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revistaMEB3

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  • Vol. 3 - Nmero 3Setembro de 2011

    ISSN 2175-3172

    na educao bsicaMSICA

    Associao Brasileira de Educao Musical

  • DIRETORIA NACIONAL Presidente: Profa. Dra. Magali Oliveira Kleber - UEL/PR Vice-Presidente: Profa. Dra. Jusamara Vieira Souza - UFRGS/RS Presidente de Honra: Prof. Dr. Srgio Luiz Ferreira de Figueiredo - UDESC/SC Primeiro Secretrio: Prof. Dr. Luis Ricardo Silva Queiroz - UFPB/PB Segunda Secretria: Profa. Ms. Flavia Motoyama Narita - UNB/DF Primeira Tesoureira: Profa. Dra. Cristiane Maria Galdino de Almeida - UFPE/PE Segunda Tesoureira: Profa. Ms. Vania Malagutti da Silva Fialho - UEM/PR

    DIRETORIAS REGIONAIS Norte: Prof. Dr. Jos Ruy Henderson Filho - UEPA/PA Nordeste: Prof. Ms. Vanildo Mousinho Marinho - UFPB/PB Centro-Oeste: Profa. Ms. Flavia Maria Cruvinel - UFG/GO Sudeste: Profa. Dra. Ilza Zenker Joly - UFSCAR/SP Sul: Profa. Dra. Cludia Ribeiro Bellochio - UFSM/RS

    CONSELHO EDITORIAL Presidente: Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa - UFSM/RS Editora da Revista MEB: Profa. Dra. Luciane Wilke Freitas Garbosa - UFSM/RS Editora da Revista da ABEM: Profa. Dra. Maria Ceclia de Arajo Rodrigues Torres - IPA/RS Membros do Conselho Editorial: Prof. Dr. Carlos Kater - ATRAVEZ-OSCIP/SP Profa. Dra. Cssia Virgnia Coelho de Souza - UEM/PR Profa. Dra. Lilia Neves Gonalves - UFU/MG

    Projeto grfico e diagramao: Ricardo da Costa Limas Reviso: Trema Assessoria Editorial Ilustrao da capa: Diego de los Campos Fotolitos, impresso e acabamento: Mediao Indstria Grfica Ltda Tiragem: 1000 exemplares - Periodicidade: Anual

    ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO MUSICAL - ABEM

    Ficha catalogrfica elaborada por Anna Claudia da Costa Flores CRB 10/1464 Biblioteca Setorial do Centro de Educao/UFSM

    Msica na educao bsica. vol. 3, n. 3. Porto Alegre: Associao Brasileira de Educao Musical, 2011 Incio out. 2009. Anual ISSN 2175-3172 1. Educao musical 2. Educao 3. Msica

    CDU 37.015:78

  • Sumrio

    Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

    Msica, jogo e poesia na educao musical escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 Viviane Beineke

    Ecos: educao musical e meio ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Ceclia Cavalieri Frana

    Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Bales na aula de msica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho

    Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Claudia Ribeiro Bellochio

    Era uma vez . . . Entre sons, msicas e histrias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Maria Cristiane Deltrgia Reys

    Sonorizando histrias e discutindo a educao musical na formao e nas prticas de pedagogas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 Kelly Werle

    Poemas, parlendas, fbulas, histrias e msicas na literatura infantil . . . . . . 96 Caroline Cao Ponso

    Orientaes aos colaboradores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

  • Contents

    Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

    Music, game and poetry in school musical education . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 Viviane Beineke

    Echoes: music education and the environment . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Ceclia Cavalieri Frana

    Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Baloons in music class . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho

    My voice, your voice: speaking and singing in classroom . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Claudia Ribeiro Bellochio

    Once upon a time Between sounds, songs and stories . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Maria Cristiane Deltrgia Reys

    Vocalizing histories and discussing the musical education in the formation and practices from pedagogues . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 Kelly Werle

    Poems, nursery rhymes, fables, stories and song in childrens literature . . . . 96 Caroline Cao Ponso

    Colaborators instructions . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108

  • Editorial

    Em 2011 comemoramos os 20 anos da Associao Brasileira de Edu-cao Musical ao mesmo tempo em que vislumbramos a msica participando dos currculos das escolas de educao bsica. A Abem ampla e profundamente envolvida com a divulgao de conhecimentos

    produzidos pela rea e com as polticas educacionais brasileiras, especial-

    mente com a implantao de prticas qualificadas, plurais, nas escolas do

    pas, e, com isso, tem sido referncia para as prticas educacionais. Visando

    contribuir com a demanda de professores que atuam nas escolas, a revista

    Msica na Educao Bsica chega a seu terceiro nmero, comprometida

    com as diferentes realidades de nosso pas, trazendo reflexes originadas

    de experincias e prticas de professores em sala de aula. Assinala-se ain-

    da que em agosto passado findou-se o perodo destinado adequao

    das escolas de educao bsica Lei 11.769/08, a qual torna obrigatrio

    o ensino de msica nas escolas brasileiras. Assim, a revista MEB 3 participa

    desse importante perodo de acomodao das comunidades escolares

    rotina do ensino de msica trazendo sete experincias com reflexes que

    possibilitam aos educadores musicais outras formas de atuao em sala de

    aula ou em diferentes espaos educativos.

    Abrindo este nmero, Viviane Beineke (Udesc), com o artigo Msica,

    jogo e poesia na educao musical escolar, apresenta ao leitor o trabalho

    com canes brasileiras, parlendas e trava-lnguas arranjados para jogos de

    copos e mos. Atravs de uma abordagem marcada pela ludicidade, a au-

    tora apresenta um projeto que desenvolve e reflete sobre a cano infantil

    e a brincadeira em sala de aula, as quais favorecem a expresso criativa e

    prazerosa das crianas no fazer musical coletivo.

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    V. 3 N. 3 setembro de 2011

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  • Ecos: educao musical e meio ambiente, de Ceclia Cavalieri Frana

    (MUS), trata de um assunto muito caro a ns professores, o tema transversal

    meio ambiente. De modo criativo, a autora discute temas como ecologia

    sonora, acstica, tecnologia e sade a partir de atividades de apreciao,

    construo de instrumentos alternativos, sonorizao e criao musical, no

    intuito de promover a educao da sensibilidade e o desenvolvimento ti-

    co e esttico dos alunos.

    O terceiro trabalho, Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Bales na aula de msica,

    das colegas Juciane Araldi (UFPB) e Vania Malagutti Fialho (UEM), prope

    o uso de bales na aula de msica. A partir da explorao de diferentes

    sonoridades obtidas a partir de bales, as autoras propem prticas que

    envolvem criao, execuo musical, leitura e escrita de partituras elabora-

    das a partir de registros audiovisuais.

    Minha voz, tua voz: falando e cantando na sala de aula, da colega Cludia

    Ribeiro Bellochio (UFSM), trata do uso da voz como mediadora das relaes

    entre as crianas, o professor e a msica nas escolas de educao bsica. A

    autora discorre sobre a voz e a desafinao vocal, trazendo aos leitores um

    chumao de experincias envolvendo fala e canto como possibilidade de

    prtica musical para a sala de aula.

    Os trs trabalhos que seguem tratam de uma mesma temtica, as his-

    trias! Presentes nos planejamentos dos professores de classe e dos edu-

    cadores musicais, as propostas elaboradas a partir das histrias por si s

    captam a ateno das crianas, motivando para prticas musicais variadas.

    Maria Cristiane Deltregia Reys (UFSC), com o artigo Era uma vez Entre sons,

    msicas e histrias, apresenta ideias para a sala de aula a partir da sonoriza-

    o de histrias, envolvendo composio, apreciao e execuo musical.

    A autora ressalta que atividades que utilizam as histrias como tema para

    o planejamento potencializam a articulao das diferentes linguagens ar-

    tsticas.

    6

    MSICA na educao bsica

  • O artigo Sonorizando histrias e discutindo a educao musical na forma-

    o e nas prticas de pedagogas, de Kelly Werle (UFSM), traz contribuies

    para se pensar a formao e as prticas escolares em msica realizadas por

    professoras de educao infantil e anos iniciais do ensino fundamental. A

    autora discorre sobre a importncia das histrias no desenvolvimento da

    criana e a necessidade de serem desafiadas no sentido de explorarem as

    sonoridades dos objetos disponibilizados.

    Encerrando este nmero, Poemas, parlendas, fbulas, histrias e msicas

    na literatura infantil, de Caroline Cao Ponso (Smed/Porto Alegre), traz a te-

    mtica das histrias a partir da perspectiva dos livros de literatura infantil. A

    autora reflete sobre o uso dos livros na aula de msica como possibilidade

    para a realizao de experincias de composio de temas musicais, so-

    norizao, rcitas ou teatros musicados, aproximando as prticas escolares

    cotidianas da educao musical.

    O que trazemos neste nmero uma polifonia de sugestes para as

    prticas musicais nas salas de aula. Assim, convidamos nossos leitores, pro-

    fessores e professoras, a aproveitar e transformar o que este conjunto de

    textos oferece, esperando que as sugestes e experincias aqui contidas

    possam ampliar as aes e multiplicar as possibilidades de insero do

    contedo da msica nas escolas brasileiras!

    Luciane Wilke Freitas GarbosaCssia Virgnia Coelho de Souza

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    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    Viviane Beineke

    As ilustraes deste artigo foram cedidas por Diego de los Campos (2006).

    MSICA na educao bsica

  • 9Resumo: O texto discute alguns entrela-amentos e possibilidades de dilogo entre estudos sobre as culturas ldicas da infncia e a produo de msica para crianas. Com uma abordagem ldica do ensino de msica, o texto focaliza o trabalho com canes brasilei-ras arranjadas para jogos de copos, buscando possibilidades metodolgicas que valorizem a produo musical dos alunos. O repertrio abrange canes, parlendas e trava-lnguas, acompanhados com materiais simples, como copos plsticos e sons corporais. Inventando novas formas de brincar e tocar as msicas, procura-se favorecer a expresso criativa e prazerosa da criana no fazer musical coletivo. Os arranjos foram concebidos para a prtica musical no contexto escolar e permitem ml-tiplas formas de utilizao em sala de aula pelo professor.

    Palavras-chave: culturas musicais infantis; jogos de mos e copos; composio musical.

    Music, game and poetry in school musical educationAbstract: The text talks about a few links and dialogue possibilities between studies on childhood ludic culture and producing music for children. With the ludic approach of music teaching, the text focuses the work with brazilian songs arranged for glasses games searching methodological possibilities which value the students musical production. The repertory has traditional songs, tongue twister and jiber-jaber along with simple materials like plastic glasses and body sounds. Creating new ways to play with music, looking for the creative and pleasant expression of children while they create songs together in a group. The arrangements were conceived to music playing at school and allow multiple ways of using it in classroom by the teacher.

    Keywords: Childrens musical culture; glasses games; musical composition.

    Viviane Beineke [email protected]

    Doutora e Mestre em Msica Educao Musi-cal pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Curso de Licencia-tura em Msica e do Programa de Ps-Graduao em Msica da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Autora da coleo Canes do mundo para tocar (2001 e 2002) e do livro/CD/CD-Rom para crianas Lenga la Lenga: jogos de mos e copos (2006). Atua em temticas relacio-nadas formao de professores, produo de material didtico e o ensino de msica na escola bsica, com nfase na aprendizagem criativa.

    BEINEKE, Viviane. Msica, jogo e poesia na educao musical escolar. Msica na Educao Bsica. Porto Alegre, v. 3, n. 3, setembro de 2011.

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

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  • Se brinca um eu com um tu, que brinca com um outro eu, abre-se a janela do encontro, deixando entrar uma fresta que nos leva a um universo diverso daquele em que costumamos estar, embora estejamos no mesmo lugar.

    Eugnio Tadeu Pereira

    No campo de estudo da msica para crianas, diversos autores (Bosch, 2007; Brum

    2003, 2005, Burba, 2005; Gullco, 2005; Pescetti, 2005; Queiroz; Tadeu, 2003; Rescala, 2007;

    Sossa, 2005; Tadeu, 2005) vm pesquisando as relaes entre a produo, circulao, re-

    cepo e o consumo da msica infantil, um trabalho que precisa ser ampliado, de modo

    a incluir a participao de compositores, intrpretes, pedagogos e educadores musicais

    (Gullco, 2005). Sobre isso, Jorge Enrique Sossa (2005), referindo-se aos pases caribeo-

    latino-americanos, salienta a necessidade de serem conceitualizadas e problematizadas

    as propostas musicais para crianas .

    Uma discusso central para quem produz msica para crianas o que a diferencia

    da msica dos adultos. Procurando mapear o que faz com que as canes se tornem in-

    fantis, Pescetti (2005) destaca trs elementos: (1) as letras referentes ao mundo infantil;

    (2) o trabalho com elementos musicais reduzidos/essenciais e (3) a presena do jogo. O

    autor enfatiza que no necessrio haver essas trs caractersticas ao mesmo tempo,

    com a mesma densidade ou importncia, porque a presena mais significativa de uma

    delas pode permitir que a outra receba um tratamento mais complexo. Para Pescetti

    (2005), o elemento mais importante na caracterizao da cano infantil a presena

    do jogo. O autor esclarece que a cano no precisa ser um jogo em si, mas que o com-

    positor, o arranjador ou o intrprete tenham jogado e joguem ao compor, arranjar ou

    Produo de msica para crianas

    1. Essas reflexes fazem parte do Movimento Latino-americano e Caribenho da Cano Infantil, gestado nos encontros que se realizam desde 1995 em diferentes pases, com a finalidade de apresentar propostas musicais para a infncia no continente. Buscando desenvolver as identidades culturais dos participantes atravs do intercmbio de experincias, do conhecimento mtuo entre educadores e compo-sitores, so elaboradas reflexes conjuntas sobre os trabalhos realizados, sempre com a preocupao em respeitar a enorme diversidade de propostas. Esse movimento caracteriza-se por resultar de uma convocatria criada por artistas, educadores, produtores e diferentes personalidades preocupadas com a qualidade musical dos trabalhos sob um enfoque educativo responsvel e que no ignore o direito das crianas de construir uma identidade cultural prpria (Brum, 2005).

    *10

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • Para saber maisPara acessar canes, textos, jogos e vdeos, visite o site: www.luispescetti.com

    interpretar a msica; que tenham jogado com as palavras, com a linguagem musical,

    com as possibilidades timbrsticas e interpretativas (2005, p. 24). Para ele, o carter

    ldico de uma msica, ou de uma aula, ou de um programa de rdio, que permite que

    se mantenha o clima infantil, mesmo quando se apresentam materiais complexos que

    no so dirigidos exclusivamente s crianas.

    H muitas canes infantis cuja msica poderia ser de uma cano para adultos, como aquelas que reconhecemos como tais somente porque a letra se refere ao universo infantil. Tambm h outros casos de canes em que a letra e a msica so para adultos, no entanto, ao permitirem jogos musicais nos arranjos e na interpretao, podem ser assimiladas pelo mundo infantil. (Pescetti, 2005, p. 26)

    As msicas das crianas s fazem sentido quando compreendidas amplamente, o

    que inclui todo o contexto do brincar. Na escola, muitas vezes tal prerrogativa no

    considerada, como quando so cantadas canes do folclore sem estabelecer relaes

    entre o contexto cultural e social no qual ela est inserida, como ela cantada, tocada

    ou brincada e quem so as pessoas que dela participam. Cantar canes tradicionais,

    no ensino de msica, muitas vezes significa cantar temas meldicos, desconsiderando a

    msica e o brincar como produes culturais.

    Escola e brincadeira na sala de aula

    No contexto do brincar, importante diferenciar a brincadeira que acontece na sala

    de aula da brincadeira do jogo espontneo, praticado pelas crianas sem interveno

    nem orientao dos adultos. Esses jogos podem ser facilmente observados quando as

    crianas brincam em espaos no escolarizados, o que no diminui a importncia do

    papel do educador em estabelecer e participar do brincar na escola. Por isso, funda-

    mental que os educadores reconheam o seu papel como mediadores do brincar na

    educao.

    As crianas no precisam saber por que brincam e o que esto aprendendo em

    suas brincadeiras, mas os professores precisam compreender como o brincar pode fazer

    11Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • parte do seu trabalho. Brincando com as crianas, o educador tem um papel e uma fun-

    o diferentes da criana que brinca. necessrio que o educador se aproprie do gesto

    de brincar e perceba como ele importante para a criana, para que possa dar signifi-

    cado e direo ao prprio fazer de educador (Pereira, 2005a). Para a criana, a brincadeira

    uma forma de expresso, e esse significado precisa estar presente tambm nas brinca-

    deiras estabelecidas na escola. Se o brincar se estabelece na sala de aula apenas como

    ferramenta para o ensino, ele perde seu potencial criador, imaginativo, de possibilidade

    de expresso, reinveno e ressignificao das suas aes.

    Leite (2002) salienta que os professores tambm precisam brincar, para que possam

    assumir um carter mediador com as crianas, ampliando o seu acervo de experincias,

    apresentando novos jogos ou outras regras para as brincadeiras. O adulto no brinca

    como uma criana, mas pode conectar-se ao universo infantil ao brincar. Por isso, brincar

    de maneira infantilizada reflete uma concepo ingnua de infncia, que contradiz a

    atitude da criana que brinca (Pereira, 2005a, p. 25).

    2. O projeto Produo de material didtico para o ensino de msica na escola integra o Programa NEM Ncleo de Educao Musical da Universidade do Estado de Santa Catarina (www.ceart.udesc.br/nem), um Programa de Ensino, Pesquisa e Extenso que visa a forma-o de professores de msica para a escola pblica. O projeto objetiva a produo de material didtico para o ensino de msica na escola fundamental e, ao mesmo tempo, uma atividade que complementa a formao do acadmico participante, tornando-o mais crtico em relao ao material didtico que utiliza e capaz de produzir seu prprio material. De carter permanente, o projeto iniciou em 2001 sob coordenao da professora Viviane Beineke.

    Para saber mais visite o Portal Cultural Infncia: www.culturainfancia.com.br

    Jogos de mos e copos no ensino de msica

    Tais estudos nos motivaram a explorar jo-

    gos de mos, brincadeiras cantadas, parlendas,

    adivinhas e trava-lnguas que animam o uni-

    verso infantil no projeto Produo de Material

    Didtico para o Ensino de Msica, do Curso de

    Licenciatura em Msica da Universidade do Estado

    de Santa Catarina (UDESC) , produzindo arranjos e

    composies musicais para uso dos prprios estudantes

    em suas prticas de ensino.

    A pesquisa comeou a ganhar forma quando passamos a ouvir, estudar e vivenciar

    brinquedos tradicionais infantis, em especial aqueles apresentados nos trabalhos de Eu-

    genio Tadeu e Miguel Queiroz (Duo Rodapio) e Lydia Hortlio, alm de jogos de mos

    *12

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • brincados em Florianpolis (Silva, 2004). Na busca de conhecer melhor esses trabalhos,

    fomos, cada vez mais, nos tornando brincantes e, como tais, nos sentindo mais livres e

    capacitados para criar e recriar jogos musicais infantis. Como adultos que brincam, pas-

    samos a interagir com essas manifestaes, reinventando-as de diversas formas. Criando

    jogos de mos e copos, explorando sonoridades percussivas com a flauta doce ou com

    o corpo, elaboramos acompanhamentos rtmicos, musicamos parlendas, trava-lnguas e

    adivinhas e experimentamos outras maneiras de brincar e tocar as msicas .

    3. Um dos resultados do projeto consiste no conjunto de livro, CD e CD-ROM Lenga la Lenga: jogos de mos e copos, publicado no Brasil pela Editora Ciranda Cultural (2006) e em Portugal pela Editora Foco Musical (2009). No Uruguai, CD e CD-ROM foram editados pelo selo Papagayo Azul (2007). 4. As brincadeiras musicais que deram origem aos arranjos do CD foram criadas por: urea Demaria Silva, Deodsio Juvenal Alves Jnior, Gabriela Flor Visnadi e Silva, Gisele Garcia Vianna, Lourdes Saraiva, Ronaldo Steiner, Thiago Paulo Mtzenberg, Vanilda L. F. Macedo Godoy e Viviane Beineke. Participaram do trabalho de gravao do CD os msicos: urea Demaria Silva, Deodsio Juvenal Alves Jnior, Fernanda Rosa da Silva, Francisco Emilio Neis, Gabriela Flor Visnadi e Silva, Luiz Sebastio Juttel, Srgio Paulo Ribeiro de Freitas, Vanilda L. F. Macedo Godoy e Viviane Beineke, alm das crianas Bruno, Janis, Joo Vincius e Yolanda.

    DicaConhea tambm os CDs Abra a roda tin do l l, de Lydia Hortlio (Teatro Escola Brincante) e Pandalel (Selo Palavra Cantada).

    *

    Para cada msica elaboramos um jogo musical que permitisse s crianas, alm de

    cantar, participar do arranjo e brincar coletivamente, interagindo com a msica de di-

    versas formas: tocando em grupo, criando e recriando arranjos, improvisando, ouvindo

    e analisando. Nessas propostas, utilizamos materiais simples e acessveis, procurando fa-

    vorecer a expresso criativa e prazerosa da criana no fazer musical coletivo. Em um pro-

    cesso ldico de criao, objetos do cotidiano tiveram seu uso modificado: copos plsti-

    cos e cabos de vassoura se tornaram instrumentos musicais, a flauta doce tornou-se um

    instrumento de percusso e sonoridades corporais foram exploradas. Experimentando

    novas maneiras de brincar, fomos construindo um universo de possibilidades sonoras

    e musicais. Assim, os movimentos da capoeira foram representados por improvisos uti-

    lizando sons do corpo; jogos de mos imitam o toque do berimbau e os tambores do

    maracatu, enquanto a flauta doce, percutida, marca o tic-tac do relgio4 .

    Refletindo sobre a forma como os jogos poderiam ser apresentados aos professores,

    optamos por no definir detalhes de execuo musical nem de arranjo. Com uma con-

    cepo de escrita musical comumente utilizada na msica popular, escrevemos melo-

    dia, texto e acompanhamento das msicas, como elementos que podem desencadear o

    jogo, a criao de arranjos ou sua reinveno em sala de aula, mas sem predefinir como

    esses elementos poderiam ser trabalhados. Nesse sentido, as brincadeiras que apresen-

    tamos so apenas pontos de partida ou referncias para o trabalho do professor em

    13Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Rabo do Tatu

    sala de aula. No esto sendo propostas experincias metdicas nem sistemticas, para

    serem reproduzidas, atravs dos jogos que propusemos, porque estaramos indo contra

    os princpios que geraram o trabalho: o seu carter ldico e brincante.

    Analisando as crianas em ao, pudemos observar como as menores se relacionam

    com as brincadeiras musicais. Elas olham as crianas mais velhas realizando as msicas e,

    com toda a naturalidade, inventam outras formas de realizar os jogos rtmicos, entrando

    na brincadeira. Para o professor, poderia surgir uma preocupao sobre o nvel de dificul-

    dade dos jogos de copos, mas as crianas nos mostram que este no um problema,

    medida que elas mesmas encontram uma forma de brincar adequada sua habilidade

    musical e instrumental. Essa uma ideia que deveria sempre permear a realizao das

    msicas, pois observando como as crianas se apropriam das brincadeiras poderemos,

    com cada grupo, de diferentes faixas etrias, criar novas formas de jogar e fazer msica

    em conjunto.

    Nesse sentido, no nos preocupamos em estabelecer a faixa etria a que o material

    se destina, entendendo que o jogo e a brincadeira no so prticas exclusivas das crian-

    as nem da infncia. Em qualquer idade podemos brincar, atribuir significados prprios

    e transformar os jogos, apropriando-nos de diferentes formas de brincar e fazer msica

    coletivamente. Nessa perspectiva, cada professor, cada criana ou grupo interagir de

    forma diferente com as canes, dependendo dos seus interesses, conhecimentos ou

    habilidades musicais.

    Compartilhamos ento algumas atividades desenvolvidas a partir desse trabalho e

    comeamos pelo Rabo do Tatu, um jogo de copos criado a partir de tradicional parlenda

    infantil.

    Jogo de copos e melodia: Viviane Beineke

    Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 34).

    Legenda

    14

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • Como brincar Em duas rodas, uma dentro da outra, as crianas sentam-se de frente umas para as outras. Na roda de dentro as crianas tocam flauta e na de fora cada criana tem sua frente um copo plstico. O grupo deve combinar a forma de executar a msica, alternando a parte falada com o acompanhamento de copos e a parte para flauta doce. A cada repetio, o andamento vai sendo acelerado. O jogo tambm pode ser realizado sem a parte para flauta doce.

    O jogo construdo a partir de trs elementos que podem ser combinados de in-

    meras maneiras, explorando sobreposies, variaes de dinmica e andamento: o texto

    falado, o jogo de copos e uma melodia para flauta doce, com apenas trs notas. No final

    da brincadeira, tocando cada vez mais rpido, o jogo vai se desmanchando, trazendo

    nova sonoridade ao trabalho. E, se tudo terminar com o grupo dando risada, melhor

    ainda, porque ento a brincadeira deu certo! A brincadeira d certo quando o jogo

    comea a dar errado e no mais possvel acompanhar a msica, quebrando a mtrica

    estabelecida no jogo. Qual a graa de brincar se tudo sempre d certo? A gargalhada

    dos participantes no final da msica, com copos espalhados por todo lado, totalmente

    envolvidos, nos revela que a brincadeira realmente aconteceu, num fazer musical movi-

    do pela alegria plena de quem brinca por brincar e sem medo de errar. Como diria Pe-

    reira (2005a, p. 20), esto todos em estado de brinquedo. Convm salientar que na rea

    musical, ainda to cheia de tradicionalismos e preconceitos sobre quem pode/sabe ou

    no fazer msica, isso muito importante. Dessa maneira, o jogo musical favorece uma

    relao com o fazer musical na qual errar permitido, porque o que convencionalmente

    seria um erro faz parte da brincadeira.

    DicaAssista a uma apresentao do Rabo do Tatu acessando o canal musicanupeart no YouTube. Repare que nessa execuo a cada repetio da msica um dos participantes faz um improviso com os copos e depois so agregados instru-mentos musicais ao arranjo.

    Experimente substituir os copos por outras sonoridades, como a percusso corporal,

    sons vocais ou de instrumentos. Voc pode propor que os alunos produzam arranjos em

    pequenos grupos utilizando uma variedade de recursos sonoros. A atividade tambm

    pode desencadear novas composies pelos alunos. Num primeiro momento pode ser

    interessante o professor oferecer algumas opes de poemas ou parlendas, como ponto

    de partida para as composies.

    15Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Sugestes de versos tradicionais

    Fonte: NBREGA e PAMPLONA (2005).

    Puxa o rabo do tatu,Quem saiu foi tu.Puxa o rabo do pneu,Quem saiu fui eu,Puxa o rabo do diabo,Quem saiu foi um coitado,Puxa o rabo da panela,Quem saiu foi ela.

    Ene, bene, b, tu,Blix, blex, fora!

    Sape gatoSape gatoLambareiroTira a moDo aucareiro,Tira a mo,Tira o pDo acar,Do caf.

    Ai, bai, taiTonestai,Tia, bia,companhia.Tamiraco,Tico, tacoAi, bai, puf!

    O macaco foi feiraNo sabia o que comprar.Comprou uma cadeiraPra comadre se sentar.A comadre se sentou,A cadeira esborrachou.Coitada da comadreFoi parar no corredor.

    Uma, duna, tena, catena,Saco de pena,Maria Figena.

    16

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • Na cano Zabelinha5 o jogo de copos cria uma textura rtmi-

    ca interessante, pois embora o acompanhamento esteja escrito em

    compasso binrio, para ficar igual cano, ele soa como ternrio,

    resultando em uma polirritmia de binrio com ternrio. Esse tipo de

    relao rtmica foi observada com frequncia nos jogos de mos pes-

    quisados por Silva (2004).

    Zabelinha

    Como brincarEm roda, todos cantam a cano, passando os copos no pulso. O grupo vai acelerando o andamento, provocando o erro. Aqueles que erram vo formando uma nova roda no centro e acompa-nham a cano com o jogo de copos sugerido acima.

    5. Cano procedente de Cuiab, Mato Grosso, recolhida por Iris Costa Novaes e registrada pelo Duo Rodapio no CD Dois a dois. O termo zabelinha deriva de as abelhinhas.*

    Legenda

    Brinquedo cantado (tradicional)Jogo de copos: Viviane Beineke

    Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 42).

    Observe que o movimento dos copos igual nos dois padres do

    jogo de copos. Eles se diferenciam somente pela posio do copo: o

    primeiro padro comea com o copo virando com a boca para baixo e

    no segundo padro o copo est com a boca virada para cima.

    Jogo de copos

    17Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Marinheiro encosta o barco

    Jogo de palavras[...] eu acho que todo poeta apaixonado por palavras! Poeta adora mexer e brincar com elas, examinar o som e o sentido, at inventar e aprender palavras novas. (Lima, 2006, p. 43)

    Ricardo da Cunha Lima d a dica de uma brincadeira divertida: procurar palavras no dicionrio e ficar atento, pois vo aparecer palavras deliciosas que, por algum motivo, se destacam das de-mais: pela melodia do som, pela raridade, pelo exotismo... enfim, como acabei de dizer, palavras com um sabor especial! A s aceitar o convite daquela palavra e pronto! J entramos na terra da poesia! (Lima, 2006, p. 44)

    Legenda

    Roda de verso (tradicional)Jogo de copos: Ronaldo Steiner, Vanilda L. F. Macedo Godoy e Viviane Beineke

    Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 38).

    Jogo de copos

    18

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • Como brincarEm roda, os brincantes cantam o refro e executam o jogo de copos, metade tocando o primeiro padro e metade tocando o segundo. Os versos so cantados por apenas um participante; cada brincante poder inventar um novo verso ou cantar um dos versos sugeridos abaixo.

    Refro:Marinheiro encosta o barcoQue a morena quer embarcarIi eu no sou daquiEu no sou daliEu sou do Par.

    Versos:A mar que enche e vazaDeixa a praia descoberta.Vai-se um amor e vem outro,Nunca vi coisa to certa.

    Quem me dera a sua mo,Para eu dar um aperto nela,Para ver se ainda estComo de primeiro era.

    Quem me dera, dera, dera,Quem me dera s pra mim,Receber do meu amorUm galhinho de jasmim.

    E voc, dona Lydia,Passe a mo em seus cabelos,Que do cu vem caindoDois pinguinhos de gua-de-cheiro.

    Marinheiro encosta o barco uma roda de verso, recolhida por Lydia Hortlio6 . Lydia

    explica que as rodas de verso configuram ritos de passagem da infncia para a adoles-

    cncia, em que os versos so inventados pelos participantes que cantam na roda. Na ver-

    so aqui apresentada, reproduzimos os versos sugeridos por Lydia, a quem dedicamos

    nosso trabalho, e deixamos a sugesto de que novos versos sejam inventados ou adap-

    tados cano. Repare que o um dos acompanhamentos sugeridos utiliza os mesmos

    movimentos que o acompanhamento de Zabelinha, variando apenas o ritmo.

    Conhea tambmKATER, Carlos et al. (*) Msica na escola: jogos e instrumentos. Belo Horizonte: Editora Projecta, 2009.(*) Junto com Jos Adolfo Moura, Maria Amlia Martins, Maria Betnia Parizzi Fonseca, Matheus Braga e Rosa Lcia Mares Guia.

    6. Cano registrada por Lydia Hortlio no CD Abra a roda, tin do l l, com versos de Elisa Grota Funda - Serrinha/Bahia.*19Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Como brincarCom os brincantes em roda, a cano acompanhada pelo jogo de copos. No incio, o jogo pode ser feito individualmente e depois os copos comeam a ser passados na roda. Entre uma repetio e outra, o grupo pode combinar de fazer improvisos com os copos.

    Quando trabalhamos esta cano com um grupo de crianas na escola, aconteceu

    um fato interessante. Inicialmente, o acompanhamento no previa o movimento de pas-

    sar os copos na roda, mas logo que uma criana disse: esse no tem graa. Perguntei

    por que e ela logo explicou que era porque tem que passar o copo. E percebemos que

    Escatumbararib

    O acompanhamento com copos pode ser realizado de duas maneiras: cada participante jogando sozinho ou em roda, com os copos passando de um para outro.

    No canal escatumbararibe do YouTube voc pode observar um grupo de crianas realizando esse jogo e tambm assistir a alguns vdeos em que este e outros jogos de mos e copos so ensinados.

    Legenda

    Frmula de escolha (tradicional)Jogo de copos: Viviane Beineke

    Jogo de copos

    Adaptado de Beineke e Freitas (2006, p. 38).

    bater a mo em cima do copo, segurando-o pelo fundo e arrastando no cho ao virar para o lado

    bater o fundo do copo na mo direita, passando o para esta mo

    20

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • a passagem dos copos de um para outro na roda fazia toda a diferena: o deslocamento

    de um trabalho que focaliza o desafio individual, virtuosstico, to valorizado na rea da

    msica, para um fazer coletivo, que para funcionar depende da colaborao no grupo.

    justamente nessa passagem do copo entre os brincantes que se estabelece o jogo cole-

    tivo, que depende tanto do desempenho individual como grupal. Por isso, to impor-

    tante estarmos atentos ao que as crianas nos dizem, pois podemos sempre aprender

    com elas, que nos do um retorno vivo e repleto de significaes sobre o trabalho que

    estamos desenvolvendo. Sobre isso, podemos refletir tambm que na relao brincadei-

    ra e escola preciso considerar que nem sempre o que propomos para a criana como

    brincadeira significa brincadeira para ela. Elas precisam se tornar donas (Pereira, 2005b,

    p. 149) do trabalho para que se estabelea o brincar em sala de aula.

    Poesia, poema e gneros poticos

    O poeta Ricardo da Cunha Lima (2003) esclarece que os gneros poticos designam as categorias ou espcies de poesia, que podem ser classificadas de acordo com suas caractersticas ou assuntos. A fbula, o madrigal, a parlenda e os trava-lnguas so gneros poticos. O autor chama de parlendas os versos e canes muito populares, geralmente recitados para as crianas e que se caracterizam por frmulas repetitivas, como ladainhas, transmitidas oralmente de gerao em gerao (p. 53).Tambm interessante saber a diferena entre poesia e poema. Como explica Lima (2000, p. 54), poema o produto, algo concreto, que podemos ler, enquanto poesia se refere arte em geral, de maneira abstrata. Levando isso em conta, um livro de poesia (assim mesmo, no singular) pode conter trinta poemas (e nunca trinta poesias).

    Travadinhas e outros poemas

    O repertrio que apresentamos aqui traz algumas possibilidades

    para o uso de jogos de mos e copos em sala de aula. Os jogos so

    simples e todos eles podem ser facilmente adaptados para diferen-

    tes contextos. Podem ser complexificados pelos prprios alunos,

    medida que sua execuo no mais os desafia. Novas regras, novos

    acompanhamentos, arranjos ou adaptao para outros instrumentos

    musicais so possibilidades de ampliao do trabalho proposto.

    Entretanto, o que consideramos mais importante o espa-

    o para a composio que pode ser desencadeado nesse

    processo. Compor com base em suas vivncias e saberes

    21Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • traz novos desafios. No trabalho em pequenos grupos favorecida a interao entre os

    prprios alunos, que podem elaborar seu trabalho de maneira que contemple suas ex-

    pectativas e saberes, atribuindo sentidos prprios s suas msicas. As vivncias musicais

    so enriquecidas quando se pode exercer uma variedade de papis com a msica, numa

    conscincia musical que se desenvolve quando tocamos, cantamos, ouvimos, analisa-

    mos, criticamos, improvisamos e inventamos msica.

    Destacamos a ludicidade potica presente nos trabalhos de Eva Furnari, que exem-

    plificamos a seguir. Combinadas a atividades de composio de jogos de copos, tm ge-

    rado novos desafios, desencadeando jogos e brincadeiras que exploram o brincar com a

    msica e com a palavra. A ideia que as canes e os jogos de copos aqui apresentados

    sirvam como pretexto para novas invenes em sala de aula, sendo ressignificadas pelos

    alunos, que criam novas regras, novos jogos musicais - de copos e de palavras!

    DicaNo blog www.lengalalenga.blogspot.com voc pode conhecer vrias outros jogos, criados a partir das atividades aqui sugeridas.

    No confundaNo confundaCareca banguela Com cueca amarela.

    No confunda Picol salgado Com jacar mimado.Fonte: Furnari (2002a).

    TravadinhasO pobre do grilo do brejo.Prendeu o brinco no prego.

    A rainha do repolho refogadoRi do rei do rabanete emburrado.Fonte: Furnari (2003).

    Assim assadoEra uma vez uma menina aventureiraNavegava no sof e voava na banheira.

    Era uma vez uma velha coroca.Carregava o gato na bolsa, Conversava com minhoca.Fonte: Furnari (2004).

    Voc troca?Voc troca um canguru de pijamapor um urubu na cama?

    Voc troca um espio com preguiapor um ladro de salsicha?Fonte: Furnari (2002b).

    Compondo com Eva Furnari

    22

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • ConsideraesElaborar materiais didticos sempre um desafio para professores e professoras,

    quando no se deseja oferecer receitas para serem aplicadas. Acreditamos que a pro-

    duo de materiais para o trabalho com msica est ligada a processos de criao e re-

    criao, sempre descortinando possibilidades de um trabalho, de outro e de mais outro.

    Interessante seria se, como diz Pescetti, a experincia musical com as crianas pudesse

    incluir o professor como um ser humano com gostos e vivncias para compartilhar

    (2005, p. 39). Para isso, o professor tambm precisa apropriar-se criativamente das can-

    es, dos jogos e brincadeiras. esse o sentido que move nosso

    projeto: experimentar, analisar, adaptar, produzir e reinventar

    materiais didticos para o ensino de msica na escola. Nes-

    se sentido, consideramos essencial que os professores se

    tornem menos consumidores e mais produtores de ma-

    terial didtico, na busca por construir

    aprendizagens musicais significati-

    vas para os seus alunos.

    Acreditamos que o uso de

    elementos que fazem parte do

    prprio universo das crianas

    nas brincadeiras para a sala de

    aula uma forma de valorizar o sa-

    ber infantil, ampliar os valores estticos, fantasias e o imagi-

    nrio, tornando o aprendizado mais significativo para a criana. Isso

    tanto s msicas que as crianas aprendem umas com as outras quando

    brincam, como tambm s msicas que elas compem, inventam e reinventam quando

    tm espao para isso; um espao que o professor deve garantir em sala de aula. Traba-

    lhando com as msicas que as crianas fazem, podemos favorecer o reconhecimento e

    a valorizao das diferenas, medida que aprendemos a ouvir, respeitar e compreender

    as vozes dos nossos alunos, em um processo comprometido com o seu desenvolvi-

    mento musical. Nessa perspectiva, o professor pode atuar como um crtico sensvel e

    articulado s relaes que se estabelecem com a msica em sala de aula, auxiliando os

    alunos a refletirem sobre as suas prticas musicais. Ao compartilhar esse processo com

    os alunos, o educador musical instiga-os a construir o seu prprio conhecimento, tanto

    na autonomia de pensamento, quanto na fluncia e na crtica musical.

    Agradeo a Cludia Ribeiro Bellochio e urea Demaria Silva pela leitura do texto e sugestes.

    23Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • O uso de jogos e brincadeiras uma prtica legitima-

    da na educao musical por diversas tendncias educa-

    cionais. comum ouvirmos que as crianas aprendem

    brincando, argumento utilizado para justificar as mais

    diversificadas metodologias. Observando as crianas

    brincarem livremente, fica evidente a importncia des-

    sas atividades para o seu desenvolvimento, mas quando

    a brincadeira infantil pensada do ponto de vista peda-

    ggico, os seus usos so bastante distintos. Muitas vezes,

    essa ideia transposta para o ensino de forma reducionis-

    ta, colocando a brincadeira a servio do desenvolvimen-

    to cognitivo, motor ou rtmico, entre outros. Assistimos

    ento a uma pedagogizao da brincadeira, quando ela

    perde seu carter de experincia significativa, sendo re-

    duzida a atividades dirigidas (Leite, 2002).

    Discutindo a dimenso social do jogo,

    Brougre (2002) explica que o jogo s existe

    dentro de um sistema de interpretao das

    atividades humanas, porque no h, de fato,

    algum comportamento que permita definir

    claramente quando se est brincando ou

    no. Assim, o que caracteriza o jogo o esta-

    do de esprito com que se brinca.

    A cultura ldica das crianas emerge

    e se desenvolve no prprio jogo, sendo

    necessrio partilhar dessa cultura para

    poder jogar (Brougre, 2002). Assim, as

    crianas aprendem a jogar enquanto

    jogam, produzindo suas prprias signi-

    ficaes em interao com as significa-

    es atribudas pelos outros jogadores.

    Nessa perspectiva, a criana co-cons-

    trutora da cultura ldica e as interaes

    supem sempre uma interpretao das

    significaes que vo sendo atribudas

    pelos participantes, que se vo adaptan-

    do e produzindo novas significaes.

    Mosaico sobre o jogo e o brincar na infncia

    24

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

  • Sarmento (2003) esclarece que necessrio

    compreender as culturas infantis com base na

    forma como as crianas interagem com as formas

    culturais produzidas para as crianas pelos adultos,

    como tambm pelas formas culturais produzidas

    pelas prprias crianas. A ludicidade, segundo Sar-

    mento (2004), constitui um trao fundamental das

    culturas infantis, embora o brincar no constitua

    atividade exclusiva das crianas. Para as crianas, o

    brincar condio da aprendizagem e da sociabi-

    lidade, razo pela qual o brinquedo as acompanha

    nas diferentes fases da construo das suas rela-

    es sociais.

    A cultura infantil uma esfera onde o en-

    tretenimento, a defesa de ideias polticas e o

    prazer se encontram para construir concepes

    do que significa ser criana uma combinao

    de posies de gnero, raciais e de classe, atra-

    vs das quais elas se definem em relao a uma

    diversidade de encontros. (Giroux, 1995, p. 49)

    A brincadeira permite, a todo momento, criar

    novos significados e interpretaes, permitindo que

    a criana cresa como sujeito de cultura, buscando

    atribuir significados sua vida e novas maneiras de

    experinci-la (Pereira, 2005a).

    25Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

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    Sites6 Encontro da Cano Infantil Latino-americana e Caribenha (para acessar os textos completos das palestras acesse o link programao)www.cp.ufmg.br/6encontro

    Lenga la lenga: jogos de mos e coposwww.lengalalenga.com.brwww.butia.com.uy (jogos on line)

    NEM - Ncleo de Educao Musical CEART/UDESCwww.ceart.udesc.br/nem

    Nupeart - Ncleo Pedaggico de Educao e Arte - CEART/UDESCwww.ceart.udesc.br/nupeart www.youtube.com/user/musicanupeart

    26

    MSICA na educao bsica

    Viviane Beineke

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    27Msica, jogo e poesia na educao musical escolar

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Ecos: educao musical e meio ambiente

    Ceclia Cavalieri Frana

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    g)MSICA na educao bsica

  • Resumo: Meio ambiente um dos temas transversais mais prementes da educao e, portanto, contedo obrigatrio tambm da educao musical. Esses dois campos do conhecimento convergem em diversos pontos, que podem ser percebidos em trs eixos: o pragmtico, o da paisagem sonora e o tico-esttico. Por meio de atividades de apreciao musical, construo de instrumentos, sonorizao e criao, e da discusso sobre temas como ecologia sonora, acstica, tecnologia e sade pode-se promover a valorizao dos produtos naturais e culturais assim como o senso de pertencimento e a educao da sensibilidade visando o desenvolvimento tico e esttico.

    Palavras-chave: educao musical e ambiental; msica e meio ambiente; paisagem sonora

    Abstract: Environmental education is a key subject in contemporary school curriculum. Thus, it is also a mandatory subject in music education. These two fields of knowledge merge into many points, which can be perceived in three strains: the pragmatic, the soundscape and the ethic-aesthetic ones. Through activities that include music listening, construction of instruments, creation, and discussion of themes such as sound ecology, acoustics, technology and health, it may be possible to promote the valuing of natural and cultural products, the sense of belonging, and the education of sensitivity aiming at ethical and aesthetical development.

    Keywords: musical and environmental education; music and environment; soundscape

    Ceclia Cavalieri [email protected]

    Doutora e mestre em Educao Musical pela University of London. Especialista em Educao Musical e bacharel em Piano pela Escola de Msica da UFMG. Autora de livros did-ticos para ensino de msica na educao bsica Para fazer msica volumes 1 e 2 (Editora UFMG, 2008 e 2010) e Turma da msica (2009), e das obras Feito mo: criao e perfor-mance para o pianista iniciante (2008); Poemas musicais, que inclui o CD e respectivo livro de partituras Poemas musicais: ondas, meninas, estrelas e bichos, finalista do Prmio Tim 2004, o CD Toda cor. Coautora do livro Jogos pedaggicos para educao musical (2005).

    FRANA, C. C. Ecos: educao musical e meio ambiente. Msica na Educao Bsica, v. 3, n. 3, p. 28-41, 2011.

    Echoes: music education and the environment

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

    29

  • Conheci Tippi ao folhear uma revista inglesa, em 1996. A garotinha de cinco anos

    de idade aparecia abraada a um enorme sapo-boi como se ele fosse um bichinho de

    pelcia. Em outras pginas, deixava-se fotografar ao lado de uma ona, esquecia-se as-

    sentada sobre a pata de Abu, um elefante africano, delirava com uma cobra enrolada ao

    seu corpo, divertia-se com um calango nos ombros (Figura 1).

    Francesa de origem, nascida na Nambia, a menina cresceu no Kalahari. Seu pai pro-

    duzia documentrios sobre a natureza. Ensinou-lhe no a temer, mas a cuidar e a ter

    cuidado com os animais. Quando ela era beb, Abu lhe espantava os mosquitos com a

    tromba. Com tartaruguinhas, montava formas na areia. Tippi desenvolveu uma relao

    de respeito mtuo com seus co-habitantes. No se impunha a eles: era um igual. Creio

    que falavam a mesma lngua. Olhavam-se com olhos cmplices.

    Mas nada me impressionou mais do que o sapo. Enquanto eu matava formiguinha,

    Tippi beijava sapo! Ser que ela o imaginava prncipe? Aquelas imagens foram tomando

    forma de cano, cheia de ingredientes ldicos: o balano pueril dos ritmos sincopados

    e pontuados, os instrumentos de percusso, as interjeies e onomatopeias e um coro

    1. Disponvel em www.ceciliacavalierifranca.blogspot.com.*

    Figura 1. Tippi (www.tippi.org).

    30

    MSICA na educao bsica

    Ceclia Cavalieri Frana

    A Tippi uma histria real, mas essa de o sapo ser prncipe, no sei

  • que convida ao canto Ser que o sapo ? O mote da introduo anuncia, desconfiado:

    A Tippi uma histria real, mas essa de o sapo ser prncipe, no sei

    Tippi, hoje adolescente, tornou-se um cone de preservao ambiental, estrelando

    documentrios e programas de TV. Seu site contm fotos e outras curiosidades imper-

    dveis (www.tippi.org), assim como centenas de outros sites sobre ela, em diversos idio-

    mas. E eu, tambm crescida, tornei-me convicta de que a educao musical pode se

    engajar na conservao da biodiversidade e no compromisso tico-social, e contribuir

    para despertar e consolidar entre os alunos um senso de pertencimento, de responsabi-

    lidade, de valor prprio e alheio.

    Para entrarmos na Arca de No

    O que temos a ver com animais em extino? Tudo! Caso no saiba, somos parte da

    lista. No estamos ns aqui e o ecossistema, l: somos ecossistema. No uma questo

    de se conservar a biodiversidade: somos biodiversidade. Segundo Reinach (2010, p. 56),

    bilogo molecular, 99,9% das espcies que j povoaram o planeta esto extintas! Ou

    seja, o nmero de animais e plantas extintos centenas de vezes maior do que a diver-

    sidade que hoje habita a Terra (donde se deduz que a extino um destino natural das

    espcies). Saber-nos transitrios, tanto individual quanto coletivamente, , no mnimo,

    um exerccio maduro de realidade.

    Originalmente, educao ambiental se restringia a questes como biodiversidade

    e sistemas vivos (Dias, 2000). Na dcada de 1970 o conceito foi definido como um pro-

    cesso que visa promover a construo de valores, a tica, a modificao de atitudes em

    relao ao meio ambiente, a valorizao das culturas e a qualidade de vida. O termo foi

    ento ampliado pelo filsofo noruegus Arne Nss para ecosofia, que significa sabe-

    doria ligada ao meio ambiente. Sua ecologia profunda critica a chamada ecologia rasa,

    assim chamada pois v a natureza meramente como fonte provedora para o ser huma-

    no (Azevedo; Valena, 2009, p. 17; Capra, 1996, p. 25).

    O assunto quase religioso, uma vez que trata de conexo com a natureza, com os

    outros e conosco mesmos. A questo ambiental tambm social, cultural, educacional,

    cientfica, poltica e econmica estratgica, portanto. Lideranas polticas, cientistas e

    formadores de opinio em todo o mundo esto chamando ateno para desequilbrios

    ambientais em vrios nveis: esgotamento do solo, uso indiscriminado de agrotxicos,

    lixo, contaminao da gua, fome, violncia, poluio sonora, desrespeito a direitos hu-

    manos bsicos e ataques cidadania.

    31Ecos: educao musical e meio ambiente

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • No Brasil (2005, p. 65), a poltica nacional de educao ambiental foi definida pela Lei

    9.795/1999, Art. 1, no ProNEA, como

    os processos por meio dos quais o indivduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competncias voltadas para a conservao do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

    Sustentabilidade no implica simplesmente cuidar de bicho ou plantar rvore: diz

    respeito condio de seres se relacionando com outros seres humanos ou no e

    com os componentes abiticos (no vivos) da natureza. Implica combater o comodismo

    generalizado e a cultura da vantagem econmica a qualquer preo. Implica semear va-

    lores entre as crianas, as quais sero futuros polticos, empresrios, empreendedores, in-

    ventores, cientistas, consumidores e cidados se no nos extinguirmos antes, claro.

    O que a educao musical tem a ver com isso? Tudo. Meio ambiente um tema

    transversal: permeia as diversas reas do conhecimento, tange as vrias disciplinas. Os

    Parmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997, p. 51) recomendam que o tema seja tra-

    tado sob um enfoque interdisciplinar, aproveitando o contedo especfico de cada rea,

    de modo que se consiga uma perspectiva global da questo ambiental.

    No se trata de subjugarmos a educao musical (uma vez mais) ao utilitarismo,

    selecionando musiquinhas de temtica ecolgica para servirmos a outras disciplinas.

    preciso nos engajar verdadeiramente, como as demais reas do conhecimento, em um

    projeto educacional comprometido com a formao integral da criana.

    Em suma: se educao ambiental faz parte das cartilhas oficiais e se a msica hoje

    contedo escolar obrigatrio, a educao ambiental deve estar presente na nossa pauta.

    No h mais desculpas para nos mantermos isolados em pedestais puristas, desconec-

    tados do mundo, desvinculados da vida. Mas tocar musiquinha de letra rasa s sete da

    manh e gritar ao microfone para se fazer ouvir no condiz. Fazer instrumento de sucata

    e desperdiar o verso do papel tambm no convence. No uma questo de retrica,

    mas de coerncia.

    Eixos articuladores da interdisciplinaridade

    Educao musical e educao ambiental possuem vrios pontos de contato. Vejo tal

    afinidade operando em trs eixos: o pragmtico, ou das atividades, o da paisagem sonora

    e o tico-esttico. Ressalvo que os eixos no so mutuamente excludentes; ao contrrio,

    podem fortuitamente operar de maneira integrada.

    32

    MSICA na educao bsica

    Ceclia Cavalieri Frana

  • Eixo pragmtico

    Esse eixo, mais direto e imediato, envolve temas como acstica, tecnologia, reper-

    trio e construo de instrumentos, que acolhem projetos interdisciplinares entre meio

    ambiente, cincias, geografia, histria e msica. Diversas propostas so bastante conhe-

    cidas: sonorizaes criativas e imitativas, reconstituies de diferentes ambientes sono-

    ros, ecos musicais e no musicais, coletneas de sons de antigamente e especulaes

    sobre sons do futuro (Schafer, 1991), como na Figura 2, etc.

    Em se tratando de acstica, podem ser realizadas experincias de propagao, am-

    plificao e reduo da intensidade sonora (Quadro 1), sobre o efeito Doppler, tecnolo-

    gias de gravao, edio e de reproduo do som, etc. No livro Som: jornadas invisveis, de

    Caroline Grimshaw (1998), esses assuntos so abordados de maneira acessvel e ldica.

    Experincias

    A intensidade de um som depende da quantidade de energia produzida. Quando

    essas ondas so muito intensas, podem ser sentidas no nosso prprio corpo e fazer ob-

    jetos, vidraas e paredes vibrarem. Superfcies duras refletem melhor o som do que su-

    perfcies macias, que o absorvem. Para demonstrar esses fenmenos, as crianas podem

    fazer experincias como estas:

    Figura 2. Histria sonora (Frana, 2010, p. 47).

    33Ecos: educao musical e meio ambiente

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • 1) Espalhe um pouco de sal ou acar sobre uma mesa. Bata forte em um tambor ou

    outro objeto, prximo substncia. Observe que os cristais de sal ou acar vo pular.

    Por que isso acontece? Depois, coloque a substncia sobre um pano. O que acontece

    dessa vez? Por qu?

    2) Encoste o ouvido em uma mesa de vidro ou de madeira. Pea a um amigo para

    jogar um clipes sobre a mesa. Depois, pea-o para fazer o mesmo, mas sobre um pano

    ou toalha. Qual a diferena entre o que voc ouviu nas duas tentativas? Por qu?

    Quadro 1. Experincias acsticas (adaptado de Grimshaw, 1998, p. 8, 13).

    Repertrio

    Uma grande variedade de obras, de Vivaldi a Toquinho e Vincius, passando por gru-

    pos folclricos e artistas independentes, tocam direta ou tangencialmente questes

    pertinentes natureza, ecologia e ao bem comum. A breve coletnea que se segue

    (Quadro 2) pode ser largamente ampliada pelo professor e pelos prprios alunos.

    Temticas da naturezaSinfonia n 6 (Beethoven)

    Os planetas (Gustav Holst)

    As quatro estaes (Vivaldi)

    Carnaval dos animais (Saint-Saens)

    Floresta do Amazonas (Villa-Lobos)

    guas da Amaznia (Philip Glass, interpretado pelo Grupo Uakti)

    Temticas urbanasIonization (Edgar Varse)

    Le grand macabre (Gyorgy Ligeti)

    Silncio433 (John Cage)

    Silncio (Mrcio Coelho)

    Canes e colees para crianasA Arca de No (Toquinho e Vincius)

    Os saltimbancos (Chico Buarque e Bardotti)

    A Zeropeia (histria de Herbert de Souza, em canes de Flvio Henrique, Vander Lee,

    Chico Amaral e outros)

    34

    MSICA na educao bsica

    Ceclia Cavalieri Frana

  • Sute da chuva (Bellinati, Stroeter, Poas; gravado pelo Trio Amaranto)

    Tippi, Valsa da aranha, Peix, Noir, o gato, Chuva, O coqueiro da praia, Duna, Bicho, Forro-

    ck da bicharada, Cavalo-marinho, Mapa e Pele, de minha autoria, esto disponveis em

    www.ceciliacavalierifranca.blogspot.com.

    Quadro 2. Breve coletnea de obras para apreciao musical.

    A cano Pele (Figura 3) chama a ateno para matrias-primas das quais so feitos

    instrumentos conhecidos pelas crianas.

    Figura 3. Pele, (Frana, 2008, p. 41). Disponvel em: www.ceciliacavalieri-franca.blogspot.com.

    35Ecos: educao musical e meio ambiente

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Quadro 3. Construo e performance com instrumentos alternativos referncias.

    Alm da apreciao e da performance de obras musicais, importante realizar proje-

    tos de criao inspirados em elementos e fenmenos da natureza e outros.

    Construo de instrumentos

    Construir instrumentos, alm de ldico e educativo, tem implicaes econmicas e

    ambientais: significa reciclar, reaproveitar e reduzir. Diversas obras, sites e blogs tratam do

    assunto (Quadro 3 e Figura 4). Grupos como o Uakti e Stomp, por exemplo, realizam per-

    formances extremamente profissionais e inspiradoras usando instrumentos alternativos.

    LivrosMsica na educao infantil: propostas para a formao integral da criana (Brito,

    2003)

    O meu primeiro livro de msica (Drew, 1993)

    Para fazer msica, v. 1 e v. 2 (Frana, 2008, 2010)

    Siteswww.nyphilkids.org/lab/main. phtml New York Philarmonic Kidzone: instrumentos

    alternativos

    www.meloteca.com/pedagogia-musica-ambiente.htm Site de msica e artes, de

    Portugal; link educao - reciclagem

    www.instrumentosalternativos.hpg.com.br Site sobre livro de instrumentos alter-

    nativos, de Jlio Feliz

    Performance com instrumentos alternativoswww.uakti.com.br Grupo Uakti, de Belo Horizonte, Minas Gerais

    www.stomponline.com Grupo Stomp, da Inglaterra

    36

    MSICA na educao bsica

    Ceclia Cavalieri Frana

  • Figura 5. Arranjo com instrumentos alternativos e notao analgica (Frana, 2010, p. 67).

    Para que esse processo no se resuma a oficina de reciclagem, os instrumentos cons-

    trudos devem, oportunamente, ser utilizados em criaes e performances, tomando-se

    o devido cuidado com a sonoridade e com o resultado expressivo. A grafia analgica

    tambm pode ser trabalhada de maneira intuitiva ou sistematizada (Figura 5).

    Figura 4. Construo de instrumentos a partir de recicl-veis (Frana, 2010, p. 65).

    37Ecos: educao musical e meio ambiente

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Eixo paisagem sonora

    Nesse territrio, Murray Schafer referncia inequvoca. Paisagem sonora a tradu-

    o de soundscape, neologismo criado por ele na dcada de 1960, a partir do conceito

    de landscape (paisagem, cenrio) que relativo ao campo visual. Paisagem sonora

    qualquer campo de estudo acstico (Schafer, 1997, p. 23), ou seja, o conjunto de sons

    de um determinado ambiente, natural ou artificial, do passado, do presente ou do futu-

    ro; da cidade ou do campo.

    H mais de 40 anos, com seu World Soundscape Project, realizado na Universidade de

    Simon Frases, Canad, Schafer j alertava para a importncia do estudo do meio ambien-

    te sonoro. O captulo A nova paisagem sonora, do seu livro O ouvido pensante, leitura

    obrigatria, hoje mais do que ontem e amanh mais do que hoje. Escrito originalmente

    em 1968, o texto aponta os graves problemas decorrentes do excesso de barulho e de

    rudo, j naquele poca: juntamente com outras formas de poluio, o esgoto sonoro

    de nosso ambiente contemporneo no tem precedentes na histria humana (Schafer,

    1991, p. 123).

    Passadas quatro dcadas, quantas vezes o rudo a que somos implacavelmente

    submetidos ter se multiplicado? Somos agredidos constantemente por uma violn-

    cia auditiva que tem efeitos fsicos e psicolgicos alarmantes. Fonterrada (2004, p. 44)

    comenta como a exposio ao rudo excessivo prejudica a sade e provoca conflitos e

    desajustes sociais e pessoais. A literatura tambm aponta problemas como hiperten-

    so, taquicardia, arritmia, desequilbrios hormonais e dos nveis de colesterol; estresse,

    distrbios do sono, dificuldade de concentrao, perda de memria, problemas psqui-

    cos e at tendncias suicidas (Vaz, 2009).

    importantssimo conscientizarmos os alunos sobre os efeitos nocivos da exposio

    a sons muito fortes. No h aparelho auditivo que se conserve ntegro diante do incrvel

    excesso de barulho das metrpoles, dos amplificadores dos shows ou dos fones-de-ou-

    vido-24-horas-por-dia. A perda auditiva se configura hoje como um problema de sade

    pblica. E quanto menos se escuta, mais se aumenta o volume

    Para desenvolvermos um ambiente sonoro saudvel, h que se investir em pesqui-

    sa e, sobretudo, em educao. Como coloca Silva (2010, p. 2), do Grupo de Estudos e

    Pesquisas em Ecologia Sonora (GEPES/UFMA): habituamo-nos ao rudo excessivo com

    certa dose de resignao como se no fssemos os atores principais desta histria. No

    h como fugirmos da nossa responsabilidade: o novo educador incentivar os sons sau-

    dveis vida humana e se enfurecer contra aqueles hostis a ela, escreve Schafer (1991,

    p. 123).

    38

    MSICA na educao bsica

    Ceclia Cavalieri Frana

  • Obras indispensveisO ouvido pensante (Schafer, 1991) e A afinao do mundo (Schafer, 1997).

    Msica e meio ambiente: ecologia sonora (Fonterrada, 2004).

    Eixo tico-esttico

    Aqui educao musical e educao ambiental se tocam de maneira mais delicada e,

    ao mesmo tempo, mais profunda. Tendncias psicodinmicas universais, embora com

    suas definies locais, manifestam-se tanto na vida quanto na arte. A grandiosidade, o

    volume e a imponncia do planeta Jpiter, por exemplo, so transmutados simbolica-

    mente em padres sonoros de grandiosidade, volume e imponncia na msica Jpiter,

    da obra Os planetas, de Gustav Holst. Convergncias estticas entre o domnio natural e

    o domnio artstico-musical podem ser apreciadas sem nenhuma moderao.

    Obras musicais (mesmo as programticas) no so exemplos nem transcries lite-

    rais de fenmenos naturais ou de quaisquer outros: so, antes, interpretaes pessoais,

    subjetivas e poticas de impresses sobre fenmenos naturais traduzidas em padres

    sonoros. A natureza, assim como a msica, organiza-se segundo padres de ordem e

    desordem, equilbrio e desequilbrio, tenso e repouso, estrutura, forma, proporo.

    Nesse sentido, os eixos pragmtico e tico-esttico podem se aproximar e, fortui-

    tamente, convergir, desde que as atividades de apreciao, performance e criao do

    primeiro eixo venham desenvolver a sensibilidade aos materiais sonoros que se organizam

    em gestos expressivos, os quais so organizados em estruturas musicais significativas, como

    aponta Swanwick (1994, 1999).

    Considere estas transcries dos Parmetros Curriculares Nacionais para Meio Am-

    biente e Sade:

    [] os alunos descobrem sons nos objetos do ambiente, expressam sua emoo por meio da pintura, poesia, ou fabricam brinquedos com sucata. (Brasil, 1998, p. 190)

    [] os professores podem ensinar os alunos a valorizar produes de seus colegas e respeit-los em sua criao, suas peculiaridades de qualquer natureza (fsica ou intelectual), suas razes culturais, tnicas ou religiosas. (Brasil, 1998, p. 190)

    [] identificar e discutir os aspectos ticos (valores e atitudes envolvidos) e apreciar os estticos (percepo e reconhecimento do que agrada viso, audio, ao paladar, ao tato; de harmonias, simetrias e outros) presentes nos objetos ou paisagens observadas, nas formas de expresso cultural etc. (Brasil, 1998, p. 189)

    39Ecos: educao musical e meio ambiente

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Os textos oficiais ainda recomendam que a criana se relacione de maneira criativa

    com os recursos disponveis, incluindo atividades de tirar msica de objetos e materiais,

    e que expresse sua emoo por meio da arte (Brasil, 1997, p. 53). Chama a ateno o

    destaque dado necessidade de valorizao da diversidade natural e sociocultural, ao

    respeito ao patrimnio natural, tnico e cultural, apreciao dos aspectos estticos da

    natureza, incluindo os produtos da cultura humana (Brasil, 1997, p. 46).

    Podemos vislumbrar um perene denominador comum entre educao ambiental e

    educao musical se investirmos

    na apreciao esttica das harmonias e simetrias que agradam ( vista e) audio, presentes nos objetos (sonoros) ou paisagens (sonoras) que nos cercam; na valorizao dos produtos naturais e da expresso criativa e cultural dos nossos (des)iguais; na tolerncia e na tica.

    No disso que trata a educao es-

    ttica e musical? No disso que trata a

    educao disciplinas parte?

    Ecos

    Refinar o olhar. Educar o ouvir. Desper-

    tar o senso esttico. Construir o sentido ti-

    co. Oportunizar o xtase.

    Viver a experincia sensorial, emocional

    e contemplativa da natureza. Cultivar um

    mundo menos virtual e mais sensorial. Dei-

    xar-se admirar, espantar, chocar, incomodar.

    Abaixar o volume.

    Trabalhar pela educao (e reeducao)

    da sensibilidade e da criatividade voltados

    para a valorizao da tica e da sustentabili-

    dade.

    Figura 6. Histria sonora (Frana, 2010, p. 129).

    40

    MSICA na educao bsica

    Ceclia Cavalieri Frana

  • Referncias

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    CAPRA, F. A teia da vida. So Paulo: Cultrix, 1996.

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    GRIMSHAW, C. Som: uma jornada que transforma o silncio em som. So Paulo: Callis, 1998.

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    SCHAFER, M. O ouvido pensante. Traduo de Ma-risa Fonterrada, Magda Gomes da Silva e Maria L-cia Pascoal. So Paulo: Unesp, 1991.

    SCHAFER, M. A afinao do mundo. Traduo de Marisa Fonterrada. So Paulo: Unesp, 1997.

    SILVA, M. A. a paisagem sonora e sua relao com o ensino de msica: breve relato acerca da pesquisa. Revista do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ecolo-gia Sonora GEPES/UFMA, n. 2, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 5 fev. 2010.

    SWANWICK, K. Musical knowledge: intuition, analy-sis and music education. London: Routledge, 1994.

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    VAZ, A. Poluio sonora, um inimigo invisvel. 2009. Disponvel em: . Acesso em: 5 fev. 2010.

    41Ecos: educao musical e meio ambiente

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Bales na aula de msica

    Juciane AraldiVania Malagutti Fialho

    MSICA na educao bsica

  • Resumo: Este texto prope o uso de bales como instrumento musical. As propostas so fundamentadas no uso de diferentes sons para a execuo e criao musical. As sugestes de atividades foram desenvolvidas para o uso em sala de aula, pensando na educao bsica e envolvendo toda a turma. Propomos prticas musicais que envolvem a explorao sonora, a criao e execuo musical, a leitura e escrita de partituras, alm de ideias para registro audiovisual.

    Palavras-chave: instrumentos musicais; criao musical; leitura e escrita de partitura

    Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Baloons in music class Abstract: This paper proposes the use of balloons as musical instruments. The proposals are based on the use of different sounds to play and create music. The activities suggested were developed for elementary school classwork involving the whole class. We propose musical practices that involve the exploration of sound, creation and musical performance, reading and writing of musical scores, and ideas for audiovisual recordings.

    Keywords: musical instruments; musical creation; reading and writing of musical scores

    Juciane [email protected]

    Mestre em Msica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Licenciada em Msica pela Escola de Msica e Belas Artes do Paran (Embap) e Educao Artstica pela Uni-versidade Federal do Paran (UFPR). Professora da Universidade Federal da Paraba (UFPB), vin-culada ao Departamento de Educao Musical. Atua na rea de educao musical nas temticas: educao musical e tecnologia; aprendizagem musical de DJs; formao docente em msica.

    Vania Malagutti [email protected]

    Doutoranda e mestre em Msica/Educao Mu-sical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do Departamento de Msica da Universidade Estadual de Mar-ing (UEM). Membro da diretoria da Associao Brasileira de Educao Musical (Abem) gesto 2009-2011. Coautora do livro Hip hop: da rua para escola (Sulina, 2005). Atua na rea de educao musical nas temticas: msica e juventude, msi-ca e comunidade, formao docente em msica.

    ARALDI, J. e FIALHO, V. M. Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Bales na aula de msica. Msica na Educao Bsica, v. 3, n. 3, p. 42-55, 2011.

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

    43

  • O que isso tem a ver com aula de msica? Tudo! Quem no quer fazer parte de uma

    aula divertida, colorida, com instrumentos musicais de sonoridades diversificadas em

    todos os sentidos: timbre, altura, intensidade, durao!? Estamos falando de uma aula

    de msica onde o principal instrumento o balo! Isso mesmo, bales de festas. Esses

    conhecidos tambm como bexigas, ou bolas de sopro.

    Entendemos que com a demanda da msica como contedo obrigatrio na escola,

    temos que pensar em alternativas de instrumentos que sejam acessveis em termos de

    custo, de manuseio e que possam contribuir qualitativamente para um trabalho efetivo

    de educao musical. Nossa proposta neste texto o uso do balo como um instrumen-

    to musical que pode ser utilizado em sala de aula, envolvendo a turma toda e diferentes

    faixas etrias.

    Trazemos neste texto sugestes e indicaes do uso de bales a partir de prticas

    pedaggico-musicais j desenvolvidas com alunos da educao bsica (em diferentes

    nveis) e em cursos de formao continuada de professores, bem como com estudantes

    da graduao em msica. Neste texto apresentamos inicialmente uma breve contex-

    tualizao e fundamentao sobre instrumento musical e na sequncia apresentamos

    propostas e possibilidades de atividades musicais tendo o balo como principal instru-

    mento musical.

    No vdeo abaixo, MisteryGuitarMan faz um arranjo de uma msica, utilizando bales

    e teclado.

    Figura 1. Vdeo de MisteryGuitarMan (http://www.youtube.com/watch?v=bx0riUDC17Q&feature=relmfu).

    Festa de aniversrio. Bales. Msicas. Alegria.

    44

    MSICA na educao bsica

    Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho

  • Instrumentos musicais: alargando conceito, multiplicando sonoridades

    Partimos do pressuposto de que msica pode ser feita por diferentes fontes sonoras

    e, consequentemente, por mltiplas sonoridades e alturas, no se limitando apenas s

    sete notas musicais ou ao uso de instrumentos musicais convencionais (instrumentos

    de cordas, sopro, percusso e outros). Consideramos que para fazer msica podemos e

    at devemos usar tambm os sons do corpo, os sons presentes no dia a dia e tantos

    outros, produzidos ou aproveitados. Hoje, com os avanos tecnolgicos temos tambm

    o computador e outros equipamentos eletrnicos utilizados como instrumentos para

    compor e executar msica.

    Esse alargamento de fontes sonoras para se fazer msica se intensificou principal-

    mente com a msica concreta e eletroacstica, que trouxeram novos conceitos sobre

    a utilizao dos sons em composies musicais, ampliando o leque de possibilidades

    para a criao e execuo musical. Esses movimentos musicais tiveram inicio na primeira

    metade do sculo XX e utilizam equipamentos eletrnicos para gravar sons (da natureza,

    de instrumentos musicais acsticos ou eletrnicos) e compor msicas a partir dos sons

    gravados e modificados eletronicamente.

    Tradicionalmente, instrumento musical sempre esteve no papel mediador da performance, situando-se entre a composio e a escuta. Ou seja, era por intermdio do instrumento que o interprete conectava o ato da criao ao ato da fruio musical. J no final do sculo XIX, com o surgimento dos meios de gravao e reproduo do som, inventa-se um novo apara-to instrumental, s que dessa vez voltado para a escuta [] O laptop computer, o computador apoiado sobre as coxas, ao mesmo tempo estdio, ferramenta de composio, gerador sonoro, arquivo de msicas e aparelho de som, tudo isso ao mesmo tempo, tudo isso sobre as coxas, e controlado por um teclado mais rudimentar do que o que qualquer msico tenha tocado em tempos anteriores. (Iazzetta, 2005, p. 5)

    Outra manifestao musical que contribuiu para ampliar o conceito de instrumento

    musical o toca-discos, que nas mos dos DJs se tornou um instrumento de performan-

    ce. A manipulao dos toca-discos, extraindo sons ao levar o disco pra frente e pra trs,

    originou o som caracterstico dos DJs, o scratch. A manipulao do disco, aliada a um

    aparelho de mixagem (mixer) e outro toca-discos (formando um par de toca-discos),

    possibilitou inmeras variaes sonoras. As possibilidades sonoras decorrentes dessa ex-

    plorao, ressignificaram o toca-discos, que ampliou suas funes, de reproduzir msica,

    para tambm fazer msica (Souza; Fialho; Araldi, 2008, p. 44).

    45Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Bales na aula de msica

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • Exemplo do toca-discos como instrumento musical pode ser conferido no Campeo-

    nato de DJs DJs Mixing Club realizado anualmente pela empresa Technics, reunindo

    DJs de todo o mundo. O vdeo abaixo mostra a performance de um DJ. Veja a surpresa

    que aparece ao final da apresentao!!!

    Figura 2. Performance de DJs (http://www.youtube.com/watch?v=djrbgjlwBxo).

    As ampliaes e probabilidades sonoras provenientes da expanso do que usamos

    como instrumentos musicais abrem as portas para um sem fim de fontes sonoras e possi-

    bilidades de produo musical. Isso favorece sobremaneira a prtica da educao musi-

    cal e coloca o balo como mais um instrumento musical, por trazer uma srie de possibi-

    lidades sonoras que nas mos de educadores musicais podem tornar-se uma ferramenta

    importante no ensino da msica.

    46

    MSICA na educao bsica

    Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho

  • Compondo msicas com bales

    Inicialmente solicite aos alunos para explorar os sons do balo. Balo vazio: espichan-

    do, percutindo na mo. O som ao encher o balo. Percutir, beliscar, arranhar o balo em

    diferentes tamanhos. Esvaziar de diferentes formas, segurando a boca do balo, soltando

    aleatoriamente, estourando e etc. Aps vasta explorao, solicite que cada aluno escolha

    um dos sons produzidos para apresentar turma. A partir dos sons que surgirem, orga-

    nize pequenos grupos de acordo com os sons produzidos formando naipes pela

    proximidade das caractersticas sonoras. Por exemplo, naipe da percusso grave, naipe

    de sons arranhados, naipe do sopro, e outros.

    Com os grupos organizados, proponha jogos musicais, onde o professor ou algum

    aluno lidere as propostas. Pode sugerir perguntas e respostas entre os naipes. Propor

    entradas diferentes para cada naipe, formando estruturas e formas musicais distintas.

    Brincar com ritmos e andamentos diferentes, explorar prticas com pulso definido e

    tambm sem nenhum compromisso com a mtrica. Trabalhar com elementos-surpresa

    e contrastes de intensidade. Enfim, motivar a busca por efeitos e possibilidades sonoras

    inusitadas.

    A partir da explorao, organize com o grupo todo uma pea musical que tenha

    comeo, meio e fim. Para isso, pode contar uma histria, criando um clima que contri-

    bua na inspirao para a composio. Ou, ainda, escolher uma msica j conhecida para

    fazer o acompanhamento. Ou mesmo ir compondo um mosaico sonoro com intenes

    musicais, desenvolvendo contrastes, agrupando diferentes tipos de sons, criando frases

    e organizando um discurso musical. Com a msica pronta sugira o registro em audiovi-

    sual e tambm escrito, montando uma partitura.

    Possibilidades de uso do balo em sala de aula

    47Sfuuuuu! Schiiii! Bum! Ploft! Bales na aula de msica

    V. 3 N. 3 setembro de 2011

  • No link abaixo temos um exemplo dos bales sendo utilizados como percusso na

    msica Bad romance, de Lady Gaga. A performance foi desenvolvida no primeiro semes-

    tre de 2011 pelos dos alunos da disciplina de Prtica de Conjunto II da Graduao em

    Msica da Universidade Estadual de Maring.

    Lady Gaga: cantora e compositora pop americana que lanou seu primeiro disco

    em 2008. Entre 2009 e 2011 suas msicas ficaram entre as mais ouvidas mundialmente.

    Ganhou projeo, especialmente, por explorar as redes sociais na internet.

    Para saber mais

    Ver Lady Gaga: a revoluo do pop (Kim, 2010) e Lady Gaga: critical mass fashion (Good-

    man, 2010).

    Figura 3. Performance de Bad romance (http://www.youtube.com/watch?v=6xmiKr55dlI).

    Criando partitura, registrando sua msica

    O registro visual, em partitura, da produo musical dos alunos mais uma etapa

    do trabalho de educao musical nas escolas. O objetivo criar uma forma de registro

    e visualizao dos sons, de modo que os alunos possam escrever e ler o que produzem

    sonoramente.

    Para isso, desenvolva com os alunos smbolos para cada som produzido com os ba-

    les e faa um painel relacionando os smbolos com o som. Nesse processo vale uma

    discusso e anlise das caractersticas sonoras. Assim, pode ser feita uma lista dos sons

    produzidos nos bales e a partir da criar coletivamente categorias como grave, agudo,

    48

    MSICA na educao bsica

    Juciane Araldi e Vania Malagutti Fialho

  • longo, curto, forte, fraco, e outras. Um som pode estar em mais de uma categoria e de

    acordo com suas qualidades sonoras e formas de tocar cria-se o smbolo que o repre-

    senta.

    Podem-se aproveitar as cores dos bales e relacion-las a diferentes sonoridades,

    como sons fortes com cores escuras e sons pianos com cores mais claras. Alm disso,

    as cores podem ser exploradas utilizando uma mesma cor para cada naipe, e utilizar

    essa mesma cor na voz correspondente. Nesse contexto, pode-se ainda considerar o

    movimento de extrair os sons, e represent-lo de forma escrita, de modo que o som, a

    imagem e o movimento possam ser expressados no registro sonoro.

    Na sequncia monte uma partitura com os smbolos desenvolvidos. Nessa fase

    fundamental que o registro em partitura seja amplamente discutido, de modo que cada

    som seja realmente visualizado no smbolo grfico criado. Isso porque as informaes

    musicais contidas na partitura devem fazer um sentido para o ouvinte-leitor (Souza,

    2003, p. 213).

    Para a elaborao da partitura voc pode utilizar canetas coloridas, massinha de mo-

    delar, recortes de jornais, barbantes, EVA e outros materiais.

    Figura 4. Exemplo de partitura.

    Tendo como base essa atividade podem-se trabalhar diversos contedos musicais,

    como forma, instrumentao, leitura e escrita, conceitos relacionados aos elementos do

    som (timbre, durao, intensidade, altura, densidade) e da msica (instrumentao, rit-

    mo, melodia/harmonia, dinmica, expresso e outros).

    A partir da explorao dos sons e sua representao grfica, possvel trabalhar tam-

    bm com a ideia de uma videopartitura. Os alunos podem desenhar em uma folha e

    posteriormente digitalizar as imagens, e gravar a composio. Em seguida utilizar um

    editor de vdeo para sincronizar a partitura e o som. Se no for possvel a edio de um

    vdeo, possvel montar o vdeo ao vivo, filmando a partitura enquanto os alunos a exe-

    cutam. Isso tambm proporciona a ideia de uma videopartitura, onde poss