sentido, tendocomo pilar principal a modalidade com-partilhada e participativa, o IFF vem,desde 2010, realizandoseminários, oficinas de for-mação continuada e pes-quisas internas com oobjetivo de mudar a lógi-ca de gestão tradicional-mente verticalizada.

“A escolha pelas dire-trizes da Política Nacional

Dde Humanização (PNH) veio ao encon-tro das novas demandas que surgiramcom a designação do IFF como InstitutoNacional. Para promover o redesenho ins-titucional, precisávamos da participaçãocoletiva, de uma equipe comprometida.Com a nova organização, menos hierar-quizada, conseguimos estimular aindamais a troca de experiências e a comuni-cação entre gestores, trabalhadores e usu-ários. A porta de entrada foi à assistência,mas estamos caminhando para ampliaras práticas da PNH para ensino, pesquisae gestão”, destaca o diretor do Instituto,Carlos Maciel.

As bases para a consolidação des-ses espaços de discussão coletiva, am-pliando, assim, a vocalização dediferentes atores, participantes dos pro-cessos de análise e decisão, se deu coma implementação de colegiados ges-tores, inicialmente na área da Aten-ção. “Com o apoio de consultores daPNH/MS, conseguimos, aos poucos,mudar não somente o organograma,

mas também a cultura doIFF como um todo”, afir-ma o pediatra EduardoNovaes, que liderou oprocesso de implantaçãoda PNH no Instituto.

“Percebemos que agestão compartilhada fezcom que as pessoas tra-

balhassem com maior afinco. A partirdo momento em que o sujeito participadas decisões, o seu comprometimentose torna mais palpável. Acabamos coma ideia de chefias de departamentos.Agora temos os gerentes das áreas, osquais têm a função de integrar e coor-denar as ações priorizadas pelo colegi-ado, ou seja, ele só vai executar o quefoi decidido pelo grupo daquela área emquestão”, destaca Novaes.

Organizados nas áreas de AtençãoClínico-cirúrgica à Mulher; Atenção Clí-nico-cirúrgica à Gestante; Atenção Clí-nica ao Recém-nascido; Atenção Clínica

“Com o apoio deconsultores da PNH/MS, conseguimos,aos poucos, mudarnão somente o orga-nograma, mas tam-bém a cultura do IFFcomo um todo”

Aline Cãmera

A contribuição da PNHna atenção à saúde

Gestãocompartilhada

ADMINISTRAÇÃO

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à Criança e ao Adolescente; AtençãoCirúrgica à Criança e ao Adolescente, oscolegiados possuem uma agenda defini-da de encontros. Sustentando as pautasque são levadas para o debate pelos gru-pos, a consultora da PNH no IFF, AndreiaThurler, procura auxiliar as equipes na apro-priação dos dispositivos da política.

“O apoio institucional é o métodoutilizado para sustentar todo o processode mudança institucional. Assim, cadaárea tem suas UPs, organizadas a partirde um processo de trabalho comum quearticula uma equipe multiprofissional, econta com apoiadores de referência para

ajudar os grupos nessaexperimentação de umoutro modo de fazer ges-tão e produzir saúde. Esses apoiadoressão profissionais que já articulavam as dis-cussões da humanização na unidade, as-sim como profissionais de alguns locaisestratégicos como o planejamento, recur-sos humanos, dentre outros”.

No que diz respeito à participaçãodo usuário, alguns espaços também es-tão sendo experimentados pelas equi-pes. Buscando estimular a participaçãodo paciente e de seus familiares na dis-cussão das situações vivenciadas duran-te a permanência no Instituto, rodas deconversa são utilizadas como espaçosde participação. Em uma dessas rodas,a paciente Rosimar Souza ficou à von-tade para apontar questões importan-tes sobre o seu atendimento: “Da últimavez que eu vim aqui a médica viu umamanchinha na minha mamografia. Naocasião, ela estava conversando comoutra profissional com uma linguagemtécnica e eu não consegui compreen-der o que se tratava. Na hora, eu nãotive a iniciativa de perguntar e fui paracasa cheia de dúvidas. Hoje, estou vol-tando para fazer outros exames e en-tão, terei a chance de esclarecer essasquestões”, afirmou a dona de casa.

As observações da paciente foramprontamente anotadas pela gerente do

Ambulatório da Área daMulher, Ana Lucia Tizi-ano e, posteriormente,

o caso foi discutido em um dos colegia-dos. “O caso apontado pela pacienteRosimar evidencia a importância do diá-logo e da comunicação clara durante oatendimento. Essa troca é muito rica,pois nos permite debater detalhes quemuitas vezes passam despercebidos. Agestão compartilhada tem ampliado nos-sa visão, nossa capacidade de negocia-ção e corresponsabilização, além delegitimar a tomada de decisão no servi-ço. É um processo repleto de desafios,de constante manejo diante das resis-tências. É, sem dúvida, uma oportunida-de de crescimento profissional e dedesenvolvimento das relações humanasna instituição”, afirmou Ana Lúcia.

Para o diretor do IFF, todos os esfor-ços estão valendo a pena. “Estamosencarando bem esse desafio. Toda mu-dança tem resistência, mas consideroque estamos vencendo bem isso. É gra-tificante pensar que outras instituiçõespodem se inspirar em nós e construir umagestão mais participativa e compartilha-da ao ter contato com a nossa experiên-cia. A gestão torna-se efetivamenteparticipativa porque inclui todos os en-volvidos, da Direção aos pacientes. Semdúvida, é mais fácil trabalhar em grupodo que sozinho”, conclui Maciel.

A gestão compartilhadatem ampliado nossa vi-são, nossa capacidadede negociação e corres-ponsabilização, além delegitimar a tomada dedecisão no serviço”‘‘

foto: comunicação IFF

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Graça Portela

om o intuito de colherrelatos de e sobre traba-lhadores da saúde quesofreram perseguições,violações, tortura, seques-

tros e assassinatos durante da ditaduramilitar do Brasil, a Comissão da Verdadeda Reforma Sanitária (CVRS) lançou, emjulho o Sistema de Informação da Co-missão (SISCVRS). O sistema permite aosusuários incluir seus relatos pela internet,celulares e tablets a partir do envio demensagem para o site. As informaçõessão reunidas e distribuídas em um mapade localização. Por meio dele, é possívelverificar, por exemplo, que já foram pos-tados 18 relatos, que mostram que a di-tadura atingiu duramente o setor desaúde de norte a sul do país: Acre (2),Brasília, (3), Mato Grosso do Sul (1), Pará(2), Pernambuco (1), Rio de Janeiro (3),Rio Grande do Norte (1), Rondônia (1),Rio Grande do Sul (1) e São Paulo (3).

Segundo Anamaria Tambellini, pre-sidente da CVRS, o sistema de cadastra-mento on-line dos relatos “ajuda a terum cadastro simplificado de violaçõesabrangentes para todo o país de casosacontecidos na saúde, que serão estu-dados com mais rigor a partir de depoi-mentos realizados a posteriori”. A ideiado cadastramento dos relatos on-line visaa incentivar o relato das pessoas que vi-ram, tomaram conhecimento ou partici-param de casos de parentes, vizinhos,conhecidos ou colegas de trabalho quesofreram qualquer forma de violênciapraticada pelo estado ou seus represen-tantes e aliados, como por exemplo,donos de empresas que tenham tido sa-las de interrogatórios ou oferecido no-mes de trabalhadores às forças derepressão”, explica a presidente.

O sistema é baseado na PlataformaUshahidi, uma iniciativa que nasceu noQuênia, em 2008, após um grande con-flito político, e visa a construção de con-teúdo colaborativo e o compartilhamentode informações, sendo utilizada pelaOrganização das Nações Unidas (ONU),a rede de televisão Al-Jazeera e o BancoMundial, dentre outras instituições. Elatambém é utilizada com o objetivo dedemocratizar a informação e como fer-

C

MEMÓRIA

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ramenta de ajuda humanitária, pois foiusada para facilitar o atendimento aosferidos no furacão que atingiu o Haiti,em 2010, e para a coleta de informa-ções nos conflitos na Líbia.

O destaque fica para a facilidadede preenchimento dos dados, onde apessoa necessita apenas cadastrar umlogin (neste caso, o número do CPF) ea senha; a seguir, ela deverá preencheros campos de informação. O sigilo é ga-rantido, pois por questões de seguran-ça e privacidade – os dados pessoas dequem cadastrou o seu relato não sãoexibidos. O sistema da CVRS permiteapenas que informações parciais, paraefeito de consulta genérica, sejam mos-tradas. A partir daí é atualizado o mapa,com a localização de onde ocorreramos casos. Por exemplo, alguém que atu-almente more em Pernambuco, masque na época da ditadura militar esta-va trabalhando em Porto Alegre, podeenviar o seu relato, tomando por baseo local onde ocorreu a violação.

Sigilo eprivacidade

“Não temos ideia sobre o número,tipo, forma, responsabilidades e conse-quências das violações acontecidas aostrabalhadores(as) da saúde, espalhadospor todo o território brasileiro”, afirmaAnamaria, “sabemos que os registrosexistentes não dão conta da totalidadedas ocorrências, daí a importância daidentificação dos casos espalhados pelopais”, complementa.

No sistema, utilizado pela comissão,os depoimentos são classificados por ca-tegorias de violação, como detenção ouprisão arbitrária, desaparecimento for-çado, homicídio, ocultação de cadáver,perseguição política, sequestro, torturae maus tratos, utilização forçada de pes-soa e violação sexual. O sigilo é garan-tido, pois não são exibidos – porquestões de segurança e privacidade –os dados pessoais de quem cadastrou oseu relato, o sistema permite apenas queinformações parciais sejam exibidas,transformando o mapa em um instru-mento de pesquisa para aqueles que seinteressam pelo assunto.

Dos relatos que háno site, é possível iden-tificar alguns tipos de cri-mes bastante comunsno período ditatorial mi-litar, que compreende1964 a 1985, sendo quemuitos deles ocorriam si-multaneamente com asvítimas, como é o casodos sequestros (sete re-latos) com detenção ouprisão arbitrárias (cincocasos) e tortura e maustratos (cinco ocorrências),por exemplo. Outro dadointeressante no relatórioé que a ditadura militaratingia indiscriminada-mente homens e mulhe-res, independentementeda idade, e que o ano1964 foi o mais cruelpara as vítimas que fi-zeram os seus relatos(com 12 ocorrências detodos os tipos de violên-cia). Já o último ano deregistro, até o momen-to, foi o de 1972, comum sequestro.

Cada registro feitoserá analisado pelos in-tegrantes da Comissãoda Verdade da ReformaSanitária e a pessoa seráconvidada a dar o seudepoimento aberto ousigiloso (a pessoa deci-dirá). “Os relatos on-linefacilitarão o trabalho daComissão, porque iden-tificarão casos, darãouma versão simplificadadeles e fornecerão loca-lizações, endereços quedeveremos procurarpara solicitar e realizaros depoimentos – oraisou gravados – com ossobreviventes, parentesou amigos dos falecidos,testemunhas que con-cordarem em contar asua experiência”, expli-ca Anamaria.

Para incluir os relatos ou saber mais sobre aCVRS, as pessoas devem acessar o site da CVRS,(http://cvrs.icict.fiocruz.br) ou pelo seu Fa-cebook – CVRS Abrasco Cebes. A comissão, quefoi criada pela Associação Brasileira de Saúde Co-letiva (Abrasco) e pelo Centro Brasileiro de Estu-dos de Saúde (Cebes), conta com o apoio doInstituto de Comunicação e Informação Científi-ca e Tecnológica em Saúde (Icict), da Escola Na-cional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), doSindicado dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN) e da Comissão da Verdade Rio, e tem núcle-os na Bahia, no Distrito Federal, em Mato Grosso,no Pará, no Paraná, em Pernambuco, em SãoPaulo e no Rio de Janeiro.

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INFORMAÇÃO

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mais recente iniciativadas Bibliotecas Virtuaisem Saúde da Fiocruz foio lançamento do editaldo Programa de Apoio às

BVS’s, que teve seu resultado divulga-do em setembro. O programa, sob co-ordenação da Vice-Presidência deEnsino, Informação e Comunicação(VPEIC) e do Instituto de Comunicaçãoe Informação Científica e Tecnológicaem Saúde (Icict), visa incentivar, apoiare promover iniciativas que colaborempara a inovação, manutenção, desen-volvimento e a integração dos serviçose produtos das bibliotecas. Foram apre-sentados, ao todo, onze projetos, cadaum desenvolvido por uma BVS.

A vice-presidente de Ensino, Informa-ção e Comunicação da Fiocruz, NísiaLima, conta que a ideia de se lançar oedital surgiu no Fórum da Rede Brasilei-ra de Bibliotecas Virtuais em Saúde, rea-lizado em 2013, na Fiocruz. Segundo ela,a iniciativa foi pensada como elementode estruturação da pesquisa na Funda-ção, servindo de apoio à investigaçãocientífica e como componente importan-te para a articulação entre os grupos depesquisa e para a comunicação científi-ca dos resultados de seus estudos. “AsBibliotecas Virtuais em Saúde são ummeio fantástico para a divulgação da ati-vidade científica e são, em si mesmo,um ambiente de pesquisa importante.Foi esse espírito que nos levou a lançar oedital, que foi construído de formacompartilhada”, explica. Para a concre-tização das propostas elaboradas pelasbibliotecas, será destinado o total de280 mil reais nos próximos dois anos.

Os projetos apresentados visaramentender as atividades das unidades daFiocruz destinadas ao apoio às bibliote-cas, avaliar a participação das bibliote-cas físicas às atividades das BVS’s edesenvolver ações de divulgação em proldo desenvolvimento das Bibliotecas Vir-tuais em Saúde. As propostas foramelaboradas com base nas seguintes te-máticas: estudo de usuários, representa-ção temática, educação continuada,

Ainovação tecnológica, ações para divul-gação das bibliotecas e História e me-mória das BVS’s. “Nossa ideia não erafazermos um edital individual ou com-petitivo, mas que favorecesse ao máxi-mo o compartilhamento e a consolidaçãodas experiências das bibliotecas. Ao de-senvolverem suas propostas, as BVS’sconvergiram para ações principalmentede divulgação das bibliotecas e tambémde inovação tecnológica, pensando eminterfaces mais amigáveis com os pes-quisadores e o público em geral”, desta-ca a vice-presidente.

Para Nísia, as Bibliotecas Virtuais emSaúde desempenham papel fundamen-tal na divulgação científica voltada nãosomente a pesquisadores e gestores,mas também a um amplo conjunto decidadãos interessados na informação emsaúde. Um exemplo dessa característi-ca peculiar das BVS’s, segundo ela,pode ser observado na Biblioteca Virtu-al Carlos Chagas, onde chegam con-sultas de ordem médica que, porescaparem à responsabilidade da bibli-oteca, acabam sendo encaminhadas aoInstituto Nacional de Infectologia Evan-dro Chagas (INI-Fiocruz). “As BVS’s têmessa interface com o público, que émuito importante. Elas mesmas geramnovos conhecimentos tanto pela inter-face com grupos de pesquisa como comos pesquisadores”, reforça Nísia.

Após a concretização das propos-tas apresentadas pelas Bibliotecas Vir-tuais em Saúde, a ideia é, segundoNísia, fazer um balanço da experiên-cia e potencializar, junto às agênciasde fomento, o apoio regular às biblio-tecas. “Entre outras ações, pensamosem sugerir que os editais lançados peloDepartamento de Ciência e Tecnolo-gia (DECIT), da Secretaria CiênciaTecnologia e Insumos Estratégicos (ins-tância do Ministério da Saúde respon-sável pelo incentivo ao desenvolvimentode pesquisas em saúde), contemplemmais a área de pesquisa em informa-ção em saúde, com destaque para agestão do conhecimento e programascomo o das BVS”, adianta.

Danielle Monteiro e Renata Moehlecke

BVS FiocruzCoordenada pela Fiocruz em con-

junto com a Universidade de São Pau-lo (USP) e a Universidade Federal daBahia (UFBA), a primeira Biblioteca Vir-tual em Saúde (BVS) no Brasil surgiuem 1998, com a temática Saúde Pú-blica. “Na época, a criação da BVSSaúde Pública foi uma iniciativa inova-dora, pois possibilitou um recorde te-mático dentro do contexto da Lilacs,que é o mais importante e abrangenteíndice da literatura científica e técnicaem saúde da América Latina e Caribe,com metodologia desenvolvida em1985”, explicou coordenadora da Redede Bibliotecas da Fiocruz, Fátima Mar-tins. A partir dessa experiência, o mo-delo BVS, proposto pelo CentroLatino-americano e do Caribe de Infor-mação em Ciências da Saúde (Bireme)da Organização Pan-Americana daSaúde (Opas), foi amplamente copia-do no país e outras temáticas tambémganharam seus espaços virtuais.

Em 2006, a Fundação criou a BVSFiocruz para congregar as iniciativasque estavam sendo originadas de for-ma fragmentada em suas unidades.“O Instituto de Comunicação e Infor-mação Científica e Tecnológica emSaúde (Icict/Fiocruz) percebeu que acriação de uma BVS institucional po-deria organizar cada uma das bibliote-cas virtuais dentro do modelo de redesugerido pela Bireme e, assim, ajudara construir de forma colaborativa umarede brasileira de informação em ciên-cias da saúde, reunindo o material dis-ponível em bibliotecas físicas deuniversidades e em institutos de pes-quisa como a própria Fiocruz”, comen-tou Luciana Danielli, coordenadora daBVS Fiocruz.

Hoje, com o apoio do Ministérioda Saúde e visando à ampliação dolivre acesso à informação em saúde, aFundação coordena 13 BVSs, dez te-máticas e três biográficas, reunindopublicações de várias instituições e re

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des acadêmicas. “A BVS Fiocruz fun-ciona como uma espécie de secretariaexecutiva dessas bibliotecas virtuais,sendo responsável pelo desenvolvimen-to metodológico e tecnológico, seja emtermos de organização, criação, desen-volvimento e instalação, como tambémno que se refere a capacitação e trei-namento de profissionais, além da or-ganização de reuniões dos comitêsconsultivos e executivos, que são o cor-po da formação do trabalho cooperati-vo de uma BVS”, esclareceu Luciana.

A coordenadora da BVS Fiocruz, ain-da atentou para o fato de que, para exis-tirem, as BVSs dependem da integraçãodo trabalho de duas ou mais bibliotecasfísicas que, independente da localizaçãogeográfica, tornam-se conectadas pelaárea de conhecimento. “No caso da BVSintegralidade em Saúde, o projeto de-pendeu de uma parceria da Fiocruz coma Universidade Estadual do Rio de Janei-ro (Uerj): as instituições mapearam o co-nhecimento na temática em seus acervosfísicos e nós o organizamos tecno e me-todologicamente”, exemplificou.

Fátima acrescenta que a atual am-pliação do número de BVSs tem apre-sentado desafios para os procedimentosde indexação das informações nas bi-bliotecas físicas. “Cada vez mais temsido necessário investir na formação dosprofissionais da área de informação,responsáveis por selecionar e replicar oacervo das bibliotecas físicas em outrasfontes dentro de determinados padrõesde qualidade”, explicou a coordenado-ra da Rede de Bibliotecas da Fiocruz.“O sistema a ser alimentado está cadavez mais complexo, pois é preciso queo profissional perceba que determina-do material pode tem ligação com di-versas BVSs que, por sua vez, sãodestinadas a públicos diferenciados”.

No que se refere à escolha das te-máticas, Luciana elucida que tudo de-pende da necessidade de uma área deconhecimento organizar e dar maior vi-sibilidade a sua produção de informaçãocientífica em ciências da saúde. “Umadas oportunidades da BVS é permitir quedeterminada produção possa ser organi-zada dentro de um único espaço, mes-mo que de forma referencial e, somentemais tarde, o texto completo seja dispo-

nibilizado. Além de livros e teses, essesespaços podem reunir folhetos, revistas,relatórios técnicos, de pesquisa, disser-tações de mestrado etc., em um proces-so diferenciado do encontrado em basesde dados internacionais”, explicou.

Fátima acrescenta que, nas BVSs,muitas vezes, o material é referencialdevido também a dificuldades no pro-cesso de digitalização. “A maior barrei-ra para digitalizar e disponibilizardeterminado material são os direitos au-torais. Temos, por exemplo, na Bibliote-ca de Saúde Pública da Fiocruz, acoleção inteira d’O Pasquim [famoso jor-nal de bairro carioca semanal que circu-lou de 1969 a 1991]. Podemos digitalizare disponibilizar para consulta dentro daprópria biblioteca, mas para passar essematerial para a BVS, somente obtendoautorização de todos os jornalistas e co-lunistas que escreveram na publicação,o que torna o processo infindável. Noentanto, em outros casos, a atual Políti-ca de Acesso Aberto da Fiocruz tem aju-dado a dar conta disso”, concluiu.

Cenário atualEm 2013, a Fiocruz sediou o 1º Fó-

rum da Rede BVS Brasil, que comemo-rou os 15 anos da Biblioteca Virtual emSaúde Pública. Na ocasião, os represen-tantes da Rede BVS Brasil analisaram ocenário atual da rede no país e debate-ram as perspectivas em prol de seu for-talecimento e da autossustentabilidade.“A ideia era promover o avanço das BVSspor meio de uma maior integração, tro-ca de experiências e trabalho colabora-tivo, com base em quatro perspectivaschave: governança, editais de fomento,publicações e critérios de seleção de in-formações. Além disso, começamos aestabelecer as bases para estudos sobreusuários e acesso à informação”, rela-tou Luciana. “Vimos que as instituiçõesestão estimuladas a dar continuidade aotrabalho compartilhado, e dispotas a pen-sar juntas de que forma podem potenci-alizar a colaboração. No Brasil, é difícilmanter um trabalho em rede: é quaseuma militância em defesa do progressoe da continuidade das BVSs”.

Também no ano passado, em fun-ção das comemorações dos 25 anos do

Sistema Único de Saúde (SUS) e dos 10anos da morte do sanitarista Sergio Arou-ca, a equipe da BVS Fiocruz atualizou aBVS dedicada ao pesquisador. Forammais de 500 novos títulos que incluíramo vídeo restaurado do discurso do Arou-ca na 8ª Conferência Nacional de Saú-de, marco da criação do SUS, e o acervodos jornais A proposta e Dados, e dasrevistas Cema e Súmula, que deram ori-gem a atual Revista Radis da Fiocruz.“Uma biblioteca virtual não é estanque.A atualização de conteúdos é frequen-te, mesmo sendo bibliografia. Os estu-dos sobre o pesquisador e sua obracontinuam; descobrem-se outros docu-mentos que podem ser inseridos. Nocaso do Arouca, recebemos doações depastas com diversos documentos que eleusou em sua gestão como presidenteda Fundação, além de convites, tele-gramas e outros itens históricos. É a partirdesses espaços que o usuário, que an-tes nem tinha conhecimento dessesmateriais, pode ter acesso a esse con-teúdo”, destacou Luciana.

Agora, de acordo com Luciana, umadas metas para a BVS Fiocruz é conse-guir a certificação pela Bireme de cadaum dos 13 espaços virtuais que a Fio-cruz coordena. “Até o momento, qua-tro BVSs já são certificadas [BVSDoenças Infecciosas e Parasitárias, BVSEducação Profissional em Saúde, BVSIntegralidade em Saúde e BVS AdolphoLutz], as outras nove estão ainda em de-senvolvimento”, afirmou a coordenado-ra. “Temos mais três projetos piloto: aBVS Pensamento Social, fruto de umaparceria com CNPq [Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecno-lógico] e a Casa de Oswaldo Cruz [COC/Fiocruz], e a BVS Carga de Doenças,sugerida pela Escola Nacional de SaúdePública [Ensp/Fiocruz], que visa avaliar oimpacto que uma doença pode ter nasociedade, com base em fatores econô-micos e sociais e dentro de uma pers-pectiva epidemiológica, e ainda, a BVSInovação e Propriedade Intectual”.

A BVS Fiocruz também tem partici-pado de cooperações no âmbito inter-nacional, que tem como objetivofornecer conhecimento técnico para agestão e o desenvolvimento de bibliote-cas e redes de saúde a profissionais de

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outros países. “Junto com a Rede de Bibli-otecas da Fiocruz, temos dado suporte aoInstituto Nacional de Saúde de Moçambi-que e ao Instituto de Medicina Tropical eHigiene de Lisboa [Portugal]”, contou Lu-ciana. “A intenção é que nossa experiên-cia ajude a desenvolver a rede colaborativa

Conheça asBVS FiocruzTemáticas:

BVS Saúde Pública

BVS Aleitamento Materno

BVS Doenças Infecciosas eParasitárias

BVS Educação Profissionalem Saúde

BVS Integralidade em Saúde

BVS História e PatrimônioCultural da Saúde

BVS Violência e Saúde

BVS Envelhecimento

BVS Determinantes Sociaisem Saúde

BVS Bioética e Diplomaciada Saúde

Biográficas:

BVS Adolpho Lutz

BVS Carlos Chagas

BVS Sergio Arouca

Além das bibliotecas, o acervoacadêmico da instituição tambémestá reunido em dois ambientes vir-tuais: um é o Repositório Institucio-nal (Arca) e outro é a Base de Tesese Dissertações. O Arca, lançado em2011, reúne e oferece acesso a arti-gos científicos, teses e dissertações,relatórios técnicos, vídeos e todo umconjunto de conteúdos digitais ori-ginários da pesquisa, do ensino e dodesenvolvimento tecnológico da Fi-ocruz. O Portal de Teses e Disserta-ções informa sobre o conteúdoacadêmico produzido na Fundação,oferecendo parte dos artigos em PDF.

Acervo acadêmicoFiocruz

ePORTUGUÊSe, uma iniciativa da OMS[Organização Mundial da Saúde] paraestabelecer uma rede de informação emsaúde nos oito países de língua portugue-sa [Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bis-sau, Moçambique, Portugal, São Tomé ePríncipe, e Timor-Leste]”.

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omo parte do 3º Fórumdas Bibliotecas Virtuais emSaúde da Fiocruz e Encon-tro da Rede de Bibliotecas,promovido pelo Instituto

de Informação Científica e Tecnológicaem Saúde (Icict/Fiocruz), a Fundação re-alizou, em outubro, a palestra e mesa-redonda Ciência aberta, direito autorale Política de Acesso Aberto ao Conheci-mento. O evento foi iniciado com a apre-sentação sobre as bibliotecas e os direitosautorais, conduzida pelo professor do Ins-tituto Três Rios da Universidade FederalRural do Rio de Janeiro (ITR/UFRRJ), AllanRocha de Souza. Rocha reforçou que oAcesso Aberto produz uma série de efei-tos sobre a pesquisa e o ensino, entreeles, a produção de conhecimento, a dis-seminação da produção em língua por-tuguesa e o suprimento de necessidadesgeradas por um robusto e qualificadoconjunto de material científico de aces-so digital, livre, acessível e legal. Ele aten-tou ainda que as bibliotecas assumemdiversas funções diante deste cenário. “Asbibliotecas devem organizar e exempli-ficar as dificuldades enfrentadas pelas ins-tituições no exercício de suas funções,obter apoio institucional dentro do espec-tro legal definido pela jurisprudência,exercer pressão sobre os poderes políti-cos para a efetivação das mudanças le-gais necessárias ao próprio exercício dasatividades e promover ações judiciais,direta ou indireta, via órgãos representa-tivos”, defendeu.

O vice-diretor de Informação e Co-municação do Icict/Fiocruz, Rodrigo Mur-tinho, que na ocasião falou sobre a Políticade Acesso Aberto ao Conhecimento daFiocruz, destacou que, apesar de existirno Brasil uma política governamental deacesso à informação, o país carece deuma legislação e política de Estado quegarantam o livre acesso à produção cien-tífica. O que há, por enquanto, segundoele, são iniciativas de universidades, cen-tros, institutos de pesquisa e redes de co-operação nacionais que desenvolvemações e projetos relacionados ao acessoaberto. “De uma forma geral, podemos

Cafirmar que ainda existe um déficit no re-conhecimento, por parte do Estado, dodireito à informação como um direito hu-mano fundamental”, alertou.

Segundo o vice-diretor, o tema ga-nhou destaque na Fundação com a apro-vação, em março desse ano, da Políticade Acesso Aberto ao Conhecimento. Noentanto, esse novo cenário, de acordo comMurtinho, traz uma série de desafios paraa Fundação, como a articulação de suasdiversas instâncias para a consolidação daPolítica, o compartilhamento de seus di-ferentes acervos e a potencialização dasatividades de ensino no campo da saúde.Ele adiantou que, para incrementar aPolítica de Acesso Aberto ao Conhecimen-to da Fiocruz, o Icict vai dar início a umprojeto, contemplado no edital Jovem Ci-entista/Papes VII, para mapear o uso daliteratura científica em seus cursos de pós-graduação, com o objetivo de recuperare compartilhar obras com dificuldades deacesso e disponíveis em acesso aberto.“Nosso objetivo inicial é compreendercomo docentes e discentes vêm acessan-do e utilizando a literatura científica, so-bretudo as obras disponíveis em acessoaberto, e mapear livros, teses e disserta-ções com dificuldade de acesso. A partirdesse mapeamento, vamos recuperar, re-editar e compartilhar livros esgotados, te-ses e dissertações indisponíveis para acessoonline, e reunir obras em acesso abertodispersas na internet”, explicou.

Ciência AbertaA palestra Ciência Aberta em Ques-

tão, ministrada pela pesquisadora e pro-fessora do Programa de Pós-Graduaçãoem Ciência da Informação da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),Sarita Albagli, abordou as consequên-cias e os desafios do Acesso Aberto aoConhecimento. A pesquisadora desta-cou que a ciência aberta traz uma sériede vantagens, entre elas, aumento dosestoques de conhecimento público,maior produtividade científica e de ino-vação e ampliação do retorno social dosinvestimentos em C&T.

Segundo Sarita, as modalidades deciência aberta se dividem em: acesso

Danielle Monteiro aberto a publicações científicas, educa-ção aberta, dados científicos abertos, fer-ramentas científicas abertas, ciênciacidadã e cadernos científicos abertos.Ela destacou que o Acesso Aberto trazuma nova agenda de direitos e exigenova postura das bibliotecas, sendo ne-cessário que elas atuem coletivamentepara enfrentar as novas questões da co-municação científica, que exploremnovos modos de compartilhamento dainformação, envolvendo seus stakehol-ders, e que participem e intervenhamno discurso político e na legislação.

Ainda segundo Sarita, é preciso tam-bém que as bibliotecas trabalhem juntase de modo não hierárquico com comu-nidades de informação e aprendizado,que promovam não apenas o acesso e aproteção de ideias, mas também facili-tem sua criação, compartilhamento esustentabilidade e que sejam direciona-das não somente a comunidades aca-dêmicas mais próximas, mas também acomunidades difusas de conhecimento.“O Acesso Aberto traz novas missões,metas, estruturas organizacionais e deautoridade e formas de comunicação,além de novas agendas de pesquisa, oque demanda a documentação e a ava-liação dos impactos desses esforços e oestudo de formas de governança, ges-tão e financiamento”, concluiu.

Direito à informaçãoAcesso Aberto ao Conhecimento é tema de encontro da BVS Fiocruz e da Rede de Bibliotecas da Fundação

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foto: Peter Elicciev

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s demandas judiciais porbens e serviços de saú-de contra o SUS têmaumentado nas últimasdécadas, em todas as

esferas de governo. Uma parcela sig-nificativa corresponde a ações indivi-duais com demandas por medicamentos– para hepatite C, transtornos mentais,doença de Alzheimer, doença de Pa-rkinson, doenças genéticas, neoplasi-as etc. Esse fenômeno – que provocauma tensão entre o Judiciário e o SUS– é analisado em um capítulo do livroAssistência farmacêutica: gestão e prá-tica para profissionais da saúde, lança-do pela Editora Fiocruz.

“As demandas judiciais por medi-camentos são consideradas um dosgrandes desafios para o SUS, pois, setêm o efeito positivo de garantir o aces-so, especialmente quando há problemasde abastecimento ou atraso na incor-poração de medicamentos, por outrolado, podem gerar efeitos negativos”,avaliam os autores do capítulo, a pes-quisadora Vera Lúcia Edais Pepe, daEscola Nacional de Saúde Pública (Ensp/

AFernanda Marques

JUDICIALIZAÇÃO

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Fiocruz), e o professor Francisco de As-sis Acúrcio, da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG).

Quando, na ação judicial, o medi-camento demandado e sua respectivaindicação terapêutica estão de acordocom as listas oficias e os protocolos clí-nicos do SUS a demanda judicial podeser motivada pela dificuldade de aces-so, causada por desabastecimento, pro-blema de gestão ou mesmo falha decomunicação entre os envolvidos –médicos, pacientes e gestores públicos– a respeito de como obter aquele me-dicamento. Contudo, muitas vezes, osmedicamentos demandados judicial-mente não constam nas listas oficiaisdo SUS ou, se constam, são demanda-dos para indicações terapêuticas distin-tas daquelas explicitadas nos protocolosclínicos do SUS. Nesses casos, quandoa resposta judicial exige o fornecimen-to dos medicamentos, sem uma análi-se mais rigorosa do caso concreto, podecomprometer os princípios do SUS, es-pecialmente os da equidade, integrali-dade e universalidade, bem como agestão da assistência farmacêutica.

Outro risco é que, por ordem judi-cial, sejam fornecidos medicamentospara usos ainda sem evidências cientí-ficas de sua eficácia ou segurança. Esse

uso inadequado dos medicamentos,além dos custos financeiros, pode acar-retar danos à saúde dos demandantes.Depois que a exigência judicial é cum-prida, nem sempre são monitorados oseventuais agravos nem os possíveisbenefícios associados ao uso do medi-camento fornecido.

O cenário de crescente demandajudicial por medicamentos é, portanto,bastante complexo. “Duas questões sãocentrais para os operadores da justiça eda saúde: a necessidade de saúde e ainsuficiência de acesso da população, eo imperativo de lucro dos produtores demedicamentos, que atuam de variadasformas para oportunizar a incorporaçãode ‘novos’ medicamentos, usualmentemais caros e nem sempre com resulta-dos na saúde que justifiquem sua incor-poração ao SUS”, afirmam os autores.

Vera Lúcia e Francisco chamam aatenção para o fato de que o cresci-mento das demandas judiciais pode es-tar associado a pressões sociais eeconômicas oriundas, em especial, daindústria farmacêutica. Essas pressõestêm sido responsáveis pela medicaliza-ção da vida, em que dificuldades antesconsideradas normais – como dificulda-de de concentração, timidez etc. – pas-sam a ser definidas como problemas

médicos, tratáveis com medicamentos.A indústria farmacêutica ainda exerceuma pressão no sentido de que medi-camentos já disponíveis no mercado paradeterminados usos terapêuticos sejamaprovados também para outros usos, oque potencializa os lucros.

Todos esses fatores demonstram aimportância de uma maior aproxima-ção entre os operadores do direito e osgestores do SUS, de modo que o apoiotécnico mútuo favoreça meios extraju-diciais para a solução dos conflitos, oque não só minimizaria os custos dasdemandas judiciais, como tambémmelhoraria o acesso aos medicamen-tos. Antes que qualquer processo sejaajuizado, recomenda-se, por exemplo,a consulta prévia quanto à disponibili-dade no SUS de medicamento similarao demandado. Nos casos em que nãose consiga uma solução administrati-va, é necessário um maior refinamen-to da documentação médica nosprocessos, como a inclusão de laudos,exames etc. Igualmente, as respostasa esses processos necessitam de umembasamento técnico-científico paraque se evitem distorções, como o for-necimento de medicamentos ainda emfase experimental ou não adequado àdoença demandada.

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or um lado, um me-lhor entendimento dostranstornos mentaisque acometem crian-ças e adolescentes, as-

sim como uma ampliação do acesso aostratamentos. Por outro, uma banaliza-ção de determinados diagnósticos e umaênfase excessiva nos medicamentoscomo principal instrumento terapêutico.Assim pode ser descrito o atual panora-ma da psiquiatria infantil e juvenil, se-gundo o médico Rossano Cabral Lima,professor do Instituto de Medicina Soci-

Presume o médico psiquiatra.

Entretanto, no cenário atual, é preci-so cautela para que crianças não sejamreduzidas a diagnósticos psiquiátricos. “Aelaboração de uma hipótese diagnósticaque oriente o profissional não deve tomaro lugar do respeito à singularidade de cadacriança. Assim, o diagnóstico do transtor-no deve ser sempre articulado ao diag-nóstico situacional mais amplo, que leveem conta o contexto de vida, a históriapessoal, as relações familiares, a históriados pais, a escola, entre outras variáveis”,recomenda o autor.

al da Universidade do Estado do Rio deJaneiro (IMS/Uerj). Ele é autor de umcapítulo dedicado ao tema que integraa coletânea Políticas e cuidado em saú-de mental, lançada pela Editora Fiocruz.

Rossano busca retirar da invisibili-dade os problemas de saúde mentalde crianças e adolescentes. “É impor-tante reconhecer que os transtornosmentais infantis e juvenis são frequen-tes, causam sofrimento, prejuízos nasociabilidade e limitações no desenvol-vimento, podem persistir na vida adul-ta e são potencialmente tratáveis”,

Fernanda Marques

SAÚDE MENTAL

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O papeldos adultos

De acordo com Lima, o cuidado coma criança inclui uma atenção especialpara os adultos ao seu redor, notadamen-te pais, responsáveis e professores. “Essevínculo é tão intenso que, muitas vezes,intervenções que fazemos durante a con-versa com os pais ou a escola repercu-tem positivamente no comportamento enas emoções da criança”, avalia.

Frequentemente, a procura peloserviço de saúde está relacionada a umadificuldade dos pais sobre como lidarcom o filho (ou a filha), e não a umproblema da criança. “Mesmo quandohá um sintoma claro apresentado pelacriança, é importante pesquisar que li-gações seus problemas podem ter comos pais. Dito de outra maneira, o sinto-ma da criança pode nos comunicar algo,de modo inconsciente, a respeito do parmãe-pai ou outras pessoas que ocupemessa função”, analisa. Ainda segundoo autor, quando a criança é acolhidaem tratamento, o objetivo é ampliar oslaços sociais e reduzir o sofrimento, enão moldá-la a um padrão predefinidode ‘normalidade’”.

O ‘normal’na história

Não é tão simples definir o que é‘normal’ e o que é um transtorno. “Nemtudo que ‘vai mal’ na vida emocional,relacional ou no comportamento de umacriança corresponde a um transtorno psi-quiátrico”, alerta o psiquiatra. Além dis-so, a fronteira que separa o ‘normal’ do‘patológico’ não é fixa: ela está em cons-tante movimento, não só por conta dosnovos conhecimentos médicos, mas tam-bém – e principalmente – devido àstransformações sociais. “A masturbação,que no século 19 era considerada comoa origem dos mais diversos males físicose mentais na juventude, deixou de sê-lono decorrer do século 20, à medida quea sociedade e a medicina assumiram umanova postura e compreensão a respeitoda sexualidade na infância e adolescên-cia”, exemplifica.

Aliás, a própria definição de infân-cia não é absoluta, isto é, depende docontexto sócio-histórico. “A infância,como nós a concebemos hoje, nemsempre existiu. Essa afirmação podeparecer estranha à primeira vista, masé fácil de entender. Na Europa, até oséculo 12, os pequenos eram mistura-dos aos adultos assim que dominavama linguagem e adquiriam um mínimode força física”, conta Lima.

Somente após a Idade Média a in-fância emergiu como um período espe-cífico da vida. E passou a ser associadaaos ideais de felicidade, inocência, pu-reza e beleza. Essa idealização dificul-tava o reconhecimento de que criançastambém padeciam de infelicidade, so-frimento e doença mental. E durantemuito tempo não houve preocupaçãocom o estudo das especificidades dostranstornos mentais na infância. Tantoque uma psiquiatria infantil só começaa surgir a partir da década de 1930.

Já no final dos anos 1980, a psiqui-atria infantil foi afetada pelo fenômenoda ‘medicalização’, se aproximando daracionalidade do restante do campomédico e privilegiando os aspectos bio-lógicos dos problemas mentais. Comoconsequência, aumentou o número dequadros considerados tratáveis por meiode medicamentos, inclusive com a ‘cri-ação’ e disseminação de ‘novos’ trans-tornos, como a síndrome de Asperger,o transtorno de déficit de atenção e hi-peratividade (TDAH), o transtorno de-safiador de oposição etc.

Uma políticaem curso

Embora, atualmente, ocorra umadose de banalização de determinadosdiagnósticos, a prevalência de transtor-nos mentais em crianças e adolescen-tes pode ser considerada alta: ela sesitua, em geral, entre 10% e 20%.Estudos brasileiros identificaram algunsfatores de risco para o desenvolvimen-to desses transtornos, como condições

socioeconômicas desfavoráveis, puni-ções físicas e discórdias no interior dafamília. Ou seja, crianças e adolescen-tes submetidos a situações de violên-cia urbana ou doméstica estão maisvulneráveis aos transtornos mentais.

Para acolher crianças e adolescentescom transtornos mentais, assim como suasfamílias, o SUS oferece o Centro de Aten-ção Psicossocial Infantojuvenil (Capsi).Dados de 2012 apontavam cerca de 160desses centros no Brasil, quase metadedeles no Sudeste. Ou seja: embora a co-bertura ainda fique aquém do necessá-rio, já está em curso no país a implantaçãode uma política pública de saúde mentaldirigida a crianças e adolescentes.

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RESENHA

Aficionado por fotografia,Oswaldo Cruz resolveucontratar, no ano de1903, Joaquim Pinto daSilva, com o objetivo de

registrar uma Fundação ainda em for-mação. Ao aceitar o trabalho, J. Pintoacabou se tornando o responsável porgrande parte do atual acervo históricoda Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fio-cruz), que hoje contém nove mil ne-gativos em vidro e seis mil fotosimpressas. Muitas das imagens feitaspelo fotógrafo, inclusive algumas iné-ditas, estão agora disponível no livroVida, engenho e arte – o acervo histó-rico da Fundação Oswaldo Cruz. Or-ganizada por Fábio Iglesias, PauloRoberto Elian dos Santos e Ruth B.Martins, a obra reúne, além do ricomaterial produzido nos primeiros anosda instituição, imagens atuais, de au-toria de Bruno Veiga.

A obra está dividida em cinco ca-pítulos escritos por dez autores: Mo-numentos à ciência , Saúde emimagens, Coleções bibliográficas, Aescrita da ciência e Museus em Man-guinhos. Em suas páginas, o leitorpode encontrar centenas de fotogra-fias que mostram cenas do início doséculo 20 até os dias atuais. Dentreos destaques, encontram-se fotos daconstrução do Castelo Mourisco emManguinhos e de antigas instalaçõesque já não existem mais, como o aqu-ário da Fiocruz onde os cientistas es-tudavam micro-organismos aquáticos(o espaço era ligado à Baía de Gua-nabara por uma tubulação subterrâ-nea). Outras imagens trazem artigosde coleções museológicas, persona-gens da história da Fundação, cenári-

Trajetória da Fiocruz emregistros fotográficos

Também ilustrado com documentos históricos,livro revela imagens do acervo da instituição

os diversificados na instituição, docu-mentos textuais e iconográficos, den-tre mais detalhes.

“O trabalho de J. Pinto no gabine-te fotográfico, concebido sob a inspi-ração de Oswaldo Cruz, é uma dasmarcas – felizmente preservadas – doacervo da Fiocruz. Mas a pujança dafotografia não se encerra ali, pois ga-nha maior dimensão quando nos de-paramos com as imagens dos arquivosda Fundação Rockefeller e Serviços deSaúde Pública e de diversos sanitaris-tas, médicos e cientistas”, relatam osorganizadores na apresentação daobra. “Na concepção original do livro,também idealizamos a produção defotos atuais das edificações históricas,um olhar contemporâneo de alguémque, ao caminhar pelo campus deManguinhos, pudesse capturar a at-mosfera e a materialidade da arquite-tura convivendo de forma harmônicacom o ambiente, o elemento humanoe o tempo. Bruno Veiga nos brindoucom registros que proporcionam umdiálogo soberbo entre a história e acontemporaneidade”.

O livro pode ser adquirido gra-tuitamente por instituições ou bibli-otecas que ofereçam acesso públicoa seu acervo. Solicitações pelo e-mail: [email protected] .“Este livro é uma das formas daCasa de Oswaldo Cruz e da Fiocruzreafirmarem o papel das instituiçõespúblicas na preservação e divulga-ção de seus acervos. Parte do patri-mônio cultural do país, este e outrosacervos devem ser protegidos peloEstado e disponibilizados à socieda-de. Foi essa nossa intenção”, con-cluem os organizadores.

Vida, engenho e arte - oacervo histórico da

Fundação Oswaldo Cruz

Org. Fábio Iglesias, Paulo Eliane Ruth Martins

COC/Fiocruz, 2014300 páginas | R$120

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COMO COMPRAR:

Web:www.fiocruz.br/editora

E-mail:[email protected]

Tel.: (21) 3882-9007

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Avaliação depolíticas eprogramasde saúde

Ligia Maria Vieira da SilvaColeção Temas em Saúde

Este livro se destina a profissionais,estudantes e pesquisadores que dese-jam realizar uma avaliação de políti-cas, programas ou práticas de saúde.O livro apresenta conceitos, aborda-gens e estratégias que resultam, emsua maioria, de métodos e técnicas tes-tados pela autora e colaboradores aolongo dos últimos 20 anos em investi-gações avaliativas. Como o estudo dametodologia das avaliações não podeestar dissociado de investigações con-cretas, o livro traz variados exemplos,inclusive de articulação entre diferen-tes métodos.

R$ 15 - 110 páginas

Democracia einovação nagestão localda saúde

Sonia Fleury

Este livro é fruto de um projetoque, ao longo de uma década, anali-sou as mudanças no perfil dos gesto-res, na gestão e nos padrões de difusãode inovação das secretarias municipaisde Saúde. Reúne tanto os resultadosquanto os marcos teóricos e metodo-lógicos da pesquisa, cujo diferencial foiseu caráter dinâmico, com a compa-ração de dados coletados em dois mo-

mentos distintos, em 1996 e 2006. “Oproduto mais importante que podemosoferecer a todos é uma base metodo-lógica para o estudo do processo dedescentralização, com vistas a compre-ender sua dinâmica e suas relaçõescom a democratização do poder locale com a inovação na gestão local”,avalia a autora. “Em 2016, uma novadécada se completa e seria uma fabu-losa oportunidade para conhecer o quemudou em relação às décadas anteri-ores”, instiga Sonia Fleury.

R$ 99 - 480 páginasCoedição: Cebes

Leishmaniosesdo continenteamericano

Fátima Conceição-Silva eCarlos Roberto Alves (orgs.)

A infecção por parasitos do gêne-ro Leishmania causa uma das doen-ças tropicais mais negligenciadas daatualidade. Estima-se que existam 350milhões de pessoas em risco de con-trair a infecção, sobretudo nas áreasmais pobres do planeta. Esse gravecenário justifica o esforço empreendi-do pelos organizadores e demais pes-quisadores do Instituto Oswaldo Cruz(IOC/Fiocruz) especialistas no assunto,assim como por profissionais de outrasunidades da Fundação e instituiçõesbrasileiras: eles prepararam uma cole-tânea que compila o conhecimentoexistente sobre o assunto, identifica osprincipais desafios e discute estratégi-as para enfrentá-los.

R$ 119 - 512 páginas

Toxoplasmose &Toxoplasma gondii

Wanderley de Souza eRubens Belfort Jr. (orgs.)

A infecção por Toxoplasma gondiié hoje muito disseminada ao redor domundo e especialmente no Brasil. Acoletânea parte da história da desco-berta desse parasita e da doença porele causada, a toxoplasmose, e visitaos diferentes aspectos relacionados aotema. São apresentados o ciclo evolu-tivo, a epidemiologia, o diagnóstico, oquadro clínico e o tratamento, em umaampla revisão sobre o assunto. A obratambém traz para o leitor o que há demais atual no conhecimento científicoacerca da toxoplasmose e do T. gon-dii. Cobre praticamente todos os cam-pos do conhecimento sobre o agenteetiológico e a doença, apresentandonovos aspectos, particularmente em re-lação à bioquímica, à interação entreo parasita e a célula hospedeira e àresposta imunológica à infecção.

R$ 59 - 214 páginas

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FIO DA HISTÓRIA

fotos: Acervo COC / Fiocruz

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á cem anos morria Gas-par de Oliveira Vianna,médico do InstitutoOswaldo Cruz (IOC)que contribuiu para o

tratamento da leishmaniose tegumen-tar, doença que até então não tinhacura. Escolhido “O paraense do século20” por uma eleição promovida poruma emissora de TV, Vianna faleceuprematuramente, aos 29 anos, depoisde uma breve, mas intensa vida dededicação à pesquisa científica. A en-fermidade, que faz parte da lista daschamadas doenças negligenciadas, éconhecida por infligir graves lesões napele e nas mucosas das vítimas, ocasi-onando, em muitos casos, a morte dopaciente. Considerado um dos grandesmédicos de uma geração que se tor-nou célebre e da qual faziam parteOswaldo Cruz, Carlos Chagas, ArthurNeiva, Alcides Godoy e Henrique Ara-gão, entre outros, Vianna é tido comoum dos dez maiores profissionais damedicina brasileira no século 20. Deacordo com a vice-diretora de Pesqui-sa, Educação e Divulgação Científica daCasa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz),Magali Romero Sá, Vianna, paraensede Belém que em 1903 se mudou paraa capital federal para estudar na Facul-dade de Medicina do Rio de Janeiro,integrou a “geração dourada” da pes-quisa médica nacional. “Ele deu umacontribuição maravilhosa à ciência e àsaúde”, afirmou Magali.

O então Instituto de Manguinhos –atual Instituto Oswaldo Cruz, uma dasunidades técnico-científicas da Fiocruz– era, nos primeiros anos do século 20,uma instituição que atraía jovens mé-dicos e pesquisadores, devido ao bri-lhantismo de seu diretor, Oswaldo Cruz,e às oportunidades que se abriam napesquisa. Ele chegou ao Instituto em1909, convidado por Cruz, e começou

Ha fazer a caracterização histopatológi-ca da doença recentemente descritapor Carlos Chagas – a tripanossomía-se americana, a doença de Chagas.

Durante a construção da estradade ferro que ligaria Bauru (SP) aoMato Grosso, eram comuns casos deleishmaniose, conhecida à épocacomo “úlcera de Bauru”, doença queprovocava deformações. Em 1909, omédico paulista Adolpho Lindembergidentificou o parasito causador da do-ença e , em 1911, Vianna descreveuo parasito como uma nova espéciede Leishmania, que nomeou Leish-mania braziliensis.

Sensibilizado com o drama vividopelos enfermos, Vianna começou apesquisar novas formas de tratamentopara a doença, já que na época nãoexistia um medicamento eficaz. De-pois de tentar arsênico, que era usa-do contra a doença do sono, ele optoupelo tártaro emético, utilizado pormeio de injeções intravenosas. “A ten-tativa de Vianna foi um sucesso. Asferidas dos pacientes foram secandoe eles se curaram. O feito alcançourepercussão internacional e o trata-mento criado por ele foi levado a ou-tros países”, disse Magali.

O êxito da descoberta foi apresenta-do pelo pesquisador a seus pares no 7ºCongresso Brasileiro de Medicina e Ci-rurgia, em Belo Horizonte, em 1912. Umano depois, Vianna encontrou outro usopara o tártaro emético. Em conjunto comHenrique Aragão, tratou o granulomavenéreo – uma enfermidade que atéentão também não tinha cura – comsucesso. Ainda em 1913, Vianna obteveo título de livre-docente de AnatomiaPatológica da Faculdade de Medicina doRio de Janeiro, com aprovação unânimeda congregação. Também passou a serprofessor dos cursos de aplicação do Ins-tituto Oswaldo Cruz.

Os anos mais profícuos de Vian-na vão de 1910 a 1914, quando sededicou quase que inteiramente àpesquisa científica. Seu envolvimen-to com o trabalho era tamanho quenormalmente continuava no Institutoaté 23h (ou mais), quando pegava otrem para casa – isso quando nãopassava dias seguidos no laboratório,em plantões que varavam noites. Eapós tanta dedicação acabou por servítima de um infortúnio: ao fazer anecropsia em um paciente tubercu-loso, recebeu no rosto um jato do lí-quido que estava na cavidade torácica.O líquido entrou pela boca e pelo na-riz e o contaminou. Dois meses de-pois, em junho de 1914, Viannamorreu de tuberculose miliar aguda,aos 29 anos. “Morreu prematuramen-te, sem se casar e sem deixar filhos.Foi uma perda enorme, já que elepoderia ter feito muitas outras des-cobertas de relevo, caso vivesse maisanos”, lamentou Magali.

SeminárioNo centenário de sua morte, Gas-

par Vianna foi tema de um semináriopromovido em Teresina pela FiocruzPiauí, a Casa de Oswaldo Cruz e aVice-Presidência de Pesquisa, Ensino,Informação e Comunicação da Fun-dação. Além de discutir o legado domédico do Instituto de Manguinhos,o evento promoveu um debate sobreperspectivas no combate à leishmani-ose , que hoje ressurge como um gra-ve problema de saúde pública noBrasil, espalhando-se por diversos Es-tados. O evento contou com a partici-pação de historiadores e de cientistas.Estes últimos debateram as possibili-dades de desenvolvimento de umavacina contra a doença.

Ricardo Valverde

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ano era 1904. O debatesobre o uso de animaisem pesquisas já era in-tenso na comunidadecientífica mundial: a pri-

meira lei a regulamentar o uso de ani-mais nesses procedimentos tinha sidoinstituída em 1876 no Reino Unido. Poroutro lado, pela terceira vez, um es-tudo que utilizava modelo animalcomo base ganhava um Prêmio No-bel de Medicina: Ivan Pavlov foi pre-miado por suas descobertas sobre osprocessos digestivos de animais. NoBrasil, a perspectiva não era diferen-te: apesar da importante reflexão éti-ca, a preocupação com doenças como

Oa peste bubônica, que assolava as cida-des, tornava o uso de animais em pes-quisas necessário. No Rio de Janeiro,Oswaldo Cruz tentava encontrar soluçõespreventivas para combater a enfermida-de: milhares de ratos foram extermina-dos (a pulga destes era vetor) e, daEuropa, eram importados o soro e a va-cina, mas o processo era realizado commuitas dificuldades. A solução encontra-da foi tentar produzir esses imunizantesno Brasil e foi nesse contexto que surgiua Cavalariça na área da antiga Fazendade Manguinhos, onde estava sendo ins-talado o Instituto Soroterápico Federal.

Com 500m2 , o espaço foi construí-do para abrigar os animais que auxiliari-

am na fabricação de so-ros. O prédio, projeta-do pelo arquiteto Luisde Moraes Junior, aco-lhia até 20 cavalos,que eram inoculadoscom o agente da do-ença para a produçãode anticorpos úteis nacomposição dos imuni-zantes. Apesar da neces-sidade do uso de animaispara a produção do soro,que levou a extinção da pes-te no Rio de Janeiro, OswaldoCruz teve a preocupação de criarum ambiente adequado tanto para os

Revisitando o passadoCom obras abertas à visitação, a Cavalariça da Fiocruz abrigava animais que auxiliavama produção de soros no início do século 20

Renata Moehlecke

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cavalos quanto para a produção,além de minimizar os impactos des-sa atividade: o prédio adotava prin-cípios de sustentabilidade ambiental,utilizando técnicas avançadas parao início do século 20.

A distribuição das forragens era fei-ta por meio de corredores elevados, lo-calizados entre as baias e as paredesexternas, dando livre movimentação aoscavalariços, sem incomodar os animais;um sistema automático permitia o abas-tecimento de água das baias de quatroem quatro horas. Os refugos eram rea-proveitados integralmente: a água era uti-lizada para irrigação; as fezes dos animais

forneciam os gases para a iluminação dasbaias e o estrume adubava os campos daFazenda. O prédio também contava comoutras instalações engenhosas. A sala des-tinada à sangria dos animais ficava emum dos extremos do prédio, que tinha umcompartimento subterrâneo para onde eralevado o sangue coletado, através de umpequeno elevador. Do outro lado da Ca-valariça, situava-se a sala do aparelhopara a contenção de animais de grandeporte, e a balança automática.

A Cavalariça foi desativada na se-gunda metade da década de 1970,quando, no Brasil, eram debatidas aspremissas da lei 6.638, primeira a es-

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foto: AcervoCOC / Fiocruz

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tabelecer normas para a prática didá-tico-científica da vivissecção de animais(revogada somente em 2008 pela LeiArouca – 11.794, que regulamenta ouso de animais em pesquisa no país).A edificação foi tombada pelo Institu-to de Patrimônio Histórico e ArtísticoNacional (Iphan) em 1981. Desde a dé-cada de 1990, após a última interven-ção de restauro pela qual passou, aCavalariça está sob os cuidados daCasa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz),tendo sido utilizada por um breve perí-odo como área administrativa, e, ago-ra, como área de exposição. Até 2012,o espaço sediou a exposição interativaBiodescoberta, uma das áreas de visi-tação do Museu da Vida da COC. Hoje,110 anos depois de sua construção, oprédio está passando por uma interven-ção geral, com ações de conservaçãoe restauração que abrangerão interior,fachadas e cobertura, além da atuali-zação das instalações prediais e dossistemas de iluminação e comunicação.

Visitas guiadasà Cavalariça

Mesmo durante as obras, o edifícioestá aberto à visitação pública, media-da por arquitetos e mestres de obras.“Como o prédio é térreo e pode ser iso-lado, conseguimos criar pela primeiravez um espaço seguro para visitas du-rante o processo de restauração e semque o andamento da própria obra sejainterrompido. O visitante tem a oportu-nidade de ver o espaço sem o tratamen-to museológico, que, por menosimpactante que seja, sempre ocultacaracterísticas históricas e técnicas daedificação”, explica Cristina Coelho, doDepartamento do Patrimônio Históricoda Casa de Oswaldo Cruz (DPH/COC).

As obras começaram em fevereirode 2014 e estão previstas para durar maisum ano. “No Brasil, há poucos prédiosdesse tipo, construído com essa peculia-ridade e finalidade. A configuração ge-ral da Cavalariça ainda é muito próximada original: é possível ver onde se locali-zavam as baias, a mesa de cirurgia, ob-servar azulejos e metais originais, assimcomo o sistema de iluminação da épo-

ca”, comentou oarquiteto e fis-cal da obra, Bru-no Teixeira de Sá.“É o tipo de obraque pode interes-sar uma gama depessoas: um estu-dante de arquite-tura que queiraentender mais deobras, um historia-dor ou até um curi-oso sobre a históriadas ciências e da saú-de, e da Fiocruz”.

Além da histó-ria detalhada do pré-dio, o visitante podeconhecer as técnicasde restauração econservação que es-tão sendo praticadas.“Montamos uma ofici-na onde a pessoa podeobservar a restauraçãodas esquadrias de ferroou o trabalho dos restau-radores de azulejos e decantoneiras sendo reali-zado na hora”, destacouBruno. A visitação é rea-lizada em grupos de até20 pessoas, em horáriospreviamente agenda-dos. Os interessados de-vem entrar em contatocom o Núcleo de Educa-ção Patrimonial do DPHou enviar e-mail [email protected] .

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