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SEQUÊNCIA DIDÁTICA PARA O TRABALHO COM O GÊNERO TEXTUAL:

MEMÓRIA

Autora: Margareth Aparecida Leite1 Orientadora: Ms. Juslaine de Fátima Abreu Nogueira2

Resumo

Este artigo visa relatar as experiências acerca do projeto sobre a utilização do gênero textual memórias em atividades de leitura e escrita realizadas com alunos do Ensino Fundamental do C. E. Milton Carneiro em Curitiba sob a perspectiva interacionista preconizada por autores como Luiz Antonio Marcuschi e Joaquim Dolz que há bastante tempo, discutem e elaboram pesquisas sobre Gêneros orais e escritos na escola. Pretende-se a partir dos estudos realizados sobre a sequência didática proposta pelos referidos autores, como ponto de partida para o ensino da linguagem em sala de aula, fazer um levantamento detalhado dos pontos positivos e negativos da atividade na rotina da sala de aula e também do envolvimento de outros professores da própria escola e aqueles que se propuseram a compartilhar suas experiências em relação ao GTR (Grupo de Trabalho em Rede) após contato com o material didático elaborado especialmente para o desenvolvimento do gênero textual memorialístico.

Palavras-chave: Memórias; gênero textual; sequência didática; ensino; oralidade; escrita; PDE.

1 Professora PDE com Graduação em Letras Português/Inglês. Especialização em Língua

Portuguesa. Docente do Colégio Estadual Milton Carneiro. Curitiba - PR.

2 Professora MS. orientadora do PDE - FAFIPAR

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1 Introdução

O interesse do aluno pela leitura tem sido precário. No entanto a leitura é

procedimento básico, indispensável à aprendizagem, em todas as disciplinas e

níveis de escolaridade. Vários estudiosos e profissionais da área educacional e de

outras afins vêm aprofundando estudos e pesquisas que envolvem o fracasso

escolar na educação brasileira. Entres as causas deste fracasso um dos fatores está

a leitura ou propriamente o pouco uso que se faz desta prática em sala de aula.

Diante dos resultados de diversos sistemas de avaliação do aproveitamento escolar

(SAEB, ENEM), bem como dos trabalhos realizados nas salas de aula, podemos

concluir de fato que a falta de domínio da leitura tem contribuído para o agravamento

desse quadro.

Assim, uma questão fundamental para a melhoria do ensino é como ensinar

os alunos a compreenderem o texto escrito e a partir dele, desenvolver seu próprio

texto. Isto envolve o desenvolvimento da cognição, pois é ela que intervém no ato de

leitura e na compreensão do texto. Cabe ao professor criar oportunidades que

permitam o desenvolvimento desse processo cognitivo, através de estratégias e

metodologias adequadas nas aulas de leitura e escrita.

Sob esta ótica, e com embasamento teórico em vários estudiosos sobre o

assunto, a ênfase dada neste trabalho está voltada a estudos e pesquisas acerca do

tratamento da leitura nas escolas de Ensino Fundamental, com vistas ao

desenvolvimento de estratégias e metodologias adequadas para as aulas de leitura

e escrita a partir do gênero memorialístico por entender que a abordagem

metodológica da Sequência Didática, na proposição de Schneuwly e Dolz (2004),

pode constituir-se numa possibilidade de trabalho em Língua Portuguesa para que

os alunos superem as tão faladas dificuldades de leitura e escrita. A inserção nos

gêneros memorialísticos, ao oportunizarem um tempo-espaço de escritas de si, pode

contribuir com essa experiência linguística de forma mais verdadeira e socialmente

significativa.

Este artigo é o resultado das atividades desenvolvidas com alunos e

professores da rede pública do Estado do Paraná, vinculados à Secretaria do Estado

da Educação (SEED) através do GTR (Grupo de Trabalho em Rede) sob a

orientação da FAFIPAR enquanto atividade proposta pelo Programa de

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Desenvolvimento Educacional (PDE), que faz parte da formação continuada da

referida secretaria. Através de uma proposta de intervenção no Colégio Estadual

Milton Carneiro - Ensino Fundamental e Médio, no município de Curitiba, PR,

pertencente ao Núcleo Regional de Educação de Curitiba, aplicado em duas turmas

de 5ª Série do Ensino Fundamental, com adolescentes na faixa etária de 10 a 13

anos, inseridos no Programa Mais Educação2. Estas atividades foram desenvolvidas

no período de agosto a dezembro de 2011.

Esta proposta de trabalho didático em sala de aula teve como objetivo inicial o

estudo dos gêneros textuais, entendendo que para que haja melhora no

desempenho dos alunos há que se tomar como base a sua própria experiência de

usuário da língua, haja vista que este já traz uma percepção das características dos

gêneros textuais e das situações de comunicação em que se realizam, embora não

seja um conhecimento formalizado. Cabe à escola apresentá-lo a diferentes gêneros

textuais, usados em diferentes situações e com objetivos diversos, de modo a

ampliar sua competência comunicativa. Isso significa afirmar que, na sua prática

docente, o professor deve desenvolver no aluno competências que o levem a

reconhecer que a pluralidade de discursos contribui para o desenvolvimento da sua

autoestima, seu sentido de cidadania e seu papel social.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais recomendam a prática de escrita e

leitura de textos dos diferentes gêneros que o aluno precisa dominar para sua

efetiva participação social: literários, jornalísticos, publicitários, didáticos, tanto na

modalidade oral como na escrita. Deste modo, fica claro que é preciso analisar em

que medida o trabalho com a leitura e produção escrita na escola tem contribuído

para que o aluno perceba as funções dos diversos textos que circulam na

sociedade.

Do ponto de vista social, dominar a leitura implica na democratização do

acesso ao saber e à cultura letrada. Já no que diz respeito ao psicológico, este

domínio leva o aluno a se apropriar de estratégias diversificadas de leitura e,

portanto a ter mais autonomia, o que lhe permite um maior desenvolvimento para

estudar e aprender sozinho, haja vista que a escrita mobiliza o pensamento e a

2 O Programa Mais Educação foi instituído pela Portaria Interministerial n.º 17/2007 e integra as

ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral. O CE Milton Carneiro é uma das escolas inseridas no referido programa.

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memória. Podemos afirmar também que escrever implica ser capaz de atuar de

modo eficaz, considerando a situação de produção do texto, ou seja, quem escreve,

qual é seu papel social.

Falar bem e escrever bem, compreendendo as possibilidades de sentido das

palavras e dos textos exige do leitor-aluno habilidade, interação e trabalho, o que,

segundo MARCUSCHI (2008 p. 72), “implica em uma forma de inserção no mundo e

um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e

uma sociedade”.

2 Fundamentos teóricos

2.1 Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE

O Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE é uma política pública de

Estado do Paraná, regulamentado pela Lei 130 de 14 de julho de 2010 que

estabelece o diálogo entre os professores do ensino superior e os da educação

básica, através de atividades teórico-práticas orientadas, resultando na produção de

conhecimento e mudanças qualitativas na prática escolar da escola pública

paranaense (BRASIL, 2012). Objetiva proporcionar aos professores da rede pública

estadual subsídios teórico-metodológicos para o desenvolvimento de ações

educacionais sistematizadas, e que resultem em redimensionamento de sua prática

(BRASIL, 2012).·.

Estrutura-se para fins didáticos no Plano Integrado de Formação Continuada,

o qual se constitui de três eixos de atividades: atividades de integração teórico-

práticas, atividades de aprofundamento teórico e atividades didático-pedagógicas

com utilização de suporte tecnológico. Essas atividades são realizadas no decorrer

do Programa, composto de quatro períodos semestrais, distribuídos em dois anos,

inclusive para os professores titulados (SEED, 2012).

Inclui-se ainda no PDE, como atividades do professor participante, um

sistema de EaD – Educação a Distância, através da plataforma Moddle, em que o

professor é responsável pelas tutorias, desenvolvimento teórico e níveis de

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aproveitamento, criando um GTR – Grupo de trabalhos em Rede.

Os Grupos de Trabalho em Rede constituem-se em uma atividade do

Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, que se caracteriza pela

interação virtual entre os Professores PDE e os demais professores da Rede Pública

Estadual. Promove a inclusão virtual dos Professores como forma de democratizar o

acesso da Educação Básica aos conhecimentos teórico-práticos específico das

áreas/ disciplinas trabalhados no Programa. Para o desenvolvimento dessa atividade

são ofertados aos professores cursos de Informática Básica, Tutoria em EAD e

ambientação em SACIR e MOODLE. (SEED, 2012).

Ao término dessas atividades e já com a retomada às aulas pelo professor

PDE, conclui-se todo o trabalho conquistado pelo tempo afora em PDE com um

artigo final, apontando conceitos teóricos e práticos, desenvolvimento dos trabalhos

e aproveitamento, tanto pelo GTR como pela intervenção docente realizada na

escola. Assim o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE instaura

uma nova concepção de Formação Continuada que integra a política de valorização

dos professores que atuam na Rede Pública Estadual de Ensino do Estado do

Paraná. (SEED, 2012).

2.2 Gêneros textuais

O ato de ler é uma produção humana e sua apropriação deve acontecer pela

interferência da escola e, portanto, vinculado à mediação do professor. Trata-se de

uma competência que precisa ser apreendida, e a figura do professor faz-se

extremamente essencial, pois cabe a ele ensinar e compartilhar os segredos de um

texto com seus alunos, propiciando-lhes mais subsídios para desenvolver sua

capacidade de expressão linguística nas diversas situações comunicativas de que

lhe são impostas em seu cotidiano, garantindo o enriquecimento do processo de

letramento e maior habilidade de leitura e, consequentemente, da escrita.

Nesta perspectiva, o trabalho com os gêneros textuais são fundamentais para

desenvolver tais competências do leitor no uso da língua, pois uma vez

compreendendo o sentido do gênero no qual está pautado o projeto PDE, o

aprendizado prazeroso e significativo da compreensão do texto e suas

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especificidades no aspecto tipológico se perpetuará para as demais séries escolares

e quiçá para toda a vida.

Especificamente em relação aos estudos dos gêneros textuais, MARCUSCHI

(2005) afirma que o assunto não é novo, mas atualmente esta noção vem ganhando

destaque no campo da linguística e a partir dela surge o interesse em analisar a

assunto de forma multidisciplinar. Segundo ele, esta análise de gêneros engloba

uma análise do texto e do discurso e uma descrição da língua e visão da sociedade,

e ainda tenta responder a questões de natureza sociocultural no uso da língua de

maneira geral. O trato dos gêneros diz respeito ao trato da língua em seu cotidiano

nas mais diversas formas. Para este autor, há muito a discutir e tentar distinguir as

ideias de que gênero é uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de

ação social, uma estrutura textual, uma forma de organização social, uma ação

retórica. Gênero pode ser isso tudo ao mesmo tempo, já que, em certo sentido, cada

um destes indicadores pode ser tido como um aspecto da observação

(MARCUSCHI, 2005). Daí a necessidade de estudos que possam dar conta do

problema numa perspectiva didática de trabalhar a questão.

Existem, portanto, algumas correntes linguísticas que abordam o estudo em

perspectivas discursivas, em que surgem várias tendências no tratamento dos

gêneros textuais. Há consenso entre diversas correntes e linguistas, da existência de

vários gêneros textuais. Muitos autores questionam se diante da multiplicidade de

gêneros existentes e diante da necessidade de escolha, existe de fato algum gênero

ideal para trabalharmos em sala de aula? Será que um gênero é mais importante

que outro? Existem gêneros mais adequados para a produção de textos, ou para a

leitura?

A escola onde foi desenvolvido o projeto ainda não se preocupa com a

produção textual baseada em gêneros, assim propomos um trabalho na perspectiva

do uso das sequências didáticas por entender que este modelo proposto pelos

autores DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY (2004) partem da ideia de que é

possível ensinar gêneros textuais públicos da oralidade e da escrita e isso pode ser

feito ordenadamente, levando-se em conta tanto a oralidade quanto a escrita. “Os

referidos autores definem a sequência didática como sendo ‘‘um conjunto de

atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero

textual oral ou escrito” (DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 97).

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Para estes autores, a finalidade de trabalhar com as sequências didáticas é

proporcionar ao aluno um procedimento de realizar todas as tarefas e etapas para a

produção de um gênero.

2.3 Porque trabalhar com o gênero ‘memórias literárias’?

Propusemos como ponto de partida um de trabalho em sala de aula com o

gênero “memórias literárias”, por entendermos que o trabalho com memórias na

escola vai resgatar as memórias das pessoas mais velhas da comunidade, a história

delas e a relação com o entorno da escola onde elas vivem.

O trabalho com as lembranças é um meio estratégico de vincular o ambiente

em que os alunos vivem a um passado mais amplo e alcançar uma percepção viva

deste passado, o qual passa a ser não somente conhecido, mas sentido

pessoalmente. Trata-se, antes, de resgatar memórias vivas das pessoas mais velhas

que, passadas continuamente às gerações mais novas pelas palavras, pelos gestos,

pelo sentimento de comunidade e de destino, ligam os moradores de um lugar.

Recuperar essa história servirá de estímulo para professores e alunos numa

tentativa de melhorar a relação de parceria entre ambos. Permite mostrar o valor de

pessoas que vêm da maioria desconhecida do povo, traz a história para dentro da

comunidade ao mesmo tempo em que extrai história de dentro dela, propicia o

contato entre gerações e pode gerar um sentimento de pertencer ao lugar onde se

vive, contribuindo para a formação de seres humanos mais completos e para a

constituição da cidadania. Levar o aluno a ser narrador de memórias literárias é

fazê-lo desenvolver, sobretudo, a habilidade de narrar, pois narrar memórias é uma

habilidade que se aprende.

Depois de recolher memórias das pessoas mais velhas da comunidade, os

alunos podem reconstruir/recriar essas memórias, sem precisar fazer uma

transcrição exata da realidade, pois o ato de narrar é sempre uma criação. Quando

se narra um acontecimento de forma literária, o imaginário do narrador atua sobre as

memórias recolhidas transformando-as. Ao transformá-las procurando dar-lhes uma

"vida" da qual o leitor possa compartilhar, o narrador destaca alguns aspectos mais

envolventes e suprime outros.

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E, neste sentido foi levado para a sala de aula a ideia de que é possível

“tomar gosto pela leitura e escrita” quando nos debruçamos no processo de ler e

entender o outro, suas recordações, as relações semânticas entre memórias,

lembranças, reminiscências entre outros, que muito poderão nos ajudar a elucidar

sobre tudo aquilo que entra em jogo no processo de leitura e escrita das memórias

no âmbito escolar, oportunizando ao aluno a possibilidade de ser autor.

Para o trabalho com Sequências Didáticas, DOLZ, NOVERRAZ e

SCHNEWLY (2004) apresentam o seguinte encaminhamento:

1- Apresentação de uma situação (necessidade / motivo de produção).

2- Seleção de gênero textual (tendo em vista o que se quer dizer, para quem,

em que local de circulação...).

3- Reconhecimento do gênero selecionado por meio de:

Produção inicial: Momento em que os alunos tentam elaborar um

primeiro texto (oral ou escrito) e, assim, revelam para si mesmos e para o professor

as representações que têm dessa atividade (p.101);

Módulos de atividades: “trata-se de trabalhar os problemas que

apareceram na primeira produção e de dar aos alunos os instrumentos necessários

para superá-los’’ (p. 87)”. Tendo a produção inicial como parâmetro, os autores

orientam para os problemas que poderão ser abordados durante os módulos de

atividades, ou seja, a representação da situação de comunicação, na qual “o aluno

deve aprender a fazer uma imagem, a mais exata possível, do destinatário do texto

(pais, colegas, a turma, quem quer que seja), da finalidade visada (convencer,

divertir, informar), de sua própria posição como autor ou locutor (ele fala ou escreve

como aluno ou representante dos jovens? Como pessoa individual ou narrador?) e

do gênero visado” (p.88). Quanto à elaboração dos conteúdos, o aluno deve

conhecer as técnicas para buscar, elaborar, ou criar conteúdos. Segundo os autores,

essas técnicas diferem muito em função dos gêneros: técnica de criatividade busca

sistemática de informações relacionadas ao ensino de outras matérias, discussões,

debates e tomada de notas, citando apenas as mais importantes (p.88). Em relação

ao planejamento do texto, “o aluno deve estruturar seu texto de acordo com um

plano que depende da finalidade que se deseja atingir ou do destinatário visado;

cada gênero é caracterizado por uma estrutura mais ou menos convencional” (p.88).

E, por fim, a realização do texto, no qual cada aluno deve escolher os meios de

linguagem mais eficazes para escrever seu texto: utilizar um vocabulário apropriado

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a uma dada situação, variar os tempos verbais em função do tipo e do plano do

texto, servir-se de organizadores textuais para estruturar o texto ou introduzir

argumentos (p.88).

Explorar um gênero textual em todos estes aspectos elencados demanda

tempo, empenho, estudo, pesquisa e dedicação, por parte do professor, bem como

dos alunos. Sendo assim, podemos afirmar que as atividades propostas numa

Sequência Didática não se esgotam em duas, três ou cinco aulas. Pelo contrário,

dependendo do gênero e de sua complexidade, muitas aulas a mais poderão vir a

ser utilizadas para esta finalidade.

Acreditando, portanto, que o trabalho com um gênero textual, organizado por

meio de SDs, seja bem mais produtivo garantindo, assim, maior aprendizagem, foi

estudada, pesquisada e planejada uma SD, e que será apresentada detalhadamente

de acordo com as etapas desenvolvidas no CE Milton Carneiro.

3. Métodos e Procedimentos.

3.1 Da Implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na escola.

Para desenvolver o projeto sobre o gênero memórias numa perspectiva da

sequência didática, foram feitas algumas adaptações no encaminhamento proposto

por DOLZ, NOVERRAZ e SCHNEWLY (2004) para tornar isto mais acessível à

prática na série proposta. Assim, os textos selecionados foram organizados de

acordo com as formas abaixo:

1. Apresentação de uma situação.

Após reunir a turma foi realizada uma roda de conversa com os alunos para a

apresentação da proposta de trabalho. Para motivá-los no processo, foi contada a

história de um escritor que adoeceu, trancou-se dentro de casa e deixou de viver. De

forma descontraída, estes alunos tiveram um contato com o conto Um homem no

sótão, de Ricardo Azevedo, no qual o escritor personagem revela ao leitor o

processo de inventar histórias. Neste contato inicial com as crianças, explico-lhes

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que a possibilidade de escrever, contar histórias pode ser comum a todos nós, pois

se ao escritor, observar um passarinho ciscando em cima do armário abriu-lhe a

mente para perceber que a vida continuava, para as pessoas, as ferramentas todas

estão postas através das imagens, que podem ser de pessoas, de objetos, de

animais, de praças, de escolas, de amigos, da nossa família, enfim, de tudo que

nossos olhos são capazes de captar diariamente. Neste momento, explico que

também é possível através da memória recriar as imagens que já não estão postas,

falo das lembranças, das reminiscências. Foi feita uma seleção de palavras, as

quais, à medida que foram apresentadas oralmente, os alunos, de olhos fechados,

buscaram na memória uma lembrança que podia ser do cheiro, da cor, da dor, da

infância, enfim, que lhes trouxessem impressões possíveis de serem traduzidas em

palavras tanto na oralidade, quanto na escrita.

Pedi que os alunos escrevessem suas primeiras impressões acerca do que foi

exposto, utilizando como ferramenta tudo que lembrou, ou pensou durante a

exposição desta atividade. Deixei também que trocassem os textos entre os colegas

da turma, e foi uma surpresa perceber que ao término desta etapa, muitos alunos

ainda queriam continuar escrevendo e trocando textos, ou seja, senti nesta fase o

quanto é importante aproximar o processo da leitura e escrita com a realidade do

aluno.

2. Seleção do Gênero.

Como o enfoque era trabalhar com o gênero memórias, os alunos foram

levados a compreenderem que as histórias têm memórias. Que elas são contadas

por meio de palavras, de gestos, sentimentos, podem unir moradores de um mesmo

lugar e fazer com que cada um sinta-se parte de uma mesma comunidade. Aqui, a

ideia foi coletar com os alunos, dados da comunidade. Por exemplo, morador mais

antigo, história da praça do bairro, o mais idoso, a história da escola, a história dos

diretores da escola, qual a escola mais antiga, a história do bairro, entre outros que

eventualmente surgirem na segunda fase da roda de conversa. Nesta etapa, reuni

um número imenso de objetos antigos para fazer uma exposição no laboratório da

escola. Entre os objetos, estava uma coleção de vinil, uma maquina de escrever

Olivetti, bem antiga, fotos diversas, roupas antigas, entre outros.

Deixei que os alunos manuseassem todos os objetos e fui explicando como

funcionavam e em que época surgiu. A curiosidade foi geral, e desta forma a

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atividade seguinte que seria a coleta dos dados por meio das entrevistas fluiu

naturalmente.

3. Reconhecimento do Gênero.

Esta etapa foi realizada em forma de oficina e foi apresentado o texto

‘Transplante de menina’, do livro de Tatiana Belinky (São Paulo: Moderna, 2003).

Este texto é o relato memorialístico de uma jovem sobre as primeiras impressões do

Carnaval no Rio de Janeiro. “Vi muitos carnavais depois daquele, participei mesmo

de vários, e curti-os muito. Mas nada, nunca mais, se comparou com aquele primeiro

carnaval no Rio de Janeiro, um banho de Brasil, inesquecível” (OLIMPÍADA DA

LÍNGUA PORTUGUESA, 2009, p. 5).

A realidade dos alunos envolvidos no projeto está bem distante da

personagem do texto, nenhum deles conhece o Rio de Janeiro. Então foi preciso

algumas alterações aqui que contextualizasse melhor a proposta. Valeu muito,

novamente a roda de conversa para que os alunos expusessem suas impressões

acerca dos passeios que já haviam realizado, aproveitei também para mostrar-lhes

algumas fotos que eu mesma tirei no RJ, atualmente. Abri espaços para outras

professoras falarem também sobre alguma lembrança. Foi um momento prazeroso

de trocas e impressões e apresentei a diferença dos vocábulos “memória e

memórias”.

Os alunos foram levados a compreenderem as diferenças e semelhanças que

existem entre relato, relato histórico, diário e textos de memórias literárias. Muitos

textos podem parecer com memórias literárias, e muitas vezes nos confunde.

Assim, a ideia foi organizar uma coletânea de textos que foi apresentada aos alunos

e também foram explorados os próprios textos que os alunos recolheram através

das entrevistas. Nesta fase, os alunos foram levados à biblioteca da escola a fim de

conhecerem o acervo e descobrirem novos textos de “Memórias”. Para o

desenvolvimento deste trabalho foram utilizados com os alunos os seguintes textos:

“Velhos Amigos”, de Eclea Bosi, Antigamente, de Carlos Drummond de Andrade,

“Viver para Contar”, de Gabriel Garcia Marquez e O valetão que engolia meninos e

outras histórias de Pajé, este último, escrito pela aluna Kelli Carolina Bassani3. Nas

atividades de análise e leitura dos textos, é importante salientar também que

propusemos exercícios que levassem os alunos a perceberem os efeitos de sentido

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criados pelos aspectos linguísticos particulares dos textos, como por exemplo,

comparando o presente com o passado.

O autor de memórias literárias usa os verbos para marcar um tempo do

passado, essenciais para o gênero. Outro aspecto relevante do gênero

memorialístico é que os autores se preocupam em caracterizar lugares e pessoas

consideradas importantes nas experiências vividas no passado. Eles também

comparam o tempo antigo com o atual, destacando, muitas vezes as diferenças. Os

alunos foram incentivados a procurarem essas comparações no dia a dia. Eles

trouxeram para a aula fotos antigas de pessoas e dos lugares que visitaram, ou que

convivem na comunidade e descreveram oralmente e por escrito utilizando recursos

comparativos através do uso do verbo ser. Para isto, foram elaboradas questões

norteadoras do tipo: Como eram os carros? Como era a praça? Como eram as

construções, e o trânsito? Como as pessoas se divertiam antigamente? Como

viviam? Como se vestiam, entre outras possibilidades que naturalmente foram

surgindo de acordo com o material trazido pelos alunos.

Assim, o texto escrito, enquanto ação com sentido constitui uma forma de relação dialógica que transcende as meras relações linguísticas, é uma unidade significativa da comunicação discursiva que tem articulações com outras esferas de valores. Exige a compreensão como resposta, e esta compreensão configura o caráter dialógico da ação, pois é parte integrante de todo o processo da escrita e, como tal, o determina. (GARCEZ, 1998, p. 63 )

4. Produção do gênero trabalhado.

Com base na entrevista sugerida quando os alunos fizeram contatos com

membros da comunidade, e quando realizaram leituras e reflexões com base nos

fragmentos dos textos apresentados, a professora analisou com eles o que foi feito,

retomou os quadros e questões levantadas para, em seguida, juntos elegerem a

melhor forma de produzir um primeiro texto, colocando-se no lugar da pessoa para

escrever as memórias dela. Nesta etapa, o professor deve explorar a percepção dos

alunos em relação aos fatos narrados pelos entrevistados e também a forma como

eles foram contados. É um momento de avaliar a compreensão da turma, pedindo a

3 Aluna finalista da 3ª edição do Prêmio Escrevendo o Futuro em 2006, 4ª série – Toledo PR.

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cada grupo que recontem na sala o que ouviram e o que sentiram durante a

entrevista. A importância de se buscar a diversificação dos exercícios e atividades

elaborados para suprir as carências do aluno foi analisada com muita relevância.

Dessa forma, maximiza-se, “[...] pela diversificação das atividades e dos exercícios,

“as chances de cada aluno se apropriar dos instrumentos e noções propostos,

respondendo, assim, às exigências de diferenciação do ensino.” (DOLZ;

NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 109)”.

5. Circulação do gênero

Os alunos foram conscientizados de que as entrevistas que eles fizeram,

seria a base para a produção de um texto final. O grande desafio seria transformar

os registros das entrevistas em um texto de memórias literárias. A isto foi dado o

nome de retextualização que é a produção de um novo texto. Desta vez, o aluno,

como autor do texto pode lançar mão de outros recursos para deixá-lo mais

interessante. Para isto, a professora recorreu aos lembretes citados no material das

Olimpíadas da Língua Portuguesa em 2010: É importante compreender bem os fatos

narrados, atentar para o uso da norma padrão, verificar a adequação da linguagem,

para a situação proposta, não descaracterizar a linguagem do entrevistado, mas

torná-la adequada a um texto de memórias literárias.

Um dos textos selecionados foi reescrito por um grupo de alunos que

decidiram entre eles, entrevistarem a própria mãe, dona Silvia: “Nasci em Curitiba na

Vila Hauer em 1980. Na minha infância quase não tive brinquedos, nem bonecas.

Comecei a trabalhar com 11 anos. Trabalhei na casa da minha professora. Ela era

muito boa comigo, mas eu não brincava, pois precisava trabalhar. Uma coisa que eu

gostava era ir à festa junina com meu pai. Na fase do namoro, tinha que ser

escondido porque meu pai não me deixava namorar. Casei muito jovem e aprendi

com o sofrimento. Amo meus filhos, eles são lindos. Estar com eles é estar bem

feliz. Quando eles me desobedecem ou quando aprontam na escola eu fico triste.

Trabalhei em minha vida como vendedora, diarista, doméstica, recepcionista e babá.

Não realizei ainda meu sonho que é de ter uma loja. Gosto muito de ler livros e a

Bíblia. Uma lembrança da época de jovem é quando tive de aprender as coisas de

casa sozinha e sem ajuda de ninguém”4.

4 Reescrita do texto dos alunos Hérika de Oliveira, e Matheus L de Arantes, última etapa da

Sequência didática desenvolvido com alunos do CE Milton Carneiro.

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No segundo texto a aluna entrevistou a avó e ao reescrever deu o título de

Minha Infância: “Eu morava em Umuarama e tinha 12 anos”. Em 1969 vim para

Curitiba. Trabalhava a três quadras abaixo do estádio do Coxa e era auxiliar de

costura com uma senhora, e naquele tempo não tinha ônibus no Centro e depois do

serviço eu ia da Praça Rui Barbosa até Rua José de Alencar. Em 1975 eu me casei.

Tinha 19 anos, tive cinco filhos. Em 1987 me separei e criei meus filhos sozinha.

Trabalhei em vários empregos para criar meus filhos. Em 2001, recebi um

telefonema de Santa Catarina dizendo que meu marido havia morrido. Quando eu

tinha oito anos trabalhava na roça, colhia algodão das 7 às 11 horas da manhã e

depois ia para casa, tomava banho e ia para escola e andava uns três quilômetros,

quando saia da escola às 4horas chegava a casa às 6h e ainda ia ajudar minha mãe

a arrumar a casa: lavar louça, fazer comida, matar galinha e depenar. Quando eu

tinha sete anos minha madrinha que era rica me deu uma boneca com uma perna só

e eu fiquei muito feliz que até dormia com ela. Mesmo sem ter uma perna eu

brincava porque eu não tinha outros brinquedos, sem a boneca, só sabugo de milho.

Arroz na minha casa só comíamos aos domingos, pois nos dias de semana, só

quirera com frango. Neste dia eu saia pulando e gritando: -

Hoje tem arroz em casa! Havia uma vizinha, uma menina morena que me

batia e quando eu gritava, ela corria atrás de mim. Na minha infância não havia

doces prontos como agora, então fazíamos bala de açúcar queimado, doce de coco,

pé de moleque e doce de amendoim. Assim foi minha infância em Umuarama antes

de vir embora para Curitiba” 5.

3.2 Do GTR – Grupo de Trabalho em Rede.

As atividades de GTR iniciaram-se em 10-10-2010 e foram encerradas em 06-

12-2010, dividindo-se em três etapas ( Fóruns e diários) todas fundamentadas no

Material Didático Pedagógico. Dentre essas atividades houve participação e

contribuição de idéias vindo de professores cursistas, entre elas o destaque para

alguns relatos.

5 Reescrita do texto da aluna Hevelyn Macedo Duran, última etapa da Sequência didática desenvolvido com alunos do CE Milton Carneiro.

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Na última temática do programa, no fórum vivenciando a prática, apresentou a

seguinte atividade: Com o trabalho desenvolvido a partir da implementação

pedagógica do projeto na escola, oportunizou-se uma troca de experiências entre

professores que se dispuseram a discutir através do GTR (1) algumas das atividades

propostas acerca do gênero textual memorialístico. Inicialmente foi pedido para o

professor ou professora: Escolher pelo menos uma ação da proposta de

implementação já apresentada e aplicar em sua escola ou local de trabalho

(adaptando-a quando necessário); Relatar uma experiência explicando as atividades

desenvolvidas, as perspectivas alcançadas e/ou frustradas que esteja relacionada a

uma das ações da proposta de implementação; Sugerir uma atividade a ser

desenvolvida e os objetivos pretendidos, informando a área de atuação e

relacionando-a com uma das ações da proposta de implementação.

[...] Esse gênero mexe com a parte afetiva dos alunos. Talvez por isso, eles se

interessaram tanto pelas aulas e acabaram produzindo bons textos. Iniciei o

trabalho com a leitura do texto “Louvor da manhã” de Bartolomeu Campos Queirós.

Os alunos gostaram muito e aproveitei para contar sobre minha infância. Eles me

encheram de perguntas e se mostraram interessados em ouvir o que eu dizia.

Comentei sobre a importância da memória para a constituição de nossa identidade.

Encorajei a todos a relembrarem suas próprias histórias: seus sonhos, seus medos,

alegrias e tristezas. A princípio pensei que teriam vergonha em fazê-lo, mas aos

poucos começaram a se soltar. E na roda de conversa falaram muito sobre a vida

escolar, brincadeiras preferidas e todos os tipos de traquinagens. Foi um momento

de muita descontração! Dessa forma os alunos começaram a se envolver com o

estudo do gênero. (Relato de professor cursista)6

[...] Eu coloquei no slide um trecho da obra de Augusto Cury7 – Pais brilhantes

professores fascinantes, em que ele aborda o quanto é importante os pais contarem

suas histórias boas, de vitórias e conquistas, e também as frustrações, as pedras no

caminho, para seus filhos, ele comenta que muitos pais se esquecem de

participarem para os filhos suas histórias, mas isso faz os filhos crescerem. Os

alunos comentaram que muitas das histórias eles não sabiam, eles também ficaram

surpresos com o que foi relatado pelos familiares. Muitos contaram as histórias com

6 professora Vanicleia de Oliveira Sousa Rebelo - Duílio T. Beltrão, C E - E. Fund. Médio –Tamboara.

7 Augusto Cury é um psiquiatra, pesquisador da psicologia e professor. autor do livro, Pais brilhantes

Professores fascinantes.

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nó na garganta, outros riram das travessuras que ouviram, e também concordaram

com Cury que devemos sempre contar as histórias para os mais novos. Outro passo,

foi a produção do gênero memória, passei para eles como deveriam fazer, eles me

entregaram, corrigi todas e apontei os problemas e entreguei o roteiro de revisão.

Mas antes disso, como eu já tinha lido todas as histórias, comentei com eles que nós

temos sempre alguém que admiramos, os nossos heróis, temos os nossos medos,

os traumas, as doenças, os problemas que enfrentamos no dia a dia, as decisões

que tomamos e fizemos. E sim a partir disso, eles entregaram a versão final para

expor no mural da escola. Para mim, o passo mais difícil foi a leitura da obra que eu

pensei que eles não iriam terminar, pois marquei duas vezes o debate e muitos

ainda não tinham lido, neste momento pensei em escolher outro texto, mas fiquei

preocupada com o tempo. (Relato de professor cursista)8

[...] trabalhei com meus alunos do Ensino Fundamental da Modalidade Jovens e

Adultos o Gênero Memórias, sendo assim passo a relatar a experiência vivida

durante este trabalho. Num primeiro momento eu coloquei no quadro a seguinte

frase: “A vida não é a que a gente vive, e sim a que a gente recorda, e como recorda

para contá-la.” (Gabriel Garcia Márquez). A partir da frase iniciei com os alunos um

momento de reflexão, questionando-os se concordavam com o pensamento de

Gabriel e o que achavam sobre ele. Após, eu passei a instigá-los a contar as suas

próprias recordações. O que foi muito produtivo e digamos até um momento de

diversão. Pois, algumas histórias contadas foram muito engraçadas e com isso o

repertório de lembranças se estendeu desde uma assombração carregada na

garupa de uma bicicleta no interior de Minas Gerais até a história de um sonho de

infância de se ter uma boneca, havendo-se com isso uma grande variedade de

temas. Este momento de trabalho oral foi muito descontraído e um fato foi puxando

outro, ocorrendo uma interação entre os próprios alunos que na modalidade de

Jovens e Adultos, em especial, sentem uma grande necessidade de falar sobre as

suas vivências, inclusive alguns vivem sozinhos, outros têm um relacionamento

difícil na família. Portanto, no espaço da sala de aula eles não só tentam recuperar o

tempo escolar perdido, mas também buscam uma identidade muita vezes ofuscada

pelas mazelas da vida. [...] Esse tipo de gênero textual parece ter chamado mais a

8 Professora Zilda de Fátima Zafalon - Silvio Magalhães Barros, C E – E Fund. Médio – Maringá.

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atenção de meus alunos adultos do que dos alunos adolescentes que tive o ano

passado, sem contar que os deste ano apesar das dificuldades de escrita são muito

esforçados ao contrário da turma do ano anterior que era extremamente difícil de

lidar. Portanto, a realidade de cada sala de aula, de certa forma determina os

resultados obtidos em cada sequência didática aplicada, sendo que, o interesse da

turma pelo gênero é muito relativo de uma classe para outra. (Relato de professor

cursista)9

Dentre os participantes no GTR havia um professor que não estava atuando

em sala de aula, mas se propôs a comentar a proposta com base em um trabalho

realizado há alguns anos atrás:

[...] realizei um trabalho semelhante em 2005, com duas turmas de 6ª série, e o

envolvimento dos alunos foi grande, assim como o rendimento no aprendizado. Só

que naquela época eu não conhecia ainda a metodologia das sequências didáticas

e, assim, não soube aproveitar mais a situação para atividades de análise linguística

e de reescrita. A sequência proposta focaliza todas as dimensões do gênero, cada

uma há seu tempo, e, progressivamente, fará com que o aluno assimile o gênero

memórias bem como compreenda os recursos da língua necessários para sua

produção, os quais, a partir de então, utilizará em outras situações comunicativas

que requeiram tais recursos. A análise linguística proposta no trabalho está

adequada, pois abordará fenômenos linguísticos presentes no gênero em questão

(usos e flexões dos tempos verbais, figuras de linguagem, pontuação) de forma

contextualizada, sem isolar partes do texto ou focalizar somente a nomenclatura

gramatical, como nos moldes tradicionais e pouco eficientes. Acho relevante esta

forma de trabalho também porque propicia uma avaliação somativa, que é mais

coerente porque considera o processo, o desenvolvimento de cada aluno desde sua

produção inicial (a partir do que ele já conhece do gênero) até a reescrita, após

muita reflexão sobre o gênero e os elementos linguísticos nele presentes e

relevantes. (Relato de professor cursista)10

Houve muitas indagações, elogios e críticas por parte de todos os

participantes. No entanto, ficou explícito através dos comentários de ambos nos

9 Professora Zulmira Aparecida Figueiroa Galhardo - Ceebja Vinícius de Moraes - Terra Boa.

10 Edilson José Krupek, professor da equipe técnico pedagógica da SEED- Pr.

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fóruns realizados que embora a proponente não tenha sentido a necessidade de

quantificar dados nem elaborar tabelas com resultados obtidos sobre o

desenvolvimento das atividades com alunos, percebe-se claramente que em todos

os relatos, a preocupação com a oralidade, a leitura e a escrita permeia o universo

das escolas em qualquer nível escolar. Cada professor, de um modo ou de outro,

embora desenvolvendo o Gênero Textual Memória com alunos de idades e níveis

diferentes apontaram para as mesmas dificuldades em motivar os alunos para

atividades que envolvam a linguagem e os gêneros textuais. No entanto ao dar

sentido ao texto produzido a partir das entrevistas foi possível avaliar e fazer um

balanço dos avanços e progressos que os alunos tiveram, bem como das

dificuldades que ainda precisam ser transpostas. Com isso, puderam realmente

perceber que seus alunos tiveram melhorias, entretanto constataram que precisar ler

mais, pois as leituras feitas ajudaram a escrever melhor, aumentaram o vocabulário,

contribuíram para terem mais ideias.

A reestruturação e reescrita de seus textos mostraram ser compensadoras

porque puderam contar com a ajuda dos colegas e com a mediação do professor,

que passou a ser mais um leitor dos textos produzidos. Com isso, aumentou o

interesse em escrever melhor e corretamente, pois muitas outras pessoas podem

ser leitoras de seus textos, despertando, com isso, o interesse em melhorar a

escrita. Dessa forma, acreditaram ter estimulado seus alunos a lerem, a falar, a

escrever e a compreender melhor o mundo em que vive através dos relatos

memorialísticos de seus familiares.

“A metodologia das SDs é muito boa, uma vez que para cada gênero o

professor tem uma gama diversificada de oficinas com graus de dificuldade

crescente, que permitem reflexões sobre o uso efetivo da língua sem que os

envolvidos “fujam” dos objetivos traçados para o desenvolvimento da disciplina no

período letivo. Outro fator importante é que o professor pode criar oficinas para todos

e quaisquer gêneros”. (Relato de professor cursista)11

11 Solange Maria do Nascimento - SEED-CEE- Conselho Estadual de Educação – Curitiba.

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4. Conclusão

Na tentativa de colocar o estudo do gênero como norteador do trabalho de

sala de aula, Dolz e Schneuwly propõem as seguintes prioridades no preparo

comunicativo dos alunos: Prepará-los para dominar a língua em situações variadas,

fornecendo-lhes instrumentos eficazes; Desenvolver nos alunos uma relação com o

comportamento discursivo consciente e voluntário, favorecendo estratégias de

autorregulação; Ajudá-los a construir uma representação das atividades de escrita e

de fala em situações complexas, como produto de um trabalho e de uma lenta

elaboração. (2004, p. 49). No Brasil, as ideias sobre gêneros e tipos de discurso e

linguagem oral estão inseridas nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Os modelos

didáticos preconizados por Schneuwly e Dolz (1997) e que atualmente são utilizados

no sistema educacional suíço — tem sido referência para muitos educadores

brasileiros que pesquisam a temática ligada à questão do ensino e da aprendizagem

no tocante ao estudo de diferentes gêneros textuais, devido à sistematização no

planejamento do ensino, elaboração de sequencias, pensando a progressão e

concebendo possibilidades de diferenciação.

Desta forma, toda ação de linguagem implica, por sua vez, diversas

capacidades da parte do sujeito: adaptar-se às características do contexto e do

referente (capacidades de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades

discursivas) e dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas

(capacidades lingüístico-discursivas) (Schneuwly & Dolz 1997).

É preciso compreender que tais práticas de linguagem a que se referem

Schneuwly e Dolz (1997) se internalizam nos aprendizes através dos gêneros, e é

nesse sentido que esses podem ser considerados como instrumentos que fundam a

possibilidade de comunicação. É assim que, pelo uso e pela aprendizagem, o

gênero pode ser considerado como um “mega-instrumento” que fornece um suporte

à atividade nas situações de comunicação.

Ler, falar, escrever e compreender o mundo são habilidades fundamentais

para a legítima construção da cidadania. E é por este viés que acreditamos que a

proposta de ação surtiu efeito porque foi atrelada a teoria à prática, na tentativa de

criar mecanismos que pudessem minimizar as dificuldades que alunos encontram

em relação à leitura, à oralidade e à escrita.

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De posse das produções iniciais e posteriormente comparando com a

reescrita dos textos, analisando e levantando as dificuldades enfrentadas pelos

alunos, no que diz respeito à leitura e à produção de textos, elaboramos um projeto

de intervenção, aliando a teoria consultada à prática de sala de aula, onde criamos

situações em que a oralidade, a leitura e a escrita tiveram uma finalidade específica,

de modo que os alunos pudessem se apropriar do conhecimento através de

atividades contextualizadas, tornando a compreensão da linguagem mais

significativa.

As atividades propostas aos professores no GTR deram conta de comprovar

a ampla possibilidade que o trabalho com o gênero textual através das SDs,

consegue transpor: as barreiras cognitivas e linguísticas do funcionamento da língua

no interior de uma situação de comunicação particular servindo como mais um

instrumento de ensino. Segundo BRONCKART (1996), os conhecimentos

construídos sobre os gêneros estão sempre correlacionados às representações que

temos sobre as situações sociais diversas em que atuamos. E é com base nesses

conhecimentos que o produtor “adota” um gênero particular que lhe parece ser o

mais adequado à determinada situação.

Neste artigo foi abordado o gênero textual Memória e sua aplicação em

Sequencia didática com a finalidade de fazer o aluno relatar as experiências, incitar

a produção textual tanto dos educandos como dos educadores. Essa possibilidade

provém do fato de que a compreensão e produção escrita são dimensões sociais,

culturais e psicológicas que mobilizam diversas capacidades de linguagem. Dessa

forma o trabalho com o gênero textual Memória possibilitou a compreensão de que

os saberes da escola estão presentes no contexto da vida cotidiana, devido ao

envolvimento de forma mais ativa no seu processo de desenvolvimento tanto da

leitura como também da escrita.·.

Referências Bibliográficas

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Correspondência:

Profª Margareth Aparecida Leite i

E-mail: [email protected]

i Margareth Aparecida Leite

graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de

Ponta Grossa,1989. Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual de Ponta

Grossa, 1992. Docente do Colégio Estadual Milton Carneiro–Curitiba - SEED.1990.. Participante do

Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná – PDE 2010, em parceria com a

UEPR/FAFIPAR - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá – PR.