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Curso Preparatório para Auditores Fiscais, Técnicos, Analistas e Carreiras Afins – 2007.1 www.cursoparaconcursos.com.br MATERIAL 01 NOÇÕES DE DIREITO PROF RICARDO MAURÍCIO 1 CURSO DE NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO Prof. Ricardo Maurício Freire Soares Doutorando e Mestre em Direito (UFBA). Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em Direito da UFBA, Faculdade Baiana de Direito, Faculdade de Direito da UNIFACS e da FTE. Professor do Curso JUSPODIVM de preparação para carreira jurídica. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados da Bahia. - AULA 01 - O que é o direito? - AULA 02 - Direito e Sociedade. - AULA 03 – Direito e Moral - AULA 04 - Atributos das normas jurídicas - AULA 05- Relação jurídica - AULA 06 - Ordenamento jurídico - AULA 07- Fontes do direito - AULA 08- Integração do direito - AULA 09 – Antinomias jurídicas - AULA 10 - Interpretação do direito O QUE É O DIREITO? O termo “direito” comporta diversos sentidos: faculdade de realizar ou não realizar um dado comportamento na zona social do permitido (direito subjetivo); realização de uma idéia universal e absoluta de justiça (direito natural); conjunto de normas éticas que organizam as relações fundamentais do Estado e da sociedade civil (direito positivo); e forma de conhecimento do fenômeno jurídico (ciência do direito). O presente Curso de Noções fundamentais de Direito se revela essencial para introduzir o estudante na compreensão dos conceitos fundamentais da ciência jurídica. Essa é a razão pela qual o Curso de Noções fundamentais de Direito apresenta natureza propedêutica,

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CURSO DE NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO Prof. Ricardo Maurício Freire Soares Doutorando e Mestre em Direito (UFBA). Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em Direito da UFBA, Faculdade Baiana de Direito, Faculdade de Direito da UNIFACS e da FTE. Professor do Curso JUSPODIVM de preparação para carreira jurídica. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e do Instituto dos Advogados da Bahia.

- AULA 01 - O que é o direito?

- AULA 02 - Direito e Sociedade.

- AULA 03 – Direito e Moral

- AULA 04 - Atributos das normas jurídicas

- AULA 05- Relação jurídica

- AULA 06 - Ordenamento jurídico

- AULA 07- Fontes do direito

- AULA 08- Integração do direito

- AULA 09 – Antinomias jurídicas

- AULA 10 - Interpretação do direito

O QUE É O DIREITO? O termo “direito” comporta diversos sentidos: faculdade de realizar ou não realizar um dado comportamento na zona social do permitido (direito subjetivo); realização de uma idéia universal e absoluta de justiça (direito natural); conjunto de normas éticas que organizam as relações fundamentais do Estado e da sociedade civil (direito positivo); e forma de conhecimento do fenômeno jurídico (ciência do direito). O presente Curso de Noções fundamentais de Direito se revela essencial para introduzir o estudante na compreensão dos conceitos fundamentais da ciência jurídica. Essa é a razão pela qual o Curso de Noções fundamentais de Direito apresenta natureza propedêutica,

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pois os instrumentos essenciais para a construção do pensamento jurídico, nos mais diversos ramos do direito. Assim como não se pode resolver uma equação matemática sem conhecer previamente as operações básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão), o conceito de Lei é uma premissa conceitual indispensável para que o estudante do direito possa entender a Lei fundamental (Direito Constitucional), a Lei tributária (Direito Tributário), a Lei penal (Direito Penal) ou a Lei civil (Direito Civil). Eis a grande tarefa do Curso de Noções fundamentais de Direito: oportunizar o conhecimento da linguagem própria da ciência jurídica, que não corresponde muitas vezes ao sentido da linguagem comum, podendo, inclusive, sofrer variações no tempo e no espaço, já que a ciência jurídica é relativa, espelhando as singularidades de cada cultura humana. Para fins didáticos, deve-se, desde já, diferenciar as duas grandes ramificações da árvore jurídica: o Direito Público e o Direito Privado. De um lado, o Direito Público engloba todos aqueles ramos jurídicos que normatizam as relações verticais entre o Estado e os particulares ou as relações entre os órgãos estatais, tendo em vista a realização obrigatória do princípio da supremacia do interesse coletivo (por exemplo, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário). Por outro lado, o Direito Privado engloba todos aqueles ramos jurídicos que normatizam as relações horizontais entre os particulares, resguardando-se um maior espaço de liberdade individual, tendo em vista a realização do princípio da autonomia da vontade (por exemplo, Direito Civil, Direito Comercial).

No Direito Público, prevalece o princípio da supremacia do interesse coletivo, pelo que, nas relações juspublicistas, o Estado figura como um sujeito de direito em posição de destaque perante os particulares. Já em relação do Direito Privado, prevalece o princípio da autonomia da vontade, pelo que a relação no direito privado figura como uma relação horizontal entre seres que ocupam o mesmo patamar jurídico.

DIREITO E SOCIEDADE Como as sociedades humanas não são regidas por um rígido determinismo biológico, torna-se necessário organizar um sistema de controle social capaz de harmonizar as diversas esferas de liberdade individual e equilibrar as interações da conduta humana.

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No âmbito do sistema de controle social, são previstas normas éticas que estabelecem qual deve ser o comportamento socialmente aceito e qual deve ser a punição aplicada na hipótese de descumprimento dos preceitos normativos. As normas éticas regulam o comportamento humano priorizando o uso de meios socialmente legítimos para a realização de determinados fins, comportando as normas de etiqueta, as normas morais e as normas jurídicas. As normas de etiqueta são regras que disciplinam certos hábitos de polidez ou decoro no trato com as pessoa ou coisas, disciplinando aspectos éticos de menor relevância para a vida social, visto que a sociedade sobrevive sem elas, como, por exemplo, as normas para uso de talheres no jantar. O descumprimento de uma norma de etiqueta configura uma descortesia, gerando uma sanção social difusa. Esta recebe esse nome porque todo e qualquer ator social pode aplicá-la através do ostracismo (sorriso, olhar, silêncio, gesto), não havendo, portanto, monopólio ou exclusividade na aplicação desta sanção. Outra característica desta sanção é o fato dela ser espontânea porque brota no seio das relações concretas sem que seja possível prever o seu conteúdo. As normas morais são regras que disciplinam aspectos éticos mais relevantes para o convívio grupal. Os princípios e valores regulados pela moral já traduzem uma maior importância no sentido de assegurar o equilíbrio e coesão da sociedade. A falta de cumprimento de uma norma moral configura uma imoralidade, que oportuniza também a aplicação de uma sanção difusa. É o que sucede quando um grupo de amigos exclui do convívio grupal um indivíduo acusado de ser um mentiroso contumaz. As normas jurídicas são regras sociais que correspondem ao chamado mínimo ético, visto que, ao disciplinar o comportamento humano, versam os padrões de conduta e os valores indispensáveis para a sobrevivência de uma sociedade. Não existe sociedade sem direito (ubi societas, ib jus), porque o direito está situado na última fronteira do controle social. O descumprimento de uma norma jurídica gera uma ilicitude. A sanção oriunda de uma ilicitude é organizada, pois já está previamente determinada na norma jurídica, ao contrário do que sucede com sanção difusa. Ademais, o Estado (Poder Judiciário, Administração Pública) detém o monopólio da aplicação da sanção jurídica (indenização por perdas e danos, multas, privação de liberdade), ao contrário da sanção difusa que pode ser aplicada por qualquer agente social. DIREITO E MORAL A ciência jurídica costuma diferenciar os dois principais tipos de normas éticas: as normas morais e as normas jurídicas. Para tanto, são utilizados os seguintes critérios:

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MORAL DIREITO Sanção difusa As sanções oriundas do descumprimento das normas morais são aplicadas por todo e qualquer indivíduo, de forma espontânea e concreta.

Sanção organizada O Estado detém o monopólio de aplicação da sanção prevista na norma jurídica, podendo ser conhecida de antemão pela sociedade.

Autonomia As normas morais se revelam como instâncias autônomas de normatização do agir humano, porque o sujeito moral ostenta a prerrogativa de orientar-se conforme soa vontade. Nesse sentido, o sujeito moral adere ou não ao preceito da moralidade, não podendo ser obrigado por outrem para se comportar em conformidade com os padrões morais.

Heterenomia As normas jurídicas são heterônomas, uma vez que são impostas por um ente distinto do indivíduo (como no caso de uma Lei produzida pelo Estado), independentemente da vontade do sujeito de direito. Logo, a norma jurídica deve ser acatada sem a prévia concordância dos agentes sociais.

Interioridade As normas morais se dirigem para as dimensões interiores da existência humana, porque regulam a consciência individual. Daí porque o mau pensamento pode ser uma imoralidade.

Exterioridade As normas morais necessitam de comportamentos exteriores para serem aplicadas. Essa é a razão pela qual os crimes para serem punidos exigem a materialização de certos comportamentos, não se podendo sancionar a mera cogitação de um delito na mente do criminoso.

Unilateralidade: As normas morais estão destinadas à disciplina do comportamento de um indivíduo isolado. Logo, uma norma moral pode ser descumprida de forma individual. O dever moral não pode ser exigido compulsoriamente por outro agente social. Logo, não se pode obrigar alguém a conceder esmolas, para seguir um preceito de moralidade cristã.

Bilateralidade: As normas jurídicas regulam sempre uma relação intersubjetiva. Em toda relação jurídica, é possível identificar um sujeito ativo, titular da faculdade de exigir um dever jurídico, e um sujeito passivo, obrigado ao cumprimento deste mesmo dever jurídico. O dever jurídico pode ser exigido institucionalmente, através da instauração de um processo administrativo ou jurisdicional, quando se propõe uma ação, o que ocorre quando o credor (sujeito ativo) promove a execução judicial de uma dívida assumida pelo devedor (sujeito passivo).

Menor grau de coercitividade Menor grau de coercitividade

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As normas morais são, geralmente, menos coercitivas do que as normas jurídicas, atuando no psiquismo do potencial infrator de modo menos contundente, já que o temor da aplicação de uma sanção moral é menor que a aflição gerada pela possibilidade de materialização de uma sanção jurídica.

As normas jurídicas são, geralmente, mais coercitivas do que as normas morais, atuando no psiquismo do potencial infrator de modo mais contundente, já que o temor da aplicação de uma sanção jurídica é maior que a aflição gerada pela possibilidade de materialização de uma sanção moral. Na maioria das vezes, é preferível praticar um pecado (imoralidade religiosa) a realizar uma ilicitude, que pode acarretar um maior constrangimento ao indivíduo, seja de natureza patrimonial (indenização por perdas e danos), seja de natureza pessoal (privação da liberdade).

ATRIBUTOS DAS NORMAS JURÍDICAS

• Validade • Vigência • Vigor • Eficácia: técnica (aplicabilidade)

social (efetividade) • Legitimidade

Validade – A validade normativa é verificada através da correspondência vertical de uma norma jurídica inferior com uma norma jurídica superior, seja porque o conteúdo é compatível (validade material), seja porque foi produzida por um órgão competente, dentro do procedimento previamente estabelecido pela normatividade jurídica superior (validade formal). Nesse sentido, a norma jurídica superior estabelece a matéria da norma jurídica inferior (o que deve ser prescrito), assim como prevê o órgão habilitado para produzi-la (quem deve prescrever) e o conjunto de ritos que devem ser seguido para a criação da normatividade jurídica inferior (como deve ser prescrito). O exame da validade requer o estudo da pirâmide normativa proposta pelo jurista austríaco Hans Kelsen:

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Vigência – Entende-se por vigência o tempo de validade da norma jurídica. A vigência pode ser determinada ou indeterminada. A vigência é determinada quando o término da validade norma jurídica é conhecido antecipadamente, como na hipótese das leis orçamentárias anuais ou das medidas provisórias. A vigência é indeterminada quando não se pode precisar o término da validade normativa. Isso porque as normas jurídicas serão válidas até que sejam revogadas, total ou parcialmente, de forma tácita ou expressa, por outras normas jurídicas de igual ou superior hierarquia. Não se pode confundir vigência com incidência, já que esse último termo designa o nexo entre publicação e início da vigência. Pode-se falar de normas jurídicas de incidência imediata, cujo início da vigência coincide com a data de publicação, ou normas jurídicas de incidência mediata, cujo início da vigência ocorre após a data de publicação, prevendo-se um lapso temporal de vacância normativa (vacatio legis). É o que sucedeu com o novo Código Civil, que fui publicado em 2002 e iniciou sua vigência em 2003, prevendo-se um prazo de vacatio legis de 01 (hum) ano. Eficácia – A eficácia normativa consiste na possibilidade concreta de produção dos efeitos jurídicos. A eficácia pode ser:

• Técnica (aplicabilidade) – uma norma é aplicável toda vez que estiverem asseguradas as condições jurídicas para a produção dos seus efeitos, não dependendo da elaboração de uma posterior norma jurídica para apresentar eficácia. A falta de aplicabilidade pode ser encontrada no art. 153, VII, da Constituição Federal de 1988, visto que a norma constitucional só poderá produzir amplos efeitos quando for elaborada a lei complementar acerca do imposto sobre grandes fortunas.

• Social (efetividade) – atribulo normativo que assinala a correspondência da norma

jurídica com a realidade social no sentido de que os dispositivos normativos são assimilados e cumpridos pelos cidadãos na realidade concreta. Por exemplo, o jogo

Leis

Atos administrativos

Contatos, Testamentos, Decisões Judiciais

Constituição

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do bicho, apesar de proibido pela legislação penal, é praticado livremente pela sociedade sem que os atores sofram nenhuma sanção. Neste caso, a efetividade da norma jurídica resta comprometida.

Legitimidade – A legitimidade é o atributo normativo que designa a correlação da norma jurídica com o valor socialmente aceito de justiça. A norma jurídica é considerada legítima, quando a sociedade a considera justa, em dadas circunstâncias histórico-culturais.

RELAÇÃO JURÍDICA

Entende-se por relação jurídica o vinculo intersubjetivo, surgido com a exteriorização do fato jurídico, polarizando no campo da licitude, direito subjetivo e dever jurídico e, no campo da ilicitude, a não-prestação do dever jurídico e a respectiva sanção. São elementos da relação jurídica: fato jurídico, sujeitos de direito, direito subjetivo, dever jurídico, ilícito e sanção.

Fato Jurídico

As relações jurídicas decorrem de certos acontecimentos que o Direito considera importantes e que por isso lhes confere eficácia jurídica. Estes acontecimentos que repercutem no universo do Direito são chamados fatos jurídicos. Logo, fato jurídico é todo evento natural ou ação/omissão humana que cria, modifica ou extingue direitos.

Se a norma constitui uma representação intelectual da conduta, há de haver um momento no tempo, a partir do qual a conduta de determinada pessoa estará compreendida por determinada norma, vale dizer, um fato exterior temporal que sirva de ponto de referência para marcar a incidência normativa sobre o comportamento de alguém. Pois bem; a qualquer acontecimento temporal, natural ou humano (voluntário) a que a norma jurídica enlace conseqüências de direito, chama-se fato jurídico.

Somente através da realização do suposto jurídico – hipótese ou representação lógica e ideal do acontecimento – é que a relação jurídica se desenvolve, dando como conseqüência a atualização do dever jurídico e do direito subjetivo.

São caracteres dos fatos jurídicos: a) podem ser naturais ou humanos; b) devem afetar duas ou mais pessoas (bilateralidade); c) devem ser exteriores (intersubjetividade).

No tocante à eficácia, os fatos jurídicos podem determinar a aquisição (v.g., compra), a conservação (e.g., legítima defesa), a transferência (v.g., herança), a modificação (e.g., transformação da obrigação de fazer em indenização) e a extinção de direitos subjetivos (e.g., perecimento da coisa).

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Nem sempre a eficácia é imediata, podendo ser diferida, porque referida a algum acontecimento posterior – termo, condição ou encargo. O termo é o acontecimento futuro e certo de que fica a depender a eficácia de um fato jurídico (v.g., vendas ou empréstimos a prazo). A condição é o acontecimento futuro e incerto de que fica a depender a eficácia de um fato jurídico (e.g, venda a contento). O encargo é uma determinação acessória que restringe uma vantagem criada por ato jurídico (v.g., doação com encargo).

Em sentido amplo, fato jurídico lato sensu abrange tanto os acontecimentos naturais e, pois, independentes da vontade humana (fatos jurídicos stricto sensu), bem como os acontecimentos decorrentes da vontade humana (atos jurídicos).

Por sua vez, os fatos jurídicos stricto sensu podem ser ordinários (v.g., nascimento, morte, decurso do tempo) como extraordinários (e.g. enchente - caso fortuito ou força maior).

Os atos jurídicos podem ser lícitos – atos jurídicos stricto sensu (manifestações de vontade) ou negócios jurídicos (declarações de vontade) - ou ilícitos.

Ato Jurídico stricto sensu é o ato praticado pelo homem, cujos efeitos não são determinados pela vontade do agente, mas decorrem da lei, v.g, invenção de um tesouro.

Negócio Jurídico é o ato praticado pelo homem com a intenção negocial, que estabelece normas para auto-regular, nos limites da lei, seus próprios interesses, v. g. contrato.

Ato ilícito é o ato humano que ocasiona efeitos contrários à lei, causando dano a outrem.

Sujeitos de Direito

A bilateralidade essencial do direito (conduta em interferência intersubjetiva) implica que toda relação se passe entre dois sujeitos, um dos quais estará obrigado à prestação (sujeito passivo) e outro facultado a exigir a prestação, porque titular de um direito subjetivo (sujeito ativo).

Embora haja relações jurídicas em que o sujeito passivo seja indeterminado – porque figura um direito subjetivo absoluto – o certo em que não se pode conceber, sob pena de comprometer a bilateralidade e humanidade do fenômeno jurídico – um relação sujeito-coisa.

Quem exerça um papel em dada relação jurídica como sujeito ativo ou passivo é, em direito, uma pessoa. Possui, assim, personalidade jurídica.

Do ponto de vista lógico-jurídico, são pessoas todos os entes suscetíveis de adquirir direitos e contrair obrigações, incluindo seres e associações humanas.

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Do ponto de vista ontológico, indaga-se sobre a natureza da personalidade em direito. Evidentemente que, nesta perspectiva, não se pode conceber animais e coisas como pessoas de direito, cabendo somente ao homem a condição de sujeito de direitos e deveres.

Distinguem-se, assim, as pessoas naturais ou físicas – indivíduo humano atuando na esfera jurídica – das pessoas jurídicas – entidades coletivas que titularizam direitos e deveres.

Do ponto de vista ontológico, não se sustenta a tese normativista do ser humano não figurar como sujeito de direito (escravo), ante a existência do direito de inordinação e da licitude da conduta subjetiva, embora a Moral possa condená-la no plano psicológico, v.g., mau pensamento.

A personalidade natural pode sofrer, ainda, algumas limitações normativamente estipuladas nos casos de incapacidade, visto que alguns seres humanos não podem exercer pessoalmente certos atos da vida jurídica. A capacidade é, pois, a medida da personalidade, apresentando-se como um dos atributos da personalidade natural como o nome, o estado e o domicílio.

No tocante à natureza da pessoa jurídica, digladiam-se várias correntes de pensamento.

As teorias negadoras concluem pela inexistência das pessoas jurídicas, seja porque quem atua são os indivíduos humanos – teoria da mera aparência (Jhering), seja porque figura como uma propriedade coletiva (Planiol), seja porque não existe direito subjetivo e, pois, qualquer personalidade de direito, mas situações jurídicas subjetivas – teoria realista de Duguit.

As teorias da realidade abarcam fundamentações organicistas – pessoa jurídica como organismo similar aos seres humanos (Gierke), volitivas – pessoa jurídica como expressão de uma vontade coletiva (Zitelman) e objetivistas – pessoa jurídica como criação do direito objetivo (Ferrara).

Pela teoria da ficcção (Windscheid), os entes coletivos são considerados pessoas por ficcção legal, visto que não possuiriam vontade ao menos no mesmo sentido dos seres humanos.

Pela teoria lógico-formal de Hans Kelsen, pessoa designaria um feixe de obrigações, de responsabilidades e de direitos subjetivos, vale dizer, um conjunto de normas jurídicas. Tanto a pessoa natural quanto a pessoa jurídica seriam centros de imputação, funcionando como pequenas ordens jurídicas subordinadas à ordem nacional, assim como esta se liga ao ordenamento jurídico internacional. Como as normas jurídicas regulam os comportamentos humanos, a imputação será imediata , em face dos sujeitos individuais de direito, e , apenas, mediata, no que se refere às pessoas jurídicas, estas últimas, através de suas normas constitutivas e organizatórias, incumbidas de especificar o ser humano obrigado a uma prestação

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No tocante à classificação, pode-se afirmar a existência de pessoas de direito público interno (v.g., entes federativos) e externo (e.g., Estados e organismos internacionais), bem assim pessoas de direito privado (v.g, associações civis, fundações particulares e sociedades comerciais).

Direito Subjetivo

Tradicionalmente a noção de direito subjetivo é contraposta à noção de direito objetivo.

É na era moderna que esta distinção ganha os contornos atuais. Para isso contribui uma nova noção de liberdade. Para os antigos, a liberdade era um status (status libertatis), qualificação publica do agir político, e não uma qualidade interna da vontade individual. O cristianismo trouxe uma outra noção: a noção interna de livre arbítrio. Foi o lado público da livre arbítrio que permitiu, assim, a compreensão da liberdade como não-impedimento. É o conceito negativo de liberdade – o homem é livre à medida que pode expandir o que quer. Esta noção se torna crucial para a liberdade de mercado do capitalismo nascente. Nesta trajetória histórica, a burguesia cunhará ainda o conceito positivo de liberdade. È a liberdade como autonomia, a capacidade de dar-se as normas do seu comportamento, base do contrato social. Assim sendo, a liberdade moderna é intimista e pública, funcionando como um limite à atividade legiferante do Estado. Configurou-se, assim, a oposição entre direito subjetivo e direito objetivo.

Deve-se, no entanto, evitar esta dicotomia visto que se por direito entendemos a conduta compartida, ela será fatalmente conduta impedida ou proibida para um sujeito – dever jurídico – e, correlativamente, conduta permitida ou faculdade de impedir conduta alheia – direito subjetivo.

O termo direito subjetivo é plurívoco, abarcando diversos significados: faculdade de exigir uma prestação pelo sujeito obrigado, movimento espontâneo dentro do não-proibido pelo ordenamento jurídico (liberdade jurídica), faculdade de criar normas individuais (testamentos ou contratos) ou o direito de cumprir o próprio dever (direito de inordinação).

Há uma unidade conceitual: a oponibilidade de um dever jurídico.

No tocante à natureza do direito subjetivo, podem ser observadas as seguintes correntes de pensamento.

De um lado, podem ser arroladas as teorias substancialistas, heranças do jusnaturalismo e historicismo, as quais tratam o direito subjetivo como um conceito e uma realidade substantes e opostos à norma como direito objetivo, que viria ratificar estas faculdades jurídicas anteriores.

Neste sentido, torna-se possível vislumbrar:

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Teoria da vontade (B. Windscheid) – o direito subjetivo é um poder ou senhorio da vontade, reconhecido pela ordem jurídica. Esta concepção de fundo psicológico não explica satisfatoriamente a incapacidade dos loucos de todo gênero, a indisponibilidade de certos direitos, como no plano laboral, e as formalidades exigidas para que seja válido o conteúdo da vontade, como na elaboração de um testamento e a alienação de um imóvel.

Teoria do interesse (R. Jhering) – o direito subjetivo é um interesse juridicamente protegido. Esta concepção não logra explicar o direito de inordinação e certas liberalidades, como o empréstimo de uma quantia a um amigo pobre.

Teoria eclética (G. Jellinek) - o direito subjetivo é o interesse tutelado pela ordem jurídica mediante o reconhecimento da vontade individual. Esta concepção é passível das mesmas críticas, visto que pressupõe um direito subjetivo subsistente em si.

Teoria da garantia (Thon) – o direito subjetivo seria a possibilidade de fazer a garantia da ordem jurídica tornar efetiva a proteção do direito (o que implica em certa dessubstancialização).

No segundo grupo, encontramos as teorias de progênie normativista, que fazem derivar da norma ou da incidência da norma sobre a conduta compartida as noções correlatas de direito subjetivo e dever jurídico.

Teoria Pura do Direito (Hans Kelsen) – Em coerência com o normativismo puro, ocorre a redução do dever jurídico e, correlativamente, do direito subjetivo à norma jurídica. Se o dever jurídico é a conduta que evita a imputação do ato coativo da sanção, o direito subjetivo se manifesta toda vez que a aplicação da sanção pelo Estado depende da iniciativa do particular.

Teoria Egológica do Direito (Carlos Cossio) – A noção de direito subjetivo recebe um duplo tratamento. No plano lógico, o direito subjetivo é a determinação do dever jurídico pelo sujeito pretensor. No plano ontológico, o direito subjetivo se identifica com a liberdade, porquanto, originariamente, toda conduta é liberdade metafísica fenomenizada. Depois da menção normativa, se o comportamento recai sobre no contínuo de licitudes será faculdade (tudo que não está juridicamente proibido, está facultado), se recai sobre o descontínuo de ilicitudes, será ilícito. Esta restauração lógico-ontológica do conceito traz uma repercussão humanística notável, qual seja, a impossibilidade de uma escravidão absoluta, em face do direito de inordinação e a zona não especificada da liberdade ontológica.

Frise, por oportuno, a existência de teorias que negam a existência de direitos subjetivos como a teoria realista de L. Duguit, que o reconhece vinculado ao ideário jusnaturalista, e a teoria transpersonalista de K. Larenz, que substitui a noção de direito subjetivo pela de deveres ou funções comunitários, em oposição ao individualismo liberal.

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Classificação egológica dos direitos subjetivos:

Conforme a determinação heterônoma ou autônoma do conteúdo da conduta, teremos as faculdades de inordinação e senhorio.

Faculdade de inordinação

Faculdade de senhorio – Direitos absolutos (o sujeito obrigado são todos os membros da comunidade jurídica)

Privados (direitos pessoais – nome e honra; direitos reais (propriedade e servidão); direitos intelectuais (direitos autorais, marcas e patentes)

Públicos (Estado como sujeito obrigado ou titular destes direitos)

Faculdade de senhorio – Direitos Relativos (o sujeito obrigado é um sujeito determinado)

Privados (direitos potestativos – pátrio poder; creditórios ou obrigacionais – resultantes de contratos)

Públicos (Estado como sujeito obrigado – direito de ação – ou como sujeito ativo – direito de instituir e cobrsar tributos perante o contribuinte)

Dever Jurídico

Se admitimos a essência intersubjetiva do fenômeno jurídico e, pois, a impossibilidade da relação entre seres humanos e coisas, o objeto do direito não poderá ser uma fração da realidade natural, mas uma especial conduta do sujeito obrigado – prestação ou dever jurídico.

Não se pode confundir objeto de direito – prestação – com a noção de bem – a matéria mesma que serve para o cumprimento do dever jurídico. Pode-se, no entanto, atendendo a fins didáticos, conceber tanto um objeto imediato – a prestação, quanto um objeto mediato do direito – o bem.

O objeto imediato pode consistir numa prestação dar (v.g., a entrega ou restituição de coisa), fazer (e.g., realização de um serviço) ou de não fazer (v.g., abstenção de uma conduta).

Sendo bilateral o fenômeno jurídico, a conduta do sujeito obrigado - prestação – figura como o conteúdo mesmo do direito subjetivo, titularizado pelo sujeito pretensor. O sujeito passivo está, assim, obrigado a não impedir o exercício da faculdade jurídica.

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No tocante à classificação dos deveres jurídicos, é possível diferenciar dever positivo (comissão – v.g., débito) de dever negativo (omissão – v.g., não matar ou furtar); dever público (e.g, recolhimento de tributo) de dever privado (e.g, pagamento de aluguel); dever permanente (v.g., respeitar a vida) de dever temporário (v.g, pagamento de uma dívida).

Ilícito

Tradicionalmente, a visão imperativista da norma jurídica implicava em conceber a não-prestação como o antijurídico ou o antidireito por excelência. Tanto jusnaturalistas quanto sociologistas vislumbravam a norma como um comando, expurgando a ilicitude do campo da juridicidade.

Somente a partir a negação kelseniana ao imperativismo, foi possível a colocação intra-sistemática do ilícito como elemento da relação jurídica, como condição imputativamente enlaçada à sanção, ressalvado o exagero da teoria pura de considerar a ilicitude como a pedra de toque do direito.

Avançando neste entendimento, coube a Carlos Cossio (Teoria Egológica do Direito) banir a concepção tradicional do ilícito como violação da norma jurídica, sem recorrer ao expediente de afastar a faculdade e a prestação, dentro da fórmula disjuntiva do pensamento normativo.

Sendo assim, dentro da perspectiva lógico-jurídica, ato ilícito designa a conduta humana contrária ao dever jurídico ou prestação.

Do ponto de vista empírico, a Dogmática Jurídica costuma contrapor a ilicitude civil e a ilicitude penal, os quais assumem conteúdos ao sabor das circunstâncias histórico-culturais, tal como assevera E. Durkheim, ao estudar o fenômeno da solidariedade e a lei sociológica da evolução jurídica dos povos.

O abuso do direito pode ser enquadrado, para alguns doutrinadores, dentro da categoria da ilicitude.

Sanção

Trata-se de elemento da relação jurídica que comporta diversas perspectivas de abordagem.

Dentro de uma visão sociológica, as sanções jurídicas emergem como um dos mecanismos do sistema de controle social, caracterizando-se pelo caráter organizado e incondicionado (imposição inexorável – Recaséns Siches).

Na perspectiva filosófico-ética, o problema da sanção jurídica irá confluir para a questão mais substancial da liberdade e para o exame da proporcionalidade com o mal cometido pelo sujeito.

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Do ponto de vista lógico-jurídico, a sanção aparecerá como a conseqüência jurídica imputativamente enlaçada à não-prestação. Para Hans Kelsen, a sanção figura, na norma primária, como a conduta do funcionário que a impõe. Para Carlos Cossio, representa a própria vida do obrigado (conseqüência jurídica perinormativa), algo que lhe deve ocorrer pela sua liberdade ter encaminhado-se para a não prestação, sendo a conduta do funcionário um dever jurídico endonormativo. A comunidade jurídica aparece assim como o sujeito pretensor ao direito de sancionar, ainda que a provocação da ordem jurídica – através da ação judicial – demande a iniciativa do particular ofendido.

Não se deve confundi-la com os conceitos de coerção (fenômeno psico-social decorrente da antecipação dos efeitos aflitivos da sanção) e de coação (imposição inexorável /execução da sanção, mediante o emprego da força).

No tocante à classificação das sanções, Jimenez de Arechaga faz a diferenciação entre sanções não coativas, que dispensam o uso da força (v.g., direito de retenção e exceção de contrato não cumprido) e coativas, que reclamam a força, podendo ser não organizadas(força aplicada pelo particular) ou organizada (força aplicada pelo Estado), esta última mais comum, desde que civilização superou a fase primitiva da autodefesa e da vingança privada.

Descrevendo esta derradeira modalidade de sanção, destaca-se a contribuição de Eduardo Garcia Maynez.

Se há coincidência entre o dever da sanção e o dever primário de cuja não-prestação resultou a sanção, teremos a execução forçosa (v.g. pagamento de uma dada quantia).

Se não há coincidência entre o dever da sanção e o dever primário de cuja não-prestação resultou a sanção, teremos a indenização (e.g, inadimplemento de uma obrigação de fazer) e o castigo (v.g, aplicação de uma pena diante do delito de homicídio), sempre que houver a impossibilidade objetiva de restaurar a situação jurídica anterior à não-prestação ORDENAMENTO JURÍDICO A teoria do ordenamento jurídico é uma proposta de compreensão do Direito como um sistema. Entende-se por sistema toda ordenação racional de elementos naturais ou sociais, que comporta duas dimensões : o repertório (conjunto dos elementos sistêmicos) e a estrutura (padrão de organização dos elementos sistêmicos). Em se tratando da concepção do sistema jurídico, permanece ainda hegemônica a contribuição do jurista austríaco Hans Kelsen, autor da chamada Teoria Pura do Direito.

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Segundo ele, o repertório seria composto por normas jurídicas, que formariam uma estrutura hierarquizada e piramidal:

Quanto maior for a generalidade da norma jurídica, por sua abstração e por sua larga abrangência, maior será o escalão hierárquico, pelo que as normas jurídicas mais individualizadas, por regularem uma situação concreta e alcançar destinatários específicos, estão situadas na base da pirâmide normativa. O ordenamento jurídico se dinamiza por laços de fundamentação e derivação entre as normas de direito: a norma jurídica inferior se fundamenta na norma jurídica superior ou, vice-versa, a norma jurídica inferior deriva da norma jurídica superior. Esses laços de fundamentação e derivação são, ao mesmo tempo, materiais e formais. O aspecto material significa que o conteúdo da norma jurídica inferior deve ser compatível com o conteúdo de uma norma jurídica inferior. Por exemplo, uma lei penal não pode prever a pena de morte no Brasil, pois o art. 5º da Constituição Federal de 1988 veda a adoção de pena de morte, salvo em caso de guerra declarada. O aspecto formal significa que a norma jurídica inferior é produzida pelo órgão competente e pelo procedimento previstos na normatividade jurídica superior. Essa é a razão pela qual somente o Congresso Nacional (poder legislativo federal) tem competência para legislar sobre Direito Penal, por força do art. 22, I, da Constituição Federal de 1988, e não a Assembléia Legislativa de um Estado ou a Câmara de Município. Essa lei deverá ser criada em conformidade com o processo legislativo previsto nos arts. 59 a 69 da Constituição Federal de 1988, que disciplina o fluxo procedimental das normas legislativas (iniciativa, discussão, votação, sanção, promulgação e publicação).

Leis

Atos administrativos

Contatos, Testamentos, Decisões Judiciais

Constituição

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FONTES DO DIREITO

O estudo das espécies de normas jurídicas está estreitamente vinculado ao problema das fontes do direito, existindo, por isso mesmo, a necessidade de investigar-se a origem ou nascedouro do fenômeno jurídico.

As fontes do direito são os modos de surgimento e de manifestação da normatividade jurídica, podendo ser compreendidas nas acepções material e formal.

As fontes materiais do direito são os elementos econômicos, políticos e ideológicos que perfazem uma dada realidade social, influenciando a produção da normatividade jurídica, visto que a matéria-prima para a confecção do sistema jurídico.

As fontes formais do direito correspondem aos canais de institucionalização das normas jurídicas, através da formalização dos elementos econômicos, políticos e ideológicos que compõem a estrutura social.

São fontes formais do direito: a legislação, a jurisprudência, a doutrina, o costume jurídico, o negócio jurídico e o poder normativo dos grupos sociais.

Legislação

Nas sociedades modernas, a lei é a mais importante das espécies normativas de conteúdo jurídico, como expressão formal do direito, nomeadamente nos ordenamentos jurídicos de tradição romano-germânica (sistemas de civil law), como o Brasil, emanando do poder estatal de legislar com a finalidade de regular a conduta humana.

A lei pode ser definida como uma regra de direito geral, proclamada obrigatória pela vontade da autoridade competente (Poder Legislativo ou mesmo Poder Executivo) e expressa em fórmula escrita (jus scriptum).

As normas legislativas são normas gerais pela abstração de conteúdo (previsão abstrata de hipóteses) e impessoais por alcançarem toda a comunidade jurídica (indefinição dos destinatários). Podem ser elaboradas por um parlamento ou mesmo pelo Chefe do Poder Executivo para disciplinar direitos e deveres.

Para sua criação, a lei pressupõe a observância do processo legislativo, que, em nosso sistema jurídico, é regulado pelos arts. 59 a 69 da Constituição de 1988, que compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. Além dessas espécies normativas, devem ser incluídas as leis estaduais e as leis municipais como integrantes do conceito de legislação no sistema jurídico brasileiro.

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Jurisprudência

Como fonte do direito, entende-se por jurisprudência o conjunto das decisões reiteradas de juízes e tribunais que formam um padrão interpretativo capaz de inspirar futuros julgamentos. A Jurisprudência pode ser reunida em forma escrita através de enunciados chamados de súmulas. Ao lado dos costumes, a jurisprudência é considerada a principal fonte do direito nos sistemas jurídicos anglo-saxônicos (common law), como na Inglaterra e nos Estados Unidos, embora seja também largamente utilizada nos sistemas jurídicos romano-germânicos (civil law), como no Brasil.

Tendo em vista que o juiz não é o aplicador mecânico das regras legais, mas um verdadeiro criador de direito concreto, as decisões jurisprudenciais configuram o poder de decidir próprio dos órgãos judiciários, em simetria com o que se processa em relação aos Poderes Executivo e Legislativo. A jurisdição é, pois, o poder que tem o juiz de explicitar as normas jurídicas, expressando seu sentido e alcance.

Nos países que adotam o sistema judiciário desvinculado da norma legal, como na Inglaterra e nos Estados Unidos, destaca-se a descoberta do Direito através de precedentes judiciais, que consubstanciam as decisões judiciais do passado sobre casos semelhantes.

Observa-se que o precedente judicial desempenha importante papel nos regimes anglo-saxônicos de common law, equiparado à lei nos sistemas romano-germânicos de civil law,

como o sistema jurídico brasileiro. No sistema do common law, a lei desempenha papel secundário, emprestando-se maior importância à norma singular e concreta, em face da norma geral e abstrata, que só é reconhecida como norma concreta após passar pelo crivo da decisão judicial. Cada vez que um juiz adota uma regra de direito formulada anteriormente por outro colega, um novo precedente ajunta-se ao corpo de precedentes, no âmbito do sistema de common law.

Não há como negar, portanto, à jurisprudência o valor de fonte jurídica, como suplemento da própria legislação, especialmente após a adoção da súmula vinculante no sistema jurídico brasileiro, com a Emenda Constitucional Nº 45/2004, conferindo ao Supremo Federal a prerrogativa de impor uma jurisprudência obrigatória para toda estrutura do Poder Judiciário e da Administração Pública.

Doutrina

A doutrina é o estudo científico que os juristas realizam a respeito do direito, seja com o propósito puramente especulativo de conhecimento e sistematização, seja com a finalidade prática de interpretar as normas jurídicas para sua aplicação aos casos concretos. Trata-se, pois, do conjunto de obras e pareceres que exprimem o conjunto da produção científica do direito.

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Houve épocas e sistemas jurídicos que adotavam a doutrina como fonte formal do Direito. Em Roma, no período de Adriano, o Imperador conferiu força obrigatória à opinião de certos jurisconsultos, quando fossem concordantes durante certo tempo (communis opinio

doctorum). Também algumas legislações medievais e até mesmo modernas admitiram expressamente a doutrina como fonte subsidiária da lei, como são exemplo as Ordenações Afonsinas.

Embora alguns autores rejeitem sua condição de fonte jurídica, por carecer de valor vinculante e obrigatório, a doutrina cada vez mais contribui na formação do Direito, pois, na obra dos grandes juristas, o legislador e o magistrado têm encontrado substrato, respectivamente, para a feitura de leis e decisões judiciais.

Costume jurídico

Entende-se por costume jurídico o conjunto de práticas sociais reiteradas, acrescidas da convicção de sua necessidade jurídica para a disciplina das relações sociais.

Os costumes nascem no campo da moralidade, mas podem adquirir uma natureza jurídica, ao estabelecer direitos e exigir o cumprimento obrigatório de deveres.

O contraste entre o direito costumeiro e o direito estatal é representado pelas codificações dos séculos XVIII e XIX, através das quais o chamado direito comum foi absorvido pelo direito estatal. É indiscutível, no entanto, que inobstante a quase inteira absorção do direito costumeiro pelo direito positivado estatal, manteve-se a tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisprudência do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos, constituindo, assim, o chamado direito consuetudinário.

Os autores definem o costume como a norma constante não-escrita obrigatória, só diversa da lei no aspecto formal, pois a lei é escrita, o costume, não. Também a lei é intencionalmente elaborada, enquanto o costume forma-se espontaneamente.

Comparados com as leis, os costumes podem ser: secundum legem, ou seja, servem de suporte ou modelo da lei; praeter legem, os que convivem pacificamente com a lei, tendo por função sanar as lacunas do texto legal, complementando o direito escrito; e, por fim, contra legem, que, como o próprio nome indica, são contrários à lei, opondo-se frontalmente à ela, daí porque são inadmitidos nos sistemas legislativos modernos, dada a necessidade de preservar a segurança jurídica.

Em que pese a pequena atuação do costume no direito moderno, no qual é exacerbada a importância da lei escrita, essa espécie normativa ainda tem relativa influência no Direito Internacional Público e no Direito Comercial, despontando, nesse último ramo jurídico, o uso do cheque pré-datado como um exemplo inconteste.

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Negócio Jurídico

Entende-se por negócio jurídico todo acordo de vontades humanas que se revela capaz de estabelecer direitos e deveres jurídicos para os sujeitos envolvidos.

O negócio jurídico consiste numa auto-regulamentação dos interesses particulares pelo ordenamento jurídico, oriunda do reconhecimento da autonomia privada das partes.

O exemplo mais citado de negócio jurídico é o contrato.

Discute-se muito se o contrato pode ser colocado como uma das fontes jurídicas, elevando-o ao mesmo plano da lei e dando-lhe igual força e significação, dada a diversidade de sua posição no mundo jurídico, que se restringe a um dado caso concreto, enquanto a lei atua sempre de forma abstrata.

Torna-se incontestável, contudo, a importância do poder negocial como força geradora de normas jurídicas individualizadas aos participantes da relação jurídica, já que se costuma dizer que “o contrato tem força de lei entre as partes".

Poder normativo dos grupos sociais

O poder normativo dos grupos sociais é a prerrogativa conferida aos agrupamentos humanos de elaborar seus próprios ordenamentos jurídicos.

Para tanto, deve-se reconhecer que não somente o Estado produz Direito, mas todo o conjunto de agrupamentos humanos que perfazem a sociedade (pluralismo jurídico).

Exemplos de manifestação do poder normativo dos grupos sociais são os regulamentos elaborados dentro das empresas e as convenções criadas pelos moradores dos condomínios residenciais.

INTEGRAÇÃO DO DIREITO Entende-se por integração do direito a atividade de preenchimento das lacunas jurídicas, que são vazios ou imperfeições que comprometem a idéia de completude do sistema jurídico. A integração do direito é um tema cuja compreensão exige a análise da completude do sistema jurídico. É indispensável saber se o sistema jurídico é completo ou incompleto, vale dizer, se ele pode alcançar todos os campos das interações sociais ou se há condutas não alcançadas pela ordem jurídica.

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Podemos visualizar duas grandes correntes: aqueles que defendem um sistema jurídico fechado (completo) e, de outro lado, aqueles que visualizam um sistema jurídico aberto (incompleto), e, conseqüentemente, lacunoso. O principal argumento em favor da completude do sistema jurídico consiste na utilitazação do raciocínio lógico, segundo o qual “tudo o que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido”. Há doutrinadores que, por sua vez, situam o problema das lacunas jurídicas no campo da jurisdição, considerando a atuação do julgador. Os doutrinadores negam, assim, a existência de lacunas, visto que o magistrado nunca poderá eximir-se de julgar, alegando a falta ou a obscuridade da lei. Ao decidir um caso concreto, o juiz já estaria criando uma norma individualizada para o conflito de interesses e, portanto, oferecendo a resposta normativa capaz de assegurar a completude do sistema jurídico. Salvo melhor juízo, defendemos a idéia de que o sistema jurídico é aberto, porque o Direito é um fenômeno histórico-cultural e submetido, portanto, às transformações que ocorrem no campo dinâmico dos valores e dos fatos sociais. Decerto, o legislador não tem como prever e regular a totalidade das relações sociais. Sendo aberto (incompleto) o sistema jurídico, poder-se-ia falar da existência das seguintes lacunas jurídicas: normativas, fáticas e valorativas. A lacuna normativa se configura toda vez que inexiste norma regulando expressamente um dado campo da interação social, como sucede com o comércio eletrônico no Brasil, ainda carente de uma regulação normativa expressa. A lacuna fática ocorre quando as normas jurídicas deixam de ser cumpridas pelos agentes da realidade social, evidenciando o fenômeno da revolta dos fatos contra o sistema jurídico, o que ocorre com o descumprimento da legislação municipal que exige que o cliente não aguarde mais do que 15 (quinze) minutos nas filas bancárias. A lacuna valorativa se verifica quando a norma jurídica vigente não é valorada como justa, não estando em conformidade com os valores socialmente aceitos, o que sucede com a legislação tributária em geral, por ser considerada excessivamente onerosa para o contribuinte, não realizando justiça fiscal. Nesse sentido, pode-se afirmar que o sistema jurídico é lacunoso, mas ele próprio oferece mecanismos para preencher as referidas. São os chamados instrumentos de integração do direito: a analogia; os costumes; os princípios gerais do direito; e a eqüidade. A analogia é a aplicação de uma norma jurídica que regula um determinado caso concreto à outra situação fática semelhante, o que ocorre quando se aplicam as disposições do

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Código Civil que regulam os contratos celebrados na realidade concreta para as avenças firmadas no universo virtual da rede mundial de computadores. Os costumes, além de figurarem como fonte do direito, podem também apresentar-se como elemento de integração da lei, especialmente quando a norma legal expressamente autorize, o que sucedia com a integração consuetudinária do conceito de tapume, dentro do Código Civil anterior. Os princípios gerais de direito são diretrizes éticas, implícitas ou expressas na legislação, que apontam para a realização dos valores e finalidades maiores da ordem jurídica, potencializando a tomada de decisões mais justas, mormente nas hipóteses de lacunas valorativas, como sucede com a aplicação dos princípios da insignificância no Direito Penal e da proibição do enriquecimento sem causa no Direito Civil. A equidade consiste na aplicação prudente pelo julgador do seu sentimento de justiça, ao observar as singularidades de um dado caso concreto, como sucede com a lei da arbitragem no Brasil, que autoriza o uso do juízo eqüitativo na resolução de conflitos de interesses. ANTINOMIAS JURÍDICAS A teoria das antinomias jurídicas está ligado ao problema da coerência do sistema jurídico. Para que um sistema seja coerente, é necessário que os seus elementos não entrem em contradição entre si. No Direito, os elementos que compõem um sistema jurídico podem entrar em conflito, surgindo, assim, as chamadas antinomias jurídicas. Geralmente isso ocorre quando diferentes normas jurídicas permitem e proíbem um mesmo comportamento, o que suscita uma situação de indecidibilidade que requer uma solução. No que se refere à classificação das antinomias jurídicas, podemos falar de antinomias próprias e de antinomias impróprias (teleológica, valorativa, principiológica e semântica)

As antinomias próprias se verificam toda vez que uma norma jurídica proíbe uma dada conduta enquanto que outra norma jurídica faculta a mesma conduta, o que ocorre quando um soldado recebe a ordem de um oficial para fuzilar um prisioneiro, sendo crime tanto descumprir a ordem do superior hierárquico, quanto praticar o delito de homicídio.

As antinomias impróprias são aquelas contradições mais sutis entre as normas jurídicas, envolvendo o conflito de valores, finalidades sentidos e terminologias do sistema jurídico. A antinomia imprópria teleológica ocorre quando uma norma jurídica estabelece os meios para a aplicabilidade de outra norma jurídica, mas os meios oferecidos se revelam incompatíveis com o fim previsto na norma originária, como sucede com a lei que fixa o

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valor atual do salário mínimo, não atendendo as necessidades vitais do trabalhador, aludidas na norma constitucional do art. 7 º da Constituição de 1988. A antinomia imprópria valorativa sucede toda vez que ocorre uma discrepância entre os valores cristalizados por duas ou mais normas jurídicas, quando a ordem jurídica pune mais severamente uma infração social branda e mais levemente uma infração social mais grave, como ocorre com a punição mais severa dos crimes de furto e roubo, quando comparada com a punição dos crimes contra a administração pública, no Código Penal brasileiro. A antinomia imprópria principiológica se verifica toda vez que os princípios jurídicos entram em colisão, sinalizando soluções diversas para o intérprete/aplicador do direito, como sucede com o conflito entre os princípios constitucionais da liberdade de informação e da vida privada das autoridades públicas. A antinomia imprópria semântica surge toda vez que uma mesma palavra comporta diferentes sentidos, a depender do ramo jurídico em que é utilizada, como sucede com a palavra posse no Direito Civil e no Direito Administrativo. Diante da ocorrência de antinomias jurídicas, deverão ser utilizados os critérios de solução hierárquico, cronológico e da especialidade. De todos estes critérios, o mais importante é o hierárquico, prevalecendo, inclusive, sobre todos os demais. Pelo critério hierárquico, havendo antinomia entre uma norma jurídica superior e uma norma jurídica inferior, prevalece a norma jurídica superior, dentro da concepção piramidal e hierarquizada do sistema jurídico. Por exemplo, havendo conflito entre a Constituição e uma Lei Ordinária, prevalece a Constituição por ser um diploma normativo de hierarquia superior. Pelo critério cronológico, havendo antinomia entre a norma jurídica anterior e a norma jurídica posterior que verse sobre a mesma matéria, ambas de mesma hierarquia, prevalece a norma jurídica posterior. Por exemplo, o conflito entre o Código Civil de 1917 e o Código de Defesa de Consumidor de 1990 se resolve em favor da legislação consumerista. Pelo critério da especialidade, havendo contradição entre uma norma jurídica que regule um tema genericamente e uma norma que regule o mesmo tema do modo específico, sendo ambas de mesma hierarquia, prevalece a norma jurídica especial. Por exemplo, o conflito entre o Código de Defesa de Consumidor e o Estatuto do Idoso se resolve em favor do segundo diploma legal, que se revela mais específica na tutela das relações dos consumidores de terceira idade.

INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

A Hermenêutica Jurídica é um saber que se propõe a estudar a interpretação do direito. O termo provém da mitologia greco-latina, baseada na crença no Deus Hermes, que é o

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mensageiro dos deuses e que “criou” a escrita. O objeto da hermenêutica é a interpretação que serve como mediadora entre a obra e a realidade social. A interpretação do direito é uma atividade de mediação comunicativa, através da qual o intérprete fixa o sentido e o alcance das expressões lingüísticas que compõem as normas jurídicas, mediando a relação entre o sistema jurídico e a sociedade. O problema fundamental da linguagem jurídica é que ela está baseada na linguagem comum, que comporta sempre diversos significados. .

No que se refere aos tipos de interpretação jurídica, a classificação mais utilizada é aquele que diferencia 03 (três) categorias: declarativa, que se processa quando o interprete utiliza a expressão normativa em seu significado comum ou atual, sem aumentar ou reduzir o sentido e o alcance das normas; extensiva, que busca ampliar o sentido e o alcance das expressões normativas; e restritiva, que objetiva reduzir o sentido e o alcance das expressões normativas. O intérprete do direito utiliza técnicas interpretativas que orientam o exercício da interpretação/aplicação do Direito, tendo em vista a delimitação do sentido da norma jurídica. São os métodos gramatical, sistemático, histórico, sociológico e teleológico. O método gramatical busca mapear a origem dos vocábulos e, com base nas regras de gramática, definir o significado literal e mais superficial da expressão normativa. O método sistemático procura comparar os dispositivos normativos de modo a evidenciar o significado dos vocábulos utilizados pelas normas jurídicas, partindo da premissa de que o sistema jurídico é uno, não podendo interpretá-lo de forma isolada e sim de uma forma integrada, correlacionando com os demais preceitos do ordenamento jurídico.

Legislador lei Sociedade.

emissor Mensagem receptor

Interprete (mediador)

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O método histórico busca rastrear os antecedentes que influenciaram a elaboração das normas jurídicas, de modo a determinar o sentido e o alcance das expressões normativas. O método sociológico busca correlacionar os modelos normativos com as novas circunstâncias sociais, políticas, ideológicas, culturais, ou seja, busca adequar a norma ao fluxo ininterrupto da realidade social. O método teleológico procura depreender a finalidade do discurso normativo, ou seja, a interpretação teológica se baseia na delimitação dos fins a serem atingidos pelo sistema normativo. Para alguns estudiosos do direito, a interpretação jurídica deve voltar-se para a determinação da chamada vontade do legislador (voluntas legislatoris). A função do interprete é a de buscar o sentido original da norma legal. Essa visão é ultrapassada, já que se entende, atualmente, que a interpretação jurídica deve voltar-se para a delimitação da vontade da lei (voluntas legis), ou seja, a função do interprete não é outra se não a de determinar o sentido objetivo da norma legal, que se destaca do legislador para adquirir uma nova significação social.