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Revista Médico das Gerais

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Publicação da Associação Médica de MG (AMMG), Conselho Regional de Medicina de MG (CRMMG) e Sindicato dos Médicos de MG (SinmedMG) - Outubro 2010

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Outubro de 2010 Médico das Gerais 3

in íc io de conversa

Pela classe e para a classe

Muito elogiada após seu lançamento, em maio, a revista semes-tral Médico das Gerais chega a sua segunda edição mantendo as características que a tornam uma ferramenta unificadora da classe médica mineira.

Fruto da parceria entre a Associação Médica (AMMG), o Conse-lho Regional de Medicina (CRMMG) e o Sindicato dos Médicos (Sinmed-MG) do estado, a publicação teve um evento especial ao ser lançada, que contou com palestra do ex-ministro da Saúde Adib Jatene, abordando o tema da matéria de capa da edição: gradua-ção médica.

Médico das Gerais foi criada com o objetivo de fortalecer a medi-cina em Minas Gerais e contribuir para as lutas da classe. Dessa forma, os assuntos tratados na segunda edição continuam alinha-dos aos interesses dos médicos mineiros e as atenções estão todas voltadas para o estado.

Como tema principal desta publicação trazemos o Programa Saúde da Família (PSF), que vem sobrevivendo às gestões políticas, cres-cendo e se fortalecendo no Brasil, mas que ainda precisa de ajustes e melhorias. Reforçando a presença da medicina de família no Brasil, ele foi implantado pelo Ministério da Saúde para garantir um atendimento médico que assegure o bem-estar integral das famílias por meio de práticas que consideram mais envolvimento com os pacientes e seus hábitos cotidianos.

Mesmo com a cobertura populacional do Programa tendo crescido em 56,1% no Brasil desde que foi criado e, em Minas Gerais, atin-gir 91%, espera-se que mais atenção seja dada ao PSF. É preciso que os investimentos permaneçam e cresçam para que ele possa se expandir e se aperfeiçoar. Muito ainda há de ser feito para estimular a criação de novas estratégias e os problemas encontrados apontam a necessidade de maiores investimentos e melhoria das condições de trabalho, além do maior reconhecimento frente às demais espe-cialidades médicas.

Boa leitura.

expe

dien

te

Revista Médico das Gerais®

Presidentes:Cristiano Gonzaga da Matta Machado José Carlos Vianna Collares FilhoManuel Maurício Gonçalves

Conselho Editorial:Cláudia Navarro Duarte Lemos (CRMMG)Cristiano do Couto Mourão (AMMG)Cristiano Gonzaga da Matta Machado (Sinmed-MG)Fernando Luiz de Mendonça (Sinmed-MG)João Batista Gomes Soares (CRMMG)José Carlos Vianna Collares Filho (AMMG)Manuel Maurício Gonçalves (CRMMG)Jornalistas Fabíola Sanches (AMMG), MarinaAbelha de Fuccio Barbosa (CRMMG) e ReginaPerillo (Sinmed-MG)

Contatos:Associação Médica de Minas GeraisAv. João Pinheiro, 161 - Centro30130-180 - Belo Horizonte/MGTel: (31) 3247-1600 Fax: (31) 3247-1632E-mail: [email protected]

Conselho Regional de Medicina de Minas GeraisAv. Afonso Pena, 1500/8º andar - Centro 30130-921 - Belo Horizonte/MGTel: (31) 3248-7700 Fax: (31) 3248-7701E-mail: [email protected]

Sindicato dos Médicos de Minas GeraisRua Padre Rolim, 120 - São Lucas30130-090 - Belo Horizonte/MGTelefax: (31) 3241-2811E-mail: [email protected]

Produção Editorial:Interface Comunicação EmpresarialCoordenação Editorial:Veronica Anselmo Soares - MG13722 JPRedação: Bruno Fonseca, Daniella Maria, Lucas Creek, Maísa Gontijo e Nayara FragaDiagramação: Fernanda Braga

Fotos: RR Produções FotográficasCharge: Luiz Oswaldo Rodrigues (LOR)Impressão: Rona Editora

Publicação SemestralOutubro - 2010Tiragem: 42 mil exemplaresCartas para a redação [email protected]

É proibida a reprodução do conteúdosem autorização prévia. A charge e os

comentários dos entrevistados não refletemnecessariamente a opinião das entidades.

>> Da esquerda para a direita: Cristiano da Matta Machado (Sinmed-MG), Manuel Maurício Gonçalves (CRMMG) e José Carlos Vianna Collares Filho (AMMG)

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4 Médico das Gerais Outubro de 2010

Caro colega, sua mensagem nos serve como estímulo para continuarmos trazendo sempre temas de interesse para todos os médicos de Minas. Infelizmente, o espaço da revista é restrito e não está prevista uma seção para publicação de artigos, contudo, nos sites das três entidades médicas de Minas temos espaço para esse tipo de publicação. Caso tenha interesse nos envie seu texto pelo e-mail [email protected].

“Sou psiquiatra, com mestrado pela UFMG em psicanálise. Gostaria de saber se vocês recebem textos para publicação, pois escrevi um artigo que seria de interesse para um grande público. Esse trabalho é sobre a contemporaneidade, seus efeitos e impasses. Gostaria de um retorno, porque gostei do nível da revista Médico das Gerais.”

Avilmar Maia – psiquiatra – CRMMG 28030

Publicação de artigos

cartas

“Cumprimento pela iniciativa da união do CRMMG, AMMG e Sinmed-MG e pelo belo trabalho que dela resultou, uma revista de alto nível, com apresentação e conteúdo admiráveis. Estou certo de que muitos outros frutos virão, fortalecendo as nossas enti-dades de classe e valorizando a nossa profissão.”

Hely Tarqüínio – Deputado Estadual (PV) – CRMMG 4739

Força e valor para a classe

Genuinamente mineira“Acabo de ler, com entusiasmo, a revista Médico das Gerais. Elegante, consistente, in-formativa e, sobretudo, rica em conteúdo. Parabéns pela iniciativa. Abraço-os orgulhoso por ela sair de nossas Minas Gerais.”

Carlos Eduardo Leão – cirurgião plástico – CRMMG 14076

“Gostaria de parabenizá-lo(s) pela qualidade do conteúdo da revista Médico das Gerais, em especial o artigo sobre educação médica. É de vital importância para todos os médicos de Minas e do Brasil que reconheçam a importância da formação em medicina para a qualificação de profissionais cada vez melhores!

Agradecemos o envio de uma cópia para o Centro Acadêmico de Medicina Professor Gilberto de Freitas da Universidade de Brasília e oferecemos nosso apoio no que puder-mos ajudar.”

Lucas Brito – coordenador-geral do Centro Acadêmico de Medicina (Camed) da Universidade de Brasília (UnB)

Conteúdo de qualidade

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sumár io

20LegislaçãoSegue incerta nova lei do salário-base

6EntrevistaQuem cuida da saúde sabe se cuidar?

25Ética MédicaDeclaração de Óbito suscita dúvidas

12AdministreLimites éticos na publicidade médica

22Além da MedicinaDoutores radicais

9Educação MédicaEstágios: oportunidade ou problema?

28Dia a diaDicas úteis

32Tempo LivreInhotim: arte e beleza

30Cuide-seBons conselhos, maus exemplos

34Causos

15Saúde PúblicaPSF: desafios batem à porta

opin ião

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6 Médico das Gerais Outubro de 2010

entrev ista

Discutido com uma frequência um pouco maior hoje, tal cenário é preocupante em todas as regiões do país. De acordo com o espe-

cialista no assunto, João Gabriel Marques Fonseca, professor do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ainda são tímidas as reflexões sobre a excessiva carga de trabalho, pressão psicológica, salários, doenças e consumo de drogas no meio médico. Mas, aos poucos, começa-se a discutir o assunto nas universi-dades e nas instituições de saúde.

Ele começou a estudar o tema depois de obser-var em seu consultório o aumento de pacientes médicos com problemas graves de saúde. Atualmente, sua atuação é voltada à atenuação do estresse e promoção da saúde. Em conversa com a revista Médico das Gerais, o profissional apontou as principais dificuldades enfrentadas pela classe e alguns passos que podem levar a uma melhor qualidade de vida.

Quais são os problemas de saúde que mais atingem a classe médica?

As queixas dos médicos são as mesmas do restante da população, porém o que pude

>>Estudioso do tema

saúde dos médicos, João Gabriel Marques

Fonseca considera que é preciso mais discussão

observar é que, geralmente, os sintomas que apresentam são mais frequentes e intensos. Entre os principais males que os acometem estão dores pelo corpo (cabeça e lombar), insônia, hipertensão, problemas cutâneos, dores nas juntas, ansiedade e depressão. Eu diria que tudo isso vem em função do estresse da rotina médica, da falta de qualidade de vida. Dos cerca de 350 mil médicos existentes no Brasil, quase metade possui até 35 anos de idade e 50% dessa parcela tem o plantão como a forma mais comum de trabalho. Além disso, dados do CFM indicam a incidência de uso excessivo de bebida alcoólica e drogas por parte dos médicos, os quais, melhor que ninguém, sabem dos males que tal comportamento provoca. Entre os mais jovens (até 29 anos), cerca de 80% ilustram esse quadro e consomem álcool em excesso. Ocorre que o uso independe do conhecimento. O consumo é emocio-nal. O conhecimento é racional.

Quais seriam os principais motivos que contribuem para a redução da qualidade de vida dos médicos?

São muitos os problemas que permeiam o dia a dia do médico. Primeiro, é preciso pensar nas estatísticas que envolvem a ►

Quem cuida da saúde sabe se cuidar?Assim como outros profissionais, a classe médica também sofre com problemas de saúde relacionados ao trabalho. Comer mal e em pé, trabalhar em várias instituições ao mesmo tempo, dormir pouco e emendar plantões são apenas alguns dos fatores responsáveis por um estilo de vida nada saudável. As consequências variam de dores no corpo e alergias a estresse crônico e uso de drogas.

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Outubro de 2010 Médico das Gerais 7

entrev ista

classe. Em média, o número de médicos no país cresce 4% ao ano, sendo que a população cresce 1,1%. Entretanto, a distribuição dos profissionais é irregular no território nacional. Há regiões com altíssi-ma concentração de médicos e outras com baixa. Isso provoca um desequilíbrio entre oferta e demanda e, no caso das áreas que possuem muitos profissionais, queda de salários. Trata-se de um panorama comple-xo no qual a profissão perdeu o glamour de outrora. Na época de Machado de Assis, eram três as principais profissões valori-zadas na sociedade: padre, delegado e médico. Hoje, médico é a quarta profissão que as pessoas menos gostariam de ter —de acordo com pesquisa espontânea do Datafolha de 2000—, perdendo apenas para policial, gari e lixeiro. Esse é um le-vantamento sociologicamente interessante. Dados do CFM de 2007 mostram que o número de médicos que têm até três vín-culos empregatícios ultrapassa a casa dos 80%. Isso implica em uma situação óbvia: o profissional não tira férias. Torna-se difícil encontrar um tempo de descanso. Aliado ao forte apelo emocional que a atividade exige, o trabalho impacta na saúde mental. Em quê mais poderia resultar pressão psicológica, salário baixo e mais de um emprego ao mesmo tempo?

Em que medida as rápidas mudanças ditadas pelo mun-do globalizado impactam a atividade dos médicos?

A imensurável quantidade de informações que existem hoje acerca de qualquer assun-to torna o estudo, muitas vezes, difícil. Estar diante de um emaranhado incompreensível de informações técnicas, ter de analisá-las em detalhes e não ter tempo para isso deixa o profissional confuso. É complicado se manter atualizado. Isso é próprio do mundo atual e afeta outras profissões também.

Os médicos têm discutido a qua-lidade de vida da própria classe?

O Conselho Federal de Medicina (CFM), os conselhos regionais e as associações médicas estão se articulando em torno

da saúde dos médicos como tema a ser discutido. Existem poucos estudos sobre o assunto. Um deles foi desenvolvido pela psiquiatra Alexandrina Meleiro, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Com o livro “O médico como paciente”, Editora Lemos Editorial, 1999, ela inau-gurou a discussão sobre a qualidade de vida dos médicos. Pouco a pouco, um movimento coletivo ganha força. Apesar de as reflexões ainda serem tímidas, co-memoramos o fato de que elas existem. A tendência é que essas ideias sejam cada vez mais debatidas.

Qual o papel da graduação na discussão desse tema? As uni-versidades têm se preocupado em formar profissionais cons-cientes de sua própria condição?

Com certeza essa é uma disciplina que deveria ser mais abordada nas univer-sidades. Na UFMG, estamos fazendo uma reformulação na grade curricular que irá contemplar a saúde do médico em vários momentos do curso, propon-do constantes discussões. É essencial que o médico trabalhe o seu autoco-nhecimento para atender melhor seus pacientes. Entretanto, a realidade torna essa busca inviável, uma vez que é comum o profissional trabalhar três vezes por semana durante a noite e não ter tempo suficiente para isso. É preciso acharmos outras formas para a classe discutir o assunto. Nesse sen-tido, iniciativas como a desta revista têm um papel fundamental na cons-cientização dos profissionais da área.

João Gabriel Marques Fonseca, professor do departamento de

Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG

“Dados do CFM mostram que o número de médicos que têm até três vínculos empregatícios ultrapassa

a casa dos 80%.”

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entrev ista

Quais mudanças poderiam ser feitas na organização do trabalho médico para a melhoria da saúde desses profissionais?

O segredo está no autocuidado. O médico precisa se alimentar melhor. Somos a ca-tegoria profissional que mais se alimenta em pé. Cuidar da postura também é muito importante. Uma boa medida é a prática diária de alongamentos. Existem hospitais e universidades que oferecem programas para médicos relacionados a atividades físicas —ainda que pouco frequentados. Igualmente relevante é a proteção corpo-ral. O profissional tem de se lembrar que lida com pacientes com doenças transmis-síveis e deve manter as vacinas em dia.

Também é possível trabalhar algumas atitudes para atenuar o fumo e reduzir a bebida alcoólica. Um estudo publica-do em setembro de 2005 no Journal of American Medical Association (Jama), um dos mais importantes do setor, lido por milhões de médicos, relatou que a perfor-mance psíquica de um médico após um plantão de 24 horas é a mesma de uma pessoa alcoolizada.

Dormir melhor é outro grande passo. Com certeza, é difícil. A pessoa que dá plantão vive com a irregularidade do sono. E, no caso do médico, o cenário é ainda pior. Um motorista de ônibus que trabalha du-rante a noite, geralmente, tem o dia para dormir e descansar. É um ritmo constante. Já o médico fica até 36 horas sem dormir.

O que mais contribui para que médicos vivam em um ambiente cada vez mais desfavorável?

Hoje há intolerância ao diálogo. As relações interpessoais estão desgastadas. Existe certa informalização das relações. As coisas estão comercializadas. Isso tem um peso forte em se tratando da relação médico-paciente, principalmente no que toca ao poder da palavra médica. Um médico pode destituir um presidente da república com um laudo. A sua palavra é capaz de levar um sujeito do inferno para

o céu. Já dizia José Fernandes Pontes, professor de gastroenterologia da USP, um dos grandes pensadores da relação médico-paciente —que morreu há dez anos: a palavra na boca do médico equi-vale à faca na mão de um louco. Esses investimentos na relação entre médico e paciente precisam ser discutidos. O tema já é estudado em algumas escolas de medicina. A UFMG tem um trabalho sistemático nessa área. Ainda é discreto, mas tende a crescer.

O que a classe pode fazer para amenizar as pressões do mundo contemporâneo?

É preciso pensar na organização do dia a dia. Aprender a gerenciar tempo e ações. Geralmente, a ênfase que a gente dá é na tarefa. Mas é melhor refletir sobre o que cabe no tempo disponível. É preciso con-siderar as formas sistemáticas de treinar. Fazer uma coisa de cada vez. Na expres-são “vou fazer o melhor possível”, dita por muitos, a ênfase é na palavra melhor. É uma boa prática priorizar o possível.

Como o médico pode adminis-trar as pressões cotidianas, ali-viar o estresse e levar uma vida mais saudável?

Uma boa saída é o investimento em conhecimento, educação. Porque quanto mais a pessoa se restringe ao conhe-cimento técnico, menos conhecimento ela tem. Quando você só estuda um assunto e fica incapaz de pensar outra coisa, ocorre o estreitamento perceptivo. É aconselhável o investimento na arte, qualquer que seja sua forma, até mesmo as chamadas “menores” como culinária e decoração. Esse tipo de arte deve ser incluído na forma de expansão do conhe-cimento, assim como literatura, música, cinema. Não conheço solução mais eficiente para expandir o conhecimento. A prática de esporte, não só física, também é aconselhável. Ensina a pessoa a perder, ganhar, respeitar limites. É importante fa-zer de tudo. Ficar parado e só no técnico não ajuda ninguém.

>>Para João Gabriel, o

segredo para uma melhor qualidade de vida da classe

está no autocuidado

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Oportunidade ou problema?

Lívio Bruno Santos Cunha está no 12º período de medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Assim

como outros colegas de curso, ele divide seu tempo entre uma grade lotada de disciplinas, várias ativi-dades complementares e o estágio. Atualmente, está tendo experiência em cirurgia geral e já trabalhou duas vezes com sutura. “Infelizmente, as faculdades não nos dão a oportuni-dade da prática médica e das diver-sas especialidades apenas por meio das disciplinas curriculares. Em certa medida, esse conhecimento prático vem com os estágios”, afirma.

O estágio atual e os anteriores ajuda-ram Lívio a escolher cirurgia como a especialização que pretende seguir após se formar. Além disso, segun-do ele, a experiência contribui para enriquecer o currículo, o que pode futuramente abrir portas na profis-são. Por outro lado, comenta que são muitos estudantes para poucas vagas. “A oferta de estágios regulares é pequena e não atende à demanda. Em áreas como urgência e traumas a carência é ainda maior”, alerta.

Lívio é um exemplo dos milhares de estudantes de medicina que realizam estágios extracurriculares durante a graduação. Divididos entre o desejo de ter um contato mais próximo com a prática profissional e as dificul-dades para encontrar estágios e conciliar o horário de estudos, esses jovens se desdobram para diversificar o currículo, já de olho na carreira após a formatura. Para a coordena-dora do colegiado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Denise Utsch,

>> Lívio Bruno e Denise Utsch destacam que o estágio, quando supervisionado, enriquece o currículo

educação médica

esse anseio pela experiência prática muitas vezes é levado ao extremo. “É comum o estudante entrar em uma disputa enlouquecida para cursar o maior número de estágios possíveis, sem a devida paciência para cum-prir a grade curricular, o que não é aconselhável”, ressalta.

Na avaliação de Denise, o estágio deve ser encarado como uma forma de enriquecimento da formação, sem desmerecer o aprendizado em sala, “que já contempla uma série de estágios curriculares e atividades prá-ticas”, diz. Segundo ela, ao contrário do que destaca Lívio, a disponibili-dade de estágio tem acompanhado a procura por parte dos estudantes. “A oferta é ampla e geralmente garan-te a demanda da maior parte dos alunos. Como a variabilidade dos estágios é muito grande, ela acaba coincidindo com a própria diversi-dade de anseios dos estudantes”, defende. Contudo, segundo a coorde-nadora, é preciso pensar na qualida-de das vagas oferecidas. “Todo con-vênio de estágio precisa ser aprovado

Estágios curriculares enriquecem formação, mas é preciso cuidado

pela universidade que irá avaliar se o plano de trabalho segue o disposto em lei. É uma forma de assegurar a qualidade da atividade em todos os aspectos, desde o profissional até o ético”, esclarece.

Estudantes questionam a lei de estágio

A legislação a que Denise se refere é a Lei nº 11.788 de 2008 que, dentre outros aspectos, prevê que a parte contratante deve assinar termo de compromisso junto à respectiva universidade, elaborar planos de trabalhos semestrais, indicar pro-fissional do quadro de pessoal para orientação do estagiário, respeitar limites da jornada de trabalho de até no máximo 30 horas semanais e arcar com o pagamento de auxílio-transporte e bolsa-estágio. Mesmo sem definir o valor da remuneração, que, em Belo Horizonte, não costu-ma ultrapassar um salário mínimo, na visão de alguns estudantes, a nova legislação trouxe mais prejuízos que benefícios.

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>> Lívio Bruno e Denise Utsch destacam que o estágio, quando supervisionado, enriquece o currículo

>> Lívio Bruno e Denise Utsch destacam que o estágio, quando supervisionado, enriquece o currículo

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10 Médico das Gerais Outubro de 2010

Denúncia de exploração

Formado há dois anos pela UFMG, Bruno Abreu Gomes, hoje residente de Medicina de Família e Comunidade, e que já passou por estágios em sutura, pediatria, neonatologia, psiquiatria, clínica médica e cirurgia, alerta para um grave problema ainda enfrentado pelos estagiários. Como explica o jovem, não são raros os casos de exploração de estudantes em atividades que deveriam ser exercidas por profissionais formados. “É um problema sério, mas também muito comum. Na maioria dos estágios não há orientação adequada e conhece-mos vários casos de estudantes que são deixados para atender por conta própria, o que é ilegal”, denuncia. Nas palavras de Bruno, o que ocorre é uma troca de ►

educação médica

favores. O empregador oferece a vaga e os estudantes aceitam as propostas, muitas vezes em condições arriscadas, acreditando valer a pena”, constata.

Um desses casos foi denunciado no fim de agosto, em Araxá, no Triângulo Mineiro. A denúncia, que já está sob investigação do Ministério Público de Minas Gerais, diz que estudantes do 5º período de medici-na da Universidade Federal do Triângulo Mineiro estariam prestando atendimentos no sistema público de saúde da cidade. Os alunos estariam substituindo médicos no pronto-socorro municipal. Dessa forma, trabalhando sem supervisão, já que o médico contratado havia pedido demissão. Fazem parte do inquérito receitas médicas assinadas pelos estudantes, que podem responder por exercício ilegal da medicina e falsidade ideológica (Artigos 282 e 299 do Código Penal).

O presidente da Sammg, Pedro Morei-ra, não fala em tamanha irregularidade, mas destaca o fato de que os estagiários de medicina acabam tendo que realizar tarefas para as quais não estão prepara-dos. “Um dos pontos preocupantes para os estagiários é que quando o estudante começa a fazer o estágio, muitas vezes, acaba tendo obrigações que fogem às suas competências”, diz.

O terceiro vice-presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, Carlos Alberto Benfatti, admite que a quei-xa é real. “A situação é comum em todo o Brasil e ocorre também em Minas Gerais, sobretudo em municípios com mais de 50 mil habitantes e que são referência em atendimento hospitalar nas suas regiões. Nesses locais, a baixa remuneração aliada a condições de atendimento deficitárias e a necessidade de deslocamento funcionam como uma porta aberta para o estudante chegar e ser subcontratado”, ressalta. De acordo com Benfatti, as denúncias mais frequentes que o Conselho recebe são de acadêmicos que substituem os médi-cos em plantões. “Além de não poderem trabalhar sem supervisão, estudantes não podem assinar receitas ou formulários e

Carlos Alberto Benfatti, terceiro vice-presidente do CRMMG

“As denúncias mais

frequentes que o

Conselho recebe são

de acadêmicos que

substituem os médicos

em plantões.”

É o que pensa Felipe Cosenza Silva Arruda, recém-formado em medicina pela UFMG e ex-presidente da Sociedade de Acadêmicos de Medicina de Minas Gerais (Sammg). Ele explica que, antes da Lei nº 11.788, muitos estudantes não se impor-tavam em realizar estágios sem receber nenhum retorno financeiro. Para ele, o ganho em aprendizado e experiência justificavam a falta de remuneração. “Com a nova legislação, contratar um estagiário ficou mais caro e, por isso, em muitos locais, as vagas têm diminuído, inclusive porque não há hospitais universitários para atender todos os cursos. Hoje está mais difícil conseguir”, avalia.

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Outubro de 2010 Médico das Gerais 11

“Como o estudante

precisa do estágio para

complementar a formação,

é usado como mão de

obra barata.”

Maria Madalena dos Santos, diretora de Defesa Profissional do Sinmed-MG

educação médica

fazer prescrições, encaminhamentos ou transferências”, acrescenta.

Além da Lei nº 11.788, que prevê que todas as atividades do estudante precisam ser acompanhadas por profissionais (está-gios com preceptoria), a Lei nº 3.268/57 estabelece que a medicina somente pode ser exercida por profissional habilitado legalmente inscrito no Conselho do res-pectivo estado. A resolução nº 663/75 do Conselho Federal de Medicina (CFM) proí-be os estudantes de exercerem a medicina sem supervisão de um profissional (está-gio sem preceptoria), mesmo que estejam nos últimos períodos do curso. Estagiários que substituem médicos acabam por exercer ilegalmente a profissão, o que, de acordo com o artigo 299 do Código Penal Brasileiro (CPB), pode caracterizar crime de falsidade ideológica.

Risco para todos

Para Maria Madalena dos Santos e Souza, diretora de Defesa Profissional do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG) e também coordenadora da Comissão Estadual da Defesa dos Médi-cos, como o estudante precisa do estágio para complementar a formação, é usado como mão de obra barata. “Ele realiza ati-vidades de um profissional, recebe como estagiário, não possui os direitos de um trabalhador regular e fica sem qualquer assessoria. Essa prática gera vícios e sub-mete o usuário ao risco de ser atendido por uma pessoa não habilitada”, afirma.

Madalena destaca ainda que casos de punição como o do estudante preso em 2007 por trabalhar como médico forma-do no Fórum Lafayette são raros. “Todo mundo sabe, mas não são tomadas as devidas providências. Clubes e clínicas especializadas em Medicina do Trabalho contam com acadêmicos sem qualquer supervisão profissional, em troca de uma remuneração muito menor. Prefeituras do interior utilizam os estudantes estagiários para não precisar manter uma equipe de médicos no Programa de Saúde da

Família. Até mesmo em grandes hospitais de Belo Horizonte é comum se encontrar estudantes de graduação dando plantões na qualidade de residentes”, declara.

Como Benfatti explica, o Conselho tem ci-ência de tais casos e já advertiu médicos e entidades de diversas regiões do estado, entretanto, só tem o poder de punir médicos registrados. Também foi criada uma comissão especial dentro da entida-de para lidar especificamente com essa questão. “Após constatar infrações, reali-zamos as orientações necessárias para re-gularizar a situação. No sul de Minas, por exemplo, nos últimos seis meses existiam cerca de 700 estudantes atuando sem as orientações corretas em cinco instituições. A expectativa é que, dentro de um ano, boa parte dessas irregularidades sejam normalizadas”, prevê. As entidades que convivem com práticas irregulares podem ser denunciadas ao Ministério Público e às delegacias de polícia.

Já os médicos podem ser enquadrados no Artigo 10º do Código de Ética Médica (“Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a medicina ou com profissio-nais ou instituições médicas nas quais se pratiquem atos ilícitos”) e responsabiliza-dos pelos Conselhos de Medicina. “Quem denuncia presta um serviço à profissão. Essas práticas acabam com o mercado de trabalho que o estudante teria no futuro e prejudicam a formação ética do profissio-nal, além de colocar em risco a saúde de quem busca atendimento”, completa.

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12 Médico das Gerais Outubro de 2010

administre

Limites éticos na publicidade médica

Ao comunicar sua atividade ao pú-blico, o médico deve estar atento a uma série de critérios deter-minados pelo Conselho Federal

de Medicina (CFM). São regras simples, resumidas no Código de Ética Médica e destrinchadas na resolução nº 1.701 de 2003, que dizem respeito ao comporta-

mento que os profissionais devem ter no ramo da publicidade.

Segui-las, no entanto, é um desafio para muitos. Por desconhecimento das normas ou até mesmo insistên-cia no erro, diversos médicos de especialidades variadas utilizam a publicidade como autopromo-ção. Entretanto, as penalidades existem e podem ir de advertên-cia confidencial à cassação do exercício profissional.

Por isso, antes de bolar uma estratégia eficiente de co-municação para se destacar da concorrência, médicos, serviços, clínicas, hospitais e demais empresas registradas nos Conselhos Regionais de Medicina devem estar atentos. Em muitos casos, a propaganda pode não ser a alma do negócio.

Erros típicos

Há uma lista grande de equívocos e comportamentos inadequados por parte da classe médica na área publicitária. O mais comum deles é a omissão, em anúncios de instituições de saúde como clínicas, do nome do diretor técnico e sua corres-pondente inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRMMG). Tal informação, não expressa por alguns em virtude da

ilegalidade do profissional em exercício ou mesmo por desconhecimento, é funda-mental por transmitir credibilidade ao paciente e mostrar que o serviço prestado está devidamente regulamentado.

Outro erro não raro de ser visto é anúncio em que o médico é colocado como espe-cialista de sistemas orgânicos, órgãos ou doenças específicas. “É ilegal anunciar o profissional como médico de olhos, médico de dores de cabeça ou médico de mulher, por exemplo”, afirma a conselheira do CRMMG e membro da Comissão Perma-nente de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame) da entidade, Cláudia Navarro Lemos. “O correto é utilizar o nome da especialidade, como ‘ginecologista’, em vez de ‘médico da mulher’. Assim, se evita confusões e fica claro para o paciente que o profissional realmente possui a especiali-zação médica e registro no CRM.”

Ilhada em meio ao comércio

Segundo Emmanuel Fortes Silveira Caval-canti, terceiro vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) e coordena-dor da Codame e do Departamento de Fiscalização da instituição, a publicidade médica deve obedecer a regras que não se aplicam à publicidade comum, já que se trata de uma área delicada. “A medi-cina não pode ser exposta como se fosse um produto qualquer em uma prateleira. Embora ela esteja cercada por comércio em todos os lados, é dever dos profissio-nais da área zelar pelos limites éticos e não ultrapassá-los.”

Dentre outras exigências, o Código de Ética Médica estipula que a medicina não deve ser exercida para fins comerciais e que a divulgação publicitária da área não pode ser promocional. Esse é um cuidado que

>>Anunciar exclusividade,

garantir resultados e não in-formar o nome do responsável

técnico da clínica são erros deste anúncio fictício

*Imagem meramente ilustrativa

e contra as regras do CFM

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Outubro de 2010 Médico das Gerais 13

administre

deve ser tomado, inclusive, pelos seguros de saúde. “Os planos funcionam como uma ponte entre médi-cos e pacientes, mas não podem vender saúde em um contexto comercial”, alerta Cavalcanti.

Limite necessário

É vetado ao médico participar de anúncios de empresas ou produtos ligados à medicina, permi-tir que seu nome seja incluído em propagandas enganosas e participar de anúncios de empresas comerciais valendo-se de sua profissão. Entretanto, há casos que evidenciam a não concordância com a lei como a distribuição, durante consulta médica, de um cartão de desconto que dava ao paciente o direito de adquirir medicamento a baixo preço, caso enviado à fabricante.

Há quatro meses, o CFM proibiu essa prática. “Consideramos uma vinculação indevida com a in-dústria farmacêutica. O desconto pode existir, mas o médico não deve se envolver nesse processo”, explica Cavalcanti.

De acordo com o coordenador da Codame como nem tudo que acontece depende apenas do inte-resse da classe médica, mas também de decisões governamentais, foi aprovado pela lei nº 11.795 de 2008 um consórcio para procedimentos médicos, com destaque para cirurgias plásticas —uma afronta aos princípios éticos firmados no Código. “A classe médica precisa do respeito e do apoio de parlamen-tares e do governo para mudar isso e outros proble-mas que desvalorizam a medicina”, diz.

Sem show

Também é proibido o sensacionalismo por meio da apresentação, em público, de técnicas e méto-dos científicos que devem limitar-se ao ambiente médico. Apresentar a uma plateia técnicas que prometem resultados, colocando imagens que retratam o antes e o depois, não é ético. Além dis-so, a exposição de paciente só é válida em even-tos científicos e mediante a autorização deste.

>>Publicidade não pode conter imagem de pacientes, alardear tratamentos sem comprova-ção científica ou prometer resultados

É vedado ao médico:

a) anunciar que trata de sistemas orgânicos, órgãos ou doenças es-pecíficas, por induzir a confusão com divulgação de especialidade;

b) anunciar aparelhagem de forma a que lhe atribua capacidade privilegiada;

c) participar de anúncios de empresas ou produtos ligados à medicina;

d) permitir que seu nome seja incluído em propaganda engano-sa de qualquer natureza;

e) permitir que seu nome circule em qualquer mídia, inclusive na internet, em matérias desprovidas de rigor científico;

f) fazer propaganda de método ou técnica não aceitos pela comunidade científica;

g) expor a figura de paciente seu como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com a autorização expressa deste, ressalvado o disposto no artigo 10 desta resolução;

h) anunciar a utilização de técnicas exclusivas;

i) oferecer seus serviços através de consórcio ou similares;

j) garantir, prometer ou insinuar bons resultados do tratamento.

Fonte: Art. 3º da Resolução do CFM nº 1.701/2003

Resoluções do CFM

>> Apenas especialidades médicas reconhecidas e registradas no CRMMG devem ser anunciadas em cartões de visita. É obrigatório citar o número de registro do médico

*Imagem meramente ilustrativa e contra as regras do CFM

*Imagem meramente ilustrativa e contra as regras do CFM

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14 Médico das Gerais Outubro de 2010

administre

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Não se pode estimular a expectativa de que todos os resultados são semelhantes, já que cada paciente reage de maneira particular aos procedimentos. Como lembra Cavalcanti, durante sua forma-ção, os médicos são orientados quanto a essas condutas. Por isso, nunca devem se esquecer de que “a medicina é uma ciência de meios, e não de fins”.

A voz da cautela

O cuidado na publicidade de empresas ou procedimentos relacionados à medi-cina também é tema tratado minuciosa-mente nas agências de propaganda. O sócio-diretor de uma empresa de comu-nicação, Álvaro Costa Rezende, conta que, como há regras que não se aplicam à publicidade tradicional, é preciso que seja feito um trabalho detalhado em par-ceria com os clientes da área de saúde. “Quando necessário, consultamos algum expert na área. Mas geralmente tiramos

dúvidas com os próprios clientes, que são os possíveis prejudicados ou penali-zados, caso algo ilegal seja veiculado.”

Cláudia Navarro destaca que uma agência de propaganda que atendia a uma clínica de saúde desistiu de um anúncio pronto, após consultar a Codame. “Na propaganda, uma médica foi usada como personagem, com o intuito de mostrar que o estabele-cimento era confiável. Nessa situação, a própria médica poderia ser punida.”

Em busca de orientação

Sempre que houver dúvida em relação a publicidade e processos comunicativos, é aconselhável procurar a Codame, que orienta desde a divulgação do trabalho do médico (cartão de visita, receituário, papelaria bási-ca) até o comportamento mais pertinente. A desobediência à resolução nº 1.701/2003 ou ao Código de Ética Médica (CEM) pode resultar em abertura de processo ético profis-sional que, após os devidos esclarecimentos e julgamento, podem resultar nas penalida-des que variam de advertência confidencial à cassação do registro.

Alguns médicos já foram punidos por cometerem abusos mesmo após o re-cebimento de recomendações. Cabe às Codames de cada Conselho Regional de Medicina fiscalizar, fazer o levantamento das propagandas e notificar as que não estão em conformidade.

Sempre que tiver dúvida, consulte a resolução nº 1.701 de 2003, disponível no link http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2003/1701_2003.htm.

>>É vedado ao médico

prometer resultados nos anúncios publicitários

ou sortear cirurgias

Entrevistas só para fins educativos

Conceder entrevistas a TVs também é uma situação delicada para os médi-cos. Ao debater sobre um tema com o jornalista, alguns mencionam o uso de técnicas que ainda são consideradas experimentais ou divulgam o seu telefone de contato, com o objetivo de angariar clientela. “O profissional tem de ter a consciência de que sua palavra é educativa e serve para instruir a sociedade”, explica Cláudia.

No caso de entrevistas a veículos impressos, as situações podem ser ainda mais complicadas. Segundo Cláudia, nas ocasiões em que o médico não concorda com o teor da reportagem creditada a ele, o ideal é encaminhar um ofício ao CRM e ao jornal para esclarecer os fatos e se proteger. “O médico deve ser cauteloso e não pode se esquecer de que tudo o que ele disser pode ser publicado. Arrepender-se depois de algo já dito pode não adiantar.”

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saúde publ ica

Há seis anos, Artur Oliveira Mendes se formava na Facul-dade de Medicina da Universi-dade Federal de Minas Gerais

(UFMG). Movido por uma vontade de se aproximar dos seus pacientes, de estar mais envolvido com a comunidade onde atua e de conhecer a realidade da saúde como ela é, ele optou por se tornar um médico de família e comunidade. Para isso não foi preciso fazer residência: com o crescente número de equipes do Pro-grama Saúde da Família (PSF) e o ainda reduzido número de médicos atuantes na área, aqueles que optam por essa espe-cialização são disputados pelo mercado de trabalho, e médicos recém-formados aprendem, na prática, as peculiaridades da medicina de família.

Segundo dados da Sociedade Mineira de Medicina de Família e Comunidade, 10% dos médicos brasileiros se dedicam a tal especialização. Número ainda tímido fren-te a países como Cuba, Canadá e Inglater-ra, que inspiraram o Brasil na criação de um sistema de saúde que enfoca a família no seu ambiente físico e social e apresen-tam, respectivamente, 65%, 55% e 60% de médicos de família entre os profissio-nais de saúde.

Números x fatos

Segundo Artur Mendes tal fato é reflexo do histórico do PSF no Brasil. “Quando o programa surgiu não havia profissionais preparados para atuar na área; basica-mente recém-formados ou médicos já no fim da carreira formavam as equipes, e com isso os médicos de família ficaram muito estigmatizados”, afirma. Hoje, o país observa o crescimento do número de equipes, que até setembro eram 31.813

cadastradas no Ministério da Saúde e responsáveis por dar assistência primária a 52,27% da população. Porém, por trás dos dados, há fatos a serem analisados.

O primeiro deles refere-se à área de atuação e à população adscrita a cada equipe que, segundo o Ministério da Saúde, deve ser encarregada por, no máximo, 4,5 mil pessoas que residam ou trabalhem no território de responsabilidade da unidade de saúde. Na prática, segundo Artur Mendes, é comum se encontrar médicos sobrecarregados e responsáveis por até 7 mil pessoas. É o que ocorre no Centro de Saúde Jardim Mon-tanhês, na região Noroeste de Belo Horizonte, onde ele responde por cerca de 6 mil moradores. “O maior desafio é organizar o cuidado para com a população, não só porque tem de lidar com uma gama muito grande de pacientes, mas porque os médicos não tiveram treinamento específico para esse tipo de atendimento”, explica.

O diretor de Formação Profissional e Ações Sindicais do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), André Christiano dos Santos, lembra também de outro aspecto dos números do PSF. Entre 2003 e 2004, quando trabalhou como médico de família em Moeda, cidade localizada a 57 km de Belo Horizonte, era o médico de uma das duas únicas equipes do município de cerca de 4,5 mil habitantes. Apesar de ter uma população adscrita dentro dos valores recomendados pelo

>> Artur Oliveira Mendes faz parte dos 10% dos médicos brasileiros que se dedicam à Medicina de Família e Comunidade

PSF: desafios batem à portaNúmeros apontam grande crescimento do Programa Saúde da Família. A realidade mostra o que ainda precisa melhorar

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16 Médico das Gerais Outubro de 2010

Ministério, outros problemas eram enfrentados no dia a dia de trabalho. “O território era muito grande e éramos responsáveis pela zona urbana e rural. Em dias de visitas gastávamos quase uma manhã de trabalho para chegar a lugares onde o carro não passava.” Segundo André Christiano, às vezes, era necessário até atravessar riachos para chegar aos pacientes.

Os problemas não param por aí. Em cidades menores e mais remotas, há ainda a dificuldade de encaminhar os casos mais graves e que ne-cessitam de internação para os médicos especialistas de outras cidades. “Apesar de existirem pactuações entre especialistas e médicos de família, é comum não se encontrar leitos em hospitais”, afirma André Christiano, que recorda da morte de um paciente de Moeda que entrou em choque cardiogênico e nenhum hospital de Belo Horizonte pôde aceitá-lo. A saída encontrada foi transferi-lo para Belo Vale, que é a cidade com hos-pital mais próximo, enquanto esperava uma vaga na capital. O paciente acabou falecendo. “A consulta especializada era a principal dificuldade, mas por outro lado tínhamos o reconhecimento da população, o que era muito gratificante”, afirma.

Desvalorização do médico

Outro problema comum refere-se ao vínculo empregatício. Em cidades onde o médico é contratado e não concursado, o profissional não tem previsão de férias, 13º salário ou fundo de garantia. “Quando é assim o médico não tem o compromisso do vínculo estatutário e fica refém do humor do prefeito, sendo facilmente mandado embora por alguma discordância”, afirma o diretor do Sinmed-MG.

Para o presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG), Manuel Maurício Gonçalves, o atual PSF ainda é, para a maioria dos médicos, um emprego temporário, transitório, apelidado de “espera residência” ou “pé de meia”, muitas vezes sem a mínima estrutura de trabalho. De fato, como mostra o artigo “O Trabalho Precário em Saúde: Tendências e Perspectivas na Estratégia Saúde da Família”, realizado por pesquisadores do Núcleo de Educação em Saúde Coleti-va (Nescon) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a coordenação do médico Sábado Girardi, mais de 70% dos municípios

pesquisados em todas as regiões do Bra-sil informaram que praticam a contrata-ção temporária para médicos, e cerca de 50% do total dos contratos são tempo-rários. “Cabe ao governo transformar o atual PSF em uma opção de emprego atraente e permanente para o médico, assim como fez com o judiciário”, afirma Manuel Maurício.

Como promover tal transformação? Para o presidente do CRMMG, a escalação dos médicos para pequenas comuni-dades os daria a certeza da posterior transferência para uma cidade maior e com mais recursos médicos, até ser promovido para o centro por ele deseja-do. “Se fosse assim, os médicos teriam o compromisso de exclusividade com o PSF e seriam adequadamente remunera-dos, inclusive com todos os direitos tra-balhistas e aposentadoria digna. Assim, logo teríamos concursos para o PSF, a exemplo do judiciário”, almeja.

A manutenção de profissionais é desa-fio presente também no município de Francisco Badaró, no Vale do Jequitinho-nha. “A rotatividade é muito grande e são poucos os interessados, mesmo os salários sendo bons”, afirma a médica de família da região Silvânia Gomes de Sou-za. Segundo ela, um reflexo da escassez de médicos no local é o fato de médicos de família terem de ficar, às vezes, de sobreaviso 24 horas por dia. Com isso, o

<<Silvânia de Souza (à direita) e sua equipe do PSF em atendimento na zona rural de Francisco Badaró, no Vale do Jequitinhonha

saúde publ ica

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Outubro de 2010 Médico das Gerais 17

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O Programa de Educação Permanente (PEP) é uma proposta para os médicos de família que prioriza a constante for-mação desses profissionais. Foi criado em 2004 pelo Ministério da Saúde, tendo como objetivo as práticas de formação para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Em Minas Gerais, o PEP foi adotado a partir de diagnóstico realizado pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES), em que foram identificadas carências no atendimen-to e na capacitação dos médicos do atendimento primário. Mesmo não sendo realidade em todas as regiões do estado, algumas cidades já contam com o programa.

Junto ao diagnóstico, foram realizados estudos em países que desenvolvem esse tipo de trabalho. O programa uti-liza metodologia pedagógica baseada em situações clínicas reais apresenta-das pelos médicos, sempre com o foco no paciente. Com isso, pretende-se melhorar o nível dos atendimentos, aumentar a autoestima dos médi-cos de família, criar um sistema de aperfeiçoamento contínuo da prática profissional e ainda, reduzir a rotativi-dade dos profissionais do PSF.

Entenda o PEPatendimento de urgência é priorizado, o que atrapalha a rotina do PSF, que deveria dar mais atenção às ações preventivas. “Nós, médicos de família, temos uma ligação próxima com a comunidade. Eles entendem nossas dificuldades de atuação e temos um vínculo muito forte com os morado-res da região. Os pacientes também conhecem a realidade do médico”, destaca Silvânia.

Em relação ao salário, médicos do programa não reclamam do valor rece-bido, mas pelo fato de terem de se dedicar 40 horas semanais, almejam uma melhora. “Diferente de outros colegas de profissão, é muito difícil assumirmos outros postos de trabalho. Por essa dedicação exclusiva, o salário precisa melhorar”, destaca Artur Mendes.

Conquistas reais

O vínculo com a comunidade não é a única vantagem do atendimento primário, que envolve também custos menores tanto para o paciente quanto para o estado, e a equidade. “Em um contexto de desigualdade social, como no Brasil, o PSF é mais equitativo porque atende a toda a po-pulação”, afirma a professora do departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Veneza Berenice Oliveira. Em 2003, o programa passou a ser definido como Estratégia Saúde da Família (ESF), ganhando abrangência nacional e se fortalecendo frente às trocas de gestão política. “No início falavam que, com as mudanças políticas, o programa ia acabar, mas isso nunca aconteceu”, lembra a presidente da Sociedade Mineira de Medicina da Família e Comunidade, Ruth Dias. Porém, é inegável a influência de tais questões nas ações do programa. “O governo estadual tem dado muitos incentivos à estratégia, mas como a adesão depende dos municípios, a questão política é um dos fatores que dificultam a abrangência total”, afirma.

De acordo com o secretário de Saúde de Minas Gerais, Antônio Jorge de Souza, mensalmente, o Ministério da Saúde envia R$ 9,6 mil por equipe, destinados não ao pagamento de salários (função dos governos municipais), mas ao investi-mento na estrutura e ações da estratégia. Além disso, em Minas Gerais a Secretaria de Estado de Saúde (SES) também envia mensalmente incentivos financeiros de R$ 2 mil por equipe dos municípios com maior fragilidade na questão de saúde e menores condições econômicas. As de-mais cidades recebem R$ 1 mil por mês.

Em busca de melhorias

Desde que passou a ser tratado como estratégia em 2003, a cobertura popu-lacional do Saúde da Família aumentou, no país, 56,1% em comparação com os anos anteriores. Isso significa que, a cada

>> Segundo Silvânia de Souza, há uma proximidade grande entre os pacientes e a equipe do PSF►

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18 Médico das Gerais Outubro de 2010

saúde publ ica

ano, 5,8 milhões de pessoas passaram a se beneficiar da ESF, presente em 5.268 municípios de todas as regiões.

Para tentar contornar a falta de médicos que aflige tantas cidades, Ruth Dias afirma que a meta para o ano que vem é a de que o programa tenha 44 mil equipes, crescimento que será alcançado apenas com maiores incentivos, sobretudo na educação. Segundo ela, o momento atual e futuro é de ampliar o número de profissionais e a qualidade do atendimento por meio de cursos de especialização e residência médica para os generalistas, além de várias formas de educação permanente como o Telesaúde e o Programa de Educação Permanente (PEP) de Mi-nas Gerais (confira o box na página 17). O primeiro trata da instalação de aparelhos de eletrocardiograma cujas imagens podem ser enviadas do médico de família para ser analisado para um especialista da UFMG. O objetivo é que a ação diminua o índice de encaminhamentos de pa-cientes para hospitais.

“Infelizmente, em alguns poucos pontos do Brasil, o PSF está um pouco desvirtuado, principalmente por problemas políticos e influência de pessoas ‘retrógradas’, mas temos várias evidências científicas do sucesso e da melhora dos indicadores de saúde e qualidade de vida da nossa população associadas à implantação do PSF”, afirma Ruth.

Um desses trabalhos foi realizado também pelo Nescon, junto com pes-quisadores da Universidade Federal da Bahia e da New York University. Intitulado “Tendência das internações por condições sensíveis à atenção primária no Brasil: o papel da Estratégia Saúde da Família”, o estudo teve como objetivos descrever as tendências temporais das taxas de in-ternação por condições sensíveis (ICSAP) e avaliar o impacto da expan-são da atenção primária à saúde, por meio da implantação da Estratégia Saúde da Família, na ocorrência dessas internações no Brasil, regiões e estados, entre 1999 e 2007.

Considerando uma faixa etária de 0 a 79 anos, o trabalho mostrou que as taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária representaram 30% das internações hospitalares no Brasil. Além disso, houve uma redução nessas taxas de 24%, o que foi mais de 2,5 vezes maior do que a redução observada das taxas das demais causas de internação no país. “Na população a partir dos 20 anos, faixa etária onde as doenças crônicas são mais comuns, as internações diminuíram principalmente onde se tinha uma boa cobertura do programa”, ressalta Vene-za, que também participou do trabalho. Como “boa cobertura” a professora consi-dera regiões onde o índice de população inscrita no programa é maior que 60%.

A pesquisa mostrou ainda que uma atenção primária de qualidade é capaz de evitar a ocorrência de doenças, por meio de medidas de promoção da saúde, pre-venção de agravos, diagnóstico, tratamento precoce e acompanhamento adequado dos

>> Ruth Dias, presidente da Sociedade Mineira de Medicina de Família e Comunidade, destaca a necessidade de ampliação de cursos de especializa-ção e residência, além da educação continuada

A mais recente conquista do Brasil no tocante à medicina de família foi a confir-mação do Rio de Janeiro como sede do 21º Congresso Mundial de Medicina de Família, o Wonca, em 2016. A cidade desbancou Sidney e Seul, e espera reunir cerca de 11 mil participantes, entre autoridades, gestores, estudiosos, professo-res, pesquisadores e profissionais de todo o mundo. “Os médicos estrangeiros ficam impressionados em ver como conseguimos fazer tanto pela saúde básica com tão pouco”, afirma Ruth Dias. “O Brasil só conseguiu o resultado que tem hoje por trabalhar com equipes”, conclui.

Outra evidência do reconhecimento da estratégia em âmbito internacional foi a recente publicação, no boletim da Organização Mundial de Saúde, de uma matéria analisando a situação do sistema de saúde público no Brasil. Intitulada “Brazil’s march towards universal coverage” (marcha do Brasil rumo à cobertura universal), a reportagem mostra que, ainda que subfinanciado, o sistema exerce papel fundamental na ampliação do acesso público à saúde, citando a iniciativa do PSF. “A descentralização, a ênfase em cuidados primários de saúde e o esta-belecimento de transferência automática de recursos federais para os municípios tiveram um impacto significativo sobre os indicadores de saúde”, diz o ex-secre-tário de Saúde do Rio de Janeiro, José Noronha, citado pelo boletim.

Wonca no Brasil

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casos. Internações por doenças infeccio-sas preveníveis como sarampo, tétano e difteria, podem ser evitadas ou reduzidas, assim como por complicações de doenças infecciosas de outros tipos a exemplo das gastroenterites e pneumonias. A redução nas hospitalizações por complicações agu-das de doenças não transmissíveis —dia-betes, hipertensão e insuficiência cardíaca congestiva— também é observada.

O programa se mostrou eficaz ainda no tocante à mortalidade infantil. Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada 10% de aumento da cobertura da Saúde da Família há a redução de 4,6% da mor-talidade infantil do país. Em municípios onde o PSF está presente, a redução da mortalidade infantil é 20% maior do que nas demais localidades.

Em Minas Gerais, dados da SES mostram uma redução de 11% das hospitalizações por pneumonia e gastroenterite —resulta-do dos esforços na prevenção de doenças e consequente redução das ICSAP. Os dados apontam que o estado conta hoje com 4.024 equipes da ESF distribuídas em 834 municípios, o que significa uma cobertura de 91% do território. Porém, os desafios para que cada uma dessas equipes consiga efetivamente atender às necessidades da população ainda são muitos.“Estamos vivendo um momento de esgotamento das estratégias, dos salá-rios e dos profissionais. Existe quase um ‘leilão de médicos de família’”, afirma o secretário Antônio Jorge de Souza.

Investimento no profissional

Buscando suprir essa necessidade por desenvolvimento dos profissionais, a SES/MG adotou o Programa de Educação Permanente (PEP), proposto pelo Ministé-rio da Saúde, cujo objetivo é estimular o desenvolvimento profissional dos mem-bros das equipes, a partir de encontros nos quais experiências são trocadas. As reuniões são realizadas com uma mé-dia de 8 a 10 médicos das ESF de uma mesma região, que trabalham também na seleção dos tópicos de estudo e na

programação das atividades educacionais. Segundo a médica de família Silvânia, a sua equipe em Francisco Badaró (MG) tem grande expectati-va quanto à aprovação do PEP nessas regiões mais afastadas. “Pode ser um diferencial para suprir a carência de universidade e ensino no local”, afirma. “Poderemos ter um olhar diferente e apesar dos muitos proble-mas sempre temos a necessidade de nos atualizar. Seria um estímulo a mais”, ressalta a médica.

Na UFMG, uma das soluções encontradas para o investimento em edu-cação dos médicos de família dispersos pelo país foi a especialização à distância, oferecida pelo programa Ágora. Apoiado pelo Ministério da Saúde, Ministério da Educação e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o curso atende à demanda de formação em educação permanente do SUS, em larga escala.

“A questão da especialização é muito complicada, porque o usual é que o aluno faça a residência para depois atender na comunidade. Só que a residência dura dois anos, o que é impraticável, visto que o mercado de trabalho demanda médicos”, explica Veneza Berenice. Segundo ela, o ideal são cursos de especialização que contam como carga horária traba-lhada. André Christiano, que se formou em 2003 pela UFMG, lembra da defasagem que encontrou durante o curso no tocante à medicina de famí-lia, pelo fato de não ter nenhuma disciplina obrigatória sobre o tema. “No início do exercício da profissão é comum médicos cometerem falhas no atendimento, pela falta de preparo na universidade. Acaba que o aprendi-zado se dá na prática”, afirma.

Mesmo com tantos desafios pela frente, é inegável a importância e o crescimento da estratégia rumo à ampliação do acesso ao servi-ço público de saúde. “Se antes tínhamos um sistema cínico, que não considerava a existência do programa, hoje os médicos de família são convidados a apresentarem em congressos o que escrevem e discutem sobre o PSF. As faculdades não têm como desconsiderar a medicina de família e, além disso, temos incentivos do governo”, des-taca Artur Mendes.

>>A professora do

departamento de Medicina Preventiva

e Social da UFMG Veneza Berenice

ressalta que onde há maior abrangência do

PSF, houve redução das doenças crônicas em pacientes a partir

dos 20 anos

Outubro de 2010 Médico das Gerais 19

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20 Médico das Gerais Outubro de 2010

leg is lação

Segue incerta nova lei do salário-base

Desde 15 setembro de 2008, tramita na Câmara dos De-putados o Projeto de Lei nº 3.734/2008 do deputado Riba-

mar Alves (PSB-MA), que propõe fixar em R$ 7 mil o salário-base para médi-

Médica Brasileira (AMB) e Federação Nacional dos Médicos (Fenam)—, Alceu José Peixoto Pimentel, após o projeto ser aprovado na Comissão de Trabalho, Ad-ministração e Serviço Público (CTASP), a Câmara optou por encaminhar o texto para a CFT, que avalia os impactos or-çamentários e financeiros das propostas. “Apesar de a proposta instituir o salário de referência apenas na área privada, é possível que o governo esteja preocupa-do que se crie uma pressão para o setor público acompanhar a nova base sala-rial, o que é provável de ocorrer. Agora, com as eleições, a votação da proposta praticamente foi adiada para a próxima legislatura”, comenta.

O projeto segue em regime de tramita-ção ordinária na CFT e, se aprovado, segue para a CCJC, que irá verificar se o texto não conflita com a Constituição Federal. Depois, é encaminhado para a Mesa da Câmara, em seguida, para o Senado, onde será votado em plenário, e, finalmente, para o Executivo. Entretanto, caso a proposta não seja aceita na CFT, o processo é arquivado. Segundo Pimen-tel, mesmo com a indefinição atual, há motivo para otimismo. “Já conseguimos uma aprovação e não recebemos nenhu-ma resistência oficial ao projeto, mas continuaremos a nos organizar, pois se trata de uma proposta legítima e que vem ao encontro dos interesses da sociedade”, defende. A equipe da revista Médico das Gerais procurou ouvir o deputado José Guimarães (PT-CE), relator do projeto na CFT, que não se pronunciou até o fecha-mento da edição.

Tramitação do projeto na Câmara se arrasta há mais de dois anos

Alceu José Peixoto Pimentel, conselheiro do CFM e coordenador da Comissão de Assuntos Políticos (CAP)

“Apesar de a proposta

instituir o salário de

referência apenas na área

privada, é possível que o

governo esteja preocupado

que se crie uma pressão

para o setor público.”

cos e cirurgiões-dentistas da rede privada, tendo como referência uma jornada de 20 horas semanais. A proposta também estabelece o valor horário mínimo de R$ 31,81 e prevê reajustes anuais de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Con-sumidor (INPC). Dois anos após a apre-sentação na Câmara, o texto, que seguia para Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJC), última etapa para apro-vação na Casa, foi requisitado na Comis-são de Finanças e Tributação (CFT), onde a proposta se encontra neste momento.

Como explica o coordenador da Comis-são de Assuntos Políticos (CAP) —for-mada por representantes do Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação

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Outubro de 2010 Médico das Gerais 21

leg is lação

Disparidades no país

O salário-base para médicos da rede privada é definido pela Lei nº 3.999 de 1961, que estabelece um piso de três vezes o salário-mínimo em vigor no país. Atualmente, esse valor corresponderia a R$ 1.530. Entretanto, o piso de referência da Fenam para ingres-so no mercado, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) a partir da atualização do salário-mínimo praticado em 1961 e corrigido de acordo com índices oficiais de inflação, é de R$ 8.593.

Segundo o presidente da Fenam, Cid Car-valhaes, o piso médio nacional praticado hoje segue bem abaixo desse montante, algo em torno de R$ 3,2 mil, incluindo-se gratificações como qualificações e quin-quênios, sendo que há casos de dispa-ridades gritantes. “O maior exemplo é o do governo do Estado de São Paulo, cuja referência de salário-base é de R$ 600. Outra disparidade é o da prefeitura de São Paulo, com uma base de R$ 1.273. Houve recen-temente um edital de concurso público para prefeitura do Rio de Janeiro cujo salário era de pouco mais de R$ 800”, exemplifica. Mesmo abaixo do piso reco-mendado pela Fenam, o projeto nº 3.734 de 2008 conta com o apoio da entidade, que acredita que o piso salarial de R$ 7 mil para a rede privada também poderia contribuir com o setor público.

Na avaliação do primeiro tesoureiro da As-sociação Médica Brasileira (AMB), Florisval Meirão, esse desequilíbrio econômico está prejudicando pacientes tanto do atendi-mento público quanto do privado. “Em muitas cidades, os médicos já não querem atender ou não realizam cirurgias pelos baixos valores que são pagos. Dessa forma, cria-se uma situação contraditória, pois as pessoas pagam planos de saúde porque o SUS não consegue garantir atendimento de qualidade, ágil e adequado, porém acabam encontrando as mesmas dificuldades de acesso”, afirma.

Minas na tendência nacional

De acordo com o presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), Cristiano da Matta Machado, a situ-ação em Minas não é diferente. Segundo ele, todos os salários-base praticados atualmente estão muito abaixo do refe-rencial da Fenam. Para se ter uma ideia, em 2009, o piso salarial da prefeitura de Belo Horizonte para 20 horas semanais era de R$ 2.736. “As principais reivindi-cações vêm dos médicos que trabalham para o Sistema Único de Saúde (SUS), sendo que a demanda no interior tem crescido, visto que o grau de precarização e ausência de vínculo e compromisso dos gestores públicos com os médicos é assustador. No estado, a principal preocu-pação é com os médicos que trabalham para a Secretaria de Estado da Saúde (SES), que recebem salários exíguos e trabalham em uma situação de completo abandono. Já na saúde suplementar, os questionamentos ficam mais dispersos porque geralmente não existem vínculos empregatícios”, explica.

Na avaliação de Matta Machado, frente à essa situação, a aprovação do Projeto nº 3.734 é hoje uma das grandes lutas nacionais. “Por duas vezes o Congresso aprovou piso para a categoria, que foi vetado pelo Executivo. As dificuldades são muitas, mas esperamos poder conquistar brevemente essa referência”, conclui.

Médico das Médico das

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além da medic ina

Doutores radicais

A carreira médica é, muitas vezes, associa-da ao estresse e à tensão. A correria do dia a dia, as horas nos centros cirúrgicos e a preocupação com a evolução do

estado de saúde dos pacientes são exemplos do cotidiano atribulado dos médicos. Não é por acaso que muitos procuram em esportes radicais uma válvula de escape para a tensão cotidiana. Endu-ros, voo livre, surfe e alpinismo estão na lista dos esportes radicais preferidos por alguns médicos.

O cirurgião cardiovascular Luís Fernando Caetano, de 60 anos, é um dos profissionais que se valem dos esportes chamados radicais para fugir da rotina e aliviar o estresse. Praticante de enduros e rallies há mais de 20 anos, Caetano vê no esporte algo mais do que os riscos e o esforço físico que normalmente são associados a esse tipo de modalidade. “Vejo que o rally é muito bom para a cabeça. Você conhece muitos lugares novos, tem contato com a natureza, gastronomia e cultura por onde passa. É uma terapia.”

A história de Caetano com os rallies vem de longa data. O cirurgião praticou enduros por 17 anos pilotando motocicletas. Sobre duas rodas, partici-pou de 10 Enduros da Independência, uma das provas mais famosas da categoria. Foi só depois de anos pilotando motos que os carros de trilhas entraram na vida do médico. “Quando tinha 51 anos, me convidaram para competir com automó-veis e me saí bem”, conta. A partir daí não parou mais. O envolvimento foi tão grande que chegou a presidir o Rally Clube de Minas Gerais por sete anos. Em seu currículo estão ainda 10 participa-ções no Rally dos Sertões, o mais tradicional do país. “Comecei como médico das provas e hoje fico acompanhando a imprensa.” Mas sua partici-pação não para por aí. Além do Rally dos Sertões, durante dez dias por ano nos meses de agosto,

Caetano participa do Campeonato Mineiro, que tem oito etapas durante o ano.

Quando perguntado sobre os riscos do esporte, ele logo procura afastar essa ideia. “O rally é muito mais tranquilo do que se pensa. Tem muita segurança. Nesse tempo todo em que eu corro, somente uma vez eu vi um piloto indo para o hos-pital, e nem foi caso sério. Lidamos com um risco controlado.” Ele conta que já sofreu alguns aci-dentes, mas nenhum deles grave. “Já capotei duas vezes, mas nunca tive nada. Houve uma vez em que perdi uma roda e acabei andando 5 km sem a roda traseira do carro.” Mesmo assim, o médico rebate qualquer argumento sobre a periculosidade de seu hobby: “Competições são muito menos perigosas do que o tráfego de estrada”.

Altas aventuras

Outro médico que dedica parte de seu tempo aos esportes radicais é o ortopedista José Carlos Vilela, de 35 anos, praticante assíduo de alpinismo. Ele começou a escalar há dez anos, quando terminou a residência médica. “Recebi o cartão de um pes-soal que oferecia curso de montanhismo, fui ver como era e gostei. Acabei me empolgando”, conta. Assim, o esporte ganhou uma dedicação religio-sa na vida do médico. Pratica no mínimo quatro vezes por semana —três em academia e uma em rochas— e sempre está em busca de novas mon-tanhas para subir. “Viajo pelo menos uma vez por mês. Já estive em todo o Brasil para escalar.”

Segundo ele, a escalada traz várias vantagens para a sua vida, na medida em que é um esporte que exige muita concentração, além de uma série de cuidados no que se refere à segurança física. “Ajuda muito a manter o condicionamento físico, e tem o contato com a natureza. O esporte demanda um grau de atenção mental muito grande. Tem de

>>O Mont Blanc foi uma das grandes experiências do ortopedista José Carlos Vilela

>>O Mont Blanc foi uma das grandes experiências do ortopedista José Carlos Vilela

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ter disciplina em todos os aspectos, no cuidado com o material, nos treinos, e é uma disciplina que me ajuda bastante em outros campos da minha vida.” Outro ponto positivo apontado por Vilela são as amizades que ele colecionou escalan-do montanhas. “Fiz muitas amizades na escalada, amigos muito próximos. Quando morei na França, por exemplo, me socializei bastante com o pessoal de lá, onde é comum a prática do alpinismo.”

Entre as escaladas mais especiais citadas pelo or-topedista estão o morro do Corcovado, que já su-biu cinco vezes, e o Mont Blanc, o pico mais alto da Europa, que fica na fronteira entre a França e a Itália. “Cada montanha é especial: umas, por serem difíceis; outras, pela paisagem.” A beleza e a dificuldade, aliás, são os atrativos de um dos seus próximos objetivos. “Tenho vontade de subir o [Cânion do] Verdon, na França. Por ser um local difícil e bonito ao mesmo tempo.”

Família radical

A medicina não é a única coisa em comum entre o cirurgião geral Carlos Henrique Mourão, de 52 anos, e seus filhos, Henrique, residente em ultrasonografia, e Fernando, estudante do último período de medicina. Os três têm uma longa história na prática de esportes radicais.

O gosto pela aventura, no caso deles, não fica restrito a apenas uma modalidade. Caiaque, motocross, rafting, surfe e voo livre estão na lista dos esportes já praticados por algum dos membros da família.

De acordo com Henrique e Fernando, o grande responsável pelo interesse deles pelos espor-tes foi o pai, que os estimulava na prática de atividades físicas desde que eram crianças. “Sempre fomos incentivados pelo meu pai. Eu e meus irmãos acabamos nos acostumando com isso”, conta Henrique. O fato de morarem em Governador Valadares foi um incentivo a mais. “Tem uma foto minha e do meu irmão com o meu pai no caiaque. Eu devia ter uns cinco anos, era bem novinho mesmo. Eu e meu irmão nem conseguíamos remar, nosso pai amarrava os três caiaques e ia sozinho puxando nós dois”, lembra Fernando. O próprio Carlos Henrique assume sua participação no interesse dos filhos. “Eu sempre incentivei os meninos nos esportes.”

A proximidade ao Rio Doce, que corta a cidade do leste mineiro, também foi um dos fatores que levaram a família à prática do rafting. Carlos Henrique conta que os filhos começaram descendo o rio em boias e em pranchas que-

>>O cirurgião geral Carlos Henrique Mourão estimulou os filhos pelo exemplo

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>>O cirurgião geral Carlos Henrique Mourão estimulou os filhos pelo exemplo

>>O cirurgião geral Carlos Henrique Mourão estimulou os filhos pelo exemplo

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bradas, quando começou a acom-panhá-los. Henrique lembra que, nesse esporte, o pai assumiu o papel quase de um provedor. “Mo-ramos em uma ilha em Governador Valadares e sempre em épocas de cheia costumávamos descer o rio em grandes boias. Meu pai notou nosso gosto e comprou um bote para praticarmos rafting”.

Para o filho mais novo, Fernando, o Rio Doce foi um estímulo para o surfe. “Comecei em Governador Valadares, na época das cheias do rio. Primeiro foi descendo de boias, depois comecei a usar pranchas de body e só então passei a usar prancha de surfe. Para cursar a faculdade, Fernando mudou-se para Teresópolis, na região serrana do Rio; de lá, começou a surfar também no mar, em cidades como Saquarema, Niterói e Ubatuba. Henrique, por sua vez, resolveu se aventurar também pelos ares. Há um ano fez um curso para voos em paraglider e está retomando ago-ra. Ao contrário do que ocorria na infância dos garotos, agora são eles que influenciam o pai. “O Henrique começou a fazer a voo livre e eu

penso em tentar fazer também”, diz Carlos Henrique.

Cautela, adrenalina e relaxamento

Henrique e Fernando afirmam que a presença do pai perto deles na prática desses esportes vai além do incentivo ao interesse pelas atividades físicas. Segundo eles, o pai também sem-pre esteve presente como um ponto de precauções contra os riscos das modalidades. “Ele sempre foi bem seguro, nos orientou muito a fazer da forma correta”, conta Fernando.

Carlos Henrique revela que uma de suas grandes preocupações sempre foi mesmo a segurança dos filhos na prática de esportes. “A gente acaba estando ali para ter uma nova noção de perigo. Meu interesse e envolvimento no esporte junto com os meninos é de convivência, precaução e orienta-ção. Sempre fui muito cauteloso e tive limite.” A preocupação do pai, claro, se refletiu nos filhos. Henrique diz não se desligar dos fatores de segurança na prática de qualquer esporte. “Acho que todos os esportes que têm a tarja de

radical precisam de ponderação. Tudo depende do jeito que você faz. Sempre fiz tudo com muita cautela. Os riscos existem, mas são todos calculados”, explica.

A recompensa de todo esse envolvi-mento dos Mourão com os esportes radicais é traduzida por cada um deles como uma sensação de adre-nalina, superação e relaxamento. “O que me atrai é a parte da adrena-lina, a velocidade. É uma maneira diferente de extravasar o estresse do dia a dia”, diz Herinque, que também fala do inusitado que cerca esse tipo de atividade. “Experimen-tar emoções diferentes que você não consegue extrair em um dia comum é uma sensação muito boa.”

Para Carlos Henrique, a tensão do cotidiano médico encontra vazão na prática desses esportes. “Nos preocupamos com os pacientes, se melhoram ou pioram. Com isso, nunca conseguimos chegar a um nível zero de tensão. Quando você pratica esportes radicais, a sua tensão explode, a adrenalina vai ao máximo. Depois que esse momento passa, a sua tensão volta a zero”, conclui.

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>>No pico do Ibituruna, em Governador Valadares, o residente em ultrassonografia Henrique Mourão pratica o paraglider

>>No pico do Ibituruna, em Governador Valadares, o residente em ultrassonografia Henrique Mourão pratica o paraglider

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Declaração de Óbito suscita dúvidas entre os médicos

O momento da morte é sempre difícil para todos os envolvidos, seja família ou amigos. Ligados diretamente a esse momento difí-

cil, os médicos têm uma importante função a cumprir: a emissão correta da Declaração de Óbito (DO). Implantado pelo Ministério da Saúde em 1976 com um modelo pa-dronizado para todo o território nacional, o documento é a base do Sistema de Infor-mações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), e o principal registro do fim da existência jurídica de um cidadão.

Na prática, a DO cumpre duas importan-tes funções. A primeira é a de ser fonte de informações sobre a mortalidade da população, possibilitando a criação de es-tatísticas a esse respeito e a elaboração de políticas públicas de saúde. A segunda, de caráter jurídico, é a de ser o documen-to hábil para a liberação, pelos Cartórios de Registro Civil, da Certidão de Óbito. Desse modo, é também de suma impor-tância seu correto preenchimento.

O documento, entretanto, nem sempre é tratado de maneira correta. Seu preenchi-mento está condicionado ao cumprimento de protocolos por parte dos médicos que nem sempre são obedecidos. Por mais que possa parecer improvável, não é incomum que médicos assinem a DO sem terem definido corretamente a causa mortis do indivíduo ou mesmo sem terem visto e examinado o cadáver.

Pensando nisso, o Conselho Federal de Medicina editou, em 2006, uma carti-lha informativa inteiramente dedicada à Declaração de Óbito e aos procedimentos inerentes ao documento (acesse em: www.portalmedico.org.br/arquivos/cartilha_do_cfm_ms.pdf). De acordo com o texto, a emissão da DO é ato médico estabelecido em legislação, cabendo ao médico, por-

tanto, o compromisso ético e jurídico pelo correto preenchimento e assinatura da DO. É o que também afirma o médico legista da Secretaria de Estado da Defesa Social e conselheiro do CRMMG, André Lorenzon de Oliveira. “Só médicos podem atestar óbitos, tratando-se de um ato que deman-da formação de caráter técnico-científico inerente à medicina, pois implica em diag-nóstico da causa de morte”, explica.

André Lorenzon de Oliveira, médico legista da Secretaria de Estado da Defesa Social e conselheiro do CRMMG

“Há grande importância em se elucidar rapidamente o motivo do óbito em eventos relacionados a doenças transmissíveis, em especial aqueles sob investigação epidemiológica, com a finalidade de implementar medidas oportunas de vigilância e controle.”

Procedimentos determinantes

Para a emissão adequada da DO, a cartilha publicada pelo CFM estabele-ce procedimentos protocolares a serem executados pelos médicos. O primeiro deles é a identificação correta da pessoa falecida com base em documentos do indivíduo. Nos casos de morte de pessoas não identificadas, o reconhecimento do cadáver deve ser procedido por autorida-des policiais. O médico deverá também registrar as causas da morte obedecendo a regras internacionais que apontam o diagnóstico e o tempo decorrido entre o início da doença e o óbito do paciente.

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>> Para o médico patologista Geraldo Brasileiro, o Serviço de Verificação de Óbito (SVO) será importante ferramenta para o aprimoramento de políticas públicas para a saúde

Nesse ponto, reside uma das principais falhas na emissão da DO. Alguns médicos registram a causa mortis utilizando termos vagos, como parada cardíaca ou falência de múltiplos órgãos. Na maioria dos casos, isso se dá pelo fato de os médicos não terem acompanhado o histórico do paciente, o que prejudica o registro estatístico das razões da morte. Em casos assim, é preciso solicitar a necropsia do cadáver, como afir-ma o médico patologista e professor-titular do departamento de Anato-mia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFMG, Geraldo Brasileiro. “A necropsia é solicitada quando o médico que estava acompanhando tem dificuldade em atestar o óbito, porque não sabe o que aconteceu, ou naqueles casos em que a pessoa não teve assistência médica, não foi atendida, ou foi encontrada morta em um lugar qualquer da cidade, sem sinal nenhum de violência.”

Conhecer as causas de morte nos casos de óbitos não violentos não sig-nifica que a realização da necropsia seja impreterível em todos os faleci-mentos. Brasileiro explica que, na grande maioria das mortes decorren-tes de causas naturais, as pessoas são acompanhadas por profissionais da saúde. “As pessoas já têm uma assistência médica e o profissional que as acompanhou em vida é o responsável pelo atestado de óbito.”

Já nos casos de morte violenta, o procedimento de autópsia deve ser feito por médicos legistas, como explica Lorenzon. “Apenas peritos oficiais, médicos le-gistas e nomeados ad hoc [com esta finalidade] por autoridades competentes —judicial ou policial— e em caráter excepcional para exercer o cargo público da função de perito podem atestar óbitos de causas não naturais”, afirma.

As únicas exceções feitas em relação aos procedimentos médicos após a morte de qualquer pessoa residem nos casos em que o óbito ocorre na ausência de médicos nas proximidades — situações comuns em regiões lon-

gínquas e zonas rurais. André Lorenzon de Oliveira destaca que, nessas circunstâncias, leigos também podem constatar e declarar o óbito. “No modelo de Declaração de Óbito do Ministério da Saúde, consta no item IX ‘Localidade sem Médico’, o campo 61, ‘De-clarante’ e o campo 62, ‘Testemunhas’ para serem preenchidos por leigos.” Lorenzon pontua que qualquer pessoa pode declarar óbitos em casos de ausência de profissio-nais capacitados. “Leigos podem declarar o óbito, deixando sem preencher os campos referentes aos diagnósticos, doenças ou estado mórbido”, finaliza.

Verificação de óbitos em rede

Com base na importância da coleta de dados referentes à mortalidade da popu-lação brasileira, o Ministério da Saúde criou, em junho de 2006, o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), cujo princi-pal objetivo é a realização de necropsias em casos de morte natural para descobrir, com precisão, a causa mortis. “Há grande importância em se elucidar rapidamente o motivo do óbito em eventos relacionados a doenças transmissíveis, em especial aqueles sob investigação epidemiológica, com a finalidade de implementar medi-das oportunas de vigilância e controle”, destaca Lorenzon.

Antes da instituição dos SVOs, o traba-lho de verificação de causas de morte era realizado somente pelos Institutos Médicos Legais (IMLs). Essa situação, entretanto, deixava algumas lacunas na verificação das causas de mortes. Isso porque aos IMLs cabe a atribuição de realizar necropsias em casos de mortes violentas como assassinatos, suicídios e acidentes. Em situações de morte natural —decorrentes de doenças ou estados mórbidos—, muitas vezes, não era possí-vel ter conhecimento sobre as razões do falecimento, já que não era função dos IMLs fazer esse tipo de verificação. Nesse sentido, não saber que fatores eram res-ponsáveis pela mortalidade natural das pessoas representava uma enorme perda do ponto de vista da saúde pública. ►

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“Perde-se o conhecimento sobre o que está acontecendo em termos de saúde de uma maneira global”, ressalta Brasileiro.

Serviço ainda incompleto

Quatro anos depois de sua instituição pelo Ministério da Saúde, a atua-ção dos SVOs ainda não é completamente abrangente em Minas Gerais. Segundo dados da Superintendência de Epidemiologia da Secretaria de Estado da Saúde (SES), as causas de mortes mal definidas representam, em média, 11,9% dos óbitos registrados em Minas. Essas estatísticas são ainda mais preocupantes quando observadas separadamente de acordo com as diferentes regiões do estado. Na macrorregião do Norte de Minas, a média de mortes com causas indefinidas quase triplica, chegando a 29,4% do total de óbitos. Os números também são altos no Vale do Jequitinhonha (28,2%) e Nordeste mineiro (25,9%).

Ainda de acordo com informações da Superintendência de Epidemiolo-gia da SES, existem ações em desenvolvimento que visam à implanta-ção de uma Rede Estadual do Serviço de Verificação de Óbitos. Dentro dessas ações, segundo a Secretaria, estão uma série de visitas aos mu-nicípios a fim de verificar a estrutura já existente em cada um deles, o interesse para a implantação por parte dos municípios e o levantamento dos custos necessários.

De acordo com a Superintendência, em municípios como Juiz de Fora, Mon-tes Claros, Poços de Caldas, Uberlândia e Varginha, já existe uma estrutura pronta para o funcionamento do SVO, que na maioria dos casos está vincu-lado às secretarias municipais de saúde e às faculdades de medicina locais (UFJF, Unimontes, UFSJ e UFU). Todas essas cidades demonstraram interes-se em fazer parte da rede estadual, mas, de acordo com a secretaria, não é possível a implantação imediata. O assunto está na pauta da próxima reunião da Comissão Intergestora Bipartite (fórum de negociação entre o estado e os

municípios na implantação e operacionaliza-ção do Sistema Único de Saúde).

Em Belo Horizonte, o SVO ainda não está efetivamente implantado. A verificação de causa mortis na capital ainda é feita pelo IML. Segundo a SES, há uma parceria junto à Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria de Estado de Defesa Social para a inclusão da cidade no projeto de implan-tação da Rede Estadual de Verificação de Óbitos. De acordo com o professor Geral-do Brasileiro, que atuou como consultor para a implementação do SVO em Minas Gerais, Belo Horizonte apresenta uma grande demanda para a implantação do SVO, pois o IML, sozinho, não consegue suprir essa necessidade. “É claro que eles fazem o máximo possível dentro de sua capacidade de trabalho, mas certamente não atendem a todos. Acredito que, como acontece em outros locais, sendo criado um SVO, a demanda vai crescer muito, porque vão surgir outros casos, até de pessoas que tiveram assistência médica, mas que os profissionais não sabem o que as levaram à morte. Em casos assim, os médicos vão poder solicitar a necropsia, sabendo que vão ter melhores condições de atendimento. A criação do SVO vai contribuir bastante.”

Morte fetal e de recém-nascidos A Declaração de Óbito (DO) somente será necessária para gestações com mais de 20 semanas, com feto de peso igual ou superior a 500g ou estatura igual ou superior a 25 cm. Crianças nascidas vivas e que morrem após o parto devem ter a declaração de óbito emitida pelo médico, independentemen-te do tempo de duração da gestação ou do peso do bebê.

Paciente sem assistência mé-dica e sem sinais de violência Ao constatar o óbito o médico deve fazer um cuidadoso exame externo do cadáver para verificar se há sinais de violência. Caso não haja suspeita de morte vio-lenta, o médico deverá registrar: “morte sem assistência médica”. Se, posterior-mente, for levantada a suspeita de que

Principais dúvidas sobre a emissão da DO

o indivíduo possa ter sido envenenado, por exemplo, o médico estará isento de responsabilidades legais.

Óbito durante transferência entre unidades de saúde Pacientes transferidos sem o acompa-nhamento de um médico, mas com o relatório que possibilite o diagnóstico da causa de morte, poderão ter a DO emitida pelo médico que o recebeu ou pelo que o encaminhou. Se o relatório não permitir o esclarecimento da causa mortis, o paciente deverá ser encaminha-do para o SVO (mortes naturais) ou IML (em caso de sinais de violência). Trans-ferir pacientes sem o acompanhamento de um profissional ou relatório médico é ilegal. Em casos assim, a DO deverá ser emitida pelo médico que realizou a transferência ou, na impossibilidade

disso, o corpo deverá ser encaminhado ao SVO ou IML.

Médico do PSF Profissionais que atendem no Programa de Saúde da Família podem emitir a DO, desde que tenham acompanhado a evolução do quadro do paciente e examinado o corpo após terem sido comunicados do óbito.

O médico pode cobrar pela emissão da DO? O ato de examinar e constatar o óbito só poderá ser cobrado em caso de paciente particular a quem o médico não vinha prestando atendimento antes do óbito. Nos demais casos, a emissão da DO não poderá ser cobrada.Fonte: Declaração de Óbito: documento necessário e importan-te. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Conselho Federal de Medicina e Ministério da Saúde

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Dicas úteis

Você sabia que médicos plantonistas de unidades de pronto-atendimento ou pronto-socorro não são obrigados a preencher “auto de corpo de delito”, do-cumento oficial, de competência dos peritos oficiais (médicos legistas ou médicos peritos ad hoc)? De-vem, contudo, elaborar prontuário de atendimento, registrando todas as lesões e alterações encontra-das, de forma legível, para posterior requisição pela autoridade competente e encaminhamento para médicos peritos oficiais.

Auto de corpo de delito: responsabilidade de peritos

De acordo com a resolução CFM nº 1.672/2003, que dispõe sobre o transporte inter-hospitalar de pacientes e dá outras providências, ao médico-assistente compete apenas solicitar vaga para um paciente assistido por ele na sua própria instituição. Na ausência de vagas na instituição, ela deverá ser buscada pelo setor administrativo. A obrigação do médico é a de entregar relatório médico e estabelecer contato com o médico-receptor ou diretor-técnico da instituição para a qual o paciente foi transportado.

O que fazer na remoção de pacientes

Peça sempre ao paciente ou responsável para assi-nar o termo de consentimento livre esclarecido. Esse documento não exime o médico de sua responsabilida-de, nem garante que ele não vai ser processado, mas é fundamental para comprovar que o paciente ou seu responsável foi devidamente informado sobre o proce-dimento, possíveis complicações, resultados e prog-nóstico. Informar e obter o consentimento do paciente são obrigações previstas no Código de Ética Médica. Apenas em casos de risco de morte iminente, o médico pode (e deve) abster-se da autorização. A maioria das Sociedades de Especialidades possui modelos de termos de consentimento, que podem ser aproveitados nas mais variadas situações.

Implante o Termo de Consentimento Informado

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Se você não quer ser pego de surpresa por algum paciente indagando sobre uma descoberta científica noticiada em jornais ou revistas de circulação nacional, passe a receber a “Newsletter CDC/AMMG”, distribuída pelo Centro de Documentação Científica da Associação Médica de Minas Gerais. Toda semana, uma equipe de bibliotecários seleciona cinco notícias de repercussão veiculadas na imprensa leiga e relaciona, a cada uma delas, dois artigos científicos publicados em periódicos especializados. A ideia é que o médico possa acompa-nhar as novidades e ter informações técnicas confiáveis sobre cada tema. A newsletter é enviada gratuitamente por e-mail. Para recebê-la, o médico deve se cadas-trar no site www.ammg.org.br. Mais informações pelo telefone (31) 3247-1633.

Em sintonia com a imprensa

Segundo a Constituição da República, Artigo 37, inc. XVI, letra “C”, os médicos podem acumular até dois cargos públicos na administração direta ou indire-ta (fundações, autarquias, empresas públicas, de economia mista e suas subsidiárias), “quando houver compatibilidade de horários”. Vale ressaltar que o contrato administrativo também é considerado cargo público, embora o empregado não seja concursado.

Quanto aos contratos firmados por meio da CLT ou como autônomo para prestação de serviços por empresas privadas, não há um número de contratos determinados, mas deve-se sempre avaliar a compati-bilidade de horários. Qualquer dúvida sobre o assun-to, procure o departamento jurídico do Sinmed-MG.

Quantos empregos públicos o médico pode ter?

O Sinmed-MG alerta que qualquer movimento reivin-dicatório deve ser conduzido pelo sindicato, que é a entidade representativa da categoria. Especialmente no caso de paralisações no serviço público, existe uma série de exigências para que o movimento não seja decretado ilegal. Entre elas, estão a convocação pelo sindicato de uma assembleia com os médicos para deliberar sobre a paralisação, a necessidade do fato ser comunicado à Administração Pública com antecedência mínima de 72 horas e a garantia de cobertura nos serviços de urgência e emergência. O CRMMG também deve ser comunicado.

Regras para paralisações

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cuide-se

Bons conselhos, maus exemplos

Atuando diretamente pela promoção do bem-estar de seus pacientes, os médi-cos muitas vezes acabam

deixando sua própria saúde em segundo plano. A afirmativa de que exercitar-se é o mais eficaz recurso para uma vida com saúde e quali-dade é popularmente conhecida em todo o mundo, mas, na classe médi-ca, muitas vezes a prática regular de atividades físicas fica restrita apenas à recomendação aos pacientes.

Segundo pesquisa preliminar pu-blicada na revista Médica de Minas Gerais no ano passado e apresen-tada no I Congresso Nacional de Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG, em 2008, mais de 40% dos jovens profissionais de saúde se dis-seram completamente sedentários e, dentre os ativos, havia uma tendên-cia para a diminuição das atividades físicas nos últimos cinco anos. Dos que afirmaram praticar alguma atividade física, apenas 60% faziam exercícios em quantidade adequada.

Revelando o preocupante dado de que os médicos praticam ainda

menos atividades físicas do que a média da população, outra pes-quisa internacional publicada em 2009 (Doctors: fighting fit or couch potatoes?), dessa vez no British Journal of Sports Medicine, mostrou também que estudantes de medici-na que tinham o hábito de praticar atividades físicas cinco vezes por semana, deixaram de se exercitar depois de se formarem.

Mal contemporâneo

Principal fator de risco para a morte súbita e considerado a doença da modernidade, o sedentarismo é fruto do estilo de vida sugerido —alguns até dizem imposto— pela tecnologia. A maioria das atividades que demandam gasto de energia está sendo substituída por tarefas automatizadas, executadas por meio do acionamento de botões e colocando em prática a famosa lei do menor esforço. Outro fator que desestimula a prática das atividades físicas atualmente é a própria falta de segurança nas cidades, tornando a missão de abandonar o sedenta-rismo ainda mais difícil.

Redução da flexibilidade, ganho de peso, flacidez, aumento da incidên-cia de doenças como hipertensão arterial, diabetes, obesidade e infarto do miocárdio e até mesmo comprometimento de órgãos são al-gumas de suas consequências. En-tretanto, as vantagens da prática de exercícios não se restringem à fortifi-cação de ossos e músculos, redução de peso, melhoria da eficiência cardíaca e pulmonar e diminuição da pressão sanguínea, mas também abrangem benefícios mentais como aumento da capacidade de trabalho intelectual, melhoria da auto-estima e redução da ansiedade.

Desculpa ou motivo real?

Profissão prestigiada e tida como aquela que reúne apenas pessoas saudáveis e conscientes, a classe não está imune aos sintomas do sedentarismo. A rotina atribulada e exaustiva dos médicos é o principal motivo que os impede de praticar atividades físicas com regularidade.

Segundo o especialista em Clínica Médica e Medicina Esportiva e professor de Fisiologia do Exercício da Universidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG), Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, a falta de tempo não é uma desculpa dos médicos e constitui uma razão real para moti-var o sedentarismo. “É um problema enfrentando por profissionais de todas as áreas e não só da médi-ca. Embora estejamos plenamente conscientes das consequências do sedentarismo como profissionais da saúde, não estamos isentos dos mesmos conflitos das outras pesso-as”, afirma. Ele ressalta que cuidar

Luiz Oswaldo Carneiro Rodrigues, especialista em Clínica Médica e Medicina Esportiva e professor de Fisiologia do Exercício da UFMG

“A falta de tempo

não é uma desculpa

dos médicos e

constitui uma razão

real para motivar o

sedentarismo.”

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da capacidade física não deve ser considerada uma tarefa mais fácil para os médicos do que para a população em geral, já que todos estão expostos às mesmas dificuldades.

O médico aponta quatro dos principais motivos que impedem ou dificultam a realização de exercícios regularmente na classe: a mecanização/automatização das tarefas da sociedade e a elimi-nação das distâncias para muitas das tarefas cotidianas por parte dos recursos do mundo virtual; a superposição entre o ideal da profissão médica e a competição agressiva no mercado de traba-lho; o pensamento que o exame médico deve ser obrigatório antes das atividades físicas e o enorme esforço consciente requerido para o ato de realizar atividades físicas sem objetivos imediatos, o que contraria nossos instintos básicos de preservação de energia. “Conhecer de perto os malefícios do sedentarismo não é fator condicionante para modificar a postura sedentária dos médicos. A motivação e a adesão real ao hábito de praticar exercícios não é tarefa fácil para todos e inclui a classe médica”, diz.

Consciência

Deixar o sedentarismo de lado exige determinação e disciplina, mas não precisa ser tão difícil como muitos pensam. Desempe-nhar as tarefas físicas presentes no dia a dia de forma consciente já é um primeiro e importante passo para se movimentar e au-mentar o gasto energético. Subir alguns lances de escada em vez de utilizar o elevador e caminhar pequenas distâncias, deixando o carro na garagem são alguns exemplos que, com o tempo, viram hábito. É o que faz o especialista em clínica médica Luís Edmundo Noronha Teixeira, que percorre cerca de três quilômetros todos os dias. “Só ando a pé”, conta. O médico começou, também, a praticar corrida diariamente depois de uma hérnia de disco e risco de hipertensão arterial que teve há dois anos e meio. “Depois de alguns anos parado, passei a correr de 50 a 60 km por semana e o que era indicação da minha fisiatra, hoje virou rotina”, afirma. O mesmo faz a pediatra Lélia Maria de Almeida Carvalho, que desde os 18 anos mantém uma vida fisicamente ativa. “Já pratiquei na-tação e musculação e, agora, corro quatros vezes por semana com uma equipe em diferentes locais de Belo Horizonte”, conta.

Quem também deu um passo rumo aos bons hábitos foi o cirur-gião plástico de Governador Valadares Marcos de Barros Camargo, que faz musculação todos os dias há 25 anos. “Comecei aos 17 e nunca mais parei. Faz bem para meu corpo e minha mente e, ao mesmo tempo em que me exercito, me divirto”, afirma o médico, que também pratica esportes mais radicais como asa delta, para-pente, surfe, mergulho e boxe. Aos que levam uma vida corrida no que diz respeito a trabalho, mas parada em relação às atividades físicas, Marcos aconselha: “É a melhor fonte de disposição para encarar o dia a dia sem estresse”.

>>Marcos de Barros Camargo, cirurgião plástico, faz musculação desde os 17 anos

>>Luís Edmundo Noronha Teixeira, especialista em clínica médica, passou a correr de 50 a 60 km por semana

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>>Marcos de Barros Camargo, cirurgião plástico, faz musculação desde os 17 anos

>>Luís Edmundo Noronha Teixeira, especialista em clínica médica, passou a correr de 50 a 60 km por semana

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Complexidade em arte e beleza

Desde quando foi ideali-zado como propriedade particular pelo empresário Bernardo Paz, na década

de 80, o Instituto Inhotim é peça-chave do circuito cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Situado em Brumadinho, a 60 km da capital mineira, o complexo museológico ocupa uma área de 97 hectares de jardins botânicos com uma rara coleção de espécies tropi-cais e um acervo artístico com cerca de 500 obras de aproximadamente 100 artistas de todo o mundo.

Única instituição brasileira que exibe continuamente obras de excelência internacional de arte contemporânea, o local está em contínua transforma-ção e seu acervo é alimentado per-manentemente de forma que a arte e a natureza continuem convivendo em harmonia. “O fator surpresa está sempre presente quando se visita o Inhotim, mesmo para quem já veio outras vezes. Isso torna a construção da memória coletiva ainda mais rica e estimula a construção constante de múltiplos olhares”, afirma a supervi-sora de Arte e Educação do Instituto, Maria Eugênia Salcedo.

Reconhecida pelos governos de Minas Gerais e do Brasil como

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) desde 2008, a instituição de arte moder-na já ultrapassou a marca de 410 mil visitantes do Brasil e do mun-do. “A forma peculiar de visitação proposta pelo Inhotim extrapola o formato tradicional de museu e ofe-rece aos visitantes um verdadeiro e agradável desafio que contempla simultaneamente cultura e lazer”, diz a supervisora, justificando a suntuosidade do instituto.

Acervo e jardins invejáveis

Pinturas, esculturas, desenhos, fotografias, vídeos e instalações de artistas de todo o mundo são exi-bidos nas galerias do Inhotim, que têm seu acervo em formação desde os anos 80. Muitos projetos foram desenvolvidos dentro do conceito de site-specific, em que os artistas pro-jetam as obras a partir das possibili-dades naturais e culturais oferecidas pelo lugar escolhido.

Os espaços expositivos são dividi-dos em quatro galerias dedicadas a obras temporárias e 13 para obras permanentes, além de outras obras de arte espalhadas pelos jardins. Dentre as permanentes estão Sonic Pavilion (2009), de Doug Aitken; De lama lâmina (2009), de Matthew ►

>> Cinco lagos ornamentais compõem o paisagismo do Inhotim

>> Obra “Desvio para o vermelho”, de Cildo Meireles

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>> Vista panorâmica do Jardim Botânico e Museu de Arte Moderna Inhotim

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Barney; Piscina (2009), de Jorge Macchi; La intimidad de la luz em St Ives (1997), de Victor Grippo, e Continente/Nuvem (2007), de Rivane Neuenschwander.

A área total do Jardim Botânico Inhotim está distribuída em seus dois principais acervos: a reserva natural de mata nativa conservada e a área de visitação, onde ficam as coleções botânicas e cinco la-gos ornamentais. Atualmente, são cultivadas cerca de 4.700 espé-cies de plantas no local, incluindo aproximadamente 300 espécies de orquídeas, a maior coleção de Arácea (família que inclui de im-bés a antúrios e copos-de-leite) do hemisfério sul e a maior coleção de palmeiras do mundo.

Espaço de difusão de valores ambientais criado com a colabo-ração do paisagista Roberto Burle Marx, os jardins de Inhotim não são apenas locais de contemplação estética, mas também de reali-zação de estudos, catalogações, conservação e uso paisagístico de espécies. Em abril deste ano, os jardins do Instituto Inhotim rece-beram o título de Jardim Botânico pela Comissão Nacional de Jardins Botânicos (CNJB).

Arte, cidadania e conhecimento

Comprometido com o desenvolvi-mento da comunidade em que está inserido, o Inhotim utiliza sistema-ticamente sua coleção botânica e acervo de arte contemporânea para a formação de profissionais de áreas ligadas à arte e ao meio ambiente e para projetos educativos. Semanal-mente, cerca de 1,5 mil estudantes de Brumadinho e da Grande Belo Horizonte visitam o Inhotim para participar de programas educativos que aproximam a sociedade dos va-lores da arte, do meio ambiente, da cidadania e da diversidade cultural.

O Inhotim oferece, ainda, em horários e locais preestabelecidos, visitas temáticas sobre arte ou meio-ambiente e visitas panorâmicas que proporcionam uma visão geral sobre a dinâmica do museu. “Por seu espaço totalmente interdisciplinar, o Inhotim é uma opção diferenciada que envolve lazer, cultura, conhe-cimento e descanso”, acrescenta Maria Eugênia.

Mais que completo

No Inhotim, um restaurante, um bar e uma cafeteria garantem várias opções de alimentação, que vão de lanches rápidos a pratos

mais elaborados. O público do local pode conferir, ainda, outros espaços gastronômicos como Omeleteria, Cachorro Quente e outras lanchonetes.

A Loja do Inhotim, localizada na entrada do museu, oferece itens de decoração, utilitários, livros, brinquedos e produtos da culinária típica regional. A renda obtida com a comercialização é revertida para pro-gramas de ação social da instituição.

>> Obra de Dan Graham em vidro espelhado e aço inoxidável

Horário: de quarta a sexta-feira - 9h30 às 16h30

Sábados, domingos e feriados - 9h30 às 17h30

Ingresso: R$ 16 (estudantes e maiores de 60 anos pagam R$ 8; menores de seis anos não pagam)

Acesso: pelo km 500 da BR-381 (sentido BH - SP) ou pela BR-040 (sentido BH - RJ), na altura da entrada para o Retiro do Chalé.

Informações: www.inhotim.org.br / [email protected] / (31) 3227-0001 / (31) 3571-6638 / (31) 3223-8224

Visite o Inhotim

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34 Médico das Gerais Outubro de 2010

causos

Só morando em uma cidade à beira de um lago, como o médico Carlos Roberto Naves Morais, de Boa Espe-rança (MG), para se ter ideia da incidência de acidentes com anzóis. O cidadão joga o anzol para trás e fisga a orelha, o braço, as costas, a perna e o que estiver mais fácil de quem estiver passando por ali. Ele conta que atende, em média, um acidente desses por mês. O es-quema é sempre o mesmo: identificar a ponta do anzol, anestesiar o local, quebrar o anzol com um alicate e fazer como se estivesse dando pontos para que o anzol atravesse a pele no ponto anestesiado, sem puxá-lo para trás, já que ele voltaria rasgando vasos e nervos.

Uma vez, houve um caso desses diferentes de todos que o médico já viu em seus 40 anos de profissão: o

Envie seu causo!Se você tem uma boa história para contar, envie para [email protected].

Psicanalistas costumam ser muito requisitados para dar dicas de como viver bem. E o médico Geraldo Caldeira não deixou por menos e usou a experiência do Rui, seu colega de profissão. Contou que, uma paciente queixosa, daquelas que têm como programa fixo da semana ir ao médico, era um desafio difícil de vencer. Cada vez que retornava, estava pior e o remédio receitado nunca surtia o efeito esperado. Melhora, então, era palavra que não existia em seu vocabulário.

De repente a paciente sumiu sem dar qualquer explica-ção. Passados seis meses, o médico estava andando pelo Mercado Central de Belo Horizonte quando a viu de longe, toda alegre e bem-humorada. Surpreso com a mudança, chegou perto e perguntou: “Tratei de você tantos anos e você estava sempre se queixando de alguma coisa.” E a paciente, animada, logo rebateu: “É doutor, ‘garrei a dá’”. Foi a cura!

Santo remédio

Prevenção precoce

Conversa de pescadoranzol fisgou o nariz de um menino de seis anos exata-mente entre a columela e o septo nasal, que teria de ser removido ao contrário do processo habitualmente usado, já que não poderia perfurar o septo do garoto e, portanto, teria de divulsionar com a tesoura de ponta fina e puxar para trás. O menino não parava de se me-xer e, para segurá-lo, foi preciso a ajuda de enfermeiros, acompanhantes e outros ajudantes. Quando o doutor ia anestesiando o septo do garoto imobilizado e se prepa-rando para retirar aquele item perfurante nunca visto até então, entrou um “careta” com piercing na orelha, sobrancelha, uma vareta atravessada na outra orelha, brincos por toda a hélice e murmurou: “Que piercing mais maneiro, mané”.

Certa vez Alais Letícia Giori chamou o próximo paciente que era um bebê de um mês, acompanhado da mãe e da avó. Após a anamnese e as costumeiras perguntas sobre pré-natal, parto, história familiar, cartão de vacinas, alimentação do bebê e teste do pezinho, a médica questionou a mãe de primeira viagem se ainda havia alguma dúvida sobre como cuidar do bebê. Ela abriu um sorriso e retirou da bolsa uma folha de papel com uma infinidade de perguntas. Foi perguntando e riscando as já feitas.

Finalmente ela disse: “Doutora, agora a última pergunta, que mais está me afligindo”. E ela disse: “Quando posso agendar a consulta dele com a psicóloga?” Diante da expressão de espanto da médica,

ela apressou-se a explicar: “Doutora é que eu e o pai não somos casados e nem estamos juntos. Venho perce-bendo pelo rostinho dele que está sentindo falta do pai. Não quero que fique complexado ou deprimido e por isso já queria começar a terapia”.

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