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Sai 2011, entra 2012... O que muda? Praticamente nada, se excluirmos as datas. O calendário das mudanças históricas não é linear, seqüencial. Ao contrário, avança e recua, de acordo com as mais diversas circunstâncias. Há décadas que se arrastam como séculos, e há séculos em que as transformações se aceleram tão velozmente que os anos parecem dias. Os historiadores falam, por exemplo, do “breve século XX” (Erica Hobsbawn, em Era dos Extremos) e, ao mesmo tempo, de “Il lungo XX secolo” (Givanni Arrighi), conforme o enfoque da narrativa.
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SAI ANO ENTRA ANO...
Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Sai 2011, entra 2012... O que muda? Praticamente nada, se excluirmos as datas. O
calendário das mudanças históricas não é linear, seqüencial. Ao contrário, avança e
recua, de acordo com as mais diversas circunstâncias. Há décadas que se arrastam como
séculos, e há séculos em que as transformações se aceleram tão velozmente que os anos
parecem dias. Os historiadores falam, por exemplo, do “breve século XX” (Erica
Hobsbawn, em Era dos Extremos) e, ao mesmo tempo, de “Il lungo XX secolo”
(Givanni Arrighi), conforme o enfoque da narrativa.
Mais perto do dia-a-dia, cada passagem de ano provoca uma euforia ou certo alvoroço,
seguido de marasmo ou apatia. O sinal mais evidente disso está justamente no show
pirotécnico que se realiza à meia noite do dia 31 de dezembro por todos os cantos do
planeta: os fogos explodem em belas imagens de luzes e cores, mas em poucos
segundos não passam de cinza apagada e morta. A correria do consumo e das festas
rapidamente dá ligar ao período da ressaca e das dívidas. Como a maré que esbraveja
ruidosamente contra as areias da praia, para depois recuar lenta e silenciosa.
A pergunta é: o que permanece de tudo isso? O que nos deixa como legado esse
dinamismo substituído pela indiferença que, a cada ano, parece repetir-se em nossa
trajetória? O calendário, seja ele solar, civil, político ou litúrgico, tem como função
determinar o ritmo da vida. Nenhuma pessoa, povo ou cultura suporta um tempo
indeterminado e abissal, sem marcos que regulem seu transcorrer silencioso. Tememos
esse monstro, se não o temos devidamente controlado. As datas fixas do calendário
deixam entrever os batimentos cardíacos de um tempo domesticado. Mas deixam
entrever, sobretudo, a necessidade humana de imprimir onde no caos. Da mesma forma
que o coração humano, também o coração da história bate em sua própria cadência e
pode, igualmente, sofrer aceleração, arritmia, cansaço e até paradas súbitas.
Aqui entra o tema da ação social em suas variadas formas e iniciativas. Ela pode
retardar ou acelerar o ritmo da história, independentemente do calendário fixo na parede
dos escritórios e salas. As últimas décadas, no Brasil, exibem certa perplexidade e
desinteresse quanto ao engajamento sociopolítico. O desestímulo parece ter tomado o
lugar do entusiasmo militante e marcante das décadas anteriores. O foco da justiça, do
direito e do bem-estar social dos anos 1960 até 1980 foi substituído, hoje em dia, pelo
fogo do bem-estar pessoal, individual. O culto à satisfação do “eu”, do corpo e da
celebridade manifestam um hedonismo e individualismo mal disfarçados. O importante
“é estar numa boa”. A ética do trabalho, do dever e do compromisso vai,
progressivamente, dando lugar à ética do prazer.
No caso do Movimento Social tomando em seu conjunto, o desencanto tem muito a ver
com os entraves ao que se convencionou chamar de “Projeto Popular para o Brasil”
(PPB). De uma forma ou de outra, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT)
contribuiu para pulverizar os esforços coletivos em torno à construção de um esboço de
projeto popular. Semelhante esboço tem seu berço em vários igarapés dos anos 1970,
tais como a prática das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a reflexão teórica da
Teologia da Libertação (TdL), movimentos sindicalistas e estudantis, aporte dos
intelectuais orgânicos, movimentos sociais, etc. Igarapés que no início de 1980 vão
formar o grande rio da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do PT. Nas décadas
de 80 e 90, dois projetos se lutam pela tomada do poder: projeto neoliberal e projeto
popular. No interior de tudo isso, e avançado para a década de 2000, prosseguem o
processo de reflexão das Semanas Sociais Brasileiras (SSBs), das Consultas Populares
(plebiscitos), da Assembleia Popular, do Grito dos Excluídos, da Campanha Jubileu Sul,
entre tantas outras iniciativas.
Porém, a partir do momento em que o PT assume o Palácio do Planalto, por distintos
fatores, motivações e circunstâncias que o espaço e o tempo não permitem detalhar, o
PPB se desagrega pouco a pouco, não conseguindo pautar a agenda do governo federal.
O acúmulo de reflexão adquirida ao longo de várias décadas começa a erodir-se.
Escorrega entre os dedos, através de posturas diferentes, às vezes ambíguas e atônitas e
até mesmo contraditórias. Também as Igrejas (no plural) tiveram um papel tímido nesse
processo de esfarelamento do poder popular. O seu silêncio, às vezes ensurdecedor
frente a situações de extrema gravidade, de certa forma consagra e legitima a apatia que
se reflete nas ações sociais. Pior ainda quando a tal silêncio se acrescenta uma postura
ativa de volta à sacristia e à doutrina, ao dogma e à pompa principesca por parte de não
poucos setores eclesiais.
Além disso, no interior mesmo dos movimentos sociais, das entidades e organizações
não governamentais, das pastorais, associações e de outras iniciativas de caráter
originalmente popular, não raro se desenvolve certo “profissionalismo de laboratório”
que afasta e desestimula o “trabalho de formiguinha”. Isso para não falar de outros
“ismos”, como centralismo, machismo, nepotismo, falta de transparência na
administração financeira... Nesse campo, não é difícil que planetas virem estrelas e estas
não sabem mais (ou não querem) retornar ao trabalho de base.
Obviamente a passagem de ano não traz transformações automáticas. Nos avanços e
recuos da história não há magia. Aliás, tanto a economia como a política brasileira não
parecem dispostas a mudar o rumo do modelo neoliberal vigente. Mudanças de
superfície, sim, aparecem a todo o momento, acompanhadas de eloquente retórica. Mas
não mudanças profundas e substanciais. Estas, aliás, como bem sabemos, não costumam
descer do alto (ou do planalto), mas da planície ou do chão, a exemplo das flores, das
espigas e dos edifícios. São como as sementes: primeiro, mergulham suas raízes no solo
frio e úmido da realidade; só depois se erguem em direção ao sol, ao céu azul e ao ar
livre. Deixemos no ar uma pergunta incômoda: em 2012 podemos esperar que as
políticas públicas superem as políticas compensatórias e que o projeto de poder dê lugar
a um projeto de nação?