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Flávio Oliveira Página 1 Ecologia Animal Terrestre Programa da disciplina 1. Objecto e método de estudo: sensibilizar para as questões da Natureza e para aquilo que é o objecto de estudo em ecologia. 2. Ambiente e adaptação: interpretar os fenómenos ecológicos à luz da adaptação e da selecção natural; mecanismos adaptativos que direccionam a evolução dos animais e a sua ecologia; variações ambientais que são determinantes na evolução dos animais e na estruturação das comunidades. 3. Interacções entre espécies animais: tipos de relações entre espécies de animais; importância ecológica e evolutiva aplicada a estas interacções. 4. Modelos de crescimento populacional: introdução à dinâmica populacional; introdução à modelação, que nos permite descrever e estudar através de modelos os padrões na variação de abundância dos animais. 5. O papel do ecólogo na sociedade: qual o relacionamento do ecólogo com a sociedade, o que podem dar, e as expectativas que a sociedade tem em relação a ele. A parte prática consiste na realização de um trabalho de investigação em ecologia animal, com fases de planeamento, recolha de dados de campo, o seu tratamento, preparação de um relatório escrito e apresentação oral. Objecto e método de estudo O que é a ecologia animal? Ecologia – estudo da distribuição e abundância dos organismos . São determinadas pela relação dos organismos com o meio físico e pela relação dos organismos entre si. A ecologia animal engloba tudo isto, envolvendo todos os animais desde os maiores aos mais pequenos. Objecto de estudo – a Natureza A Natureza é muito diversa, com vários milhões de espécies animais. Há também diversas espécies de plantas, e como estas se relacionam com os animais, são fundamentais neste processo de diversificação da Natureza, criando alguns desafios para quem trabalha em ecologia. Os animais e as plantas organizam-se em ecossistemas, e esses ecossistemas são também tremendamente diversos; por exemplo, ecossistemas desérticos, praticamente sem vida, em contraste com as florestas tropicais. Todos eles são formas que os organismos têm de se relacionar entre si e com o ambiente, e fazem com que essa enorme diversidade seja uma característica da Natureza. Se pensarmos no meio marinho, temos desde as profundidades abissais, onde quase não há luz e os organismos estão completamente dependentes de se alimentarem dos detritos que vêm da superfície, até próximo da superfície onde estão os bancos de corais, cheios de diversidade de vida. A Natureza também é muito complexa porque os organismos, em particular os animais, estão muito dependentes do meio físico, e este pode incluir muitas variáveis abióticas que também estão correlacionadas entre si. Isto é então uma máquina de interacções complexas porque os

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Ecologia Animal Terrestre

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Ecologia Animal Terrestre

Programa da disciplina

1. Objecto e método de estudo: sensibilizar para as questões da Natureza e para aquilo

que é o objecto de estudo em ecologia. 2. Ambiente e adaptação: interpretar os fenómenos ecológicos à luz da adaptação e da

selecção natural; mecanismos adaptativos que direccionam a evolução dos animais e a sua ecologia; variações ambientais que são determinantes na evolução dos animais e na estruturação das comunidades.

3. Interacções entre espécies animais: tipos de relações entre espécies de animais;

importância ecológica e evolutiva aplicada a estas interacções. 4. Modelos de crescimento populacional: introdução à dinâmica populacional;

introdução à modelação, que nos permite descrever e estudar através de modelos os padrões na variação de abundância dos animais.

5. O papel do ecólogo na sociedade: qual o relacionamento do ecólogo com a

sociedade, o que podem dar, e as expectativas que a sociedade tem em relação a ele.

A parte prática consiste na realização de um trabalho de investigação em ecologia animal, com fases de planeamento, recolha de dados de campo, o seu tratamento, preparação de um relatório escrito e apresentação oral.

Objecto e método de estudo O que é a ecologia animal?

Ecologia – estudo da distribuição e abundância dos organismos. São determinadas pela

relação dos organismos com o meio físico e pela relação dos organismos entre si. A ecologia animal engloba tudo isto, envolvendo todos os animais desde os maiores aos

mais pequenos.

Objecto de estudo – a Natureza A Natureza é muito diversa, com vários milhões de espécies animais. Há também diversas

espécies de plantas, e como estas se relacionam com os animais, são fundamentais neste processo de diversificação da Natureza, criando alguns desafios para quem trabalha em ecologia. Os animais e as plantas organizam-se em ecossistemas, e esses ecossistemas são também

tremendamente diversos; por exemplo, ecossistemas desérticos, praticamente sem vida, em contraste com as florestas tropicais. Todos eles são formas que os organismos têm de se relacionar entre si e com o ambiente, e fazem com que essa enorme diversidade seja uma característica da Natureza. Se pensarmos no meio marinho, temos desde as profundidades abissais, onde quase não há luz e os organismos estão completamente dependentes de se alimentarem dos detritos que vêm da superfície, até próximo da superfície onde estão os bancos de corais, cheios de diversidade de vida.

A Natureza também é muito complexa porque os organismos, em particular os animais, estão

muito dependentes do meio físico, e este pode incluir muitas variáveis abióticas que também estão correlacionadas entre si. Isto é então uma máquina de interacções complexas porque os

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organismos estão dependentes do meio físico, e este por si só já é complexo. Estas variáveis também não são independentes; por exemplo, a quantidade de oxigénio dissolvido na água depende da temperatura. Por outro lado, os próprios organismos conseguem, em muitas situações, alterar o meio físico; por exemplo, a vegetação altera significativamente o clima. Complexo é também o facto de muitos animais estarem dependentes das plantas, e muitos outros poderem ainda condicionar as suas populações. Há ainda o caso das cadeias tróficas que são também muito complexas: primeiro porque possuem vários níveis com várias espécies em cada nível, segundo porque a mesma espécie pode estar em vários níveis diferentes. As raposas podem ser carnívoras e comer roedores quando estes são abundantes, mas também podem comer frutos. As cadeias tróficas variam ainda de local para local. Portanto a forma como o fluxo de energia ocorre nos ecossistemas é muito complexo e diversificado. Muitas espécies são também influenciadas umas pelas outras. Muitos parasitas determinam a abundância de certas espécies, por exemplo.

Os padrões na Natureza são pouco claros. Quando fazemos investigação, estamos à procura

de padrões, mas estes tendem a ser muito difusos, cheios de excepções. Este padrão pouco claro é em parte explicado pela variabilidade dos indivíduos, ou seja, pelas suas diferenças comportamentais, ecológicas, tróficas, entre outras, em diferentes contextos.

É esta enorme diversidade que torna a Natureza espantosa! É também, pelo pouco que sabemos dela, muito intrigante! Por outro lado é ainda muito bonita e muito elegante! Aquilo

que é elegante na Natureza é as soluções que as espécies conseguiram encontrar para resolver problemas adaptativos. Cada espécie que encontramos teve que se “inventar” ao longo da evolução, e essa invenção é o resultado da acumulação de pequenas soluções para os desafios adaptativos que as espécies foram encontrando ao longo do tempo.

Porque é a biodiversidade tão importante?

•••• A caça: hoje já não é tão importante, mas ao longo da evolução da nossa espécie

estivemos muito dependentes dela. Ainda é importante em alguns contextos, mas estes são reduzidos.

•••• A pesca: não é mais do que ir à Natureza e retirar o que ela produz, portanto nós, na

exploração do mar, ainda estamos muito a esse nível. Ou seja, estamos a fazer uma exploração directa da Natureza e da biodiversidade.

•••• Agricultura: reduziu a nossa dependência para com a Natureza, no entanto, as

espécies utilizadas vieram de lá. Hoje utiliza-se algumas centenas, mas apenas estamos verdadeiramente dependentes de algumas dezenas. Mas quantas espécies há na Natureza melhores do que as que utilizamos na agricultura? Uma grande variedade delas, muitas delas escondidas. Para que uma espécie seja domesticada e possa ser utilizada na agricultura ou na pecuária, ela tem que ter algumas características especiais, mas simultaneamente tem que haver uma cultura humana no sítio e na altura certos que tenham as características apropriadas para fazer esse processo de domesticação. Ou seja, o que fez com que as espécies que nós utilizamos hoje sejam a cabra, o boi, o cão, não foram só as suas características, mas também as das civilizações que domesticaram esses animais.

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•••• Tecnologia: a importância que a biodiversidade tem como fonte de conhecimento de

tecnologia. Exemplo clássico: as teias de aranha; ainda estamos a tentar produzir um material com a mesma qualidade das teias de aranha. Outro exemplo é o radar dos morcegos, que inspirou aquele que é utilizado nos navios.

•••• Medicamentos: grande parte dos medicamentos que nós usamos tem origem em

produtos naturais. Tal como foi referido na agricultura, haverá ainda muitas espécies, animais e plantas, que têm produtos químicos que podem ser adaptados a medicamentos utilizados para tratar problemas. Um exemplo disto é os produtos que as plantas usam para repelirem os insectos.

Estudo na área da ecologia Qual é o nosso objectivo?

Conseguir descrever a Natureza e perceber como ela funciona. Este é o fim último da ecologia, que pode depois ser amplificado através de aplicações desse conhecimento e da exploração da Natureza, entre outros fins. Portanto a base da ecologia é o conhecimento dos ecossistemas e perceber como funcionam.

Podemos pensar neste objectivo de uma forma estratificada, dividida em três níveis conceptualmente distintos: o quê, como e porquê.

• O quê: descrição sobre onde está localizado cada ecossistema – zonas florestais, zonas

húmidas, savanas, entre outros. • Como: como é que funciona cada um desses ecossistemas; como se faz o fluxo de

energia dentro do ecossistema. • Porquê: porque existem 7 espécies de roedores naquele ecossistema? Porque não

existem 5, ou não existem 20? Porque existe a espécie A, B e D, mas não existe a espécie C, F e G? Porque é que o ratinho amarelo só come gafanhotos azuis, e não come gafanhotos vermelhos? Este tipo de informação representa o nível mais complexo do conhecimento a que pretendemos chegar, e é explicado pela evolução. Ou seja,

referente ao exemplo anterior, haverá uma razão qualquer relacionada com a adaptação das estratégias de caça do ratinho amarelo, ou com uma adaptação do gafanhoto vermelho para dificultar a predação. Há então uma explicação qualquer adaptativa/evolutiva que justifica que essa relação predador-presa se estabelece desta maneira e não doutra.

Como é que nós procuramos as respostas nos ecossistemas?

Através da busca de padrões. O que pretendemos obter são regras gerais. Se o conhecimento for excessivamente fraccionado, não é transmissível. De nada nos serve dizer que o chapim A vive na floresta A e o chapim B vive na floresta C. Queremos sim afirmar que uma determinada espécie de chapim vive numa determinada floresta, e não o individuo A neste sítio, e o indivíduo B naquele sítio. O conhecimento faz-se através da generalização. Se queremos transmitir conhecimento, temos que encontrar o padrão geral e conseguir abstrair-nos das excepções. Ou seja, em ecologia não procuramos verdades absolutas (porque há sempre excepções), mas sim padrões num contexto que é difícil definir devido à grande variabilidade das situações que estudamos. E procuramos padrões onde? No comportamento das espécies, na relação entre elas, na distribuição dos organismos, na estrutura das comunidades, entre

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outros. Através da amostragem de sucessivas situações na Natureza conseguimos construir estes padrões.

Como identificamos esses padrões?

Através da síntese de repetidas observações. Ex: sabemos que os peixes vivem dentro de água porque sempre que vemos um peixe, ele está lá. Mas muitas vezes não chegamos a ir ao encontro desses padrões através desta síntese de observações; chegamos lá através da identificação de factores que os causem. Ex: os peixes não têm pulmões, portanto não podem respirar ar, logo são aquáticos. De uma forma geral, detectamos os padrões empiricamente, isto é, através dessas observações sucessivas, e depois vamos à procura dos mecanismos morfológicos, fisiológicos, etc., que justificam os padrões observados.

Limitações causadas pela percepção da Natureza Obtemos informação naturalmente através dos nossos órgãos dos sentidos, e estes não são iguais para todas as espécies animais. Há alguns, como nós, em que a percepção da Natureza é essencialmente feita pela visão, enquanto noutros é através do olfacto, outros através da audição, e por aí fora. Nós somos um animal também, e as observações que fazemos estão limitadas pelo nosso universo sensorial. Não temos a capacidade para nos relacionarmos com o ambiente de uma forma semelhante a todos os animais, e isso é uma limitação para a nossa capacidade de observação. Por exemplo: numa floresta, se houver espaços abertos, conseguimos ver centenas de metros à nossa frente; um morcego, devido à sua capacidade de ecolocalização, vê imediatamente as árvores que estão à sua volta. Esta capacidade também varia de indivíduo para indivíduo. Portanto a forma de como nós percepcionamos o ambiente que nos rodeia é diferente da maneira de como os morcegos o fazem. Esta capacidade de percepcionar a Natureza está dependente do conhecimento prévio do indivíduo (ex: um caboclo, durante uma viagem à Amazónia, consegue memorizar o percurso de volta) e das prioridades de observação (ex: um biólogo tem uma melhor capacidade para detectar aves e insectos que um cidadão comum). Ou seja, embora o ambiente seja o mesmo, ou a capacidade de observação seja muito semelhante, o processamento da informação é diferente. A forma de percepcionar a Natureza tende a influenciar muito a perspectiva do estudo que a pessoa planeia fazer, as questões que consegue colocar, os padrões que procuramos e conseguimos encontrar… tudo isso está dependente da forma como observamos a Natureza. Resumindo, os órgãos dos sentidos, os conhecimentos prévios e os interesses prioritários influenciam a nossa percepção da Natureza.

A percepção da Natureza controla a nossa capacidade de observação, e esta é a base da obtenção de dados em ecologia, logo esta é muito limitada pela nossa capacidade de percepção. E porque é isto um problema para estudar ecologia? Porque não conseguimos obter toda a informação existente à nossa volta. Nós estudamos ecologia para construir conhecimento e podermos transmiti-lo às pessoas. Portanto podemos questionar-nos se aquilo que nos interessa é a compreensão dos padrões que existem na nossa realidade de percepção, ou se é importante percebermos as coisas na “perspectiva dos animais”. Apesar de fazermos ciência para a nossa espécie, o facto é que não conseguimos muitas vezes perceber as coisas se não conseguirmos obter informação tal como ela é percepcionada pelos animais. Imaginemos uma serra: porque há mais raposas de um lado da serra do que do outro? Para descobrirmos a resposta, medimos múltiplas variáveis ambientais e chegámos à conclusão que há um determinado tipo de planta de um dos lados da serra que liberta um cheiro que

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dificulta o funcionamento do olfacto, tornando mais difícil às raposas detectarem o odor das suas presas. Mas podemos não perceber isso! Em muitas situações não conseguimos perceber os padrões na Natureza e os factores que determinam a distribuição e a abundância das espécies se não conseguirmos entender qual é a percepção que os animais têm da realidade. Aquilo que se procura fazer é tentar emular o animal que pretendemos investigar, imaginar que somos esse animal. Claro que, para podermos fazer isso, temos que ter um bom conhecimento da biologia dessa espécie. Assim podemos optimizar a nossa capacidade de emulação da espécie e planear melhor o estudo. No entanto vamos incorrer no erro de antropomorfizar as variáveis que queremos medir. A nossa imaginação é limitada porque funciona com base no universo sensorial em que nós crescemos e evoluímos.

Conclusão: a nossa capacidade limitada de raciocínio e os nossos sentidos são factores muito limitativos no estudo dos processos ecológicos, na qual nós somos o principal elemento de obtenção de informação. Outra conclusão importante é que quanto melhor conhecermos a biologia da espécie, melhor podemos planear o estudo da sua ecologia.

Metodologia Qual a sequência com que normalmente funcionamos em estudos ecológicos?

1. Observação e descrição de um fenómeno 2. Especulação 3. Construir hipóteses 4. Testar essas hipóteses

O primeiro passo é a observação de um fenómeno. É com base na observação que nós fazemos a descrição. Por exemplo, observámos que há mais coelhos no topo de uma serra em Portugal do que na base. A pergunta que se coloca a seguir é: porque acontece isto? Vamos então formular uma hipótese. Para tal, precisamos de conhecer os coelhos e a serra, e depois especular. Ou seja, com base na observação, entramos no processo de especulação, e este permite-nos construir hipóteses lógicas. Mas continuamos a precisar de ter a capacidade para fazer especulação, pois esta é a fonte de informação e criatividade. Um bom cientista tende a ser aquele que não tem medo de dizer disparates! Só se consegue fazer boa especulação se tivermos bom conhecimento e estivermos dispostos a correr riscos. O último passo é testar as hipóteses. E esse teste de hipóteses é feito com base em novas observações. Por exemplo, colocámos a hipótese de existirem mais coelhos no topo da serra por existir lá mais erva. O que fazemos para testar essa hipótese é amostrar a abundância de erva em vários locais no topo da serra e no vale. Se chegarmos à conclusão que, de facto, há mais erva no topo que nos vales, isso não é suficiente para provar que é por isso que há mais coelhos em cima da serra do que em baixo. Para testarmos se isso é ou não verdade, era fundamental que a comida fosse um factor limitativo. Por exemplo, se a erva que há em baixo for mais que suficiente para alimentar os coelhos, é provável que não seja por isso que eles são mais abundantes no topo da serra. Deve existir outro factor envolvido. Como isso não é fácil de testar, por vezes temos que entrar numa área complicada em ecologia: a experimentação. Ou

seja, podemos tentar criar situações experimentais em que podemos ver se a erva é um factor determinante manipulando a sua abundância, plantando mais num local ou noutro, e ver se isso altera a distribuição dos coelhos. Se o fizesse, então era muito provável que a nossa

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hipótese estivesse correcta: a abundância de erva é, de facto, aquilo que determina a abundância de coelhos.

A experimentação é, de facto, um método de trabalho muito utilizado em ecologia. É por vezes a única maneira de obter respostas claras, porque na Natureza existem muitos factores ambientais que co-variam, e essa co-variação faz com que muitas vezes seja difícil discriminarmos o efeito de cada um deles. A experimentação permite-nos manipular apenas um desses factores e manter todos os outros constantes, como a temperatura e a humidade.

Qual é a grande dificuldade de fazer experimentação em ecologia?

É a escala a que os fenómenos ecológicos acontecem. A experimentação, para ser relevante, tem que ser feita a uma escala em que os factores dificilmente variem. Um microrganismo em laboratório é algo mais facilmente manipulável, de pequena dimensão, logo custo baixo, mas para um animal na Natureza isso pode implicar controlar vários hectares.

História natural clássica A lógica do progresso da ciência através do processo de testes de hipóteses passou a ser de tal maneira omnipresente que começou-se a considerar que tudo o resto não é ciência. Se não há testes de hipóteses, não há ciência, porque faz parte da definição de ciência utilizar um mecanismo de teste de hipóteses. As modas são muito determinantes não só no tipo de ciência que fazemos, mas também como a fazemos, e os cientistas são também influenciados por elas. O filósofo Karl Popper disse “ciência é testes de hipóteses”, e uma data de cientistas aderiu a esse dogma. George Schaller, um grande ecólogo americano, trabalhou com vários animais

em quase todos os cantos do mundo. Escreveu vários livros, produzindo uma quantidade enorme de informação sobre a ecologia de espécies animais, e nunca fez trabalhos com testes de hipóteses. De acordo com a definição anterior, ele nunca fez ciência. Ainda assim, a quantidade de informação que Schaller nos trouxe é extremamente mais importante do que a maioria das pessoas que publicaram dezenas de trabalhos a fazer testes de hipóteses.

Apesar da enorme importância de conseguirmos planear os nossos trabalhos de forma a incumbirem hipóteses explícitas e testáveis, não podemos ir ao limite e dizer que tudo o resto é informação irrelevante, ou não é ciência.

Características gerais dos dados em ecologia Os dados recolhidos têm uma enorme variabilidade, e essa variabilidade é devida a dois

principais factores: →→→→ Variabilidade intrínseca dos parâmetros. Isto é, se medirmos a altura dos alunos de

biologia, vamos obter uma variação dos dados que representa entre 10 a 15% da média. Mas vamos agora imaginar que estávamos a estudar uma questão ecológica, como a dieta. Íamos recolher informação sobre aquilo que cada aluno tinha comido ao almoço, e víamos que a variabilidade obtida era tremenda. Ou seja, ao nível do comportamento alimentar, a variabilidade é imensamente mais substancial do que a altura. É mais fácil caracterizar a altura dos alunos de biologia, e muito mais complicado caracterizar a sua dieta. Isto é verdade com muitos outros parâmetros; variam muito dentro da mesma espécie, entre locais, entre contextos ecológicos, até mesmo de um dia para o outro. Por a variabilidade ser grande, temos que conseguir encontrar padrões em circunstâncias difíceis. →→→→ O erro. As medições nunca são exactas, são sempre aproximadas porque há um erro que

pode ser causado pelo instrumento usado, ou pela leitura feita. Mesmo que os alunos de

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biologia tivessem todos a mesma altura não conseguiríamos obter dados sem variação, porque haveria sempre algum erro causado pela dificuldade da medição exacta dos parâmetros. Outro aspecto é que obter dados sobre a morfometria é fácil; mas se dentro da área vital de um indivíduo quisermos saber em qual habitat esse indivíduo passa mais tempo, é muito mais difícil fazer medições, especialmente tendo em conta a visibilidade que o observador tem sobre cada habitat. De uma forma geral temos uma tendência grande para obter dados com muita variabilidade não só devido à variabilidade intrínseca dos fenómenos, mas também devido à dificuldade que temos em medir com precisão os parâmetros.

Muito frequentemente medimos os parâmetros de uma forma enviesada, ou seja, há uma

medição dos dados com tendência a subestimar ou a sobrestimar o fenómeno. Por exemplo, na situação anterior, nós consistentemente íamos obter mais observações nos habitats abertos. Há portanto dois tipos de erros, os enviesados e os não enviesados. Os não enviesados são erros

ao acaso, em que não há qualquer tendência, e os enviesados são erros obtidos consistentemente por defeito ou por excesso. A análise da dieta, através da recolha e observação de excrementos, é enviesada porque há alimentos que deixam mais vestígios do que outros. Por exemplo, em aves frugívoras, vamos tender a sobrestimar os frutos com pequenas sementes e a subestimar aqueles que têm sementes demasiado grandes para serem ingeridas. Outras vezes não medimos os parâmetros que são mais relevantes para os animais. No exemplo anterior da raposa se encontrar mais de um lado da serra do que o outro: para tentarmos compreender esse fenómeno de selecção de habitat pela raposa, medimos muitas variáveis que nos pareceram ser importantes. Poderiam eventualmente ser, mas nesse exemplo não eram. Ou seja, o que acontece muitas vezes é que medimos muitas variáveis, mas não acertamos na medição as que são relevantes para os animais. Isso tem reflexo na qualidade dos nossos dados. O 4º problema é os padrões escurecidos pelo elevado número de espécies e factores envolvidos nos fenómenos e pelas interacções entre eles. Vamos imaginar que queremos saber se uma raposa prefere alimentar-se de ratos ou pássaros. Seguimo-la para conhecermos as suas preferências alimentares, e vimos que ela, muitas vezes, só comia ratos. Isto não significa que ela prefira os ratos aos pássaros. Poderia haver questões ambientais que influenciavam a capacidade do animal capturar uma dessas presas. Isto vai afectar a qualidade dos nossos dados.

Em resposta a estas dificuldades, tendemos a recorrer muito em ecologia à utilização de estatística. A sua importância na biologia talvez só tenha paralelo com as ciências sociais.

Importância da estatística em ecologia Usamos a estatística para quatro grandes aplicações:

• Testar hipóteses.

• Calcular intervalos de confiança

• Fazer análise exploratória

• Fazer modelação explicativa e preditiva

Testes de hipóteses

É a utilização mais comum da estatística em ecologia.

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Primeiro formulamos as hipóteses, e depois temos que as testar. Este teste é usado para rejeitarmos, ou não, as hipóteses. Quando rejeitamos uma hipótese, essa rejeição acontece sempre com uma certa probabilidade de erro. O objectivo dos testes estatísticos é conseguir estimar o erro associado às nossas afirmações.

Quais são os factores que estão ponderados na nossa estimativa da probabilidade de erro?

Vamos olhar para a fórmula do teste t:

� = �� − ���√

Este teste inclui os três parâmetros que nós ponderamos em todo o tipo de testes estatísticos que fazemos. Quando é perguntado qual das cantinas é melhor, a Cantina Velha ou o C7, quase todos os alunos respondem a Cantina Velha. Como é que os alunos fizeram essa comparação? Fizeram um teste estatístico mental onde ponderaram os três mesmos parâmetros

incorporados na fórmula acima:

• Diferença entre as médias (�� − ��): Se a diferença na qualidade da comida for muito

grande, então consegue-se chegar à conclusão que a Cantina Velha é melhor que a cantina do C7.

• Tamanho da amostra (): Com uma amostra maior tem-se mais certeza sobre qual das

cantinas é melhor. • Variabilidade (�): É mais fácil tirar conclusões quando os nossos dados são mais

homogéneos.

Sempre que fazemos um julgamento, intuitivamente temos em conta estes três parâmetros. Devemos tentar interpretar o resultado do teste estatístico – se há significância ou não – ponderando estes factores, e ver qual deles está a influenciar o resultado.

Então se um teste estatístico não é mais que uma estratégia matemática para fazer aquilo que nós já fazemos no dia-a-dia, para que precisamos de testes de hipóteses?

• Eliminar a subjectividade.

• Permite-nos, de uma forma objectiva, quantificar o erro (β), ou seja, a probabilidade de errar quando rejeitamos uma hipótese nula.

• Estabelecer um α, que é a probabilidade de erro que é aceitável numa comparação

estatística, e afirmar que se essa probabilidade de erro for menor ou igual a α,

rejeitamos a hipótese nula.

O que isto quer dizer é que os mesmos dados, se forem bem analisados, independentemente do investigador, vão permitir chegar a uma mesma conclusão. Isto é muito importante em termos de fazer ciência.

No entanto é muito frequente verem-se investigadores errarem de uma forma importante quando fazem testes estatísticos: →→→→ Esquecer que o fim último do teste não é comparar amostras, mas sim generalizar para as populações. Isto é muito importante pelo facto de querermos extrapolar para o

universo que cada uma das amostras deve representar. Temos que garantir que as nossas amostras são representativas da população que estamos a comparar. Por exemplo, queremos

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saber se a dieta das raposas do sul de Portugal é diferente da dieta das raposas do norte do Reino Unido. Se a amostra for proveniente de raposas que vivem em zonas urbanas em Portugal, e a outra for de raposas que vivem numa zona rural do Reino Unido, a diferença de dietas que iríamos obter nas duas não iria permitir responder à questão inicial. →→→→ Dar demasiada importância ao α. Por exemplo, considerando α=0.05, se o valor de p for

0.04, é estatisticamente significativo, logo há diferença; um p de 0.06 é maior que 0.05, logo não há diferença. Um p de 0.04 significa que podemos rejeitar a hipótese nula com uma probabilidade de erro de 4%. O mesmo se aplica, de uma forma semelhante, ao p de 0.06. Então qual é a diferença entre uma probabilidade de erro de 4% e uma de 6%? Quase nenhuma! Temos que estar conscientes que o limiar de rejeição ditado por α não é assim tão uniforme. Chamamos diferença estatisticamente significativa se, e só se, o p for menor que

0,05. Mas isso não quer dizer que possamos partir do princípio que um p de 0,06 queira dizer o oposto. Há que ser inteligente na forma de utilizar aquele α=0,05. Não podemos ignorar

situações em que temos um p próximo do α mas ligeiramente superior, e tratá-lo como se

tivéssemos uma probabilidade de erro de 30 ou 40%. Quando não temos uma diferença estatisticamente significativa, isso pode dever-se a: não haver diferença; ou o tamanho da amostra é insuficiente. →→→→ Dar mais importância à significância estatística do que à biológica. Consideremos o

seguinte caso: a densidade de coelhos é significativamente influenciada pela presença de predadores. Fazemos uma comparação entre uma zona com predadores e outra zona sem predadores. Obtemos uma diferença estatisticamente significativa e colocamos no paper: há mais coelhos quando não há predadores do que quando há. O que está a faltar aqui? A quantidade de diferença. Não se pretende saber se há diferença ou não; queremos sim saber qual a quantidade de influência que os predadores têm. Não devemos dar uma importância excessiva à significância estatística ao ponto de, em muitas situações, não indicarmos sequer a quantidade da diferença, que é aquilo que nos interessa verdadeiramente. O teste estatístico serve apenas para confirmar se aquela quantidade de diferença que medimos é real ou um artefacto da amostragem.

Outros erros cometidos ainda:

• Ignorar os pressupostos do teste estatístico.

• Fazer análises estatísticas sem as entender. Acontece com alguma frequência quando se introduz dados no computador. Formas de diminuir o risco: aprender a técnica; perceber os passos intermédios e avaliar a correcção de cada um dos passos da metodologia; trabalhar com dados com resultados conhecidos e fazer a experiência para ver se atingimos os resultados apropriados.

Intervalos de confiança

Permitem-nos estimar um intervalo dentro do qual nós estamos quase certos que a realidade se encontra. O objectivo não é caracterizar a amostra; é caracterizar a população. Estão a receber cada vez mais atenção porque os cientistas estão a perceber que, de uma forma geral, a sua utilização substitui de forma favorável os testes estatísticos.

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Figura 1: Gráfico com os intervalos de confiança de cada amostra representados a vermelho.

Calcula-se os intervalos de confiança através da fórmula do erro padrão: �√. O s (desvio

padrão) é uma medida da variabilidade da população, e o n é uma medida do tamanho da amostra. Se o s for grande, então o erro padrão será grande também. Se aumentarmos o n e mantermos o s, o erro padrão será mais pequeno. Ou seja, o grau de certeza aumenta com o tamanho da amostra e diminui com a sua variabilidade. Com base no erro padrão, conseguimos calcular um intervalo de confiança de localização da média da população, utilizando como base a média da nossa amostra.

Os intervalos de confiança estão associados a uma probabilidade de erro. Não podemos

afirmar, com certeza absoluta, que a média da população se encontra naquele intervalo. Para objectivar isso, é preciso associar a este intervalo de confiança uma probabilidade. Normalmente a probabilidade de erro utilizada é de 5%. Isto é, temos uma estimativa da média da população, e há uma probabilidade de erro de apenas 5% associada à afirmação de que a média da população se encontra localizada dentro do intervalo de confiança. Para podermos fazer essa afirmação com um grau de certeza de 95%, temos que utilizar não um, mas dois erros padrões, mais especificamente 1,96x. Ou seja, o nosso intervalo de confiança é limitado pela média mais/menos duas vezes o nosso erro padrão. Quando a média de uma amostra não cai dentro do intervalo de confiança de 95% de outra amostra, se fizermos um teste de hipóteses chegaremos à conclusão que rejeitamos a hipótese nula em que ambas as populações são iguais, com uma probabilidade associada de 0,05 (fig. 1). Numa situação em que ambos os intervalos de confiança nem se sobrepõem (fig. 1), podemos dizer, com uma probabilidade de erro de 0,01, que as amostras provêm de populações estatisticamente distintas.

Agora coloca-se a questão: então para quê fazer testes? De facto, os testes são mais exactos do que a interpretação dos intervalos de confiança. Mas os intervalos de confiança também têm vantagens sobre os testes estatísticos:

• Evita-se a preocupação com o α, ou o valor p; estamos a olhar directamente para os

resultados obtidos.

• A sua interpretação é mais intuitiva, sendo mais fácil verificar o quanto diferentes as amostras são.

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Normalmente em gráficos está mais representado o desvio padrão do que os intervalos de confiança, ou o erro padrão, muitas vezes porque o cientista não percebe qual a diferença entre um e outro. Quando é que nós devemos num gráfico indicar o intervalo de confiança, e quando devemos indicar o desvio padrão? Um intervalo de confiança é uma medida do intervalo de certeza; o desvio padrão indica a variação do fenómeno. Quando num gráfico aquilo que se quer fazer é expor a variabilidade dos dados (ex. saber qual é a população de coelhos com mais variação, se a do Minho ou se a do Alentejo), utiliza-se o desvio padrão; quando queremos permitir a quem esteja a visualizar o gráfico quantificar as diferenças, devemos indicar os intervalos de confiança. Por vezes pode-se indicar ambos, mas tem que se explicitar de forma clara na legenda o que significam as barras verticais.

Análise exploratória

São coisas como análise de componentes principais, análise de correspondências, análise de classificação, entre outras. Para o que se usa, de uma forma geral, este tipo de análises de

ordenação?

• Simplificar, reduzindo a dimensionalidade.

• Arrumar os dados para os poder interpretar melhor.

Imaginemos que queríamos saber por que razões existem mais pássaros numa região do que noutra. Então fizemos pontos de contagem ao longo da encosta de uma montanha. Em cada um desses locais registámos variáveis como o tipo de vegetação, altitude, densidade do coberto arbóreo, exposição, entre outras. Vamos pegar apenas na altitude, e ordenar o número de pássaros contados. Através desta ordenação, torna-se evidente que há mais pássaros a altitudes mais elevadas. A ordenação é apenas isto: a arrumação dos valores de forma a percebermos o que se está a passar com mais facilidade. Claro que, com mais valores e mais variáveis, a interpretação torna-se mais difícil, mas também se torna mais importante utilizar técnicas de ordenação para perceber o que está a acontecer.

A análise exploratória também é muito usada para reduzir a dimensionalidade. Com a medição de várias variáveis ambientais no exemplo anterior, obteve-se uma matriz de dados bastante complexa, muito difícil de interpretar. Nessa ocasião, procura-se uma técnica de redução de dimensionalidade. Podemos chegar à conclusão que apesar de termos muitas variáveis ambientais, todas elas se reduzem a apenas uma, a altitude, porque elas estavam todas correlacionadas entre si. Por exemplo, a temperatura e a densidade da vegetação estavam relacionadas com a altitude. Muitas vezes os parâmetros medidos estão relacionados entre si, portanto podemos simplificar essa análise se percebermos quais os que são redundantes. De notar que isso não implica que haja uma relação causa-efeito entre os fenómenos correlacionados.

Modelação explicativa e preditiva Há dois tipos de variáveis numa análise de regressão: dependentes e independentes. Quer-

se ver como é que a variável dependente varia em função da variável independente. Numa análise de regressão multivariada, temos uma variável dependente e duas ou mais variáveis independentes. Podemos usar isto para identificar factores que, aparentemente, influenciam parâmetros.

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Por exemplo, queríamos saber porque há muitos morcegos a comerem mais numa dada zona do que em outra. Como é que isto foi feito? A variável dependente era a quantidade de morcegos em cada uma das zonas. Para saber quais eram as variáveis independentes, ou seja, aquelas que influenciavam a abundância de morcegos, tivemos que medir vários parâmetros, como o tipo de vegetação e a disponibilidade de água, para depois saber quais deles influenciavam a sua abundância. Ao fazer esta relação entre a variável dependente e as variáveis independentes, ficou-se com um modelo explicativo que permitiu ver quais as

variáveis ambientais que explicavam a abundância dos morcegos nas várias zonas.

A outra aplicação, que é uma extensão desta, é uma modelação preditiva. Ou seja, através de

um bom conhecimento das variáveis que explicam a utilização do espaço pelos morcegos, pode-se criar modelos que prevêem como o animal vai utilizar o espaço se fizermos alterações a um desses parâmetros. Este tipo de modelação preditiva é também uma ferramenta muito importante em questões de gestão.

Ambiente, adaptação e evolução

Ambiente e evolução Como é que o ambiente pode direccionar a evolução das populações animais?

Os animais estão adaptados geneticamente ao ambiente, mais especificamente ao seu nicho ecológico. Nicho – não representa só o ambiente onde a espécie existe, mas também o papel que essa

espécie, ou população, desempenha no ecossistema.

O ambiente cria dificuldades aos animais, e estes têm que dar resposta a estas dificuldades. O bico-grossudo é uma ave com um bico muito grande que come pinhões. Imaginemos que ele, adaptado ao seu ambiente, é de repente confrontado com a invasão de uma espécie de pinheiro americano na Europa. Esse pinheiro tinha pinhões com uma protecção mais forte, portanto começava a substituir o pinheiro da Europa. Isso significava que o alimento no ambiente do bico-grossudo estava a mudar. Na situação original, antes da invasão, já havia pinhões mais rijos que outros, e certamente que há bicos-grossudos com uma melhor ou pior capacidade de partir esses pinhões. Os animais utilizam um gradiente ambiental – gradiente de recurso – em que, no geral, utilizam

mais as sementes com características médias. Ou seja, eles estão optimamente adaptados aos pinhões com uma dureza média da casca, que são os mais abundantes em termos de recursos. O bico-grossudo vai explorar principalmente a parte do nicho mais proveitosa, que é aquela em que há mais abundância de alimento. Então o que acontece quando a abundância dos pinhões de casca grossa aumenta? À partida, os animais que tinham o bico mais forte e com uma capacidade melhor para explorar o novo recurso vão ter mais sucesso reprodutor.

A chave aqui, como tudo em ecologia, é o sucesso reprodutor. Os animais debatem-se evolutivamente por sucesso reprodutor. Ele tem duas componentes:

• Capacidade que o indivíduo tem de dar à luz, e manter, muitas crias.

• Capacidade de sobreviver, para poder gerar ainda mais crias.

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A sobrevivência do indivíduo, do ponto de vista adaptativo, é completamente irrelevante. O único factor que leva uma espécie a adaptar-se é o desenvolvimento de estratégias para conseguir deixar o maior número de descendentes na próxima geração.

Ou seja, os indivíduos que exploravam a faixa de recursos com pinhões mais duros, apesar de ser pior energeticamente, passaram a ter uma maior vantagem adaptativa, e lentamente o que começou a acontecer foi uma pressão ambiental direccional, na qual o fenótipo da espécie mudou.

Ele evoluiu no sentido do aumento do tamanho do bico. Entretanto os indivíduos com bicos mais fracos e que sobreviviam graças à exploração de

pinhões de casca muito fina começaram a desaparecer. No fundo, o ambiente colocou um desafio adaptativo à espécie, e depois, através dos processos de selecção natural, a adaptação empurrou a espécie no sentido de optimizar a exploração dos recursos disponíveis no ambiente.

No entanto, os animais raramente estão adaptados aos nichos disponíveis porque o ambiente está sempre a mudar. Não devemos pensar nos ecossistemas e nas comunidades animais como sistemas perfeitos, estáveis, de espécies a preencherem o seu nicho perfeitamente. O que de facto temos é o ambiente a mudar constantemente; os picos adaptativos, os nichos, e as espécies a evoluírem no sentido de perseguirem o óptimo adaptativo para aquelas condições ambientais. Temos as espécies nos ecossistemas a tirar partido do melhor nicho possível para as condições ambientais existentes dentro das capacidades de exploração de recursos que elas têm. Os processos adaptativos são constantes, mas nunca chegam ao óptimo, porque entretanto ele fugiu outra vez.

Se o ambiente for estável num período suficientemente longo (relativamente à velocidade de evolução da espécie) dar-se-á uma pressão ambiental estabilizante. Aquilo que vai

acontecendo é que os indivíduos que estão na periferia da exploração do recurso tendem a ficar numa situação em que cada vez sobrevivem menos proporcionalmente aos indivíduos que estão na zona óptima do recurso. Acaba por haver um processo de selecção natural em que as periferias vão desaparecendo, e vai haver uma concentração de indivíduos no fenótipo óptimo. Isto pode ser um problema para a espécie, porque se ela estiver especializada num certo tipo de ambiente, perde variabilidade. Se houver de repente a chegada de uma alteração no meio e na disponibilidade de alimento, a recta fica fora do pico adaptativo e a espécie não se consegue adaptar porque fica sem indivíduos nesse pico para serem positivamente seleccionados e poderem explorar o novo recurso. Pensa-se que algumas espécies são empurradas para a extinção através deste processo de excessiva especialização.

Existe ainda um terceiro tipo de pressão ambiental, chamada diversificante. Pensa-se que

acontece em ambientes em mosaico. Vamos pensar num exemplo deste tipo de situações: uma

Figura 2: Pressão ambiental direccional

Figura 3: Pressão ambiental estabilizante

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floresta com pradaria. Podemos ter inicialmente uma espécie a usar os recursos de ambos os ambientes, mas havendo claramente dois ambientes, ela pode começar a usá-los de forma diferencial. Os indivíduos que estão optimamente adaptados à zona florestal estão expostos a desafios ambientais distintos dos que vivem na pradaria, ainda que ocupem a mesma região.

Esses desafios ambientais vão levar a que a espécie evolua numa direcção de optimização da adaptação ao local onde vive. As populações da mesma espécie podem começar a divergir, adaptando-se a dois meios distintos. Elas podem divergir de tal maneira que pode ocorrer especiação. Contudo, não é muito frequente isto acontecer por causa do fluxo genético. De vez em

quando há um indivíduo da floresta que vai para a pradaria, ou um indivíduo da pradaria que vai para a floresta, provocando uma transferência de genes que impede a adaptação. O fluxo genético tem então um papel importante no sentido de impedir as adaptações locais e diminuir a frequência dos processos de adaptação.

Quando é que, de facto, ocorre uma evolução no sentido da especiação?

• Quando há uma diminuição muito forte do fluxo genético, por exemplo através de uma barreira geográfica.

• Quando as vantagens adaptativas são de tal maneira grandes que conseguem compensar o fluxo genético. Isto é, se um individuo se deslocasse de uma zona para a outra, provavelmente ou morria ele ou morriam os seus descendentes.

Conclusão, a constante mudança do ambiente e a existência de fluxo genético entre populações dificultam a adaptação das espécies.

Nem tudo na morfologia de uma espécie tem uma explicação adaptativa. Só as características que são relevantes para o meio é que estão sujeitas a processos de selecção natural. Isto é, se uma característica é irrelevante para a adaptação do animal, ela não está naturalmente sujeita a algum processo de selecção natural. Os peixes cavernícolas perderam os olhos porque expunham a espécie a riscos substanciais, como infecções, podendo aumentar a sua mortalidade. Os indivíduos que têm olhos estão mal adaptados, tendem a sobreviver pouco, deixam pouca descendência, e vão desaparecendo da população. Peixes do género Cyprinodon vivem nos desertos do Nevada e sobrevivem apenas em pequenas nascentes termais. Em muitos casos a água atinge temperaturas muito elevadas, por isso uma característica peculiar destes peixes é terem a capacidade de sobreviver em águas muito quentes. Mas alguns deles vivem em lagos maiores onde não há praticamente variações de temperatura. Estes peixes descendem daqueles que vieram das nascentes termais. Contudo, não havia qualquer desvantagem neles terem a capacidade de tolerar temperaturas elevadas. Portanto quando se fez a experiência, verificou-se que os peixes que vivem nos lagos grandes também toleravam temperaturas elevadas. Ou seja, não existiu uma pressão ambiental sobre essa característica que causasse uma desvantagem em haver uma resistência às temperaturas elevadas.

Figura 4: Pressão ambiental diversificante

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Muitas vezes na Natureza os animais têm características que procuramos explicar com base no contexto ambiental em que o animal está, mas que não têm explicação nesse contexto porque provavelmente tiveram uma relevância adaptativa no passado histórico da evolução da espécie, mas não têm na actualidade.

Ambiente: constrangimentos à vida animal Quais são as condições mínimas para a vida?

• Existência de água. Isto porque a água é um meio necessário para os processos vitais.

• Energia para fazer funcionar os organismos.

• O ambiente tem que possuir nutrientes químicos que formam as substâncias da vida.

Vamos falar das adaptações em que estas condições mínimas são limitativas para as espécies. Elas variam muito no nosso planeta. O ambiente, nestas características, não é uniforme, tanto espacialmente como temporalmente.

Variações temporais Dividem-se em dois grandes blocos, diferentes na resposta adaptativa que exigem dos organismos.

Variações regulares Exemplos: cheias anuais, estações do ano, dia e noite, marés, entre outras. Ocorrem em

períodos regulares.

Exemplos de adaptações a variações regulares do meio: migrações. Há muitos animais que

migram, e essas migrações podem ocorrer a muitas escalas, não só à escala continental. Há também migrações regionais, como do vale para a montanha, e ainda outras que ocorrem a uma micro-escala, como é o caso do plâncton e da biomassa existente no lodo dos rios. Temos também o pêlo. Há muitas espécies que respondem a variações sazonais do meio através de alterações morfológicas, como ter pêlo mais escuro e fino no verão, e mais claro e espesso no inverno. Outra adaptação é a passagem por um estado letárgico, que pode ser: a hibernação, um fenómeno que ocorre geralmente em invernos rigorosos, em que a comida escasseia; ou a estivação, que ocorre na estação quente e seca. No fundo, a letargia significa passar meses

com um metabolismo baixíssimo para conseguir sobreviver ao período desfavorável. É um salto adaptativo complicado, no entanto é de tal maneira favorável à sobrevivência da espécie em meios sazonais que é extremamente frequente no reino animal. É tão importante que surgiu independentemente em grupos animais completamente distintos.

Variações irregulares Exemplos: tempestades, sismos, erupções vulcânicas, ciclos climáticos, ciclos de abundância

de presas, entre outras. Variações que ocorrem regularmente, mas com um intervalo de tempo muito longo, contam como variações irregulares, porque acontece de muitas em muitas gerações.

De uma forma geral os animais respondem de uma maneira a variações regulares e de outra a

variações irregulares. Mas nem sempre é assim. Nalgumas situações, os organismos têm uma

resposta adaptativa semelhante para ambas as situações. Portanto é possível que esta divisão em

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dois tipos de variações ambientais seja uma abstracção nossa; é uma classificação que se faz, mas

depois não tem confluência com a realidade.

Outros exemplos de classes artificiais que os ecólogos são obrigados a fazer: afirmar que

certas espécies ou são predadoras ou são presas; dizer que um fenómeno é de predação ou

parasitismo (há situações em que não se conseguem distinguir). Tudo isto para dizer que muitas

vezes as classificações que se fazem em ecologia são abstractas e não descrevem de forma

perfeita a realidade. Mas então se o que temos são contínuos, porque insistimos nesta questão de

fazer divisões? Porque precisamos de organizar o conhecimento e ter a capacidade de

comunicar. Os predadores são uma realidade, assim como os parasitas. Não podemos deixar que

a existência de situações intermédias iniba a nossa capacidade para criar um vocabulário que nos

permita comunicar entre nós.

Os organismos têm respostas adaptativas ao meio que varia de forma irregular. Uma delas é a manutenção da variabilidade genética. Como pode ser isso uma resposta às variações irregulares do meio? Confere ao animal mais plasticidade. Quando uma espécie se especializa muito e perde diversidade (pressão estabilizante), pode não haver indivíduos com a capacidade de sobreviver no novo meio.

Outra resposta adaptativa é a manutenção da capacidade de dispersão das espécies. Não confundir dispersão com migração; dispersão é uma população existir numa certa área, e

todas as gerações alguns indivíduos tentam partir dessa área para outras. Dispersar tem riscos associados, como a predação ou o estabelecimento de um território apropriado. Portanto um animal que disperse corre o risco de não deixar descendência. Não dispersar tem a vantagem de conhecer bem o território. Claro que permanecer na sua área natal também tem desvantagens, como seja o risco de endogamia e a perda de variabilidade genética. De uma forma geral, as espécies não têm uma distribuição contígua. Vamos imaginar uma situação em que um animal tem populações fragmentadas. Através de um processo adaptativo de muito longa data, tendem a ficar o mais próximo possível da zona onde nasceram, de tal maneira que deixou de haver indivíduos dispersantes. A longo prazo, essa população vai desaparecer, e se for uma população pequena, maior é a probabilidade disso acontecer. Se ocorrer uma situação extrema que leve à extinção de um desses fragmentos da população, esse espaço pode ser colonizado. Mas só é colonizado por essa espécie se existirem animais com o genótipo dispersor. Ou seja, este fenómeno de recuperação das manchas de habitat apropriados para a espécie só funciona para manter a população global se houver indivíduos que estejam programados para dispersarem.

Metapopulação – população que tem subpopulações parcialmente isoladas, mas que estão

interligadas por fenómenos de dispersão. Para que as metapopulações consigam subsistir tem que haver capacidade de dispersão. Portanto a manutenção da população de genótipos dispersivos é uma adaptação às variações temporais imprevisíveis do meio. Caso contrário as populações existentes em cada mancha iam desaparecendo, até não restar alguma.

Outra adaptação comum a variações irregulares do meio é a manutenção de estratégias r e estratégias K. Estratégia r – ter muita descendência, mas com poucos cuidados parentais para cada cria.

Tendem a ser espécies generalistas, com uma alta taxa de reprodução, muito plásticas, com uma grande capacidade de adaptação a ambientes distintos.

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Estratégia K – espécies mais especializadas, altamente adaptadas a um meio, com uma

baixa taxa de reprodução, e normalmente com um grande investimento parental.

As ilhas do Pacífico estão frequentemente sujeitas à acção de furacões extremamente destruidores. As aves frugívoras, quando vem um furacão que deita as árvores e os frutos ao chão, se forem espécies muito especializadas, vão desaparecer. As mais flexíveis são aquelas que conseguem sobreviver nessas situações de tempestade (começam a comer outras coisas). Há espécies nas ilhas do Pacífico que estão especializadas em tirar partido desses meios destruídos. São, no geral, espécies com uma grande capacidade de dispersão. Grande parte dos indivíduos dispersores morre nas ondas, mas de vez em quando um deles encontra uma ilha na qual houve recentemente uma tempestade. Não estão lá as aves especialistas, porque desapareceram, então eles estabelecem-se e crescem rapidamente. Quando são em densidade suficientemente grande, começam eles próprios a mandar indivíduos para tentar colonizar outras ilhas. Ou seja, só as espécies r têm a capacidade para sobreviver em meios que sejam assolados, com alguma frequência, por eventos catastróficos.

Outra situação bastante curiosa, que funciona tanto para variações regulares como para variações irregulares do meio, é os alfaiates (Gerris). Têm uma grande variedade morfológica entre espécies: há espécies com asas, outras sem asas, e outras com asas muito curtas. A que se deve toda esta variabilidade? Há alguns inconvenientes em ter asas, sendo um deles o gasto de energia na sua produção durante o desenvolvimento. Os alfaiates aparecem por vezes em pequenos charcos que existem durante algum tempo. Em períodos de escassez de água, é adaptativo ter asas para dispersar, portanto estas espécies que vivem em charcos temporários têm normalmente asas. Mas nos grandes lagos permanentes é um desperdício possuir asas, portanto os alfaiates que aí vivem geralmente não as têm. Mas vejamos agora lagos permanentes que também são imprevisíveis, isto é, aguentam-se muito tempo, mas de vez em quando vem uma grande seca, e o lago desaparece. Os indivíduos desta espécie que lá existem desaparecem também. Então qual foi a solução adaptativa inventada pelos alfaiates para este tipo de situações? A manutenção de polimorfismos. As espécies que vivem neste tipo de lagos tendem a produzir indivíduos sem asas, ou asas curtas, e indivíduos com asas. Portanto essa é a sua vantagem: se a imprevisibilidade é um factor importante, eles vão mantendo alguns indivíduos com asas, ainda que poucos. Se o lago secar, não há problema porque esses indivíduos voam e vão colonizar outro lago. A espécie sobrevive numa estratégia de manutenção de metapopulação devido à capacidade que têm de dispersar. Há ainda situações de lagos sazonais, isto é, lagos que existem durante uma certa fase do ano. No fundo isto é uma variação regular do meio. Neste caso, os alfaiates têm duas gerações por ano: uma delas nasce no inicio da época das chuvas, em que os lagos estão cheios, logo não têm asas; a segunda geração nasce pouco tempo depois de os lagos começarem a secar, e essa geração tem asas. No fundo, o que há aqui é outra estratégia de adaptação à variação do meio, mas agora é uma adaptação a uma variação sazonal em que os animais têm duas formas, uma delas preparada para a dispersão na época em que esta é necessária. Os alfaiates conseguem alternar entre estas duas formas mantendo uma capacidade para deixar que o ambiente controle o desenvolvimento do animal, ou seja, ele tem que estar programado geneticamente para se desenvolver de uma maneira ou doutra dependendo das condições ambientais.

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Resumindo, os alfaiates têm duas grandes estratégias de adaptação ao meio variável: por um lado, a existência de polimorfismos para variações irregulares; por outro, o dimorfismo sazonal através da manutenção de um desenvolvimento flexível para variações regulares.

Há um outro caso em que os animais também têm esta capacidade do ambiente determinar o desenvolvimento do insecto, mas desta vez para fenómenos irregulares: os gafanhotos. Nas zonas de onde estes gafanhotos vêm, há, por vezes, um ano chuvoso, em que nascem vários destes animais. Quando isso acontece, começa-se a acumular uma quantidade enorme de juvenis que vão consumir praticamente todos os recursos disponíveis em apenas semanas. Só que depois vem a época seca e os recursos praticamente esgotam-se. Num ano em que a pluviosidade é normal, há poucos gafanhotos, e quando chega a época seca há recursos suficientes para todos eles. A estratégia que usam para sobreviver é que quando há uma grande densidade de gafanhotos, as interacções entre os indivíduos são muito frequentes, e isso despoleta mecanismos fisiológicos que alteram o seu desenvolvimento. Os juvenis começam a desenvolver-se não na sua forma normal, mas numa forma migradora, mais bem adaptada para a dispersão. Os gafanhotos, ao manterem a capacidade de deixar que o ambiente influencie a forma de desenvolvimento dos indivíduos ao longo do seu crescimento, têm o melhor das duas ocasiões, com uma forma melhor adaptada para a residência e outra forma melhor adaptada para a dispersão.

Variações espaciais

Ar vs. Água O meio aéreo e o meio aquático colocam desafios adaptativos completamente distintos às

espécies animais. Mas há muitas espécies que conseguiram adaptar-se simultaneamente aos dois tipos de ambientes. Vamos pensar sobre quais são estas grandes diferenças e ver como elas influenciam o tipo de animais que existe em cada um dos meios. →→→→ A água tem uma densidade 800x mais elevada que o ar. A baleia-azul é o maior animal

que já existiu. Seria impossível um animal com o seu tamanho existir em meio terrestre devido à gravidade. Pelo facto da água ser mais densa que o ar é possível existirem animais maiores no meio aquático, porque este permite mantê-los em suspensão sem terem que aplicar todo o seu peso no chão. Imaginemos um animal cúbico com 1 metro de lado. Como consequência disto, ele pesa cerca de 1 tonelada. Esta tonelada aplica-se sobre o chão com uma área de 1 m2. Agora temos outro animal igual, só que com 2 m de lado. Este já vai pesar 8 t (2 × 2 × 2), que se aplicam sobre o chão numa área de 4 m2. Logicamente o animal que se enterra mais é o maior porque tem mais peso sobre unidade de área. Ou seja, há um ponto acima do qual o peso por unidade de área é tão grande que o animal não consegue andar. A superfície de aplicação no solo não cresce tão depressa como o seu peso, e por isso o peso por unidade de área tende a crescer muito rapidamente. Mesmo que haja comida suficiente, este factor impede que os animais sejam muito grandes. Se o animal for pequeno, as suas patas também podem ser pequenas, mas se for grande, as patas terão que ser maiores comparativamente ao corpo do animal para não aumentar muito o peso por unidade de área. Na prática, esta questão da maior impulsão na água do que no ar faz com que os animais terrestres estejam muito mais limitados pelo seu tamanho que os animais aquáticos.

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→→→→ A água é 50x mais viscosa que o ar. Isto é importante ao nível da locomoção. A resistência

que a água oferece à deslocação de um animal é muito superior à do ar. Ou seja, a água, a este nível, é um meio muito mais limitativo das formas que o ar, porque os animais na água têm que ser hidrodinâmicos para se poderem mover. No meio aéreo, a forma vai depender da velocidade a que se deslocam: se forem animais que se movem muito rapidamente, nomeadamente os animais voadores, também eles têm que ser aerodinâmicos. No final, todos os animais que se deslocam em ambiente marinho têm uma forma corporal semelhante. →→→→ A penetração da luz dentro de água é muito limitada quando comparada com o ar. A luz

atravessa quilómetros de ar da atmosfera perdendo pouca intensidade, mas em poucos metros, na água, tende praticamente a desaparecer. Isto significa que a maioria do meio aquático está em escuridão permanente, sendo importante para a evolução e desenvolvimento dos animais que aí habitam. Mas mais importante que isso é a limitação à fotossíntese. Não havendo fotossíntese, a produtividade primária está muito condicionada à zona eufótica, o que significa que a grande parte dos animais oceânicos tem que ser carnívoro ou detritívoro no que toca à alimentação. →→→→ Disponibilidade de água. A água é um dos requisitos fundamentais para a existência de

vida animal. É muito limitativa no meio aéreo, mas irrelevante em meio aquático. Por exemplo, no caso do homem, antes do aparecimento das civilizações, estávamos limitados a viver numa faixa muito próxima em torno dos rios permanentes para obtermos acesso a água. Ou seja, havia uma enorme quantidade de recursos que a nossa espécie não conseguia utilizar simplesmente porque estava longe demais da água. E o mesmo se passa com muitos outros animais. Claro que há alguns que se adaptaram para conseguirem ultrapassar esse obstáculo e colonizar meios com pouca água. Essas espécies têm potencialmente um tremendo sucesso adaptativo. De facto, a limitação à água e os desafios que ela cria do ponto de vista adaptativo são muito importantes na evolução das espécies animais e na sua diversificação.

O rato-canguru vive em zonas secas onde quase não bebe água, mas também ele não precisa.

Isto porque ele consegue extrair água dos alimentos e conservá-la dentro do corpo. Como consegue fazer isso? Para que se possa respirar, os pulmões têm que estar completamente humedecidos. Num ambiente seco, sempre que expiramos e inspiramos, perdemos imensa água. Portanto a respiração é das fontes mais importantes de perdas de água. Um dos desafios para os animais conseguirem sobreviver à escassez de água é respirarem minimizando as suas perdas. A passagem de ar na inspiração do rato-canguru não é directa; pelo contrário, o ar tem que percorrer passagens irregulares. Quando o animal inspira, as fossas nasais vão estar humedecidas, e vai haver evaporação da água na parede das fossas nasais para o ar. Quando este chega aos pulmões, vai mais humedecido do que quando veio do exterior, logo a perca de água vai ser mais baixa. As fossas nasais, mais importante do que estarem secas, estão frias porque, durante a inspiração, houve evaporação da água que lá havia, e a evaporação arrefece os corpos. Quando o animal expira esse ar carregado de humidade, este, ao passar pelas fossas nasais, com paredes frias e cheias de convulsões, acaba por lá condensar. Quando o ar sai para o exterior, vem mais seco do que quando saiu dos pulmões. No processo, as fossas nasais ficaram todas molhadas, prontas para a próxima inspiração em que se vai repetir o ciclo.

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Esta adaptação foi uma forma elegante de resolver o problema, e desenvolveu-se neste animal porque, de facto, é altamente adaptativo ter esta capacidade de conseguir sobreviver em meios praticamente sem água. →→→→ As propriedades térmicas do ar e da água são muito diferentes. O calor especifico da

água é 500x maior que o do ar. Ou seja, a temperatura é mais estável no meio aquático que no meio terrestre, tanto ao longo do dia como ao longo do ano. O facto de a água ter uma inércia térmica muito superior ao ar faz com que o meio aquático seja mais estável. Ou seja há menos variações temporais de temperatura, e isso faz com que os animais não tenham o problema adaptativo de terem que lidar com grandes variações térmicas, ao contrário dos animais que habitam o meio terrestre. Por outro lado, a água tem uma condutividade térmica muito superior à do ar, e isso também cria dificuldades adicionais para os animais aquáticos. A separação da temperatura interna e externa dos animais é mais insuficiente no meio aquático que no meio terrestre. Ou seja, para a mesma diferença térmica, um animal terrestre não precisa de estar tão bem isolado como um animal marinho. →→→→ A água tem 30x menos oxigénio disponível que o ar. Isto é um grande constrangimento

para a respiração dos animais aquáticos. Se nós fossemos aquáticos, para podermos respirar dentro de água, teríamos que ter uma superfície de exposição à água muito superior à que temos para o ar para sermos mais eficientes na extracção de oxigénio. Além disso, ainda teríamos que inspirar e expirar 30x mais água do que fazemos com o ar, o que implicava um esforço tremendamente maior, mais ainda tendo em conta a viscosidade da água. Portanto os animais que respiram no meio aquático estão adaptados com estruturas como guelras, ou respiram através da pele.

Outros organismos

A distribuição de outros organismos coloca desafios adaptativos importantes na distribuição das espécies animais. Para elas as florestas, ricas em vida, são meios completamente distintos dos desertos. Ou seja a distribuição das plantas é um factor extremamente limitativo da distribuição dos animais. Diferentes tipos de plantas colocam desafios adaptativos distintos aos diferentes grupos animais e obrigam a adaptações relativamente específicas em alguns casos, contribuindo para a diversificação das espécies. Mas não são só as plantas. A distribuição de certo tipo de predadores pode ser determinante também na distribuição de certos animais. Há animais que não têm a capacidade de aguentar a predação por certas espécies e simplesmente desaparecem, enquanto noutros casos as espécies conseguem adaptar-se à predação e mantêm-se. Portanto a distribuição e abundância dos predadores é um factor de diversificação espacial do meio que exige das espécies determinadas adaptações, que vão gerar também diversidade animal. A diversidade de parasitas é maior do que a diversidade de animais não parasitas. E estes parasitas são, nalguns casos, tolerados pelas espécies, noutros não. Portanto o parasitismo é extremamente importante nos padrões de distribuição animal. Por exemplo a mosca tsé-tsé, em África, é um factor determinante na distribuição de muitas espécies, inclusive a nossa.

Os organismos são, de facto, factores fundamentais no contexto ecológico da espécie que varia espacialmente, e portanto são determinantes nestes padrões de variação espacial da biodiversidade, que colocam desafios adaptativos muito distintos aos vários animais.

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Clima

Existe uma tremenda diversidade climática, e esta é muito importante porque, muitas vezes, actua ao ponto de tornar alguns meios inapropriados para a vida animal. Para os animais a variação do clima, que é uma condição limitativa para a existência de vida animal, pode ser por vezes dramática.

Pensa-se que muitos dos padrões de distribuição existentes no nosso planeta são resultado de climas passados nos quais as espécies evoluíram. Há uma teoria, que é chamada de Niche Conservatism, que sugere que os animais ficam escravizados ao nicho fundamental no qual os

seus ancestrais evoluíram. Isto é, se os ancestrais de um animal evoluíram, por exemplo, nas regiões tropicais, esse animal e seus descendentes ficam limitados, por essa evolução, a existir no local original em que se formou aqueles ancestrais. Um dos grandes padrões de variação da diversidade no planeta está localizado perto do Equador, portanto a diversidade animal tende a crescer nessa direcção. Mas as razões pelo qual isso acontece ainda são muito discutidas. Há quem diga que a razão de haver mais diversidade nos trópicos é devida a este fenómeno de Niche Conservatism.

Nicho fundamental – conjunto de condições físicas e biológicas em que uma espécie pode

existir. Por exemplo, nos morcegos da América do Norte, verifica-se que existe uma maior diversidade nas zonas tropicais que nas zonas temperadas. E, curiosamente, vê-se que a maior parte dos morcegos das zonas tropicais não conseguem colonizar as zonas temperadas, quer da América do Norte quer da América do Sul, sugerindo que o fenómeno de Niche

Conservatism é real. Isto é, se de facto há um contacto entre os dois continentes já bastante antigo, porque não os conseguem colonizar? Porque esses grupos taxonómicos nunca evoluíram no sentido de adquirir uma característica indispensável nos morcegos para conseguirem colonizar os climas temperados: a capacidade para hibernar.

Há dois grandes factores climáticos que afectam os animais: temperatura e disponibilidade de água.

Como é que os animais conseguem superar as variações térmicas das diferentes regiões do planeta? Todos os grupos animais têm uma expansão geográfica relativamente extensa, e todos eles têm estratégias para conseguirem superar as dificuldades das variações espaciais térmicas no ambiente. Os mamíferos podem sobreviver com temperaturas corporais desde os 0 Cº até próximo dos 45 Cº, mas só conseguem estar activos entre temperaturas internas que variam entre os 30 Cº e os 45 Cº. Os mamíferos são endotérmicos, portanto têm a temperatura corporal regulada

por mecanismos internos. Isto permite serem parcialmente independentes em relação à temperatura externa, logo conseguem estar activos mesmo quando a temperatura ambiental é superior ou inferior à temperatura do corpo. Essa é a vantagem da endotermia. Contudo, o gasto de energia é brutal. Quase 80% da energia gasta pelos animais é na manutenção da temperatura corporal. Portanto os animais têm que conseguir encontrar estratégias para minimizarem estes gastos. Uma delas é a heterotermia, em que a temperatura umas vezes é

estável e outras vezes variável.

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Figura 5: Áreas de termoneutralidade, hipotermia e hipertermia

Se a temperatura for baixa, o gasto energético é maior. Conforme a temperatura vai aumentando, o consumo energético vai decrescendo, até que chega a um patamar em que mesmo que a temperatura aumente não há gastos substanciais. Esse patamar varia de espécie para espécie, e chamamos-lhe temperatura crítica inferior (TCI). Depois se a temperatura

continuar a aumentar, o metabolismo é afectado. Há uma temperatura acima do qual o animal, para conseguir sobreviver, tem que começar outra vez a entrar em gastos energéticos. A esse ponto chamamos temperatura crítica superior (TCS). À região que se encontra no meio desses dois pontos chamamos zona térmica neutra (ZTN), ou seja é aquele patamar de

temperaturas externas em que o animal consegue manter a sua temperatura interna estável sem grandes gastos energéticos. Isolar o corpo do exterior é a adaptação mais básica às temperaturas ambientais. Pode ser feito com camadas adiposas, pêlos, penas, ou podemos tentar minimizar as perdas de calor controlando o fluxo sanguíneo à periferia. Isto são coisas possíveis de serem feitas com pequenos gastos energéticos, permitindo aos animais estarem na ZTN sem grandes custos. Estas temperaturas variam de espécie para espécie; no caso dos animais que vivem em ambientes frios, elas estão mais chegadas para a esquerda.

Conforme a temperatura sobe, há mais gastos de energia, até atingir uma temperatura em que os mecanismos de arrefecimento não são suficientemente eficientes e o animal morre por degradação das proteínas. Essa temperatura também varia de animal para animal. O ambiente está, muitas vezes, a uma temperatura superior àquela que é suportada pelos animais. Nestas condições o animal vai absorver calor, correndo o risco de sobreaquecer. Para além deste problema ainda têm a produção de calor metabólico. Qual é a forma de passar calor

de um corpo mais frio para um meio mais quente? Evaporação. No caso dos mamíferos é

através de suor, mas também há evaporação nos pulmões. Contudo, a evaporação causa perda de água, e esta é um factor limitativo para os animais, como já foi visto. Portanto esta estratégia para resolver o problema do sobreaquecimento é muito arriscada, e muitas espécies não têm

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capacidade para substituir a água que perdem. Muitas das adaptações dos mamíferos para esta questão da temperatura alta passam por:

• Evitar absorver calor ambiental;

• Evitar produzir calor metabólico;

• Ter estratégias que permitam perder calor absorvido com facilidade, assim como calor metabólico.

Muitas espécies animais sujeitas a temperaturas bastante elevadas têm estratégias comportamentais para evitar a exposição ao calor, como estarem activos somente à noite, ou possuírem tocas no chão onde as temperaturas são mais baixas que no exterior. Também ao diminuírem a sua actividade durante o dia, diminuem a produção de calor metabólico. Mas há animais que não têm a capacidade de se abrigar do calor, e nestes casos é bom ser grande. O elefante consegue sobreviver em ambientes com temperaturas altas, mas como é um animal muito grande, possui uma enorme inércia térmica, logo tem mais dificuldade em libertar calor metabólico. Se o meio ambiente está muito quente, eles estão a produzir calor metabólico, e a superfície para irradiarem esse calor é muito pequena, eles têm um problema. O que fazem é ir para a sombra, ficam quietos e abrem as orelhas, e ao fazê-lo vão na prática aumentar a superfície que lhes permite irradiar calor. Também aumentam a irrigação nas orelhas: passa a haver mais sangue a correr nessa superfície. Isso deixa de ser uma vantagem quando a temperatura do ar sobe ainda mais, porque então eles têm que colocar as orelhas quietas ao lado para não absorver mais calor. De facto, as orelhas dos elefantes parecem ser uma forma de um animal grande conseguir sobreviver numa situação em que as temperaturas ambientais são limitativas.

O órix é um antílope que vive quase exclusivamente em zonas desérticas, portanto está bem adaptado a viver em zonas muito quentes, onde diariamente a temperatura sobe acima dos 40 Cº. Tem uma cor clara com o objectivo de reflectir a radiação. Tolera uma subida da temperatura corporal, deixando-a flutuar até temperaturas mais altas antes de começar a fazer investimentos metabólicos para a baixar. Tem um esquema para manter a temperatura do cérebro, um órgão vital para a sobrevivência, abaixo da temperatura do corpo. E como faz ele isto? Tem um sistema de irrigação especial de sangue sobrearrefecido. O sangue quente vai em vasos sanguíneos que vão do coração até às fossas nasais. Espalha-se pelas mucosas das fossas nasais, onde ocorre evaporação de água na superfície. Essa evaporação permite baixar ligeiramente a temperatura das mucosas, e portanto o sangue que as irriga é arrefecido. Quando ele regressa ao coração, os vasos sanguíneos onde ele está contido estão colocados na proximidade imediata dos vasos sanguíneos que vão do coração para o cérebro. Nessa zona de contacto vai haver transferência de calor: o sangue que vai do coração para o cérebro perde calor para o sangue mais fresco que vem das fossas nasais para o coração. Portanto quando este sangue chega ao cérebro está ligeiramente arrefecido. O órix também baixa o metabolismo em altas temperaturas ficando o mais quieto possível, de preferência numa sombra. Em último caso, ele arfa para baixar a temperatura corporal através da evaporação.

Figura 6: Órix (Oryx gazella)

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O hírax é um mamífero com um metabolismo anormalmente baixo para o seu tamanho, portanto tem uma capacidade de resposta metabólica baixa para resolver os seus problemas térmicos. Então como resolvem os híraxes estas dificuldades, sabendo que vivem num meio em que a temperatura varia muito? Com uma estratégia semelhante aos lagartos, comportamental. Vivem nas regiões rochosas de África, e durante a noite, para minimizarem o frio, escolhem uma zona protegida e dormem em conjunto, formando massas compactas. Quando o sol nasce, expõem-se

em pé e ficam quietos a apanhar calor durante algum tempo. Ficam bem empinados porque a rocha arrefeceu durante a noite. Quando a temperatura do corpo atinge um nível que permite uma actividade fácil, eles vão alimentar-se, até chegar a uma altura do dia em que a temperatura é muito alta e eles enfiam-se nas fendas das rochas, mais frias, para baixar a temperatura do corpo. No fundo estão a tirar partido da inércia térmica das pedras para conseguirem arrefecer durante as fases mais quentes do dia. Entretanto a temperatura excessivamente quente do dia passa, e os animais voltam a ter outro período de actividade. Quando o sol se põe, os híraxes vão outra vez para as zonas expostas aos raios solares, só que desta vez ficam colados à rocha, porque esta absorveu calor durante o dia, e enquanto esta tiver quente e a temperatura ambiental não for muito baixa, eles ficam lá. Assim que a temperatura voltar a ser demasiado baixa, voltam para os locais de abrigo onde ficam em grupo. Esta espécie não tem outra alternativa senão proceder a este tipo de estratégia visto possuir um metabolismo muito baixo, com poucos mecanismos fisiológicos para controlar a temperatura corporal.

É fundamental ter um bom isolamento para resistir às temperaturas baixas. E se a temperatura ambiental variar ao longo do ano, o ideal é ter um isolamento que varia também ao longo do ano. Outra adaptação comum é a redução da temperatura nas extremidades. O problema das extremidades é a sua relação superfície/volume ser negativa, portanto tendem a perder muito calor. Uma maneira dos animais terem resolvido este problema foi terem as extremidades mais pequenas nas zonas mais frias (regra de Allen) para evitar essas perdas.

Uma estratégia frequente nos mamíferos é a existência de um sistema contracorrente nas patas. Quanto maior for o contraste térmico entre o meio e o animal, maior vai ser a troca de calor para o mesmo nível de isolamento, logo é altamente adaptativo que o animal consiga baixar a temperatura das patas. Quando este toca no chão gelado, menos calor será perdido quanto mais baixa for a temperatura da pata. O que acontece é que quando o sangue que vem do coração vai até à pata, vai arrefecendo pelo caminho, e quando atinge a extremidade está já muito frio. Ao regressar ao interior do animal, seria bastante prejudicial se ele chegasse frio como está, mas isso não sucede por causa das trocas térmicas que acontecem entre esse sangue e o que está a ir do coração para a pata. No fundo, graças a este sistema de contracorrente nessa região, o animal consegue maximizar a temperatura do sangue que volta da pata para o interior do corpo e minimizar as perdas energéticas nessa extremidade. É uma estratégia tão eficaz que ocorre numa grande diversidade de mamíferos e aves.

Figura 7: Família de híraxes

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Outra forma de resolver este problema é reduzir o fluxo sanguíneo para as extremidades para que o sangue que regressa de lá não arrefeça tanto o corpo do animal. Da mesma maneira se minimizarmos a quantidade de sangue que vai para a superfície do corpo, conseguimos que a pele arrefeça um pouco, diminuindo o contraste térmico.

Há adaptações comportamentais importantes que têm como objectivo compatibilizar a actividade com situações de frio extremo. Por exemplo, quando está frio, enrolamo-nos e conservamos calor ao diminuirmos a relação superfície/volume. Os mustelídeos são compridos e estreitos para poderem penetrar nas tocas das suas presas e capturarem-nas. Mas esta forma torna mais difícil enrolarem-se. Enquanto os outros mamíferos enrolam-se numa espécie de bola, sendo esta mais eficiente do ponto de vista de poupança energética, os mustelídeos enrolam-se numa espécie de disco. Contudo, isto abre-lhes um nicho de recursos tróficos pouco explorado pelos outros animais. Outras adaptações comportamentais podem ser enterrar-se na neve, criando temperaturas microambientais mais altas que o exterior, ou mudar as zonas de actividade para ambientes mais quentes. Por exemplo, é frequente nas zonas frias os animais evitarem os vales e usarem as encostas expostas, que têm uma temperatura ambiental mais favorável.

Regra de Bergmann – Os animais nos climas frios tendem a ser maiores que os animais nos

climas quentes dentro do mesmo grupo taxonómico. Isto porque ficam com uma inércia térmica e uma relação superfície/volume favoráveis.

Num clima frio, um endotérmico gasta muita energia a manter a temperatura corporal constante. Se a comida disponível não tiver muitas calorias, o animal tem que comer mais para poder ganhar energia mais rapidamente. É vantajoso ter uma capacidade para digerir rapidamente nesta situação. Aves frugívoras que vivem no Norte obtêm poucas calorias dos frutos que comem, portanto tendem a comer muito depressa para conseguirem sacar energia suficiente para se manterem vivas. Se o tempo de digestão for prolongado, não conseguem comer suficientemente rápido para poderem repor a energia gasta e morrem. Normalmente as plantas produzem frutos com o propósito de dispersarem as sementes. Mas é caro para as plantas produzir frutos, e normalmente têm duas estratégias associadas: ou produzem poucos frutos mas altamente nutritivos, ou muitos frutos mas pouco nutritivos. Ou seja, na prática o que há são frutos pouco nutritivos, portanto ou os animais conseguem ter estratégias para explorar, de forma adequada, estes recursos de “má qualidade”, ou acabam por morrer.

Outra adaptação particularmente importante para os micromamíferos é a possibilidade de baixar a temperatura do corpo – hipotermia. Se o animal tem uma inércia térmica baixa,

muitas vezes a única forma de sobreviver é aceitar que a temperatura do corpo baixe. Muitos mamíferos têm a possibilidade de baixar a temperatura do corpo, pois diminui o contraste térmico entre o exterior e o interior e as perdas energéticas são mais pequenas. Os processos metabólicos também ocorrem a velocidades mais baixas, portanto os gastos energéticos são menores. Dentro destes animais, um grupo que se destaca são os pequenos morcegos, e destacam-se por serem endotérmicos facultativos. Isto é, são endotérmicos ou ectotérmicos conforme

queiram, e podem tomar essa decisão não só sazonalmente como também diariamente. Os microquirópteros das regiões temperadas, como muitos outros mamíferos, recorrem a uma estratégia para lidar com as temperaturas difíceis durante o inverno – a hibernação. Esta é

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também resposta à falta de alimento, pois os insectos tendem a ser menos activos no inverno. Mas os morcegos também conseguem fazer este abaixamento da temperatura diariamente. Durante o dia, fora da época de hibernação, as perdas energéticas são muito grandes, portanto de noite caçam, enchem a barriga, voltam para o abrigo e entram em letargia. O problema dos morcegos usarem esta estratégia no verão é que as temperaturas ambientais podem não ser apropriadas para tal, e eles não conseguem baixar a sua temperatura corporal abaixo da temperatura ambiental. Então o que fazem é ir propositadamente à procura de grutas frias para poderem entrar em letargia, reduzir a sua temperatura o mais que conseguirem, e assim conservar mais energia. Durante o inverno vão à procura de grutas que sejam descendentes, porque o ar quente sobe e o ar frio desce e fica lá contido, para hibernarem, e no verão procuram-nas para entrar em letargia. Existe então uma componente comportamental importante na forma de gerir estas questões energéticas dos morcegos. Durante a primavera e o verão, as coisas tornam-se mais complexas. As fêmeas precisam de temperaturas elevadas por causa dos fetos e das crias, porque se o animal atrasa o seu metabolismo, o feto desenvolve-se mais devagar, ou não se desenvolve. Isso é um problema grave para os morcegos, porque nas regiões temperadas eles vivem em contra-relógio. Isto é, têm que hibernar, mas têm muito pouco tempo para completar o seu desenvolvimento. Antes de chegar o inverno eles têm que conseguir voar, e isso implica terem os ossos das asas consolidados porque estes depois não crescem, e têm que aprender a caçar com sucesso para poderem acumular gordura suficiente e estarem prontos a hibernar. Por exemplo, outra estratégia desenvolvida pelos morcegos é terem as cópulas no Outono para as crias nascerem logo no início da primavera e ganharem tempo para crescer.

Os megaquirópteros (raposas-voadoras) são muito distintos filogeneticamente dos microquirópteros e não conseguem entrar em letargia. São todos tropicais, endotérmicos obrigatórios, e quando têm frio embrulham-se com as asas e tremem. Têm uma estratégia essencialmente comportamental para conseguirem sobreviver a temperaturas frias, como escolher locais nas árvores que apanham bastante sol. Em situações de calor excessivo arfam, nalguns casos começam a fazer vasodilatação nas orelhas e nas asas, e em situações extremas lambem as asas para as humedecer. Apesar de terem adaptações menos sofisticadas que os microquirópteros, conseguem sobreviver tanto em zonas muito quentes como zonas muito frias.

Exemplos de adaptações Como é que a estratégia de reprodução de uma espécie pode ser uma resposta a pressões

causadas pela predação?

Não nos podemos esquecer que o objectivo de um animal bem adaptado é sempre conseguir que a sua descendência atinja a idade reprodutora. Mas aquilo que se observa é que diferentes espécies animais têm diferentes estratégias de reprodução. Então porque será que isso acontece, sabendo que o seu objectivo é o mesmo?

Temos espécies que colocam muita descendência numa só época de reprodução. Os salmões são um caso extremo desta situação. Eles atingem a maturidade sexual no oceano e depois migram para os rios para fazerem posturas no topo. Na maior parte das espécies apenas existe uma época de reprodução durante a vida, e portanto investem tudo nessa época de

Figura 8: Pipistrellus pipistrellus

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reprodução. Como vão morrer, chegam a converter partes dispensáveis do seu organismo para formar mais ovos. Mas há outras espécies de vertebrados com uma estratégia completamente diferente, que é ter várias épocas de reprodução ao longo da vida. Há outras decisões adaptativas, como animais que se reproduzem muito cedo na vida do indivíduo, e outros que se reproduzem tão tarde quanto possível, isto é, quanto mais bem preparados para a reprodução, melhor. São duas estratégias diferentes que por vezes ocorrem dentro da mesma espécie, como é o caso do homem. Se os recursos forem limitados, faz sentido antecipar a reprodução para conseguir deixar descendência; mas se os recursos forem abundantes, o animal pode esperar até mais tarde para se reproduzir. Ou seja, diferentes animais foram empurrados em direcções adaptativas distintas, com estratégias reprodutoras diferentes, e isso aconteceu porque os desafios adaptativos eram distintos. Vamos procurar especular sobre estes desafios adaptativos abordando duas grandes questões:

• Como é que uma espécie deve alocar o esforço reprodutivo ao longo da vida?

• Qual é o esforço que deve ser investido em cada descendente?

O que pode levar uma espécie a investir numa época de reprodução, ou em muitas épocas de reprodução? Quanto mais um indivíduo investir numa época de reprodução, menor é a sua probabilidade de sobreviver. Mas se ele investir pouco, também é mau porque deixa pouca descendência. Os animais mais aptos são então os que fazem a melhor ponderação entre o investimento imediato e aquilo que se chama o valor reprodutivo residual do animal –

expectativa do total de descendentes que o animal pode ter para além da época de reprodução actual. O valor reprodutivo residual é mais alto se o indivíduo tiver uma forte probabilidade de conseguir produzir muitos descendentes noutras épocas de reprodução futuras. Ou seja, quanto mais baixo for o valor reprodutivo residual da espécie, isto é, se o animal tem uma probabilidade pequena de produzir descendência noutra época de reprodução, maior é o investimento que ele deve fazer nesta época de reprodução. O valor reprodutivo residual é um parâmetro fundamental na pressão sobre a evolução dos animais e que os obriga a tomarem diferentes estratégias de reprodução. A probabilidade de sobreviver entre épocas de reprodução distintas está dependente das condições ambientais e, mais especialmente, da predação. Se a predação sobre uma espécie

for elevada, o tipo de estratégia que vai ser seleccionada positivamente é haver muito investimento nessa época de reprodução, porque a probabilidade do animal ser predado até à próxima época de reprodução é alta. Logo o valor reprodutivo residual tende a ser baixo.

Uma outra decisão que os animais devem tomar é quanto devem investir em cada descendente. Um número maior de crias vai implicar que o investimento por cada cria seja menor. A estratégia a adoptar vai depender do contexto ecológico em que a espécie se encontra. Como já foi falado, espécies com poucas crias têm uma estratégia K, e as espécies com muitas crias, com menos investimento por cada, têm uma estratégia r. Se houver muita predação sobre uma espécie, ela deve produzir muitas crias, porque a probabilidade de uma cria ser predada é elevada. Ou seja, uma elevada predação tende a levar a um processo de selecção natural que aumenta o número de crias, e portanto diminui o investimento para cada cria. Se houver poucos recursos por exemplo, uma espécie que produz muitas crias não só não tem capacidade para as manter, como também vai aumentar a competição entre elas. Neste caso é bom investir muito em poucas crias porque quando estas se tornarem independentes e passarem a debater-se pelos recursos, vão melhor preparadas. Da mesma maneira se existir

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muitos recursos disponíveis, a competição intraespecífica diminui e as famílias que vão ser seleccionadas são as que produziram mais descendentes. Claramente o meio vai funcionar como factor determinante no investimento para cada descendente através da sobrevivência das crias. Se os progenitores produzem mais crias que aquelas que são apropriadas para o ambiente, elas não conseguem sobreviver, e a selecção natural fará com que as linhagens que investem numa quantidade excessivamente grande de indivíduos não tenham sucesso. A selecção natural está a actuar sobre as crias neste processo de escolha do número de descendentes a produzir, eliminando as que não estão preparadas para o ambiente. Mas também actua sobre os pais, porque os que investirem excessivamente na reprodução, morrem.

Houve um estudo feito com o chapim-real em que os investigadores foram aos ninhos contar o número de crias, e pesaram cada uma delas. O que eles observaram foi que nos ninhos com muitos indivíduos, as crias eram mais leves. Admitindo que há uma correlação entre o peso e a capacidade de sobreviver, podemos inferir que o tamanho da postura influencia o potencial de sobrevivência das crias; se esta for muito grande, o seu potencial de sobrevivência é menor. A melhor postura que uma espécie deve ter depende muito das condições do meio. Se for um meio rico, as crias mais leves poderão sobreviver. As

melhores posturas são as maiores que possam ser alimentadas pelos pais com uma qualidade suficiente que garanta que essas crias conseguem sobreviver até à próxima época de reprodução. Esta espécie apresenta uma grande plasticidade. Então os investigadores foram a diferentes áreas e quantificaram a quantidade de comida disponível (lagartas) para os chapins. Foram também medir o tamanho médio da postura em regiões com diferentes quantidades de lagartas por m2. O que eles observaram empiricamente foi que regiões onde há uma maior disponibilidade de alimento, o chapim tende a produzir posturas maiores. Isto indica, de facto, que há um processo de selecção natural que tende a levar a uma adaptação local para optimizar a postura para a quantidade de alimento disponível. Se retirarmos um chapim de uma região onde haja muito alimento e o largarmos numa região onde há muito pouco alimento, a sua descendência morre por estar inadaptada à realidade do novo ambiente. Ou seja, o que os investigadores conseguiram demonstrar é que o ambiente influencia o tamanho das crias e que esta espécie tem mobilidade adaptativa suficiente para fazer adaptações locais que permitem optimizar o tamanho das posturas para a região em que se encontra.

Nos trópicos (regiões de baixa latitude), embora haja mais abundância de recursos, o que se verifica é que as posturas das aves são menores. Várias teorias têm havido para tentar explicar o que parece ser um contra-senso. Uma delas é que os dias são maiores nas regiões temperadas, e portanto as aves têm mais tempo para procurar alimento para as crias. Mas há algo que não corrobora esta teoria: os animais nocturnos também têm posturas maiores nas

altas latitudes. Então começaram a aparecer outras teorias. Uma outra é que as aves são praticamente todas migratórias, ao contrário do que acontece nas zonas tropicais. Isso quer dizer que há a possibilidade de haver uma grande disponibilidade de alimento na primavera,

Figura 9: Parus major

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particularmente para as aves insectívoras. Há mais pragas de insectos nas regiões temperadas, que atingem grandes densidades, embora com menos diversidade de espécies. Especula-se que as aves estão ausentes nas regiões temperadas durante a maior parte do ano, e quando lá chegam têm à sua disposição uma enorme quantidade de alimento, portanto podem dar-se ao luxo de ter ninhadas maiores. Nos trópicos a competição é sempre intensa, por isso não há capacidade para produzir grandes posturas. Outra hipótese explicativa é a predação dos ninhos. Aquilo que causa as posturas a serem mais pequenas nos trópicos é o facto de a predação sobre os ninhos ser mais elevada. Parece ser um pouco contraditório, mas pensa-se que os predadores localizam os ninhos das aves seguindo os pais. Se as posturas forem muito grandes, os pais têm que estar a fazer viagens constantemente ao ninho, e este torna-se muito conspícuo. Além disso, quando um predador chega ao ninho, ele mata as crias todas. Aquilo que se admite é que nos trópicos há uma pressão selectiva no sentido de minimizar o tamanho das posturas pelo facto de isso minimizar a predação sobre os ninhos. Esta teoria tem outros factos que a corroboram. Um deles é que no caso das aves que nidificam em buracos das árvores, este padrão latitudinal não se observa. Isto porque a predação sobre os ninhos é menor nas aves que nidificam em buracos. Outro é que nas ilhas em que não há predadores, há uma tendência para as posturas das aves serem maiores para as mesmas espécies de aves.

Interacções entre espécies animais Quais os diferentes tipos de interacções entre espécies?

• Neutralismo (0/0): não há interacção entre a espécie 1 e a espécie 2.

• Competição (-/-)

• Parasitismo (+/-)

• Predação (+/-)

• Simbiose: o Comensalismo (+/0) o Mutualismo:

� Protocooperação (+/+): aquilo que distingue a protocooperação do

mutualismo é que a primeira não é obrigatória. � Mutualismo (+/+): situação em que uma espécie não consegue viver

sem a outra.

Competição Existem dois tipos de competição: intraespecífica (entre os indivíduos da mesma espécie) e interespecífica (entre os indivíduos de espécies diferentes).

Dentro da competição interespecífica também podemos falar em dois tipos funcionais de competição: a directa e a indirecta. Ambas são formas de competição pelos recursos, mas

num caso há interferência (directa) e no outro não. Uma espécie afecta a outra simplesmente por utilizar recursos que a outra pode consumir, enquanto no caso da competição directa há, adicionalmente, luta pelos recursos no sentido de minimizar a competição. Normalmente existe competição directa apenas quando uma espécie é maior que a outra e tem capacidade para se debater. Porque é que a evolução só tende a favorecer situações de competição directa quando uma das espécies envolvidas é claramente mais forte que a outra?

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Não é adaptativo o animal lutar, pois corre o risco de sair ferido ou morrer. As linhagens excessivamente agressivas que levam a competição ao extremo tendem a desaparecer rapidamente por isso mesmo. Nem sempre duas espécies que consomem o mesmo recurso competem por ele. Esse recurso tem que ser limitativo para tal acontecer. Portanto a sobreposição na utilização de recursos é uma condição necessária para que haja competição, mas não é suficiente. Há situações também em que a disponibilidade de um recurso é limitada, mas ele não chega a ser limitativo porque há recursos alternativos. Ou seja, há competição entre espécies por recursos que são limitados mas que não são limitativos, porque a falta desse recurso não implica uma limitação das populações da outra espécie.

A competição é um fenómeno universalmente aceite, mas há ainda alguma polémica relativamente à importância que ela realmente tem tanto na estruturação das comunidades como na evolução e ecologia das populações. Houve quem começasse a fazer experimentação especificamente planeada para responder à questão de até que ponto existe competição entre as espécies. As experiências históricas que foram feitas foram as de um fulano chamado Gause, que em 1934 fez culturas conjuntas de

várias espécies de paramécias. Num meio de cultura, pôs duas espécies de paramécias e esperava que as populações interagissem. Em cada meio de cultura com duas espécies, o que acontecia a longo prazo é que uma delas acabava por desaparecer. Estes estudos experimentais levaram à formulação do princípio de Gause, ou princípio da exclusão competitiva, segundo a qual duas espécies ecologicamente semelhantes não podem

coexistir. Entretanto isto não era universalmente aceite porque as pessoas viam na Natureza espécies que aparentemente eram ecologicamente semelhantes e conseguiam coexistir, e houve mais experiências laboratoriais para testar este princípio. Park, em 1962, fez culturas conjuntas com duas espécies de coleópteros do género Tribolium, o castaneum e o confusum, num meio com farinha. Tal como no caso das paramécias, passado algum tempo em cada meio de cultura só existia uma das espécies. Contudo, Park colocava os meios de cultura em diferentes condições ambientais, mais especificamente temperatura e humidade. Verificou sempre que apenas havia uma espécie que sobrevivia, mas essa espécie dependia das condições ambientais em que a caixa era colocada. Quando o meio de cultura era quente e húmido, quem sobrevivia era o Tribolium castaneum; quando era frio e seco, o que sobrevivia era o Tribolium confusum. Esta experiência corrobora o princípio de Gause, com a informação adicional que nem sempre a espécie que ganha a competição é a mesma. As vantagens competitivas são determinadas pelas condições ambientais.

No entanto, observa-se na Natureza que há muitas espécies ecologicamente parecidas que coexistem apesar de usarem os mesmos recursos. Então como é que conseguimos conciliar o princípio de Gause com esta realidade? Vamos olhar para alguns exemplos para responder a esta pergunta. Em Portugal há duas espécies de corvos-marinhos, o Phalacrocorax carbo e o Phalacrocorax aristotelis. São duas espécies muito semelhantes, vivendo nos mesmos locais em algumas épocas do ano, e no entanto elas coexistem. Mas quando alguém foi estudar a dieta destes animais, chegou à conclusão que enquanto o P. aristotelis mergulha até ao fundo para se alimentar de peixe, o P. carbo caça a meio da água. Como eles desaparecem nos mesmos locais, parece que estão a consumir os mesmos recursos. Mas quando se estuda detalhadamente a ecologia das espécies, o que se vê é que, de facto, não estão dependentes

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dos mesmos recursos. No fundo a igualdade dos nichos de ambas as espécies era uma ilusão devida à falta de conhecimento sobre a sua ecologia. Em Portugal temos duas espécies de morcegos, Myotis myotis e Myotis blythii. São espécies extremamente parecidas, e formam colónias conjuntas, chegando mesmo a hibridar. Houve um colega suíço que se dedicou a descobrir como é possível duas espécies tão parecidas conseguirem subsistir na mesma área. O que ele acabou por observar é que, de facto, a sua dieta é diferente. Ambos caçam no solo, mas enquanto o M. myotis captura principalmente coleópteros grandes e grilos existentes no solo, o M. blythii caça tetigonídeos que vivem em zonas com erva alta. Além disso, o M. myotis é incapaz de caçar na erva alta. Ou seja, também aqui temos uma situação em que a igualdade dos nichos é uma ilusão que só durou enquanto o conhecimento sobre a ecologia das espécies era superficial. Dividiam alguns recursos, como o espaço nos abrigos, mas provavelmente esse não era limitativo, e naquele que era mais provável haver limitação, que é a sua dieta, não há competição entre as duas espécies. A conclusão geral destes dois exemplos é que o ambiente na Natureza é muito mais heterogéneo do que os ambientes utilizados nos meios experimentais. De uma forma geral as diferentes espécies, mesmo próximas geneticamente, tendem a tirar partido desta heterogeneidade do meio para explorar recursos distintos.

Vamos agora tentar responder a duas questões fundamentais sobre a competição:

• Será a competição uma forte força ecológica?

• Será a competição uma forte força evolutiva?

Importância ecológica da competição Qual é a importância que a competição tem ecologicamente? Isto é, até que ponto ela influencia a distribuição e abundância das espécies? Há quem diga que a competição não é uma forte força ecológica, que raramente ocorre na Natureza. Isto porque as espécies que competiam muito já desapareceram, e as que existem actualmente estão adaptadas a situações onde não há muita competição. A competição forte é um fenómeno temporário nos ecossistemas, acabando por desaparecer. Então se não a encontramos na Natureza, porque é

importante?

Temos situações na Natureza que ilustram o que pode acontecer quando a competição é forte, e uma delas é quando temos uma espécie introduzida, equivalente ao que acontece quando uma espécie coloniza uma nova área. Por exemplo, quando se introduziram coelhos e carneiros na Austrália, as populações de cangurus e wallabies decresceram, porque passou a haver competição pelo alimento. Isso foi como uma experiência a grande escala do efeito que a competição pode ter na estrutura das comunidades. Um dos principais problemas com a introdução de espécies é precisamente a espécie introduzida poder, por exclusão competitiva, eliminar algumas espécies indígenas. Tem também havido situações experimentais que têm permitido concluir que a competição é muito importante. Foi feita uma experiência na América do Norte com Microtus, em que havia em zonas adjacentes uma zona húmida e uma zona mais seca. Aquilo que se observou é que, em situações normais, a espécie A era a única que existia nas zonas húmidas, e nas zonas secas só existia a espécie B. Que experiência deve ser feita para perceber até que ponto a competição pode influenciar a distribuição e abundância das espécies? Podemos retirar uma das espécies e ver se a outra coloniza o habitat da espécie retirada ou não. E foi exactamente isso que aconteceu: ao removermos a espécie A, a espécie B colonizou as zonas húmidas.

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Relativamente à importância da competição, diz-nos que a limitação da distribuição da espécie B era a competição com a espécie A. Mas se estudássemos a exploração de recursos pelas duas espécies existentes em cada uma das regiões, percebíamos que não há competição. Esta experiência sugere que quando uma espécie é removida, há outras que respondem alargando a sua área de distribuição, demonstrando que a competição estava a inibir a distribuição de algumas espécies. A fauna de mamíferos da América do Norte e a da América do Sul evoluíram em grande isolamento. Quando à 5 milhões de anos se formou a América Central, houve passagem de animais de um continente para o outro. Muitos grupos taxonómicos distintos foram eliminados da América do Sul devido à invasão de espécies vindas do norte. Pensa-se que esses grupos desapareceram devido à competição das espécies que conseguiram invadir a América do Sul na altura. Ninguém sabe porque as vantagens adaptativas dos mamíferos da América do Norte eram maiores. O resultado desse contacto das duas faunas distintas, que resultou numa extinção em massa de muitos grupos animais, demonstra bem a tremenda importância que a competição pode ter na estruturação das comunidades. Resumindo e concluindo, a competição, ainda que não seja facilmente observável e detectável na Natureza, é claramente um fenómeno muito importante, podendo determinar a distribuição e a abundância das espécies, logo a estrutura das comunidades animais.

Importância evolutiva da competição Vamos imaginar que temos uma região com um contínuo de gafanhotos de diferentes tamanhos. A tendência é para haver muitos gafanhotos médios, porque há várias espécies, e um número progressivamente mais reduzido de gafanhotos grandes e gafanhotos pequenos. Há duas espécies de pássaros que comem estes gafanhotos. A espécie A come os gafanhotos pequenos e médios mas não consegue comer os grandes, e a espécie B, como é maior, come gafanhotos grandes e médios e não se dá ao trabalho de apanhar os gafanhotos pequenos porque não compensam em termos energéticos. Vamos admitir que os gafanhotos são um recurso limitativo, isto é, não há muitos. Haverá competição entre ambas as espécies? Sim, mas não muito forte. E observa-se essa competição na faixa que abrange os gafanhotos médios, ou seja, há uma competição forte por eles. A competição pelos gafanhotos grandes ou pelos pequenos será muito fraca. Contudo, tenderá a haver uma variabilidade na utilização dos recursos. Dentro dos indivíduos da espécie A, os maiores e mais fortes podem ingerir alguns gafanhotos grandes, por exemplo. Há um recurso óptimo mais utilizado pela maior parte dos indivíduos da espécie, mas haverá outros que se afastam noutras direcções. Então, nesta fase do ecossistema, quais são os indivíduos com mais sucesso reprodutor? Serão aqueles que se alimentam nas faixas mais extremas. Os outros tendem a competir muito entre eles, portanto vão ter menos recursos disponíveis. Os indivíduos que exploram a faixa de recursos mais extrema, onde a competição interespecífica é fraca ou inexistente, acabam por ter vantagem porque têm mais comida, as taxas de sobrevivência são maiores e o sucesso reprodutor também é maior. Logo, o que vai acontecer é que ambas as espécies vão-se deslocar para lados opostos. Isto que dizer, de facto, que a competição é um mecanismo em que, através da selecção natural que resulta numa maior sobrevivência e taxa de reprodução, e portanto numa melhor colocação da descendência na próxima geração dos indivíduos que utilizam áreas do recurso em que haja menos competição, tendemos a ter uma evolução das espécies no sentido de deslocarem a sua utilização do recurso nessa direcção.

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Claro que isto são processos lentos e raramente se tem a oportunidade de os observar em funcionamento na Natureza. Contudo, há situações quase experimentais em que podemos observar que isto acontece. A essas situações dá-se o nome de character displacement (deslocamento de carácter). Vamos falar de uma dessas situações e ver até que ponto a competição pode causar a evolução de espécies. Temos duas espécies de trepadeira, Sitta neumayer e Sitta tephronota, pequenas e insectívoras que comem principalmente insectos pousados nos troncos das árvores. A primeira existe principalmente no Paquistão, e a segunda na Turquia e Grécia. No Irão há uma zona onde ambas as espécies coexistem. Medindo os bicos das aves, chegou-se à conclusão que nessa zona uma das espécies tem o bico mais pequeno que a outra. O tamanho do bico é importante para determinar o tipo de presas que a ave captura. Curiosamente, nas zonas onde elas não coexistem, os bicos são iguais. Como é que isto ajuda a clarificar o papel da competição na evolução morfológica das espécies? De facto, isto sugere que o tamanho óptimo para o bico da espécie é o mesmo em ambas as regiões onde elas não coexistem, isto é, onde não estão sujeitas à competição. Mas para poderem coexistir, provavelmente aconteceu o mesmo que no exemplo dado anteriormente: os indivíduos com um bico de tamanho médio ficaram sujeitos a uma competição interespecífica muito forte. Houve então um processo de selecção natural que favoreceu a separação da utilização de recursos, neste caso através da evolução de bicos com morfologia distinta. Este tipo de fenómeno, character displacement, onde as espécies tendem a ser

morfologicamente semelhantes onde não ocorrem e morfologicamente mais distintas onde coexistem, tem sido observado e estudado em muitos grupos animais. Isto sugere que exista aí uma competição a funcionar e a actuar ao nível evolutivo das espécies.

Vamos agora falar de um caso excepcional, em que a competição intraespecífica pode levar

a um aumento da variação intrapopulacional, isto é, uma situação em que uma competição dentro da mesma espécie pode levar a que se formem morfotipos diferentes. Os pica-paus do género Centurus existem tanto no continente americano como nas Caraíbas. Aquilo que se verifica é que nas ilhas o dimorfismo sexual das espécies tende a ser muito mais elevado do que no continente. Neste caso, o tamanho dos machos e das fêmeas é diferente. Qual será a vantagem adaptativa desta diferença de tamanhos, interpretado no contexto da competição por recursos? No fundo eles minimizam a competição e maximizam a quantidade de recursos disponíveis para a espécie. As fêmeas, como são mais pequenas, comem presas mais pequenas, e os machos, como são maiores, comem presas maiores, embora com alguma sobreposição. Esta situação de dimorfismo sexual pode ser uma resposta a um desafio adaptativo do meio gerado pela competição intraespecífica, permitindo aumentar a base de recursos que a espécie pode utilizar, minimizando ao mesmo tempo a competição e aumentando o sucesso reprodutor. Contudo, não é isto que acontece no continente americano. O que temos é os machos e as fêmeas a utilizar os mesmos recursos. Isto porque no continente há muitas mais espécies de pica-paus e a competição interespecífica torna-se mais evidente. Neste caso temos a competição interespecífica a funcionar como tampão que impede a evolução do dimorfismo sexual nestas espécies. Não há vantagem em induzir dimorfismo sexual, porque o seu aparecimento diminui a competição intraespecífica mas aumenta a competição interespecífica.

Mais um exemplo de como, numa escala temporal maior, a competição pode ser importante na definição dos padrões evolutivos das espécies. Existem marsupiais tanto na Austrália como nas

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Américas, particularmente na América do Sul. Mas há uma grande diferença entre eles. A variabilidade de marsupiais na Austrália é tremendamente maior do que nas Américas. Além disso, na Austrália não existem placentários. Durante a enorme migração que a Austrália fez em direcção ao continente asiático, os marsupiais tiveram um isolamento completo dos placentários. Portanto aquilo que permitiu a tremenda diversificação de formas na Austrália for a inexistência de competição com os placentários. Isto não poderia ter acontecido na América do Sul porque os marsupiais defrontavam-se com uma competição de uma grande diversidade de animais placentários, e apenas os que conseguiam sobreviver a esta competição puderam permanecer. Isto sugere que a competição é uma enorme força direccionalizante, ou bloqueadora, dos processos evolutivos.

Tudo leva a crer que os fenómenos competitivos são não só importantes a nível ecológico, isto é, na situação presente são importantes ao nível da abundância e distribuição das espécies, e portanto da estruturação das comunidades; mas também chegamos à conclusão que é um factor muito importante na evolução das espécies, tanto no sentido de criar evolução como de a inibir.

Predação Em sentido lato, inclui tanto o consumo de animais (carnivoria) como o consumo de plantas (herbivoria), mas os predadores são quase sempre animais. É uma relação em que há uma espécie que é afectada e outra que é beneficiada desta relação. Isto também acontece no caso do parasitismo, mas há algumas diferenças entre ambos:

• O parasita não mata logo o hospedeiro, e o predador mata imediatamente a presa.

• Os parasitas vivem geralmente dentro ou fora do hospedeiro.

• Um hospedeiro tem muitos parasitas, e uma presa tem poucos predadores.

• De uma forma geral os parasitas são mais pequenos que o hospedeiro e os predadores são maiores que as presas.

Apesar destas diferenças, nem sempre é óbvio se uma situação se trata de predação ou de parasitismo. Há um outro tipo de relacionamento entre espécies que é um intermédio entre ambos: o parasitoidismo. Os parasitóides levam à morte do indivíduo. São exemplo as vespas

que se alimentam de larvas de borboleta. Outra situação também ambígua é o caso dos cucos. Quando o cuco nasce, expulsa os outros ovos do ninho. Ou seja, há situações em que se consegue distinguir claramente o tipo de relação existente, e outras em que não.

A predação é um dos processos fundamentais em ecologia sendo, por exemplo, a principal forma de circulação de energia nos ecossistemas. Também permite a evolução e a acumulação de espécies nos ecossistemas, e vamos também falar da predação como mecanismo regulador da densidade. Contudo, tal como para a competição, há quem não concorde que a predação seja um factor muito importante para definir quais são as espécies animais que existem hoje.

Predação: forte força evolutiva? Será a predação uma forte força evolutiva?

Vamos pensar num gradiente de recursos que representa o tamanho de uma espécie de barata, e que temos uma ave, o come-baratas, que utilizava esse gradiente de recursos da seguinte maneira:

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Figura 10: Gradiente de recursos utilizado pelos come-baratas

Entretanto aparece um predador, não muito grande, que come aves. Consegue apanhar alguns pássaros, mas tem dificuldade em apanhar os maiores. Portanto o que vai acontecer? A população vai-se deslocar para a direita. Na prática, a mortalidade dos come-baratas mais pequenos vai aumentar modificando duas coisas. A primeira é a longevidade, logo as oportunidades que o come-baratas tem de se reproduzir. A segunda é a própria capacidade de os indivíduos que sobrevivem se reproduzirem, talvez porque atacam os ninhos ou obrigam as aves a estarem alerta. Como tal, eles começam a deixar menos descendência nas gerações futuras e passam a ser substituídos pelos come-baratas maiores. Portanto os recursos mais pequenos vão ser menos utilizados. Havendo uma predação forte nessa zona do gradiente, vai haver uma selecção natural que vai provocar a evolução do animal de forma a diferenciar-se naquela direcção, isto é, aumenta de tamanho para poder resistir melhor à predação. Este tipo de situações acontece constantemente na Natureza.

Que métodos é possível utilizar para testar até que ponto a predação pode, ou não, estar a influenciar a evolução das espécies? A Biston betularia é uma borboleta nocturna que esteve sujeita a um processo evolutivo devido à predação, e a forma como isso foi descoberto é um bom exemplo ilustrativo dos métodos que se pode usar em ecologia terrestre. No princípio do séc. XIX, os ingleses notaram o aparecimento de exemplares melânicos desta borboleta. Esta forma melânica, também conhecida como carbonaria, aumentou em algumas áreas de Inglaterra, particularmente nas zonas industriais inglesas. Havia uma emissão de partículas muito grande que levou ao escurecimento da casca das árvores, onde normalmente as borboletas passavam o dia pousadas. Kettlewell resolveu estudar este problema. Ele tinha conhecimento de alguns factos:

• O melanismo é um carácter hereditário.

• As primeiras borboletas negras tinham surgido perto dos grandes centros industriais, onde a poluição atmosférica era maior.

• Naquela altura, era precisamente nessas zonas que as borboletas melânicas representavam uma maior proporção da população.

• As zonas pouco industrializadas ainda eram dominadas pela forma normal.

• As aves eram importantes predadoras destas borboletas.

Com base neste conhecimento, decidiu estudar a teoria de que o aumento da frequência de borboletas melânicas nas populações se devia a um processo de selecção natural que estava a

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levar à substituição da forma normal pela forma melânica. Para estudar esta teoria, ele formulou uma hipótese: a mortalidade nas zonas industriais era menor para as borboletas melânicas. Ele foi testar essa hipótese porque se a demonstrasse, isso não provava que tinha sido um processo de selecção natural a gerar a evolução naquela espécie, mas corroborava. Raramente em situações evolutivas podemos testar directamente os fenómenos. O que podemos fazer é formular hipóteses que poderão corroborar a nossa explicação. Neste caso, se for verdade que a predação e a selecção natural levaram àquela situação, é de esperar que a mortalidade das borboletas negras seja mais baixa nas zonas industriais. Kettlewell foi testar essa hipótese com armadilhas de luz na zona industrial. Com elas apanhou muitas borboletas à noite, marcou-as, e passado uns dias voltou ao mesmo local, colocou as mesmas armadilhas e fez uma nova captura. Algumas das borboletas que ele capturou na segunda vez estavam marcadas, então ele foi ver a proporção de animais recapturados. Chegou à conclusão que tinha recapturado 16% dos animais normais que tinha marcado e 34% dos melânicos. Houve uma taxa de sobrevivência maior das borboletas melânicas. Durante esse intervalo de tempo houve alguma mortalidade, e o facto de ele ter conseguido recapturar uma maior proporção de borboletas melânicas que tinha marcado sugere que morreram menos. Será que há outras explicações possíveis para aqueles valores que não sejam uma predação diferencial ou uma mortalidade diferencial das borboletas melânicas? Estes valores podem nem ser devidos à mortalidade da espécie. Vamos imaginar que as borboletas melânicas eram mais facilmente atraídas às luzes das lâmpadas do que as borboletas normais, ou seja, o método de captura não era independente relativamente ao tipo de armadilhas. Era natural que na 2º captura fosse mais fácil atrair borboletas da variedade melânica do que da variedade normal. Se assim for, este resultado pode ser devido a uma captura mais fácil das borboletas melânicas em vez de uma taxa de mortalidade menor. Ou então vamos supor que o melanismo também implicava que os animais se dispersassem mais. Numa situação dessas, também podíamos obter este resultado, sem que isso significasse que havia uma maior mortalidade dos animais normais. Então o que fez Kettlewell? Foi comparar áreas poluídas com áreas não poluídas. Ele foi fazer a mesma experiência em zonas não industriais, um controlo. Na segunda captura, conseguiu recapturar 12,5% das normais e apenas 6,3% das melânicas. Isto sugere que a situação se inverteu. Com certeza que a explicação para estes resultados não podiam ser uma maior atractividade das melânicas à luz, quase certamente tinha a ver com mortalidade. Mais, sugeria que a mortalidade nas zonas não poluídas era maior para os indivíduos melânicos. Com esta experiência conseguiu convencer toda a gente que estava em curso um processo de selecção natural causado principalmente pelas aves, que estava a favorecer, nas zonas industriais, os indivíduos melânicos por estarem sujeitos a menos predação por terem uma cor que tornava mais difícil a sua captura quando em superfícies especialmente escurecidas. Com isto ficou demonstrado uma das poucas situações onde foi possível observar a evolução em progresso, neste caso causada pela predação, mas também a importância da predação nos processos de direcionamento da evolução.

Predação: forte força ecológica? Qual é o impacto do predador na população das presas?

Conseguimos, conhecendo o número de predadores, estimar quantas presas é que eles comem num certo tempo. Agora aquilo que é mais importante do ponto de vista ecológico é perceber até que ponto é que os predadores mantêm as presas abaixo da capacidade de

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suporte do meio. Ou, formulando de outra maneira, tentar perceber se aquilo que controla as populações animais é os recursos disponíveis ou a predação. Se não houver predação, a densidade populacional das presas vai estar limitada pelos recursos. Mas será que a predação consegue alterar essa situação de modo a haver na Natureza situações em que estão abaixo da capacidade de suporte do meio? O facto de manter a densidade de presas abaixo dessa capacidade é interessante porque diz que a predação tem um papel importante na dinâmica populacional das presas; mas também, em termos de estruturação da comunidade, mantém um equilíbrio que permite a manutenção de recursos disponíveis para outras espécies. Essa libertação de recursos vai permitir uma diversificação substancial das comunidades. Tal como foi dito para a competição, duas espécies podem coexistir se houver um mecanismo como a predação a interferir. Se não houver, essas espécies, ao utilizarem os mesmos recursos, vão acabar a competir por eles. Portanto a predação tende a ser ecologicamente importante não só para a espécie de presa, como também para muitas outras espécies que podem utilizar os recursos que as presas utilizariam se não houvesse predação.

Há quem diga que os predadores mantêm a densidade de presas abaixo da capacidade de suporte do meio, sim. E dizem isso com base em muitas situações em que aquilo que se observou foi um aumento da população de presas quando se retiraram os predadores. Vamos supor que temos uma ilha com uma população de coelhos, as presas, e uma população de lobos, os predadores. Um dia alguém vai lá e retira os lobos todos da ilha. Quando isso acontece, a população de coelhos começa a subir, até ser controlada pela competição. Ou seja, a população de lobos estava a manter a população de coelhos abaixo da capacidade de suporte do meio. Isto sugere que o meio consegue aguentar com mais indivíduos. Mas pode ocorrer outro cenário. Quando se retira o predador, a população das presas, de uma forma geral, sobe, e esta pode manter-se alta ou decrescer algum tempo depois para a mesma densidade que antes. Nem sempre quando retiramos um predador e a densidade de presas aumenta significa que era ele que estava a manter a sua densidade abaixo da capacidade de suporte do meio. Se uma espécie de presa estiver sujeita a predação intensa, tem que ter uma reprodução rápida, com muitos descendentes, para conseguir compensar a predação. Quando retiramos o predador, a população dessa presa vai crescer exponencialmente. Mas esse crescimento pode querer dizer que a sua população até podia estar na capacidade de suporte do meio. Só que pelo facto de a taxa de reprodução estar adaptada à predação, quando esta era removida, os animais reproduziam-se muito depressa para compensar uma predação que deixou de existir. Em muitas situações na Natureza, é isto que acontece. Neste caso a população sobe até que começa a destruir o ambiente, sendo obrigada a cair até voltar à capacidade de suporte do meio. Ao passo que no primeiro caso a predação estava a manter a população de presas abaixo da capacidade de suporte do meio, no segundo eram os recursos que a estavam a manter. A predação estava lá, mas as presas mantinham a sua população ao nível da capacidade de suporte do meio, evoluindo a uma taxa de reprodução que conseguia compensar as perdas devidas à predação. A longo prazo, a taxa de reprodução das presas ia evoluir no sentido de diminuir, porque os animais com menos descendentes conseguiam produzir descendentes mais robustos, com melhor capacidade de sobrevivência.

Vamos falar agora de um exemplo concreto em que, de facto, os predadores têm a capacidade para manterem as presas abaixo da capacidade de suporte do meio. Cactoblastis cactorum é uma traça que se alimenta de um género de cacto, Opuntia. Quando as opuntias foram

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introduzidas na Austrália, começaram a cobrir extensões enormes, e isso começou a ter impactos económicos e ecológicos importantes. Então, após procurarem por um potencial predador desta planta, introduziram a C.

cactorum, e rebentaram com as opuntias. Neste caso, o predador claramente manteve a presa abaixo da capacidade de suporte do meio. Mas o cacto não desapareceu completamente, provavelmente porque se começou a criar um novo equilíbrio de populações nos cactos que não permitem a manutenção de boas populações de Cactoblastis. Por exemplo, se tivermos uma população de cactos mais ou menos contínua, com a introdução de um novo predador ela começa a dividir-se, até ficarem bolsas muito pequenas. Essas bolsas tornam-se de tal maneira pequenas e distantes umas das outras que, mais tarde, vai aparecer uma nova população, a partir de um propágulo, que não chega a ser colonizada pelas Cactoblastis. Essa população de cactos começa a crescer e a mandar propágulos para outras regiões, até que se começa a densificar e as traças voltam a aparecer outra vez. No fundo, provavelmente o que se tem é um equilíbrio em que os cactos se vão extinguindo, mas vão mantendo algumas bolsas pequenas, e sempre que ela aumenta de tamanho ou se aproxima demasiado de outras bolsas existentes, acaba por ser atacada pela traça. Isto quer dizer claramente que as espécies de predadores, nalgumas situações, têm a capacidade para manter as presas abaixo da capacidade de suporte do meio. Isto acontece mais frequentemente em relações recentes, porque não há tempo para adaptações. A presa ainda não desenvolveu os mecanismos de ajustamento da sua taxa de reprodução à predação. Nesses casos é mais fácil que surjam situações em que o predador chega e consegue manter a população de presas abaixo da capacidade de suporte do meio. Com o tempo, se não houver outros factores de interferência no processo, a população de presas vai-se adaptar à população de predadores, e esta deixa de ser capaz de controlar a população de presas. Portanto a tendência é para que a predação tenha um maior impacto na população de presas nas fases iniciais do estabelecimento das relações interespecíficas.

Parasitismo

O que é o parasitismo? Envolve um hospedeiro e um parasita. Para se poder considerar parasitismo é obrigatório que uma espécie beneficie e a outra seja prejudicada. Parece ser uma estratégia com sucesso: há mais espécies parasitas do que animais livres. Esta estratégia é tão adaptativa que inclusivamente tem surgido de forma independente em muitos organismos. Num extremo temos endoparasitas dedicados ao seu hospedeiro de tal maneira que são incapazes de viver no exterior dele, e no outro lado temos espécies que são parasitas externos, ou mesmo parasitas ocasionais. De facto, temos um tremendo gradiente de estratégias de parasitismo, mas vamos pensar principalmente nos parasitas com adaptações mais sofisticadas, e ver que a vida de parasita é boa.

Porque é tão bom ser parasita? Vamos pensar na ténia. Ela não tem que andar à procura de alimento, este vem ter a ela. O hospedeiro trata de tudo: alimentação, protecção, inclusivamente da capacidade sensorial. De facto, ao longo da evolução, os parasitas acabam por se tornar animais progressivamente mais simples, com menos capacidades, cada vez mais dependentes do hospedeiro que trata de

Figura 10: Cactoblastis cactorum fêmea

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muito daquilo que são funções vitais nos animais de vida independente. A única coisa que a ténia faz na vida é ficar a boiar à espera que a comida passe pelo meio. Qual é a outra preocupação que ela tem? Reprodução. Mas se a procura de um parceiro for complicada, ela também consegue auto-fertilizar-se.

Problemas do parasitismo →→→→ Dispersão. Agora quais são os problemas dos parasitas? Por exemplo, para um parasita

interno, que não tem a capacidade de respirar, não consegue controlar a temperatura nem resistir à dissecação, não tem forma de mobilidade, é muito difícil passar de um hospedeiro para outro. Além disso, o hospedeiro vai morrer a uma certa altura. Ou uma estirpe tem uma estratégia de dispersão suficientemente eficaz para garantir que ele deixa descendência noutros hospedeiros antes de morrer, ou aquela linhagem desaparece. É muito difícil ultrapassar a barreira do meio externo para alguns parasitas. Claro que todos eles conseguiram resolver esse problema, senão já há muito tempo que não existiam. Muitas vezes esse problema resolve-se através de cistos que fazem parte de um ciclo de vida complicado. Vejamos o caso da ténia. Ela sai do intestino do homem, e depois tem uns sacos que quando estão maduros, cheios de ovos, rebentam e os ovos vão para o solo. Agora é preciso que um animal vá onde eles estão e coma o solo. Por exemplo uma vaca, que ao comer erva ingere um pouco de solo também. As ténias vão-se desenvolver no intestino da vaca. Quando já estão suficientemente desenvolvidas, saem do intestino e vão para os vasos sanguíneos, e destes até ao músculo, ficando lá sobre a forma de cistos. Até que o músculo é comido pelo homem, logo aquela ténia conseguiu completar o seu ciclo. Contudo, este sistema tem muitas perdas, porque as ténias põem centenas de milhares de ovos para conseguirem colonizar um novo hospedeiro, mas muito poucos acabarão por ser consumidos por vacas. Há também muitas perdas na transferência para o intestino do homem através do músculo da vaca. Isto significa que para poderem ultrapassar esta barreira externa, os animais tiveram que desenvolver uma estratégia no ciclo de vida bastante complexa, muito cara do ponto de vista energético e reprodutivo. Claro que podemos pensar em vias mais simples. Por exemplo, porque será que o canibalismo é algo de relativamente raro no mundo animal? Em situações onde este é frequente, o ciclo de vida de passagem de parasitas entre hospedeiros torna-se mais simplificado. Os animais que pratiquem o canibalismo frequentemente estão potencialmente expostos a cargas de parasitas mais elevadas porque a transmissão dos parasitas é mais simples. Por isso o canibalismo é algo muito pouco adaptativo (apesar de, do ponto de vista energético, poder parecer uma alternativa interessante). →→→→ Evitar ser expulso. Os hospedeiros não gostam de ter parasitas, logo evoluem no sentido

de criar estratégias que minimizem, ou libertem se possível, os efeitos negativos do parasitismo. Isso obriga a que os parasitas tenham que desenvolver estratégias que consigam resistir às armas utilizadas pelos hospedeiros para se livrarem deles. Por exemplo as ténias têm ganchos para se agarrarem à parede dos intestinos para não serem expulsas pelos seus detrimentos; as lombrigas têm protecções ao nível da camada externa para resistirem aos sucos digestivos; há muitos parasitas que conseguem resistir a serem detectados pelo sistema imunitário. →→→→ Não matar o hospedeiro. Um dos grandes desafios dos parasitas é conseguir manter o

hospedeiro vivo. Se os hospedeiros morrerem, morrem todos os parasitas que nele viviam e não deixam descendência. Ou seja as linhagens com mais sucesso são as que mantêm o

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hospedeiro vivo mais tempo, e ao fazê-lo tendem a ter mais sucesso na sua transmissão, logo mais sucesso na reprodução. O parasitismo evolui no sentido de minimização dos efeitos letais sobre os hospedeiros. De facto, as doenças mais letais são aquelas em que o parasita apenas recentemente começou a invadir uma nova espécie de hospedeiro.

Evolução do parasitismo Mas os hospedeiros também vão evoluir no sentido de minimizar os aspectos negativos do parasitismo. Quando um parasita se consegue instalar num novo hospedeiro, é de esperar que aconteça uma co-evolução em que temos o parasita a evoluir para ser cada vez menos letal para o hospedeiro, e este a evoluir para ser cada vez mais resistente ao parasita. Se isto se mantiver assim, o parasitismo vai evoluir para comensalismo. Se houver uma linhagem de parasitas que se consiga reproduzir sem prejudicar o hospedeiro, ela será a melhor do ponto de vista adaptativo, e essa linhagem, através de processos de competição, vai eliminar as outras. E a linhagem de mais sucesso dos hospedeiros será aquela que consegue resistir às potenciais consequências negativas do parasita. Provavelmente muitas das relações comensais que existem hoje na Natureza não são mais do que situações de parasitismo altamente evoluídas. Mas o processo evolutivo não acaba aqui. A partir do comensalismo podemos chegar a simbiose. Se houver uma linhagem de comensais que consiga ajudar em qualquer coisa o hospedeiro, isso vai dar uma vantagem adaptativa aos hospedeiros que são parasitados, tendendo a reproduzir-se mais. Na prática pode continuar a haver um processo de co-evolução em que os parasitas que mais conseguem favorecer a sobrevivência do hospedeiro tendem a ser seleccionados positivamente. Simultaneamente os hospedeiros que melhor conseguem tirar partido dos potenciais benefícios dos parasitas são também beneficiados. É fácil imaginar uma situação através dos processos de selecção natural em que uma relação inicial de parasitismo consegue lentamente evoluir até uma situação de mutualismo, passando por uma situação de comensalismo. As térmitas são um dos muito poucos animais que comem madeira, porque a lenhina é dificilmente digerível. Por isso a madeira é um recurso superabundante e pouco utilizado. E como conseguem as térmitas comer madeira? Têm bactérias no tubo digestivo que, elas sim, fazem a digestão de lenhina. Provavelmente isto surgiu há muitos milhões de anos quando os primórdios das térmitas foram parasitados por bactérias. Elas inicialmente tinham um efeito negativo nesses insectos, mas depois, por um processo de selecção natural, essa relação passou a ser de comensalismo, até que o que começou a ser beneficiado, do ponto de vista adaptativo, foi as bactérias que faziam a digestão de lenhina e os insectos que conseguiam tirar partido desse processo. A partir do momento em que se estabeleceu essa relação positiva, as térmitas passaram a ter à sua disposição uma tremenda quantidade de recursos que estava indisponível para a esmagadora maioria dos animais. Por isso hoje elas são dos organismos mais bem sucedidos das regiões tropicais e subtropicais.

Por exemplo, para nós qual é o mais importante dos mutualismos? A endossimbiose! Nós somos colónias de mutualistas que começaram no parasitismo. Há de ter havido uma situação semelhante em que houve um organismo unicelular que foi parasitado, e provavelmente, durante milhões de anos, esse parasita sobreviveu como invasor desses organismos unicelulares, até que começou a haver uma situação de comensalismo, passando mais tarde para mutualismo. Depois do estabelecimento dessa relação mutualística começou também a

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haver a formação de colónias, e portanto todos os organismos coloniais passaram a usufruir dessas vantagens, chegando eventualmente à nossa espécie.

Factores de estabilização das densidades As espécies têm um grande potencial reprodutivo e de multiplicação dos números de indivíduos nas populações. Em 1937 houve uns sujeitos que lançaram dois machos e cinco fêmeas de faisão numa ilhota. Passados cinco anos havia 1325 faisões. Esta e outras experiências mostram que as espécies têm um potencial de multiplicação que claramente não está a ser plenamente aproveitado. Coloca-se então a questão: porque é que isso não acontece? Porque não crescem as populações de forma indefinida? E porque há mais indivíduos de uma espécie nuns locais do que noutros? Para que isto aconteça tem que haver mecanismos de controlo populacional que actuem de forma diferencial em diferentes locais.

Há dois grandes tipos de mecanismos de controlo populacional. Os primeiros são os chamados mecanismos dependentes da densidade, em que a intensidade do factor, normalmente a

mortalidade, é dependente da densidade (ex: competição, doenças transmissíveis), e os outros são mecanismos independentes da densidade, em que um factor afecta uma certa

percentagem da população independentemente de a densidade ser alta ou baixa (ex: mortalidade causada por um frio muito elevado). Na história da ecologia, estes factores causaram uma grande polémica porque nem toda a gente estava de acordo quanto à sua importância relativa. De facto, os mecanismos independentes da densidade podem causar, quase instantaneamente, tremendas mortalidades, daí que os primeiros ecólogos achavam que esses eram os verdadeiros factores que controlavam a abundância das espécies. Vamos ver se esse raciocínio é razoável ou não.

Vamos pensar que temos uma população de insectos que se reproduz durante o verão, mas depois tem que sobreviver ao inverno para, na época quente seguinte, se começar a reproduzir outra vez. Esses insectos estão sujeitos a uma forte mortalidade, e o factor que causa essa mortalidade mata 99% dos indivíduos da população. Se cada indivíduo produzir 100 descendentes, a população mantém-se constante. (De notar que em dinâmica populacional, as contas são sempre feitas com base no número de fêmeas, isto porque se pressupõe que o crescimento da população depende quase exclusivamente desse número. Admitindo que há machos suficientes para fertilizarem todas as fêmeas, o seu número é irrelevante.) Mas agora, se em vez de morrerem 99 fêmeas, morressem 98, o que acontecia? A população duplicava todos os anos. Em cada ano que se mantivesse uma mortalidade de 98%, era o suficiente para a população duplicar. Isto quer dizer que, de facto, o clima pode ser um factor de mortalidade tão importante que mata 98% da população. Mas continuamos a não poder aceitar que seja ele a determinar a abundância da população. Tem que haver outro mecanismo qualquer a evitar que a população cresça exponencialmente, e esse será um mecanismo dependente da densidade. São esses mecanismos, como a predação, a competição e o parasitismo, que verdadeiramente garantem a estabilidade das populações. Normalmente refere-se aos mecanismos independentes da densidade como sendo destabilizadores, provocando variações irregulares nas populações, ao passo que os mecanismos dependentes da densidade são estabilizadores, fazendo regressar a população a um valor único. Pode haver mecanismos dependentes da densidade de vários tipos. Para além dos já referidos, podem ser também intrínsecos à espécie, como a territorialidade e a agressividade, ou extrínsecos à espécie, como a predação.

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Mutualismo Já vimos anteriormente que a tendência evolutiva do parasitismo é para as relações parasita-hospedeiro irem sendo progressivamente menos negativas para o hospedeiro, até chegarem a uma situação de neutralidade (comensalismo). Em certas situações, se houver um processo de co-evolução durante mais tempo, essa relação passa a ser mutualística. O mutualismo é um tipo de relação entre espécies altamente evolucionada, em que ambas tiram partido do relacionamento com a outra. Há dois tipos: o mutualismo obrigatório e o mutualismo não obrigatório. Vamos ver alguns exemplos deste tipo de relações.

Há uma borboleta nocturna que coloca os ovos nas flores de uma Yucca, e as larvas alimentam-se das sementes da yucca quando nascem. Quando a borboleta vai lá e deixa os ovos, antes de se ir embora, raspa o pólen da planta, faz uma bola de pólen, e voa para outra flor onde vai pôr mais ovos. Mas antes de colocar os ovos deposita essa bola no estigma da nova flor, fertilizando-a. Depois disso deposita ovos nessa flor, e continua nisto até morrer. Esta relação é benéfica para ambas as espécies: a borboleta consegue ter um substrato para a colocação e desenvolvimento das suas larvas, e a yucca tem a sua fertilização garantida. O que é interessante neste caso é que é uma relação única. Aquela espécie de planta só sobrevive com a polinização daquela borboleta, que é o único animal que a faz nessa planta. É uma situação de mutualismo obrigatório. Isto poderá ter vindo de uma situação de parasitismo, em que a borboleta inicialmente parasitava a yucca. Esta situação não era muito adaptativa porque levava a uma depressão da densidade de yuccas, reduzindo a quantidade de recursos disponíveis para a borboleta também. Provavelmente aquilo que aconteceu foi uma situação de co-evolução em que houve uma vantagem grande da borboleta em não só não comer todas as sementes da yucca, mas também em polinizar essa espécie, porque isso só aumenta a base de recursos disponível para aquela espécie. Portanto faz sentido que a evolução beneficie mais as borboletas inteligente na forma como utilizam aquele recurso e as plantas. Da mesma forma, a evolução deverá estar a favorecer as yuccas que tenham mecanismos de defesa que evitem que as borboletas comam excessivamente as suas sementes, e que disponibilizem o pólen que permite às borboletas fazerem aquela bola de pólen para que seja facilmente transportado para outra flor.

Estas situações de mutualismo obrigatório são particularmente abundantes nas regiões tropicais, e há várias explicações possíveis para isto. A teoria que tem mais apoio para explicar isto é que os trópicos têm sido climaticamente mais estáveis do que as zonas temperadas. Sabendo que este tipo de relações precisa de milhões de anos para conseguirem ser geradas, é preciso haver um clima com uma estabilidade grande, senão uma das espécies que está a interagir corre o risco de desaparecer.

Relações mutualísticas entre plantas e formigas são muito frequentes. Mas há uma em particular, entre formigas e acácias, que estão entre as mais sofisticadas. As acácias têm espinhos aberrantes, dilatados, muito grandes e ocos, que são usados pelas formigas como abrigo. Para além disso, a planta fornece nectários extra-florais que as formigas consomem, e inclusivamente produzem corpos de Beltian que são altamente ricos em proteína. Em troca as formigas defendem as acácias de dois tipos de pragas: plantas e animais, mais especificamente trepadeiras e herbívoros. As formigas não deixam qualquer trepadeira, como as figueiras-estranguladoras, aproximar-se da planta, cortando-lhes os ramos e impedindo que esta se agarre à árvore mãe. Este tipo de relação tem uma vantagem tão grande que surge em

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muitas relações interespecíficas, envolvendo formigas e plantas, que evoluíram independentemente umas das outras.

Uma outra relação mutualística, que é omnipresente e extremamente importante e determinante na estruturação das comunidades, acima de tudo de plantas: dispersão de sementes. O único objectivo que as plantas têm em gastar tanta energia a produzir frutos é atrair animais que os comam e transportem as sementes. Especialmente em locais onde há pouco vento, é importante que as plantas tenham mecanismos para dispersar as suas sementes, de preferência o mais longe possível. Isso fez com que tenha havido um processo de evolução, tanto do lado das plantas como do lado dos animais, extremamente sofisticado. Por exemplo, quando os frutos são verdes significa que não podem ser comidos porque a semente ainda não amadureceu. De facto as plantas têm que possuir mecanismos de sinalização que façam com que os frutos sejam muito discretos quando as sementes não estão maduras, e se tornem mais vistosos quando elas estão maduras. Os frutos que são predominantemente dispersos por aves tendem a mudar de cor quando estão maduros, mas no caso dos morcegos eles aumentam de volume, outras vezes ficam mais descobertos, e nalgumas situações o cheiro torna-se mais activo. Se eventualmente o fruto não for detectado ou transportado, acaba por cair e as sementes ficam debaixo da árvore mãe, tornando-se pouco vantajoso, a não ser em situações em que haja outros transportadores de frutos, como alguns roedores.

Um exemplo de mutualismo, desta vez só com animais. Os peixes-limpadores são uns peixes pequenos que arrancam detritos e parasitas dos peixes grandes. Este trabalho é tão importante que por vezes os peixes grandes vão visitar os peixes-limpadores, chegando mesmo a fazer fila! O que é interessante nesta relação de mutualismo é que ela é “parasitada”, isto é, há outras espécies de peixes, que não estão sequer relacionados, que fingem ser peixes-limpadores. O que eles fazem é

aproximar-se dos peixes grandes (que pensam que são limpadores, logo não fogem), arrancar-lhes um pedaço de barbatana e fugir. Isto coloca os peixes grandes numa situação adaptativa complicada: se eles não conseguem distinguir os limpadores dos falsos limpadores e toleram a sua aproximação, podem ficar sem barbatanas. Isto é também um problema para os peixes-limpadores porque deixam de ser tolerados pelos peixes grandes. Nesta situação temos dois tipos de peixes, um benéfico e outro prejudicial. O benéfico tem todas as vantagens adaptativas em se distinguir ao máximo dos olhos dos peixes grandes. Então qual é a peculiaridade que os peixes-limpadores têm que permite que os peixes grandes os diferenciem dos falsos limpadores? Possuem uma coloração bastante conspícua e uma morfologia muito distinta (fig. 11). Mas os falsos limpadores com mais sucesso são precisamente aqueles mais parecidos com os peixes-limpadores. Ou seja, temos uma situação em que o peixe-limpador evolui no sentido de se tornar cada vez mais diferente dos falsos limpadores, e estes estão sujeitos a um processo de selecção natural que faz com que eles evoluam no sentido de se aproximarem cada vez mais dos verdadeiros limpadores. Temos duas espécies que estão a perseguir-se evolutivamente, uma a procurar distinguir-se da outra, e a outra a procurar ser cada vez mais semelhante à primeira.

Vamos ver agora um exemplo interessante que envolve quatro espécies de animais, e mutualismo e parasitismo a actuarem simultaneamente. As oropêndolas são aves que têm um

Figura 11: Elacatinus evelynae

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comportamento de criação colonial, construindo ninhos parecidos aos tecelões africanos. As fêmeas de Molothrus, tal como no caso dos cucos, metem o ovo no ninho das aves parasitadas, e quando a cria nasce deita para fora do ninho os seus irmãos adoptivos, o que é uma desvantagem grande para a espécie parasitada, embora nem sempre. Houve um indivíduo que fez experiências com os ninhos, e o que ele viu foi que, em algumas colónias, as Molothrus punham ovos muito parecidos aos das oropêndolas para evitarem ser rejeitados. Mas havia outras colónias em que os ovos eram muito diferentes dos das oropêndolas, contudo estes não eram rejeitados. Ele verificou também, colocando ovos artificiais nos ninhos, que havia colónias intolerantes e colónias tolerantes. Isto é, havia colónias em que quando ele punha ovos artificiais diferentes dos ovos originais, as fêmeas deitavam fora os ovos artificiais; e havia outras colónias em que as fêmeas de oropêndola toleravam a presença dos ovos do parasita. Depois de ele estudar mais aprofundadamente este problema, chegou à conclusão que nas colónias onde as fêmeas eram tolerantes havia grandes quantidades de botflies (Oestridae). Isto porque as crias parasitas, como nasciam mais cedo do que as crias da oropêndola e eram maiores e agressivas, comiam as botflies que se aproximavam do ninho. No fundo as crias de Molothrus acabavam por servir de guardas contra as moscas, e isso era uma vantagem para as próprias oropêndolas. Havia uma situação que fazia com que o parasitismo acabasse naquele caso por ser favorável porque inibia um parasitismo de gravidade maior, o das botflies. Sendo assim, porque há oropêndolas que não toleram as Molothrus? Porque nessas colónias há uma espécie de vespa que ataca as botflies. Nesse caso, o parasitismo pelas Molothrus acaba por ser prejudicial, porque já não tem qualquer vantagem substancial, visto esta ter sido adoptada pelas vespas.

Dinâmica populacional Como podem crescer as populações? Como é esse crescimento influenciado pela predação e

pela competição?

População – grupo de organismos da mesma espécie, numa certa área e num certo intervalo

de tempo, que estão mais ou menos isolados das outras populações da mesma espécie. A dinâmica populacional trata precisamente do crescimento destas unidades biológicas.

Uma característica fundamental que é preciso saber é o tamanho da população, ou seja o número de indivíduos. Outro parâmetro relacionado é a densidade populacional – número de

indivíduos por unidade de área. Estes dois parâmetros dependem da:

• Natalidade

• Mortalidade

• Imigração

• Emigração

Se tivermos a falar de uma população fechada, podemos nesta situação ignorar a imigração e

a emigração e pensar que a densidade é apenas dependente de dois factores. Nos modelos que serão falados daqui para a frente, partiremos do princípio que estamos a funcionar em populações fechadas.

Se conhecermos estes parâmetros, das quais depende o crescimento populacional, podemos estimar qual é a densidade de uma população num certo momento. Para tal são utilizados

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modelos matemáticos que reflectem em equações a forma como a população cresce. Atenção que quando se fala em crescimento, este pode ser positivo ou negativo. Também quando em dinâmica populacional se fala em número de indivíduos, estamos a referir-nos ao número de fêmeas, pressupondo que o número de machos é suficiente para fertilizar todas as fêmeas.

Vamos escrever a lógica anterior sobre a forma de uma equação: ���� = �� + � + � − � − �. Isto é, o número de indivíduos no próximo momento é igual ao número de indivíduos no momento actual mais o número de indivíduos que nascem entre o período Nt e o período Nt+1, mais a imigração, menos a mortalidade e a emigração. Tratando-se de uma população fechada, podemos eliminar o I e o E da equação.

Agora como é que se calcula o número de nascimentos? � = ���. Esta nova variável b representa a taxa de nascimentos por indivíduo da população (fêmeas). Então o número total de nascimentos será igual ao número de fêmeas vezes a taxa intrínseca per capita de nascimentos. O número de mortes há-de ser a probabilidade de cada indivíduo morrer num dado intervalo de tempo vezes o número de indivíduos: � = ���

Se substituirmos estes dois valores na equação inicial ficamos com: ���� = �� + ��� − ���.

Modelos de crescimento populacional Vamos agora falar nos três principais modelos que descrevem o crescimento das populações em diferentes situações.

Crescimento geométrico É o mais simples dos modelos de crescimento, e é utilizado para populações descontínuas. Assume que a taxa de crescimento populacional é constante, logo não é dependente da densidade, e que os indivíduos de cada geração não se reproduzem em simultâneo. Vamos supor que cada fêmea produz em média R0 descendentes (R0 – taxa de substituição). Ou seja

é o número de filhas pelo qual uma fêmea se faz substituir na próxima época reprodutora. Se ela deixar duas filhas para se reproduzirem na próxima época, a taxa de substituição será 2; se ela deixar quatro filhas, a taxa de substituição será 4, e assim sucessivamente.

Neste caso, ���� = ����. Não se soma ao número de indivíduos presentes actualmente na população porque as mães morrem de uma geração para a outra. Vamos representar a fórmula para várias gerações:

1. �� = ���� 2. �� = ���� 3. �� = ���� 4. Etc.

Esta série pode ser convertida em: �� = �����. Esta equação representa o modelo de

crescimento geométrico. Se tentarmos expressar graficamente este crescimento, vamos observar que este é feito em saltos, que vão sendo progressivamente maiores.

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Figura 11: Gráfico de crescimento geométrico

Quais são as consequências dos valores de R0?

• Se este for igual a 1, o crescimento populacional mantém-se: a população não aumenta nem diminui;

• Se o R0 for menor que 1, a população tem um crescimento negativo, porque cada fêmea faz substituir na próxima geração um número inferior a um indivíduo;

• Se este for maior que 1, a população aumenta, tem um crescimento positivo.

Este modelo só é realista para populações no início do seu estabelecimento e apenas para certas espécies de animais, como alguns insectos, porque este crescimento não se pode manter por muitas gerações. Caso contrário as populações animais seriam brutalmente grandes.

Crescimento exponencial

Este modelo difere do anterior por admitir um crescimento contínuo.

Figura 12: Curva de crescimento exponencial

A taxa de crescimento num determinado ponto será representada pelo declive da recta tangente nesse ponto. No início o declive é pouco acentuado, logo é um crescimento lento, e conforme vamos progredindo no tempo este passa a ser cada vez maior. O que se pretende com este modelo é determinar qual a velocidade de crescimento da população em cada um dos momentos ao longo do tempo.

O declive da recta tangente à curva é representada por ! � . O crescimento estava dependente

de dois parâmetros fundamentais: a natalidade e a mortalidade. Mas agora estão expressos em

8070605040302010

1 2 3 4 5 6Geração

de

ind

ivíd

uos

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taxas: taxa de natalidade e taxa de mortalidade. Ficamos assim com: ! � = �(� − �).

Normalmente esta expressão é simplificada em: $�$� = %�. O r representa a taxa intrínseca de

crescimento, que é a diferença entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade. Esta

equação representa o modelo de crescimento exponencial das populações, descrevendo como é que a população cresce em vários momentos.

Tal como no caso anterior, não é um modelo realista porque pressupõe que os recursos são ilimitados. Só descreve de forma correcta o crescimento das populações na sua fase inicial, quando uma espécie chega a uma nova área.

Crescimento logístico Este modelo já procura descrever como é que a população cresce num contexto em que os recursos são limitativos. Para falarmos deste modelo convém relembrar o conceito de capacidade de suporte do meio (K) – quantificação dos recursos do meio medida em número

de indivíduos. Para ponderar essa limitação de recursos e usá-la em termos de número de

indivíduos, vamos acrescentar o seguinte termo: $�$� = %�&'(�' ). A ele (

*(!* ) chamamos termo

logístico, e esta fórmula é conhecida como equação de Pearl-Verlhust.

Embora o K seja fixo, podemos fazer variar o N. Vamos então ver o que acontece à velocidade de crescimento da população quando o N varia:

1. O N está muito abaixo do K: este crescimento logístico tem muito pouca influência na

velocidade de crescimento da população, porque + − � fica praticamente igual a K, e **

fica quase igual a 1. No fundo, o papel desse termo logístico é praticamente nulo quando a população está muito abaixo da capacidade de suporte do meio. Como tal o crescimento da população é determinado pelo termo , × �, portanto esta tem um crescimento exponencial.

2. O N é metade de K: O efeito logístico começa a ser substancial porque a velocidade

de crescimento vai ser metade daquela que seria esperada se não houvesse adição do termo logístico.

3. O K é quase igual a N: o termo logístico fica igual a 0 e o crescimento estabiliza. 4. O N é maior que o K: o termo fica negativo, logo a população vai decrescer.

Ao início a população cresce de uma forma exponencial, até chegar a um certo ponto em que o peso do termo logístico começa a ser substancial e a desacelerar o crescimento da população, até chegar a uma altura em que estabiliza (quando o número de indivíduos é igual à capacidade de suporte do meio; fig. 13).

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Figura 13: Exemplo de um modelo logístico quando comparado com o modelo exponencial

População crítica mínima

Contudo, há uma situação a que este modelo não se aplica. De acordo com ele, para que haja crescimento basta haver uma fêmea. Mas será normal uma população crescer desta maneira apenas com um indivíduo? Não. Há uma população crítica mínima (M) abaixo do qual as

populações tendem a desaparecer, ou por deficiências genéticas, ou porque o espaçamento entre fêmeas e machos é muito grande e a reprodução não chega a ocorrer. Este parâmetro varia com as características de reprodução da espécie e com a sua distribuição espacial. O seu papel não está incorporado no modelo de crescimento logístico, então vamos tentar alterá-lo

inserindo o efeito do M: $�$� = %�&'(�' ) &�(-� ). Para ver se o reflexo deste parâmetro no

crescimento populacional faz sentido ou não neste contexto, vamos ver algumas situações:

1. Quando o M é muito menor que o N: o efeito deste termo é muito pequeno porque é

praticamente igual a 1. Logo a população cresce sem qualquer tipo de influência do M, o que faz sentido pois se o número de indivíduos estiver muito acima da população crítica mínima, esta deve ser irrelevante para determinar o seu crescimento.

2. Quando o M for um pouco menor que o N: a população continua a crescer porque o

número de indivíduos da população é maior que a população crítica mínima, mas cresce mais devagar.

3. Quando o N é mais baixo que o M: o termo fica negativo, logo a população tende a

decrescer.

Isto mostra que o termo acrescentado ao modelo incorpora de forma correcta o peso do parâmetro “população crítica mínima”.

Podíamos continuar este processo, adaptando o modelo a cada vez mais factores, mas depois começamos a modificá-lo progressivamente de tal maneira que ele torna-se demasiado particular e só se aplica a situações muito peculiares. É preciso ter cuidado com o enriquecimento dos modelos, porque a partir de um certo ponto eles começam a ficar muito específicos. Geralmente, para que a modelação nos ajude a compreender os fenómenos biológicos, o que se quer é que os modelos sejam relativamente gerais e possam ser aplicados

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em muitas situações. A modelação serve não só para fazer previsões, mas também obriga a sistematizar o conhecimento sobre a forma de como as espécies crescem.

Cenários de extinção populacional

Em que situações é que uma população se pode extinguir?

• Quando o r é menor que zero: a população decresce porque a taxa de mortalidade

ultrapassa a da natalidade. • Quando o N é menor que o M: se o número de indivíduos estiver abaixo da população

crítica mínima, é lógico que a população decresça cada vez mais. • Quando K é menor que M: se houver uma situação hipotética em que o meio se

degrada o suficiente para cair abaixo da população crítica mínima, a população não consegue lá existir e extingue-se também.

Há ainda outra situação em que uma população se pode extinguir. Vamos imaginar um caso em que o número de ovos colocados por uma fêmea não depende dos recursos existentes no meio nessa altura, mas nos recursos existentes no mês antes. Isto é, os ovos podem ter-se gerado numa altura em que os recursos ainda eram abundantes. Por exemplo, se houver 10 fêmeas e cada uma colocar 5 ovos, elas vão gerar 50 fêmeas, o que provavelmente estaria acima da capacidade de suporte do meio. Quando a resposta da reprodução às limitações impostas pelas condições ambientais não está perfeitamente afinada, há um aumento da população acima da capacidade de suporte do meio. Graficamente o que acontece é que a população subia, e depois, por causa da falta de recursos, voltava a cair, depois subia novamente, e a seguir voltava a descer, e assim sucessivamente. Este tipo de flutuações, que não têm qualquer problema se o N e o K estiverem muito acima do M, podem ser problemáticas em situações em que a amplitude desta oscilação é de tal maneira grande que leva a população a descer abaixo da população crítica mínima. De uma forma geral esta proximidade entre o K e o M ocorre em áreas que suportam poucos indivíduos, como pequenas ilhas oceânicas, logo é mais fácil para uma oscilação atingir o M.

A população está em equilíbrio quando ! � = 0. Isto pode acontecer em duas situações: quando

o termo + − � = 0 ou quando � −/ = 0. Qual a diferença entre estas situações? Quando o N sobe acima do K, a população começa a descer; quando está abaixo do K, a população cresce. Neste caso temos um equilíbrio estável. Quando o N sobe acima do M, a população cresce; quando o N cai abaixo do M, esta decresce. Aqui temos um equilíbrio instável.

Factores determinantes na taxa de crescimento populacional Até agora falámos de crescimento populacional envolvendo apenas uma espécie isolada. Claro que na grande maioria dos casos isto não é assim, e as espécies têm competidores e predadores. Vamos agora modular como é que uma população cresce num contexto em que estejam presentes duas espécies que utilizem o mesmo recurso e que, potencialmente, entrem em competição.

Populações competidoras

A taxa de crescimento da espécie 1 é representada por: !0 � = ,��� &*0(!0*0

). A capacidade de

suporte do meio para a esp. 1 é medida em número de indivíduos, logo pode ser diferente de uma espécie para a outra. Por exemplo, se a espécie 2, a espécie competidora, utilizar metade

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dos recursos da esp. 1, o K da esp. 2 é duplo do da esp. 1 para a mesma disponibilidade de recursos. Se juntarmos a esp. 2 a este sistema, o K vai ser afectado. Se ambas consomem os mesmos recursos, a esp. 2 vai diminuir a capacidade de suporte do meio da esp. 1 proporcionalmente ao N2 mais a quantidade de recursos que os indivíduos de cada espécie consomem. Para representar este efeito há uma constante, α – coeficiente de competição da

esp. 2 relativamente à esp. 1. Ele é maior que um quando os indivíduos da esp. 2 consomem mais recursos que os da esp. 1; quando consomem menos recursos, o α está abaixo de um.

Vamos agora adaptar o modelo retirando ao K1 aquilo que é consumido pela espécie 2: $�1$� = %1�1 &

('1(2�3)(�1'1

). Este novo modelo descreve-nos de uma forma matemática lógica

como, num certo ambiente, a esp. 1 cresce na presença de uma espécie competidora. Quando o número de indivíduos da esp. 2 for elevado, o crescimento da esp. 1 diminui porque o K vai ser menor; o número de indivíduos da esp. 1 aproxima-se do novo K. Claro que dentro da

mesma lógica podemos fazer um modelo para a esp. 2: !0 � = ,��� &

(*4(5!0)(!4*4

).

Populações de predadores e presas Vamos agora ver como é que uma espécie de presa cresce na presença de uma espécie predadora, e como é que uma espécie predadora cresce na presença de uma espécie de presa. Isto vai ser feito com base num modelo de crescimento mais simples – o modelo exponencial.

Para fazermos estes modelos temos que partir de dois pressupostos:

• A taxa de natalidade do predador aumenta com o número de presas (N2);

• A taxa de mortalidade das presas aumenta com o número de predadores (N1).

Admitindo que existe esta proporcionalidade, então a taxa de natalidade do predador é igual ao número de presas (N2) vezes a contribuição energética que a presa fornece ao predador (B1), isto porque presas individualmente mais substanciais contribuem positivamente para a taxa de natalidade do predador. Seguindo este raciocínio, a taxa de mortalidade das presas é igual ao número de predadores (N1) vezes a constante D2. Novamente, a quantidade de predação que um predador pode exercer sobre uma espécie de presa pode ser maior do que outra, por isso não nos chega dizer que a taxa de mortalidade das presas é proporcional ao número de predadores; é preciso haver uma variável que quantifique a mortalidade causada por aquela espécie particular de predador.

Crescimento da população predadora: !0 � = (� − �)��. Com base no que foi dito

anteriormente, a presença de presas vai influenciar o b. Se quisermos criar um modelo que reflicta a abundância das presas no crescimento da população de predadores, temos que fazer uma alteração neste parâmetro. Logo vamos criar um efeito através da influência que a

abundância das presas tem na taxa de natalidade do predador: !0 � = (���� − ��)��. Temos

então um modelo que diz como a população do predador vai crescer em função da população de presas. Se esta for grande, a população do predador cresce depressa; se o número de presas e/ou B1 for baixo, a população decresce quando a combinação dessas duas constantes resultar num valor inferior ao d. Não esquecer que este tipo de situação só se aplica numa situação óptima, inicial, em que não há esgotamento de recursos. Esta equação, juntamente com a que é falada a seguir, faz parte das equações de Lotka-Volterra.

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E o crescimento das populações de presas? !4 � = (� − �)��. O parâmetro afectado pela

predação é o d, portanto vamos substitui-lo por uma combinação, o número de indivíduos com

a constante, que vai determinar a mortalidade das presas: !4 � = (�� − ����)��. Quando o

número de predadores é elevado, o crescimento populacional decresce: a mortalidade é alta, potencialmente maior que a taxa de natalidade, logo o r é negativo. O número de predadores pode ser elevado, mas se a constante for muito baixa, a diferença continua a ser positiva. No fundo o que é determinante para explicar se a população de presas vai subir ou descer não é tanto o número de predadores, mas sim a combinação deste com a constante. Tudo isto faz sentido e mostra a validade intuitiva das equações de Lotka-Volterra.

Relação do ecólogo com a sociedade Ser ecólogo é um privilégio, mas tem responsabilidades muito grandes. Durante as últimas décadas a nossa espécie teve uma explosão populacional brutal, e essa explosão, aliada ao desenvolvimento tecnológico, permitiu uma grande destruição da capacidade do nosso planeta para suportar vida. Estas alterações, que ainda hoje ocorrem, fazem com que haja muitas situações de desequilíbrios ambientais, uns que já estão a ter consequências graves, e outros que ainda não têm mas irão ter consequências graves num futuro mais ou menos breve, como as alterações climáticas. Antigamente havia muito poucas preocupações ambientais, havendo inclusivamente pessoas que não associavam a palavra ‘ambiente’ ao meio natural. Felizmente a sociedade está a aperceber-se destes problemas de uma forma séria, e quer vê-los resolvidos. Uma forma de o fazer é formar especialistas nessas áreas que terão que encontrar soluções para os problemas ambientais, e entre esses especialistas estão os ecólogos. A sociedade tem expectativas relativamente aos ecólogos, e a responsabilidade dessas expectativas cai sobre eles.

Neste contexto vamos falar em quatro temas:

• Importância de fazer investigação ecológica pura;

• Necessidade de fazer investigação ecológica aplicada;

• Participação dos ecólogos nos processos de tomada de decisão;

• Relação entre a ecologia e o ambientalismo.

É frequente fazer-se a divisão da ciência numa perspectiva pura e numa aplicada. Muitos não

gostam desta dicotomia porque há muita investigação que pode parecer pura hoje mas que vai servir como base para investigação aplicada no futuro, sendo na prática aplicada também. Apesar disso, é necessário haver termos para se poder comunicar, portanto é conveniente saber separar investigação que é claramente pura daquela que é aplicada.

Até que ponto compete aos ecólogos portugueses efectuar investigação pura? Esta questão é importante porque há muitos que a contestam, afirmando que a investigação pura é inútil. Sendo a investigação pura a que tem menos interesse imediato na solução de problemas, é natural que as sociedades mais pobres prefiram concentrar os poucos recursos que têm na investigação mais aplicada. Portugal, contudo, é um dos países mais ricos do planeta, portanto temos obrigação de participar na produção de conhecimento científico puro em muitas áreas.

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Infelizmente quem faz investigação pura tende a ter uma grande arrogância relativamente à investigação aplicada, isto é, há um pouco a imagem de que quem faz investigação pura está a fazer uma investigação “nobre”, e que a investigação aplicada é algo secundário. Esta atitude resulta do enorme isolamento em que os cientistas tendem a viver. Por causa disso, não conseguem contextualizar a área em que trabalham na sua verdadeira relevância. Para combater estas atitudes alienadas, é importante lembrar que cerca de metade dos papers produzidos nas melhores revistas não são citados por mais algum paper nos cinco anos que se seguem à sua publicação. Estamos a falar de um interesse muito pequeno que é despertado pelo trabalho que realizamos, particularmente (mas não só) nas áreas da ciência pura. De facto, é assim que a ciência avança, através destes pequenos passos, e é importante não esquecer isso para sermos obrigados a abandonar este redoma em que vivemos. Por outras palavras, devemos fazer investigação pura, mas sem sobrestimar a importância da área em que trabalhamos, e sempre que possível a olhar para cima, e não para o umbigo ou para a nuca do fulano que está a seguir! Será que nós, ao fazermos isto, estamos a dar uma completa resposta às expectativas que a sociedade tem relativamente a nós? Claro que não. Embora seja importante fazer este tipo de investigação, colectivamente devemos ter a preocupação de não nos deixar consumir por ela.

A necessidade ecológica aplicada é aquela que tem objectivos mais imediatos e directos; é fundamental para ir ao encontro das tais expectativas e necessidades que a sociedade tem. Mas muitas vezes há alguma inclinação para os ecólogos olharem para a investigação aplicada como ciência de segunda. Felizmente a situação tem-se alterado de uma forma substancial. Hoje há revistas científicas dentro das áreas aplicadas da ecologia com uma credibilidade tão grande como as das melhores revistas na área da ecologia pura. Mas há também, para além das questões de investigação aplicada mais geral, alguma investigação aplicada de interesse local. De uma forma geral essa investigação não permite fazer grandes publicações, mas esses problemas locais também têm que ter resposta. Portanto é preciso haver uma preocupação de não nos deixarmos dominar pelas carreiras esquecendo a sociedade. Mesmo a nossa satisfação profissional não deve vir apenas das publicações, mas também do prazer que dá à pessoa conseguir resolver um problema real. Resumindo, tanto a investigação pura como a aplicada, tanto a de interesse global como a de interesse local, são necessárias para satisfazer as necessidades que temos perante a sociedade.

As nossas responsabilidades acabam aqui, ou será que os ecólogos devem participar de uma

forma mais activa nos processos de tomada de decisão? Convém lembrar que tanto os investigadores como os políticos são maioritariamente funcionários públicos. As nossas responsabilidades são para a sociedade, não para os políticos! Sendo isto verdade, o que deveria acontecer é que eles devem ter a obrigação de tomar as melhores decisões mais cientificamente e tecnicamente fundamentadas, e para que possam fazer isso devem apoiar-se nos documentos que preparamos. Muitos ecólogos consideram que as suas obrigações terminam com a apresentação dos resultados do seu trabalho. Esta atitude é incorrecta e deixa-nos atrás das expectativas e das nossas responsabilidades para com a sociedade. Temos a obrigação de interpretar o conhecimento que obtivemos à luz da sua potencial aplicabilidade. Devemos ser nós a fazer a transformação da informação obtida em recomendações de gestão, porque geralmente quem faz a gestão não sabe ir buscar essa informação aos papers.

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[ECOLOGIA ANIMAL TERRESTRE] 2010/2011

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O segundo passo é insistirmos junto dos decisores naquilo que é a opinião correcta. E se estes optarem por ignorar e não tomarem qualquer decisão, temos obrigação de garantir que a sociedade sabe o que está a acontecer. Pode-se fazer isso de várias maneiras, por exemplo recorrendo a uma associação de defesa do ambiente.

Há uma questão muito importante que é a relação do ecólogo com as ONGs (associações de defesa do ambiente) e com ambientalismo. As ONGs são a sociedade organizada para defender os interesses para os quais os ecólogos trabalham. Mais importante que isso são eles quem tem feito que dentro das nossas sociedades as questões ambientais estejam a ter uma relevância cada vez maior. Devemos olhar para as associações de defesa do ambiente como um parceiro na valorização daquilo que são os nossos objectivos profissionais, e para fazerem pressão sobre os políticos com o objectivo de darem importância ao trabalho dos ecólogos e atenção às suas opiniões técnicas.