Upload
fightforce
View
2.029
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 1/97
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 2/97
Nucleo central das representaciies
s o ci a i s e 0 terceiro l ivro de psico-
logos sociais brasile iros sobre 0
terna das representacoes sociais .
Ele apresenta, de forma sistematica
e historicamente circunstanciada, a
teoria do mic leo central, desde 0
seu surgimento ate a sua atual con-solidacao, como uma abordagem
complementar capaz de "tomar a
teoria geral das representacoes so-
ciais mais heurfs tica para a pratica
social e para a pesquisa". Alem de
evidenciar 0 louvave l carater cu-
mulativo e autocorretivo dessa
perspectiva teorica, uma enfase es-
pecial e conferida aos metodos e
tecnicas de pesquisa que dela se
der ivam. Inclui-se, nesse sentido,
o relato de uma pesquisa brasileira
informada pela teoria do nucleo
central e conduzida segundo a me-
todologia que the e especificamen-
te associ ada. Refletindo a orienta-
~lio da vertente psicossociologica
europeia, voltada para a constitui-
~liode "uma psicologia social mais
social", 0 l ivro pretende ser de uti-
lidade, nlio apenas para professores
e estudantes de psicologia, mas
tambem para aqueles que, no domi-
nio das demais ciencias humanas e
sociais, se ocupam do estudo do
"conhecimento do senso comum"
como continua e difusamente cria-
do e mobilizado na vida cotidiana.
N OC LE O C EN TR AL D AS
REPRESENTA< ; :OESSOC IA lS
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 3/97
Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)
(Camara Brasileira do Livro, Sp,Brasil)
Sa, Celso Pereira de
N ucleo central das representacoes sociais /
Celso Pereira de s a . - Petr6polis, R] :Vozes, 1996.
Bibliografia.
ISBN 85-326-1617-8
1. Psicologia social I.Titulo.
96-0438 CDD-302.12
indices para catalogo sistematico:
1.Nucleo central : Teoria : Representacoes sociais :
Psicologia social 302.12
2. Representacoes sociais : Teoria do micleo central:
Psicologia social 302.12
Celso Pereira de Sa
NOCLEO CENTRAL DAS
REPRE S EN TA ~OES SOC IA lS
2a ed. revista
I h ED I TORA
Y VOlES
.~
Petropolls
2002
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 4/97
© 1996, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luis, 100
25689-900 Petr6polis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
Brasil
S U M A R I O
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra po-dera ser reproduzida ou transmitida por qualqucr forma
e/ou quaisquer meios (eletronico ou mecanico, incluindo
fotoc6pia e gravac;;ao)ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissao escrita da Editora.
Apresentacao da 2a edicao 7
Prefacio 9
Introducao 13
ISBN 85.326.1617-8 .
Capitulo 1 - 0 campo de estudos das representacoes sociais ... 29
1.1. Sobre 0 conceito de representacoes sociais e sua
definicao 30
1.2. Sobre 0campo de fenornenos de representacao social 36
1.3. Sobre a explicacao te6rica das representacoes sociais 43
E d it or ac do e m g . l it er dr ia : Maria Angelica A. de Mello Pisetta
Capitulo 2 - A teoria do nucleo central das representacoes
sociais 51
2.1. Os antecedentes exper imentais da teoria do nucleo
central 52
2.2. As proposicoes basicas da teoria do rnicleo central 62
2.2.1. Sobre 0conceito de nucleo central e suas funcoes 67
2.2.2. Sobre a organizacao interna de uma representacao
social 72
2.2.3. Sobre os aspectos perifericos das representacoes
sociais 78
2.3. A transformacao das representacoes a partir das praticas
sociais 88
Este livro foi composto e impresso pcla Eclitora Vozes Ltcla.
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 5/97
Capftulo 3 - Metodos e tecnicas de pesquisa do nucleo
central 99
3.1. A constituicao do nucleo central como objeto de
pesquisa 100
3.2. Os principais metod os de levantamento do nucleo
central 114
3.2.1. Quanto a saliencia dos elementos de uma
representacao 115
3.2.2. Quanto a conexidade dos elementos de uma
representacao 123
3.3. Os principais metodos de identif icacio do micleo
central 131
3.3.1. Quanto ao valor simb6lico dos elementos do nucleo
central ' 132
3.3.2. Quanto ao poder associat ivo dos elementos do nucleo
central 138
A P R E S E N T A ~ A oD A 2 f ! ED I ~ A o
Bibliografia ......................................... 181
Esta segunda edicao do N ud eo c en tr al d as r ep re se nta eo essociai s surge cinco anos apos a primeira. Naquela ocasiao,
1996, a abordagem estrutural das representacoes sociais ape-
nas comecara a ultrapassar as fronteiras do Midi , onde havia
sido gestada. Sua trajetoria de expansao alcancou prontamen-
te 0 Brasil, devido, em boa parte, ao surgimento deste l ivro.
Ele desempenhou, assim, 0papel de contribuir para0ngres-
so de urn mimero maior de estudantes e de estudiosos brasileiros
no movimento de renovacao ternatica, teorica e metodologica
dapsicologia socialpelavia dasrepresentacoes sociais e, em espe-
cial, da pesquisa do nucleo central.
o que se pede noticiar na primeira edicao deste l ivro,
em termos da familiarizacao com a abordagem estruturaIate entao proporcionada no pais, foi a participacao dos
colegas de Aix-en-Provence e MontpeIIier na 2Q Conf tr enc i a
I nt er na c io n al s ob r e R e pr e se n ta io e s S o ci ai s, em 1994, no Rio de
Janeiro, e a existencia de uma pesquisa brasi leira envolven-
do esse referencial teorico e sua metodologia associada, des-
crita no capitulo 4. Desde entao, 0quadro mudou bastante.
As pesquisas ness a linha sao hoje nao apenas numerosas,
mas tambem de muito boa quaIidade, como 0atestam as
comunicacoes brasileiras em eventos cientfficos, nacionais e
internacionais, a publicacao de artigos e capitulos de livros, as
teses e dissertacoes elaboradas, tanto no ambito da psicologia
social quanto nos de diversos campos aplicados, em especiala saude e a educacao.
Nao obstante esse aumento da producao brasileira e a
disponibilizacao de outros textos introdutorios a abordagem
estrutural, bern como a recente ocorrencia na Franca de
alguns desenvolvimentos te6ricos e metodoI6gicos especffi-
7
Capitulo 4 - Socializacao do saber academico: uma pesquisa
sobre a representacio social da ciencia a luz da teoria do
nucleo central 147
4.1. Introducao , , , 147
4.2. 0 levantamento dos possfveis elementos do micleo
central 149
4.3. A identificacao dos nucleos centrais
das representacoes 153
4.4. Uma nota sobre a distincao entre consumidores e
nao-consumidores da vulgarizacao cientffica 157
4.5. Conclus6es 159
Conclusao 163
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 6/97
8 9
cos, 0 livro continua a ser bastante procurado em todo 0 pafs.
a esgotamento da sua primeira edicao tern frustrado muitos
professores, em seu proposito de util iza-lo na iniciacao das
novas levas de estudantes - de psicologia e de areas afins -
que tern seu interesse despcrtado para esse campo de cstudos.
Continuar a desempenhar uma funcao educacional relevante
para 0 avanco da pesquisa cientffica e , pois, a razao para 0
surgimento desta segunda edicao.
Na oportunidade, cabe informar ejustificar algumas al-
teracoes feitas em relacao a edicao anterior. Na Introducao,
foram eliminadas algumas passagens que continham infor-
macoes muito datadas e que deixaram de ter importancia, face
aodesenvolvimento posterior do campo. No Capitulo 4, que
descreve urn estudo empirico comparativo entre as repre-
sentacoes da ciencia mantidas por dois conjuntos de sujeitos
diferenciados quanto ao consumo da vulgarizacao cientffica,
foi feita uma correciio dos resultados apresentados. Especifi-
camente, 0 elemento pesquisa passou a ser confirmado como
central tambem na representacao dos nao-consumidores, e
nao apenas na dos consumidores, como fora anteriormente
registrado. Esta foi uma falha lamentavel, ja noticiada em
outras publicacoes e cornunicacoes orais da pesquisa, massomente agora definitivamente corrigida.
PREFAc IO
C elso P er ei ra d e S a
Rio de Janeiro, outubro de 2001
A obra que Celso Pereira de Saconsagra a teoria do nucleocentral constitui uma grande honra para apequena equipe que
se dedica ao estudo e ao desenvolvimento dessa teoria. Alern
disso, ela e para mim uma fonte de emocao. Primeiramente,
porque aparece exatamente vinte anos depois da tese que eu
apresentei em 1976 e que introduzia entao a teoria. Em
seguida, porque foi redigida por urn colega que, desde 0nosso
primeiro encontro em Ravello, na 1a Conferencia Internacio-
nal sobre Representacoes Sociais, se tornou urn amigo e urn
propagador ativo e fidedigno da teoria das representacoes
sociais naArnerica Latina. Finalmente, porque e publicada emurn pais - 0Brasil- e em urn continente - aAmerica do SuI
- onde a nossaabordagem me parece ser particularmente uti l
para a analise, a cornpreensao e a intervencao sobre os grandes
problemas sociais atuais: a saude e a doenca e, em particular ,
a disserninacao daAids; a exclusao e os problemas de integra-
<;aodas minorias ou dos grupos sociais desviantes; a crise da
ideologia e 0desenvolvimento de crencas magicas ou religio-
sas; a crise econornica e aumento do desemprego; etc.
Isto porque, para alern das tomadas de posicao ideologi-
cas, a analise cientif tca das mentalidades e das praticas sociais
sera urn dos elementos indispensaveis a evolucao e ao pro-gresso social. E a teoria das representacoes sociais constitui
hoje urn sistema teorico particularmente importante para
atingir esse objetivo. E eu me faco explfcito: as representacoes
sociais, nao apenas a abordagem estrutural que nos defende-
mos atraves da teoria do micleo central, pois uma das vanta-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 7/97
r
1011
. . . . - ..
gens da perspectiva das representacoes sociais e que ela se
nutre de abordagens diversas e complementares: estruturais,
por certo, mas igualmente etnologicas e antropologicas, so-
ciologicas e historicas.
Saapresenta aqui de maneira exata e completa a aborda-
gem estrutural. E dela bern destaca as tres ideias essenciais:
-As representacoes sociais sao conjuntos sociocognitivos
organizados e estruturados.- Esta estrutura especifica e constituida de dois subsiste-
mas: urn sistema central e urn sistema periferico.
- 0 conhecimento do simples contetido de uma repre-
sentacao nao e suficiente para defini-la. E preciso idcntificar
os elementos centrais - 0 micleo central - que dao a repre-
sentacao sua significacao, que determinam os laces que unem
entre si os elementos do conteudo e que regem enfim sua
evolucao e sua transformacao,
Mas se a teoria do rnicleo central e agora bern conhecidae desenvolvida, como 0demonstra este l ivro, ela esta longe
de ser uma teoria completa, fechada e definit iva. Parece-me
que hoje tres grandes tipos de questoes esperam ainda por
uma resposta, para se completar a teoria.
1. 0 c on te ud o e 0f un cio na m en to d o n uc le o c en tr al . Os trabalhos
teoricos atuais se esforcam por analisar os processos que •
determinam a natureza do nucleo, Este e diretamente ligado
a memoria coletiva, a historia do grupo, ao seu sistema de
normas e valores, a natureza de seu envolvimento na siruacao
social. Nos pensamos - mas, ainda que osresultados de nossas
pesquisas sejam encorajadores, isto permanece ainda como
uma hipotese - que 0 micleo central de uma representacao e
e l e p ro p ri o um c o nj un to o r ga n iz ad o . Ele e constituido de dois tiposde elementos - normativos e funcionais - hierarquizados.
Haveria no nucleo central elementos principais e elementos
adjuntos - ou "estagnados", isto e , nd o ativos. A ativacao dos
elementos do micleo seria determinada pela natureza da re-
la~ao que 0 grupo entretern com 0 objeto da representacao.
2. As r e la fo e s e n tr e 0 siste ma ce ntr al e 0 s is t ema per ij fr i co .
Pode-se pensar que cada parte do sistema periferico seja
preferencialmente associada a urn ou alguns elementos parti-
culares do nucleo. A ideia de uma subestruturacao periferica
poderia ser compreendida neste sentido, mas atualmente esta
questao crucial permanece sem resposta.
3. As l ig a fo e s e n tr e r e pr e se n ta c oe s s oc ia is e p r dt ic a s s o ci a is . Por
exemplo, quais sao aspraticas determinadas pelo micleo cen-tral da representacao? E existem praticas submetidas unica-
mente ao sistema periferico? Mais genericamente, as duas
hipoteses que nos formulamos em 1994 precisam ainda ser
verificadas: a que propoe que as representacoes sociais deter-
minam as praticas nas situacoes em que a carga afetiva e fortee a referencia a memoria coletiva e necessaria; a que propoe
que 0ator deve dispor de uma certa autonomia - ainda que
relativa - em relacao as coercoes sociais, para que suas repre-
sentacoes ditem suas praticas.
Estas sao astres questoes teoricas que deveriam constituir
as linhas de forca das pesquisas e reflexoes futuras comrespeito a teoria do micleo central. Ve-se que se trata de
questoes essenciais para a teoria geral das representacoes
sociais, mas tambem de questoes diffceis e complexas. 0
campo de pesquisa e imenso. Esperamos que 0trabalho de
Celso Sa suscite vocacoes e gere pesquisas neste sentido.
J ea n- Cl au de A br ic
Aix-en-Provence, marco de 1996
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 8/97
13
INTR ODU~AO
o campo de estudos das representacoes sociais configu-
ra-se hoje em dia como urn dos mais produtivos no ambito
da psicologia social de origem europeia, tanto em termos de
pesquisa empfrica quanto de elaboracao teorica. 0 presente
trabalho, desenvolvendo-se dentro desse campo, se prop6e a
apresentar e discutir as proposicoes basicas e a producao
empirica da abordagem conhecida como t eo r i a d o n u cl eo c e nt ra l,
bern como ilustrar 0 seu emprego em uma pesquisa sobre a
representacao social do conhecimento cientffico no Rio de
Janeiro conduzida pelo autor e colaboradores.
Visando proporcionar uma contextualizacao socio-histo-
rico-academica que permita uma melhor apreciacao crftica da
teoria e da pesquisa do rnicleo central, convern examinar
preliminarmente nesta introducao, conquanto nao de forma
exaustiva, os conjuntos institucionalizados sucessivamente
mais amplos em que tal abordagem se inclui: 0campo das
r e pr e se n ta d ie s s o ci a i s e a constituicao de uma p s ic o lo g ia s o ci al europeia.
Os fenomenos, 0conceito e a teoria das representacoes
sociais merecerao urn capitulo proprio, do qual se buscara
fazer emergir mais circunstanciadamente a variante teorica e
metodologica que constitui 0foco privilegiado deste trabalho.
Nao obstante, julga-se que uma avaliacao introdutoria do
papel das representacoes sociais na constituicao da vertente
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 9/97
1415
II'
i!
europeia da psicologia social possa contribuir para a posterior
demonstracao da relevancia em sida teoria do micleo central.
A expressao "psicologia social europeia" ejustificada por
Jorge C.Jesufno (1993), nao entretanto sem refletir a hesita-
~ao com que a questao e tratada, a partir da consideracao de
que, a diferenca das ciencias exatas, "no dominic das ciencias
sociais, (...) as questoes episternologicas estao mais sujeitas as
influencias culturais e sociais" (p. 49). Trata-se, de qualquer
forma, segundo 0autor, de uma expressao nao apenas ja
consagrada pela pratica dos psicologos sociais europeus na
busca de uma identidade acadernica definida, mas que envol-
ve tambem urn certo grau de institucionalizacao, consubstan-
ciada por, pelo menos, uma associacao cientifica, a European
Associat ion ifE x pe r im e nt al S oc ia l P s yc ho lo g y, e uma revista espe-
cializada, 0E u ro pe a n] o u rn al ifSoc ia l Ps ycho logy .
A rigor, so faz sentido falar de uma psicologia social
europeia se0que seinclui sob esse rotulo chega a se diferen-
ciar, de alguma maneira significativa, da producao academica
que se apresenta tradicionalmente como constituindo a psi-cologia social . Esta tern, como e bern sabido, sua origem e seu
desenvolvimento continuo nos Estados Unidos da America,
a ponto de se ja a ter caracterizado como uma disciplina
tipicamente americana. Alem disso, a historia dessa disciplina
cientifica se encontraria inteiramente contida no seculo xx: ,apesar do longo passado da sua ternatica na historia das ideias
sobre 0homem e a sociedade. A psicologia social produzida
no resto do mundo, inclusive na Europa, fez pouco mais,
durante quase todo esse tempo, do que replicar asdescobertas
americanas ou aplicar os instrumentais teoricos e metodolo-
gicos atconsagrados avariacoes de uma mesma problernatica.
o surgimento de algumas diferencas, suficientemente
significativas para erigir a nova vertente europeia em uma
psicologia social alternativa em relacao aquela praticada nos
Estados Unidos, remonta a pouco mais de tres decadas. Je-
suino ( op . c i t. ) considera que tais diferencas, sem excluir uma
boa medida de coincidencias com a pratica americana, sao
encontradas originalmente nos trabalhos dos tres seguintes
autores: Henri Tajfel (1978, 1982, 1983, 1984),ja falecido, da
University of Bristol, Gra-Bretanha, sobre relacoes intergru-
pais e identidade social; Serge Moscovici (1976, 1979, 1982,
1984, 1988, 1989), da Ecole des Hautes Etudes en Sciences
Sociales, Paris, Franca, sobre minorias ativas e representacoes
sociais; Willem Doise (1986,1989,1990,1992), da Universite
de Geneve, Suica, sobre as mesmas questoes avancadas por
Tajfel e por Moscovici e sobre ascondicoes sociais do desen-
volvimento cognitivo. Obviamente, muitos outros pesquisa-
dores tern desde entao se associado a estes ou dado conti-
nuidade aos seus trabalhos, revendo-os, refinando-os, diver-
sificando-os, contribuindo enfim para tornar cada vez mais
conscientes e consistentes asdiferencas que fazem a marca de
uma psicologia social europeia.
Para dar conta das diferencas acima aludidas, considere-se
com Helmuth Kruger (1986) que a psicologia social america-na caracteriza-se extensamente pelos seguintes aspectos, den-
tre outros: individualismo, experimentalismo, microteorizacao,
cognitivismo e a-historicismo. A perspectiva europeia emer-
gente distancia-se do modelo americano dominante em todos
esses aspectos. Cabe, entretanto, ressalvar que nao se trata de
conjuntos inteiramente antitet icos, Muito do que se produz
como psicologia social na Europa continua a seguir a orien-
tacao tradicional, tanto em termos dos temas estudados quan-
to dos referenciais teoricos e da metodologia de pesquisa,
como 0atesta, por exemplo, 0levantamento realizado por
Jorge Vala(1993b) a partir dos trabalhos apresentados no XthGeneral Meeting da European Association of Experimental
Social Psychology.
Na verdade, nao se poderia esperar que a evolucao ocor-
resse de outra forma, dada a influencia macica historicamente
exercida pela perspectiva dominante, pelo menos ate 0mo-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 10/97
16 17
. . . . . . . .
mento em que esta veio a ser abalada pela critica intema
geradora da famosa "crise da psicologia social" dos anos se-
tenta. Nem sequer se pode considerar a chamada "altemativa
europeia" como uma tendencia quantitativamente bern defi-
nida. 0ue a faz realmente digna de nota e permite perspec-
tiva-la como urn promissor desenvolvimento e a disposicao
cri tica e inovadora que ela representa, ainda que em termos
academicamente minoritarios, frente as caracteristicas crista-
l izadas da pratica americana. Trata-se talvez, como sugere
jesuino ( op . c i t. ) , de uma "rninoria ativa" que podera, com sua
persistencia e consistcnte assertividade, chegar a influir mais
decisivamente nos destinos da psicologia social.
Dentre as caracteristicas listadas, 0 individualismo e a que
mais nit idamente opoe as duas vertentes, americana e euro-
peia. Rob Farr (1987, 1990, 1992, 1993a, 1993b, 1994), urn
dos criticos mais insistentes da "individualizacao do social na
hist6ria da psicologia social", a atribui de urn modo geral a
ideologia (ou a representacao colctiva, como prefere) do indi-
vidualismo, dominante nos Estados Unidos, e, em termos
academicos mais estritos, a ativa influencia dos irmaos Floyd
e Gordon Allport. Segundo Farr (1993b), Floyd Allport em
seu texto de 1924, Soc ia l ps y cho logy, propugnara nao ser neces-
sario mudar de modelo te6rico a medida que os estudos
passam do nivel individual para 0 nivel coletivo, a diferenca
de grandes te6ricos anteriores - como Wundt, Le Bon, Freud,
McDougall, dentre outros - que propunham a coexistencia
de uma psicologia do individuo e uma psicologia do coletivo.
o efeito disso veio a se tomar flagrante no tratamento que
Gordon Allport deu ao conceito de atitudes sociais no Hand-
book if s oc ia l p s y cho logy de 1935. Segundo Jaspars e Fraser
(1984), essa perspectiva sobre as ati tudes terminou por des-pi-las do carater de "face subjetiva dos valores culturais" que
elas tinham na "Chicago dos anos vinte", transformando-as
em algo que passava a existir apenas como fen6meno psico-
logico nos individuos e nao mais na sociedade.
De fato, Gordon Allport afirma, em seu capitulo sobre 0
"background hist6rico da modema psicologia social" nas edi-
c,;oesde 1954, 1968 e 1985 do Ha nd b oo k i fs oc ia l p sy ch ol og y , que
"com poucas excecoes, os psicologos sociais veem sua disci-
plina como uma tentativa de compreender e explicar como 0
pensamento, 0 sentimento e 0 comportamento de individuos
[grifo nosso]" sao influenciados por algo tao vaga e abstrata-
mente social quanta "apresenc,;areal, imaginaria ou implicita
de outros individuos" (1968: 3). Farr (1993b) vai mais alem e
acusa explicitamente os editores do Handbook , Gardner Lind-
zey e Elliot Aronson, de "criarem uma cisao entre 0 longo
passado da psicologia social na tradicao ocidental (principal-
mente europeia) do pensamento social e sua curta hist6ria
desde que setomou uma ciencia experimental na America".
A formula que talvez melhor sintetize acritica a psicologia
social americana, acentuando a positividade distintiva do mo-
. vimento europeu no que se refere a questao do individualis-
mo, e atribuida a Tajfel(1984) na proposicao de "uma psicologia
social mais social". Nesse sentido, Doise (1986) acredita que
"pode-se falar realisticamente de uma tendencia europeia na
psicologia social [na medida em que] sua caracterfstica distin-
t iva seria a introducao das analises de niveis II I e IV em suas
teorias e pesquisas experimentais" (p. 18).
Relernbre-se que Doise (op. ci t . ) propoe a distincao entre
quatro niveis de explicacao em psicologia social : (I) 0 nivel
intrapessoal, segundo 0 qual "a interacao entre 0 individuo e
o ambiente social nao e tratada diretamente, e apenas os
mecanismos pelos quais 0ndividuo organiza a sua experien-
cia sao analisados" (p. 11); (II) 0 nivel interpessoal, em que "0objeto de estudo e a dinarnica das relacoes estabelecidas em
determinado momenta por determinados individuos em uma
determinada situacao", nao sendo "as diferentes posicoes
sociais ocupadas pelos individuos fora dessa particular situa-
c,;aoo O . ) levadas em conta" (p. 12); (III) 0nivel posicional, que
. < 1 1
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 11/97
18 19
"t: tornado explfcito em explicacoes que incluem asdiferencas
em posicao social que existem previamente a interacao entre
diferentes categorias de sujeitos" (p.13); (IV)0nivel ideolo-
gico, em que sao introduzidas na pesquisa e na explicacao "as
proprias ideologias, os sistemas de crencas e representacoes,
os valores e as normas, que toda sociedade desenvolve para
validar e manter a ordem social estabelecida" (p. 15).
Comumente, os experimentos realizados em psicologiasocial se atern apenas aos niveis intrapessoal e interpessoal de
analise. Para Doise, entretanto, a articulacao entre os diferen-
tes nfveis e possivel e desejavel. Embora uma tendencia nesse
sentido seja detectada tambem entre os psicologos sociais
americanos, e na Europa que ela tern sido mais abertamente
encorajada por autores da importancia e do prestfgio de Tajfel
e de Moscovici, 0que, segundo Doise, introduz uma diferen-
<;;adeterminante em termos historico-academicos.
E interessante observar que no seu estudo sobre os niveis
de explicacao em psicologia social Doise focaliza excIusiva-
mente trabalhos experimentais. Isto deve ser levado em con-
sideracao no exame comparativo das vertentes americana e
europeia quanto a segunda caracterfstica atribuida a psicologia
social, 0 experimental i smo. Aqui tarnbem - e mais do que no
caso da polaridade individual-social - nao ha uma oposicao
completa entre as duas vertentes. De fato, nao so Doise se
dedica extensamente a experimentacao, mas tambern 0fize-
ram, como observa Jesufno ( op . c it .) , Tajfel, em todo 0 seu
trabalho sobre as relacoes intergrupais, e Moscovici, no estu-
do da influencia das minorias sociais.
o que faz a diferenca e 0 recurso praticamente exclusivoa experimentacao por parte dos psicologos sociais americanos,
acompanhando sua valorizacao enquanto iinico metodo ca-
paz de detectar relacoes de causa e efeito. E nesse sentido que
sepode falar de uma orientacao "experimentalista". Enquanto
isso, entre os europeus a tendencia e para a utilizacao de
metodologias mais diversificadas e combinadas entre si das
quais nao se exclui 0proprio metodo experimental. Este foi,
e continua sendo, bastante empregado inclusive, embora com
uma enfase diversa quanta as variaveis manipuladas, nos
trabalhos sobre representacoes sociais conduzidos pelo Grupo
do M i d i, que originou e tern feito avancar a teoria do micleo
central.
A proposito, este parece urn born momento para intro-duzir a caracterizacao do c am p o d e e st ud o s d a s representacoes sociai s
no contexto da comparacao entre a psicologia social europeia
e aamericana, considerando os demais aspectos supostamente
distintivos da disciplina, ou seja, a microteorizacao, 0cogni-
tivismo e0a-historicismo. Na vertente americana, tais aspec-
tos se encontram relacionados, quando nao diretamente subor-
dinados, a preferencia pelo rnetodo experimental. Ao contra-
rio, como argumenta Farr (1993a), " e uma caracteristica sin-
gular da teoria [das representacoes sociais] que elanao privilegie
nenhum metodo particular de pesquisa" (p. 22). Isto tern
tambem uma influencia sobre a distintividade que a perspec-tiva psicossociologica europeia exibe quanto aquelas caracte-
risticas,
Em relacao a miao teor izao io como caracterfstica extensa da
psicologia social e interessante opor, no caso especffico das
representacoes sociais, 0seguinte depoimento de Doise:
"Com efeito, a teoria das representacoes pode ser considerada
como uma grande teoria, grande no sent ido de que sua finali -
dade e a de propor conceitos de base, como os de sistema e
metassistema, de objetivacao e de ancoragem, que devem atrair
a atencao dos pesquisadores sobre um conjunto de dinamicas
part iculares e suscitar ass im estudos mais detalhados sobre osmult iples processos especfficos. 0 papel de tais teorias e in-
substitufvel nas ciencias humanas" (Doise, 1990: 172).
Uma "grande teo r ia" , no sentido acima proposto, nao
pode ensejar senao uma pluralidade metodo16gica na cons-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 12/97
20 21
trucao de objetos especificos de pesquisa. : E conhecida a
resistencia de Moscovici (1988) em proporcionar uma defi-
nicao precisa de seus termos teorico-conceituais, com base no
argumento de que nao sepoderia esperar que ele "inaugurasse
urn campo de pesquisas como se soubesse de antemao a
maneira como as coisas evoluiriam" (p. 213). Isto parece ter
tido 0 salutar efeito de impedir a cristal izacao prematura de
conjuntos operacionalizados de conceitos, hipoteses e tecni-
cas de pesquisa que terminassem por constituir "microteo-rias" autonomas em relacao a "grande teoria".
A psicologia social americana, ao contrario, evoluiu pre-
cisamente no sentido da microteorizacao a part ir de aborda-
gens teoricas mais abrangentes, como as de Kurt Lewin e de
Fritz Heider. As diversas teorias da atribuicao diferencial de
causalidade e da coerencia ou consistencia cognitivas sao urn
born exemplo de tal processo de derivacao, na esteira da
proposicao lewiniana quanta a desejivel producao de teorias
de medic alcance. Nos dois casos, pode-se identif icar igual-
mente as exigencias do controle experimental de laboratorio
como urn dos fatores determinantes na formulacao de expli-
cacoes de aplicacao restr ita a uma gama bastante reduzida de
fenomenos,
Nao menos relacionadas ao problema metodologico sao
as versoes assumidas pelo cognitivismo na psicologia social'
americana, muito bern ilustrado pelas abordagens acima alu-
didas, e na europeia, onde as representacoes sociais consti-
tuem 0melhor exemplo de tal orientacao. 0ermo "cogni<_;ao
social", embora pareca em si mesmo suficientemente amplo
para abarcar todo e qualquer estudo psicossociologico que
envolva os processos cognitivos, designa tao-somente 0con-junto americano. Sua aparente abrangencia tern entretanto
alimentado a pretensao de que ele deva englobar 0proprio
estudo das representacoes, como chega a propor J ahoda (1988):"Considerando os processos psicologicos imbricados nas re-
presentacoes sociais seria mais realista ligi-las ao crescente
corpo de trabalhos sobre cognicao social do que damar pela
existencia nao verificada de urn dominic especial" (p. 207).
J a anteriormente, Moscovici (1982), na Fifth Summer
School organizada pela European Association ofExperimen-
tal Social Psychology, manifestara uma grande indignacao
contra essa estranha tentativa de cooptacao:
"Eu me encontro em uma situacao peculiar. Tenho advogado
uma psicologia social focalizada sobre os fen6menos cognitivos
e linguisticos por mais de vinte anos. E agora que essapsicologia
social esta tomando forma sob os nossos proprios olhos , eu sou
obrigado a explicar hoje 0que eu tinha em mente eque ria faze r
no passado. E isso e algo que eu tenho que fazer nao apenas
aqui, para voces , mas para outros que estao me desaf iando erne
instando a me lancar para dentro do trem "cognitivista" em
movimento. Como se eu tivesse antes sal tado daque le t rem!
Como se eu tivesse abandonado 0 que advogava e cessado minha
pesquisa na direcao que escolhi!" (Moscovici, 1982: 115).
Uma diferenca entre os campos da cognicao social e das
representacoes sociais se encontra na utilizacao preferencial,quase exdusiva, do metodo experimental pelo primeiro deles.
Embora participando da assim chamada "revolucao cogniti-
vista", tais estudos experimentais permanecem orientados por
urn flagrante "behaviorismo metodologico" (ver Skinner, 1974,
1982, para uma distincao em relacao ao "behaviorismo radi-
cal"). Ao tomar 0 behaviorismo indist intamente, Rob Farr
(1993a) considera-o como "antitetico a teoria das representacoes
sociais", acrescentando que "a oposicao entre as duas teorias
aparece, hoje, sob a forma altamente disfarcada de uma critica
metodologica a teoria das representacoes sociais" (p. 21). A
critica indui a exigencia de se ser mais explicito sobre os
metodos de pesquisa empregados, 0que Farr ve como "es-
treitamente ligado a nocao de replicacao da pesquisa" (ibid.).
Isto, que e moeda corrente no campo da cognicao social , por
sua propria natureza (microjteorica e experimental, simples-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 13/97
mente nao e aplicavel as representacoes sociais, que sao "es-
pecfficas de uma cultura particular e de urn particular momenta
na evolucao dessa cultura" (ibid.).
Nao se ve, portanto, como 0 campo das representacoes
sociais poderia ser englobado pelo da cognicao social , como
quer J ahoda, senao atraves de sua desfiguracao. Por outro
lado, os resultados dos estudos de cognicao social, em especial
aqueles sobre atribuicao de causalidade, podem ser interpre-
tados como simples demonstracoes do funcionamento das
representacoes, como argumenta Doise:
"Moscovici (1986) retem tres caracterfsticas do 'pensamento
ingenue' que foram evidenciadas pelas pesquisas sobre ascog-
nieces sociais: a impermeabilidade it informacao, 0 poder de
auto-realizacao, 0 erro de perspectiva conduzindo it arribuicao
interna. Todas as tres sao de fato caracterfsticas de representacoes
sociais que os especialistas das cognicoes sociais estudam parcial-
mente e por ass im dizer sem 0saber" (Doise, 1990: 119).
N essesentido - e isto nos remete ao exame de uma ultima
caracteristica atribuida a psicologia social, 0a -h is to r ic is m o - 0
famoso vies s6cio-cognitivo da tendencia a atribuicao causal
interna ou disposicional, em detrimento da atribuicao externa
ou situacional, tao consistentemente demonstrado pelas pes-
quisas americanas, seria , segundo Farr (1993b), urn nit ido
produto da ideologia ou da representacio coletiva do individua- ,
lismo, onipresente na sociedade americana conternporanea,
Embora 0aborat6rio seja visto par muitos pesquisadores
como uma especie de vacuo cultural, capaz de permitir urn
controle rigoroso das variaveis envolvidas, nao ha como irn-
pedir que os sujei tos dos experimentos secomportem dentro
dele com base no conhecimento social que caracteriza acultura em que se encontram cotidianamente embebidos.
Ainda, nao ha como isso ser detectado por uma abordagem
a-hist6rica, como a da cognicao social, em que os fenomenos
investigados sao despidos de seus conteudos hist6ricos e
culturais por meio da pratica laboratorial, com vistas a uma
suposta apreensao de processos psicossociol6gicos basicos e
unrversais.
As representacoes sociais, por seu turno, sao reconhecidas
como fenomenos psicossociais hist6rica e cultural mente con-
dicionados. Sua explicacao deve se dar necessariamente aos
niveis de analise posicional e ideol6gico, alern de aos nfveis
intrapessoal e interpessoal, pois as representacoes, como diz
Farr (1992), "estao tanto na cultura quanto na cognicao" (p. 186),
circulam atraves da comunicacao social cotidiana e se diferen-
ciam de acordo com os conjuntos sociais que aselaboram e as
utilizam. Por tudo isso, a pesquisa ernpirica das representacoes
sociais nao produz resultados repliciveis ou generaliziveis para
outros contextos.
o campo de estudos das representacoes sociais parece,
hoje, corporificar asprincipais tendencias da psicologia social
europeia, em todos os aspectos pelos quais esta se distingue
da psicologia social americana. De fato, contra 0ndiv idual i smo
dominante nesta ultima, a teoria das reprcsentacocs sociais ja
foi caracterizada como uma especie de retro-revolucao, na
medida em que busca recuperar 0 carater "mais social" que a
disciplina tivera no passado. Ao flagrante experimental i smo da
vertente americana opoe-se a "tradicao de pesquisa altamente
heterogenea" ( Fa rr ,o p . c it .: 186) dessa psicologia social euro-
peia. Em contraste com a muroteot i zacdo a que historicamente
foi levada a psicologia social americana, 0 que surge como
mais caracteristico no cenario europeu e uma "grande teoria"
das representacoes sociais, como a entende Doise (1990), que
vern aser complementada par outras tearias como ado micleo
central. Embora 0 ogni t i v i smo seja uma orientacao comum as
duas vertentes, as diferentes acepcoes com que 0 adjetivo
social qualifica a "cognicao" e as "representacoes" conduzem
a producoes ernpfricas e a versoes explicativas bastante distin-
tas: 0conhecimento individual de objetos e relacoes sociais
2223
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 14/97
24 25
especfficas, de urn lado, c a socializacao do conhecimento,
sobre "0 ambiente social, material e ideal" (Iodelet, 1984: 361)
em urn dado conjunto social , do outro. Finalmente, contras-
tam-se 0 assumido a -h i s to nd smo da orientacao americana, "em
sua busca de processos tao basicos e universais que [possam]
abrigar quaisquer conteiidos espedficos" (Sa, 1993a: 20), e a
igualmente assumida historicidade dos fen6menos repre-
sentacionais, que obrigam a pesquisa dos conteiidos tanto quan-
to dos processos, sob0risco de seterminar nada compreendendo
dessa cambiante modalidade de pcnsamento social.
Algumas ultimas observacoes introdut6rias se fazem opor-
tunas parajustificar a focalizacao do presente trabalho sobre
a teoria do micleo central, que e uma abordagem especffica
no campo das representacoes sociais, e este, por sua vez,
tipifica urn conjunto de enfases e tendencias de origem euro-
peia ainda em processo de constituicao, Por que a escolha pelo
autor desse apenas emergente objeto socio-acadernico de
estudo para a sua tese de professor titular na UERJ, quando
a tradicao brasileira em psicologia social sempre acompanhouo aparentemente ja consolidado paradigma americano? A
primeira resposta 6bvia e: "Justamcnte por isso", ou seja, a
fim de contribuir para a participacao brasileira no movimento
de renovacao ternatica, te6rica e metodol6gica da psicologia
social que 0desenvolvimento desses campos representa hoje'
em dia.
Complementa essajustificativa 0fato de que ja se encon-
tra em curso no Brasil urn consistente movimento academico
de familiarizacao, crit ica e crescente producao cientff ica no
campo das representacoes sociais. Umajustificativa final, nao
menos importante, relaciona-se diretamente com 0oco prin-
cipal do presente trabalho. A Teoria do Niicleo Central,
inaugurada por Jean-Claude Abric em 1976, na Uni ve r si te d e
Provence, apresenta hoje, ao cabo de cerca de vinte anos de
evolucao continua e sistematica, urn alto grau de elaboracao
te6rico-conceitual e de refinamento metodol6gico, bern
como uma importante producao empirica, 0 que faz dela urn
dos mais efetivos desenvolvimentos no campo de estudos das
representacoes sociais.
Assim e que, nos primeiros tres capftulos deste livro, que
se seguem, sao apresentadas e discutidas as seguintes questoes,
de modo acompor 0corpo te6rico-conceitual e metodol6gico
do presente trabalho:
1)A caracterizacao do campo de estudos das representacoes
sociais, em termos do conceito, dos conjuntos de fen6menos
que tern sido objeto de pesquisa e da sua teoria explicativa
basica, como uma forma de dar conta do contexto academico
mais amplo em que se insere a teoria do micleo central.
2) As proposicoes complementares da teoria do rnicleo
central quanta a estrutura e a dinamica das representacoes
sociais, incluindo sua transformacao em fun<;;aodas praticas
sociais, na versao original dessa abordagem e como produto
de seu gradativo refinamento, tomando-se como referencia acontextualiza<;;aoprovidenciada no capitulo anterior.
3) A metodologia desenvolvida pelo G ru po d o M i di com
vistas ao levantamento e a idcntificacao dos elementos do
nucleo central e dos elementos perifericos que fazem a inter-
face das representacoes com a pratica cotidiana concreta dos
indivfduos e grupos.
Urn quarto capitulo ficou reservado para a apresentacao,
como uma ilustracao empfrica do emprego da teoria do rni-
cleo central, de uma sfntese da etapa final do que foi talvez a
primeira pesquisa brasileira orientada por esta abordagemcomplementar da teoria geral das representacoes sociais. Tra-
ta-se do trabalho de Sa, Souto e Moller (1993a, 1993b, 1994)
sobre a representacao social do conhecimento cientffico no
Rio deJaneiro, que se completou por uma comparacao entre
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 15/97
26 27
as representacoes sociais mantidas por dois conjuntos de
sujeitos diferenciados em relacao ao consumo da vulgarizacao
cientffica atraves dos meios de cornunicacao de massa.
Finalmente, a conclusao do livro constitui uma articulacao
e uma discussao critica dasprincipais informacoes e argumentos
proporcionados nos capitulos precedentes, com vistas a pro-
ducao de urn convencimento final quanta a relevancia da
teoria e dapesquisa do micleo central para 0desenvolvimento
do campo das representacoes sociais e para a consolidacao de
uma psicologia social "mais social" e "plurimetodologica",
com vistas a, por meio de sua posterior publicacfo, ora con-
cretizada, proporcionar ao publico academico brasileiro, na
area das ciencias psicol6gicas e sociais, urn texto introdut6rio
razoavelmente claro e conciso, mas suficientemente critico e
abrangente, sobre 0 estado atual da teoria e da pesquisa do
rnicleo central.
Para terminar esta introducao, cabe ainda registrar alguns
esclarecimentos quanta aos seguintes aspectos formais assu-
midos pelo presente livro:
1) Sao feitas frequentes e extensas transcricoes de passa-
gens das obras que informam 0 desenvolvimento do trabalho.
Taistranscricoes obedecem a urn encadeamento com 0 corpo
basi co do texto, de tal modo que passam a fazer parte da
sequencia organizada das ideias que se quer transmitir. Essaestrategia visa evitar, tanto quanta possivel, as parafrases - que,
por mais cuidadosas que sejam, se mostram com frequencia
menos precisas que os textos originais - e levar ao lei tor 0que
sepoderia chamar de "0pensamento vivo" dos autores citados.,
2) Eventualmente essas transcricoes incluem citacoes de
terceiros. A s referencias bibliograficas do trabalho nao as
contemplam, mesmo quando nao ignoradas pelo seu autor,
senao se tiverem servido tambem a fundamentacao da orga-
nizacao e desenvolvimento do texto principal. Tal medida visa
dist inguir com a necessaria nit idez as fontes efetivamente
utilizadas, 0 que, de resto, e 0 que setorna tambem manifesto
com a estrategia das transcricoes extensas e frequentes.
3) Imprimiu-se propositalmente ao trabalho, desde 0
inicio, enquanto ainda tesede concurso, um certo estilo didatico,
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 16/97
Capitulo 1
o C A M P O D E E S T U D O S D A S
RE PRE S ENTA ~ 6 E S S O C I A l S
o termo r epres en tacoes soci a is designa tanto urn conjunto
de fenornenos quanta 0 conceito que os engloba e a teoria
construfda para explica-los, identificando urn vasto campo de
estudos psicossociol6gicos. Foi inaugurado por Serge Mos-
covici, atraves da sua obra seminal, L a p sy ch an aly se , so n im ag e
e t so n pu blic (1961,1976), sobre a representacao social da
psicanalise mantida pela populacao parisiense em fins dos
anos cinqiienta. Proposto com 0objetivo declarado de "rede-finir os problemas e os conceitos da psicologia social a part ir
desse fenorneno [das representacoes sociais]" (Moscovici,
1976: 16),0 campo de estudos conta hoje com uma significa-
tiva quantidade de sfnteses historicas, resenhas te6rico-con-
ceituais e metodol6gicas, levantamentos de producoes empfricas
e discuss6es criticas, que proporcionam em seu conjunto uma
visao atualizada do estado do empreendimento.
Para os prop6sitos do presente capitulo - qual seja, 0 de
caracterizar 0 campo das representacoes sociais como 0 con-
texto academico mais amplo em que se insere a teoria do
micleo central- parece suficiente, pelo menos para ascarac-terizacoes mais consensuais, 0 recurso a seguinte duzia de
obras, que cobrem a terceira e 0 infcio da quarta decadas de
existencia do campo: Moscovici (1981,1984, 1988),Jode1et
(1984, 1989a),Ibanez (1988), Doise (1990,1993),v.lla (1993a), S a
(1993a),Abric (1994a),Wagner e Elejabarrieta (1994).
29
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 17/97
Alguns de tais trabalhos sao de carater introdutorio, ou-
tros de cunho mais analitico, outros ainda proveern uma
cobertura extensa do campo, uns poucos fazem quase tudo
isso ao mesmo tempo, mas todos enfim proporcionam uma
contribuicao propria relevante para a compreensao da natu-
reza e do desenvolvimento dos estudos sobre representacoes
sociais.
o capitulo seorganiza em tres secoes, orientadas respec-
tivamente, conquanto de forma sequencialmente articulada,
para: (1) a discussao do conceito de representacoes sociais; (2)
a exploracao dos diversos criterios de delimitacao do campo
de fenomenos a que 0 conceito se aplica; (3) a elucidacao da
natureza e do alcance explicativo da teoria das representacoes
SOCialS.
1.1.Sobre 0conceito de representacoes sociais e sua
definicao
Em uma simples caracterizacao do campo, como preten-dido neste capitulo, faz sentido introduzir 0 conceito de
representacoes sociais atraves de algumas definicoes concisas.
A rigor, essa tarefa de conceituacao formal sintetica e tao diffcilque varies dos autores aqui citados nao comecaram suas
exposicoes dessa forma, preferindo fazer preceder a definicao-
por uma especie de preparacao indutiva do leitor. Isso sedeve
a propria complexidade da nocao de representacoes sociais,
que teria levado Moscovici (1976), na obra mesmo em que a
propoe, a com entar que "se a realidade das representacoes
sociais e fkil de captar, 0conceito nao 0e" (p. 39), para, apos
cerca de vinte paginas de exploracao da ideia, tomar a admitir
que "a nocao de representacoes ainda nos escapa" (p. 61).
Alern disso, Moscovici sempre resistiu a apresentar uma
definicao precisa das representacoes sociais, por julgar que
uma tentativa nesse sentido poderia acabar resultando na
reducao do seu alcance conceitual. Admitindo 0 problema,
30
Tomas Ibanez (1988) identifica como uma das dificuldades
para a definicao do conceito a "sua composicao polimorfa.ja
que recolhe e integra toda uma serie de conceitos que apre-
senta~, cada urn deles, urn alcance mais restrito que 0proprio
concerto de representacoes sociais" (p. 32). Realmente, em
urn de seus muitos comentarios, nao exatamente definicoes,
sobre 0 que sejam asrepresentacoes sociais, Moscovici (1981)
sugere uma tal coleta de variadas nocoes dos campos cognitivo
e cultural para cornpor 0 seu conceito ou proporcionar-Iheparentescos analogicos:
"Por representacoes sociais, entendemos urn conjunto de con-
ceitos, proposicoec e explicacoes origin ado navida cotidiana no
curso de comunica~6es interpessoais. Elas sao 0 equivalente,
em nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crencas das socie-
dades tradicionais; podem tambern ser vistas como a versao
contempordn-., do senso comum" (Moscovici, 1981: 181).
A inclusividade da nocao de representacoes sociais fica
ainda mais patente quando se nota que ela pretende englobar
o proprio conceito com que mais e levada a rivalizar nas
analises crfticas do campo, 0 de atitudes, bern como 0 de
imagem. De fato, uma das primeiras proposicoes quanto aestrutura das representacoes (Moscovici, 1976) estabelece
que esta se configura ao longo de tres dimensoes: informacao,
atitude e campo de representacao ou imagem.
A iriformafiio "se refere a organizacao dos conhecimentos
que urn grupo possui a respeito de urn objeto social" (p. 66);
o c amp o d e r e pr e se n ta o io "remete a ideia de imagem, de modelosocial, ao conteudo concreto e limitado das proposicoes acerca
de urn aspecto preciso do objeto da representacao" (p. 67); "a
atiiude termina por focalizar a orienta~ao global em relacao ao
objeto da representacao social" (p. 69). A "unidade hierarqui-
zada dos elementos" implicada na dirnensao "campo de rep-
resentacao", que a torna a mais interessante e original para
Ibanez (op. cit.) , e , adiante-se, privilegiada tambern pela teoria
do rnicleo central. Moscovici, entretanto, ressalta urn outro
31
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 18/97
aspecto que confere uma imporcincia crucial a dimensao da
"atitude" na formacao das representacoes:
"... a atitude e a mais frequente das t res dimens6es e, talvez ,
geneticamcnte a primeira. Por conseguinte, e razoavel concluirque as pessoas se informam e representam alguma coisa so-
mente depois de terem tornado uma posicao e em funcao da
posicao tomada" (Moscovici, 1976: 72).
Alern dessas inclus6es cognitiva, atitudinal e imageries,
de cunho psicol6gico, Ibanez alerta para a necessaria partici-pacao tambem de nocoes sociol6gicas na constituicao do
conceito:
"Com efeito, 0 tipo de realidade social para que aponta 0
conceito de representacao social esta f inamente tecido por urn
conjunto de elementos de natureza muito diversa: processos
cognitivos, insercoes sociais, fatores afetivos, sistemas de valo-
res . .. que devcm caber s imultaneamente no ins trumento con-
ceitual utilizado para elucida-lo" (Ibanez, 1988: 32-33).
Embora se trate de "urn conceito complexo, polifacetico,
diffcil de encerrar em uma expressao condensada e com a
ajuda de umas poucas palavras", como convern Ibanez (o p . c i t. :37), alguns autores tern proposto definicoes para as repre-
sentacoes sociais, que, pela generalidade dos termos e relacoes
empregados, nao parecem comprometer a integridade do
conceito. Assim e que Denise Jodelet (1989a), no cumpri-
mento de uma necessaria tarefa de sistematizacao do campo,
busca refletir 0que parece ser consensual entre os estudiosos
das representacoes sociais na seguinte f6rmula concisa: "uma
forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada,
que tern urn objetivo pratico e concorre para a construcao de
uma realidade comum a urn conjunto social" (p. 36).
Escandindo essa definicao, de modo a fazer justica a
complexidade do conceito, Jodelet ( op . c it .) acrescenta uma
quantidade de observacoes esclarecedoras. Em primeiro lu-
gar, considera que uma representacao social e uma forma de
saber pratico que liga urn sujeito a urn objeto. Com relacao
32
ao objeto, que pode ser de natureza social, material ou ideal ,
a representacao se encontra em uma relacao de simbolizacao
(esta no seu lugar) e de interpretacao (confere-lhe significa-
dos). A rcprescntacao e , por outro lado, uma construcao e
uma expressao do sujeito, que pode ser considerado do ponto
de vista epistemico (se se focalizam os processos cognitivos)
ou psicodinamico (se a enfase e sobre os mecanismos intrap-
sfquicos, motivacionais etc.), mas tambem social ou coletivo,
na medida em que sempre seha de integrar na analise daque-les processos 0 pertencimento e a participacao sociais e cultu-
rais do sujeito. Alern disso, enquanto uma forma de saber, a
representacao scaprcscnta como uma modelizacao do objeto,
que pode ser apreendida em diversos suportes l ingi.ifst icos,
comportamentais ou materiais. Finalmente, dando conta das
funcoes e da eficacia sociais das representacoes.jodelet escla-
rece que "qualificar esse saber como 'pratico' se refere a
experiencia a partir da qual ele e produzido, aos quadros e
condicoes nos quais 0 e , e sobrctudo ao fato de que a repre- I
sentacao serve para se agir sobre 0 mundo e sobre os outros"
(p.43-45).
Willem Doise (1990), por seu turno, privilegiando mais
explicitamente os niveis de analise posicional e ideo16gico por
ele propostos (ver introducao), apresenta a seguinte definicao:
"representacoes sociais sao prindpios geradores de tomadas
de posicao ligadas a insercoes espedficas em urn conjunto de
relacoes sociais e que organizam os process os simbolicos que
intervem nessas relacoes" (p. 125). 0autor adverte que "a
primeira parte dessa definicao (.. .) e tomada emprestada de
Bourdieu (1977), mas que 0conjunto da definicao pode ser
igualmente bern ilustrado por passagens do livro de referencia
de Moscovici" (ibid.). De fato, para fundamentar proposicoes
mais abrangentes sobre as relacoes entre processos sociais e
cognitivos, asquais tal definicao sesubordina, Doise serepor-
taa obra de Moscovici, aprop6sito das caracterfsticas comuns
ao pensamento cientff ico e ao chamado "pensamento natu-
ral":
33
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 19/97
"...vemos em funcionamento dois sistemas cognitivos, urn que
procede as associacoes, inclus6es, discriminacces, deducoes,
ou seja, 0 sistema operat6rio, e outro que controla, ver if ica,
seleciona com a ajuda de regras, 16gicasou nao; trata-se de uma
especie de metassistema que retrabalha a materia produzida
pelo primeiro" (Moscovici, 1976: 254).
Segundo Moscovici, 0 metassistema e constitufdo por
regulacoes sociais que controlam, verificam e dirigem as
operacoes cognitivas.
Eesta relacao que Doise vern a privile-
giar no seu entendimento do que sejam as representacoes
sociais, condicionando-as a uma consideracao das insercoes
sociais de seus produtores e usuarios:
"E a analise das regulacoes efetuadas pelo metassistema social
no sistema cognitivo que constitui 0 estudo propriamente dito
das representacoes sociais, desde que suas ligacoes com posicoes
especif icas em urn conjunto de relacoes sociais sejam explici-
tadas . Segundo as posicoes , as exigencias do metass istema va-
riam; elas podem, por exemplo, implicar uma aplicacao
rigorosa de principios logicos, quando de urn trabalho cientffi-
co, ou visar sobretudo uma defesa da coesao do grupo, quando
de urn confl ito com outro grupo" (Doise, 1990: 115-116).
Alern da variabilidade das representacoes, em funcao das
exigencias metassisternicas globais de diferentes contextos
sociais, como argumentado na passagem acima, Doise (op. cit.)
destaca ainda "a pluralidade dos processos e funcionamentos
( ...) ao nfvel do individuo quando da elaboracao de suas
tomadas de posicao em funcao de uma insercao especffica em
urn campo social" (p. 127). Repudiando uma perspectiva
consensual, frequcnternente associada ao conceito de repre-
sentacoes sociais, 0autor considera que tal pluralidade per-
mite explicar a variedade das expressoes individuais de uma
representacao, questao que sera ainda retomada quando do
exame da teoria do micleo central:
"Uma tal concepcao consensual nao esta absolutamente pre-
sente em Moscovici, que nao considera 0consenso como uma
caracterfst ica essencial do funcionamento ou do produto das
34
representacoes sociais (...).Assim como asinsercoes e situacoes
sociais nao sao jamais completamente identicas , os mult iples
processos que intervern nas tomadas de posicao sao tambern
var iados. Essa dupla fonte de var iacao pode gerar uma multi-
plicidade aparente de tomadas de posicao que sao entretanto
produzidas a partir de principios organizadores comuns" (Doi-
se, 1990: 127).
Em uma importante irnplicacao desse modo de concei-
tuar as representacoes sociais, Doise (1993) considera que " ena segunda parte do livro de Moscovici (1976) sobre as
representacoes sociais da psicanalise que se encontra ( .. .) 0
melhor exemplo de urn estudo sobre a insercao de repre-
sentacoes na organizacao de relacoes simb6licas entre atores
sociais" (p. 159). Trata-se da distincao que Moscovici estabe-
lece entre os diferentes sistemas de cornunicacfio que carac-
terizavam as relacoes que tres distintas instancias da imprensa
francesa mantinham com seus leitores:
1) a difusclo, tfpica da imprensa de grande circulacao,
caracterizada por uma ausencia de diferenciacao entre a fonte
e osreceptores da comunicacao e cujo principal objetivo seriacriar urn interesse comum sobre urn dado assunto, como a
psicanalise, bern como adaptar-se aos interesses dos seusleitores;
2) a propagar,clo, identificada na imprensa ligada a Igreja
Cat61ica, que visaria expandir sua organizada visao de mundo,
acomodando seletivamente os conteudos de outras doutrinas,
como a psicanalise, ao seu pr6prio sistema;
3) a propaganda, localizada na imprensa comunista, cujo
objetivo seria 0de diferenciar antagonisticamente entre su-
postos conhecimentos verdadeiro e falso, representado 0pri-
meiro pelas suas pr6prias perspectivas e0falso, por exemplo,
pela psicanalise,
Moscovici propos corresponder-se tais relacoes de comu-
nicacao, termo a termo, a diferentes instancias de organizacao
cognitiva: a difusao a opiniao; a propagacao a atitude; a pro-
35
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 20/97
paganda ao estereotipo. 1 3 nessa proposicao que Doise identi-
fica 0 carater distintivo das representacoes sociais de serem
intimamente vinculadas a insercoes sociais especfficas, como
bern ilustrado por essa art iculacao entre alguns de seus com-
ponentes - opini6es, atitudes, estereotipos - e certas praticas
comunicacionais socialmente bern definidas.
Ao mesmo tempo, constata a negligencia de outras ten-
dencias da psicologia social em pensar tais conceitos "mais
socialmente":
"Essa nova definicao de opinioes, atitudes e estere6tipos nao foi
infelizmente retida pelos psicologos sociais que trabalham nes-
ses campos . Isto cer tamente nao e uma coincidencia, porque
poucos pesquisadores trabalham na articulacao entre sistemas
de comunicacao e s is temas de organizacao cognitiva" (Doise,
1993: 160-161).
Finalmente, cabe registrar, com vistas a uma apreciacao
futura, a definicao que Jean-Claude Abric apresentara por
ocasiao da proposicao da teoria do micleo central, em 1976:
"0produto e 0processo de uma atividade mental pela qual
urn indivfduo ou urn grupo reconstitui 0real com que se
confronta e the atr ibui uma significacao especffica" (Abric,
1994a: 13).
1.2. Sobre 0campo de fenomenos de representacao
social
Uma outra forma de caracterizar 0 estudo das repre-
sentacoes sociais consiste no levantamento dos assUl;tos ou
objetos de representacao que tern sido investigados. E 0que
faz, por exemplo, Jorge Vala (1993a) ao listar "problemas taosalientes como" : a saude/doenca, a doenca mental , ajustica,
a violencia, 0 grupo e a amizade, 0 .trabalho, 0 desemprego,
os sistemas tecnologicos, os sistemas economicos e asrelacoes
economicas, os confli tos sociais e as relacoes intergrupais, e
ainda grupos ou categorias sociais como a crianca, a mulher,
36
os quadros organizacionais, os psicologos e a psicologia (p.
359). Valajustifica essa estrategia nos seguintes termos:
' ~o apresentar esta longa e incompleta l is ta de dominies, obje-
tos ou problemas, para a compreensao dos quais 0 conceito de
representacao social foi julgado uti l, v isa-se mostrar como se
esta em presenca de um campo de investiga~ao vivo e oricntado
para a interroga~ao das interrogacoes do nosso tempo" (Vala,1993a: 359).
Jodelet (1984), por seu turno, mapeia 0campo atraves da
enumeracao de seis diferentes perspectivas que presidem a
forrnulacao da maneira como se elaboram as representacoes
sociais: (1) enfase a atividade puramente cognitiva pela qual
o sujeito constroi sua representacao; (2) acentuac;:aodos as-
pectos significantes da atividade representativa; (3) tratamen-
to da representacao como uma forma de discurso; (4) con-
sideracao da pratica social do sujeito na construcao da repre-
sentacao; (5) deterrninacao da dinamica das representacoes pelo
jogo dasrelacoes intergrupais; (6)enfase sociologizante, fazendo
do sujeito urn portador das deterrninacoes sociais responsaveis
em ultima instancia pela producao das representac;:6es (p.365-366). Em urn texto posterior, Jodelet (1989a) esclarece que
"amultiplicidade de perspectivas delimita territories mais ou
menos autonomos pela enfase colocada sobre aspectos espe-
cfficos dos fenomenos representacionais", daf resultando "urn
espac;ode estudo multidimensional" (p. 42).
Wolfgang Wagner e Fran Elejabarrieta (1994), assim como
Wagner (1994), buscam sistematizar a descricao do contexto
fenomenal das representac;:6es sociais, distinguindo tres gran-
des campos de investigac;:ao,nos quais podem ser reagrupados
os diferentes problemas substantivos listados por Vala:
"0 primeiro e 0 que caracte riza a per spectiva original dasrepresentacoes como conhecimento vulgar, oufolk-knowledge,
de ideias cientif icas popular izadas . 0 segundo e 0extenso
campo dos objetos cultural mente construfdos atraves de uma
longa hist6ria e seus equivalentes modernos. 0 te rce iro e 0
campo das condicoes e acontecimentos sociais e politicos, onde
""- . .,
37
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 21/97
as representacoes que prevalecem tern urn curto prazo de
significacao para a vida social. Estes tres campos constituem 0
que podemos denominar de topogra fia da mente moderna"
(Wagner &Elejabarrieta, 1994: 822)_
A diversidade de objetos de representacao que tern sido
alvo de pesquisas nos campos acima recortados vai certamente
alern das ilustracoes proporcionadas. Para uma visao mais
completa, conviria consultar a "Bibliografia geral sobre as
representacoes sociais" levantada por Jodelet e Ohana (emJodelet, 1984) e a "Caixa de ferramen tas bibliograficas sobre
as representacoes sociais" oferecida por Ibanez (1988)_ Alern
disso, para uma amostragem nao-exaustiva, porem refletindo
tendencias mais atuais, cabe noticiar a variedade de assuntos
que ensejaram a constituicao dos workshops e s p ec ial mee t in g s da
"2i!Conferencia Internacional sobre Representacoes Sociais",
no Rio de Janeiro, em 1994: processos te6ricos espedficos e
estudos comparativos de representacoes sociais; representacoes
na pesquisa sobre comunidade; nas questoes de saude, em
geral e especfficas aAids; relacoes com os process os cognitivos
e a linguagem; estudos empfricos envolvendo a cultura; apolftica e os movimentos sociais; a ciencia e a cornunicacao
de massa; a etnicidade e a nacionalidade; a ecologia; 0 trabalho
e as organizacoes; relacoes com a psicanalise; com os proces-
sos de exclusao social (genero, velhice, meninos de rua); com
o desenvolvimento, a educacao e a formacao pro fissionaL ,
As representacoes sociais comportam novas distincoes a
partir das respostas a interrogacao sobre as razoes para a sua
designacao como "sociais", e nao mais como "coletivas",
contrariando Durkheim, a fonte explicitamente assumida por
Moscovici quando da retomada daquele "conceito perdido".
A rigor, a proposicao das representacoes sociais nao revoga as
representacoes coletivas, mas acrescenta outros fenomenos ao
campo de estudos, Concebido assim de forma mais amp la, 0
campo pode ter seu contexto fenomenal mapeado ainda de
uma outra maneira, ou seja, pela dist incao entre diferentes
38
r
~po~ de rep~esentac,;aoem funcao de suas origens e respectivosambltos de msercao social,
Ness~ senti~o: Ibanez (1988) considerando que "as re-
prese~t~c,;oes sociais se constituem a partir de uma serie de
~a_tenals de procedencias muito diversas" (p_ 40), inclui
nitidamente entre elas 0 que antes se havia convencionado
chamar de representacoes coletivas:
",.. grande parte desses materiais provem do fundo cultura l
acumulado na sociedade ao longo de sua his toria. Esse fundo
cultural comum circula atraves de toda a sociedade sob a forma
de crencas amplamente compartilhadas, de valores considera-
dos como basicos e de referencias hi st6ricas e culturai s que
co~forma~ a mem6ria colet iva e a te a identidade da pr6priasocledade (Ibanez, 1988: 40)_
E esse ~es~o 0 entendimento de Moscovici (1988)
q~a~do, ao justificar a sua preferencia pelo adjetivo social,
dlS~!n~e e~ntr_e~'presenta~oes "hegemonicas", "emancipa-
das_~ polemlcas , todas vistas por ele como legitimamente
sociais. Note-se que tais distincoes, descritas extensamente aseguir, coincide~ em ~oa medida com a tipologia proposta
porWagner e Elejabarrieta (1994), com a unica diferenca de
que esses autores_fazem as represenracoes emancipadas cor-
responder excluslvamente a apropriacao do conhecimentocientffico.
"De _acor~o com _0 ponto de vista classico, representacoes
c~letl:as sao definidas por sua oposi<;J.oa representacoes indi-
vlduals._Na nossa perspectiva, essa oposicao e irrelevante. Hi
presurnivelmenre tres maneiras pelas quais as representacoes
podem se tornar sociais, dependendo das relacoes entre os
membros do grupo_ As representacoes podem ser partilhadas
por todos os membros de urn grupo altamente est ruturado _urn part ido, cidade ou nacao - sem terem sido produzidas pelo
grupo. Essas representacoes hegemonicas prevalecem implicita-
mente_em todas aspriticas simb61icas ou afetivas. Elas parecem
ser u?~formes e coercivas . E las ref letem a homogeneidade e a
estabi lidade que os soc iologos franceses tinham em mente
quando chamaram essas representacoes de coletivas.
39
r
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 22/97
Outras representacoes sao a consequencia da circulacao
do conhecimento e das ideias pertencentes a subgrupos que
se encontram em contato mais ou menos estreito. Cada
subgrupo cria sua pr6pria versao e a parti lha com os outros.
Essas sao representacoes emancipadas com urn certo grau de
autonomia em relacao aos segrnentos interagentes da socie-
dade. Elas tern uma funcao complementar na medida em que
resultam do intercarnbio e parti lha de urn conjunto de inter-
pretacoes ou sfmbolos. Elas sao sociais em virtude da divisao
de funcoes e da informacao reunida e coordenada por seu
intermedio.
Finalmente, ha representacoes geradas no curso de cont1itos
sociais, de controversias sociais , e a sociedade como urn todo
nao ascompartilha. Elas sao determinadas por relacoes antago-
nis ticas entre seus membros e orientadas para serem mutua-
mente exclusivas. Essas representacoes polimicas devem ser
vistas no contexto de uma oposicao ou luta ent re grupos e sao
frequentemente expressas em termos de urn dia logo com urn
interlocutor imaginario" (Moscovici, 1988: 221-222).
Conduindo, Moscovici ( op . c it .) argumenta que "essas
distincoes enfatizam a transicao do conceito de representacao
coletiva como uma visao uniforme para uma visao diferencia-
da das representacoes sociais, que e mais proxima da nossa
realidade" (p. 222). Levando a questao urn pouco mais adian-
te, cabe ainda perguntar - e isso e frequenternente feito pelos
estudantes que seiniciam no estudo das representacoes sociais
_ se"tudo e representacao social", ou seja, se todos os objetos
do "ambiente social, material e ideal" sao objetos de repre-
sentacao social por parte de urn ou outro grupo, conjunto ou
segrnento social.
A resposta negativa, que admite a nao-existencia de "re-
presentacoes sociais de tudo", parece bern conforme ao espi-
r ito diferenciado ou relativista da nocao de representacoes
sociais, como ressaltado por Moscovici. A pergunta e explici-tamente respondida pelo seguinte comentario de Ibanez, 0
40
• o J <
qual, de resto, por sua pcrtinencia, devera ser retomado quan-
do do exame da teoria do micleo central:
"Certos autores insistem sobre 0 carater estruturado das repre-
sentacoes sociais.
(...)0 fato de que asrepresentacoes sociais estejam estruturadas
nos indica tambern que nao ha por que existir uma reprc-
sentacao social para cada objeto em que possamos pensar. Pode
ser que urn de terminado objeto tao so de lugar a uma serie de
opinioes e de imagens relativamente desconexas. Isto nos indi-
ca tambern que nem todos os grupos ou categorias sociais
tenham que participar de uma representacao social que lhes seja
propria. E possfvel, por exemplo, que urn grupo tenha uma
representacao social de certo objeto e que outro grupo se
caracterize tao-somente pelo fato de dispor de urn conjunto de
opini6es, de inforrnacoes ou de imagens acerca desse mesmo
objeto, sem que isso suponha a existencia de uma representacao
social" (Ibanez, 1988: 34-35).
Essas observacoes conduzem diretamente a questao de
quais sejam ascondicoes que afetam a ernergencia ou nao da
representacao social de urn dado objeto no ambito de urn
determinado grupo. Tais condicoes realfsticas de producaodos fen6menos das representacoes sociais, advertidas desde 0
infcio por Moscovici, sao resenhadas da seguinte mane ira por
Vala (1993a), que as ve, acompanhando Doise, como decor-
rentes da "enorme pluralidade das clivagens socio-econorni-
cas e dos quadros de referencia normativo-valorativos" e
diretamente responsaveis pela "pluralidade de representacoes
sobre urn mesmo objeto" (p. 363):
''A d i sp e rs i io da i n fo rma{ i io reenvia para urn defasamento quanti-
tat ivo e quali tativo entre a inforrnacao disponfvel e a inform a-
«ao necessaria para a cornpreensao salida de urn problema ou
de urn objeto. Mais, a informacao que circula nao e sempre
claramente definida, e na maioria dos casas ambigua, imprecisa.Este defasamento nao e independente das clivagens sociais: nao
so a informacao nao circula da mesma forma, como nao circula
o mesmo tipo de inforrnacao em todos osgrupos sociais, como
ainda a ambiguidade da inforrnacao nao semanifesta damesma
forma para todos;
41
r r
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 23/97
A Jocalizafao: os recursos educativos, os interesses profissionais
ou ideologicos parametr izam a focalizacao dos indivfduos em
diferentes domfnios do meio e gerem a pertinencia daelabora-
~aode uma representacao ou de uma representacao mais solida
ou mais f luida acerca de urn dado objeto;
A pressdo Ii inftrencia: ent re a consta tacao de urn fenorneno e a
necessidade de tomada de posicao sobre ele vai urn lapso de
tempo mfnimo. A posicao a tomar nao e, contudo, uma qua l-
quer, deve servi r a obje tivos ind ividua is ou grupa is. Ta l fa to
exige que os indivfduos e osgrupos disponham de recursos que
lhes permitam produzir uma opiniao nao so rapida , mas tam-
bern conforme assuas estrategias, Esses recursos sao, em gran-
de parte, as representacoes a que 0 fenorneno em causa faz
apelo, e que refletem 0 posicionamento social dos indivfduos
na sua relacao com urn grupo ede urn grupo nasua relacao com
outros grupos" (Vala, 1993a: 363-364).
Para encerrar esta secao, vale a pena noticiar a possfvel
existencia de pseudofenomenos de representacao social, en-
gendrados "pela propria pratica especial izada da pesquisa,
dada a liberdade de provocacao de respostas que as tecnicas
de entrevistas ou questionarios detern" (Sa, 1994: 42). Comoassinalado por Ibanez, nem todos os objetos do ambiente
social chegam a se constituir em objetos de representacao de
algum grupo ou conjunto social. Mas, " e possfvel que urn
dado objeto social nao seja representado (...) por determinado
grupo ou segmento da sociedade e que, nao obstante, seus
membros Jalem sobre tal objeto" (ibid.), mormente se instados
a faze-lo por urn pesquisador. Assim, embora ascondicoes de
emergencia das representacoes acima discutidas nao sejam
minimamente cumpridas, a lga e "extraido" dos sujeitos e
pode, inadvertida ou (mal) intencionalmente, ser tornado
como indicador de uma representacao social mantida de
forma consistente pelo grupo ao qual eles pertencem. Obvia-
mente, esta nao e uma questao que afete a caracterizacao dos
(reais) fenomenos de representacao social ou sua conceitua-
<,;aoabstrata, mas tern importantes implicacoes na construcao
dos o b je to s d e p e sq u is a, para a qual contribuem decisivamente,
42
ao lado das estrategias metodologicas, as formula<,;oes teoricas,
que constituem 0 assunto da proxima secao,
1.3.Sobre a explicacao te6rica das representacoes sociais
Em uma de suas muitas "quase definicoes" das repre-
sentacoes sociais, Moscovici (1976) enfatiza 0carater distin-
tivo dadimensao funcional do fenomeno, argumentando quetanto a consideracao da genese social das representacoes quanta
o fato de elas serem socialmente comparti lhadas nao seriam
suficientes para dist ingui-las de outros sistemas de pensa-
mento coletivo, como a ciencia e a ideologia. 0 termo repre-
sen tacdo soc ial deveria ser, portanto, reservado para aquela "mo-
dalidade de conhecimento particular que tern por funcao
[exclusiva] a elaboracao de comportamentos e a comunicacao
entre indivfduos" (p. 26) no quadro da vida cotidiana. Mos-
covicijustifica essa especffica enfase funcional, convindo que
o mais importante na representacao social e que ela "produz
e determina comportamentos, visto que define ao mesmotempo a natureza dos estfrnulos que nos envolvem enos
provocam e a significacao das respostas a lhes dar" (ibid.).
Embora a funcionalidade das representacoes esteja muito
bem sintetizada na formula acima, parece interessante verifi-
car como eIa pode ser desmembrada para evidenciar uma serie
de outros aspectos valorizados no decorrer da historia do
campo de estudos. A razao para tal especificacao mais deta-
lhada das funcoes das representacoes sociais relaciona-se ao
esboco que se pretende aqui apresentar de sua teoria explica-
tiva. De fato, uma explicacao adequada dos fenornenos de
representacao social deve dar coma de suas origens, de seus
fins ou fun<,;oese das circunstancias de sua producao,
Assim, Abric (1994a) sistematiza a questao das finalidades
proprias das representacoes sociais, atribuindo-Ihes quatro
funcoes essenciais:
43
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 24/97
" Fu nfo es d e s abe r: ela s p er mite m c om pr een de r e e xpl ica r a r eal id ad e.
Saber pratico do senso comum, ( .. .) elas permitem aos atores
socia is adqui rir conhecimentos e integra-los a urn quadro
assimilavel e compreensfvel para eles, em coerencia com seu
funcionamento cognit ivo e os valores aos qua is aderem. Por
outro lado, e las faci lit am - e sao mesmo condicao necessa ria
para - a c omun i ca c do so ci a l. Elas definem 0 quadro de referencia
comum que permite a troca socia l, a transrni ssao e a di fusao
desse saber 'ingenue'.
F lI nf oe s i de nt iu ir ia s: e la s d ef in em a i de nt id a de e p e rm i te m a s al va g ua rd a
d a e sp ec ifi ci da de d os g ru po s ( . .. ) . As representacoes tern tambern
par funcao situar os indivlduos e os grupos no campo social
(permitindo) a elaboracao de uma identidade social e pessoal
gratificante, ou seja, compatfvel com sistemas de normas e de
valores social e historicamente determinados (.. .). A referencia
as representacoes como definindo a identidade de urn grupo
vai por outro lade desempenhar um papel importante no controle
social exercido pela colet ividade sobre cada urn de seus mem-
bros, em particular nos process os de socializacao.
F l It lf oe s d e o r ie n ta d io : elas guiam os comportamentos e aspraticas.
A representacao intervem diretamente na d e fl ni fi io d a fi na li da d e d a
sittw§iio, determinando assim a pr ior i 0 tipo de relacoes pertinentes
para 0 sujeito (...).A representacao produz igualmente 11msis t ema
de ante cipa fOes e de expecta t ivas , constituindo portanto uma ac;:aoobre
a realidade: selecao e filtragem de informacoes, interpretacoes
visando tomar essa realidade conforme a representacao (.. .).En-
t im, enquanto ( .. .) ref letindo a natureza das regras e dos laces
sociais, a representacao e prescritiva de comportamentos ou de
praticas obrigatorias, Ela define 0que e lfcito, toleravel ou inacei-
tavel em urn dado contexte sociaL
F tm§oe s j u st i fi c at 6 ri a s: e l as p e rm i tem j ll s ti } ic a r a posteriori a s t omada s
d e p o si fi io e o s c om po rt am en to s ( . .. ) . A montante da ac;:aoas repre-
sentacoes desempenham urn papel. Mas elas intervern tam bern
ajusante da ac;:ao,permitindo assim aos atores explicar ejusti-
ficar suas condutas em uma situacao ou em relacao aos seus
participantes" (Abric, 1994a: 15-18).
A disponibilidade de uma explicacao dos fenomenos de
que se ocupa sob a forma de uma teoria - ou seja, de urn
44
conjunto minimamente organizado de proposicoes que de
conta de por que e como tais fenomenos se constituem e
funcionam - e uma exigencia para a caracterizacao cabal de
urn determinado campo de estudos. Trata-se de explicar por
que asorigens detectadas dos fenomenos sao efetivas na sua
producao e como estes servem as funcoes identificadas, bern
como estabelecer condicoes gerais que respondam pela in-
fluencia de toda sorte de circunstancias em tais processos de
constituicao e funcionamento.
No que se refere especif icamente ao fenorneno das rep-
resentacoes sociais, a exigencia explicativa de natureza psicos-
sociol6gica marca uma importante diferenca em relacao ao
tratamento sociol6gico anterior, durkheimiano, das repre-
sentacoes coletivas. Realmente, enquanto estas eram vistas
como entidades explicativas nelas mesrnas.ja que irredutfveis
por qualquer analise posterior, as representacoes sociais sao
tomadas como fenomenos que devem ser eles pr6prios expli-
cados. N esse caso, cabe a teoria penetrar nas representacoes -
ou provocar algo como uma "cisao do atomo", segundo a
imagem empregada por Moscovici - a fim de "descobrir" suaestrutura e seus mecanismos internos. Nao se trata, obvia-
mente, de uma descoberta, mas da proposicao de uma estru-
tura hipotet ica e de urn modelo de relacoes dinamicas que se
mostrem compativeis com as caracterfsticas sistematicamente
evidenciadas do fenorneno.
Possivelmente, 0primeiro passo para aelaboracao de uma
teoria das representacoes sociais ted sido a estrutura de dupla
natureza - conceptual efig ur ativa - que Moscovici the atribuiu
desde 0 infcio. Moscovici (1976) propos que se considerasse
a representacao como "urn processo que torna 0conceito e a
percepcao de algum modo intercambiaveis, visto que se en-gendram reciprocamente" (p. 55). A representacao seguiria,
por urn lado, a linha do pensamento conceptual, capaz de se
aplicar a urn objeto nao-presente, de concebe-lo, dar-lhe urn
sentido, simboliza-lo. Por outro lado, a maneira da atividade
perceptiva, trataria de recuperar esse objeto, dar-lhe uma
45
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 25/97
concretude ic6nica, figura-lo, torna-lo "tangfvel". Supondo
que tal processo seja responsavel por significativas tr~nsfor-
macoes entre 0 que e "tornado" do real e 0 que e a e~e
"reenviado", 0 autor se faz mais explicito quanta a propria
natureza atualizada das representacoes:
"Representar uma coisa ( .. .) nao e com efeito s implesmente
duplica-la, repeti-la ou reproduzi-Ia; e reconstitui-Ia, retoca-la,
modificar-Ihe 0 texto. A comunicacao que se estabelece entre
o coneeito e a percep<;;ao,urn penetrando no outro, transfor-
mando a substancia concreta comum, cria a impressao de
'realismo' (.. .) Essas constelacoes intelectuais uma vez fixadas
nos fazem esquecer de que sao obra nossa, que tiveram urn
corneco e que terao urn f im, que sua existencia no exter ior leva
a marca de uma passagem pelo psiquismo individual e social"
(Moscovici, 1976: 56-57).
Assim, para Moscovici ( op . c it .) , "a estrutura de cada
representacao (...) tern duas faces tao pouco dissociaveis q~an-
to a frente e0verso de uma folha de papel: a face figuratlva e
a face simbolica", fazendo, portanto, compreender "em toda
figura urn sentido e em to do sentido uma figura" (p. 63).
Dessa configuracao estrutural das representacoes, pode-seextrair uma primeira caracterizacao de seus processos forma-
dores. A duplica<;ao de urn sentido por uma figura, pela qual
se da materialidade a urn objeto abstrato, e cumprida pelo
processo de objetivacao. A duplicacao de uma figura por ~m
sentido, pela qual se fomece urn contexto inteligfvel ao obje-
to, e cumprida pelo processo de ancoragem.
A ancoragem consiste na integracao cognitiva do objeto
representado a urn sistema de pensamento social pre-existen-
te e nas transforrnacoes implicadas em tal processo (lodelet,
1984), ou, dizendo de outra maneira, na "incorporacao ~e
novos elementos de saber em uma rede de categonas matsfamiliares" (Doise, 1990: 128). Segundo Moscovici (1984~,
ancorar e classificar e denominar: "coisas que nao sao classi-
f icadas nem denominadas sao estranhas, nao existentes e ao
mesmo tempo amea~adoras" (p. 30). E, dando prosseguimen-
to a essa argumentacao:
46
"Desde que possamos falar sobre alguma coisa, avalia-Ia e assim
cornunica-la, (. ..) entao podemos representar 0 nao-usual em
nosso mundo usual, reproduz i-Io como a repl ica de urn mo-
delo familiar. (...) a neutralidade e proibida pela pr6pria 16gica
do s is tema em que cada objeto e ser deve ter urn valor pos it ivo
ou negativo e assumir urn determinado lugar numa hierarquia
c1aramente graduada" (Moscovici, 1984: 128).
A objetivafiio consiste em uma "operacao imaginante e
estruturante", pela qual se da uma forma - ou figura - espe-
dfica ao conhecimento acerca do objeto, tornando concreto,
quase tangfvel,0conceito abstrato, como que "materializando
apalavra" (jodelet, 1984). Segundo Moscovici (1984), "obje-
tivar e descobrir a qualidade ic6nica de uma ideia ou ser
imprecisos, reproduzir urn conceito em uma imagem", por-
que, acrescenta, "desde que nos pressupomos que aspalavras
nao falam de nada , somos compelidos a liga-las a alguma coisa,
a encontrar equivalentes nao verbais" (p. 38). E, introduzindo
a importante nocao de micleo figurativo: .
'Aquelas [palavras] que, devido a sua capacidade para serem
representadas, tiverem sido selecionadas, (...) sao integradas ao
que eu chamei de u rn padrao de ntideo f igurativo, urn complexo
de imagens que reproduz vis ivelmente urn conjunto de ideias
( .. .) . Urna vez que a sociedade tenha adotado tal paradigma ou
micleo figurativo, fica mais facil falar sobre qualquer coisa que
possa ser associado ao paradigma e, por causa dessa facilidade,
as palavras referentes a ele sao usadas mais freqiientemente"
(Moscovici, 1984: 38-39).
Uma outra proposicao teorica.ja implfcita na formulacao
original da teoria mas admitida por Moscovici como de for-
malizacao definitiva posterior ados processos de objetivacao
e ancoragem, e a t ra n sj or m ad io d o n iio -f om i li ar e m f am i li ar . A
rigor, tal proposicao constitui 0proprio princfpio basico a queaqueles processos servem. Realmente, Moscovici (op. cit.)
considera que "para compreender 0fen6meno das repre-
sentacoes sociais devemos cornecar do corneco", perguntando
"por que criamos as representacoes?", Sua resposta, apresen-
tada sob a forma de uma intuicao e de uma conviccao basicas,
47
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 26/97
e a de que "0 prop6sito de todas as representacoes e 0 de
transfonnar algo nao familiar, ou a propria nao-familiaridade,
em familiar" (p. 23-24). E, em termos mais globais e implica-
tivos:
"No todo, a dinarnicados relacionamentos e uma dinarnicade
familiarizacao,onde objetos, indivfduos e eventos saopercebi-
dos e eomprecndidos em relacao a cncontros ou paradigmas
previos. Como resultado, a memoria prevalcee sobre a dedu-
.;;ao,0 passadosobre 0 presente, a resposta sobre 0 estimulo, as
imagcns sobre a 'realidade" (Moseoviei, 1984: 23-24).
o esquema explicativo basico da teoria focaliza, portanto,
a genese das representacoes sociais atraves de urn principio
unico, bastante abrangente em sua simplicidade, e de dois
processes especfficos que procuram dar conta da estruturacao
das representacoes em seus componentes simb6lico e figura-
tivo. Nao e dificil conceber que desse esquema parcimonioso
se possa extrair a explicacao para a producao dos efeitos
funcionais de cornpreensao e explicacao da realidade, de
definicao da identidade grupal, de orientacao dos comporta-
mentos e das praticas e dejustificacao das tornadas de posicao,
Eles repousam em ultima analise sobre a dinamica da fami-
liarizacao que rege os processos formadores das representacoes,
Apenas de passagem, para ilustrar a diferenca anterior-
mente assinalada entre asenfases explicativas durkheimiana e
moscoviciana, comparem-se as consideracoes precedentes
com a seguinte, em que Durkheim descreve a constituicao
das representacoes coletivas enquanto "fatos sociais, coisas,
reais por clas mesmas":
" ... sao 0 produto de uma imensa cooperacao que se estende
nao apenasno espa.;;o,mas no tempo; para faze-las,uma mul-
tidao de espiritos diversos associaram, misturaram, combina-ramsuasideiasesentimentos;longasseriesdegera.;;oescumularam
aqui suaexperienciae saber" (Durkhcim, 1978: 216).
Cabe, entretanto, ressalvar que a teoria das representacoes
sociais, na versao original ora apresentada, foi elaborada para
48
dar conta de uma representacao emancipada, como era 0caso
da apropriacao da psicanalise pela populacao parisiense estu-
dada por Moscovici. Sua extensao asrepresentacoes hegerno-
nicas ou coletivas, considerando a genese historica rnais remota
e complexa, conforme a descricao proporcionada por Durk-
heim, pode ser bastante mais problernatica. Uma das dificul-
dades decorre do fato de que tais representacoes parecem
funcionar frequenternente como sistemas de acolhimento
para a ancoragem de novos saberes sociais.
Os respectivos ambitos de insercao socio-historica dos
diferentes tipos de representacoes tern implicacoes nao apenas
quanto a acessibilidade de seus processos geradores, mas
tambern no que se refere ao interesse que seu estudo possa
despertar no mundo moderno. Nesse sentido, Moscovici ebern explicito quanta ao que mais the parece valer a pena
estudar:
'1\s representacoes em que estou interessado nao sao as de
soeiedades prirnitivas, nem as rerniniscencias, no subsolo de
nossa cultura, de epocas remotas. Sao aquelas da nossasocie-
dade presente, do nosso solo polftico,eientfficoe humano, quenem sempre tiveram tempo suficiente para permitir asedimen-
ta.;;aoque as transformasse em tradicoes imutaveis, E sua im-
portancia continua a ereseer, em proporcao direta a heterogc-
neidade e flutuacao dos sistemas unifieadores - ciencias ofi-
ciais, religioes, ideologias - e as mudancas pelas quais eles
devem passar a fim de penetrar na vida cotidiana e se tomar
parte da realidade cornum" (Moscovici, 1984: 18-19).
Isto quer simples mente dizer que asrepresentacoes cole-
tivas nao constituem urn problema para a teoria das repre-
sentacoes sociais, que transfere 0foco privilegiado de estudo
para a forma modificada com que elas se apresentam comu-
mente no dia-a-dia das sociedades modernas. Nao obstante,
ateoria nao parece poder prescindir de sua consideracao como
sistemas de pensamento social pre-existentes capazes de pos-
sibilitar a ancoragem de novas representacoes sociais, De certo
modo, portanto, as representacoes coletivas ou hegemonicas
49
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 27/97
fazem parte da teo ria geral das representacoes sociais, mesmo
que nao sejam por ela explicadas. Pode ser interessante assi-
nalar no momento, para consideracoes futuras mais extensas,
que a teoria do nucleo central parece reservar mais explicita-
mente em sua construcao hipotetica urn lugar para as repre-
sentacoes sociais de tipo hegemonico.
Deixando de lado os problemas da adequacao da teoria
original a casos especificos, pode ser suficiente concluir com
Doise (1993) que a teoria das representacoes sociais " e basi-camente uma teo ria geral sobre 0metassistema de regulacoes
sociais que intervern sobre 0 sistema de funcionamento cog-
nitivo" (p. 157). Sejam quais forem as instancias de repre-
sentacao social focalizadas, esta concepcao generica da teo ria
se mantern, embora deva eventualmente ser complementada
por proposicoes mais especificas, como, pode-se adiantar,
aquelas proporcionadas pela teoria do nucleo central . Este eo ambito explicativo das "grandes teorias", como convem
Doise:
"N 0 meu entender, grandes teorias nas ciencias human as sao
concepcoes gerais sobre 0 individuo e/ou 0 funcionamentosocietal que orientam 0esforco de pesquisa. Elas devem, nao
obstante, ser completadas por descricoes mais detalhadas de
processos que sejam compatfveis com a teoria geral, mas que
podem tambern as vezes ser compatfveis com outras teorias"
(Doise, 1993: 161).
50
Capitulo 2
A TE O R IA D O N OC LEO C EN TR AL
D AS R EP RE SE NT A~ OE S S OC IAlS
Aplicando 0 argumento de Doise (1993) com que se
encerrou 0 capitulo anterior , parece adequado considerar a
teoria das representacoes sociais proposta por Moscovici como
uma "grande teoria" psicossociol6gica, em relacao a qual a
teoria do micleo central constituiria uma abordagem comple-
mentar. Nesse sentido, esta ultima deve proporcionar descri-
<;6esmais detalhadas de certas estruturas hipoteticas, bern
como explicacoes de seu funcionamento, que se mostremcompatfveis com a teoria geral.
E isto 0que, no presente capitulo, sepretende demonstrar
que acontece.
Ressalve-se, desde logo, que a atr ibuicao de urn tal papel
descritivo e explicativo complementar a teoria do micleo
central nao implica considera-la como uma contribuicao me-
nor ao campo de estudos das representacoes sociais. 0 campo,
inaugurado e configurado de acordo com a g ra n de t e or ia , prove
o contexto global de surgimento e desenvolvimento dessa
nova abordagem. A teoria do micleo central nao pretende
substituir a abordagem te6rica prime ira, que seconfunde com
o espfrito acadernico do pr6prio campo, mas sim proporcio-
nar urn corpo de proposicoes que contribua, como diz Fla-
ment (1989), "para que a teoria das representacoes sociais se
tome mais heurfstica para a pratica social e para a pesquisa"
51
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 28/97
(p. 204). Ela e , de fato, como nao poderia deixar de ser, uma
teoria menor do que a grande teoria, mas e tambem uma das
maiores contribuicoes atuais ao refinamento conceitual, teo-
rico e metodologico do estudo das representacoes sociais.
De resto, cabe observar que nao permanece qualquer
duvida quanta a posicao da teoria geral entre os autores
responsive is pela proposicao e evolucao da teoria do nucleo
central. Assim e que, no primeiro capitulo de uma das mais
recentes e significativas obras coletivas do G rupo do M id i -expressao que se uti liza aqui para designar 0conjunto dos
pesquisadores do SuI da Franca, da regiao do Mediterraneo,
especificamente de Aix-en-Provence e Montpellier, no cam-
po das representacoes sociais - Abric (1994a) afirma que "a
nocao de 'representacao social' a qual nos nos referimos nessa
obra corresponde a teoria elaborada em 1961 por S. Mosco-
vici" (p. 11).
Para cumprir 0 objetivo proposto para este capitulo, op-
tou-se por organizi-Io em tres secoes, que focalizarao, suces-
sivamente: (1) as condicoes de pesquisa antecedentes para a
ernergencia dateoria; (2) suas proposicoes basicas, bern comoos refinamentos e sisternatizacoes subseqiientes; (3) 0trata-
mento que concede as relacoes entre praticas e representacoes
sociais, como topico especialmente privilegiado pela teoria.
2.1.Os antecedentes experimentais da teoria do
nucleo central
A despeito de que uma parte da incompatibilidade entre
os campos das representacoes sociais e da cognicao social
possa ser associada a preferencia pela pesquisa experimental
de laboratorio por parte do ult imo, a tradicao metodologica
em que surge a teoriado nucleo central e tambem ela propria
experimental. Nao apenas antes do advento da teoria, mas
tambern nessa oportunidade e ensejando mesmo sua propo-
sicao, registram-se diversos experimentos de laboratorio con-
52
duzidos pelo nascente G ru po d o M id i c seus eventuais associa-
dos.
De fato, Abric (1989), embora reconhecendo que "nu-
merosas crfticas sao enderecadas a abordagem experimental
em psicologia social", defende que "os resultados obtidos pela
experimcntacao ( ... ) permanecem fundamentais na maior
parte dos temas centrais da nossa disciplina" (p. 187). Essa
disposicao para a testagem experimental e as situacoes de
laboratorio nao e , a rigor, uma caracterfstica exclusiva daabordagem "provencal", mas conta tarnbem com a aprovacao
de Moscovici , que a elas recorreu sempre que lhe pareceram
necessarias, como 0 atestam 0 estudo da influencia minorita-
ria e a sua participacao em urn dos trabalhos a que se referiu
o parigrafo anterior (Abric, Faucheux, Moscovici e PIon,
1967).
Ao contrario, entretanto, da pritica mais comum nos
estudos da tradicao estritamente "experimentalista", incluin-
do aqueles relativos a cognicao social, 0 espa~o experimental
nao e tornado pelos pesquisadores das representacoes sociais
como cumprindo a funcao de controlar ou eliminar a influen-
cia de variaveis socio-culturais sobre os processos psicologicos
que se queira eventualmente estudar. Ao inves disso, a in-
fluencia das representacoes nutridas pela participacao na cul-
tura sobre 0comportamento no laboratorio e ela propria
explici tamente testada por meio de urn design experimental.
Ao resenhar os trabalhos nesse sentido, Abric (1984a)
corneca por criticar a abordagem experimental classica a pro-
posito de uma pritica frequente nos estudos sobre cooperacao
e cornpeticao, denunciando a negligencia na consideracao da
variavel "definicao da situacao pclos proprios sujeitos", que
lhe parece crucial para uma adequada interpretacao dos resul-
tados:
"Essa pesquisa usa como suporte para a evidencia urn cenar io
de interacao que e chamado 'conflitivo': 0 jogo conhecido
como 0 'd ilema do prisioneiro ' ( .. .) .Essa s ituacao dejogo tern
53
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 29/97
desfrutado de urn enorme sucesso na psicologia experimental,
porque te rn sido percebida como uma mane ira simples de se
identificar os fatores que levam os sujeitos a cooperar ou a
competi r. Mas a anal ise de centenas de pro jetos de pesquisa
conduzidos nessa area (especialmente nos Estados Unidos) esingularmente decepcionante: resultados contradit6rios abun-
dam e apesar de muitas tentativas ( ...) nenhuma teoria do
conflito interpessoal foi desenvolvida com sucesso. Ocorreu-
nos portanto que uma das razoes basicas para 0 impasse nesses
estudos poder ia estar no fato de que eles foram todos direcio-nados para uma analise dos componentes objetivos da situacao
dada (tipo de matriz, natureza das penalidades, tipo de oponen-
te etc.), sem nunca questionar 0 significado da situacao para os
sujeitos envolvidos no experimento" (Abric, 1984a:169-170).
A consideracao de tal variavel nos experimentos condu- .
zidos por Abric e seus colegas consiste basicamente em veri-
ficar a validade da seguinte hipotese geral: "os comporta-
mentos dos sujeitos ou dos grupos nao sao determinados pelas
caracterfsticas objetivas da situacao, mas pela representacao
dessa situacao" (Abric, 1989: 189). A nocao especifi.c:a__<!e
representacao utilizada nesses estudos e aquela proposta p()r
Abric em 1976, noticiada no capitulo anterior: "0 produto e
o processo de uma atividade mental pela qual urn indivf~uo
ou·umgrupo reconstitui 0real com que se confrontaeIhe
atribui uma significacao espedfica".
E interessante observar que essa definicao de representa-
<;:aoocial nao faz referencia explicita a genese social da repre-
sentacao, mas apenas a sua funcao pratica. Parece ter sido
formulada precisamente com vistas a urn emprego operacio-
nalizado na testagem experimental daquela hipotese, Com
efeito, como e bern sabido, 0tratamerito experimental das
variaveis, mormente se em situacao de laboratorio, exige uma
simplificacao dos termos em que estas sao definidas e, fre-
quenternente, uma colocacao em suspenso das suas condicoes
mais amp las de atualizacao ou de suas implicacoes no ambien-
te extralaboratorial. Isto porque tanto as condicoes previas
quanta asimplicacoes mais abrangentes, nao constituindo em
•54
si objetos da testagem experimental , escapam ao seu ambito
explicativo causal. De qualquer modo, portanto, nada haveria
a dizer sobre elas como conclusao do experimento; dai, se
considerar preferfvel ignora-las, pelo menos temporariamente.
Assim, na serie de experimentos considerada, a "repre-
sentacao" da situacao foi introduzida "quase artificialmente",
ou seja, foi induzida nos sujeitos atraves de instrucoes verbais
padronizadas. Abric, em diversas resenhas dos seus proprios
trabalhos (1984a, 1989, 1994a), da conta desses procedimen-tos e dos resultados entao obtidos. Face assupostas limitacoes
do metodo experimental para 0 estudo das representacoes
sociais, freqtientemente apontadas inclusive como uma espe-
cie de incompatibilidade absoluta, parece oportuna uma des-
cricao razoavelmente extensa dos designs utilizados e das res-
pectivas rationales, a fim de que se possa apreciar com mais
justeza 0 seu valor para 0 campo em geral, bern como sua
influencia no estabelecimento do carater distintivo da teoria
do micleo central dentro desse "espaco multidimensional".
Abric (1984a) proporciona alguns exemplos de tal estudo
dos papeis das representacoes na pesquisa experimental doprocesso de interacao. Dois desses exemplos, bastante inte-
ressantes para os fins i lustrativos pretendidos, focalizam a
influencia das representacoes do oponente e da tarefa em urn
'jogo de soma nao-nula" comumente empregado nos estudos
sobre cooperacao e competicao, Acompanhe-se, em primeiro
lugar, a pesquisa sobre 0 papel da representacao do oponente:
"(...0experimento envolve 40 sujeitos colocados na situacao
do jogo do 'Dilema do Prisioneiro', aos quais foram dadas
instrucoes nao-competitivas (fazer 0 ganho maximo para sisem
entretanto buscar veneer a outra pessoa). N a p rim eir a p ar te d o
exper imen to, metade dos sujei tos pensa que estajogando contra
urn oponente es tudan te como eles pr6prios, a outra metade
tendo sido levada a acreditar que esta jogando contra uma
maquina (as duas representacoes sendo induzidas pelo experi-
mentador). Na realidade, e sem 0 saber, todos os sujeitosjogam
contra urn oponente f icticio (que nao e outro senao 0 pr6prio
55
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 30/97
experimentador) que em todas as situacoes adota a mesma
estrategia (conhecida como tit-:for-tat) [de repetir exatamente a
jogada anterior do sujeito]. Cada sujeito tern cinquenta ensaios
nessa fase inicial . Diz-se entao a ele que 0j ogo terminou e que
na segunda fase ele jogari contra outro oponente (ou urn
estudante ou uma maquina), Hi portanto quatro situacoes
experimentais. Na verdade 0jogo prossegue damesma maneira
na segunda fase (como na primeira) com 0 parceiro continuan-
do a usar a mesma estrategia de tit-:for-tat. Nas quatro situacoes
(de controle e experimentais) nenhuma mudanca real tern
lugar: 0 oponente efetivo continua 0 mesmo (is to e , ainda 0
experimentador) e sua estrategia continua sem modificacoes.
Apenas nos grupos experimentais a imagem do oponente muda
de uma fase para a outra" (Abric, 1984a: 171).
Os resultados dessa pesquisa mostram que hi mais coo-
peracao quando 0oponente e representado como "humane"
do que como uma "maquina"; e que a mudanca da repre-
sentacao induzida da natureza do oponente, seja ela num
sentido ou noutro, produz modificacoes significativas no
comportamento dos sujeitos. Abric assim comenta uma des-
sas modificacoes:"Em particular, quando a transformacao da representacao efei ta na direcao de uma 'desumanizacao' do oponente a queda
no nivel de cooperacao e espetacular . Em nossa opiniao essa
queda s6 pode ser explicada pelo fato de que a transforrnacao
na representacao do oponente muda os objet ivos e a estrategia
do sujeito: 0 nfvel muito alto de cooperacao obtido na situacao
durante a prime ira fase demonstra que de fato os sujeitos
adquiriram uma excelente cornpreensao cognitiva da situacao.
Essa aprendizagem e anulada pela transformacao da repre-
sentacao ou entao ela parece inaplicavel em uma situacao que
o sujei to percebe como sendo radicalmente diferente da ante-
rior" (Abric, 1984a: 172-173).
Essas relacocs entre representacoes e comportamento sao
esclarecidas pelos resultados de questionarios, aplicados aos
sujeitos antes e depois de cada fase do experimento, nos quais
se pedia que eles escolhessem os adjetivos que lhes pareciam
56 •
mais aplicaveis a cada urn dos tipos de oponente. 0 autor
discute as qualificacoes obtidas na seguinte passagem:
"0 parce iro humano seria entao cla ramente di fe renciado da
maquina pelo fato de que ele era 'flexfvel', 'adaptativo' e 'reati-
vo', enquanto a maquina foi percebida como 'rlgida', 'nao-
adaptativa' e ' insensfvel', Essas caracteristicas das represen-
tacoes nos permitem compreender asdiferencas no cornporta-
mento observado: as caracteristicas 'reativas' do oponente hu-
mana possibilitam e sustentam urn comportamento interativo
por parte do sujeito. Por outro lado, a imaginada insensibilidade
da maquina torna tal interacao impossfvel e produz portanto
urn tipo de comportamento defensive" (Abric, 1984a: 173-174).
E importantc ressaltar ainda nesse experimento, conside-
rando cada uma das fases de per si, que 0mesmo comporta-
mento e interpretado de formas diferentes pelos sujeitos, mas
consistentes com as respectivas representacoes induzidas. 0
comportamento de tipo ti t-for-tat do oponente e interpretadocomo reativo quando e realizado por urn oponente "humano"
e como nao-reativo quando exibido por uma "rnaquina".
Portanto, segundo Abric ( op . c it .) , "€ certamente a repre-
sentacao que determina 0significado do comportamento e da
interacao, e nao 0invcrso" (p. 174).
o segundo exemplo proporcionado por Abric (1984a)
acrescenta uma nova variavel ao dispositivo experimental do
estudo anterior: a representacao que os sujeitos formam da
tarefa que Ihes € solicitada. Considerando que os sujeitos de
experimentos, por mais definida e controlada que seja a
situacao de laboratorio, sempre cornccam por the atribuir urn
significado proprio, "que nao e necessariamente aquele do
experimentador" (p. 175), Abric tece os seguintes cementa-
rios, que justificam a pesquisa (Abric e Vacherot, 1975) sobre
o papel da representacao da tarefa:
"Apartir da f somos incapazes de interpretar os resultados obti-
dos, a nao ser nos provendo dos meios para l oc al iz ar e c he ca r 0
s ig ni fi ca d o d a s ii ua cd o e xp er im e nt al p ar a o s s u je it os ; em outras pala-
vras, a nao ser nos familiarizando com sua representacdo da
57
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 31/97
situacdo e mais precisamente com suas representacoes da tarefa
que eles sao solicitados a desempenhar" (Abric, 1984a: 175).
o experimento em questao se valeu, para identif icar as
representacoes da tarefa, da tecnica de analise de similitude
desenvolvida por Flament (1986), que sera descrita em algum
detalhe no proximo capitulo deste trabalho.
Foram discriminadas duas diferentes representacoes da
tarefa implicada nojogo do "dilema do prisioneiro": (1) uma
representacao em termos de "jogo", em que a tarefa e associa-da nao apenas com as nocoes de distracao ou divert imento,
mas tambern com uma situacao vista como imprevisivel (aca-
so, sorte) e competi tiva; (2) uma representacao em termos de
"solucao de problema", em que a tarefa e associada com as
nocoes de dificuldade, esforco, rigor e complexidade. Na
segunda representacao, ha referencia a uma cogni<;aoda parte
do sujeito e portanto a possibilidade de que ele exerca urn
controle da situacao, 0 que nao e encontrado na representacao
"jogo".
Por outro lado, 0 aspecto competitivo presente na repre-
sentacao "jogo" esta de todo ausente da representacao "pro-
blema".
Os resultados confirmaram a previsao de que cada uma
dessas representacoes produziria comportamentos radical-
mente diferentes e, em especial, de que a representacao da
tarefa como "solucao de problema" facilitaria a cooperacao.
Abric ( op . c i t. ) aponta que "na situacao 'solucao de proble-
ma' a cooperacao e 0comportamento dominante" e que, ao
contrario, "na situacao )ogo' os comportamentos defensivos
sao significativamente mais frequentes" (p. 176).
Como sugerido anteriormente, e bastante comum entre
os estudiosos das representacoes sociais 0julgamento de que
o uso do metodo experimental de laboratorio nao e de qual-quervalia nesse campo. Argumenta-se que a propria natureza
dos fen6menos estudados e incompativel com tal aplicacao .
. .58
Segundo tais crfticos, somente a coleta, tratamento e interpre-
ta<;aodas expressoes verbais das representacoes, extraidas por
meio de entrevistas e questionarios ou presentes em docu-
mentos e vefculos de comunicacao de massa, bem como a
observacao sistematica das praticas que as representacoes ori-
ginam ou das que as ensejam, poderiam dar conta de tais
fen6menos.
Questiona-se inclusive que pesquisas experimentais, como
as que vern a ser descritas, possam ser de alguma formaconsideradas como estudos em representacoes sociais. Isto a
comecar pelo procedimento da "inducao da representacao",
que nao estaria de acordo com 0imperativo conceitual da sua
construcao sociaL Em segundo lugar, denuncia-se que 0
simples manejo de rotulos alternativos - homem ou maquina,
por exemplo - nao faria justica aos complexos conjuntos de
crencas, valores e atitudes implicados em suas supostas re-
presentacoes.
Outros autores, entretanto, como FaIT (1993a), embora
convindo que "as representacoes nao podem ser estudadas
exclusivamente no laboratorio usando metodos experimen-tais", consideram que as pesquisas experimentais conduzidas
em Aix-en-Provence ajudaram a estabelecer na experimenta-
<;aoa perspectiva da multiplicidade de significados inerente a
vida em sociedade, vindo a consti tuir "uma importante con-
tribuicao a me todologia da pesquisa em ciencias sociais" (p.
22). Essa introducao da cultura no laboratorio e apreciada
mais explicitamente, embora nao sem uma certa dose de
reserva, em urn texto anterior de Farr (1984):
"Muitos dos estudos experimentais da escola francesa sobre 0
papel das representacoes sociais no laborat6rio (...) dependem
para sua eficacia dessa cultura mais ampla que os experimenta-dares compartilham com os suje itos de suas pesquisas. Essa
cultura compartilhada esta mais obviamente presente na lingua
comum que eles falam. Nesses estudos, onde se assume que a
representacao de urn sujeito de algum aspecto do ambiente do
laborat6rio e a variavel independente, a/manipulacao experi-
59
mental e invariavelmente efetuada por meio de sutis variacoes pelos sujeitos, e nfio-manipuladas, ou seja, nao-desencadea-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 32/97
nas instrucoes experimentais" (Farr, 1984: 142).
Considerando criticamente que "nesses estudos experi-
mentais ainda hi uma separacao entre 0 mundo do observa-
dor e 0 mundo que ele observa", Farr proporciona, nao
obstante, algum esclarecimento sobre 0 problema metodolo-
gico da "inducao das representacoes":
"0 exper imentador , por meio de suas ins trucoes, introduz as
'representacoes' nas mentes dos indivfduos cuj o comporta-
mento ele entao observa. As 'representacoes' sao cognitivas/in-
dividuais mas seu modo de liberacao e social , na medida em
que sao mediadas pelas instrucoes experimentais. Elas estao
impl ici ta s na lingua que experimentadores e suj ei tos fa lam e
compreendem" (Farr, 1984: 143).
o que importa, portanto, nao e que a genese social das
representacoes nao seja considerada no planejamento experi-
mental, mas sim que essa inducao "quase artificial" pelo
experimentador desperta ou desencadeia verdadeiras repre-
sentacoes sociais, produtos evidentes que sao de urn legitima-
mente suposto processo de formacao social. "Homem" e
"maquina" nao podem ser vistos no contexto experimentalem questao como meras palavras, apenas porque sc acredite
que geralmente a experirnentacao simplifica os problemas a
ponto de descaracteriza-los. Nao se esta, no caso, frente a
simples categorias lexicas, mas a efetivas categorias sernanti-
cas, que tern por tras de sitoda a rede de significados e afetos,
de denotacoes e conotacoes, que a participacao cultural co-
mum do experimentador e de seus sujei tos assegura.
Observe-se, alern disso, que os significados das catcgorias
"homem" e "rnaquina" para os sujeitos do experimento foram
checados de forma independente, ou seja, atraves de urn
procedimento verbal (questionarios) extra-experimental. Mais
importante ainda, no exemplo do estudo sobre 0 papeI da
representacao da tarefa, as diferentes representacoes envolvi-
das - jogo ou solucao de problema - foram constatadas a priori,
em termos de categorizacoes espontaneamente assumidas
60
das por instrucoes do experimentador.
Concluindo aocupacao.ji talvez por demais extensa, com
questoes de cunho metodologico, que podem parecer inclu-
sive deslocadas em uma secao introdutoria a teoria do micleocentral, cabe justificar a pos te r io r i tal extensao e aparente des-
locamento. De fato, e esta ocupacao com a metodologia
experimental do estudo das representacoes sociais que cons-
titui 0 pano de fundo, nao so da ernergencia, mas tarnbem do
continuo desenvolvimento da teoria. Cabe, entre tanto, ape-
nas para prevenir possiveis simplificacoes e injustificadas dis-
posicoes polernicas, adiantar a ressalva de que os pesqui-
sadores do G ru po d o M i di estao plenamente de acordo quanto
a necessidade de "uma abordagem plurimetodologica das
representacoes" (Abric, 1994d: 60). Registre-se, por exemplo,
a posicao explicita de Abric quanta a utilizacao da entrevista:
"Considerada por muito tempo, com 0 questionario eventual-
mente, como 0pr incipal instrumento de levantamento das
representacoes, a entrevista em profundidade (mais precisa-
mente, a entrevista diret iva) constitui ainda, nos dias de hoje,
urn metodo indispensavel a todo estudo sobre as representa-~6es" (Abric, 1994d: 61).
Defende-se assim, neste trabalho, a ideia de que a teoria
do micleo central, como abordagem complementar a grande
teoria, deriva suas caracteristicas mais marc antes do envolvi-
mento sistematico com a pratica experimental, e, por isso
mesmo, the proporciona uma complcmentaridade mais pro-
veitosa do que se tivesse trazido para 0 campo de estudos
apenas 0que ja se configurava como 0habitual. A objetividade
que os crfticos negam a teoria original de Moscovici pode ser
encontrada na teoria que busca complernenta-la e, plausiveI-
mente, isto deve ter tido origem na disposicao para perscrutar
detalhes ou relacoes apenas sugeridas, como aquelas - de
demonstracao problernatica, atestada peIos estudos america-
nos no campo das atitudes sociais - entre 0conhecimento e
o comportamento sociais.
61
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 33/97
Nao obstante, outros aspectos absolutamente fundamen-
tais na teoria geral das representacoes sociais, conquanto de
forrnulacao mais especulativa do que demonstrada, como os
processos de formacao social das representacoes, sao escassa-
mente privilegiados na teo ria do micleo central. Urn sintoma
disso e a ocupacao desta teoria com os processos de transfor-
macao das representacoes a partir de mudancas verificadas nas
praticas sociais, mas, pelo menos aparentemente, nao com a
genese das representacoes originais.
Espera-se que a apresentacao, na proxima secao deste
capitulo, da formulacao bdsica da hipotese do nucleo central
(em complementaridade as proposicoes basicas da teoria geral),
bern como dos refinamentos teorico-conceituais que se lhe
sucederam ate os dias de hoje, proporcionem os subsidies
necessaries para sustentacao dos julgamentos acima adianta-
dos quanto a sua localizacao especffica no campo de estudos
das representacoes sociais.
2.2. As proposicoes basicas da teoria do mrcleo central
A teoria do micleo central foi proposta pela primeira vez,
dentro do quadro de pesquisa experimental que vern ;ie ser
caracterizado, em 1976, atraves da tese de Doc to r at d 'E t at de
Jean-Claude Abric - J eu x, c on jl it s e t r ep re se n ta ti on s s oc ia le s - na
Universite de Provence, sob a forma de uma hipotese a
respeito da organizacao intema das representacoes sociais,
formulada nos seguintes termos:
''A organizacao de uma representacao apresenta uma caracterfs-
t ica par ticular: nao apenas os elementos da representacao sao
hierarquizados, mas alern disso toda representacao e organizada
em torno de urn nucleo central , constituido deurn ou dealgunselementos que dao a representacao 0 seu significado" (Abric,
1994a: 19).
Essa hipotese surge em estrei ta continuidade aos traba-
lhos conduzidos por Abric sobre as relacoes entre repre-
62
sentacoes sociais e comportamento, como ilustradas na secao
precedente quanta ao papel das representacoes do oponente
e da tarefa nas interacoes cooperativas e competitivas. Trata-
va-se, segundo depoimento de Abric (1984a), de urn "segun-
do objetivo (.. .) dir igido para a descoberta e analise experi-
mental das caracteristicas de uma representacao social" (p. 170).
N esse senti do, Abric ( op . c it .) declara ter sido possfvel
extrair do contexto das interacoes estudadas a evidencia de
que "a representacao do oponente era organizada em tomede urn componente central envolvendo uma caracterist ica
comportamental: reat i v idade" (p. 182). Sua importancia cen-
tralna representacao do oponente seria demonstrada pelo fato
deque "e apresenca ou ausencia desse elemento que constitui
para os sujeitos urn estado de coisas onde a cooperacao e
antevista e admitida (areatividade estando presente) ou nao-
admitida (a reatividade estando ausente)" (ibid.). 0 autor
assim manifesta sua conviccao quanta a relevancia desse pri-
meiro acesso experimental a estrutura das representacoes
SOCIalS:
"0 elemento de reatividade e certamente 0 nucleo da repre-
sentacao na medida em que ele torna a interacao signif icat iva,
e st ru tu ra c om o a s i t ua c do e representada e em consequencia determina
o compor tamento dos sujeitos. Entao, novamente, nossos resulta-
dos confirmam 0 fato de que este e 0 elemento m a is e st d ve l na
representacao resultante, ou seja, aquele que nao muda mesmo
que a informacao recebida 0 contradiga. A resistencia a mud an-~ado micleo e equivalente nos sujeitos ao processo de reinter-
pretacao da inforrnacao que recebem: a mesma informacao einterpre tada em coerenc ia com 0 nucleo. Por exemplo, os
suje itos que te rn uma representacao do oponente como nao-
reativo, ( isto e, aqueles com uma 'rnaquina' como oponente) e
que sao confrontados por urn comportamento que e de fatoreativo, conseqiientemente, interpretam esse comportamento
como rfgido e inflexfvel" (Abric, 1984a: 182).
Uma vez evidenciada a dependencia historico-acadernica
da formulacao inicial , da teoria em relacao a pratica da pes-
63
quisa experimental de Iaboratorio, pode-se passar agora a uma "0 que e para nos particularmente interessante nesses resulta-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 34/97
apresentacao mais formalizada de suas proposicoes, bern co-
mo das fontes externas - ao campo das representacoes sociais
e ao programa de pesquisa que vern sendo examinado - que
a inspiraram e daquelas que respondem por sua filiacao explf-
cita a teoria de Moscovici.
Abric (1994a) reconhece que "a ideia de centralidade,
como a de micleo, nao e nova" (p. 19) e a remete, no ambito
da psicologia social, a urn dos primeiros textos de Fritz Heider,de 1927, sobre 0 estudo dos fenomenos de atribuicao. Cabe
assinalar, de passagem, que as proposicoes mais gerais de
Heider (1958, 1970) quanta ao estudo da "psicologia inge-
nua", a diferenca do que acontece com seus desdobramentos
subsequentes na psicologia social americana, sao bastante
valorizados por todos os principais autores do campo das
representacoes sociais. Abric, particularmente, assimila de
Heider a identificacao de uma tendencia a se atribuir os
eventos percebidos no ambiente a micleos unitarios de signi-
f icado, que dariam urn sentido global a diversidade dos esti-
mulos imediatos. Sao as seguintes assuas conclusoes, que lhe
possibili taram partir para a sua propria versao no campo das
representacoes:
"Nesses processos de percepcao social aparecem portanto ele-
mentos centrais, aparentemente constitutivos do pensamento
soc ial , que Ihe permitem colocar em ordem e compreender a
realidade vivida pelos indivfduos ou grupos" (Abric, 1994a: 20).
o autor busca ainda reforco para essa ideia de organizacao
centralizada em urn outro estudo pioneiro sobre a percepcao
social, qual seja, 0 de Solomon Asch, em 1946, a proposito da
formacao de impressoes sobre as pessoas a partir de urn
conjunto de traces que lhes sejam atribufdos. Os resultadosdessa farnosa pesquisa sao apropriados por Abric como bas-
tante eselarecedores da constituicao de uma representacao
social, ou seja, da "imagem que alguem se faz do outro" a
partir do privilegio concedido a determinadas informacoes:
64
dos e a colocacao em evidencia de que ent re os sete traces de
carater propostos, urn dentre eles (caloroso-frio) desempenha
urn pape l de te rminante no sent ido de que e ele que engendra
a natureza da percepcao. Esse elemento, e somente ele, desem-
penha urn papel central ; ele determina a percepcao do perso-
nagem de maneira s ignificativamente mais importante do que
todos os outros. Constata-se ainda que a presen<;a de urn
elemento central determina 0 significado do objeto apresenta-
do - aqui urn outro indivfduo ( ... ). E a transformacao tao-so-
mente desse elemento central leva a uma modif icacao radical
da impressao" (Abric, 1994a: 20).
Alern dessas fontes remotas daproposicao basica da teoria
domicleo central, uma origem mais proxima e mais consen-
tanea com suas dernais proposicoes e implicacoes e encontra-da na propria teoria geral das representacoes sociais. Trata-se
da nocao de "nucleo figurativo", cuja constituicao e resultado
de urn dos processos de formacao das representacoes, a obje-
tivacao, Em linhas gerais, 0nucleo figurativo e uma estruturaimagetica em que se articulam, de uma forma mais concreta
ou visualizavel, os elementos do objeto de representacao que
tenham sido selecionados pelos indivfduos ou grupos em
funcao de criterios culturais e normativos. Assim descontex-
tualizados, reorganizados em uma nova estrutura de conjunto
e deles retidas apenas certas qualidades iconicas, tais elemen-
tos passam agozar de uma consideravel autonomia em relacao
a totalidadc do objeto original. Tal recriacao nuelear do objeto
pode ser entao amplamente uti lizada, como forma basica de
conhecimento, em uma variedade de situacoes e circunstan-
cias, em associacao com outros saberes e informacoes, defi-
nindo mesmo essas situacoes e intermediando 0 acolhimento
de novas informacoes,
Ao comentar as caracterfsticas - pregnancia, autonomia,
estabilidade etc. - atribufdas ao micleo figurativo no esforco
acadernico de consolidacao da teoria das representacoes so-
ciais, Abric da conta de algumas sernelhancas e diferencas
65
iniciais entre tal nocao e aquela que sua pr6pria abordagem
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 35/97
privilegia:
"Nos vamos ver que a teoria do nucleo central retoma em
grande parte asanalises de S.Moscovici, mas nao limitando esse
nucleo imaginante ao seu papel genetico. Nos pensamos da
nossa parte que 0 nucleo central e 0 elemento essencial de toda
representacao constituida e que ele pode, de uma certa maneira,
superar 0 simples quadro do objeto da representacao para
cncontrar sua origem diretamente nos valores que 0 transcen-
dem e que nao exigem nem aspectos figura tivos, nem esque-matizacao, nem mesmo concretizacao" (Abric, 1994a: 21).
E importante ressaltar 0distanciamento conceitual entre
o micleo figurativo e 0 micleo central que e ora anunciado: 0
ultimo nao tern urn carater imagetico como necessariamente
ocorre com 0primeiro. Isto pode talvezfazer parte de algocomo
urn movimento em direcao a acentuacao dos aspectos valorati-
vos e cognitivos, em detrimento da estrutura de dupla natureza
_ figurativa e simb6lica - proposta por Moscovici , a qual , de
resto, semostra de dificil dernonstracao e problernatico manejo
na pesquisa empirica. A definicao de representacao por Doise
(ver capitulo 1) como "principio organizador de tomada deposicoes" parece caminhar nesse mesmo sentido de uma certa
negligencia para com os aspectos figurativos, pelo menos
como uma dimensao essencial das representacoes sociais. 0
que parece mais importante, segundo Flament (1987), e queas nocoes de nucleo central ou de principio organizador vern
a designar basicamente "uma estrutura que organiza os ele-
mentos da representacao e lhes da sentido" (p. 145).
As proposicoes da teoria do nucleo central em seu estado
mais atualizado, que proveern desdobramentos significativos
da f6rmula sintet ica acima, podem ser extrafdas em especial
dos textos de Abric e de Flament que integram duas seletascoletaneas, organizadas respectivamente por Abric e por Gui-
melli, publicadas em 1994.
Uma sintese de tais proposicoes sera apresentada a seguir,
procurando-se sisternatiza-las em relacao aos seguintes t6pi-
66
cos principais , cada urn dos quais merecendo constituir uma
subsecao especffica dentro da presente secao:
1) 0 conceito de micleo central e suas funcoes;
2) a organizacao interna da representacao em termos de
urn sistema central e urn sistema periferico;
3) 0 papel dos elementos perifericos no funcionamento
da representacao.
2 .2 .1 . S ab re a c on ce it o d e n ud eo c en tr al e s ua s fu nfo es
Segundo Abric (1994a), a ideia essencial da teoria, como
ja expressa em 1976, e a de que "toda representacao esta
organizada em torno de urn nucleo central ( .. .) , que determi-
na, ao mesmo tempo, sua significacao e sua organizacao
interna" (p. 73). Ainda segundo Abric, 0micleo central e "urnsubconjunto da representacao, composto de urn ou alguns
elementos cuja ausencia desestruturaria a representacao ou
lhe daria uma significacao completamente diferente" (ibid.).
Esta caracterizacao do nucleo central como urn subcon-junto da representacao implica que outras instancias estruru-
rais, com papeis funcionais complementares ao do micleo
central, devam ser reconhecidas. Uma perspectiva integrado-
ra nesse sentido e efetivamente proporcionada pela versao
mais recente da teoria e sera em breve exposta. No momento,
parece mais oportuno manter 0 foco das consideracoes sobre
o nucleo central, de modo a proporcionar uma primeira
ilustracao da complexificacao atual da teoria em funcao de
contribuicoes diferenciadas dos autores do Grupo doMidi.
De fato, Claude Flament - a quem Abric (1989) atribui
o merito de ter completado e matizado a teoria ao demonstrar
o papel decisivo dos elementos perifericos (nao-pertencentes
ao micleo central) no funcionamento da representacao -
introduz uma dist incao entre as representacoes sociais que
retira da teoria a sua elegante simplicidade inicial . Flament
67
(1987, 1989, 1994b) parte do "postulado cognitivista" segun- de que nao se deva considera-las em absoluto como repre-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 36/97
do 0qual 0conjunto de praticas e discursos sobre urn dado
objeto, por mais diversificado, divergente e contraditorio que
pare<;:a,e efetivamente coerente quando tornado em sua tota-
lidade, para propor uma distincao entre representa<;:oes "au-
t6nomas" e "nao-autonomas". Nas primeiras, 0"lugar de
coerencia" da representacao de urn dado objeto se encontra
ao nfvel mesmo desse objeto; nas ultimas, 0 lugar de coerencia
da representacao do objeto se encontra nas representa<;:oesde
outros objetos mais ou menos ligados a ele.
Deixando inicialmente de lado asrepresentacoes nao-au-
tonomas, Flament (1989) procede a identificacao do "Iugar de
coerencia de uma representacao autonorna" com 0"nucleo
central da representacao" (p. 206). Embora 0 autor convenha,
ainda nesse texto, que hi mais coisas a dizer sobre as repre-
sentacoes autonomas do que sobre asoutras e que seus objetos
sao normalmente objetos sociais muito importantes, perma-
nece a implicacao de que hi representacoes que possuem urn
micleo central e representacoes que nao 0possuem. Isto se
encontra nitidamente em desacordo com a formulacao origi-nal da teoria de que "toda representa<;:ao esta organizada em
tomo de urn nucleo central" .
Nao obstante, a elegancia e a parcimonia teoricas aparen-
temente perdidas podem ser retomadas em termos de uma
delimitacao mais precisa do ambito de aplicacao da teoria: as
representacoes aut6nomas. Dizendo de outra maneira, a teo-
ria do nucleo central se aplicaria as representacoes que pos-
suem urn micleo central , por circular que isso possa parecer.
Tratar de todas as formas de representacoes seria incumbencia
da teoria geral, nao daquela que a complementa.
Por outro lado, 0fato de ter partido dessa teoria mesmo
a iniciativa de se auto-restringir irnplica urn novo desafio, qual
seja, 0de explicar por que determinadas representacoes nao
possuem micleo central , ou seja, indicar como elas extraem
sua coerencia das representacoes de outros objetos, sob apena
68
sentacoes, mas como uma simples "serie de opinioes e de
imagens relativamente desconexas" (ver Ibafiez, no capitulo 1).
Na verdade, em urn texto posterior dedicado em grande
parte a discussao critica de uma quantidade de detalhes e
implicacoes problematicas da teoria do micleo central Fla-
ment (1994a) parece convincente na solucao do problema
conceitual que ele mesmo havia criado:
"N os propusemos (Flament , 1987) chamar de aut snoma umarepresentacao social cujo principio organizador e interno: eo
micleo central . Precisemos ( .. .) que a autonomia diz respeito
apenas ao principio organizador e que nos jamais pensamos que
uma representacao social autonoma seja um universo fechado.
Nos constatamos frequentemente que diversas represenracoes
sociais podem ser atravessadas pe!os mesmos valores gerais
(como diz Doise, 1992), Q.que nos preferimos chamar de temas
transversais (porque des nao sao sempre positivos) e insistir sobre
seu modo de insercao em tal ou qual representacio social: (.. .)
Alem disso, diversas representacoes soc ia is podem ter uma
inte rsecao nao vazia para caracte rizar um obje to cuja repre -
sentacao depende de varies temas independentes: nao hi entao
n u cl e o c e nt r al e fala-se de representacao social ndo-autbnoma.
Contrariamente asnossas primeiras intuicoes sobre esse assun-
to, cer tas rcpresentacoes sociais nao-autonornas pod em se re-
fer ir a 'grandes' objetos sociais ( .. .) . Pode-se portanto pensar
que esses dois objetos (aEuropa, a Aids) sejam representacoes
sociais nao-autonornas, mas ta lvez em vias de autonomizacao,
o que nos suger imos aqui e que e POSSIVe!que diversas repre-sentacoes sociais , de outro modo autonomas , possam ter cada
uma delas uma parte periferica (.. .)relativa aum mesmo objeto.
Portanto, para esse objeto, a representacao social e organizada
a partir de diversos temas exteriores, 0que nos denominamos:uma rcpresentacao social nao-autonorna" (Flament, 1994a:
113-115).
..
Retomando a forrnulacao basica da teoria, uma providen-
cia imediatamente exigfvel para a sua caracterizacao deve ser
69
a de dar conta do papel que 0 nucleo central desempenha na porta outras instancias estruturais e desdobramentos explica-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 37/97
estruturacao e no funcionamento das representacoes sociais.
Abric (1994a) afirma que ele assegura 0cumprimento de duas
funcoes essenciais:
" ll m af im { a o g e ra d or a : ele e 0 elemento pelo qual se cria, ou se
transforma, a significacao dos outros elementos constitutivos
da representa~ao. E por ele que esses elementos tomam urn
sentido, urn valor;
u m a f im { ii o o rg a ni za d or a: e 0nucleo central que determina anatureza dos Iacos que unem entre si os elementos da repre-
sentacao. Ele e nesse sentido 0elemento unificador e estabili-
zador da representacao" (Abric, 1994a: 22).
A tais funcoes - a rigor, delas decorrendo - Abric ( op . c i t. )
acrescenta a explicitacao da estabilidade como uma propriedade
do micleo central: "ele constitui 0elemento mais estavel da
representacao, aquele que the assegura a perenidade em con-
textos moveis e evolutivos" (p. 22). Essa propriedade e res-ponsavel pela possibilidade de identif icacao de diferencas
basicas entre as representacoes, como argumenta Abric em
seguida, e deixa antever importantes implicacoes para a pes-quisa empfrica de suas transforrnacoes:
"Ele sera na representacao 0 elemento que mais vai resistir amudanca. Com efeito, toda modificacao do nucleo central
conduz a uma transforrnacao completa da representacao. Nos
assumimos portanto que e 0 levantamento desse nucleo central
que permite 0 estudo comparativo das representacoes. Para que
duas representacoes sejam diferentes, elas devem serorganiza-
das em torno de dois nucleos centrais diferentes. A simples
descricao do conteudo de uma representacao nao e portanto
suficiente para reconhece-la e especifica-la. E a organizacao
desse conteudo que e essencial: duas representa~oes definidas
por urn mesmo conteudo podem ser radicalmente diferentes,se a organizacao desse conteudo, e portanto a centralidade de
certos elementos, for diferente" (Abric, 1994a: 22).
Concluindo essa ocupacao especffica com a nocao de
micleo central , dentro da teoria que leva tal rotulo mas com-
70
t ivos, cabe dar conta da constituicao em si desse micleo e das
dimensoes que ele atualiza face aos constrangimentos relati-
vos do objeto e da situacao, 0 micleo central e constitufdo,como ji adiantado, de "urn ou alguns elementos que ocupam
na estrutura da representacao uma posicao privilegiada". Se-
gundo Abric ( o p. c it .) , "ele e determinado de uma parte pela
natureza do objeto representado, de outra parte pela relacao
que 0 sujeito - ou 0 grupo - mantern com esse objeto" (p.
23). Assim, 0 micleo central pode assumir duas dimensoes
diferentes:
"Seja l im a d im e n sd o [ un c io n al , como por exemplo em situacoes
com uma finalidade operatoria: serao entao privilegiados na
representacao e constituindo 0 seu nucleo central os elementos
rnais importantes para a realizacao da tarefa (...).
Seja l im a d im e ns do n or m at iv a em todas as situacoes onde inter-
vern diretamente dimensoes socio-afetivas, sociais ou ideolo-
gicas.Nesse tipo de situacoes, pode-se pensar que uma norma,
urn estere6tipo, uma atitude fortemente marcada estarao no
centro da representacao" (Abric, 1994a: 23).
Nesse sentido, Abric conclui que 0levantamento do
micleo central e importante inclusive para conhecer 0proprio
objeto da representacao, ou seja, para saber 0 que afinal de
contas esta sendo representado. Isto porque 0 universo de
fen6menos com que 0pesquisador l ida esta - na maioria das
vezes, quando ele nao recorre a urn exame concomitante das
praticas sociais e de suas condicoes objetivas de atualizacao -
constitufdo tao-somente de representacoes. Abric ( op . c it .)
reforca tal conclusao citando uma comunicacao pessoal de
Flament: "uma das quest6es importantes nao e tanto a de
estudar a representacao de urn objeto quanta a de saber antes
de mais nada qual e 0objeto da representacao" (p. 24). E a
avaliado seguinte modo, ressaltando a possibilidade da "nao-
representacao":
"Observacao em nosso entendimento fundamental: poisqual-
quer objeto nao e necessariamente objeto de representacao.
71
Para que urn objeto seja objeto de representacao e necessario conquanto uma entidade unitaria, e regida por urn sistema
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 38/97
que os elementos organizadores de sua representacao fa<;:am
parte ou sejam diretamente associados ao proprio objeto"
(Abric, 1994a: 24).
2 .2 .2 . So bre a o rg an iza fa o inte ma d e u ma representacdo social
Obviamente, 0 nucleo central, por mais importante que
seja 0 seu papel na definicao do significado de uma repre-
sentacao social e na organizacao dos seus demais elementos,chamados "perifericos", nao esgota 0conteudo e asformas de
funcionamento da representacao na vida cotidiana. Embora,
em uma sequencia puramente 16gica, este fosse 0 momento
para apresentar e discutir as caracterfst icas dos elementos
perifericos, parece mais conveniente verif icar antes como a
teoria, ap6s te-los negligenciado durante algum tempo, veio
finalmente a acornoda-Ios em relacao ao micleo central, tanto
em termos estruturais quanta funcionais. Isto porque, partin-
do da esquematizacao te6rica do carater mutuamente com-
plementar do centro e da periferia na organizacao interna da
representacao, pode ficar mais facil demonstrar de que tiposde reflex6es e testagens experimentais, nem sempre muito
simples ou 6bvias, decorreu 0reconhecimento da irnportan-
cia dos elementos perifericos,
Segundo Abric (1994b), duas caracteristicas aparente-
mente contradit6rias das representacoes sociais, cuja evocacao
e sempre desconcertante para os estudiosos do campo, resul-
tam na verdade das pr6prias caracteristicas estruturais das
representacoes e de seu modo de funcionamento. Sao os
seguintes tais aspectos amplamente constatados:
1)"asrepresentacoes sociais sao aomesmo tempo estaveis
e m6veis, rfgidas e flexiveis" (p. 77);2) "as representacoes sociais sao consensuais, mas tam-
bern marcadas por fortes diferencas interindividuais" (p. 78).
A teoria do micleo central procura dar conta dessas apa-
rentes contradicoes propondo que a representacao social,
72
interno duplo, em que cada parte tern urn papel especffico
mas complementar ao da outra. Haveria, assim, em primeiro
lugar, um s is tem a c e nt r al , constitufdo pelo rnicleo central da
representacao, ao qual Abric atribui as seguintes caracterfsticas:
"Ele e diretamente l igado e determinado pelas condicoes his-
toricas, sociologicas e ideologicas. Ele e nesse sentido forte-
mente marcado peia m em or ia c ol et iv a do grupo e pelo si stema de
normas ao qual ele se refere.
Ele constitui portanto a base comum, coletivamente partilhada
das representacoes sociais. Sua funcao e consensual. E por ele queserealiza e se def ine a homogeneidade de urn grupo social .
Ele e estavel, coerente, resistente a mudanca, assegurando
assim uma segunda funcao, ada con tinuidade e da permanenc ia
da ~epresenta<;:ao.
Enfim, ele e de uma certa maneira relativamente independente
do contexte social e material imediato no qual a representacao
e posta em evidencia" (Abric, 1994b: 78).
Em segundo lugar, como complemento indispensavel do
sistema central, haveria, segundo Abric (op. cit.) , urn "sistemaperiferico", constitufdo pelos elementos perifericos da repte-
sentacao, que, provendo a "interface entre a realidade concre-
ta e 0 sistema central" (p. 79), atualiza e contextualiza
constantemente as deterrninacoes normativas e de outra for-
ma consensuais deste ultimo, dai resultando a mobil idade a
flexibilidade e a expressao individualizada que igualme~te
caracterizam as representacoes sociais. Ou, nas pr6prias pala-
vras do autor: "se 0 sistema central e normatiuo, 0 sistema
periferico e funcional; quer dizer que e gra<;as a ele que a
representacao pode se ancorar na realidade do momento"
(ibid.). E, descrevendo mais extensamente asfuncoes do siste-
ma per ij er i£o , em complementaridade ao sistema central:
"Sua primeira funcao e portanto a conaetizacdo do sistema
central em termos de tomadas de posicoes ou de condutas.
Contrar iamente ao sistema central ele e po is mais sensivel e
determinado pelas caracteristicas do contexte imediato.
73
Ele e ( .. . ) mais flexfveI que os elementos centrais, assegurandoResistente a mudanca Evolutivo
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 39/97
assim uma segunda funcao: a de regulafiio e de adaptacdo do
si stema cent ral aos constrangimentos e as carac teri st icas da
situacao concreta a qual 0 grupo se encontra confrontado. Ele
e urn elemento essencial nos mecanismos de defesa que visam
proteger a significacao central da representacao. E 0 sistema
periferico que vai inicialmente absorver as novas inforrnacoes
ou eventos suscetiveis de colocar em questao 0 nucleo central.
Por outro lado, e e essa sua terceira funcao, 0 sistema periferico
permite uma certa modulacao individual da representacao, Sua
flexibilidade e sua elasticidade permitem a integra 'Saona repre-
sentacao das variacoes individuais ligadas a historia propria do
sujeito, a suas experiencias pessoais, ao seu vivido. Ele permite
ass im a elaboracao de r ep re se nt ad ie s s od a i s individnalizadas orga-
nizadas nao obstante em tomo de urn nucleo central comum"
(Abric, 1994b: 79-80).
o quadro que sesegue, proporcionado por Abric (1994b:
80), bern sintetiza as caracterfsticas e funcoes diferenciais de
cada urn dos sistemas postulados na organizacao interna'das
representacoes sociais. Na proxima subsecao, este quadro
devera ser util para uma confrontacao com os diferentes tipos
de cognicoes - absolutas e condicionais, adiante-se - quecumprem, segundo Flament (1994a, 1994b), diferentes fun-
~oes e se localizam, portanto, em diferentes instancias estru-
turais - ou sistemas internos - da representacao.
S is te m a c en tr al S i st ema pe ri fe r ic o
Ligado a memoria coletiva
e a historia do grupo
Permite a integracao das
experiencias
e historias individuais
Consensual;
def ine a homogeneidade do
grupo
Suporta a heterogeneidade do
grupo
Estavel
Coerente
Rfgido
FlexfveI
Suporta as contradicoes
74
Pouco sensfvel ao contexto
imediato
Sensfvel ao contexto imediato
Funfoes:
Gera a significacao da
representacao
Determina sua organizacao
Pund i es :
Permite adaptacao
a realidade con creta
Permite a diferenciacao
do conteiido
Protege 0sistema central
Como testemunho da disposicao do Grupe doMidi para
uma contfnua elaboracao teorica, que se querera explorar
mais criticamente na conclusao do presente trabalho, cabe
registrar, ainda nesta secao,0ecente surgimento de uma nova
proposta de organizacao interna das representacoes sociais.
Trata-se da sugestao feita por Pascal Moliner (1995), a
partir de uma serie de primeiras evidencias experimentais,
quanta a uma possfvel revisao da teoria do micleo central, no
sentido de se distinguir duas dimens6es organizativas dos
elementos de uma representacao, A primeira dimensao seria
aquelaja suficientemente consagrada, pela qual se discrimina
entre elementos centrais e perifericos; a segunda envolveria a
discriminacao, ao longo de urn continuum, entre funcoes des-
cri tivas ou avaliatorias desempenhadas pelos diversos ele-
mentos, pertencentes ou nao ao nucleo central .
o argumento de Moliner parte, a rigor, da concepcao
original de Abric quanta ao funcionamento do nucleo central
segundo duas possfveis dimensoes, como reconhecido na
seguinte passagem:
'~ poss ibil idade de se dis tinguir entre diferentes t ipos de ele-
mentos centrai s foi apontada pe lo proprio autor da teoria do
micleo central , quando observou que 'pode-se dis tinguir duas
dimensoes fundamentais no rnicleo central' (Abric, 1987: 69).
Essas duas dirnensoes do nucleo foram tomadas como corres-
75
pondendo a aspectos funcionais e normativos da reprcsentacao.ganizadores para a tomada de posicoes , Doise (1990) propos
uma concepcao 'nao-consensual', enquanto Flament (1993) ve
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 40/97
Pode-se dividir os elementos centrais segundo eles desempe-
nhem urn papel orientado para a a<;:ao(elementos funcionais)
ou urn papel orientado para a avaliacao oujulgamento (elemen-
tos normativos)" (Moliner, 1995: 29).
Para Moliner, entretanto, estes mesmos aspectos descri-
tivos e avaliatorios estariam igualmente presentes no sistema
periferico, permitindo distinguir os papeis desempenhados
pelos seus diversos elementos. 0 pertencimento ao nucleo
central ou a periferia, por seu turno, teria uma importante
influencia na determinacao da natureza espedfica das descri-
~oes e avaliacoes envolvidas. Assim, as cognicoes centrais
devem corresponder, no polo descrit ivo do continuum postu-
lado, ao campo das dif tnifoes, ou seja, as caracterfst icas que
definem todos os objetos processados atraves da repre-
sentacao; e, no polo avaliativo, ao campo das normas , isto e ,
aos criterios para a avaliacao dos objetos. Por outro lado, as
cognicoes perifericas proximas ao polo descritivo comporiam
ocampo das descrifoes das caracterfsticas mais frequentes e
provaveis do objeto; e aquelas do polo avaliativo, 0campo das
expectativas, ou seja, das caracterfsticas desejadas do objeto.
Admitindo que 0 modelo proposto precisa ser ainda
validado por uma quantidade maior de pesquisas, Moliner
( op . c i t. ) considera, nao obstante, que ele parece ser promissor,
"pois vai de encontro a concepcoes correntes ao mesmo
tempo em que levaa novas propostas te6ricas e ametodos que
sao ficeis de implementar" (p. 39). Nesse sentido, 0autor
sugere diversas vantagens e possibilidades de exploracao do
modelo:
"Por exemplo, ele pode integrar em urn todo unico e homoge-
neo discursos e cognicoes aparentemente discrepantes (e. g .,normas sociais e expectativas ou desejos) . Alem disso, parece
que esse modelo bidimensional pode reconciliar algumas re!a-
tivamente diferentes concepcoes da nocao de representacoes
sociais. Ao definir representacoes sociais como principios or-
76
asrepresentacoes sociais como compartilhadas e portanto con-
sensuais dentro de uma populacao hornogenea. Com 0modele
bidimensional , podemos ver como e possivel ter consenso
sobre definicoes ( ... ) mas desacordo quanta a normas (... ).
F inalmente, esse modelo bidimensional pode prover l inhas de
orientacao para abordagens qualitativas baseadas em entrevistas
(0que e 0 objeto?, 0 que e bom ou mau no objeto?, Quais
sao as suas caracterfsticas mais freqiientes?, 0que deveria
mudar?)" (Moliner, 1995: 39).
Retornando a Abric, para conduir: 0 sistema central eestavel, coerente, consensual e historicamente determinado;
o sistema periferico e, por seu turno, flexfvel, adaptativo e
relativamente heterogeneo quanto ao seu conteiido. Essa
proposicao de urn sistema dual na organizacao interna das
representacoes, bern como a bipart icao do modelo proposta
por Moliner, parecern efetivamente caminhar no sentido de
uma solucao te6rica para as aparentes contradicoes que sao
comumente detectadas no estudo dos fenomenos de repre-
sentacao social.Com relacao a dimensao vertical basica da "centralidade-
periferialidade", parece preciso ainda demonstrar que os ele-
mentos perifericos apresentam plausivelmente, com base em
algum criterio externo a postulacao te6rica em si, asmesmas
caracterfsticas que lhes sao atribuidas enquanto subsistema
explicativo da estrutura e funcionamento das representacoes.
Alern disso, parece preciso prover urn argumento consistente,
tambern com base em criterio externo, quanto ao que dist in-
gue os elementos de cada urn dos sistemas e ao por que das
relacoes entre eles terem 0carater de complementaridade que
a teoria lhes confere. A subsecao seguinte, ao focalizar osaspectos perifericos das representacoes, ocupa-se precisamente
dessas questoes, inc1uindo ainda a natureza substantiva do
nucleo central, sua diferenciacao em relacao a periferia e sua
interacao com ela.
77
2 .2 .3 . S ab re o s a sp ec to s p er ife ric os d as r ep re se nt ac oe s s oc ia is sua principal origem em urn reexame critico de diversas
pesquisas experimentais conduzidas pelo proprio Grupe do
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 41/97
E plenamente admitido pelo C ru po d o M id i, em especial
por Flament (1994a), que a ideia de nucleo central- com sua
evidente conotacao de explicacao essencial e suficiente, am-
plamente part ilhada na cultura a proposito de outras nuclea-
ridades e centralidades - desviou por bastante tempo aatencao
dos pesquisadores em relacao aos demais elementos das re-
presentacoes sociais . Estes foram provavelmente tornados
como circunstanciais e acessorios, em contraste com os ele-mentos do micleo. Flament suspeita mesmo que sua desig-
nacao como "perifericos" ja implicasse urn certo desdern, que
se traduzia por sua consideracao generica como algo dispen-
savel ou urn mero pano de fundo, de bern menor importancia,
para 0 estudo das representacoes,
Aqui, a enfase experimental do Crupo , com sua seletivi-
dade e estrita delimitacao dos objetos de pesquisa, pode ter
desempenhado urn papel na exclusao inicial dos aspectos
perifericos do seu universo de preocupacoes.
Nao obstante, parece ter sido essa mesma disciplina ex-
perimental que, ao levar a constatacao de insuficiencias ou
incongruencias na interpretacao dos resultados de pesquisas
com base apenas no construe to de nucleo central , ensejou uma
crescente ocupacao com os elementos perifericos.
Flament, como reconhece Abric (passim), parece ter sido
o principal responsavel por essa correcao de rumos: a princi-
pio, com a consideracao do papel dos "esquemas perifericos"
na transformacao das representacoes (1987, 1989), que sera
objeto de exame na proxima secao; e, mais recentemente,
generalizando 0 t ratamento dos aspectos perifericos, com a
introducao da nocao de "condicionalidade" das cognicoes que
compoern uma representacao (1994a, 1994b).
A s reflexoes que culminaram com a proposicao desse
novo criterio conceitual, qual seja, 0 carater absoluto ou
condicional dos elementos das representa~oes sociais, tiveram
78
Midi . Este fato torna urn tanto problernatico dar conta de sua
genese nos limites do presente trabalho, visto que exigi ria
uma descricao bastante pormenorizada dos pressupostos,
procedimentos e implicacoes de tais pesquisas. Por outro
lado, tendo possibil itado uma nova concepcao da distincao
entre elementos centrais e perifericos, a hipotese geral da
condicionalidade conduziu ao delineamento de uma serie de
hipoteses especfficas acerca das relacoes entre 0nucleo centrale os aspectos perifericos, bern como da "gerencia" da repre-
sentacao por ambas asinstancias ou sistemas. Taisconsequen-
cias podem ser apresentadas e discutidas neste espaco de
forma concisa e, acredita-se, suficiente para permitir uma
adequada apreciacao da relevancia da nocao de condicionali-
dade, 'tanto para a teoria do micleo central em particular,
quanto para 0 campo das representacoes sociais como urn
todo.
•
Com esse objetivo, descrevem-se a seguir os dois princi-
pais argumentos de part ida propostos por Flament (1994b).
Cumpre, em primeiro lugar, acompanhar suas proposicoesquanta a conjuncao entre cognicoes descritivas e prescritivas
no ambito das representacoes sociais:
"Uma cognicao e prescritiva e/ou d e sc ri ti va .
A nocao de prescricao subsume a totalidade das modalidades
de que uma a~ao e suscetfvel de ser afetada: 'e preciso fazer...;
pode-se fazer...; e desejavel fazer...; pode-se nao fazer...; nao epreciso fazer...' etc. 0 aspecto prescritivo de uma cognicao e 0
lacofundamental entre a cognicao e ascondutas que sesup6e
lhes corresponder (...).
o aspecto descritivo de uma cognicao e mais habitual: com
efeito, os sujeitos, sobretudo nos estudos de representacoessociais, utilizam principalmente termos descritivos - que de-
pois 0 entrevistador retoma em seus questionarios sisternaticos.
Existem talvez cognicoes unicamente prescritivas (...), e outras
unicamente descritivas (...). Mas me parece que, no dominio
79
das representacocs sociai s, os doi s aspectos estao a cada vez
presentes , dis tingufveis ao nivel discursivo, mas nao ao nfvel
sentacoes sociais: ' 'As prescricoes tendem a aparecer, ao nivel
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 42/97
cognitivo" (Flament, 1994b: 37-38).
Por este primeiro pressuposto, convcm-se que se pode
tratar 0 fenorneno das representacoes sociais basicamente em
termos das cognicoes prescritivas que ascornpoem, dado que,
como formas de pensamento social pratico que sao, suas
descricoes do objeto representado implicariam sistematica-
mente em prescricoes de algum tipo de a<;:aopor parte dos
individuos ou grupos detentores de tais conhecimentos com-
parti lhados. 0 seguinte exemplo, embora bastante simples e
nao muito evidentemente relacionado a questao das repre-
sentacoes sociais, pode bern ilustrar uma instancia de "quase
fusao" dos aspectos descritivos e prescritivos:
"A conj uncao entre os dois aspectos e ainda mais evidente
quando se recorda que a prescricao pode tomar aspectos nega-
tivos. '0 ceu esta cinzento' me prescreve pegar meu guarda-
chuva, e, pois, '0ceu esta azu l' me prescreve que eu posso nao
pegar meu guarda-chuva (exemplo devido a Guimell i)" (Fla-
ment, 1994b: 37-38).
Em segundo lugar, Flament distingue entre prescricoes
absolutas ou incondicionais e prescricoes condicionais, carac-
terizando estas ultimas nos seguintes termos familiares: "Mui-
tas prescricoes sao condicionais: em geral deve-se fazer isso,
mas, em certos casos (mais ou menos claramente identif ica-
dos), deve-se fazer outra coisa" (1994a: 91). Ou, como em
outro texto: "em tal condicao, e preciso fazer isso; em tal caso
particular, pode-se fazer aquilo" (1994b: 38).
Flament (1994b) apresenta, entao, 0 que ele chama diver-
tidamente de uma "inovacao quantitativa", qual seja: ''Ao
menos no dominio das representacoes sociais, as prescricoessao macicamente condieionais" (p. 38). A rigor, esta proposi-
<;:aoseria uma decorrencia de outra ideia, que 0autor consi-
dera realmente nova e que envolve uma especie de disjuncao
eognit ivo-discursiva no ambito da logica propria das repre-
80
nitivo, elas sao, em sua maioria, condicionais" (ibid.). Essa
ideia reeebe algum esclareeimento adicional na passagem
abaixo:
"Tratar-se-ia portanto de urn vies discursivo: espontaneamente
nossos sujeitos falam do que lhes parece importante - quer
dizer, 0 caso principal-, negligenciando 0 secundario (salvo se,
por excecao, urn sujei to se encontra muito ligado a urn tal caso
secundario)" (Flament, 1994b: 39).
Isto quer dizer que, quando aspessoas emitemjulgamen-
tos aparentemente absolutos, com frequencia ji seencontram
neles embutidos, embora nao de forma manifesta, diversas
alternativas eondieionais eonsideradas legftimas ou mesmo
algocomo uma condicionalidade generica ou "aberta", Assim,
na pesquisa das representacoes sociais, a quanti dade e diver-
sidade de discursos que sao coletados, as diferentes respostas
a situacoes padronizadas e mesmo asinumeras simples asso-
ciacao de ideias e evocacao de palavras seriam "rnacicamente
condicionais" em sua natureza eognitiva, conquanto nao ne-
cessariamente na aparencia discursiva.
E importante observar, entretanto, que, segundo Flament
( op . c i t. ) , "aafirmacao do carater macicarnente condicional das
prescricoes de uma representacao social nao exclui de modo
algum a ideia de que certas prescricoes sao absolutas, isto e , naoeondicionais" (p. 43). Em outras palavras, as representacoes
sociais comportam tanto elementos cognitivos - de natureza
descritiva e prescritiva - que funcionam em termos absolutos
quanto elementos que funcionam de forma condicional.
E essa distincao entre prescr icoes absolu tas e prescr icoes condi-
cionais que Flament toma como base conceitual (externa ateoria em si) para distinguir entre os poueos elementos que
cornpoern 0nucleo central de uma representacao, definindo-
a basicamente, e a bern maior quantidade de elementos que,
tarnbem de modo (condicional) significativo, ope ram aonfvel
81
da periferia provendo a interface com asquestoes ~ra:icas da"mapeamento" das cognicoes condicionais e de suas pr6prias
condicoes situacionais de atualizacao:
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 43/97
vida cotidiana. 0 nucleo central e, portanto, consti tuido por
prescricoes absolutas ou incondicionais, enqua~t? q~e os
elementos perifericos envolvem prescri<;oes condlClonals.
Com isso, pretende-se justificar as caracteristicas e fun-
<;oesatr ibufdas a uma e a outra dessas instincias ou sistemas
complementares na organiza<;ao interna de uma rep~e-
sentacao. De fato, uma simples perscrutacao do quadro sin-
tetico proporcionado por Abric (ver subsecao precedente),com a preocupa<;ao de se buscar identificar que tipo~ de
cognicoes - absolutas ou condicionais - podcm plau~lvel-
mente ser tomadas como responsaveis pelas caracterfstlcas e
funcoes centrais ou perifericas, parece suficiente para prover
alguma confiabilidade as identifica<;oes propostas.
Ainda enfatizando a importancia dos elementos periferi-
cos no fu~cionamento das representacoes. antes inadvertida
em prove ito de urn investimento te6rico exclusivo na expli-
cacao que 0 nucleo central poderia proporcionar, Flament
(1994a) vale-se da observa<;ao de Michel Morin de que "~o
entanto, e na periferia que se vive uma representacae sO~l~1no cotidiano" (p. 85). Ao que acrescenta, igualando a parnci-
pa<;aoexplicativa das duas instancias:
"E 0 func ionamento do nucleo nao se compreende senao em
dialetica continua com a periferia" (.. .). E por contraste com a
condicionalidade periferica (.. .) que os esquemas incondicionais
aparecem como incontornaveis (Moscovici, 1992, fala de ele-
mentos niio-negociaveis) e constituindo 0nucleo central" (Fla-
ment, 1994a: 85-86).
Apresentam-se a seguir algumas das hip6teses especfficas
que podem ser sugeridas como decorrencia da ideia geral de
que, no dorninio das representacoes sociais, "as cognicoes saomaci<;amente condicionais", com a ressalva de que se trata
ainda de reflexoes admitidamente incipientes no estado atual
de desenvolvimento da teoria. Flament e explicito quanta a
isso ao alertar para aspresentes dificuldades metodo16gicas no
82
"Se se tern boas hip6teses sobre 0 sistema condicional de uma
cognicao, a verificacao e geralmente facil: pergunta-se aos su-
jei tos : 'Qual e a prescricao em tal caso par ticular? ' - e se obtern
respostas muito naturais (.. .). Mas atencao, no estado atual dos
nossos conhecimentos metodol6gicos, a pesquisa 'cega' de urn
sistema condicional sefaz por metodos brutal mente indutivos.
o desenvolvimento sistematico dessas pesquisas conduzira
scm duvida alguma a uma metodologia confiavel" (Flament,
1994a: 39).
Uma primeira hip6tese especffica que merece ser aqui
relatada focaliza urn dos problemas mais dificeis para qual-
quer abordagem cognitiva, qual seja, 0 da relacao entre cog-
ni<;aoe comportamento. Este parece, entretanto, poder rece-
ber urn tratamento convincente no campo das representacoes
sociais com a introducao do "paradigma" (se se pode chamar
assim) da condicionalidade, como argumentado por Flament:
"Suponhamos uma cognicao condicional do tipo: 'No caso
geral, prescricao A; em tal caso particular, prescricao B'. Se 0
vies discursivo [antes] mencionado funciona efetivamente, 0
discurso espontaneo dos sujeitos nao menciona senao a pres-
cricao A; mas uma observacao comportamental rigorosa mos-
trara os efeitos das prescricoes A e B (...). Segundo 0paradigma
habitual (.. .) deve-se concluir por urn desacordo entre cognicao
e condutas observadas . Se, ao contrar io , se aceita 0 meu para-
digma, 0 desacordo e entre cognicao e discurso, e ha adequacao
entre cognicao e condutas observadas" (Flament, 1994b: 39-40).
Uma segunda decorrencia da hip6tese da condicionalida-
de, em estreita afinidade com a precedente, diz respeito aconsideracao de uma conduta como "normal" a luz de uma
cognicao condicional. A adequada discussao dessa suposicao
exige, entretanto, a apresentacao previa de urn experimento,devido a Moliner (1989), hoje considerado basico para 0
desenvolvimento da teoria do nucleo central. Flament foi
capaz de relata-lo nos termos rna is sucintos possiveis na
passagem que se segue.
83
"Aprime ira sustentacao experim,ental ~a teoria do nucle,o cen-
tral e devida a Moliner (1988). E suficiente evocar urn grupooptaram pela primeira altemativa, enquanto apenas urn terce
considerou tal grupo pouco tipico ou algo bizarro, uma pro-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 44/97
amigivel' para que os sujei tos pensem (em uma frequencia de
95%) que setrata de urn 'grupo ideal ', 0 que i~plica p~ra.:sses
sujei tos a ausencia de hierarquia, convergenc~a de opm~o~s e
alguns outros traces (.. .). Depois fala-se de urn gr~po a~'u~avel
hierarquizado ' ou de urn 'grupo amigivel com divergencia de
opinioes'. E pergunta-se se se trata de urn '.grupo !deal'. A
resposta e macicarnente niio quando hi uma hiera rquia , e ma-
cicamente sim quando hi divergencia de opinioes. Deduz-se
daf que a ausencia de hie rarquia e urn e lemento do nucleocentral da representacao social de 'grupo ideal ' enquanto que a
convergencia de opinioes e urn elemento periferico" (Flament,
1994a: 87).
Cabe eselarecer que, no experimento acima, a "ausencia
de hierarquia" e a "convergencia de opinioes" foram amb.as
evocadas pelos sujeitos com uma mesma e elevada f~eqtienCla,
tratando-se portanto de elementos igualmente sahentes, em
termos quantitativos imediatos, na representacao de "gru~o
ideal". Urn segundo procedimento experimental f01 en_ta~
necessario para se evidenciar que 0 primeiro deles consutui
uma cognicao absoluta, central, acerca do objeto da .reP.re-
sentacao, e 0 segundo, uma cognicao condicional,. penfen~a.
Como seravisto no pr6ximo capitulo, essaestrategia - ou seJa,
questionar se a representacao se mantem quando .t: l.ou qual
elemento tern sua participacao negada por urn artificio expe-
rimental - tern sido incorporada a diversos metodos de pes-
quisa da constituicao do micleo central.
Voltando a questao antes proposta, interessa no momenta
discutir assutilezas das cognicoes condicionais que levaram a
que os sujeitos considerassem normal que. urn ~"g~upo
ideal" pudesse ser tambem urn "grupo com divergencia ~e
opinioes". Na pesquisa de Moliner, 75% dos sujeitos consi-
deraram que urn grupo com divergencia de opinioes era urn
grupo ideal.
Perguntados, nesse caso, se se tratava de "urn grupo ideal
tfpico" ou de "urn grupo ideal pouco tfpico", dois tercos deles
84
porcao contraria portanto ao que se esperava. Flament assim
comenta esses resultados:
"Ora, tudo se torna claro nesse ponto ( ... ). Admitamos que a
cognicao 'mesmas opini6es' seja condicional (...); mas a mani-
pulacao exper imental nao propunha nenhuma explicacao para
esse fenomeno excepeional, e deixava aos sujeitos a possibili-
dade de pensar: ' em geral , osmembros de urn grupo ideal estao
de aeordo; mas, em certos easos, eles podem nao esta r; ji queeles nao estao [como lhes foi dito], e que se esta em urn desses
casos particulares, e e portanto normal que af haja divergencia
de opini6es'. Donde os resul tados, adrni tindo-se que para os
sujeitos a resposta 'tipico' e a mais proxima do que teria sido a
boa resposta: 'normal ' ou 'legitimo'" (Flament, 1994b: 41-42).
Para passar a consideracao de outras decorrencias da hi-
p6tese da condicionalidade, cabe ressalvar que ela nao tern
implicacocs apenas para a concepcao do sistema periferico,
como mostrado ate agora, mas tarnbem para as suas relacoes
com 0 sistema central e para a pr6pria nocao de representacao
autonorna, definida esta, relernbre-se, em funcao da existen-ciade urn micleo central. Em outras palavras, a proposicao da
condicionalidade nao constitui uma tentativa de demonstrar
que os elementos perifericos sejam tao ou mais importantes
do que 0 constructo ate entao privilegiado de micleo central para
a elucidacao do fenomeno das representacoes sociais. Ao
contrario, a hip6tese serve tambern para reforcar 0 papel
decisivo das prescricoes absolutas na definicao de uma repre-
sentacao.
Nesse sentido, Flament (o p. c i t. ) lembra que "urna repre-
sentacao social nao funcionara senao se todas as prescricoes
absolutas forem satisfeitas absolutamente", ao passo que,atendido esse requisito, basta que "0 sistema condicional de
uma unica prescricao condicional [seja] satisfeito" (p. 44) para
que a representacao venha acontemplar uma ou outra de uma
grande variedade de situacoes. Mas, definitivamente, a repre-
. . .
85
sentacao s6 mantern sua identidade pr6pria por forca do
conteudo das prescricoes absolutas de seu micleo central, se
consequencia logicamente trivial, mas geralmente ignorada
empiricamente" (p. 42), que vern a ser assim descrita:
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 45/97
autonoma, ou das prescricoes absolutas que, conquanto de
varias origens, convergem para definir 0objeto de uma re-
presentacao nao-autonoma. A partir de tal reconhecimento
da importancia definit6ria dos elementos incondicionais, 0
autor recoloca a distincao entre representacoes autonomas e
nao-autonomas nos seguintes termos:
"Assim, as prescricoes absolutas sao incontornaveis, e servirao
como p r in c ip i os o r g an iz ad o re s do conjunto de outras prescricoes- 0 que e uma das carateristicas essenciais de urn nucleo central.
Se 0 conjunto das prescricoes absolutas de uma representacao
social forma urn sis tema tinico, falaremos de mic leo centra l e
diremos que a representacao social e autsnoma (Flament, 1989).
Ao contrar io , se as prescricoes absolutas formam d i ve r so s c on-
juntos organizadores, falar-se-a de uma representacao ndo-autb-
noma (Flament, 1994b: 44).
Ainda a esse prop6sito, a importante afirmacao te6rica
retomada por Flament ( op . c it .) de que "0 micleo central
organiza os elementos nao-centrais da representacao [auto-
noma], mesmo os mais marginais" (p. 45) encontra umailustracao das mais interessantes e esc1arecedoras a luz da
hip6tese da condicionalidade no relato que se segue:
"Estudando a representacao da auto-estrada (Bernard &Blanc,
1989), encontra-se (sem espanto) que 0 nucleo central e 'rapi-dez/facil idade dos des locamentos '. No momenta em que aca-
bava de ser terminado 0 trecho Marseille-Manosque da futura
auto-estrada Marseille-Grenoble, interrogamos uma velha ma-
nos quina, que declarou que essa auto-estrada iria fazer aumen-
ta r a de linquenc ia ; d ian te do espanto do entrev istador, a se-
nhora explicou que 'a auto-estrada vai permitir aos ladr6es
marselheses vir mais facilmente a Manosque' . A preocupacao
com a seguran~a, propr ia dessa senhora, foi associada ao con-ceito de auto-estrada por urn dos dois aspectos da representacao
social" (Flament, 1994b: 45-46).
Ha, finalmente, uma suposicao gerada pela hip6tese da
condicionalidade, que Flament (op. cit.) considera como "uma
86
"Suponhamos urn conjunto de individuos que, relativamente
a urn objeto de representacoes sociais, comparti lhem todas as
prescricoes e seus sistemas condicionais: pode-se falar de po-
pulacao hornogenea em re lacao ao objeto da rep resentacao
social. E perfeitamente concebivel que par tes ( individuos ou
subpopulacoes) dessa populacao se encontrem em condicoes
diferentes, e, por isso mesmo, tenham praticas (e discursos)
diferentes ( .. .) . Urn pesquisador que se contentasse em regis-
tra r pra ticas e di scursos te ria uma forte tendencia a concluir
sobre a existencia de duas representacces sociais , e por tanto de
duas populacoes dis tintas . Para se convencer da unicidade da
representacao social, e suf iciente inte rrogar os membros de
cada subpopulacao sobre as praticas da outra subpopulacao, e
se vera que todos tern 0 mesmo sistema condicional , mas ,
muito conscientemente , operam em condicoes difer entes"
(Flament, 1994b: 42).
Realmente, valorize-se ou nao a homogeneidade de uma
populacao nos estudos de representacoes sociais, trata-se de
uma advertencia bastante pertinente quanta a necessidade de
se levar sempre em consideracao os aspectos objetivos dasituacao imediata - ffsica, econornica, social etc. - como
condicoes concretas de atualizacao da representacao nos de-
poimentos espontaneos e momentaneos dos sujeitos.
E interessante aindaobservarque essaconsequencia, talvez
aparentemente limitativa da pr6pria hip6tese da condiciona-
lidade (se se a encerra em uma especie de universo cognitivo
autocontido), aponta na verdade para a complexidade do
fenomeno das representacoes sociais, 0 que nao pode deixar
de ser salutar para 0 campo de estudos. E nesse sentido
justamente que Flament conclui urn dos seus dois textos
extensamente explorados nesta secao:
"Se urn ensinamento urn tanto geral pode ja se r t irado dessas
diversas consideracoes, e bern 0 de que 0 discurso espontaneo
dos su jei tos esta longe de revelar a complexidade das repre -
sentacoes sociais. (. ..) Condicionalidade, centralidade qual ita-
87
tiva versus saliencia (quantitativa), encadeamentos complcxos
de associacoes ... , todas coisas que os sujeitos nao revelam senao
na interacao entre representacoes e praticas sociais a partir das
investigacoes resenhadas:
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 46/97
se se Ihes coloca boas questoesl 0que , para nos, explica as
decalagens aparentes entre representacoes sociais e praticas
efetivas, pois 0 discurso esponidneo nd o e a r e pr es e nt a fa o s o ci a l [grifo
nosso]" (Flament, 1994a: 115-116).
2.3. A transforrnacao das represerrtacoes a partir das
praticas sociais
o dominio das praticas SOCIalS,embora teoricamente
importante, e, segundo depoimento de Moscovici e Jodelet,
registrado em Abric (1994c: 217), pouco privilegiado em
psicologia social. Isto parece valer tambern para 0campo das
representacoes sociais, onde 0ratamento mais sistematico da
questao e proporcionado precisamente pela abordagem do
micleo central. Nas sccoes precedentes deste capitulo e espe-
cialmente ao final da ultima secao, a consideracao das relacoes
entre as praticas e as representacoes sociais foi ja anunciada
como uma dimensao irrecusavel dessa teoria especffica. De
fato, desde 0 equacionamento teorico inicial por Flament(1987, 1989) do processo de transforrnacao de representacoes
a partir de rnudancas verificadas em determinadas praticas
sociais, como evidenciado ern diversas pesquisas, a elucidacao
do problema, em seu ambito mais abrangente possfvel, parece
ter sido tomada como urn desafio pela teoria do micleo
central.
Nesse sentido, Abric (1994c) propoe discutir tais relacoes
nos seguintes termos: "Sao aspraticas sociais que determinam
as representacoes ou 0 inverso? Ou as duas sao indissociavel-
mente ligadas e interdependentes?" (p. 217). A rigor, entre-
tanto, 0 autor acaba privilegiando em sua analise a deter-minacao das praticas pelas representacoes, provavelmente
porque asdernonstracoes empfricas disponiveis no campo das
representacoes sociais se encaminham predominantemente
nessa direcao. Abric assim somaria essa direcao de influencia
88
"Como acabamos de ver, a deterrninacao das praticas e dos
comportamentos pelo sistema de representacao parece - ao
menos em certas situacoes - indiscutfvel. Vimos mais precisa-
mente que asrepresentacoes constituldas, e asvezes profunda-
mente ancoradas na historia da coletividade, permitem explicar
as escolhas efetuadas pelos individuos, 0 t ipo de relacoes que
eles estabe lecem com os parce iros, a na tureza de seu engaj a-
mento em uma situacao ou suas prat icas cotidianas" (Abric ,1994c: 229-230).
Abric (op. cit.) reconhece, entretanto, que "essa constata-
<;aonao pode desembocar em uma exclusao pura e simples do
papel das praticas nas representacoes" (p. 230) e tece as se-
guintes consideracoes quanto a segunda direcao de influencia,
para enfim conduirpela alternativa dainterdepcndencia entre
praticas e reprcsentacoes:
"Mesrno se clas escapam ao analista, ascondicoes de producao
dessas representacoes constitufdas - que explicam seu estado
atual- sao provavelmente grandemente tributarias das praticas
sociais que 0grupo desenvolveu ou as quais foi confrontado.Esta e a razao porque a quase total idade dos pesquisadores esta
de acordo sobre 0seguinte principio: as representacoes e as
praticas se engendram mutuamente" (Abric, 1994c: 230).
Esta e por certo uma conclusao generica que busca ele-
gantemente conciliar as duas posicoes, fazendo uma conces-
sao sensata a possivel deterrninacao das representacoes pelas
praticas, face a ainda irresistivel forca dessa ideia no cenario
das cicncias sociais, mesmo que limitada pela extrema dificul-
dade de sua comprovacao empirica. De fato, as concepcoes
que prop oern tal sentido de determinacao de uma forma mais
definida - como a tradicao sociologica marxista - lembradaspor Abric parccem depender mais da argumentacao teorica
do que se sustentar pela pratica da pesquisa. No caso do
marxismo, 0autor identifica ademais uma seria incompatibi-
lidade com a teoria das representacoes sociais:
89
"Essa posicao se acompanhava mui to geralmente , ate a uma
epoca recente de uma contestacao global da psicologia social
sociais cotidianas bern definidas, como 0 atestam e ilustram
os seguintes trabalhos: Guimelli (1989), sobre a representacao
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 47/97
tradicional (.. .) e muito especificamente de uma desconfianca
e de uma rejeicao danocao de representacao social tal como n6s
a uti lizamos ( .. .) . Nossa concepcao de urn s u je i to a t iv o e entao
interpretada como uma das manifestacoes de urn mascaramen-
to ideol6gico, que visa ocultar 0 papel determinante das reia-
<;:6esde producao, da qual esse sujei to e tota lmente depen-
dente" (Abric, 1994c: 21S).
E forcoso admitir que tambem outras defesas do papeldeterminante das praticas para a ernergencia das repre-
sentacoes sociais - como a de Sa (1994), de fi liacao behavio-
rista skinneriana, que asconsidera em termos mais genericos
ou menos institucionalizados e intimamente associadas a
processos comportamentais basicos - se ressentem de algo
como uma "inviabilidade demonstrativa". Esta decorre prin-
cipalmente do carater remoto das origens propostas, 0 que,
de resto, limita necessariamente a urn exercfcio especulativo,
conquanto legitimo, toda e qualquer abordagem socio-gene-
tica da cognicao, incluindo a propria teoria das representacoes
sociais como formulada por Moscovici.
Esta e tambem, provavelmente, a razao pela qual os auto-
res do C r up o d o M i d i, com sua orientacao teorica firmemente
condicionada ao desenvolvimento de possibilidades metodo-
logicas concretas, evitam se envolver com 0 problema da
genese ou da formacao primeira das representacoes, preferin-
do antes focalizar as t rans jormacoes ocorridas em urn intervalo
de tempo historico e em urn espaco socio-geografico efetiva-
mente manejaveis pela pratica da pesquisa. Tal exigencia de
maneabilidade e igualmente bern atendida pelas caracteristi-
casdas praticas sociais - em transformacao ou nao - que esses
pesquisadores tomam como base para seus estudos sobre as
representacoes sociais.
De fato, abrindo-se aqui urn parentese, cabe ressaltar que
os "objetos de representacao" selecionados para pesquisa pelo
Grupe sao, via de regra, extraidos do contexto de praticas
90
e a pratica da caca; Abric (1984), sobre as do artesao e do
artesanato; Morin (1989), sobre a aplicacao as condicoes de
trabalho; Abric e Morin (1990), sobre a mobilidade urbana e
asviagens interurbanas; Verges (1992) e Verges e t a l. ( 19 94 ),
sobre 0dinheiro e as nocoes de economia; Moliner (1993),
sobre a representacao social de empresa; Guimell i (1994),
sobre 0 papel profissional do enfermeiro; Morin (1994) e
Morin, Moatti e Souville (1994), sobre as modificacoes de
conduta dosjovens em relacao a Aids e sobre 0 envolvimento
profissional com a doenca; Mardellat (1994), sobre praticas
comerciais e artesanais; Singery (1994), sobre representacoes
e projetos de rnudanca tecnologica.
Uma primeira descricao de "diversas formas de transfor-
macae das representacoes sociais sob a influencia da evolucao
das praticas sociais" foi proporcionada em 1987/1989, como
ja noticiado, sem que 0 autor, Flament, considere que "tenha
sido entao capaz de fazer uma apresentacao unitaria" (1994b:
49). Posteriormente, entretanto, a partir da introducao da
hipotese da condicionalidade examinada na secao precedente,
Flament esboca uma sintese de tais processos de mudanca,
"inicialmente sob a forma de urn esquema descritivo [e]
depois s?b a forma de urn princfpio que se quer explicativo"
(ibid.). E tal sisternatizacao teorica que sera apresentada a
seguir como a contribuicao mais atualizada ou problematiza-
da, ainda que nao-definitiva, do C rupo do M id i ao entendi-
mento das relacoes entre representacoes e praticas sociais em
transformacao,
Quanto a primeira providencia anunciada, Flament (1994b:
49) busca incorporar as dinamicas transformacionais ante-riormente descritas ao es quema s eq ii enci a l que se segue:
Modificacoes das circunstancias extemas
- Modificacao das praticas sociais
91
~ ..
. " "
- Modificacao dos prescritores condicionais sobre os prescri tores absolutos, que nao se modif icarao senao
se os prescri tores condicionais forem antes modificados, de
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 48/97
- Modificacao dos prescritores absolutos (rnicleo central)
Valendo-se, como ilustracao, do trabalho em que Gui-
mell i (1989) identifica transformacoes na representacao da
caca por cacadores franceses, a part ir de mudancas de cunho
ecol6gico nas praticas de caca (delimitacao do terri t6rio de
caca, protecao de certas especies, repovoamcnto), provocadas
pela reducao da populacao de coelhos em funcao de uma
epidemia de mixomatose, Flament comenta os primeiros dois
elementos de seu esquema:
'1\s circunstancias externas sao qualquer estado do mundo fora
da represcntacao social, ou seja, dependente de uma causalida-
de estranha a representacao social (por excmplo, a mixomatose
dos coelhos nao depende em nada das representacoes pr6prias
aos cacadores).
As praticas sociais sao de algum modo a interface entre circuns-
tancias externas e prescritores internos da representacao social.
Sao comportamentos globa is que evoluern para se adapta r as
mudancas das circunstancias externas (por exemplo, os ca~a-
dores aumentarn suas praticas ecol6gicas para compensar 0
desequi librio da fauna devido ao desaparec imento dos coe-
lhos)" (Flament, 1994b: 49).
Considerando que, no funcionamento cotidiano da re-
prcsentacao, sao as prescricoes - absolutas e condicionais -
que determinam 0engajamento dos individuos ou grupos em
determinadas praticas sociais, configuradas de tal ou qual
maneira, deve-se esperar, segundo Flament, que csses "pres-
critores" tendam a "absorver" as eventuais modificacoes das
praticas, ocorridas em funcao de algum fator circunstancial
externo. A partir dessa suposicao, 0autor da conta dos pro-
cessos de modificacao ao nivel propriamente representacionaldos ult imos dois elementos do esquema:
"Urn princfpio elementar de econornia cognitiva quer que as
modificacoes cognitivas sejam minimas, Deve-se portanto es-
perar que as mudancas sejam inicialmente 0 menos pOSSIVe!
92
uma mane ira ou de outra (por exernplo, as novas praticas
ecol6gicas dos cacadores modificam 0 sistema condicional dos
prescri tores relat ivos a essas, modif icacao que permite uma
transformacao progress iva, mas nao menos estrutural, do nu-
cleo central da representacao social)" (Flament, 1994b: 50).
Flament ( op . c it .) eselarece que "0 processo descrito pelo
esquema pode nao ir ate ao seu termo [a modificacao do
micleo central], notadamente se as circunstancias mudarem
novamente de curso", 'Alern disso", prossegue, "0 esquema
nao permite fazer-se uma ideia da duracao do processo" (p.
50). Na verdade, 0 autor admite que 0 esquema apresentado
e apenas uma sfntese descritiva, com "virtudes mais pedag6-
gicas que heurfsticas" (ibid.), para passar em seguida a propo-sicao de um principio explicativo formulado com base na
hip6tese da condicionalidade, que ele acredita apresentar urn
forte poder heurfstico.
o pr inc ip i a exp li cat i ve proposto por Flament (1994b) para
dar conta do processo geral de transformacao das repre-
sentacoes e apresentado de uma forma aparentemente sim-
ples. Segundo 0autor, tudo se passa de tal sorte que cada
indivfduo envolvido no processo possa dizer: "N ascircunstdn-
cias, eu faco a l gum a c oi sa n do -h a bi tu a l, mas eu tenho bo as r a zo e s
para isso" (p. 50). A essa formulacao basica sao acrescentadas
entao algumas possibilidades combinat6rias, que acabarao por
determinar diferentes cursos e desfechos para 0processo, ou
seja, perrnitirao distinguir entre diferentes casos tfpicos de
transforrnacao das representacoes.
Nesse sentido, interessa, em primeiro lugar, considerar
se as circunstancias sao pcrcebidas como reversiueis ou irre-
versiueis pelos individuos envolvidos.
Flament comenta que, embora 0carater material das
circunstancias deva ser conhecido, para evitar qualquer con-
tra-senso ou ingenuidade interpretativa, somente 0 seu ref1e-
93
xo cognitivo - ou seja, a reversibilidade ou a irreversibilidade
p er ce bi da s - desempenha urn papel determinante no modelo
ou incompatibilidade para com a representacao. Entao, pros-
segue 0 autor, "observa-se (e e sem dtivida inevitavel) uma
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 49/97
explicativo. A consequencia dessa variavel e assim estabeleci-
da pelo autor:
''A hip6tese e a de que a reversibilidade percebida desacelerara
o processo de transforrnacao da representacao social, e princi-
palmente interditara qualquer rnodificacao ao nfvel do nucleo
central ; ( .. .) . Por tanto, somente as prescricoes condicionais
serao modif icadas e pode-se pensar que 0retorno das circuns-
tancias ao normal nao apagara todas as modificacoes dessasprescricoes: permanecerao traces desse episodic" (Flament,
1994b: 52).
Em seguida, part indo do postulado cognit ivista de que as
pessoas sempre encontram urn meio - mais ou menos eficaz
e mais ou menos consciente - para restabelecer 0equilibrio
cognitivo perdido quando se veem engajadas em condutas
nao-habituais, Flament ( op . c i t. ) define uma condicao para que
a operacao de tal postulado possa ser levada em consideracao
na analise da transforrnacao das representacoes sociais . Diz
eIe: "Quando nos falamos de boas ra z ii e s, no nosso modelo,
estamos considerando que 0meio de restabelecer 0equilibrioe, se nao claramente consciente e explicito, ao menos explici-
ravel pelo proprio sujeito" (p. 53). 0 carater publico assim
exigido dessas "boas raz6es" permite distinguir dois casos de
sua invocacao:
1)As boas raz6es sao geradas peIo sistema condicional da
representacao;
2) '1\5 boas raz6es sao tomadas da c ul tu ra g lo ba l, fo ra d a
representaoio social considerada" (p. 54).
o primeiro caso, observa Flament ( op . c i t. ) , se apresenta
quando "as circunstancias podem fazer com que uma condi-<;aoraramente presente setome mais freqiiente, e mesmo (...)
geral ( ... ), ou, ao contrario, uma circunstancia freqiiente se
tome rara" (p. 53). As praticas, nesses casos, sao inabituais em
termos de sua freqiiencia e nao de uma eventual anormalidade
94
evolucao muito progressiva, que, se vai ate a mudanca do
micleo central, 0 faz sem ruptura incisiva do estado inicial"
(ibid.). A invocacao de boas raz6es ji condicionalmente im-
plicadas na representacao - como, por exemplo, parajustificar
a modificacao das praticas de caca, anteriorrnente noticiadas
- indica que aspraticas inabituais eram absolutamente legiti-
mas. De fato, Guimell i (1989) encontrou registros dos temas
relativos a essas "novas" praticas na literatura cinegetica fran-cesa de ate cinqiienta anos arras.
o segundo caso - boas raz6es tomadas de fora da repre-
sentacao social - indica, segundo Flament (op. cit.), que "as
circunstancias provocam praticas ilegft imas, contrarias as
prescricoes das representacoes sociais" (p. 53). Diz ainda 0
autor: "Em todos esses casos, ve-se aparecer, n o d is cu rs o d os
sujeitos, 0que nos denominamos de e s q uem a s e s tr a nh o s, que
afirrnam simultaneamente a prescricao violada, a pratica ile-
gftima, representada como tal, e prop6em uma boa razao,
mais ou menos racionalizante" (ibid.). Eis urn interessante
exemplo daoperacao de urn "esquema estranho", selecionadopor Flament, referente a aculturacao de imigrantes africanos
na Franca:
"Uma estudante (magrebina de segunda geracao ) inte rroga
estudantes magrebinos de segunda geracao sobre 0 fato de que
eles fumam; a resposta e invar iavelmente: "eu fumo" (0 que e
contrario a t radicao magrebina) , "mas nao e proibido pelo
Corao" (aparte entre parenteses e sempre impllcita, porque ela
traduz uma grande evidencia para osinterlocutores)" (Flament,
1994b: 54).
A nocao de "esquemas estranhos" foi proposta por Fla-
ment (1987,1989) na esteira da designacao que ele entao faziade toda e qualquer cognicao de uma representacao como urn
"esquema". Tendo, posteriormente, preferido falar dessas cog-
nicoes em geral como "prescritores" e "descritores", 0autor
manteve entretanto aquela primeira expressao para acentuar
95
o seu carater "estranho" em relacao ao conteudo da repre-
sentacao em que penetra de modo a acabar por transformi-Ia
o exemplo da pratica de fumar, contraria a tradicao ma-
grebina, antes aludido, ilustra a existencia de uma boa razao
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 50/97
de forma incisiva. Alem do mais, a expressao e a postulacao
de seus quatro componentes esquernaticos - evocacao do
normal, designacao da excecao, afirrnacao de uma contradicao
entre os dois termos, proposicao de uma racionalizacao que
permite suportar a contradicao - se tornaram nao so bem
conhecidos, mas tambem mereceram recentemente uma for-
malizacao teorica de sua estrutura cognitiva especffica em
termos de entidades recorrentes no processo de transforma-<;;aodas representacoes (Guimelli e Rouquette, 1993).
Contrastando com 0 primeiro caso - de transformacao
progressiva da representacao, a partir de "boas razoes" presen-
tes em seu sistema condicional - 0 surgimento de esquemas
estranhos, baseados em "boas razoes" extraidas da cultura glo-
bal, se traduz por processos mais incisivos de transformacao
das representacoes, em uma evidente ruptura com 0passado.
Ainda assim, Flament (1994b) considera que "a natureza
desses processos depende de uma ultima dicotomia, que nao
e talvez senao uma localizacao nos pontos extremos de uma
escala de diversos nfveis" (p. 54). Em urn dos pontos extre-mos, 0 autor observa que "algumas boas razoes se impoern
uniformemente a todos osmembros dapopulacao", de modo
que esse consenso "cria uma pressao social que rnantera por
muito tempo a contradi<;;ao,justificando-a de alguma manei-
ra" (ibid.). No outro extremo, "miiltiplas boas razoes, incoor-
denadas, se distribuem na populacao", 0que resulta na seguinte
situacao e desfecho:
"A multipl icidade incoordcnada de boas raz6cs faz com que,
para um mesmo individuo, a " logica" das boas razoes var ic de
uma prescricao violada a outra, e, para uma mesma prcscricao,
var ie de um sujei to a outro. Oaf urn clima geral de incoerenciacognit iva , que se resolve pela supressao do problema, pe la
fragmcntas;ao da representacao social. Parece que os elementos
do ant igo nucleo cen tral van servir a constituicao de novas
represcntacoes sociais" (Flament, 1994b: 54).
96
razoavelmente distribufda na populacao (imigrantes de se-
gunda geracao), que permite justificar essa contradicao e
assim manter, talvez indefinidamente, 0 micleo da repre-
sentacao tradicional, embora nao deixe de constituir uma
ruptura incisiva com 0passado. A operacao de boas razocs
incoordenadas e irregularmente distribuidas na populacao ei lustrada por Flament (1989) a partir de urn estudo rcalizado
emMadagascar (Andriamifidisoa, 1982), em que severificou,no curso de uma revolucao socialista , 0 surgimcnto de uma
especie de "conselho municipal elei to", que teria passado a
constituir, na pratica e na representacao social do poder, uma
alternativa a instancia tradicional de autoridade exercida pclos
"anciaos". Antes cram estes que "faziam respeitar as boas
relacoes e davam as ordens; qualquer infracao conduzindo aculpabilidadc e, cedo ou tarde, ao castigo" (p. 215). 0 autor
transcreve 0depoimento de urn jovem malgache, para dar
conta da busca incoordenada de boas razoes:
"Antigamente, quando um anciao nos dizia para fazer alguma
coisa que nao nos agradava, era penoso (era preciso obedecerou ser culpavel) ; agora, pode-se tentar fazer urn contrapeso
dirigindo-se ao cornite (.. .)" (Flament, 1989: 215).
Percebida como irrcversfvel, essa mudanca nas priticas
deve acabar levando, segundo Flament ( op . c it .: 214-215), a
uma fratura do micleo central, a dispersao de seus elementos,
cada urn passando a evoluir segundo uma logica propria, e
talvez se reencontrando, com um sentido modificado e mais
ou menos centralmente integrado, em uma nova repre-
sentacao social. De qualquer forma, uma grande parte do
passado se apagari e os esquemas estranhos entao surgidos
integrarao novas representacoes, cuja propria origem tera sido
esquecida.
Seguindo-se a esta caracterizacao do cstado atual da teoria
do nucleo central, em que podem ter ficado pendentes diver-
97
rsas imbricacoes metodo16gicas necessarias a melhor apreen-
sao de sua contribuicao global ao campo de estudos das
representacoes sociais, 0 pr6ximo capitulo sera dedicado a
Capitulo 3
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 51/97
uma apresentacao sistematizada de variados metodos e tecni-
cas de pesquisa, desenvolvidos pelo C rupo d o M id i para dar
conta das peculiaridades teoricamente atribufdas ao fenomeno.
98
M E T O DO S E T E C N I C A S D E
P E S Q U I S A D O N O C LE O C EN TR A L
Ocampo das representacoes sociais - pela pr6pria natu-
reza dos fenomenos estudados, ou seja, formas modernas e
especificas de conhecimento pratico, produzidas e mobiliza-
das navida cotidiana - repousa firmemente sobre asatividades
de pesquisa empirica. Como assinalado com frequencia por
Moscovici e por outros autores, nenhuma especie de especu-
lacao, por privilegiada que se pretenda, pode substituir 0
esforco de apreensao empirica dos contetidos e das organiza-
~6esde tais t ipos de saberes, que ligam urn sujei to part iculara urn objeto concreto em uma situacao s6cio-hist6rico-cul-
tural determinada.
A pesquisa das representacoes sociais tern se caracteriza-
do, desde 0infcio, por uma utilizacao bastante criativa e
diversificada de metodos e pelo desenvolvimento continuo
de novas tecnicas, tanto no que se refere a coleta quanta ao
tratamento dos dados. Alem disso, sua problernatizacao, que
decorre naturalmente da complexidade e diversidade das ma-
nifestacoes do fenomeno, tern conduzido 0campo a uma
intensa atividade de discussao e critica metodol6gica interna.
A pesquisa em si nao consti tui, entre tanto, no campo dasrepresentacoes sociais como em qualquer outro, urn processo
autonomo que simplesmente se acrescenta - ou oferece seus
resultados a pos te r i or i - a uma atividade explicativa propiciada
por urn corpo de formulacoes conceituais e interpretacoes
i
99
teoricas. A rigor, desde a escolha, combinacao ou adaptacao
de metodos, bern como desde a elaboracao de instrumentos
de coleta de dados e a definicao ou criacao de tecnicas para
atividade tenha obrigatoriamente que ser complementada
pelo tratamento ou analise dos dados coletados, parece opor-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 52/97
.seu tratamento, a pesquisa das representacoes sociais e expli-
citamente orientada pela conceituacao e pela construcao te6-
rica especffica que 0pesquisador tenha adotado.
De fato, considerando que 0 acesso ao fen6meno em si
nao pode se dar senao atraves das providencias de carater
metodol6gico acima aludidas, resulta que 0 conhecimento
que dele se obtern ja incorpora a influencia de uma codifica-~ao te6rica previamente introduzida. Deve-se, assim, convir
que, ao inves de se lidar diretamente com fen6menos especi-
ficos de representacao social, 0que ocorre necessariarnente,
como forma de viabilizar 0 acesso - indireto, parcial, concei-
tualmente selet ivo, teoricamente orientado - a tais fen6me-
nos, e a construcao de urn "objeto de pesquisa".
No presente capitulo, serao examinadas e discutidas as
estrategias depesqui sapertinentes ao ambito dateoria do micleo
central, buscando-se esdarecer os prop6sitos e 0 alcance dos
diferentes metodos e tecnicas que tern sido desenvolvidos com
esse fim. Nesse sentido, sera focalizada, em uma prime ira secao,a questao mais geral da construcao de objetos de pesquisa no
campo das representacoes sociais,bern como asformas que ela
assume sob a influencia das proposicoes te6ricas acerca de urn
sistema organizador central. A s duas secoes seguintes serao
dedicadas a apresentacao dos metodos criados a partir de tal
concepcao teorica, os quais, por issomesmo, se orientam para 0
levantamento dos possiveis elementos do nucleo central e sua
subscquente idenrificacao definitiva.
3.1.A constituicao do micleo central como objeto de
pesquisa
Urn primeiro problema que secoloca a todo pesquisador
para a c on st ru cd o d o o bj et o d e p es qu is a, mesmo que nao advertido
nesses termos, diz respeito a coleta dos dados. Embora tal
100
tuna enfatizar sua importancia na constru~ao do objeto, bern
como sua dependenei, em relacao a elei~6es te6rico-concei-
tuais previas, Abric (1994d), ao proporcionar uma visao de
conjunto da metodologia pert inente a coleta das repre-
senta~6es sociais, assim se manifesta:
"0 estudo das representa<;6es sociais coloca dois problemas
metodol6gicos desafiantes: 0 da coleta das representa<;6es e 0
da analise dos dados obtidos ( .. .) .
Mas a montante da analise dos dados , a metodologia de coleta
aparece como urn ponto-chave que determina prioritariamente
o ~alor dos escudos sobre as representacoes Qualquer que seja
o mteresse e a potencia de Urn rnetodr, de analise, e bern
evidente que 0 tipo de informa<;6es coletadas, SUaqualidade e
sua pertinencia, determinam diretamente a validade dos resul-
tados obtidos c das analises realizadas. Daf que a prime ira
questao que se coloca ao pesquisador das representa<;6es sociais
diz respeito aos instrumentos que ele vai escolher e utilizar para
apreender 0seu objeto" (Abric, 1994d: 59).
Vale a pena ilustrar 0 problema da constrw;ao do objeto
de pesquisa, em especial no que se refere a coleta dos dadoscom 0mais completo trabalho ja desenvolvido no c'ampo da~
representacoes sociais - qual seja, apesquisa de Denise Jodelet
(1986, 1989b) sobre a representacao social da doenca mental
em urn meio rural frances - e a prop6sito do metodo mais
tradicionalmente empregado nesse campo, a entrevista. Con-
duzida nos termos mais genericos e abrangentes da grande
teoria, a pesquisa inverteu, na distin~ao entre "processes" e
"cont~udos", 0 prrvilegio comumente concedido aos primei-
. r os,. v l~d? a enfatizar os conteudos como uma passagem
obngatona para a clucidacao dos processos representacionais."Isto sobretudo", diz Jodelet (1986), "se se quer estudar, em
urn meio social real, a producao e a atualizacao das repre-
sentacoes, seu funcionamento e suas fun~6es, sua eficicia e
sua transformacjo" (p. 171). Em sequencia, a autora adverte
1 0 1
rIpara as dificuldades metodo16gicas na apreensao dos conteu-
dos das representacoes:A escolha de uma "colonia familial", ou seja, "urn con-
junto de comunidades rurais onde os doentes mentais vivem
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 53/97
"Entretanto, essa pos icao se defronta com urn grande proble-
ma, tanto teorico quanta metodologico: 0 da definicao do
material por tador de conteudos , sua f idedignidade e mesmo
sua validade. Problema que se relaciona, atraves da construcao
do dado, com aconstrucao do objeto. Diz respeito em primeiro
lugar aos estudos de campo que apelam mais frequenternente
para os metodos de sondagem e de entrevista. Urn tal recurso,
efetuado em grande escala e fora de qualquer referencia a urn
quadro institucional, profissional, social especffico, e alvo de
cri ticas que dizem respeito tanto a coleta quanto a analise do
material. Crfticas fundamentadas, que sabem que esse material
e 0 unico apoio das inferencias sobre a constituicao e a inter-
vencao das representacoes. Lembremos algumas delas: fecha-
mento do discurso, desl igado de seu contexto de producao e
sem relacao com as prat icas; respostas de cornplacenc ia e de
des iderabil idade social ou ainda racionalizacoes em relacao a
posicoes efetivamente adotadas; carater intuicionista das inter-
pretacoes ; lei tura do sentido de tipo hermeneutico sem domf-
nio dos mecanismos de emergencia das signifi cacoes etc."
(Jodelet, 1986: 171-172).
A consciencia do problema foi 0primeiro passo para 0
equacionamento de sua solucao, que envolveu nao apenas
eleicoes e articulacoes metodo16gicas, mas tambern a defini-
~ao e a delimitacao do campo ou terre no onde deveria ser
conduzida a investigacao, J odelet assim esclarece esse segun-
do aspecto da definicao do seu objeto de pesquisa:
"De infcio, a busca de s is temas de representacao presentes na
sociedade, a proposito da doenca menta l, devia responder a
uma exigencia minima mas obrigatoria: evitar trabalhar sobre
o discurso social flutuante, sem assento nem correspondencia
com a pratica, e apresentando alem disso 0 risco de ser falacioso
(discurso doutr inal ou hurnanitario, em desacordo com posi-
t;;6esmanifestas). Era preciso portanto encontrar uma situacao
onde exist isse urn contato, uma proximidade com os doentes
mentais que tivesse criado uma cer ta exper iencia, comporta-
mentos suscetfveis de serem observados e aos quais osdiscursos
pudessem ser relacionados" (Jodelet, 1986: 173-174).
102
em liberdade e sao confiados para alojamento, entretenimen-
to, vigilancia e cuidados aos habitantes, na maioria campone-
se~"~p". 173), teria, segundo a autora, atendido aquelas
exigencias, permitindo observar:
«:a organizacao de urn s is tema social constitufdo em tomo da
localizat;;aoem liberdade de doentes mentais
_ asrelat;;6esentre a populacao de habitantes e'ade pensionistas,_ as relacoes existentes entre a inst itui t; ;ao psiquiatr ica, seu
pessoal, a populacao e os doentes,
_ as diferencas existentes no seio da populacao segundo abri-
gassem ou nao pensionistas,
_ a relacao entretida entre essa comunidade de acolhimento e as
populat;;6esem tomo do perfmetro de localizacao dos doentes
_ as diferent;;as estabelecidas na relat;;aocom os doentes mentais
segundo seest ivesse na cena publica ou na intimidade dos lares
de albergamento" (Jodelet, 1986: 174).
, ~inalmen~e, cabe dar eonta ciaabordagem metodo16giea
rmiltipla e articulada, possibilitada pelas earacterfstieas do
~ampo selecionado, que foi montada para atingir os objetivosmformados teoricamente e superar osproblemas dacoleta das
re~resenta~6es a partir de seus suportes discursivos. Jodeletassim a comenta:
"0 objet ivo de contextualizar as representat ;;6es em urn con-
junto social espedfico implicava uma abordagem monografica,
que focalizou varios nfveis de observat;;aoe de analise, utilizan-
do diversas t~cnicas: de tipo etnologico (observacao participan-
": re~ur~o a mformantes ...), de tipo sociologico (enquete sobre
a mstiturcao hospitalar, levantamento estatfstico da totalidade
dos lares que albergavam os doentes de modo a coletar indica-
dores objet ivos sobre a s ituacao dos albergantes , 0tipo de
localizat;;ao e seu funcionamento, 0 rnimero, a rotatividade, os
modos .de vida dos pensionistas ...), de tipo psicossociologico
(entrevistag em profundidade, observacio das interat;;6es com
os doentes ...), de tipo historico (analise de relatorios enderet;;a-
dos pelos diretores da colonia a assistencia publica, narrativas
103
das peripecias que acompanharam a extensao da colonia, entre-
vista com urn especialista das tradicoes populares locais)" 00-
terial e ~roprios a uma dada populacao'' (p. 16). Trata-se de
evidenciar a existencia de aspectos comuns na diversidade de
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 54/97
delet, 1986: 176).
o que se espera ter evidenciado nessa primeira ilustracao,
tanto quanto 0 que se pretende fazer na que se segue, e que,
como convern Abric (1994d), "aescolha de uma metodologia
(de coleta como de analise) e determinada naturalmente por
considera<;:6es empfricas (natureza do objeto estudado, tipo
de populacao, constrangimentos da situacao etc.), mas tam-bern e de modo mais fundamental pelo sistema teor ico que
subentende ejustifica a pesquisa" (p. 59).
Assim, apos uma noticia sobre a construcao do objeto de
pesquisa a partir da "grande teoria", com uma enfase quali ta-
tiva e sobre a coleta de dados, uma segunda boa ilustracao,
para diversif icar este pano de fundo contra 0 qual se exarni-
nara apesquisa do nucleo central, envolvcra uma outra "teoria
menor", que privilegia procedimentos quantitativos de trata-
mento dos dados.
A abordagem teorica de Doise (ver capitulo 1), na medida
em que contrasta com a teoria do nucleo central por nao
subscrever (desde 0 principio) 0 pressuposto da consensuali-
dade das representacoes, parece servir bern a esse proposito.
Ao inves, entretanto, de focalizar alguma pesquisa especffica,
pode-se examinar a organizacao conferida ao livro de Doise,
Clemence e Lorenzi-Cioldi (1992) sobre as metodologias
quantitativas de analise dos dados no campo das repre-
sentacoes sociais. De acordo com a perspectiva de Doise,
"objetivacao", "prindpios organizadores" e "ancoragem" se-
riam os conceitos-chave da teoria das representacoes sociais.
Conseqiientemente, "as tres partes do livro descrevem os
principais metodos quanti tat ivos util izados por diferentes
autores para estuda-los empiricamente" (p. 18).
A primeira parte, sob 0titulo de "0 saber comum",
focaliza a pesquisa das objetivacoes, "concebidas como espe-
cies de mapas mentais dotados de uma existencia quase ma-
104
dad.ose de integra-los em urn todo coerente, como comentam
DOlse e t a l. :
"Asanalises de dados, notadamente multidimensionais servi-
nam prin~ipah~ent.e para confeccionar esses mapas a p~rtir de
respostas Individuals nas quais eles nao aparecem tao distinta-
mente e sob uma forma tao apurada" (Doise e t a l ., 1992: 16).
. Asegunda part.e, ".Saberpartilhado e tomadas de posicao",VIsacontemplar 0 insistente repudio par Doise quanto a urn
suposto carater consensual das representacoes, a partir de sua
concepcao de "principios organizadores". Assim, estabele-
cendo uma complementaridade por contraste em relacao as
~reocupa<;:6esda primeira parte, argumentam os autores do
livro:
"0 estudo te6rico das var iacoes inter individuais no dominio
das representacoes sociais constitui ainda urn dominic pouco
explorado, Tudo se passa como se 0 objet ivo primeiro dos
pesquisadores das representacoes sociais fosse 0 de demonstrar
como fragme~tos esparsos e var iados de opinioes podem, nao
obstante, ser integrados em urn conjunto coerente. Nisso urn
traba lho uti I foi fei to, mas a apl icacao mesma das tecnicas de
a~al~s~no~ obriga a retornar ao problema das diferencas inte-
rindividuais, que consideramos essencialmente como variacoes
nas tomadas de posicao em relacao a envolvimentos comuns.
Most~ar que as representacoes sociais sao tambern prindpios
org~l1l:adores das diferencas entre tomadas de posicao indivi-
dU~ls .etalvez a contr ibuicao mais importante da uti lizacao
raciocinada das analises de tipo fatorial" (Doise et al., 1992: 18).
Finalmente, a terceira parte do livro privilegia 0 processo
da "ancoragem"e, sob 0rotulo de "Efeitos dos grupos nas
tomadas de posicao", oferece uma visao das difcrentes tecni-cas que podem contribuir mais precisamente para a analise
d~s laces entre represenracoes e pertencimentos sociais espe-
Clfi~os.Segundo os autores, "os estudos sobre representacoes
SOCIalSnao podem consistir somente no levantamento de
105
saberes comuns, mas devem tambern estudar suas m?dula-
~6es em funcao de sua imbricacao espedfica em urn Sistema
de regulacoes simb6licas" (p. 15).
2. 0 estudo das relacces entre os elementos, de sua importancia
relativa e de sua hierarquia.
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 55/97
Constata-se, portanto, que as orientacoes conceituais as-
sumidas e os aspectos te6ricos privilegiados, pelo menos no
caso de autores tao envolvidos com 0 estudo das repre-
sentacoes sociais como Jodelet e Doise, exe~cem uma influen-
cia determinante no planejamento dos meios adequados para
o acesso possivel ao fenomeno, 0que envolve nao apenas fa,zer
boas perguntas, mas rambem extrair das respostas 0 carater
organizado que a teor~a lhe atribui . .Is~o e 0 que se entende
por "construcao do objeto de pesqutsa .
Para passar agora especificamente ao exame da questao
metodo16gica a partir da teoria do nucleo centr~l, parece
interessante apreciar, de infcio, os termos em q~e Abnc (1:94~)
estabelece os o b je ti vo s g e ra is d a p e sq u is a em estrita consonancia
com tais proposi~6es te6ricas:
"Lembremos que na perspectiva teorica que apresentamos nessa
obra uma representacao social se define por ~ois componentes:
seu conteudo, por urn lado (informacoes e atl t~des para usar ostermos de Moscovici) , sua organizacao, ou seF, sua estrutura
intema (0 campo da representacao para Moscovi~i), por outro
lado. Nao e portanto unicamente 0 conteudo e~ Sl mesmo, n:_as
aorganizacao desse conteudo que deve ser pesqUlsada. E,paranos,
essaorganizacao repousa sobre uma hierarquia entre oselementos,
determinada pelo que nos chamamos '0 nricleo central'.
Dai que 0estudo das representacoes vai necessitar a utilizacao
de metodos que visem por urn lado levantar e fazer ernergir os
elementos constitut ivos da representacao, po~ o~tro lad~ co-
nhecer a organiza<;;ao desses elementos e delimitar 0nueleo
central da representa<;;ao. Enfim, se for possivel, ver if icar a
centralidade e a hierarquia posta em evidencia.No estado atual dos nossos conhecimentos , esse tripl ice obje-
t ivo vai implicar uma abordagem multimetod~logica das re-
prescntacoes, organizada em tres tempos suceSSIVOS:
1. 0 levantamento do conteudo da representacao.
106
3. A determinacao e 0 controle do nucleo centra l" (Abric,
1994d: 60).
Abric resenha em seguida os rnetodos disponfveis para a
coleta de dados em cada uma das fases da pesquisa. Quanto
ao levantamento do conteudo da representacao, 0autor dis-
tingue duas grandes famflias de rnetodos: os interrogativos,
dentre os quais lista a entrevista, 0 questionario, os desenhos
e demais suportes graiicos; os metodos associat ivos, que in-
eluem as evocacoes ou associa~6es livres, os mapas associati-
vos etc. Tais metodos nao sao obviamente especfficos da
pesquisa das representacoes segundo a teoria do micleo cen-
tral, e sua util izacao no levantamento inicial dos conteiidos
segue as mesmas orientacoes, e precaucoes tecnicas gerais .
Mas, embora eles possam ser suficientes para a pesquisa
segundo outras abordagens te6ricas, comumente nao 0sao
para assegurar 0acesso a organizacao interna das repre-
sentacoes nos termos estabelecidos pela teoria do micleo
central, como faz notar Abric na seguinte passagem:
"Se os metodos 'classicos' de coleta das representacoes (entre-
vistas, questionarios) podem permitir 0 acesso a estrutura in-
terna das representacoes, e em geral a par tir de analises muito
aprofundadas das producoes discursivas (cfJodelet, 1989), ou
gra<;;as a uma transformacao - freqiientemente diffc il - do
material qualitativo em unidades de significacao quantificaveis
(cfYapo Yapi, 1992), ou enfim gracas a utilizacao de questiona-
rios especificamente construidos para permitir analises estru-
tura is, em part icular a anali se de simi li tude (cf Abric , 1984;
GuimelI i, 1989) . Os questionarios tradicionais nao permiti-
r iam na melhor das hipoteses senao 0levantamento dos eixos
ou dos fatores gerais que organizarn a representacao" (Abric,
1994d: 71).
A construcao do objeto de pesquisa informada pela teoria
do micleo central assume sua especificidade metodol6gica
plena quando se passa as duas etapas seguintes do esquema
107
sequencia! proposto por Abric: 0balizamento da organiza~ao
interna da representacao, que e traduzido via de regra pelo
levantamento dos elementos que provavelmente compoem 0
Moliner (op. cit.) considera, para a fundamentacao de sua
analise, que "0 proprio de uma boa tcoria e permitir a descri-
~ao de fen6menos que, sem ela, pareceriam incoerentes,
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 56/97
rnicleo, c a verificacao ou identifica~ao definitiva desses ele-
mentos. N esse sentido, Abric (op. cit.) esclarece que "a colo-
cacao em evidencia do micleo central da representacao parece
muito mais facilmente realizivel por um conjunto de tecnicas
cuja utilizacao e recente e que repousam todas sobre um
mesmo principio" (p. 71). 0utor assim explicita ejustifica
tal princfpio:
"Pedir ao sujeito para efetuar ele mesmo sobre sua propria
producao urn trabalho cognitivo de analise, de compara<;ao, de
hierarquizacao.
Esse princfpio metodologico permite reduzir em grande me-
dida a parte de interpretacao ou de elabora<;ao da significa<;ao
pelo proprio pesquisador e torna portanto a analise dos resul-
tados mais f:icile mais pertinente" (Abric, 1994d: 71).
Neste ponto, para um encaminhamento final do proble-
ma da consti tui~ao do nucleo central como objeto de pesqui-
sa, cabe introduzir a perspectiva de Pascal Moliner (1994a)
quanta a relacao entre as diferentes propriedades teoricas
atribufdas ao nucleo central e os metodos especificos de
colocacao em evidencia dessas propriedades. Ainda, conside-
rando que as descricoes metodologicas proporcionadas por
Abric, que se vinha acompanhando, podem ser proveitosa-
mente assimiladas ao novo esquema critico proposto por
Moliner, utilizar-se-ao as proposi~6es deste ultimo como
referencial para a organiza~ao do restante do presente capitu-
lo. Ressalve-se apenas que nao se quer com isso sugerir a
existencia de um consenso por parte do C r up o d oM i di quanta
a perspectiva de Moliner ou que as estrategias metodologicas
desenvolvidas pelos diferentes autores, algumas delas bastan-te complexas, possam ser sempre e muito facilmente acomo-
dadas em seu esquema classificatorio. A rigor, nao se poderia
esperar outra coisa de um campo de estudos em fase de
intensa elaboracao teorica e produtividade empfrica.
108
incompreensfveis e imprevisfveis", e que "com esse fim, a
teoria elabora livremente conceitos que sup6e darem conta
de certos aspectos dos fen6menos que ela tenta eselarecer" (p.
199). Dentro dessa perspectiva quanta ao papel das teorias na
producao do conhecimento, 0autor tece as seguintes cans i-
deracoes sobre a concepcao do micleo central:
"0 interesse de uma ta l concepcao reside princ ipa lmente nofato de que ela propoe uma abordagem simultaneamente des-
cri tiva e explicat iva da est rutura in terna das representacces.
Mas, ao mesmo tempo, e la impoe que se possa iden tifi ca r 0
nucleo das representacoes que se estuda. Isto a fim de com-
preender sua organizacao e sua significacao para os indivfduos,
Mas tambern a fim de compara r di feren tes representacoes.
Com efeito, desde que as cognicoes centrais determinam a
significacao e a organizacao de todas as outras cognicoes, duas
representacoes serao diferentes se, e s o m en te s e, elas nao tiverem
o mesmo nucleo central .
Para justificar sua pertinencia nos estudos de campo e para
confirmar sua propria validade, a teor ia do nucleo [central] foi
por tanto, desde a sua origem, s ituada na necess idade de dispor
de metodos que permiti ssem a identi ficacao dos elementos
centrais" (Moliner, 1994a: 200).
Corroborando os depoimentos de Abric, emitidos em
1984 e em 1994, Moliner (op. cit.) da conta das dificuldades
~etod~logic~s iniciais para 0cumprimento da exigencia teo-
rIca de identificacao precisa do micleo central , bem como da
perspectiva a~tocritica do C rup o d o M i di que terminou por
enseJar 0 surgimento de novos metodos e tecnicas capazes de
~rover as .demonstra~6es .exigidas. 0autor considera que
aquelas dificuldades provmham essencialmente (...) de umaanalise insuficiente da nocao de centralidade" (p. 201).
Como a teoria sugeria que "para assegurar sua acao estru-
turante, as cognicoes [deveriam] estar em relacao com urn
109
grande mimero de cognicoes ~elat ivas a~ ~bje~o de r:pre-
sentacao, (...) asprimeiras tentatrvas de delimitacao do n~cleo
sefundamentaram", segundo Moliner, "sobre acolocac;ao em
de consti tuicao do micleo figurativo, para dar conta da natu-
reza simb6lica do nucleo central, que abrigaria em sua per-
rnanencia estrutural tais marcas geneticas:
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 57/97
evidencia de diferencas quantitativas"(ibid.), ou seja, sobre a
dernonstracao de que os supostos elementos centrais se co-
nectavam com urn numero maior de outras cogni<;:6es.do que
o faziam os demais elementos, por isso mesmo deslgnad~s
como perifericos. De fato, durante bastante tempo aspes~U1-
sas sobre 0micleo central se concentraram, quase exclusiva-
mente sobre a exploracao das possibilidades oferecidas pelastecnic~s de "analise de similitude", para a deteccao dos graus
diferenciais de conexi dade dos diversos elementos repre-
sentacionais. Embora a analise de similitude continue a de-
sempenhar urn importante papel na pesquisa .do micleo
central, sua enfase quantitat iva e melhor apr?pnada,. co~o
sera visto, em conjuncao com uma perspectrva qualitat iva,
essencial esta para a definicao da central idade estrutural das
diferentes cognicoes,
Nesse sentido, Moliner prop6e corrigir-se a or~enta~ao
inicial assumida de forma urn tanto prematura sob a mfluen-
cia da~ solucoes metodol6gicas entao vislumbradas, e~ r=>veito de uma recupera<;:ao da c oncep cao teonca
eminentemente simb6lica do nucleo central:
"0erro foi, para nos, considerar como causa da centralidade ~e
uma cognicao sua forte conexidade, quando n~o~se,trata senao
de uma consequencia. Nao e porque uma cognlc;ao e fortemen-
te ligada a todas asoutras que ela e central; e p or qu e, e 1a e central
q ue e la e ligada a s outras. E ela e central porque entretern , l l I _ D la~o
privilegiado com 0 objeto da representacao ..~sse lacoe s.u~bo-
lico e resulta das condicoes hist6ricas e SOCIalSque presidiram
o nascimento da representacao" (Moliner, 1994a: 202).
Considerou-se ja aqui, com Abric (ver cap~t~lo 2), que_0
nucleo central constitui urn desdobramento teonco da no~a?
de micleo figurativo originalmente ~r~posta _porMOASCO_VICl,
embora 0papel explicativo desta selimitasse a emergencia da
representa<;:ao. Moliner, por seu turno, relembra 0 processo
110
"Moscovici explica que 0 nucleo f igurat ivo da psicanalise se
elabora por urn processo de triagem e selecao segundo 0 qual
a teoria psicanalftica e confrontada com sis temas de valores ,
com normas sociais que justificam a exclusao da nocao de
libido. Assim, 0 micleo f igurat ivo aparece bern como urn es-
quema estil izado cujos componentes foram selecionados em
funcao de determinantes sociais e his t6ricos. Por outro lado,
esses componentes entretern com 0 objeto uma relacao identica
a que une 0 significante e 0 significado, a palavra e a coisa. Essa
relacao e de ordem simb6lica. A prop6si to da nocao de 'com-
plexo', presente no micleo da representacao da psicana lise,
Moscovici escreve: 'Socialmente, 0 complexo e 0 sfmbolo da
psicanalise' (1976, p. 243)" (Moliner, 1994a: 203).
Para Moliner ( o p. c i t. ), igualmente, a natureza basica do
micleo central seria conferida pelo laco simbolico, primordial,
genetico, que une a representacao ao objeto. ' 'As propriedades
quantitativas das cognicoes centrais", acrescenta 0autor, "nao
sao senao a conseqtiencia de uma propriedade inicial , que se
relaciona a natureza mesma da centralidade, e que e funda-mentalmente qua li ta tiva" (p. 203). E ainda, aproximando mais
nitidamente a analise te6rica ao problema da exploracao do
micleo central na construcao do objeto de pesquisa:
"Mas, se a centralidade de uma cognicao implica propriedades
quantitativas, estas iiltimas nao constituem uma prova de cen-
tralidade. Nada, com efeito, permite afirmar que asproprieda-
des quantitat ivas de uma cognicao (conexidade ou saliencia)
impliquem que essa cognicao entretenha uma relacao s imb6-
lica com 0objeto da representacao" (Moliner, 1994a: 203-204).
Cabe, nesse ponto, assinalar que essa afirmacao conta
com 0 apoio de uma evidencia empfrica crucial, proporciona-da pelo pr6prio autor (Moliner, 1989) e ja noticiada neste
trabalho. Trata-se, relembrando, da dernonstracao de que, na
representacao do "grupo ideal", dois elementos distintos _
"ausencia de hierarquia" e "convergencia de opinioes" -
111
podem apresentar uma mesma elevada frequencia de evoca-
<;:aoe, no entanto, quando se questiona junto aos sujei tos 0
carater essencial de urn e outro para a definicao do objeto da
plesmente consideraram inaceitavel chamar de trabalho uma
atividade que nao permitisse ganhar a vida. A~ cognicoes
centrais em tais exemplos, diz Moliner ( op . c it .) , "entretern
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 58/97
rcprcscntacao, 0 primeiro clcmento se mantcrn como uma
cognicao absoluta do micleo central e0segundo, revelando-
se constituir uma cognicao condicional, dele tern que ser
descartado. "Seu questionamento em uma situacao concreta",
diz Moliner (1994a), "provoca efeitos diferenciados e sorncn-
te a teoria do micleo nos permite predizer essa diferenca" (p.
205). Essa capacidade dist intiva da teoria do nucleo centralexplicita-se, assim, a partir daquela dernonstracao experimen-
tal, como dedara Moliner, sem falsa rnodestia:
"Essa experiencia marca urn avanco decisivo para a teoria. Sem
duv ida , porque cia reve la que e possivel distinguir 0 duplo
aspecto quantitativo e qualitativo da nocao de centralidade. Ela
sugere, alern disso, uma relacao de implicacao nao-s imetrica
entre esses dois aspectos. Se a centralidade qualitativa implica
propriedades quantitativas, 0 inverso nao e sempre verdadeiro"(Moliner, 1994a: 2(5).
Procurando sistematizar a questao de uma maneira dire-
tamente aplicavel a orientacao da pesquisa, Moliner ( op . c it .)atribui q u at ro p ro pr ie d ad e s d i st in ta s as cognicoes centrais: "seu
valor simb6lico, seu poder associativo, sua saliencia e sua forte
conexi dade na estrutura" (p. 206).0utor esdarece ainda que
"as duas primeiras sao propriedades qualitativas e nos sao
ditadas pela teoria das representacoes; as duas outras sao
propriedades quantitativas e aparecem como consequencias
das primeiras" (ibid.).
Argumentos a favor do va lor s imb6l ico , como uma proprie-
dade do micleo central diretamente determinada pela teoria,
ja foram aqui desenvolvidos a prop6sito do "complexo" na
representacao da psicanalise. Uma outra interessante ilustra-<;:ao proporcionada por Salmaso e Pombeni (1986) quanto a
cognicao central "ganhar a vida" no ambito da representacao
social do "trabalho". De fato, quando questionados sobre a
importancia desse elemento, os sujeitos dessa pesquisa sim-
112
com 0 objeto de representacao uma liga<;:aondefectfvel, por-
que elas sao seus simbolos, ( .. .) ; elas nao podem ser dissocia-
das do objeto de representacao sob a pena de ver esse objeto
perder toda a sua significacao" (p. 207).
A propriedade qualitativa do poder a s so c ia t ivo ou associativi-
dade tambern emerge diretamente da pr6pria teoria das re-
presentacoes sociais, como argumenta Moliner a part ir das
proposicoes originais de Moscovici:
"Moscovici (1961) observa que certas nocoes se caracterizam
par sua polissemia e sua capacidade de associacao a outro?
termos. E 0 caso, por exemplo, da nocao de 'complexo ' ( .. .) . E
( .. .) uma nocao suscetfvel de modificar 0sentido das palavras
as quais se associa. E ass im por exemplo que as associacoes
'complexo de t imidez ' ou 'complexo de inferioridade' dao as
nocoes ordinar ias de timidez e de infer ioridade urn novo status
cientifico (...). Dado que ela e vazia de urn sentido proprio, nada
interdita aos individuos associa-la a nocoes diversas. Dado que
cla condensa em si soz inha 0 conjunto das s ignificacoes da
representacao, e sempre possivel associa-la a cxper icncias e
situacoes variadas" (Moliner, 1994a: 207-208).
As duas outras propriedades das cognicoes centrais sao
simplesmente manifestacoes ou decorrencias quantitativas
das propriedades anteriores, as quais Moliner chama de qua-
litativas por sua estrita dependencia em relacao asproposicoes
te6ricas. N esse sentido, 0autor assim comenta a propriedade
da saliencia dos elementos do nucleo central :
.<J
" ... em todo estudo de representacao, consta ta-se que cer tas
cognicoes, designadas par seu rotulo verba l, aparecem mais
frequentemente do que out ras no discurso dos sujei tos. Esse
fenomeno de saliencia, que aparece geralmente associado ao
status central de certas cognicoes, nao deve surpreender. E uma
consequencia esperada da teoria. Mais precisamente, a saliencia
e uma consequencia do valor simbolico das cognicoes centrais"
(Moliner, 1994a: 208-209).
113
Da mesma forma que 0valor simb6lico de uma cognicao
central leva a que as palavras que a designam sejam frequen-
temente evocadas, tambem 0 seu forte poder associat ivo se
da teoria do nucleo central, possibilitam nao mais do que a
forrnulacao de hip6teses acerca da centralidade das cognicoes
que integram uma representacao, Trata-se, nao obstante, de
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 59/97
manifesta quantitativamente, no caso por uma elevada conexi -
dade . Como esclarece Moliner ( o p. c it .) : "se uma cognicao
central se caracteriza por uma forte capacidade associativa, elegitimo pensar que essa cognicao podera entrar em relacao
com urn grande numero de outros elementos da repre-
sentacao" (p. 209).
Com base nessa distincao entre p r op r ie d a d es q u a li ta t iv a s
(valor simb6lico e poder associativo) epropr iedades quan t it a t iv a s
(saliencia e conexidade ), Moliner prop6e uma classificacao
dos metodos de pesquisa do nucleo central em dois principais
grupos:
1 ) m eto do s d e le va nta me nto dos possfveis elementos do
micleo central, que envolvem a colocacao em evidencia da
saliencia e da conexidade e cujos resultados s6 permitem a
forrnulacao inicial de hip6teses quanta a constituicao do
micleo;
2 ) m e to do s d e i d en t if ua § a o, a partir das cognicoes inicial-mente levantadas, daqueles elementos que efetivamente
compoern 0micleo central, merce de seu valor simbolico e/ou
de seu poder associativo.
As duas secoes seguintes do presente capitulo serao dedi-
cadas ao exame, respectivamente, dos metodos de levanta-
mento inicial e dos metodos de identificacao das cognicoes
centrais de uma representacao social.
3.2.Os principais metodos de levantamento do micleo
central
Como alertado por Moliner, os metodos de levantamen-
to, na medida em que operam sobre propriedades quantitati-
vas apenas indiretamente decorrentes das proposicoes basicas
114
uma etapa irnprescindfvel para 0acesso definitivo a configu-racao do micleo central.
N esse sentido, serao descritos a seguir em algum detalhe
os principais rnetodos - ou, mais propriamente, tecnicas -
desenvolvidos pelo Crupo do M id i para a colocacao em evi-
dencia das propriedades de saliencia e de conexidade dos
diferentes elementos de uma representacao, de modo aprover
urn levantamento inicial daqueles mais suscetiveis de fazer
parte do micleo central.
Para esse fim, serao combinadas asclassificacoes metodo-
16gicas proporcionadas, respectivamente, por Abric (1994d)
e por Moliner (1994a).
3 .2 .1 . Q u an to a sal ienda d os e le m en to s d e u m a representaido
Tres principais metodos sao aqui selecionados, por sua
relevancia ja demonstrada na conducao de pesquisas dentro
do quadro de referencia da teoria do micleo central: a evoca-
c;:aoou associacao livre; a hierarquizacao de itens; a inducao
por cenario ambfguo.
A assodadio ou euocaoio livre, considerada por Abric (1994d)
como "uma tecnica maior para coletar os elementos constituti-
vos do conteudo de uma representacao" (p. 66), consiste em
se pedir aos sujeitos que, a partir de urn termo indutor
(normalmente, 0 proprio r6tulo verbal que designa 0 objeto
da representacao) apresentadopelo pesquisador, digam as
palavras ou expressoes que lhes tenham vindo imediatamente
a lembranca, Abric assim comenta asvantagens do rnetodo:"0 carater espontaneo - portanto menos controlado - e a
dimensao projetiva dessa producao deveriam portanto permitir
o acesso, muito mais facilmente e rapidamente do que em uma
entrevista, aos elementos que constituem 0universo sernantico
115
do te rmo ou do objeto estudado. A assoc iacao l ivre permite a
atua lizacao de elementos impl ici tos ou latentes que seriam
perdidos ou mascarados nas producoes discurs ivas" (Abric,
1994d: 66).
vras, correspondiam a 54% do total de evocacoes. Calcula-se
cntao a ordem media de evocacao de cada palavra como a
media das ordens em que eia fora evocada pelos diversos
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 60/97
Dentre os trabalhos de pesquisa utilizando esse metodo,
parece interessante aprescntar, como bastante ilustrati~a do
esforco de levantamento sistematico dos elementos do nucleo
central, aproposta de Pierre Verges quanta a uma tecnica que,
alem de combinar a frequencia de ernissao das palavras e/ou
expressoes com a ordem em que estas sao evocadas, busca,
segundo Abric (op. cit.), "criar urn conjunto de categorias, ~r~-
nizadas em tomo desses termos, para assim confirmar as indi-
cacoes sobre seu papel organizador das representacoes" (p. 67).
Como advertido anteriormente, 0programa de pesquisas
conduzido por Verges e urn dos que nao se encaixam facil-
mente na distincao deMoliner entre metodos de levantamen-
to e de identificacao, pretendendo, a rigor, dar conta do inteiro
processo de delimitacao dos elementos do micleo central.
Verges (1992), na sequencia de seus estudos continuados
sobre a representacao social da economia e de temas correlatos
(Verges, 1987, 1989, 1992, 1994a, 1994b; Verges, Tyszka e
Verges, 1994; Grize, Verges e Silem, 1987), explicita uma
estrategia metodol6gica de acesso ao nucleo central ~essa
representacao, com base na evocacao de palavras a partir do
termo indutor "dinheiro", que ele considera como a "nocao
a mais evidenternente economica e social ao mesmo tempo"
(p. 203). A pesquisa em questao envolveu 367 suj~itos adulto~,
de ambos os sexos, habitantes daregiao de Marseille, aos quais
foi feita por telcfone aseguinte pergunta: "Quais sao paravoce
as palavras ou expressoes que 0 dinheiro the faz pensar?" A s
respostas eram registradas na ordem em que foram evocadas
por cada urn dos sujeitos.
Das 236 palavras diferentes em urn total de 877 evocacoes,Verges propoe tomar-se em consideracao inicialmente apenas
aquelas 24 que apareceram mais de 10vezes, asquals, embora
consti tuindo tao-somente 10% do inteiro conjunto de pala-
116
lugar, peso "2" quando se tratava da segunda evocacao do
sujeito, e assim por diante.
A combinacao desses doiscriterios, frequencia de evocacao
e ordem media de evocacao de cada paIavra, possibilita assim 0
Ievantamento daquelas que mais provavelmente pertencem ao
nucleo central da representacao, por seu carater prototipico, ou,nos termos de Moliner (1994a), por sua saliencia, No quadro
abaixo (Verges, 1992: 205), a partir da intersecao da frequencia
media de evocacao do inteiro conjunto depalavras com a media
das suas respectivas ordens medias de evocacao, sao definidos
quatro quadrantes que conferem diferentes graus de centralida-
de aspaIavras que os comp6em.
ORDEMMEDIA
I nf er io r a 1 ,8
FREQUENCIAS
Superior01 1 igual
a 18
51 Trabalho48 Bem-estar
24 Felicidade
21 Conforto
22 Riqueza
23 Vida
18 Viver
15 Salario
15 Facilidades
14 Moeda
12 Grana
11 Cheque
Inferior
a 1 8
Superior a 1,8
24 Poder
33 Lazer
20 Compra
16 Saude
16 Luxo
15 Viagem
14 Necessidade.~
14 Precisao
14 Seguran<;a
13 Prazer
11 Economias
11 Imposto
117
Observe-se que0quadrante superior esquerdo e facilmenteinterpretivel: eIe engloba as cognicoes mais suscetiveis de cons-
tituir 0micleo central da represenracao, na medida em que sao
b) 0 d in he ir o m od o d e vid a, reunindo, por urn lado, bem-
estar, feIicidade, conforto e, por outro, vida e viver, a que se
acrescenta ainda a necessidade (dificuldade, facilidade, segu-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 61/97
Embora seja aqui apresentado como urn metodo para a
deteccao da saliencia de provaveis elementos do nucleo cen-
tral, comumente evidenciada em termos da frequencia de seu
aparecimento nos discursos ou evocacoes espontaneas, Verges
(1994a) argumenta que a primeira parte de sua estrategia
acrescenta ao dado de natureza essencialmente coletiva damedida de frequencia urn outro dado, de origem individua-
l izada, proporcionado pela ordem em que cada sujei to evoca
aqueIas palavras mais frequentes, Isto constituiria, no seu
entender, urn avanco em direcao a uma efetiva identificacao
das cognicoes centrais, ou seja, 0procedimento iria alern do
simples levantamento daquelas que, por mais salientes, tern
maior possibilidade de pertencer ao micleo.
Mais do que isso, Verges (1992) pretende, na segunda
parte de seu metodo, dar conta da configuracao completa da
represenracao atraves do agrupamento de praticamente todas
aspalavras ou express6es evocadas em urn sistema consistentede categorias, constitufdo precisamente a partir dos resultados
precedentes. 0 autor justifica esse processo de categorizacao
da seguinte maneira:
"Habitual mente 0 pesquisador introduz, aqui, um misto entre
seu pr6prio sistema de categorizacao e aquele que parece emer-
gi r dos dados. Da nossa parte, tentamos ser mais rigorosos
tomando como principio de reagrupamento 0 da l igacao as
palavras mais frequentes (...). Respeita-se assim 0princlpio do
campo semantico organizado em tome de uma nocao proton-
pica" (Verges, 1992: 205-206).
A s duas primeiras categorias corresponderiam a cognicoescentrais.ja que formadas a partir de peIo menos urn elemento
do quadrante superior esquerdo:
a) 0 d i nh e ir o g a nho , definido pelo par trabalho-salario;
118
ranca).
As demais categorias, que se pode pensar como consti-
tuindo esquemas perifericos, sao as seguintes:
c)0in he ir o e s ua s c oi sa s, ou seja, os bens e services (casa,
viagem, lazer, roupas, alimentos), 0ter, as posses;
d) A[amiiia e s eu o rc am e nt o (despesas, poupan~a, comprasetc.);
e) 05 a to re s d a e co no m ia (banco, Bolsa, Estado, empresa,
cornercio);
f) 0 d inh e ir o sub s tdnda , sua materialidade (grana, cheque
etc.);
g) 0d in he ir o e 05j ul ga me nt os d e v al or ;
h)0 d in he ir o s ob 0 g olp e d a m or al ;
i) 0 d in he ir o c om o expressdo l im it ad a d o p ol it ic o (poder, po-
tencia).
Verges desenvolve, obviamente, toda uma rede de argu-
mcntos justificando a delimitacao de cada categoria e a arti-
culacao entre elas no funcionamento global da representacao.
o que interessa ressaltar, entretanto, no momento, e 0modo
de acesso ao fen6meno representacional atraves de urn pro-
cedimento espedfico de construcao do objeto de pesquisa,
que 0 autor assim sintetiza:
"Outros principios de reorganizacao dos termos e categorias
podem ser utilizados. Pois esse rnetodo de analise constitui, de
maneira raciocinada, uma base de dados que permite diversos
procedimentos de leitura e de interpretacao. Mas essas leiturasnao sao em nenhum caso gratuitas, porque os dados foram
construldos por um procedimento que seap6ia sobre a relacao
entre prototipicalidade e palavras organizadoras de uma repre-
sentacao, A originalidade e aqui a de cruzar dois c rite rios de
119
prototipicalidade: 0 dafrequencia e 0 da ordem de aparecimen-
to da evocacao. Esse cruzamento permite saber se a repre-
sentacao do conjunto do domfnio tern uma cer ta coerencia sob
aforma de linhas de forca que aatravessam c de hierarquia entre
presente trabalho, na medida em que evidencia os esforcos
continuos do G rupo d e P rov ence no sentido da crftica e do
refinamento metodol6gico.
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 62/97
os elementos. Elc proporciona enfim 0 principio de constitui-
<;;aodas difercntes categorias" (Verges, 1992: 209).
Cumpre ainda observar que esse metodo de evocacao e
explorado tambern dentro de urn conjunto meto~016gico
mais amplo, diversificado e articulado, desenvolvido pelo
autor desde pelo menos 0 seu trabalho em associacao a Grizee Silem, ja citado, e que atualmente serve a uma pesquisa
comparativa de ambito internacional - envolvendo Franca,
Italia (Napoles e Bari), Polonia, Espanha (Pais Basco), Portu-
gale Brasil (Rio deJaneiro) - aprop6sito da representacao da
economia por estudantes universitarios (Verges, 1994b; Ver-
ges et al., 1994). Finalmente, e oportuno ad~antar q~e a ~es-
quisa sobre a representacao social do conheCimento cientffico
no Rio de Janeiro, a ser relatada no capitulo 4, utiliza uma
versao simplificada do metodo de Verges para 0 levantamento
inicial dos elementos do micleo central.
ometodo de It ie ra rq ui za fa o d e i te ns , tambem orientado
para a producao de medidas de saliencia diferenciada d~s
diversas cognicoes de uma representacao, envolve 0 proce.dl-
mento geral de "pedir aos sujeitos .paraescolher, e~ uma.hsta
preestabelecida a partir de entrevistas explorat~nas, os itens
mais importantes ou mais caracteristicos do objeto de repre-
sentacao" (Moliner, 1994a: 211-212).
As duas principais variantes desse metodo sao: as triagens
h ie r a rq u iz a da s s u ce s si oa s , desenvolvidas por Abric (1984b) em
sua pesquisa da representacao social do artesa~ e.do a~tesana-
to; ase s eol h as s u ce s sio as po r b l oc o s, propostas por Guimelli (1989)
em seu trabalho sobre a representacao da caca e da natureza.
o depoimento de Abric que se transcreve a seguir, a
prop6sito da forrnulacao da primeira dessas variantes como
alternativa para urn dos procedimentos do metodo de evoca-
<;aode palavras, afigura-se de significativa relevancia para 0
120
"Lernbra -se que a ana lise da producao de associacoes livres
consistia em cruzar duas informacoes: a frequencia de apareci-
mento de urn te rmo e sua ordem na producao. Nos haviamos
emitido entao uma reserva a respeito da utilizacao desse ultimo
indice, que supoe que ositens mais importantes sao citados em
primeiro lugar quando 0 sujeito associa, hipotese amplamcnte
contestivel. Foi para suprimir essa dificuldade que nos propu-semos calcular a ordem (eportanto a importancia de urn item)
a partir de uma atividade de hierarquizacao dos elementos
realizada pelo proprio sujeito, e que conseqiientemente elabo-
ramos urn metodo chamado de 'triagens hierarquizadas suces-
sivas' (..J' (Abric, 1994d: 73-74).
o metodo das t r ia g ens h i e ra rqui zada s s u ce s siuas consiste em:
(1) consti tuir, a partir dos itens produzidos em uma tarefa de
evocacao livre, urn conjunto de elementos suficientemente
grande (32 itens, em geral) para abarcar tanto osmais frequen-
tes quanta outros pouco frequcntes; (2) apresentar esses itens
aos sujeitos, sob a forma de fichas, pedindo-Ihes para separarem dois grupos os 16 itens julgados mais caracterfsticos do
objeto estudado e os 16 menos caracteristicos; (3) sobre os 16
elementos retidos como mais caracteristicos, pede-se aos su-
jeitos para repetir a operacao, separando osoito mais e os oito
menos caracterfst icos ou representativos do objeto, e assim
sucessivamente. Obtem-se dessa forma, segundo Abric (op.
cit.) , "uma classificacao por ordem de importancia ( ... ) do
conjunto dos itens propostos, a partir da qual sepode calcular
a ordem media de cada item em uma dada populacao" (p.74).
Antes de passar a outra variante metodol6gica, cabe res-
salvar que na metodologia ampliada de Verges, ha pouconoticiada, que indui a associacao de palavras, e incorporadoo procedimento de sepedir aos sujeitos para, ap6s a evocacao,
sublinhar as duas palavras que lhes parecem mais importan-
tes, deixando-se assim de confiar exdusivamente na ordem
121
imediata em que aspalavras lhes vern a mente como indicador
adicional de saliencia. Isto vern em prove ito de uma reflexao
a po st e rio ri quanta a relevancia de cada elemento na repre-
definitiva da composicao do nucleo ou de testagem daquelas
hip6teses. Segundo 0 autor, ele foi elaborado precisamente
para tomar desnecessarias aquelas duas etapas sucessivas com
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 63/97
sentacao, 0 que aproxima 0 procedimento da atividade de
hierarquizacao raciocinada defendida por Abric.
o rnetodo da e sc ol ha s uc e ss iu a p or b lo co s permite evidenciar
nao apenas relacoes de similitude no interior da representacao
(elementos que "vao juntos" na caracterizacao do objeto),
como na variante anterior, mas tarnbern relacoes de antago-nismo ou de exclusao, atraves do calculo de urn "fndice de
distancia", 0 procedimento consiste em pedir aos sujeitos
para efetuar uma serie de escolhas por blocos, a partir de 20
itens inicialmente propostos: (1) inicialmente os quatro itens
que Ihes parecem mais importantes, aos quais e atribufdo 0
escore "+2"; (2) dentre os dezesseis restantes, os quatro que
lhes parecem menos importantes, aos quais e atribufdo 0
escore "-2"; (3) dentre os doze restantes, os quatro mais
importantes (escore "+ 1") e os quatro menos importantes
(escore "-1"); (4) os quatro itens que acabam por sobrar sao
entao afetados do escore "0". Os diversos itens ficam portanto
dispostos em uma escala que varia de "+2"a "-2".
'~ vantagem do metodo", segundo Abric (1994d), " e a deque ele possibilita uma abordagem quantitativa que permite
comparar a irnportancia relativa de certos elementos da re-
presentacao em grupos diferentes ( .. .)" (p. 75). Cabe apenas
observar que tal prop6sito de comparacao - no caso, com urn
modelo a priori - e tambern 0 que preside os "questionarios
de caracterizacao", introduzidos por Flament (cf Verges, 1994a),
cujos prindpios foram depois retomados por Guimelli em sua
pesquisa da representacao da caca,
o metodo da i nd u cd o p or c en d ri o amb fg u o, desenvolvido porMoliner (1993), cuja descricao completa sera reservada para
a pr6xima secao, engloba procedimentos tanto de l evantamen-
to , ou seja, de formulacao de hip6teses acerca da participacao
de certos elementos no micleo central, quanto de identif tcafiio
122
a uti lizacao de metodos diferentes em cada uma. Nesse sen-
tido, declara Moliner:
"Esta e a razao pela qual n6s nos esforcamos por desenvolver
urn metodo que seja de simples utilizacao, que permita formu-
la r hip6teses de central idade e que permita uma validacao
experimental dessas hip6teses pela colocacao em evidencia de
diferencas qualitativas entre os elementos centrais e os demais
elementos da representacao'{Moliner, 1993: 10).
3 .2 .2 . Q ua nt a a c on ex id a de d o s e l em en to s d e u m a r ep re se nt ad io
A grande quantidade de laces ou conex6es que urn dado
elemento mantenha com outros elementos da representacao
tern sido freqiientemente tornado como urn segundo indica-
dor, alern da saliencia, de sua provavel participacao no micleo
central. 01evantamento das ligac;:6esentre os diversos ele-
mentos envolve metodos de coleta de dados que variam
bastante, acompanhando a inventividade pr6pria do pesqui-sador. Isto inc1ui tambem 0aproveitamento das informacoes
obtidas atraves de tecnicas e1aboradas para a deteccao da
saliencia dos elementos, como, por exemplo, as escolhas
sucessivas por blocos, na medida em que se considera que
quaisquer itens agrupados em urn mesmo conjunto (ou blo-
co), ou a que se tenha de algum modo atribufdo urn mesmo
escore, sao mais fortemente conexos entre si do que em
relacao aos itens situados em outros conjuntos. Umas poucas
vers6es dessas estrategias metodol6gicas serao apresentadas a
seguir, como ilustracao.
Por outro lado, 0 tratamento ou analise desses dados contacom uma tecnica principal, a chamada "analise de similitude",
a qual, como ja aqui noticiado, constituiu urn dos recurs os
metodol6gicos que mais consistentemente contribufram para
uma producao empfrica sistematica nas primeiras fases de
123
desenvolvimento da teoria do nucleo central . Os princfpios
que a justificam, bern como uma breve descri~ao de su~s
operacoes e dos resultados que pode proporClonar, serao
Indo alcm da consideracao dos elementos aos pares, a
tecnica de c on st it ui id o d e c on ju nt os d e p al av ra s envolve 0reagru-
pamento dos itens - produzidos pelo sujei to ou a ele propos-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 64/97
apresentados separadamente dos metodos de col.eta de da~os,
ressalvando-se que estes trazem com frequencia ernbutidas
formas mais simples e imediatas de interpretacao dos dados.
Dentre os metodos de deteccao da conexidade, 0mais
6bvio consiste na c on st it ui cd o d e p ar es d e p al av ra s, que Abric
assim descreve:
"Trata-se de pedir ao sujeito, a partir de urn corpus que ele
mesmo produziu (por associacoes livres, por exemplo), para
constituir urn conjunto de pares de palavras que the parecem
'ir juntas' . A analise de cada par permite assim precisar 0entido
d os t er m os uti lizado pelos sujeitos ( .. .) , reduzir sua eventual
polissemia.
Mas tarnbem - na medida em que uma palavra po de ser
escolhida diversas vezes - [0 metodo] favorece 0 levantamento
de termos polar izadores ou palavras charneiras associadas a
numerosos elementos da representacao, e que podem ser seus
organizadores" (Abric, 1994d: 71-72).
Adiantando-se a consideracao da propriedade qualitativa
do poder associativo dos elementos, de que decorre sua co-
nexidade, observa-se que, a partir desse levantamcnto quan-
titativo inicial pode-se buscar identificar as liga~oes especfficas
que se estabelecem entre os varies elementos, como convern
Abric:
"Enfim, completada por uma entrevista, a Iista de pares revela 0
tipo de trajet6ria utilizado pelo sujeito, ou seja, 0 tipo de relacoes
que e le uti lizou para associar os do is termos: semelhanca de
sentido, implicacao, contraste etc." (Abric, 1994d: 72).
Uma variante desse metodo, chamada de comparacdo pa -
reada, consiste, segundo Abric (op. cit.), em "proper ao sujeito
todos os pares possfveis de urn corpus de termos (se possivel
produzidos por ele mesmo), (...), pedindo-lhe, ~ara cada par,
que situe em uma escala a similitude entre os dois termos (de
'muito semelhante' a 'muito dessemelhante' )" (p. 72).
124
tos - em diferentes "pacotes", colocando juntas as palavras
que, de acordo com as instrucoes, "vao bern juntas", e a
posterior interrogacao sobre as razoes dos sujeitos para cada
reagrupamento e/ou 0 pedido para dar urn titulo a ele. "0
objetivo", segundo Abric (op. cit.) , " e 0de apreender asestru-
turas esquematicas da representacao, analisando as divisoes
efetuadas pelos sujeitos e seus fundamentos apartir dos Iacos
de similitude" (p. 73).
Em uma variante dessa tecnica, bastante utilizada por
Verges, pede-se ao sujeito, frente a uma serie de itens que lhe
sao propostos (por exemplo, na pesquisa intemacional da
representacao da economia: mcrcado monetario, balanca de
pagamentos, producao, imposto, empresa, credito, Estado,
desemprego, lucro, investimento, distribuicao de renda), para
"ligar com urn trace aquelas que, segundo de, estao mais em
rclacao" (Verges, 1994a: 248). 0 tratamento desses dados, em
termos da analise de similitude, atraves de urn dos diversos
programas de computador desenvolvidos por Verges, leva a
tres diferentes tipos de estruturacao: a "estrela", em tomo de
uma nocao que seligaa muitas outras; 0 "triangulo", que liga
tres nocoes duas a duas; 0 "cfrculo", que liga mais de tres
nocoes. A estrela e , obviamente, a estrutura que evidencia de
forma mais flagrante a existencia de urn elemento organiza-
dor, central, ou mesmo mais de urn, que vern a ser comumen-
te 0"Estado" e/ou a "empresa" nas diferentes amostras da
pesquisa sobre as nocoes econornicas.
A util idade desse recurso - para fins comparativos inter-
nacionais, no caso - pode ser bern demonstrada pelo seguintecornentario de Verges (1994b), que se faz acompanhar do
produto grafico de sua aplicacao a amostra brasileira:
"Uma (...)abordagem mais estrutural (.. .) permite compreen-
der como cada pals modula for te mente as caracterist icas mais
125
gerais . Ass im (.. . pode-se por exemplo fazer aparecer a focali-
zacao dos estudantes) se a empresa se organiza como urn
agrupamento forte em todos os paises (empresa, investimento,
producao, lucro) e se 0 Estado polar iza geralmente as relacoes .
procedimentos de sua coleta, a analise de similitude foi espe-
cificamente desenvolvida para adequar-se a construcao de
objetos de pesquisa em termos de representacoes sociais.
Flament assim explicita os pressupostos minimos sobre a
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 65/97
monetarias, pode-se constatar [nao obstante] a ernergencia de
organizacoes locais bastante significativas. Pode-se por exem-
plo fazer aparecer a focalizacao dos estudantes brasileiros sobre
o estrange iro e a moeda : a balanca de pagamentos nao e tantourn atributo do Estado, mas intervem nao apenas sobre 0
mercado monetario como tarnbern sobre a distribuicao da
renda e 0 desemprego; 0mercado monetario esta no centro deuma estre1a, 0que se encontra mais fracamente na I talia e nao
na Franca ou na Pol6nia" (Verges, 1994b:6).
A a n al is e d e s im i li tu d e foi introduzida no campo das repre-
sentacoes sociais por Claude Flament - com a participacao
tambern de outros autores, como Verges e Degenne - ja nos
anos setenta, ou seja, a ocasiao mesma do advento da teoria
do nucleo central, tornando-se entao a principal tecnica de
deteccao do grau de conexidade dos diversos elementos de
uma representacao, Embora ela constitua basicamente uma
tecnica de tratamento dos dados, cuja influencia na definicao
final dos resultados e ja determinada, em boa parte, pelos
126
natureza do fenomeno que justificam a ernergencia dessa
estrategia metodol6gica:
"Ialvez os especialistas estej am de acordo sobre as poucas
seguintes condicoes min imas :
- uma representacao e urn conjunto decognemas (Codol, 1969),
organizado por rnultiplas relafoes;- essas relacoes podem ser orientadas (implicacao, causalidade,
hierarquia ...) ou s i m e t r i c a s (equivalencia, semelhanca, antagonis-
mo...), mas todas pod em se 'degradar' em uma relacao simetrica
traduzindo a ideia vagade 'irjunto' (c£ Vacherot, 1978);
- essa relacao, em geral , nao e t ransi tiva: se A va i com B por
certas razoes, e B com C por out ras razoes, pode bern se r que
A e C nao tenham nenhuma razao para ir j untos.
Trata-se bern de uma concepcao mi n ima das representacoes so-
ciais, mas e talvez a m a io r p ar te c om u m asdiversas abordagens das
representacoes sociais!
A concepcao minima coloca em jogo uma relacao simet rica
nao-transitiva; e 0que se chama: urna r e la f ii o d e s im il i tu d e . Essa
relacao pode ser valorada para traduzir 0 fato de que dois
cognemas van juntos mais ou menos fortemente ou mais ou
menos nitidamente. Foi para trabalhar com esse genero de
relacoes que nos desenvolvemos urn rnetodo de analise dos
dados, chamado: ana lise de simili tude (Flament, 1962; Fla-
ment, Degenne e Verges, 1971, 1979; Degenne e Verges, 1973;
Degenne, Flament e Verges, 1976)" (Flament, 1986: 139-140).
Dadas essas rat ionales , a a n al is e d e s im il it ud e envolve, de
infcio, a part ir de urn conjunto de dados pareados ou agrupa-
dos (obtidos segundo algum dos metodos resenhados nesta
subsecao e na precedente), 0calculo de urn Indice de simili-
tude entre cada par de itens. 0 mais simples desses Indices
(dentre os varies que tern sido propostos) consiste, segundo
Moliner (1994a), na relacao entre 0mimero de co-ocorren-
cias (mirnero de liga~6es estabelecidas entre dois itens espe-
127
dficos) e 0mimero de sujeitos envolvidos. au, como diz
Flament ( op . c i t. ) , "adrnite-se que dois i tens serao tanto mais
proximos na representacao quanta urn mimero mais elevado
de sujeitos os trate da mesma maneira ( ... ); calcula-se urn
itens "problema", por cfrculos); (2) 0grau de conexidade dos
itens entre si (dado pelo Indice registrado ao longo de cada
aresta) a partir de sua selecao posterior pelos sujeitos alocados
a uma ou outra situacao.
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 66/97
Indice de contingencia que e urn indice de similitude classico"
(p. 141). E, prosseguindo com Moliner:
"Realizando essa operacao para cada par de itens , vai sedispor
da matriz de similitude para todos os itens do corpus. Para
facilitar a cornpreensao e a interpretacao de tais matrizes, cons-
t roi-se 'a a rvore maxima '. Tra ta-se de urn 'gra fo' conexo semcicio cujos vert ices sao os i tens do corpus e as arestas sao os
valores dos indices de s imilitude entre esses i tens . 0procedi-
mento de construcao daarvore maxima permite reter apenas as
relacoes mais fortes entre os itens" (Moliner, 1994a: 214-215).
Cabe esclarecer, com Doise e t a l. (1992), que, de acordo
com a "teoria dos grafos", urn grafo conexo e sem ciclo e "urn
grafo no qual todos os elementos (que formam os vertices do
grafo) sao ligados entre sie em que existe urn unico caminho
para ir de urn elemento a outro" (p. 48). A "irvore maxima"
reproduzida a seguir ( traduzida por Souza Filho, 1993: 138),
extraida do trabalho de Abric Vacherot (1975),ji aqui noticia-
do a proposito dos experimentos que ensejaram a proposicao
da teoria do micleo central (ver capitulo 2), bern demonstra a
util idade dessa reprcsentacao grif ica das conex6es entre os
elementos de uma representacao social.
Relembrando, trata-se, no caso, da representacao de uma
tarefa como "jogo" ou como "solucao de problema". as i tens
foram levantados junto a uma populacao que nao se encon-
trava na situacao experimental , pedindo-Ihe que indicasse
aqueles que evocavam mais nitidamente uma situacao dejogo
e uma situacao de problema. Aos sujei tos experimentais pe-
dia-se entao que identificassem quais desses itens evocavam
a situacao - jogo ou problema, na definicao do experimenta-
dor - em que eles se encontravam. as dois tipos de dados sao
apresentados na "irvore": (1) uma classificacao a p rio ri dos
itens (os itens "jogo" sendo representados por triangulos; os
128
Observe-se que, nessa "arvore maxima" (assim chamada
porque apresenta, em relacao a outras possiveis "arvores"
parciais ou menores, a maior soma de valores das arestas) so
se encontra registrado 0indice de similitude de valor mais
elevado que urn dado elemento guarda em relacao a algum
outro, ou seja, nao sao mostrados os indices menores que
eventualmente 0 l igam aos demais i tens levantados. Disto
decorre que e possivel evidenciar a existencia de blocos ou
conjuntos distintos de elementos fortemente conexos entre
si. De fato, como esclarece Flament:
"Se , em uma arvore (maxima ou nao), suprime-se uma aresta
sem substitui-la por outra, desconecta-se 0 grafo em exatamen-
te doissubgrafos; assim a supressao de 'distracao-problema' faz
129
aparecer, por urn lado, 0bloco (problerna,jogo de cartas, serio,
espirito rnaternatico, espirito inventivo, espfrito criativo), e, por
outro lado, 0 bloco constituido dos itens restantes. Demons-
t ra-se que, se se parte de uma arvore maxima, todo par com-
posto de urn elemento tornado de urn bloco e de urn elemento
preensao), Segundo Flament ( op . c it .) , restariam entao uma
classe jogo de tres elementos (divertimento, jogo, distracao),
uma classe problema de dois elementos (problema, espfrito
inventivo) e 21 classes punctuais, mas, adverte 0 proprio
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 67/97
tomado do outro bloco tern urn valor infer ior aovalor daares ta
suprimida. Assim, se esta seguro de que 0 indice entre 'jogo' e
' jogo de cartas' e infer ior a 0,42, pois que tal e 0 valor da aresta
'distracao-problema' .
A propriedade dual e a seguinte: asimilitude entre dois elemen-
tos nao-consecutivos na arvore maxima e inferior aos valoresdas arestas que constituem 0caminho mais cur to , na arvore,
entre esses dois elementos . Assim, para ir de ' sorte' a 'cassino ',
deve-se tomar emprestada a aresta 'sorte-acaso' (0,50) e a aresta
'acaso-cassino' (0,36) ; portanto, a simil itude ent re 'sorte' e
'cassino' e inferior a 0,36. 0que pode ser expresso sem fa lar
explicitamente em valores de similitude: 'sorte' e 'acaso' , por urn
!ado, 'acaso' e 'cassino' , por outro, seassemelham mais do que se
assemelham 'sorte' e 'cassino'" (Flament, 1986: 143-144).
Uma pratica sistematica para a decomposicao do conjunto
global dos elementos, levantados em urn mimero declassesmais
restritas de elementos altamente conexos entre si, consiste em
suprimir, sucessivamente, as arestas de menor valor na arvore.
Criar-se-ia assim, de infcio, no exemplo sob exame, pela supres-
sao da aresta de menor valor (0,21), uma classe consti tuida de
dois elementos - "ativo"c "influenciavel" - e uma classeforma-
da por todos os demais elementos. Em seguida, pclas supressoes
das arestas de valores 0,26 e 0,27, ter-se-iam quatro classes
punctuais - "ativo", "influenciavel", "trabalho" e "probabili-
dade" - e uma grande classe dos elementos restantes.
Quando parar, nesse processo de decomposicao gradati-
va, depende dos propositos da pesquisa em questao. No
exemplo, essa estrategia quantitativa levaria a que se acabasse
por eliminar todas as arestas de valor igual ou inferior a 0,54,
porque a esse Indice ainda se encontra uma similitude perce-
bida entre urn item previamente categorizado como
"jogo'{distracao) e urn item "resolucao de problema"(com-
130
autor, "essa proliferac;;ao de classes com efetivos muito fracos
torna infelizmente essa solucao sem interesse" (p. 146).
Embora Flament apele logo em seguida, nesse mesmo
texto, para urn outro exernplo, sobre a representacao das
relacoes no interior de urn grupo, em que a aplicacao da
analise de similitude parece mais esclarecedora, a irnpressfiocom que se fica e a de que, no sentido mesmo apontado por
Moliner (1994a), se trata de urn rnetodo de levantamento
inicial dos possiveis elementos centrais de uma representacao.
Em outras palavras, ele coloca em evidencia apenas uma
propriedade quantitativa - a conexidade - desses elementos.
Sem que isto signifique necessariamente uma desvalori-
zacao da tecnica de analise de similitude e dos metodos de
coleta de dados relativos a saliencia e a conexidade, visto que
as frequencias e as associacoes evidenciadas a limiares mais
baixos sao validamente interpretaveis em termos de relacoes
asseguradas por elementos perifericos, pode-se esperar queoutras estrategias, que nao uma estrita diferenciacao quanti-
tativa, semostrem mais proveitosas para a efetiva identificacao
das cognicoes centrais. E precisamente desses metodos volta-
dos para a deteccao das propriedades qualitativas dos elemen-
tos do micleo central- valor simbolico e poder associat ivo-
de que tratara a proxima secao deste capitulo.
3.3.Os principais metodos de Iderrtificacao do micleo
central
Os diversos metodos de levantamento examinados na secao
precedente ensejam basicamente urn balizamento global e uma
delimitacao articulada dos elementos da representacao, permi-
tindo ainda a formulac;;aode hipoteses quanto a quais desses
elementos pertencem efetivamente ao nucleo central.
131
A verificacao dessas hip6teses, proporcionada pelos cha-
mados "metodos de identificacao", recentemente desenvol-
vidos e que sao objeto de estudo na presente secao, deve
conduzir a uma apreensao final, mais consistente, da estrutura
tement~ desempregado mas que nao tern nenhum problema
financeiro. A resposta dos sujeitos e entao unanime: trata-se de
urn 'fa lso desempregado'. Assim, quando sao colocados em
prescnca defatos ou de informacoes que contradizem ascognicoes
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 68/97
da representacao, 0 que, de acordo com a teoria do micleo
central, consti tui urn objetivo tao necessario quanto 0 da
apreensao do seu conteudo para a conducao de boas pesquisas
no campo das representa<;6es sociais.
Uma primeira subse<;ao e dedicada aos metodos que
focalizam a propriedade do "valor simb6lico" das cogni<;6es
centrais, enquanto uma segunda trata do metodo de colocacao
em evidencia do seu "poder associativo".
3 .3 .1 . Q ua nto a o v alo r s im b6 li co d os e le me nto s d o n ud eo c en tr al
Segundo Moliner (1994a), "a propriedade fundamental
das cognicoes centrais reside no laco simb6lico que as ligaao
objeto da representacao" e, como consequencia, inversamen-
te, "0objeto nao pode ser concebido sem ascognicoes centrais
de sua representa<;ao" (p. 218). E a part ir do pressuposto
te6rico basico de que "se esse laco e rompido, entao, pordefinicao, e 0 conjunto da representacao que perde sua signi-
ficacao" (p. 219), que se elaboram as chamadas t ec n ic a s d e
q u es tio na m en to d o m u le o c en tr al .
Nesse sentido, relembrando, ja foi aqui comentada a
incompatibilidade entre a representacao do "grupo ideal" e a
cogni<;ao induzida da existencia de uma hierarquia, bern
como entre a representacao do trabalho e a cogni<;ao que
questiona sua identificacao com 0"ganhar a vida", levando it
conclusao de que tais elementos - igualdade e provisao do
sustento - sao centrais naquelas representa<;6es. Moliner
acrescenta urn terceiro exemplo e argumenta algo mais expli-citamente quanto it derivacao do metodo a partir da teoria:
"No mesmo sentido, Moussounda (1993), que se interessa
pelas representacoes do desemprego e dos desempregados,
apresenta aos seus sujeitos 0 casu de urn personagem aparen-
132
centrais de suas representacoes, os individuos seencontram colo-
cados face a uma alternativa simples: ou des integram asinforma-
c;:oesnovas, ~orrendo entao 0 risco de uma fragmentacao da antiga
representacao, ou, des recusam as novas informacoes e minimi-
zam seu alcance. E ficil prever que, por simples razoes de econo-
mia, e 0 segundo termo da alternativa 0 que e mais
~reqtientemcnte escolhido. N esse sentido, 0processo de refutacao
e prov~vdme.n~e urn poderoso agcnte de estabilidade das repre-
sentacoes SOCIalS.Mas e tambern urn indicador cssencial da cen-
tralidade de.uma cognicao. Visto que a teoria supoe, com efeito,
q~e ascognicoes cen~raissao incontornaveis, toda inforrnacao que
va contra essas cognicoes sera refutada. Portanto, quando se ob-
ser;a urn efeito rnacico de refutacao, e que uma cognicao centraltera sido questionada" (Moliner, 1994a: 220).
. 0rincfpio geral do questionamento da imprescindibi-
hd~de de urn dado elernento para a representacao pode ser
a~hcado segundo diversas estrategias, dependendo da criati-
vld~de do pes~uisador. Uma dessas estrategias expedidas po-dera ser apreciada em maiores detalhes no proximo capftulo
de~te trabalho, a prop6sito da identificacao, para fins compa-
ranvos, do~ elementos dos micleos centrais das representacoes
do c~nheClmento cientffico por consumidores e por nao-con-
sumidores de revistas de vulgarizacao cientffica no Rio de
Janeiro. Moliner elaborou, entretanto, urn metodo padroni-
~ado,. tanto para 0levantamento quanto para a posterior
Ide~t1fica<;aodas cognicoes centrais de uma representacao, a
partir da deteccao de seu valor simb6lico, que deve merecer
agora uma cxposicao circunstanciada.
ometodo da i nd uc do p or c en d ri o a m bi gu o, ou metodo ISA(de I nd u ct io n p ar S ce na ri o A m bi gu ), desenvolvido por Moliner
(1993), comporta duas etapas: a primeira prove uma hip6tese
acer~a da cen~ralidade de certas cognicoes; a segunda, a veri-
ficacao expenmental dessa hip6tese. 0 tema que ilustra sua
133
. .
descricao e a representacao social da "empresa" por estuda~t~s
universitarios, cuja escolha Moliner justifica por constrturr
"urn objeto ainda mal conhecido dos estudantes, que repre-
senta urn desafio consideravel para eles (0 emprego futuro) e
namento dessa organizacao que e reconhecida como uma das
mais importantes da sua especialidade" (p. 12).
Cabe observar que a confianca quanto a ambigiiidade do
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 69/97
a proposito do qual eles devcm tomar posicao (busca de
emprego, projeto profissional etc.)" (p. 12).
Segundo Moliner ( op . c it .) , a primeira etap~ .consistiu,
inicialmente, em pedir a 78 estudantes que redigissern urn
texto em resposta a seguinte questao: "Para voce, 0que e umaempresa?" "Uma analise ternatica do conteudo dos textos
coletados permitiu elaborar uma lista de 14itens refletindo as
diversas opinioes dos sujeitos a respeito daquela questao'{p.
12). Foram os seguintes os 14elementos (p. 13-14) com que
o objeto empresa foi descrito:
1. E urn Iugar de trabalho
2. E organizada
3. Produz urn bern ou urn service
4. E hierarquizada5. E urn lugar que permite 0 desenvolvimento pessoal
6. E urn Iugar de cornunicacao e de relacoes humanas
7. Gera lucro
8. Persegue objetivos a longo prazo
9. Esta inserida na economia
10. E dirigida por urn patrao
11. E urn Iugar de conflito
12. E urn lugar de pesquisa e de criacao
13. Bsta confrontada com a concorrencia
14. E criadora de empregos
Em seguida, construiu-se urn "cenario ambiguo", em que
o objeto descrito nao foi qualificado explicitam~~te em nenhum
momenta como uma "empresa", nem foi util izada nenhumadas 14 caracteristicas da lista anterior ..0 texto elaborado foi 0
seguinte: "Desde ha muitos anos, SOLITEC reune.vari~s deze-
nas de pessoas com competencias e interesse~ muito dlvers~s.
Cada uma dessaspessoas contribui a sua maneira para0uncio-
134
texto foi confirmada pela sua apresentacao a uma amostra
independente de 39 sujeitos, que, podendo escolher duas
dentre seis possibilidades, responderam que ele lhes evocava
os seguintes t ipos de organizacoes (com os respectivos per-
centuais entre parenteses): uma organizacao profissional (23%);
urn centro de pesquisa (28%); urn sindicato (7%); uma orga-
nizacao internacional (38%); uma empresa (33%); uma asso-
ciacao (38%). A descricao do objeto em termos ambfguos enecessaria, nessa primeira etapa do metodo, para que sepossa
apresenta-lo como identico ou como totalmente diferente do
objeto de representacao estudado, de modo a dar origem a
duas diferentes condicoes a que sao submetidos os sujeitos,
como esclarece Moliner:
"Esse texto constituiu a base de dois cenarios distintos segundo
o fim proposto aos sujeitos. Urn primeiro cenario e terminado
com a seguinte Frase:'Entretanto, SOLITEe nao e uma em-
presa'. Urn segundo cenario e terminado assim: 'SOLlTEe e
sem duvida uma das empresas mais representativas de seusetor'. Assim, no primeiro cenario, 0 objeto arnbiguo e expli-
citamente afastado do campo da representacao da empresa e
SOUTEe pode ser percebida como uma associacao, uma
organizacao internacional etc.Ao contrario, no segundo ceria-
rio, 0 objeto ambfguo e explicitamente situado no campo da
representacao da empresa. E isto tanto mais quanto e precisado
que a empresa e representativa de seu setor. Dessa maneira, ediffcilverem SOUTEe outra coisa que nao uma empresa. Essa
referencia aoobjeto da representacao constitufa portanto nossa
variavel independente em duas modalidades (sim, nao).
Seguindo-se ao cenario, pedia-se aos sujeitos para descrever
SOUTEe colocando-Ihes a seguinte questao: Para voce, SO-UTEe possui as seguintes caracteristicas? Vinha entao a lista
dos 14 itens anteriormente definida" (Moliner, 1993: 13).
Os resultados dessa etapa, segundo Moliner ( op . c it .) ,
indicam, em primeiro lugar, que os seguintes itens foram
135
julgados como caracterfsticas muito provaveis do objeto am-
bfguo, Fosse ele apresentado ou nao como 0objeto de repre-
sentacao (a empresa), correspondendo portanto a elementos
perifericos da representacao da empresa: lugar de trabalho,
Assim, 0cenario bisico gerou, nessa segunda etapa, duas
novas condicoes experimentais que se dist inguiam pelo fato
de que adescricao do objeto ambiguo terminava com uma das
seguintes frases: "entretanto SOLITEC nao e urn lugar de
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 70/97
organizada, produtora de bern ou service, lugar de desenvol-
vimento pessoal, de cornunicacao e relacoes humanas, de
pesquisa e criacao. Em segundo lugar, verifica-sc que os itens
"gerar lucro", "inserida na economia", "dirigida por urn pa-
trao"e "confrontada com a concorrencia" sao vistos como
caracterfsticas provaveis do objeto ambfguo u nic am e nt e q ua nd oeste e a p re s en ta d o c om o 0 o bj et o d e representacdo (p. 15). E prosse-
guindo: "Essas ca rac te r is ti ca s apar e cem p or ta nt o c om o especificas do
o b je t o d e r e pr e se n ta cd o ( . .. ) . Nossa hip6tese e portanto a de que
essas caracterfsticas correspondem aos elementos centrais da
representacao da empresa na populacao considerada" (ibid.).
A prime ira etapa proporciona, por certo, resultados rele-
vantcs no sentido da delimitacao do campo representacional,
do Ievantamento dos elementos que discriminam 0 que 0
objeto de representacao e e 0que nao e para os sujeitos. A
segunda etapa focaliza a organizacao interna da representacao,
com vistas a uma identificacao ou confirmacao definitiva dos
elementos que se SUPDS centrais, 0que seobtem pela testagem
da hip6tese acima enunciada. Moliner assim justifica as ope-
racoes que se seguem:
"Segundo a teoria do nucleo central , quest ionar urn elemento
do nucleo significa questionar 0 conjunto da estrutura. Portan-
to, se se apresenta aos sujei tos urn objeto ambfguo em relacao
ao qual se questiona uma daquelas 4 caracterfst icas , 0 objeto
apresentado nao deveria ser reconhecido como 0 objeto de
representacao, Por exemplo SOUTEe nao gerando lucro nao
dever ia ser considerada como uma empresa. Ao contrar io , sese
apresenta urn objeto ambiguo em relacao ao qual se questiona
uma caracterfstica periferica (.. .), 0 objeto apresentado poderaser reconhecido como 0objeto de representacao. SOUTEe
nao fazendo pesquisa sera apesar disso considerada como uma
empresa. Foi esta experiencia que nos realizamos para demons-
trar a validade das nossas hipoteses" (Moliner, 1993: 16) .
136
pesquisa e de criacao" ou "entretanto SOLITEC nao gera
lucro e nao e esta a sua vocacao", 0 cariter ambfguo do
cenar~o e tambern importante nessa segunda etapa, porque ele
perrrnte que 0 sujeito retroceda quanto a represenracao inicial,
face a uma nova informa~ao que se revele eventualmente
incompatfveI com ela. A experiencia mostra, segundo Moli-ner, que, quando 0cenario nao e ambfguo, os indfviduos tern
mui~ dificuldade em refurar a categoriza~ao inicial do objeto,
termmando por dar uma resposta de complacencia pela qual a
nova mformac,;aoquestionadora nao e levada em considerac,;ao.
Tomada essaprecaucao, podem-se testar os efeitos diferen-
ciaisda variavelindependente - questionamento deurn elemen-
to central ou de urn elemento periferico da representa~ao _
at~a:es do pronunciamento dos sujei tos com relacao a lista
original de 14 itens, mas modificada como descreve 0autor:
"0 primeiro [it em J era: 'SOUTEe e uma empresa'. Os 13
outros eram os mesmos anter iores menos urn (aquele corres-
pondente a caracterfstica questionada). Para cada item, os su-
jertos .deviam dar uma resposta em uma esca la de 6 pontos, de
1(rnuito provavelmente nao) ate 6 (muito provave!mente s im) .
As respos tas a esses 14 itens constitufam nossas var iaveis de-pendentes" (Moliner, 1993: 17).
, Os resultados ~ndi.camuma diferen~a significativa quanto
as respostas ao pnrneiro item, conforme 0 questionamento
tenha sido de urn clemento central ou de urn elemento
periferico. Como esperado, a negacao do item "lucro" levou
8:% dos sujeitos a resposta de que SOLITEC provavelmente
nao era uma empresa, enquanto que a inforrnacao de queS<?~ITEC ~1~0.fazia _pesquisa ou criacao ensejou que os
sujeitos se dividissem igualmenre entre as respostas afirmati-
vas e neganvas. Alem disso, 0questionamento daquele ele-
mento central focalizado teve como efeito urna significativa
137
. . .
reducao da atr ibuicao a SOLITEC das tres outras caracteris-
ticas anteriormente levantadas como centrais. Isto quer sim-
plesmente dizer que essas caracterfst icas tern seu status de
cognicoes centrais confirmado, pois a rejeicao do objeto am-
bfguo como uma empresa levou a que os demais elementos
melli e Michel-Louis Rouquette (1992). Trata-se de uma
te~t~tiva de .ir ~lem da conexidade quantitativa detectada pela
analise de similitude - onde as relacoes entre os elementos
sao e?globadas todas na vaga ideia de que eles "vaojuntos" _
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 71/97
que dao 0 significado basico da representacao de empresa
fossem tambem rejeitados como caracterizando 0 objeto.
Os resultados da aplicacao da segunda etapa do metodo
ISA revelam-se tanto mais relevantes quanto sefaz notar que
os dois elementos questionados, "lucro" e "pesquisa e cria-
~ao", apareciam no levantamento da primeira etapa comoquantitativamente equivalentes (escores medics de 4,13 e
4,88, respectivamente) em funcao do pronunciamento dos
sujeitos que os aceitaram como caracterfsticas da empresa.
Moliner assim comenta tal contribuicao do metodo, associan-
do-a a propria relevancia da teoria do micleo central:
"Para nos, essa di ferenca nao se expl ica senao pela teoria do
nucleo central, que sup6e aexistencia de diferencas qualitativas
entre elementos de uma mesma estrutura cognitiva. Nos acre-
di tamos que qua lquer estudo de representacao - se e le ambi-
ciona ser exaustivo, 0que infelizmente nem sempre e possivel-
deve se impor a colocacao em evidencia dessas diferencas qualita-t ivas . Somente a consideracao desse fenomeno pode permitir
responder-se asquest6es que hoje preocupam a pesquisa sobre as
representacoes sociais. Quer se trate de problemas de ancoragem,
de regulacao das relacoes socia is ou de evolucao das rep re-
sentacoes, a questao que se coloca ao pesquisador e a desaber emque duas representacoes ou dois estados sucessivos de uma mes-
rna representacao diferem" (Moliner, 1993: 20).
3 .3 .2 . Q ua nto a o p od er a ss oc ia tiv o d os e le me nto s d o n tu le o
central
A identif icacao dos elementos do micleo central atravesda propriedade qualitativa do poder as~ociativo e proporcio-nada pelo metodo dos e squemas c ogni ti v os d e ba s e, ou SC B (de
S ch eme s C o gn it if S d e B a se ), desenvolvido por Christ ian Gui-
13 8
em direcao a uma especificacao mais fina das diferentes rela-
~6es .e?tre as cognicoes de uma representacao, 0 modele
COgnltIVOormalizado que deu origem ao metodo e justifica-do e tern seus pressupostos bisicos descritos da seguinteforma pelos autores:
"Quando se diz, de urn ponto de vista muito geral, que umarepresen~a<;ao social e estruturada, afirma-se no mfnirno que ela
se compoe de elementos inter ligados ( .. .) . Quanto as relacoes
entre os elementos , elas parecem intuitivamente muito diver-
sas e a analise estrutural as confunde na categoria geral de
'relacao de similitude' (.. .).
A ana lise est rutura l das representacoes soc ia is ganharia em
ref inamento se se a levasse a especif icar essas relacoes vincu-
lando-as a urn certo ntimero de tipos formais. Ale rn di sso ela
ganharia em fidedignidade sese dispusesse de urn procedirnen-
to que permitisse identif icar sistematicamente os elementos
centrais. Tais sao as principais ambicoes do modelo proposto
(para uma exposicao geral , cf Rouquette, 1991 e 1990) .
Mais precisamente, considera-se:
1) que 0 sujei to associa dois i tens lexicai s pe lo vies de urn
operador de relacao, segundo a formula seqiienc ial 'item in -
dutor - operador - i tem induz ido'·
2) que esses operadores sao identif idveis , formalizaveis e emnumero finito;
,3 ) ~~e es~es. operadores sao organizados entr e si segundo
farnilias pnrmtivas estaveis chamadas 'esquemas"'(GuimelIi e
Rouquette, 1992: 196).
o modelo (ver tambern Rouquette, 1994) prop6e por-
tanto a forma1iza~ao de 29 diferentes conectores ou operado-res de. relacao ~sendo urn deles vazio ou nulo, por raz6es
for~als), organizados em cinco esquemas cognit ivos de base
ass.lm. ~enominados:, l e xi c a u i zi n ha n c a, composi ido, prdtica e
atrtbul{ao. Os operadores, designados portrigramas, conectan-
13 9
do supostos elementos cognitivos A e B, sao apresentadosa
seguir. Considerando a enfase metodologica deste capitulo,
eles serao caracterizados nao por suas definicoes formais, mas
sim pelas express6es padronizadas da linguagem corrente
TIL: A e utilizado por B
OUT: Utiliza-se A para fazer B
AOU: A e urn instrumento que sepode uti lizar para B
SCB ':ATRIBUICAo"
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 72/97
com que sao propostos aos sujeitos na pesquisa (Guimell i,
1994a: 185-187).
SCB "LExrCO"
SYN: A significa a mesma coisa, tern 0mesmo sentido que B
DEF: A pode ser definido como BANT: A e 0contrario de B
SCB "VIZINHANCA"
TEG: A faz parte de, e inc1ufdo em, e urn exemplo de B
TES:A tern como exemplo, como caso particular, cornpreen-
de, inclui B
COL: A pertence a mesma classe (ou categoria) geral que B
SCB "COMPOSICAo"
COM: A e urn componente, urn constituinte deB
DEC: A tern como componente, como constituinte B
ART: A e B sao os dois constituintes da mesma coisa (do
mesmo objeto)
SCB "PAATICA"
OPE:AfazB
TRA: A tern uma a~ao sobre B
UTI: A utiliza B
ACT: E B que fazA
OBJ: A e uma a~ao que tern como objeto, seexerce sobre, se
aplica aB
UST: Para fazer A, utiliza-se B
FAC:B e alguern (uma pessoa, uma instituicao) que age sobreAMOD: B designa uma a~aoque sepode fazer sobre (apropo-
sito de, no caso de, em relacao a)A
AOB: B e urn instrumento que se util iza sobre (a proposito
de, no caso de, em relacao a)A
140
CAR: A e sempre caracterizado por B
FRE: A e frequenternente caracterizado por B
SPE: A e as vezes, eventualmente, caracterizado por B
NOR: A deve ter a qualidade deB
EVA:A avaliaB
COS: A tern como causa, depende deB
EFF: A tern como efeito (consequencia ou fim), provoca B
NUL: Operador nulo
o procedimento de coleta de dados preconizado pelo
metodo compreende, segundo Guimelli e Rouquette, as se-
guintes tres etapas:
: 'a) associacdo continua: apresenta-se aos sujeitos uma palavra
indutora e se Ihes pede para dar 0 mais rapidamente possfvel,
por escrito, tres pa lavras ou expressoes que Ihes venham a
mente. Obtern-se assim tres respostas R1, R2 e R3.
b ) j l l s ti fi c af ii o da s r e s po s ta s : para cada uma das respostas R1, R2 eR3, ossujeitos devem em seguida explicitar, por escrito em uma
ou duas frases, asrazoes pelas quais deram suas respostas.
c ) a na lis e d as r ela co es p al av ra in du to ra / p ala vr a in du zid a: os 28
operadores definidos no modelo sao apresentados aos sujeitos
sob a forma de 'expressoes padronizadas' (aexpressao formali-
zada relativa ao operador e t raduzida em linguagem corrente e
se torna assim cornpreensfvel para 0 sujeito ingenue).
o sujei to deve entao decidir se s im , nd o ou talvez, a expressao
padronizada e 0reflexo da relacao que intervern entre a palavra
indutora e sua propria resposta. As 28 expressoes sao apresen-
tadas sucessivamente para R1, R2 e R3 (Guimelli e Rouquette,
1992: 198).
E interessante observar, para a propria avaliacao da capa-
cidade do metodo em evidenciar a propriedade qualitativa da
associatividade dos elementos, sua adesao ao princfpio meto-
141
dologico explicitado por Abric no infcio deste capitulo, qual
seja: 0 sujeito e levado a categorizar ele mesmo assuas respos-
tas. Assim, como diz Guimelli (1994b), "considerando 0
sujeito como 0 u n ic o p e ri to de sua propria producao, contor-
nam-se as dificuldades habituais da analise de conteudo (ar-
Tomando-se apenas as respostas positivas (opcao "sim")
como indicativas da identificacao pelo sujeito de uma relacao
definida entre a palavra indutora e a sua propria associacao, a
valencia e dada pelo resultado da divisao do numero de
respostas positivas pelo nurnero total de respostas, ou seja,
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 73/97
bitrariedade e indecidibilidade de urn certo mimero de
categorizacoes)" (p. 184). Digna de nota no mesmo sentido etambern ajustif icat iva que os autores dao para a inclusao da
segunda etapa da coleta de dados em termos da relacao entre
producao discurs iva e processos cognitivos:'~ssim, a producao discursiva parece inseparavel das estruturas
16gicas pr6prias a atividade cognitiva do sujeito. E a razao
porque, no procedimento metodol6gico destinado a coleta dosdados , os sujei tos sao levados, ap6s terem associado a palavra
indutora , a justifi car, em uma ou duas frases, suas respostas
associativas (...). Desse fato, 0 procedimento utilizado permite:
1) atualizar os esquemas pre-discursivos relativos ao objeto de
representacao (associacao verbal);
2) levar 0 sujeito a produzir urn discurso a prop6sito do objeto
(justificacao das respostas associativas) (...).
Por outro lado, pode-se pensar que, no momenta da ta re fa de
associacao verbal, 0sujeito nao tern uma consciencia clara dooperador que de termina sua resposta. 0 que e claro, para ele,e a resposta que da, nao os process os cognitivos que a geraram.
E portanto a tarefa dejust if icacao que da aos sujei tos os meios
de explici ta-Ios e de verbaliza-los" (Guimelli e Rouquette,
1992: 201).
o t ratamento dos dados - em mimero de 84 (apreciacao
dos 28operadores para cada uma das 3 associacoes) em relacao
a cada sujeito - privilegia 0calculo de urn Indice de valencia,
que se define - no mesmo sentido que a qufrnica daao termo,
como quer Guimelli (1993a) - como a propriedade de uma
dada cognicao de entrar em urn maior ou menor numero de
relacoes com outras cognicoes do sistema representacional.
Isto quer dizer, segundo Guimelli (1994a), que a valencia
consti tui "uma medida dos d i fe r en te s a s pec t os do cognema A"
(p. 190), ou, nos termos de Moliner, de sua assodatiuidade.
142
computadas no denominador tambern as respostas "nao" e
"talvez". E precisamente por assim representar 0 julgamento
reflexivo dos sujeitos acerca da natureza das relacoes que uma
dada cognicao entretern com outras que a sua valencia, em-
bora retrate numericamente urn conjunto de diferentes rela-<;6es,pode ser tomada como urn indicador do poder associativo
daquela cognicao e nao simplesmente de sua conexi dade
generica, ou seja, do fato de que 'Lt vai com B" mas sem que
se saibam as razoes pelas quais isso acontcce.
Quanto a aplicacao do metodo para a identificacao dos
elementos do nucleo central, considera-se, com Guimelli
(1993a), que "0numero de relacoes mantidas por urn elemen-
to central com outros elementos do campo sera consideravel-
mente maior do que 0nurnero observado para urn elemento
periferico" (p. 557).
Uma primeira comprovacao empfrica dessa previsao do
modelo dos esquemas cognitivos de base sevaleu dademons-
tracao de uma coincidencia de resultados com a pesquisa de
Moliner (1989) sobre a representacao do grupo ideal , em que
"igualdade" (ou ausencia de hierarquia) foi confirm ada como
uma cognicao central , enquanto que "convergencia de opi-
ni6es" (de igual saliencia quantitat iva) nao 0 foi. Guimelli
(1993a, 1994b) relata 0computo das seguintes valencias para
esses elementos e mais outros dois do mesmo campo repre-
sentacional:
Elementos centrais: amizade - 0,50igualdade - 0,50
Elementos perifericos: mesmas opini6es - 0,41
mesma origem social- 0,42
143
Os resultados indicam que, enquanto a diferenca entre as
valencias dos dois elementos centrais nao e estatisticamentesignificativa, do mesmo modo que a diferenca entre as dos
dois elementos perifericos, a diferenca entre cada urn dos
elementos centrais e cada urn dos perifericos e significativa a
"Para par a prova essa ultima hipotese, nos consideramos uma
populacao constituida de trinta enfermeiros, efetivamente em
funcao, em unidades de cuidados diversas. A delimitacao dos
sujeitos que tinham acesso asnovas praticas foi efetuada ( .. .) a
partir das respostas obt idas a urn quest ionario que avaliava a
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 74/97
urn nfvel (0,001) que nao deixa duvida quanta a capacidade
discriminatoria da medida de valencia.
Alern da medida de "valencia total" (caIculada a partir do
inteiro modelo SeE e das tres respostas dos sujeitos) a que se
refere a dernonstracao precedente, Guimelli (1994a) aponta apossibilidade de utilizacao, para diferentes finalidades de pes-
qui sa, de valencias calculadas em relacao a cada urn dos cinco
esquemas cognitivos de base, a cada uma das ordens (primei-
ra, segunda ou terceira) de respostas ou a cada urn dos 28
conectores. Taismedidas podem servir, por exemplo, a cstra-
tegias de pesquisa que visem colocar em evidencia asdiferen-
~asqualitativas entre os nucleos centrais de duas representacoes
ou de dois estados subseqtientes de uma representacao du-
rante seu processo de transforrnacao.
De fato, no quadro de seu interesse continuado pelo
estudo da transforrnacao das representacoes em funcao daspraticas sociais, Guimell i (1994a, 1994b) aplicou 0 metodo
dos esquemas cognitivos de base a analise da ernergencia
progressiva de novas prdticas nas funcoes de enfermagem. Estas
configuram urn chamado p ap el p ro pr io do enfermeiro, pelo
qual se vern a enfatizar sua autonomia e suas competencias
relacionais voltadas para prestacao de cuidados globais a pes-
soa doente, em contraste com 0pape l p r es cr i to pelas prdticas
tradicionais, em que se espera que 0 enfermeiro simplesmente
cumpra as prescricoes medicas atraves de intervencoes bas-
tante especfficas e orientadas para a "doenca" como uma
entidade. A hipotese formulada foi a de que "se deveria
observar urn crescimento sistematico do grau de valencia
relat ivo ao conceito de papel proprio quando os sujeitos tern
acesso regular asnovas praticas" (1994b: 101).0 autor assim
descreve essa pesquisa:
144
frequencia das novas tarefas na pri tica cotidiana dos sujei tos.
Pode-se assim constituir dois grupos de suj eitos com base na
mediana. Os suje itos cujo escore estava aba ixo da mediana
(N = 14) foram colocados no grupo 'prat icas tradicionais' , os
outros (N=16) no grupo 'novas praticas' , Nos doisgrupos, os
sujei tos foram convidados a dar tres respostas associativas ao
item indutor 'papel proprio'. Entao, seguindo 0 procedimento
ja descri to , eles as jus tificaram, depois avaliaram as relacoes
ent re a palavra indutora e suas proprias respostas a part ir das
express6es padronizadas. 0 calculo do indice de valencia em
cada urn dos do i s grupos deu 0 seguinte resultado: praticas
t radic iona is - va lenc ia 0,61; novas pra ticas - va lencia 0,74"
(Guimelli, 1994b: 101).
Na medida em que a diferenca entre os dois indices de
valencia se mostrou estatisticamente significativa (ao nfvel de
0,001), pode-se concluir, com Guimelli (o p. c it .) , que "0 item
'papel proprio' se torna central na representacao dos sujeitos
quando a frequencia das novas praticas cresce e adquire im-portancia em sua atividade cotidiana" (p. 102),0 que indicaria
"uma transforrnacao estrutural da representacao por transfor-
macae progressiva e sem ruptura do micleo central"(ibid.).
Alern disso, calculando-se asvalencias dos dois grupos em
relacao a cada urn dos esquemas cognitivos de base, consta-
to~-se uma significativamente maior identificacao de conec-
tores do esquema "pratica" por parte dos sujeitos do grupo
"novas praticas", A partir desse resultado, Guimelli (1994a)
conclui que "0 accsso mais regular as novas praticas mobiliza
essencialmente 0 esquema de base prdtica, l igado a acao" (p.
193); ou, dizendo de outra maneira," asnovas praticas (...)vern
fazer crescer a quantidade de relacoes, I igadas a a~ao, que 0
termo 'papel proprio ' entretern com os outros elementos do
campo representacional" (ibid.).
145
Finalmente, cabe noticiar que uma outra pesquisa, envol-
venda estudantes de enfermagem, dernonstrou que a escolha
destes por uma atuacao profissional futura no setor publico,
no setor liberal ou privado era determinada basicamcnte pela
possibilidade percebida de exerdcio do "papel proprio".
Capitulo 4
S O c rA L IZ A ~A o D O S A BE R A C A D EMIC O :
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 75/97
Os seguintes cornentarios de Guimelli sobre tais resulta-
dos parecem proporcionar urn born fechamento para 0pre-
sente capitulo sobre questoes metodologicas, na medida em
que se referem nao apenas a relevancia academics da teoria do
micleo central, mas tambem a rclevancia social pratica daatividade de pesquisa por ela informada:
"Confirrnado como tal pelo metodo de delimitacao que nos
propusemos, 0 conceito de papel proprio assegura desde entao
a organizacao e a coerencia do conjunto da representacao e,
sobretudo, determina tomadas de posicao que podem ser con-
sideradas como essenciais nas relacoes que 0sujeito entretem
com 0 objeto. Gostariamos de insistir sobre esse ultimo ponto.
Compreender, exp!icar, preyer ascondutas sociais nao pode ter
sucesso senao na medida em que os sistemas de representacao
dos sujeitos sejam analisados e identificados. Nesse quadro, 0
balizamento sistematico do nucleo central se revela igualmente
essencial. Parece, par exemplo, que urn dos raros meios que seoferece aos dirigentes de hospital [publico 1 para aumentar a
taxa de recrutamento (que e!es consideram geralmente como
muito fraca) consiste em criar, nas unidades de cuidados, as
me!hores condicoes possfveis para que 0 enfermeiro possa
exercer 0 seu pape! proprio. Intervir a proposito das condicoes
de trabalho, das relacoes hierarquicas, ate da remuneracao nos
!imites comumente admitidos, nao teria, muito provavelrnen-
te, senao efeitos menores. Nos gostarfamos, nesse ponto, de
atrair a atencao dos administradores para que confiram urn
certo interesse aos fatos sociais. Nao e a realidade objetiva da
situacao que permite compreende-los, mas antes amane irape1a
qual osgrupos dela seapropriam" (Guimelli, 1994b: 106).
146
uma p es qu is a s ob re a r ep re se nta ca o
s oc ia l d a denoa a lu z d a te o r ia
d o n uc le o c en tr al *
4.1.Introdu~ao
o campo de estudos das representacoes sociais esta, desde
sua inauguracao, associado a urn interesse basico sobre as
relacoes entre ciencia e sociedade (Moscovici, 1976, 1984).
Tal associacao parece continuamente atualizada, nos dois ei-xos historicos assinalados por Jodelet (1989): a apropriacao
social espontanea da ciencia e a difusao intencional dos co-
nhecimentos cientfficos, frequentemente articulados e envol-
venda variadas vers6es ou enfases teorico-conceituais (Ro-
queplo, 1974; Moscovici e Hewstone, 1984; Belisle e Schiele,
1984; Grize,Verges e Silem, 1987; Bauer, 1994).
, 0 presente relato se refere ele proprio a uma tentativa de
articular a exposicao a vulgarizacao cientffica pelos meios de
comunicacao de massa com a estrutura das representacoes
*A pesquisa. empirica relatada neste capitulo, conduzida por Celso Sa, Solange
Souto, Renato Moller e colaboradores, foi apresentada na 2' Conferencia Internacio-
nal so?re Represent :c ;6es Sociais , Rio de Janei ro, 1994, sob 0t itulo de "Arepre-
sentayao socia l da ciencia por consumidores e nao-consumidores da vulgarizac;aocientffica" .
147
rI
sociais sobre a ciencia em geral. A teoria do rnicleo central
presidiu a construcao do objeto de pcsquisa e a interpretacao
dos resultados.
Providencias preliminares no ambito do projeto envolve-
ram 0 levantamento, descricao e classificacao das iniciativas
Com vistas ao levantamento inicial dos possiveis elementos
do micleo central (verMoliner, 1994a), utilizou-se uma variante
ligeiramcnte adaptada do metodo de evocacao depalavras apartir
de urn termo indutor, proposto por Verges (1992) em sua
pesquisa sobre a representacao social do dinheiro.
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 76/97
de divulgacao cientffica atraves dejornais diaries, revistas de
vulgarizacao e programas de televisao, acessfveis a populacaodacidade do Rio deJaneiro (Sa, Souto e Moller, 1993a), bern
como a analise de conteiido de cartas enviadas espontanea-
mente peIos leitores ou espectadores a urn vcfculo seIeciona-do em cada uma dessas tres categorias de meios de
comunicacao de massa (Sa, Souto e Moller, 1993b).
Considerando ascaracterfsticas detectadas desse contexto
especffico da vulgarizacao cientffica e os resultados da analise
das relacoes mantidas entre as iniciativas comunicacionais e
seus consumidorcs,julgou-se relevante, para melhor dar con-
ta do papel das praticas vulgarizadoras na difusao de imagens
globais da ciencia, prover uma cornparacao entre as repre-
sentacoes sociais mantidas por seus consumidores e por nao-
consumidores.
Segundo a teoria do nucleo central, uma representacao
social s6 vern a ser adequadamente descri ta ou identif icada
quando, alem de seu conteudo, se apreende tambern sua
estrutura. Nos termos comparativos ora pretendidos, tal exi-
gencia se afigura crucial, na medida em que asrepresentacoes
de urn mesmo objeto, mantidas por dois dist intos conjuntos
populacionais, s6 podem ser consideradas diferentes se seus
respectivos micleos centrais tiverem composicoes nitidamen-
te diferentes (Abric, 1994b). Nao obstante, cabe tambern
considerar nessa comparacao a outra instancia estrutural das
representacoes, os esquemas perifericos, dado que "e na pe-
riferia que se vive uma representacao social no cotidiano" e"0 funcionamento do micleo nao se compreende senao em
dialetica continua com a periferia", como alertado por Fla-
ment (1994: 85).
148
Para a idenrificacao daqueles elementos que efetivamente
comp6em 0 micleo central, empregou-se uma tecnica de
confirrnacao dos itens anteriormente levantados que envolve
o questionamento da sua imprescindibilidade, como sugerido
por Moliner (1994b).
4.2.0 levantamento dos possiveis elementos do
micleo central
Para 0levantamento dos possfveis elementos do micleo
central da representacao social da ciencia, mantida pelos consu-
midores davulgarizacao cientffica no Rio deJaneiro, foram feitas
entrevistas telef6nicas com 430 assinantes das duas principais
revistas do genero, "Superinteressante" e "Globo Ciencia", Os
sujeitos foram solicitados a citar de 3 a 5 palavras ou expressoesque lhes eram evocadas pelo termo "ciencia", sendo asrespostas
registradas peIo entrevistador na ordem em que tinham sido
emitidas. Em seguida, foram obtidas dos entrevistados informa-
~oes de natureza socio-dernografica: sexo, idade, ocupacao e
nfvel de escolaridade. Quanto aos nao-consumidores, foram
feitasentrevistas do mesmo teor com 420pessoas que, abordadas
em locais de circulacao intensa da cidade, deelararam nao ter 0
habito de ler (ou assistir a) nenhuma das revistas, das secoes de
ciencia emjornais ou dos programas de televisao cujos titulos
lhes eram apresentados.
Os consumidores evocaram em seu conjunto urn total de485 diferentes palavras e/ou express6es; os nao-consumido-
res, 653. Considerando que muitas dessas evocacoes apresen-
tavam diferencas minimas de significado (principalmente no
149
caso das expressoes) e que 0 procedimento implicava apenas
o levantamento, para posterior confirmacao, dos possiveis
elementos do nucleo central, procedeu-se a uma simplif ica-
c;;aodos dados. As 485 palavras/expressoes evocadas pelos
consumidores foram reduzidas a 65 agrupamentos ou cate-
As categorias sernanticas que atendem simultaneamente
a esse duplo cri terio, situando-se no quadrante superior es-
querdo do quadro geral de mapeamento da saliencia das
cognicoes (ver capitulo 3), ou seja, apresentando frequencias
de evocacao acima da frequencia media do conjunto de cate-
gorias e ordens medias de evocacao abaixo da media das
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 77/97
gorias sernanticas mais basicas, designadas pela palavra distin-
ta mais freqiiente em cada uma; e as 653 respostas dos nao-
consumidores, a 77 categorias.
Os dados obtidos podem ser assim sintetizados:
NAo
CONSUMIDORES CONSUMIDORES
Nil total de evocacoes 1550 1390
Nil medic de evocacoes por
sujeito 3,6 3,3
Nil de categorias semantic as 65 77
Prequencia media de evocacao
das categorias 21,5 18,5
Media das ordens medias de
evocacao das categorias . . . . . . . .. 2,8 .. . . . . . . . . . . . 2,6
Verges (1992) propoe que setome como muito provaveis
elementos do micleo central , por sua saliencia, as cognicoes
cujos r6tulos verbais tenham side nao apenas mais frequen-
temente mas tarnbem mais prontamente evocados. Segundo
Verges, combinam-se assim dois criterios metodol6gicos: urn
de natureza colet iva, representado pela frequencia com que a
categoria e evocada pelo con junto dos sujeitos; outro de
natureza individual, dado pela ordem que cada urn confere acategoria no conjunto de suas pr6prias evocacoes, sendo
entretanto esse Indice associado aos dos demais sujei tos nocomputo de uma ordem media de evocacao (que sera tanto
menor quanto mais priori tariamente tenha sido a categoria
evocada pelos diferentes sujeitos).
150
ordens medias das diferentes categorias, sao listadas em segui-
da, na sequencia decrescente de frequencias,
Observe-se que nove das categorias (assinaladas em itali-
co), dentre as treze evocadas pelos consumidores e dentre as
dezessete dos nao-consumidores, sao comuns aos dois gru-pos. Em principio, portanto, as composicoes dos possfveis
nucleos centrais das duas representacoes apresentam urn ele-
vado grau de superposicao, Os elementos nao-comuns, em
sua maioria, parecem mais constituir duplicacoes, ou acom-
panhantes organizados apartir dos elementos comuns, do que
corresponder a aspectos autonornos das representacoes.
CONSUMIDORES I
(Freq iiencias)
NAo-CONSUMIDORES I
(Freqiiencias)
• D e s e nvo l vimen to (173)
• C o nh e ci m en to (156)• T e cn o lo g ia (139)
• P e sq ui sa ( 12 0)
• D e sc o be r ta (57)
• M e d ic in a (54)
• Cultura (48)
• E st ll do (48)
• Vuia (43)
• Ciencias exatas (38)
• Responsabilidade (31)
• Novidade (27 )
• Interesse (22)
• M ed icin a (1 40 )
• Natureza (123)• E s tl ld o (101)
• D e s e nvo l v imen t o (83)
• Ecologia (82)
• P e squ is a (61)
• Cultura (54)
• T e cn o lo g ia (47)
• V ida (44)
• C o nh e ci m en to (43)
• Melhoria de vida (30)
• Corpo (27)
• Carencia (27)
• Ciencias naturais (26)
• D e sc ob er ta ( 25 )
• Invencao (20)
• Inteligencia (19)
151
Constata-se apenas, de modo mais flagrante, que entre os
niio-consumidores ha urn reordenamento em relacao a repre-sentacao dos consumidores, pelo qual med i dna vern a ocupar
uma posicao de destaque prototfpico, como a categoria mais
freqiientemente evocada. Alem disso, essa primeira aproxi-
macae a representacao dos nao-consumidores aponta para 0
privilegio a objetos mais concretos das praticas cientfficas (como
Alem dessa primeira possivel organizacao do micleo cen-
tral , encontram-se outros elementos (candidatos ao micleo
ou a estes logicamente associados) que parecem cumprir as
funcoes teoricamente atribuidas aos esquemas perifericos.
Conquanto gerenciados pelo nucleo central, esses elementos
provcriam a necessaria interface entre a representacao e as
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 78/97
na tu r ez a, e c ol og ia , c or p o) e para uma valorizacao da dimensao
utilitaria da ciencia ( me ll wr ia d e v id a, ca tenda , invenfao). Tais ele-
mentos sao bern menos privilegiados, em termos do duplo
criterio de frequencia e ordem de evocacao, na representacao
dos consumidores.
o que mais impressiona nos dados relat ivos aos consumi-
dores e a saliencia notavel que assume 0conjunto dos elemen-
tos des envo lv imen to , conhec imen to, t ecno log i a e pesquisa, que responde
por cerca de 40% de todas as evocacoes das 65 categorias,
destacando-se acentuadamente dos itens que se seguem em
ordem de frequencia. Esse fato autorizou a construcao de uma
primeira estrutura hipotetica da representacao social dos con-
sumidores, que parece razoavelmente consistente. Nesse sen-
tido, tomando-se os elementos mais salientes como provendo
a constituicao basica do nudeo central, buscou-se associar-lhes
outros itens tambern caracterizados por uma boa frequencia
de evocacao e que poderiam plausivelmente se encontrar soba organizacao direta dos primeiros.
o resultado dessa associacao e mostrado abaixo, reorde-
nando-se os supostos elementos centrais em uma sequencia
coerente de "busca, obtencao do conhecimento, sua aplicacao
concreta e conseqiiencias sociais esperadas" (em ital ico os
elementos subordinados que foram tambem levantados como
candidatos ao nucleo central):
Pe sq u is a: e st ud o , d e sc ob e rt a, n o vi da d e, laborat6rio, trabalho cien-
tffico
Conh e ci m en to : c ul tu r a, aprendizagem, atualizacao
Tecnologia: espa~o (em bern menores freqiiencias: invencao,engenharia, maquina, industria)
Desenuoloimento: me1horia de vida (em menor frequencia:
modernidade)
152
praticas concretas e especfficas implicadas pelo pr6prio objeto
da representacao, a ciencia em sua generalidade e abstracao.
Observe-se, a prop6sito, que e relativamente reduzida a con-
sideracao da ocupacao cientifica com os assuntos humanos (i
excecao 6bvia daque1es relacionados a saude). Na apresenta-~ao que se segue dos possiveis es quemas per ij e r ico s (em italico
os elementos inicialmente cogitados para integrar 0nucleo
central), indui-se ainda uma dimensao de cunho valorativo,
sob06tulo de responsabilidade, que cabe reter para uma reapre-
ciacao a luz do processo definitivo de identificacao dos mi-
deos centrais das representacoes.
Universe: ciincias exatas, informatica, maternatica
V id a : m e d ic in a , natureza, ciencias naturais, ecologia, corpo
Homem: ciencias humanas (em menores frequencias: mente,
hist6ria, arte)
Responsab il idade : i n te re ss e , desafio, inteligencia
Embora provisoriamente interpretado que a representacao
social dos consumidores parece dotada de uma coerencia bas-
tante conforme ao pr6prio espirito da ciencia (como entendido
pelos seus praticantes), faz-se ainda necessaria, para a compara-
~ao com a representacao dos nao-consumidores, a identificacao
dos elementos que efetivamente comp6em os respectivos rni-
deos centrais das representacoes dos dois conjuntos.
4.3.A identificacao dos nucleos centra is das repre-
sentacoes
Para Moliner (1994a), a saliencia demonstrada de deter-
min ados elementos nao assegura que eles realmente perten-
153
<_;amao micleo central , dado que aquela seria uma simples
decorrencia quantitativa de uma "propriedade fundamental
das cognicoes centrais [que] reside no laco simb6lico que as
liga ao objeto de representacao" (p. 218). Considerando que
a ausencia de tais elementos verdadeiramente centrais impli-
. ..nao leva a descobertas? (C e NC)
... nao exige muito estudo? (C e NC)
...nao envolve muita responsabilidade? (C)
. ..nao resulta em desenvolvimento? (C e NC)
. ..nao depende de pesquisa? (C e NC)
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 79/97
caria na desestruturacao da representacao, na pr6pria perda
do conhecimento que ela consti tui sobre 0objeto, observar-
se-ia freqiientemente uma forte tendencia a refutar os fatos
ou informacoes que os contradizem. Conseqiientemente, se-
gundo Moliner, 0processo de refutacao pode ser util izado
como urn importante indicador da centralidade dos elemen-
tos, atraves do artiflcio do questionamento de sua participacao
no micleo central.
Metodologicamente, uma forma de se colocar em evi-
dencia 0valor simb6lico, e portanto a centralidade de urn
elemento, consiste em perguntar aos sujei tos se, na ausencia
de tal cognicao, 0objeto de representacao ainda mantem sua
identidade. Isto e 0 que foi fei to, na presente pesquisa, para
cada urn dos supostos elementos centrais anteriormente le-
vantados, atraves das perguntas que se seguem, propostas
seletivamente a duas amostras de 40 consumidores (C) e 40
nao-consumidores (NC).A s opcoes de respostas eram:
- Nao, nao se pode;
- Sim, pode-se;
- Nao sei.
Pode-se dizer que uma dada atividade e cientffica, se ela...
. ..nao produz tecnologia? (C e NC)
. ..nao se ocupa de problemas de medicina? (C e NC)
...nao se concentra sobre a vida em si? (C e NC)
...nao cria novidade? (C)
. ..nao envolve conhecimento? (C e NC)
1 54
. ..nao contribui para a cultura? (C e NC)
...nao se ocupa de problemas das ciencias exatas? (C)
...nao desperta interesse? (C)
.. .nao se relaciona com a natureza? (NC)
... nao se ocupa do corpo humano? (NC)
...nao serelaciona com a carencia ou problemas sociais? (NC)
. ..nao envolve muita intel igencia? (NC)
...nao se ocupa da ecologia? (NC)
...nao resulta em melhoria das condicoes de vida? (NC)
...nao envolve invencao? (NC)
...nao seocupa de problemas das ciencias naturais? (NC)
Mostraram-se estatisticamente significativos (teste do quiquadrado, ao nfvel de significancia de 0,05), no sentido da
refutacao do questionamento (resposta "nao se pode"), os ele-
mentos listados a seguir . Isto significa que, na medida em que
os sujei tos consideraram que nao se pode dizer que uma dada
atividade seja cientifica se ela nao incorpora em sua repre-
sentacao tais elementos, estes tern, assim, sua identificacao com-
provada como integrantes dos respectivos micleos centrais.
CONSUMIDORES NAo-CONSUMIDORES
Desenvolvimento
Conhecimento
Pesquisa
Descoberta
Cultura
Conhecimento
Pesquisa
Descoberta
1 55
Estudostudo
Responsabilidade
Novidade
Os resultados acima parecem prover alguma confirmacao
para a estrutura anteriormente hipotetizada da representacao
Deixaram ainda de ser confirmados como elementos dos
nucleos centrais de ambas as representacoes os itens vida e
medic ina. No caso dos nao-consumidores, sao igualmente des-
confirmados os seguintes itens que pertencem a mesma or-
dem geral de interesses e preocupacoes: n at ur ez a, e co lo g ia ,
corpo, ci indas naturais. A aceitacao do questionamento do ele-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 80/97
social da ciencia man tid a pelos consumidores . De fato, tres dos
principais elementos que sesup6s pertencer ao ruicleo central
sustentaram-se,juntamente com alguns dos demais itens que
se lhesjulgou associados. E0elemento valorativo Responsabi -
l idade, que seconsiderou secundario, foi alcado a condicao decognicao central.
Pesquisa: estudo, descoberta, novidade
Conhecimento: cultura
Desenvolv imenio
Responsabi l idade
Quanto a representacao dos ndo-consumidores , apenas 4
dos 17 elementos anteriormente levantados se sustentaram,
configurando urn micleo central bastante despojado:
Conhecimento
Pesquisa
Descoberta
Es tudo
E interessante notar que 0elemento tecnoiogia, que apre-
sentava uma forte saliencia quantitativa (principalmente nas
respostas dos consumidores), nao veio a ser confirmado pela
aplicacao da tecnica de questionamento, em nenhum dos dois
conjuntos, revelando que setrata de uma associacao pregnan-
te, mas que tal cognicao nao integra 0nucleo essencialmente
definidor da representacao de ciencia. Tal resultado esta, nitida-
mente, de acordo com 0 conhecimento informado da comuni-dade cientifica, congruencia essaque se manifesta tambem em
outros aspectos das representacoes dos dois grupos estudados.
156
mento c i enc ia s exa ta s pelos consumidores completa 0quadro
da consideracao como nao essenciais dos pr6prios objetos
sobre os quais se aplica a ciencia e das praticas espedficas
institucionalizadas como" ciencias".
Finalmente, cabe ressaltar, para posterior discussao, a
nao-confirmacao dos seguintes i tens da representacao dos
nfio-consurnidores, embora freqiiente e prioritariamente
evocados quando do seu levantamento inicial: cu l tu ra , me lho r ia
d e v id a , c a renc ia , i nuencdo e inteligencia.
4.4. Vma nota sobre a distincao entre consumidores e
nao-consurnidores da vulgarizacao cientifica
Antes de se passar a discussao conclusiva da presente pes-
quisa, cabe assinalar que os consumidores e nao-cons?~id~resdiferern entre si em outros aspectos, alem da exposicao SIste-
matica ou nao aspraticas de vulgarizacao cientffica. Alguns de
tais aspectos, de natureza educacional e ocupacional, tern
irnplicacoes 6bvias para a interpretacao dos resultados.
Os conjuntos de consumidores e nao-consumidores en-
trevistados nao se distinguem em termos da distribuicao por
sexo, Tambem pouco se distinguem quanto a distribuicao
etaria, observando-se apenas que os consumidores sao 0do-
bro dos nao-consumidores nas faixas mais jovens (ate 19
anos), enquanto essa relacao se inverte nas faixas imediata-
mente seguintes (20 a 29 anos).
Ambos os conjuntos se distribuem por uma grande va-
riedade de ocupacoes, ressaltando-se que cerca da metade dos
157
nao-consumidores se encontra envolvida em atividades ocu-
pacionais nao especializadas ou exigindo nivel minimo de
escolaridade, enquanto nao sao mais do que 10% os consu-
midores em tais ocupacoes. Ainda, 28% dos consumidores e
8% dos nao-consumidores declararam como ocupacao a con-
di<saode estudantes.
4.5. Conclusoes
Antes de mais nada, cabe reconhecer que asdiferencas em
ocupacao e escolaridade acima assinaladas impedem, como va-
riaveis nao controladas, a atribuicao a vulgarizacao cientifica da
responsabil idade exclusiva pelas diferencas entre as repre-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 81/97
Quanto a escolaridade, quase metade dos consumidores,
mas apenas 10% dos nao-consumidores, tern 0 nfvel superior
completo, e, respectivamente, 16% e 8%, 0superior incom-
pleto. No outro extremo, 15% dos nao-consumidores tern
apenas 0 nivel primario (10 ciclo do 1° grau), contra menos
de 2% dos consumidores nessa condicao. Dentre os que tern
formacao universitaria (completa ou incompleta), os consu-
midores se distr ibuem praticamente por todas as carreiras,
enquanto os nao-consumidores concentram-se mais nas cien-
cias humanas e sociais aplicadas (como Direito, Pedagogia,
Economia e Contabilidade). Em ambos os conjuntos, mas
principalmente entre os consumidores, as ciencias exatas e as
engenharias predominam sobre as carreiras biomedicas,
Considerando a relevancia dos sujeitos se encontrarem
sistematicamente expostos ou nao, por ocasiao da pesquisa, aformas escolares de informacao cientffica, foi perguntado aos
entrevistados se estavam estudando no momento e, em caso
afirmativo, que curso cumpriam. Embora apenas 123 consu-
midores tenham se declarado estudantes em termos ocupa-
cionais, mais 71 informaram estar de alguma forma estudando.
No caso dos nao-consumidores, encontrou-se 34 estudantes
declarados e 53 que possuiam uma outra ocupacao, mas
tambem estudavam. E a seguinte a situacao dos consumidores
em relacao aos nao-consumidores: quase tres vezes mais estao
na universidade; 0 dobro atende a cursos livres; 50% a mais
fazem 02° grau; e0dobro cursa 02° ciclo do 1° grau, 0que
e explicavel pela presenca de 12% dos consumidores na faixa
etaria de menos de 15 anos.
158
sentacoes sociais de consumidores e nao-consumidores. Por
outro lado, entretanto, as semelhancas constatadas entre tais
representacoes afiguram-se como notaveis, na medida em que
os resultados congruentes foram obtidos sob condicoes desfa-
voraveis a sua demonstracao, ou seja, que os tomavam menos
provaveis do que sob outras condicoes de selecao dos sujeitos.
Sabe-se, na verdade, que, em toda parte, a populacao de
consumidores da vulgarizacao cientifica costuma possuir ni-
vel de escolaridade e status socio-ocupacional superiores aos
da populacao de njio-consumidores. Variiveis de ordem mo-
tivacional, como 0 interesse anteriormente despertado (na
escola, em casa e por uma participacao cultural geralmcnte
mais sofisticada), e que responderiam pela disposicao para
uma busca mais intensa de inforrnacoes cientfficas. Asformas
mais atraentes e os conteudos mais diversificados, que carac-
terizam a vulgarizacao cientffica por oposicao aos formatos
hierarquizados, continuos e de descnvolvimento lento tipicos da s
demais instancias institucionalizadas da divulgacao cientifica,
atenderiam principalmente aquelas urgencias ji estabelecidas,
mesmo que nao a elas intencionalmente dir igidas.
Nao obstante, a representacao dos consumidores, apesar
de todas essas predisposicoes intelectuais e motivacionais, nao
parece diferir muito daquela mantida pelos nao-consumido-
res, que apresentam urn background socioeducacional inferior
e pouco ou nenhum acesso atual a informacao cientifica. 0
nticleo central da representacao dos consumidores pareceapenas amp liar os poucos elementos retidos pelo micleo
central da representacao dos nao-consumidores: conhecimento,
p e sq u is a , d e sc o be r ta , e s tu d o. De fato, cultura pode ser vista como
.oj
159
duplicando conhecimento, e a descoberta associam-se a nov idade
que ela cria c a atividade de pesquisa que a enseja.
A sernelhanca notavel, mas nao identidade absoluta, entre
os nucleos centrais indica que, embora nao se trate de uma
unica representacao mantida igualmente por consumidores e
nao-consumidores, as duas representacoes sao simbolica-
ampla do que sepoderia chamar de entendimento academico
basico e tradicional da ciencia,
Quanto ao que distingue as duas representacoes, uma
importante diferenca diz respeito aos dois aspectos inter-re-
lacionados da etica cientffica e das decorrencias socio-econo-
mico-culturais da ciencia, implicadas respectivamente nas
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 82/97
mente bastante proximas. Os elementos comuns basicos, que
esgotam 0micleo central dos nao-consumidores e sao am-
pliados no dos consumidores, nao devem, portanto, ter sua
origem no ensino formal (pelo menos, nao de nfvel superior
ao primario), nem em praticas ocupacionais especializadas,
nem na vulgarizacao cicntifica (pelo menos, nao atraves de re-
vistas). Trata-se, provavelmente, de elementos represen-
tacionais de entranhamento mais profundo e de confirma-
~ao mais cons tante na vida cotidiana de urn grande centro
urbano como 0Rio deJaneiro. A identificacao das irnimeras
possfveis fontes de sua difusao e das praticas socioculturais
onipresentes que garantem sua indiscutibilidade encontra-se,
de qualquer modo, alern do alcance dos recursos mobilizados
na presente pesquisa.
A sernelhanca entre as duas representacoes nucleares eainda bern ilustrada pela ausinaa comum de dois elementos
freqiientemente associados a ciencia: tecnologia, ja aqui co-
mentada, e medidna, a qual outras pesquisas tern atribuido urn
papel prototipico na representacao popular do conhecimento
cientffico (par excmplo, Durant, Evans e Thomas, 1992).
Realmente, com base exclusiva na propriedade da saliencia
dos elementos, medic ina aparece (principalmente entre os
nao-consumidores) como a corporificacao mais evidente da
ciencia, Mas, 0que vern a ser finalmente ret ido como essen-
cial para a representacao da ciencia sao os seus aspectos mais
gerais e abstratos, nao as praticas especfficas que os tornam
concretos, prcsentes e imediatamente acessiveis. Esta e , deresto, uma indicacao que atesta 0 sucesso da difusao social
160
cognicoes centrais responsabilidade e desenvoluimenio da repre-
sentacao dos consumidores. Em seu despojamento, 0 nucleo
central da representacao dos nao-consumidores nao abre espaco
para a explici tacao de tais dimensoes da presen~a humana na
ciencia, retendo desta apenas algo como uma visao intelectua-
lista autonorna.
Estes sao, em principio, resultados surpreendentemente
paradoxais, considerando que objetos concretos, praticas es-
pecfficas e preocupacoes uti li tarias eram mais salientes no
levantamento inicial dos elementos representacionais dos
nao-consumidores do que no dos consumidores. A rigor,
entretanto, as cognicoes centrais nao esgotam uma repre-
sentacao social, a qual se afigura bastante mais rica e diversi-
f icada quando seconvem que os elementos salientes mas nao
integrantes do nucleo central podem funcionar como esque-mas per if e r ico s , que asseguram a eficacia da representacao na
manutencao da realidade social imcdiata e na gestae pratica
da vida cotidiana.
Nesse sentido, parece razoavel supor que os seguintes
conjuntos de elementos da representacao dos nao-consumi-
dores, aos quais provavelmente se associam outros menos
salientes, se consti tuam como esquemas perifericos a partir
do ruicleo central: pesquisa-tecnologia-invetlfi io-desenvolvimento,
n at ur ez a- vid a -e co lo gi a, m e di cin a- co tp o, m e lh or ia d e v id a- ca re nc ia .
Observa-se, assim, que 0 paradoxo detectado e apenas apa-
rente. A "teoria popular" do que seja a ciencia se ramificadesde a idealizacao de urn saber academico puro em direcao
a preocupacoes cada vez mais concretas, aplicadas e explicita-
mente sociais.
161
Por outro lado, a representacao mais informada dos con-
sumidores da vulgarizacao cientificaja integra em seu micleo
central, em urn nfvel razoavelmente elevado de abstracao e
generalidade, os requisitos eticos da ciencia ( responsabi l idade)
e suas relacoes com a sociedade (desenvolv imento) . Pode-se
talvez dizer que, nesse caso, vai-se alem do "entendimento
CON C L u s A o
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 83/97
academico basico e tradicional da ciencia" apropriado pelos
nao-consumidores, no sentido de se configurar uma repre-
sentacao nuclear mais conforme a urn entendimento academico
moderno da ciencia, autocritico e socialmente condicionado.
Certamente, a pratica do consumo da vulgarizacao cientffica
tera, conquanto nao por sis6, desempenhado urn papel nessa
clevacao das dimensoes operacionais, eticas e sociais da cien-
cia ao status de cognicoes centrais.
162
Nos quatro capitulos deste trabalho, conforme anunciado
ejustificado em sua introducao, buscou-se prover, sucessiva-mente: (1) uma visao panoramica do campo de estudos das
representacoes sociais, com enfase aqueles aspectos da entao
chamada "grande teoria", que pareciam suscetiveis de com-
plcrnentacao pela teoria do micleo central; (2) uma apresen-
tacao razoavelmente completa e circunstanciada da teoria do
micleo central, focalizando suas origens, suas proposicoes
basicas e seus refinamentos subsequentes; (3) uma descricao
tao pormenorizada quanta possivel dos diversos metodos
espedficos de pesquisa da organizacao interna de uma repre-
sentacao desenvolvidos pelo C ru po d o M id i; (4) 0 relato ilus-
trativo de uma pesquisa,brasileira, concebida segundo a teoriado micleo central e conduzida atraves de uma metodologia
elaborada em congruencia com suas proposicoes.
Na presente conclusao, quer-se produzir, a luz das infor-macoes proporcionadas nos capftulos precedentes e atraves de
diversas ordens de argumentacao, urn convencimento final
quanta a relevancia da teoria e da pesquisa do miclco central
para 0desenvolvimento do campo de estudos das repre-
sentacoes sociais. A diferenca, entretanto, do esti lo quase
didatico assumido na introducao e naqucles capftulos, perrni-
tit-se-a agora urn desenrolar algo menos sistematico e hierar-
quizado dos argumentos, visto que nao se pretende retomarponto por ponto asideias desenvolvidas no carpo do trabalho,
mas ressaltar as implicacoes mais importantes ou menos
6bvias de seus principais aspectos distintivos.
163
A insercao historico-academica da teoria do micleo cen-
tral no campo das representacoes sociais cumpre urn papel
que Moscovici legitimou, desde 0nfcio e de modo reiterado,
ao considerar sua propria teoria como em processo de conti-
nua elaboracao. Nao obstante, ao inves de ensejar a prolifera-
~ao de "microteorias" relativamente autonornas, 0 campo de
abrangentes de trabalhos atualizados de elaboracao teorica,
sisternatizacao metodologica e de relatos da producao empi-
rica espedfica do G ru po d o M id i. A proxima realizacao de uma
terceira conferencia internacional precisamente em Aix-en-
Provence, em 1996, devera seguramente ensejar novos apor-
tes a sedimentacao e a disseminacao das perspectivas teoricas
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 84/97
estudos - de que Moscovici (1988) dizia nao saber de antemao
como iria se desenvolver - encoraja 0 surgimento de novas
proposicoes que contribuem, como quer Flament (1989),
"para que a teoria das representacoes sociais se torne mais
heurfst ica tanto para a pratica social quanto para a pesquisa"(p. 204). E essa cspecie de complementacao da teoria geral que
se acredita ser proporcionada pela teoria do nucleo central.
Interessantemente, a teoria do micleo central parece ter
seguido uma trajetoria socio-acadernica bastante semelhante
a d ag ra nd e t eo ri a. De fato, tendo permanecido durante dezes-
seis anos, desde 1976, praticamente confinada aos limites do
"Midi" e a discussao por parte de urn grupo restrito de crfticos
e estudiosos, a teoria despontou para uma consideracao mais
ampla no ambito do campo de estudos em 1992, quando
diversos desenvolvimentos teoricos e metodologicos foram
comunicados na 19International Conference on Social Re-presentations, Ravello, Italia, e atraves de urn mimero especial
do Bu ll e ti n d e P s y ch o lo g ie sobre "Novas perspectivas em psico-
logia social", dos quais se pode destacar: Abric (1993), Gui-
melli (1993b), Guimelli e Rouquette (1992), Verges (1992),
Moliner (1992).
Prolongando essa especie de parentese socio-historico-
acadernico, registre-se que 0 ano de 1994, por seu turno,
parece ter consti tuido urn outro marco significativo no pro-
cesso de difusao da teoria, atraves de uma importante partici-
pacao na 2i!Conferencia Internacional sobre Representacoes
Sociais, no Rio de Janeiro, e da publicacao de dois livros,editados respectivamente por Abric (1994), da Universite de
Provence, e por Guimell i (1994), da Universi te Paul Valery
(Montpellier III), que constituem oportunas coletaneas
164
e metodologicas do rnicleo central.
Voltando ao esforco de conclusao substantiva deste traba-
lho - 0qual, de resto, tambern se pretende uma contribuicao
a maior familiarizacao com a teoria do micleo central- suge-
re-se tomar como referencia para asdiscuss6es que seseguem
a distincao, proporcionada por De Rosa (1994), entre os
diferentes nfveis em que se apresenta 0 termo "representacoes
sociais". A autora, ela propria uma produtiva estudiosa do
campo e especialmente sensfvel aos seus aspectos epistemo-
logicos, assim define tais nfveis e alerta para os riscos de
trata-los indistintamente:
" Niv el a : representacoes sociais como f en smeno, isto e, "forrnas
de saber" caracterfst icas da realidade social , que emergem na
vida cot idiana durante as cornunicacoes inte rpessoai s e sao
orientadas para a cornpreensao e 0 controle do ambiente ffsico
e social;
Nioel b: uma teoria das representacoes sociais, isto e, a colecao
de definicoes conceituais, operacoes metodologicas e formula-
«ao de constructos que tern as representacoes sociais como seu
objeto;
Nive l e: u ma m e t at e or ia das representacoes sociais, isto e , a colecaode comentarios crf ticos, replicas e comparacoes com outros
modelos teoricos que emergem do debate crf tico sobre a teor ia
das representacoes sociais.
Confundir esses tres nfveis, por exemplo, atribuindo a teoria
das representacoes sociais (nfvel b) 0 carater transiente e dina-
mico das representacoes sociais como fen6menos do cambiantemundo social (nlvel a) e confundir os objetos da teorizacao
cientifica com a propria teorizacao. Igualmente, confundir 0
nivel teorico b com as reflexoes articuladas sobre ele (c ) e suas
165
relacoes com outras formas de teorizacao e perder de vista a
mudanca de foco do ult imo caso para urn "metanivel" onde os
obje tos fo rmal izados e investigados nao sao mais as repre -
sentacoes sociais como tais, mas a teoria dessas representacoes"
(De Rosa, 1994:273-275).
A contribuicao do G rupo do M id i ao campo das repre-
sentacoes sociais se da fundamentalmente ao n iu el b da teori-
externos cri ticos. Isso deve, entretanto, comecar a ocorrer
com mais frequencia, face a insistencia com que a abordagem
tern seexposto, aoamp liar, circunstanciar e formular cada vez
mais explicitamente sua rede de proposicoes teoricas e meto-
dologicas, Para dar urn desses primeiros raros exemplos,
pode-se citar a crft ica (nao espontanea, mas encomendada
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 85/97
za~aoou, melhor dizendo, ao nfvel da complementacao teorica.
A teoria do micleo central nao envolve uma analise critica das
proposicoes basicas da teoria geral das representacoes sociais,
mas focaliza sua atencao sobre os proprios fenornenos de
representacao social. Enquanto outros tipos de contribuicoes
perscrutam e avaliam a teoria geral, para decidir sobre seu
ambito de aplicacao, abrindo-lhe ou interditando-lhe certas
interfaces, ou para nela descobrir sentidos implfcitos antes
insuspeitos, e assim "metateoricamente" por diante, a teoria
do micleo central parece se preocupar mais em prover solu-
<_;oeseoricas e metodologicas para algumas intrigantes mani-
festacoesdos fenomenos de representacao socialque semostrem
compatfveis com aquela matriz teorico-conceitual bisica.
A crftica metateorica e obviamente imprescindfvel para a
evolucao de urn campo de estudos, mas nao sepode esquecerque a materia-prima para a sua aplicacao e a propria constru-
<_;aoeorica. A argumentacao metateorica nao da conta da
descricao e da explicacao dos fenomenos, nem the compete
evidenciar relacoes entre aspectos diversos de tais fenomenos
ou entre estes e suas condicoes de atualizacao. Este e, na
verdade, 0papel da teoria: por urn lado, construir-se tomando
estr itamente por objeto os fen6menos do campo e, por outro
lado, oferecer-se como objeto a metateoria. No campo das
representacoes sociais, a teoria do micleo central constitui a
abordagem que mais tern se empenhado no cumprimento
sistematico de tal papel . A rigor, ela parece nao ter sido ainda
descoberta como objeto atraente para a analise metateorica,
visto que sao poucos os trabalhos que sepropoern a examinar
suas proposicoes a partir de uma perspectiva e de criterios
166
pelos editores de Pap e rs o n So ci al R e p re s en ta t io n s) de Deconchy
(1993) a concepcao da organizacao interna das representacoes
sociais em urn sistema central e urn sistema periferico como
proposta por Abric (1993).
Para dar conta da singularidade da teoria do micleo cen-
tral, cabe observar que 0 campo maior das representacoes
sociais tern tradicionalmente repudiado as exigencias de pre-
cisao e rigor tanto na definicao de seus termos teoricos quanta
na operacionalizacao de hipoteses de pesquisa. De fato, quan-
do da inauguracao do campo, Moscovici se recusou inclusive
a formular uma definicao unica e inequfvoca de repre-
sentacoes sociais, justificando essa recusa como uma estrate-
gia para evitar a cristalizacao prematura do processo de
construcao teorica. Assim, em uma das primeiras crfticas
surgidas a P sy ch an al ys e, s on im ag e e t s on p ub lic , Figueira (1980)
chegou a listar doze maneiras diferentes pelas quais Mosco-
vici se referira ao conceito e aos fen6menos de representacao
social. Embora alguns autores, como Si (1993b) e Rob Farr
na passagem abaixo, alertem para a necessidade de uma re-
consideracao daquela estrategia, outros continuam a defender
algo como uma pratica assumida da reticencia e da imprecisao.
"Tinha-se razao, hi trinta anos, de nao comecar pelas definicoes,
Hoje, 0 perigo e diferente. Corre-se 0 r isco de tudo ser consi-
derado como representacao social. E importante precisar 0 que
nd o e uma representacao, Como esta se relaciona a outros
termos te6ricos-chave nas ciencias sociais, tais como atitudes,
opinioes, estere6tipos, ideologias etc., deve agora ser definido.
Isto pode ser fei to doravante a luz da pesquisa empfr ica dos
ult imos t rinta anos. Nao se t rata unicamente de uma querela
sobre definicoes" (Farr, 1992: 187).
. . .
167
A abordagem do nucleo central revelou-se sempre, pro-
vavelmente em funcao de sua enfase experimental, preocu-
pada com a explicitacao de seus conceitos, proposicoes
teoricas e operacoes metodologicas, A imprecisao nao e ai
justificada como parte de uma estrategia intencional ou da
complexidade do fenomeno, mas e sim assumida como re-
como sistemas de acolhimento para a ancoragem dos feno-
menos das representacoes sociais. Na verdade, 0 nfvel apro-
priado para essa discus sao e 0 nfvel metateorico, pois que a
distincao que criou a necessidade de tal articulacao foi produ-
zida ao nfvel teor ico. au seja, 0problema decorreu da pro-
posicao de duas diferentes perspectivas teorico-conceituais
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 86/97
sultado de uma real limitacao da teoria (ateentao, pelo menos)
para explicar determinados fatos ou mesmo apreender 0
significado de certas evidencias inesperadas. Com frequencia,
tais aspectos intrigantes e desafiantes dos fenomenos de re-
presentacao social so se apresentam porque produzidos pelaorientacao impressa inicialmente a pesquisa pela propria teo-
ria do nucleo central. as desdobramentos e refinamentos
teoricos e metodologicos a que se fez freqtientes referencias
neste trabalho sao uma decorrcncia do enfrentamento desses
tipos de desafios, da necessidade de setornar capaz de explicar
tudo 0que intriga.
E nesse sentido que a teoria do micleo central tem se
construido a partir dos fenomenos estudados, de forma a
complementar da maneira mais explfcita possfvel a teorizacao
abrangente das representacoes sociais. Algumas dessas com-
plementacoes, ja tratadas no corpo deste trabalho, merecemser agora recuperadas e comentadas cri ticamente como uma
primeira aproximacao para sua inclusao no elenco de questoes
a alimentar a analise metateorica.
Uma das mais significativas contribuicoes da teoria talvez
tenha sido a assimilacao de importantes aspectos do conceito
de representacoes coletivas ao sistema central da estrutura das
representacoes sociais em geral. Busca-se solucionar com
isso, ao nfvel mesmo da teoria, 0 problema sempre recorrente
da distincao entre representacoes coletivas e representacoes
sociais . De fato, freqtientemente, elas sao tratadas como fe-
nomenos de naturezas muito distintas e se despende umintenso esforco de argumentacao para dar conta a poster ior i de
sua art iculacao. N esse sentido, ja se disse, por exemplo, que
os fenornenos das representacoes colet ivas funcionariam
168
sobre 0mesmo campo fenomenal, as quais foram, muitas
vezes, tomadas como indicativas de uma correspondente se-
paracao entre fenomenos absolutamente dist intos, confun-
dindo-se assim, como denunciado por De Rosa, fenomenos
e teorias sobre os fenomenos.
A distincao conceitual primeira, por Durkheim, entre
representacoes coletivas e representacoes individuais, encon-
tra-se certamente na origem do problema. Quando Mosco-
vici demonstrou que as representacoes correntes do mundo
moderno nao se enquadravam nas caracterfsticas teoricamen-
te atr ibufdas as representacoes coletivas e propos uma nova
teoria para explicar aqueles aspectos ate entao nao-vislumbra-
dos dos fenornenos representacionais, ficou uma impressao
irresistfvel de que se estava reeditando a anterior separacao
durkheimiana entre "coisas sociais" e "coisas psicologicas".
Visto que a nocao de representacoes sociais era proposta poruma psicologia social, nao ficava dificil assimilar a estas as
antigas representacoes individuais, e aquela separacao seman-
tinha. Para tentar corrigir os efeitos perversos da enfase inicial
sobre a emergencia contemporanea de representacoes, recor-
de-se que Moscovici propoe (ver capitulo 1) uma tipologia
das representacoes em funcao de suas geneses, pela qual as
representacoes coletivas sao assumidas como objeto de estudo
da teoria geral das representacoes sociais sob 0 rotulo de
representacoes hegernonicas.
A teoria do micleo central , no cumprimento de seu papel
acadernico de complernentacao da teoria geral vai alern da-quela proposta de Moscovici e parece incorporar diversos
possfveis elementos basicos das representacoes hegemonicas
(ligados a memoria coletiva e a hist6ria do grupo) a propria
169
estrutura te6rica da organizacao intema das representacoes
sociais, localizando-os no seu micleo central e atribuindo-
lhes funcoes definidas na explicacao dos fenornenos de re-
presentacao social. Se se trata ou nao de uma boa solucao
teorica, isto e uma questao a ser decidida nao so pela testagem
empfrica sistematica da teoria, mas tambem pela crft ica me-
tateorica, a qual ela se expoe atraves de tal aproximacao im-
dos fenomenos de representacao social. Esse risco e tanto mais
real quanto mais se observa hoje a proliferacao de pesquisas
empfricas, pouco informadas teoricamente, sobre "repre-
sentacoes sociais de qualquer coisa".
o que se quer dizer aqui e que, em urn estagio mais
avancado do campo de estudos, nao deve bastar a descricao
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 87/97
plfcita.
Uma outra elegante solucao teorica, ao nfvel igualmente
do sistema central, merece ter sua importancia inicialmente
enfatizada, para severificar em seguida como a teoria trata dealgumas dificuldades explicativas que acabam por decorrer da
propria solucao. Considerando que 0micleo central organiza
todos os demais elementos da representacao e lhes confere
seu significado, a teoria propoe que duas representacoes ou
dois estados subseqiientes de uma mesma representacao se-
jam considerados diferentes apenas se os seus respectivos
micleos centrais tiverem composicoes nitidamente distintas.
A possibilidade comparativa mesma decorre da exigencia
teorica de se caracterizar uma representacao, nao exclusiva-
mente pelo seu conteudo global, como e comum em muitas
pesquisas empfricas, mas tambern pela forma como esse con-t~udo se organiza em elementos centrais e elementos perife-
ncos.
Seesta nao parece uma contribuicao exatamente original,
visto que 0micleo central constitui uma derivacao do micleo
figurativo, ela e capaz - e isso e muito, em se tratando de urn
processo de complernentacao teorica - de proporcionar urn
criterio, ate entao nao-advertido, para fazer avancar 0campo
das representacoes sociais, no sentido da superacao dos riscos
de urn deslize para apreensoes mais 'jomalfsticas" (sem se
estar com isso desconsiderando 0papel da atividade jornalfs-
tica na producao dos fenornenos de representacao) do quecientfficas (no sentido amplo da teorizacao sobre as repre-
sentacoes, inclusive no que serefere a sua determinacao pelos
meios de cornunicacao de massa), para nao dizer "anedoticas",
170
iso~a~a das representacoes sociais de diversos objetos, por
mats mteressantes que possam parecer, mas que tais descricoes
devem ser comparativamente articuladas a outras - por exem-
plo, asmantidas sobre 0mesmo objeto por uma populacao deinsercao socio-historico-cultural (ou econornica, ocupacio-
nal, educacional, demografico-regional, ecologica enfim) di-
versa - para que possam proporcionar urn conhecimento
significativo. Caso contrario, a comparacao - em si sempre
inevitavel= dos eventuais consumidores desse conhecimento
sera fei ta em relacao as suas proprias representacoes sociais
(nao-explicitadas) do objeto, 0que podera proporcionar no
maximo algo como uma divertida constatacao do relativismo
psicossociologico que ("ainda?", e esta e a divertida surpresa)
caracteriza as sociedades contemporaneas. E 0 mesmo que
com frequencia resultou da producao macica, no infcio do
seculo, dos relatos de usos e costumes de povos ditos primi-
tlVOS pela antropologia cultural, que nao se encontrava em
condicoes de (ou disposta a) aplicar 0seu rnetodo a propria
cultura em que fora academicamente engendrada. Assim, se
se acredita que seja aplicavel a psicologia social das repre-
sentacoes sociais a advertencia dirigida anteriormente por
Durkheim a sociologia, no sentido de que esta deveria ser
comparativa ou nao seria sociologia alguma, e a teo ria do
nucleo central que cabe0principal merito de tomar possiveis
os estudos comparativos.
As "elegantes" proposicoes teoricas que acabam de ser
discutidas se referem especificamente ao micleo central, e as
possibilidades que elas abrem para a pesquisa decorrem de
solucoes metodologicas orientadas para 0 levantamento e a
identificacao dos elementos desse nucleo, Observa-se af urn
171
privilegio ao constructo de nucleo central que pode ser visto -
e freqiientemente 0 e - como esgotando a propria nocao de
representacao social ou, pelo menos, implicando a negacao de
maior importancia aos seus componentes estruturais perife-
r icos. Esta visao faria com que a teoria ainda se apresentasse
como elegante ou parcimoniosa, mas acabaria, no primeiro
caso, por exduir do campo a enorme quantidade de repre-
concentracao continuada sobre problemas bem definidos e
sobre novos problemas que surgem em funcao das solucoes
teoricas e/ou metodologicas encontradas para problemas an-
teriores.
Ao mesmo tempo, a evolucao da teoria, desde urn inves-
timento inicial exdusivo sobre a nocao de micleo central,
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 88/97
sentacoes que nao possuem urn micleo central identificavel
e, no segundo caso, por explicar 0essencial do fenomeno
representacional, mas deixando de lado os seus aspectos cir-
cunstanciais, que sao precisamente os que melhor seprestama caracterizacao dos diferentes conjuntos sociais que part i-
lham uma mesma representacao. 0 que sequer aqui enfatizar
e que a lei tura atenta da teoria do nucleo central nao autoriza
essas interpretacoes apressadas, como se pode depreender da
dist incao que ela veio a estabelecer entre representacoes au-
tonomas e representacoes nao-autonornas, bern como da sua
extensa ocupacao com as cognicoes perifericas condicionais.
Estes sao, por certo, desenvolvimentos teoricos recentes,
mas 0que importa e que ocorreram, e ocorreramjustamente
em funcao do carater cumulativo inerente ao desenvolvimen-
to da teoria do rnicleo central, 0 que, de resto, nao parecemuito comum nestas searas. De fato, a esse proposito.jones
(1985) observa que "os desenvolvimentos nas ciencias sociais
tendern a ser menos cumulativos e cada interesse de pesquisa
e portanto mais limitado no tempo" (p. 54). Se os trinta anos
de existencia do campo das representacoes sociais constituem,
segundo Moscovici (1993), uma prova de que sua teoria
expressa alguma verdade e trata de algo profundo, os dezoito
anos de atividade do G r up o d oM i d i demonstram uma persis-
tencia no desvendamento dessa profundidade que resulta em
um conhecimento efetivamente cumulativo. Enquanto que
o campo como um todo e a teoria geral sao marcados por umaexuberancia de abordagens e de apropriacoes, 0que distingue
a teoria do nticleo central nesse campo e faz dela urn empreen-
dimento exemplar de complernentacao da teoria geral e a
1 7 2
passando pela concepcao de representacoes que podem ser
formadas a part ir dos micleos de outras representacoes, dis-
tintas em si das "nao-representacoes" (ou seja, das meras
opinioes ensejadas por determinados objetos), ate a atual
reavaliacao das funcoes cumpridas pelo sistema periferico(como, por exemplo, a modulacao individualizada das repre-
sentacoes), introduz uma saudavel "desorganizacao" na apa-
rente limpidez dos conceitos estruturais. Trata-se, nao
obstante, de uma desorganizacao "sob controle" (teorico), a
que se chegou nao como uma especie de concessao ao que
parecia moeda corrente em outras abordagens menos rigoro-
samente formuladas, mas sim atraves de urn processo corre-
t ivo propiciado pelos resultados cumulativos da pesquisa. A
diferenca resultante e que a teoria continua a propor a "exis-
tencia" (teorica) de urn micleo central (no caso das repre-
sentacoes autonornas), que responde pelo carater absoluto e
consensual basico da representacao e que "gerencia" as cog-
nieces perifericas condicionais. E provavel que uma explici-
tacao teorica semelhante venha a ser adequadamente aplicada
tambem as representacoes nao-autonomas, quando se tiver
podido equacionar melhor 0problema da ernergencia de sua
organizacao interna a part ir de diferentes aportes externos
identificaveis.
Ainda a proposito da flexibilizacao conferida a repre-
sentacao pelos elementos perifericos, e interessante ressaltar
o quanto isto aproxima a teoria do rnicleo central da outra
principal cornplementacao da teoria geral das representacoessociais, qual seja, a concepcao de Doise quanta as repre-
sentacoes como prindpios organizadores de tomadas de po-
sicoes. Embora a nocao de princfpio organizador pudesse ser
.~
173
ja intuit ivamente tomada como nao muito distingufvel da de
micleo central, na medida em que se concebe este como
constituido de prescricoes absolutas que orientam 0 compor-
tamento, Doise sempre defendeu 0 carater nao-consensual
das representacoes, argumentando que muitas diferentes to-
madas de posicao podem se organizar a part ir de urn mesmo
princfpio representacional. Ao contrario, a consensualidade
,I
colocou a questao da localizacao dos limites de uma repre-
sentacao social, 0que e uma grave lacuna" (p. 106).
A que mais baixo nivel de saliencia ou de conexi dade, por
exemplo, uma determinada evocacao pode ser ainda conside-
rada urn elemento periferico significativo, funcional , e nao
uma simples opiniao provocada e sem qualquer relacao com
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 89/97
foi desde 0 inicio uma caracteristica dist intiva da tcoria do
nucleo central. Tal aspecto e entre tanto mitigado nas novas
versoes da teoria, pelas quais as cognicoes centrais mantern
aquele carater consensual, mas as cognicoes perifericas pas-sam a responder por uma extensa variabilidade de relaciona-
mentos com 0 objeto de representacao , em funcao
principalmente das praticas concretas que envolvem urn de-
terminado sujei to e 0objeto.
Parece assim que pelo menos ao nfvel teorico, as duas, ,
perspectivas nao se mostram mais tao distantes, registrando-
se inclusive esforcos adicionais de aproximacao, como 0de-
senvolvido por Moliner (ver capitulo 2). No campo
metodologico, entretanto, muitas diferencas persistem, ja
que, como sustenta Doise (ver capitulo 3), asofisticada analise
estatfst ica que seu grupo explora e incompatfvel com uma
concepcao consensual das representacoes sociais e, por outro
lado, a pesquisa empfrica conduzida segundo a teoria do
micleo central continua privilegiando, atraves de uma meto-
dologia propria, 0acesso as cognicoes consensuais centrais.
Urn problema com a estruturacao teorica das repre-
sentacoes em urn sistema central e urn sistema periferico, cuja
persistencia e forcoso admitir, e que os elementos perifericos
continuam sendo "0que sobra" dapesquisa do nucleo central.
Este parece urn dos principais desafios com que deve se
defrontar agora0
G rupo do M id i, nao apenas em termosmetodol6gicos, mas tambern em termos teoricos prelimina-
res, pois como admite Flament (1994a), " e preciso reconhecer
que a abordagem estrutural das representacoes sociais nao se
174
o micleo central? Obviamente, a resposta a essa questao - em
si, mal colocada - nao sera exclusivamcntc quantitat iva. Fa-
zem falta, para 0 adequado enfrentamento do problema, crite-
rios de operacionalizacao das propriedades qualitat ivas (ou
seja, teoricas) dos elementos perifericos, como, por exemplo:
a modulacao individual das representacoes que tais elementos
possibilitam a partir das diferentes hist6rias e backgrounds
pessoais; ou a ativacao diferencial de esquemas perifericos em
funcao das praticas vigentes em uma dada subpopulacao.
De qualquer modo, 0 desenvolvimento ja verificado nos
cstudos sobre as relacoes entre as representacoes e as praticas
sociais, principalmente a luz do principio da condicionalida-
de, devera acabar por exigir e ensejar a producao de uma
metodologia teoricamente informada para 0 mapeamento
funcional dos prescritores perifericos, A nocao de "subestru-turacao periferica" ou SS P (de sou s -s t r uc tu r at i on pe r iph i ri q u e ),
formulada, segundo Flament (1994a), por Katerelos, em
1993, precisamente para dar conta de algo como uma "geren-
cia pr6xima" das cognicoes condicionais de uma subpopula-
~ao envolvida em determinada pratica social , podera talvez
constituir urn born comeco.
Uma interessante ilustracao das dificuldades interpreta-
tivas decorrentes da nao-delimitacao dos elementos periferi-
cos pode ser extraida da pesquisa relatada no capitulo 4. Exa-
minando-se 0primeiro levantamento global dos elementos
da representacao da ciencia por parte dos njio-consumido-res da vulgarizacao cientffica, considerou-se a principio extre-
mamente interessantes e pertinentes para os prop6sitos com-
"
175
parativos da pesquisa dois elementos nitidamente perifericos:
"modo de vida" (modo de agir, maneira de lidar com as
pessoas, ciencia dos bons costumes, convivencia humana,
born comportamento, ser educado, viver em paz); e "arte de
saber" (estar ciente, estar ciente de alguma coisa, ciente do que
esta acontecendo, ter conviccao do que esta fazendo, quase
certeza, conscientizacao, experiencia de vida). Tais elementos
1 rencia de significado - estabelecidas entre 0 nucleo central e
os possfveis esquemas perifericos formados por aqueles ele-
mentos mais salientes que nao vieram aser confirmados como
pertencentes ao nucleo. 0 relativo nfvel de abstracao em que
todos os elementos, tanto os centrais quanto os perifericos,
foram formulados/evocados, facilitou 0 processo de seu rela-
cionamento pelo pesquisador. 0 que dizer, entretanto, das
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 90/97
se encontravam inteiramente ausentes da representacao dos
consumidores e, nao so par isso, mas tam bern por sua original
ingen uidade (em relacao por certo a representacao informa-
da da equipe de pesquisa), despertaram 0 interesse inicial dosautores.
Tratava-se de cognicoes emitidas com razoavel freqiiencia
(pouco abaixo da freqiiencia media) e bastante prontamente
(ordens de evocacao abaixo da ordem media), 0 que conduzia
a tentacao de toma-las "aproximativamente" como boas can-
didatas para a composicao do micleo central, em acrescimo a s
dezessete ja consideradas. Isto teria tornado os resultados do
levantamento inicial dos possiveis elementos do micleo cen-
tral simplesmente muito mais interessantes. Preferiu-se, en-
tretanto, mante-los na condicao de elementos perifericos, aos
quais deveriam sejuntar os varies outros (quatorze, ao finalde tudo) que nao seriam confirmados como centrais pela
aplicacao dos procedimentos de identificacao definitiva. Re-
corde-se, ainda, que 0nucleo central da representacao dos
nao-consumidores revelou-se bastante mais despojado do
que 0da representacao dos consumidores, no sentido de uma
concepcao mais "academicamente conservadora" de ciencia,
o que pode reforcar a suspeita de que, de qualquer forma,
"modo de vida" e "arte de saber"igualmente nao semanteriam
como cognicoes centrais.
o problema que persiste e 0da organizacao dos elemen-
tos perifericos pelo micleo central, que, por seu turno, estaintimamente vinculado ao da propria delimitacao da regiao
periferica, Na pesquisa relatada foi possfvel especular, funda-
mentadamente, sobre as relacoes - de organizacao e confe-
176
prescricoes extremamente praticas e orientadas para 0 funcio-
namento cotidiano implicadas em "modo de viver" e "arte de
saber"? Nao resta duvida de que, sefazem realmente parte da
representacao, trata-se de elementos perifericos, aptos a cum-prir as funcoes previstas pela teoria, quase urn "exemplo de
livro" da natureza de uma periferia. Alern disso, devem de-
sempenhar urn papel na comparacao entre as duas repre-
sentacoes, pelo menos a partir do momenta em que se pode
distingui-las com base nas configuracoes de seus respectivos
micleos centrais.
Os metodos de levantamento e de identificacao do micleo
central, por mais objetivos, criteriosos e teoricamente infor-
mados que sejam, nao parecem, assim, suficientes para dar
conta da apreensao global de uma reprcsentacao social . Por
outro lado, na ausencia destes, abre-se urn perigoso espaco
para avaliacoes meramente impressionistas da importancia
relativa das diferentes cognicoes para a organizacao da repre-
sentacao, Por exemplo, 0 simples fato de que determinados
elementos, como "modo de viver" e "arte de saber", a dife-
renca de quase todos os demais, estao presentes em uma, mas
nao em outra representacao do mesmo objeto, poderia levar
a que se superestimasse seu papel na estruturacao da repre-
sentacao de que participam, quando, a rigor, podem apenas
proporcionar uma inforrnacao comparativa secundaria, por-
que periferica.
Mas, voltando a questao da organizacao da periferia,
como situar esses elementos em relacao ao conjunto dos
elementos perifericos muito salientes - e tao mais abstratos
. .
177
quanto medicina, natureza, desenvolvimento, ecologia, tee-
nologia, vida etc. - e, simultaneamente, a elementos muito
menos salientes e tanto mais concretos (materia escolar, ves-
tibular, alimentacao, casa etc.) quanta genericos ou abstratos
(verdade, poder, modernidade, prindpio etc.)? Ou, colocan-
do a questao de outro modo, onde "acaba" a representacao?
Nos esquemas perifericos esbocados no capitulo 4, na consi-
uma seric de tratamentos analiticos, retornar auma abordagem
mais sintetica que permita conhecer 0 funcionamento contex-
tualizado da representacao que permite integrar os elementos
situacionais (contexto do estudo), as atitudes e os valores que
subjazem a producao dos sujeitos, as refercncias ao vivido
individual ou coletivo. Fase essencial do trabalho que vai per-
mitir ressituar a representacao e 0 conjunto dos fatores psico-
16gicos,cognitivos e sociais que a determinaram. 0 retorno a
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 91/97
deracao adicional dos elementos singulares aqui discutidos,
ou em algum outro ponto que inclua determinadas cognicoes
de evocacao menos sistematica, mas nao outras? Ou, ainda
de outra maneira, em termos mais questionadores, como saberse"modo de vida" e "arte de saber", enquanto elementos repre-
sentacionais sereferem efetivamente ao objeto "ciencia"? Podera
ter sido outro 0 objeto de representacao quando os sujeitos
evocaram aquelas expressoes frente a palavra-estfmulo "cien-
cia"? Quando eles as uti l izam em diferentes situacoes davida
cotidiana estarao com isso representando 0conhecimento
cientffico?
Embora essa "grave lacuna" no estabelecimento dos limi-
tes de uma representacao social, como se refere Flament
(1994a), nao possa ser cabalmente preenchida senao em ter-
mos te6ricos, alguma solucao parcial mais imediata pode serproporcionada pela "abordagem plurimetodol6gica" que
Abric (1994d) propoe insistente e enfaticamente. De fato, os
resultados da pesquisa empfrica obtidos em fimcao das tres
etapas metodol6gicas ja aqui consideradas - coleta do conteii-
do da representacao (atraves de entrevistas, complemcntadas
por algum metodo associativo), levantamento da estrutura e
especialmente do micleo central da representacao, verificacao
da central idade dos elementos - podem receber urn esclare-
cimento conclusivo atraves de uma quarta etapa de "analise
da argumentacao", que 0autor assim descreve ejustifica:
"0 pesquisador conhece nesse momenta do estudo0
conteudoda representacao, a estrutura interna e 0 nucleo central. Falta,
para completar a analise, ver como esses diferentes constituin-
tes se integram em urn discurso argumentado. Portanto, ap6s
178
essa enunciacao exige a reutilizacao de tecnicas de entrevista
que permitam a explicitacao do conteudo e das relacoes colo-
cadas em cvidencia nas fases precedentes e compreender a
representacao em suas dimens6es individuais e coletivas"(Abric, 1994d: 80).
Esta ultima transcricao de uma fala do autor da teoria do
nucleo central - ou melhor, do seu propositor primeiro, ji
que, face ao engajamento macico do C ru po d o M id i na produ-
CSaode urn conhecimento cumulativo, a teo ria escapa a per-sonalizacao - remete a consideracoes conclusivas sobre uma
ultima de suas caracterfsticas distintivas, a enfase sobre a
experimentacao. Realmente, 0conteudo da transcricao de-
monstra que 0investimento no metodo experimental , por
parte da teoria do nucleo central , nao a transforma autorna-
ticamente em uma perspectiva "experimentalista". A experi-mentacao serve nessa abordagem a finalidades bern definidas,
ou seja, nem mais nem menos, aquelas para as quais ela e
melhor equipada: a comprovacao ou refutacao de aspectos
cruciais da teoria, atraves da verificacao de hip6teses por eles
suscitadas; e, na pesquisa substantiva, a confirmacao de evi-
dencias obtidas a partir de metodos mais abrangentes e flexi-
vets.
Concluindo, 0metodo experimental nao se torna urn
"fetiche" nas maos dos te6ricos e pesquisadores do nucleo
central, os quais, ao contrario, parecem se dispor sempre a
art icula-lo com outros procedimentos, em proveito da pro-
ducao de resultados capazes de fazer avancar a teoria e a
pesquisa das representa~oes sociais. Por outro lado, parece ser
precisamente 0seu emprego judicioso, associado a manuten-
.<J
179
~ao da perspectiva "mais social" caracterfstica da psicologia
social europeia, que torna hoje a teoria do nucleo central uma
das abordagens mais originais, objetivas e promissoras daque-
Ie campo de estudos.
B I B L I O G R A F I A
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 92/97
180
ABRIC,J .-C. A theoretical and exper imental approach to the s tudy
of social representat ions in a si tuation of interaction. In: R.M.
FARR & S. MOSCOVICI (Eds.). Soc ial rep resen tat ions . Cam-
bridge, Cambridge University Press, 1984a, 169-183.
-. r; art isan et l 'art isanat: analyse de contenu de las tructure d 'une
representation sociale. B u ll et in d e P s yc ho l og ie , 37 (366), 1984b,
861-875.
I: etude experimentale des representa tions sociales. In: D.
JODELET (Ed.) . Le s r e pr e se n ta t ion s s oci a le s . Paris, Presses Uni-
versitaires de France, 1989, 187-203.
-r-r-, Central system, per ipheral system: their functions and roles in
the dynamics of social representations. P a pe rs o n s oc ia l r ep re -
sentations,2 (2), 1993,75-78.
- . P r a ti qu e : s oc ia le s e t r e pr e se nt at io n s. Paris, Presses Universitaires deFrance, 1994.
Les representat ions sociales: aspects theoriques, In: J.-c.
ABRIC (Ed.). Pra t iq u e s s oci a le s e t r e pr e se n ta t ion s. Paris, Presses
Universitaires de France, 1994a, 11-35.
r; organisation interne des representations sociales: systerne
central et systeme peripherique. In: C. GUIMELLI (Ed.).
, S tr uc tu re s e t t ra ns fo r m at io n s d e s r e pr e se nt at io n s s oc ia le s. Neuchatel,
Delachaux et Niestle, 1994b, 73-84.
-. Pra tiques soc ia les, representat ions sociales. In: J.-C. ABRIC
(Ed.). Pra ti q ue s s oci a le s e t r e pr e se n ta t ion s. Paris, Presses Universi-
taires de France, 1994c, 217-238.- . Methodologie de recueil des representat ions sociales. In: J .-c.
ABRIC (Ed.). Pra t iq u e s s oci a le s e t r e pr e se n ta t ion s. Paris, Presses
U niversitaires de France, 1994d, 59-82.
. .
181
ABRIC,].-C., FAUCHEux, c.MOSCOVICI, S. & PLON, M.
Role de l'image du partena ire sur la coopera tion en situat ion
dejeu. PsychologieJranfaise , 12 (4),1967,267-275.
ABRIC, ].-c. & MORIN, M. Recherches psychosociales sur la
mobilite urbaine et les voyages interurbaines. Le s cahiers inter-
n a ti on a ux d e p sy ch o lo g ie s oc ia le , 5, 1990, 11-35.
ABRIC, ].-c. & VACHEROT, G. Methodologie et etude experi -
DOISE, W, CLEMENCE, A. & LORENZI-CIOLDI, F. Represen-
t at io n s s o ci al es e t a n al ys e d e d o nn ee s. Grenoble, Presses Universi-
taires de Grenoble, 1992.
DURANT,]. , EVANS, G. &THOMAS, G. Public understanding
of science in Britain: the role of medicine in the popular
representation of science. Pub li c unde rs t and i ng qf science, 1, 1992,
161-182.
DURKHEIM, E. As formas elementares davida rel igiosa. In:]. A.
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 93/97
menta Iedes representations sociales: tache, partenaire et com-
portement en s ituation dejeu. B u ll et in d e p s yc ho lo g ie , 29 (323),
1975,735-746.
ALLPORT, G.W The histor ical background of modern social psy-chology. In: G. LINDZEY &E.ARONSON (Eds.). T he h an d-
book c f soc ia l psycho logy . Reading, Addison-Wesley, 1968, 1-80.
BAUER, M. A popularizacao da ciencia como iluminacao cultural:
a funcao de resist encia das representacoes socia is. In: P. A.
GUARESCHI & S. JOVCHELOVITCH (Eds.). T ex to s e m
repre sen tacoes soc ia is . Petr6polis, Vozes, 1994,229-257.
BELISLE, C. & SCHIELE, B. L e s s av o ir s d a ns l es p ra ti q ue s c ot id i en n es :
r e che rche s sur le s r epre sen ta t ions . Paris, Editions du C.N.R.S., 1984.
DECONCHY,J-P. Description systematique, transformations des
representations sociales, pratiques sociales. P ap er s o n s oc ia l r e-
presentations, 2 (2), 1993, 79-84.DE ROSA, A.S. From theory to metatheory in social representations:
the lines of argument of a theoretical-methodological debate.
So c ia l s c ie n c e i n fo rma ti o n, 33 (2), 1994,273-304.
DO ISE, W Levels qf e x p la na ti o n i n s o c ia l p s y c h ol o gy. Cam bridge, Cam-
bridge University Press, 1986.
-. Cognitions et representations sociales: l 'approche genetique. In:
D. JODELET (Ed.) L e s r ep r es en ta ti on s s oc ia le s. Paris, Presses
Universitaires de France, 1989,341-362.
-. Les representations sociales. In: R. GHIGLIONE, C. BON-
NET & ].F. RICHARD (Eds.) . . T r ai te d e p sy ch o lo g ie c og n it iv e .
Paris, Dunod, 1990, Vol. II. 111-174.
- . Debating social representat ions. In: G.M. BREAKWELL & D.v.
CANTER (Eds.). E m pi ri ca l a pp ro ac he s t o s oc ia l r ep re se nt at io ns .
Oxford, Clarendon Press, 1993, 157-170.
182
GIANNOTTI (Org.). Durkhe im . Colecao "Os Pensadores",
Sao Paulo, Abril Cultural, 1978.
FARR, R. M. Socia l representations: thei r role in the design and
execution of laboratory experiments. In: R. M. FARR & S.MOSCOVICI (Eds.). Soc ia l r epre sen ta t ions . Cambridge, Cam-
bridge University Press, 1984, 124-147.
-e-r- Social representations: a French tradition of r es ea rc h. Jo ur na l J or
t he t he o ry o f s o da l b e h av i or , 17 (4), 1987,343-369.
_. Social representat ions aswidespread beliefs . In: C. FRASER &
G. GASKELL (Eds.). T h e s oc ia l p s yc ho lo g ic al s tu d y qf widespread
belie fs. Oxford, Clarendon Press, 1990,47-64.
_. Les representat ions sociales: Ietheor ie et ses cri tiques . Bulle tin
de psycho logie , 45(405), 1992, 183-188.
-. Theory and method in the study of social representations. In:
G.M. BREAKWELL &n.v CANTER (Eds.). Em p ir ic a l a p pr o a-c h es t o s oc ia l r ep r es en ta ti on s . Oxford, Clarendon Press , 1993a,
15-38.
- . S tudies in the h istory o f soc ia l psycho logy . Conferencia no Instituto
de Psicologia da UERJ, Rio deJaneiro, 1993b.
_. Representacoes soc ia is: a teo r ia e sua hi st6ria . In: P.A . GUA-
RESCHI & S.JOVCHELOVITCH &P.GUARESCHI (Eds.).
. T e x to s em r e p re s en i ai i ie s s o c ia i s. Petr6polis, Vozes, 1994,31-59.
FIGUEIRA, S.A. A "representacao social" da psicanilise. In: SA.
FIGUEIRA (Ed.). P s ic a nd li se e c ii m ci as s o ci ai s. Rio, de Janeiro,
Francisco Alves, 1980,281-343.
FLAMENT, C. I'analyse de similitude: une technique pour lesrecherches sur les representat ions sociales. In: W DOISE &A.
PALM0ARI (Eds.). t:e t ud e d e s r e pr e se n ta t io n s s o c ia l es . N eucha-
tel, Delachaux et Niestle, 1986, 139-156.
183
FLAMENT, C.Pratiques et representations sociales. In:].-L. BEAU-
VOIS, R.-VJOULE &].-M. MONTEIL (Eds.). Perspect iv es cog-
n i ti v es e t c o ndu i te s s o ci a le s . Cousset, DeiVal, 1987, Vol. 1. 143-150.
Structu re e t dynamique des representations socia les. In: D.
JODELET (Ed.) . L e s r e pr e se n ta t io n s s o ci a le s . Paris, Presses Uni-
versitaires de France, 1989,204-219.
-. Aspects peripheriques des representations sociales. In: C.GUI-
MELLI (Ed.). Structures e t t ra n sf or m at io ns d e s r ep re se nt at io n s s oc ia -
GUIMELLI, C.&ROUQUETTE, M.-L. Cont ribut ion du mode-
le associatif des schemes cognitifs de base a l'analyse structural
des representations sociales. B ul le ti n d e p sy ch ol og ie , 45 (405),
1992, 196-202.
_ Note sur la formal isat ion des schemes et ranges dans l'etude des
. representations sociales. Le s cahiers i nt er na ti on au x d e p sy ch o lo g ie
sociale, 19 (3),1993,43-48.
HEIDER, F. P s i co l og i a da s r e la ~ 5 es i n te r pe s so a is . Sao Paulo, Pioneira,
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 94/97
les. Neuchatel, Delachaux et Niestle, 1994a, 85-118.
Structure, dynamique et transformation des representat ions
sociales. In: ].-c.ABRIC (Ed.). Prat i ques soc iale s e t r epre sen ta tions .
Paris, Presses U niversitaires de France, 1994b, 37-57.
GRIZE, ].-B., VERGES, P . & SILEM, A. Sa la r ie s f ac e aux nouvelles
t e ch no lo $ i es : v e rs une app ro che s o ci o -I o g iq u e d e s r e pr e se n ta t io n s s o ci a le s .
Paris , Edit ions du C.N.R.S., 1987.
GUARESCHI, P . A. & JOVCHELOVITCH, S. (Eds.). T ex to s e m
repre sen tadies soc iais . Petr6polis, Vozes, 1994.
GUIMELLI, C.Pratiques nouvelles et transformation sans rupture
d 'une representat ion sociale: la representat ion de la chasse et
de la nature. In: J - L . BEAUVOIS, R.-V JOULE & J-M.
MONTEIL (Eds.). P er sp ec ti ve s c og ni ti ve s e t c on du it es s oc ia le s.
Cousset, DeiVal, 1989, Vol. 2. 117-138.
-. Locat ing the cen tral core of social representa tions: towards amethod. E u ro p ea n j ou rn a l c f soc ial psychology , 23 (5) , 1993a, 555-
559.
1970.
IBANEZ, T. Representaciones sociales: teoria y metodo. In: T.
IBANEZ (Ed.). I de ol og ia s d e l a v id a cotidiana. Barcelona, Sendai,
1988, 14-90.
JAHODA, G. Critical notes and reflections on "social representations".
E u ro p ea n j ou rn al i fs oc ia l p sy ch ol og y , 18, 1988, 195-209.
JASPARS, J & FRASER, C. Attitudes and social :epresentati?ns.
In: R.M. FARR&S. MOSCOVICI (Eds.). SOCIa l representatums.
Cambridge, Cambridge University Press, 1984, 101-123.
JESUINO, J C. A psicologia social europeia : In:]. VALA ~ M.B.
MONTEIRO (Eds.) . P s i co l og i a s o ci a l. Lisboa, Fundacao Ca-
louste Gulbenkian, 1993,49-59.
JODELET, D. Representation soc ia le: phenomenes, c.oncep t .e t
theorie. In: S. MOSCOVICI (Ed.). P sy cho lo g i e s o ci a le . Pans,
Presses Universitaires de France, 1984,357-378._. Fou et foliedans un milieu ruralfrancais:une approche monographi-
que. In:W DOISE &A. PALMONARI (Eds.). t:Cfude de s representa-
t ionssoc ia le s.Neuchatel, Delachaux et Niestle, 1986, 171-192.
Representat ions sociales: un domaine en eXJ?ans ion. In: I ?JODELET (Ed.) . L e s r e pr e se n ta t io n s s o ci a le s . Pans, Presses Um-
versitaires de France, 1989a, 31-61.
_ . F ol ie s e t r ep re se nta ti on s s oc ia le s. Paris, Presses Universi taires de
.France, 1989b.
JONES, E. E. Major developments in social psychology during the
past five decades. In: G. LINDZEY & E. ARONSON (Eds.).
H a nd bo ok i f s oc ia l p sy ch ol og y. New York, Lawrence Earlbaum,
1985,47-107.
KRUGER, H.R. Introdll~ao a p s ic o lo g i a s o ci a l. Sao Paulo, Editora
Pedag6gica e Universitaria, 1986.
-. Concerning the st ructure of social represen tat ions. P ap er s o n
soc ial r epresen ta tions , 2 (2), 1993b, 85-92.
- . S tr uc tu re s e t t ra ns fo rm a ti on s d es r ep re se nt at io ns s oc ia le s. Neuchatel,
Delachaux et Niestle, 1994.
-. Transformation des representations sociales, pratiques nouvel-
les et schemes cognitifs de base. In: C. GUlMELLI (Ed.) .
S tr uc tu re s e t t ra n sf or m at io ns d e s r ep re se nt at io n s s oc ia le s. N eucha tel,
Delachaux et Niestle, 1994a, 171-198.
- . La fonction d-inf irmiere: pratiques et representat ions sociales .
In: ].-c. ABRIC (Ed.). P r a ti q u es s o ci a le s e t r e pr e se n ta t io n s. Paris,
Presses Universitaires de France, 1994b, 83-107.
184 185
MARDELLAT, R Pratiques commerciales et representations dans
I:artisanat. In: j-c. ABRIC (Ed.). P r a ti q u es s o c ia l es e t r e p re s e nt a -
ttons. Pans, Presses Universitaires de France, 1994,83-107.
MOLlNER, P.Validation exper imentale de l 'hypothese du noyau
central des representations sociales. B ul le ti n d e p sy ch ol og ie , 4 2,
1989, 759-762.
MOSCOVICI, S.The phenomenon of social representat ions . In:
RM. FARR & S. MOSCOVICI (Eds.). So c ia l r e p re s en t at i on s .
Cambridge, Cambridge University Press, 1984,3-69.
-. Notes towards a description of social representations. European
j ou r na l o fs oc ia l p s yc ho lo g y, 18, 1988,211-250.
-. Des representations collectives aux representations sociales. In:
D. JODELET (Ed.). L e s r ep re se n ta ti on s s oc ia le s. Paris, Presses
Universitaires de France, 1989, 62-86.
Representat ions sociales: schemes conditionnels et schemes
normatifs. B u ll et in d e p s yc ho lo g ie , 45 (405), 1992,325-329.
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 95/97
-. Introductory address [to the 1st Inte rnational Conference on
Social Representations]. P a pe rs o n s o ci al r ep re se n ta ti on s, 2 (3),
1993,160-170.
MOSCOVICI, S. & HEWSTONE, M. De la science au sens
commun. In: S. MOSCOVICI (Ed.) P sy cho lo g i e s o ci a le . Paris,
Presses Universitaires de France, 1984,539-566.
ROQUEPLO, P. L e p ar ta ge d u s a vo ir : s ci en ce , c ul tu re , v ul ga ri sa ti on .
Paris, Editions du SeuiI, 1974.
ROUQUETTE, M.-L. Une c1asse de modeles pour I'analyse des
relat ions entre cognernes , In: C. GUlMELLI (Ed.) . Structures
e t t r an s fo rma ti o ns d e s r e pr e se n ta t io n s s o ci a le s . Neuchatel, Delachaux
et Niestle, 1994, 153-170.
sA , C. P.Representacoes sociais: 0 conceito e 0 estado atual dateoria.
In: M. J. SPINK (Ed.). 0c on he ci me nto n o c ot id ia no : a s r ep re -
s en ta c oe s s oc ia i s n a p er sp e ct iv a d a p si co lo g ia s oc ia l. Sao Paulo, Brasi-
liense, 1993a, 19-45.
Sobre a circunscr icao do conceito de representacoes sociais .
P s ic o lo g ia : r ej le xa o e att ica , 6 (1/2), 1993b, 107-113.
- . Sur les relat ions entre representat ions sociales, pratiques socio-
culture lies et comportement. Pape rs o n so ci a l r e p re s en t at i on s , 3 (1),
1994, 40-46.
sA ; c. P.,SOUTO, S. O. &MOLLER, R. C. Socializacao do saber
academico: urn estudo sobre a vulgarizacao do conhecimento
cientffico, Psicologia &p r d ti c as s o ci a is , 1 (2), 1993a, 23-49.
- . Social izacao do saber acadernico: urn estudo sobre as relacoes
entre as iniciativas de divulgacao cientffica e seus consumido-res. Psicologia &p r d ti c as s o c ia l s, 1 (3), 1993b, 33-45.
- . Representacoes sociais da ciencia: uma cornparacao entre con-
sumidores e nao-consumidores davulgarizacao cientffica. Co-
MOLlNER, P.ISA: l 'induction par scenario ambigu - Une metho-
de pour l'etude des representations sociales. Re v ue i n te r na t io na le
d e p s y ch o lo g i e s o ci a le , 2, 1993,7-21.
Les methodes de reperage et d'identification du noyau des
representations sociales. In: C. GUIMELLI (Ed.). S tr uc tu re s e t
t r an s fo rma ti o ns d e s r e pr e se n ta t io n s s o ci a le s . N euchatel, Delachaux etNiestle, 1994a, 199-232.
- . Cornunicacao pessoal do autor , Aix-en-Provence, 1994b.
- . A two-dimensional model of social representat ions. European
j ou r na l o fs oc ia l p s yc ho lo g y, 25 (1), 1995,27-40.
MORIN, M. Psychologie sociale appliquee et bruit au travail . Le s
cahiers internationaus; de p s yc h o lo g i e s o ci a le , 1, 1989,31-51.
-. ~nt re representa tions et pra tiques: Ie sida, la prevent ion et les
jeunes. In: J .-c. ABRIC (Ed.) . P r a ti q u es s o ci a le s e t r e pr e se n ta t io n s .
Paris, Presses Universitaires de France, 1994, 109-144.
MORIN, .M., MOATTI, J. P . & SOUVILLE, M. Social repre-
sentations and general practit ioners with HIV infection. Co-
rnunicacao na 2!!c on fe r in c ia i n te r na c io na l s o b re r e p re s en t ac o e s s o ci a i s
Rio de Janeiro, 1994. '
MOSCOVICI, S. La psychanalyse , son im age e t son public. Paris,
Presses Universitaires de France, 1976.
-. P sy ch olo gi e d es m in ori te s a ctiv es. Paris, Presses Universitaires deFrance, 1979.
-. ~n socia l representat ions. In: J. P.FORGAS (Ed.). So c ia l c o gni -
t io n: p er sp ec ti ve s o n e ve ry da y u nd er st an di ng . London, Academic
Press, 1981, 181-209.-. The coming era of representations. In: J-P. CODOL &J.-P.
LEYENS (Eds.). C o g ni ti ve a n al ys is o fs oc ia l b eh a vi or . The Hague,
Martinus Nijhoff, 1982, 115-150.
. . .
186 187
rnunicacao apresentada na 2 ! ! . c onf er e nc i a i n te r na c io nal so b re r e pr e -
s e nt a io e s s o ci a is , Rio de Janeiro, 1994.
SALMASO, P . & POMBENI, L. Le concept de travail. In: W
DOISE &A. PALMONARI (Eds.). Z; e t ud e d e s r e pr e se n ta t io n s
sociales. Neuchatel, Delachaux et Niestle, 1986, 196-207.
SINGER¥, J. Representat ions sociales et projet de changement
technologique en enterprise. In: ].-c. ABRIC (Ed.). Pratiques
soc ia le s e t r epresen tat ions . Paris, Presses Universitaires de France,
VERGES, P Levocat ion de l 'a rgent : une methode po~r la defini -
tion du noyau central d'une representation. B ul le ti n d e p sy ch o-
logie , 45 (405), 1992, 203-209.
_. Approche du noyau central: proprietes quantitatives et s~ructu-
1 I· C GUIMELLI (Ed.). S tn lc tu re s e t t ra ni fo rm at lO n s d esra es. n. . 94r epresen ta t ions soc iale s . Neuchatel , Delachaux e t Niestl e, 19 a,
233-253.
_. Problemes methodologiques poses par les com~ara~sons inter-
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 96/97
1994,179-216.
SKINNER, B. F. Sobre 0 behaviorismo. Sao Paulo, Cultrix, 1982.
SOUZA FILHO, E. Analise das representacoes sociais. In: M.].SPINK (Ed.).0 c on he ci m en to n o c ot id ia no : a s r ep re se nt ad ie s s oc ia i s
n a p er sp ec ti va d as r ep re se nt ac oe s s oc ia is . Sao Paulo, Brasiliense,
1993,109-145.
SPINK, M. ]. 0o nh ec im en to n o c ot id ia no : a s r ep re se nu ui ie s s oc ia i s n a
p e rs p ec t iu a da p s ic o lo g i a s o ci a l. Sao Paulo, Brasiliense, 1993.
Tl\JFEL, H. (Ed.). D i ff er en ti at io n b et w ee n s oc ia l g ro u ps : s tu d ie s i n t he s oc ia l
psychology o f in tergroup re la tions . London, Academic Press, 1978.
-. H um an g rou ps and social categ ories. Cambridge, Cambridge Uni-
versity Press, 1981.
-. (Ed.) S oc ia l i de nt it y a nd i nt er g ro up r el at io n s. Cambridge, Cambrid-
ge University Press, 1982.
-. (Ed.) T he s oc ia l d im e ns io n . Cambridge, Cambridge University
Press, 1984.
VALA, ] . Representacoes sociais: para uma psicologia social do
pensamento social . In:]. VALA& M. B.MONTEIRO (Eds.).
Psico logia soc ial . Lisboa, Fundacao Calouste Gulbenkian, 1993a,
353-384.
nationales de representations sociales. Comul1lc~c;ao ap~ese~-
tada na 2!l. Con ft r en c ia i n te r na c io nal s o br e r e pr e se n ta r ;o e s SOC!aIS. R IO
deJaneiro, 1994.
VERGES, P, TYSZKA, T. & VERGES, P Noyau centra~: saillance
et proprietes structurales. P ap er s o n s oc ia l representations, 3 (1),
1994,3-12.
WAGNER, W Fields of research and socio-genesis .ofsoci~1re~re-
sentations: a discussion of criteria and diagnostics. Sonal science
information, 33 (2), 1994, 199-228.
WAGNER, W & ELEJABARRIETA, F. Represent.aciones socialt;s.
In:]. F.MORALES (Ed.). P s ic o lo g i a s o ci a l. Mad ri d , M cGr aw -H Il l ,
1994, 815-842.
-. A psicologia social na Europa. Conferencia na XXIII reunido
anua l d e p s ic o lo g ia , Ribeirao Preto, 1993b.
VERGES, P A social and cognit ive approach to economic repre-
senta tions. In: W DOISE & S. MOSCOVICI (Eds.). Current
i ss ue s i n E u ro pe an s oc ia l p sy ch ol og y . Cambridge, Cambridge Uni-
versity Press, 1987, Vol. 2. 271-305.- . Representat ions sociales de I 'economie: une forme de connais-
sance. In: D.JODELET (Ed.) . L e s r e pr e se n ta t io n s s o ci a le s . Paris,
Presses U niversitaires de France, 1989, 387-405.
. . .
189
188
5/10/2018 SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Editora vozes. 1996. - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/sa-celso-pereira-de-nucleo-central-das-representacoes-sociais-editora-vozes-1996 97/97
~
1
I· 1!
II
!i
1I1
Celso Pereira de S a nasceu em 1941,
no Rio de Janeiro. Professor de Psico-
logia Social desde 1972, lecionou em
diferentes cursos de graduacao e de
pos-graduacao em Psicologia e em
Educacao. Em 1977, ingressou na
Universidade do Estado do Rio de Ja-neiro, tendo sido af Diretor do Instituto
de Psicologia (1984-1987) e doCentro I
de Educa~ao e liumanidades (1988-
1991). Mestre em 1978 e Doutor em
Psicologia em 1985, pela Pundacao
Genilio Vargas, tomou-se Professor
Titular da UERJ em 1995. E autor de
outro livro, Psicologia do controle so-
cial, e de diversos artigos, publicados
em livro e revistas nacionais e intema-
cionais, nos campos daanalise docom-
portamento social e das representacoes
sociais. Coordenou, de 1991 a 1995, ,o Curso de Mestrado em Psicologia e
Prdticas Socio-Culturais da UERJ.
Desde 2000, exerce 0 cargo de Vice-
Rei tor da UERJ, com mandato a te
2003.
Foto : Jos e Wibbelt