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SERVIÇO SOCIAL E INTERSETORIALIDADE: PRÁTICAS E SABERES PARA “GARANTIA DE DIREITOS”1
Vol. I - Ano 2016 ISSN 2446-5518
Edson Marques Oliveira2
INTRODUÇÃO
Quero agradecer à oportunidade de compartilhar esse momento tão
importante da vida acadêmica de um curso de graduação, a Semana Acadêmica. E
principalmente pelo privilégio, honra e responsabilidade de realizar a palestra de
abertura. Na pessoa da Coordenadora do Conselho de Ensino e Extensão, da
Coordenação da Semana Acadêmica e da Coordenadora do Curso de Serviço
Social, cumprimento a todos os responsáveis pela organização e realização desse
evento, os participantes do mesmo, desejando que este seja um grande momento
de reflexão e aprendizado.
Inicialmente gostaria de convidar a todos para me acompanharem numa
reflexão um pouco diferente do que normalmente vemos no Serviço Social. Quem
me conhece sabe de minhas preferências teóricas e do meu empenho em trazer ao
Serviço Social outras leituras, outras posições e experiências no campo teórico e
prático da profissão.
Isso ao longo da exposição ficará ainda mais claro, pois estou contrapondo o
que se tem denominado de pensamento hegemônico do Serviço Social - no caso a
matriz marxista e suas respectivas derivações chamadas de marxianas. O por que
dessa pontuação inicial é que a intersetorialidade se constitui em um daqueles
temas híbridos que, ao se aprofundar em sua análise concreta, apresenta múltiplas
áreas e temas que se interligam a ele, o que requer um olhar e uma postura, mental,
intelectual e reflexiva diferenciadas. Para tanto, pretendo expor os seguintes
elementos para aprofundar a reflexão proposta: primeiro, destacar a necessidade de
1 Palestra de abertura proferida no III Seminário Estadual de Serviço Social e IX Semana Academica das Faculdades Itecne de Cascavel/PR, ocorrida no período de 08 a 12 de agosto de 2016. 2 Pós-doutorado em ciências sociais pela Universidade de Coimbra, Portugal, e em Administração pela UFPR, Brasil. Doutor em Serviço Social pela Unesp, SP, Mestre em Serviço Social pela PUC-SP, Bacharel em Serviço Social pela Faculdade Paulista de Serviço Social de SP. Coaching e Trainer coaching pela Lambent do Brasil e Neurocoching pelo IBC. Professor associado da Unioeste, curso de Serviço Social. Bolsista CAPES em 2014, processo número 9449/13-2. Membro Grupo Gepec e coordenador Grupo Gesicur Unioeste.
uma visão mais alargada, para não correr o risco de dizer mais do mesmo e sairmos
daqui sem nenhuma “novidade”. É preciso destacar que hoje no Serviço Social
Brasileiro existem certas posturas que minam ou corroem “o bom pensar”.
É nesse sentido que destaco dois tipos de análise: a dialética, que é
predominante no Serviço Social no Brasil com o dito pensamento hegemônico (que
não é a maioria) a partir do pensamento de Karl Marx e a segunda possibilidade - e
que estou propondo - é a dialógica.
O que significa explicitar uma abordagem e perspectiva que venho
construindo ao longo dos 30 anos de carreira profissional e que chamo de
perspectiva pragmática-sistêmica-crítica, regado pela filosofia de carne e osso,
proposta por Miguel de Unamuno, onde se estimula mais um pensar dialógico
concreto do que dialético, idealistas e as vezes até ilusório.
Num segundo momento, apresento alguns elementos que chamo de “males
que corroem o bom pensar” e a possibilidade de dialogar pluralmente e de inovar no
Serviço Social.
Como terceiro ponto, destaco os principais eixos contextualizadores que
marcam em linhas gerais e de forma específica o entendimento dos elementos
constitutivos do conceito, prática e caracterização do Serviço Social como profissão
junto ao processo de intersetorialidade.
Num quarto ponto, destaco os elementos que influenciam o principal ponto
desafiador do processo de intersetorialidade: o saber específico que cada ator,
profissão e setor devem ter para que no processo de gestão das ações intersetoriais
possam de fato ter êxito. Nisso destaco elementos fundamentais para a identificação
desse saber próprio do Serviço Social, que nesse momento, onde no Brasil se
comemora 80 anos, se apresenta como algo complexo e paradoxal, uma vez que o
trabalho intersetorial traz à tona a interdisciplinaridade e que juntas trazem um
maior desafio: o de definir-se como profissão e sua real, concreta e efetiva
contribuição para com outras áreas, setores e saberes - pois o grande desafio é
impactar a vida dos cidadãos e contribuir com a questão da “garantia de direitos”
como sendo uma das finalidades precípuas da intervenção do Serviço Social na
atualidade e na perspectiva hegemônica.
Em quinto lugar, faço uma reflexão sobre essa questão da “garantia de
direitos” e mostrando que não se trata de uma finalidade da prática profissional e sim
uma expressão ideológica que deve ser substituída por uma visão mais profissional,
objetiva, clara e concreta.
Em sexto lugar, apresento uma proposta e visão do Serviço Social para
melhor se situar no atual contexto de produção do conhecimento e intervenção mais
congruente e apropriada no campo social, a partir de uma configuração mais
profissional e menos ideológica do agir profissional, principalmente na área da
intersetorialidade. Chamo essa proposta artífice do design social, tendo a gestão
sócio informacional como estratégia de intervenção por excelência e foco na
sustentabilidade humana, bem-estar e realização do ser humano como objeto e
objetivo dessa ação, que é mais congruente com as demandas do cenário
conturbado do século XXI.
Em sétimo lugar finalizo apontando as principais conclusões e aprendizados
da presente reflexão sobre Serviço Social e intersetorialidade na atual conjuntura.
Espero com isso contribuir não só com uma visão critica, mas abrangente
(sistêmica) e propositiva (pragmática) para nossa categoria, tanto os docentes,
discentes e profissionais e sinalizar possibilidades de melhora nossa atuação no
campo da intersetorialidade.
1. Referencia e caracterização de uma perspectiva pragmática-sistêmcia-crítica e a reflexão carne e osso em defesa de um processo mais dialógico do que dialético no Serviço Social.
Como afirma Humberto Maturana, “Tudo é dito por um observador”, o que
significa que o explicar, seja cientificamente ou não, está relacionado aos limites de
que temos como observadores na convivência de nossas relações e da experiência
do viver em sociedade. Nessa perspectiva quero fazer um convite, para exercermos
um olhar e o modo diferente de reflexão, denomino de dialógico e não dialético.
O pensar dialético sempre leva necessariamente a uma síntese (tese, antese
e síntese) o que via de regra, significa que uma ideia deva prevalecer sobre outra na
medida em que a argumentação seja mais “convincente”.
Na perspectiva dialógica não há necessidade de uma prevalência de uma
ideia sobre outra, parte-se do principio que tudo é aprendizado e que uma ideia pode
conter elementos que podem ser importantes tanto quanto outras ideias. O
importante é que as ideias sejam claras, congruentes e tenham sentido e significado
quanto a sua formulação e o resultado de sua aplicação.
É nessa perspectiva que acredito que possa surgir a inovação e formas
alternativas, criticas e criativas da profissão, Serviço Social, e com isso se destacar
de forma geral e na questão da intersetorialidade de forma especifica. Essa visão e
concepção são formuladas a partir de duas matrizes que se interligam. Refiro-me da
perspectiva do pragmatismo e da abordagem sistêmica, o qual aqui dou a
resignificação de um olhar dialógico numa perspectiva pragmática-sistêmica-crítica.
Pragmática com base nos clássicos desse método de pensamento
principalmente em Charles S. Peirce, (PEIRCE,1998) e em autores contemporâneos
como Richard Sennett,( SENNETT, 2014, 2012) tendo como principal base e
preocupação a busca de congruência entre o que se propõe, sua aplicação e seus
resultados e impactos na vida humano-social.
Sistêmica dialogando com os clássicos e do entendimento de sistema como
elementos que estão interligados entre si e como sistema aberto, tanto influencia
como PE influenciado pelo meio ambiente onde está inserido, mas entendendo
também e de forma mais contemporânea, a existência de sistemas complexos e
autopoeticos, como é o caso da abordagem sistêmica em Matura que permite
ampliar os horizontes do processo de construção do conhecimento da realidade com
vistas a intervenção na mesma.
E critica, pois ambas as matrizes permitem ir na raiz dos problemas na ordem
temporal da vida e da história da humanidade, ou seja o ser humano e sua interação
e relações sociais num meio ambiente complexo e paradoxal como o que se
apresenta no atual século XXI.
Cabe fazer um destaque sobre esse ponto. Tenho visto que se levarmos em
consideração essas duas matrizes (pragmática e sistêmica) ambas de uma forma ou
de outra sempre estiveram presentes desde os primórdios do Serviço Social.
Exemplo da perspectiva pragmática. Que muito diferente dos críticos de Mary
Richond, a criadora do Serviço Social como profissão e como ciência social aplicada
no início do século XX, cuja a influência e base epistemológica é mais pragmática do
que funcionalista.
Tanto que sua teoria e seus estudos foram realizados no meio acadêmico
mais progressista da America do Norte, na escola de Chicago, junto com intelectuais
como Dewey e Mead (ARANDA,2013). De onde construiu na década de 1930 do
século XX o que hoje tem sido identificado como uma visão e uma abordagem
interacionista simbólica, utilizada por vários pensadores tidos pós-modernos como
Foucault, Derrida, entre outros.
Nesse sentido, e já parafraseado um principio da Biologia do conhecido de
Maturana, “ tudo é dito por um observador”, logo, eu como observador estou me
dirigindo a outros observadores, vocês, juntos fazemos parte do que podemos
chamar de comunidade profissional, que pode ser divida em dois mundos, dada a
natureza e história de nossa profissão.
Essa perspectiva nos ajuda a ter uma visão onde se pode focar mais na
solução do que só ficar no problema, que a meu ver é típico da relação dialética e do
pensamento hegemônico atual no Serviço Social, o que para o campo da academia
até certo ponto é interessante, mas em se tratando de uma profissão interventiva
cuja maior exigência da própria realidade em que está inserido é dar respostas às
demandas, isso se torna limitado ficar só na análise do problema sem dar a solução
congruente e efetiva, o que requer um olhar diferente.
Podemos ilustrar isso com um dialogo entre um psiquiatra e um provável
paciente. Vejamos:
“Um paciente diz ao psiquiatra: - Toda vez que estou na cama, acho que tem alguém embaixo. Ai eu vou embaixo da cama e acho que tem alguém em cima... Pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima... Estou ficando maluco! Psiquiatra: Deixe-me tratar de você durante dois anos. Venha três vezes por semana e eu curo este problema – diz o psiquiatra. - Paciente: E quanto o senhor cobra? - Psiquiatra: R$ 120,00 por sessão. Paciente: Bem eu vou pensar – conclui o sujeito. Passados seis meses eles se encontram na rua. - Psiquiatria: Por que você não me procurou mais? Paciente: A R$ 120,00, 3 x por semana durante 2 anos, daria R$ 37.440,00, ia ficar muito caro. Ai um sujeito de curou por 10,00 reais. Psiquiatra: Ah é? Como ?. Paciente: Por 10,00 reais ele cortou os pés da cama!!!” ( autor desconhecido)
Moral da história: Muitas vezes o problema é serio, mas a solução pode ser
simples. Há uma grande diferença entre foco NO PROBLEMA e foco NA SOLUÇÃO.
Concentre-se na solução ao invés de ficar focando no problema. Vamos cortar o pé
da cama?
Com isso já sinalizo uma forma diferente de pensarmos o Serviço Social de
forma geral e de forma especifica e principalmente a sua inserção no campo da
intersetorialidade. É preciso aqui termos uma conversão e reflexão do tipo carne e
osso o que se pode fazer numa perspectiva dialógica e pragmática-sistêmica-crítica.
Explico melhor.
Por conversas e reflexões de carne e osso me inspiro na proposta exitosa do
filosofo espanhol Miguel de Unamuno, principalmente em sua obra, “ Do sentimento
trágico da vida” (UNAMUNO, 2013). Unamuno é considerado um pragmático
existencialista ou transcendental, devido a sua forte influência teórica em Sören
Kierkegaard e dos pragmáticos clássicos William James e John Dewey. Defende que
filosofar não é uma questão de filósofos somente, mas de todo ser humano, e que
devemos fazer uma filosofia de carne e osso, que tem a seguinte compreensão:
Também não é estranho para mim o humano nem a humanidade, nem o adjetivo simples, nem o adjetivo substantivo, mas o substantivo concreto: o homem [...] o homem de carne e osso, aquele que come e bebe e joga e dorme e pensa e deseja, o homem que é visto e ouvido,[...] homem de carne e osso; eu, você, meu leitor; aquele de lá, todos que pisam a terra. ( UNAMUNO, 2013, p. 19) [grifo nosso]
Nesse sentido, pensar o Serviço Social frente a questão da intersetorialdiade
querer antes de tudo, pensar objetivamente, de forma concreta, carne e osso, o que
difere da proposta hegemônica que leva a pensar um ideário de sociedade que é
imposto a população que é atendida pelos profissionais. Pensar carne e osso, é
antes de tudo encara com maturidade as limitações que temos como profissão e
profissionais, pois estamos prestando serviços para outros seres humanos, e
precisamos conhecer esses seres humanos, sua inserção na realidade complexa e
paradoxal em que eles e nós vivemos, e sem ilusão e sem engano, precisamos junto
com eles, encontrar respostas satisfatórias, a suas necessidades, e não aos desejos
de um grupo político-ideológico. Em outros termos:
Todo o conhecimento tem uma finalidade. Saber por saber é apenas, digam o que digam, uma tétrica petição de principio [...] Mas, assim como um conhecimento científico visa a outros conhecimentos, a filosofia que formos abraçar tem outra finalidade extrínseca, refere-se a todo nosso destino, a nossa atitude perante a vida e o universo. (UNAMUNO, 2013p.30) [grifo nosso]
Nesse ponto é preciso que certas “verdades” absolutas que tem sido
reproduzidas no Serviço Social sejam revistas a luz dessa análise de carne e osso,
entre elas, o sob titilou do tema dessa semana e da presente palestra e texto;
“garantia de direitos” que mais a frente aprofundaremos. Mas que já sinalizamos
como um disparate colocar essa questão como uma função fim de uma profissão,
sendo que (pensando em carne e osso) honestamente não conseguimos se quer
garantir os nossos direitos como pessoas e cidadãos como vamos nos propor
profissionalmente garantir direitos para os outros¿
A outra questão é o nosso objeto, ouso descordar que seja “as expressões da
questão social”, seja lá o que de fato isso significar. Mas qualquer estudo seria de
sociologia da profissão mostra claramente que objeto de uma profissão de uma
disciplina científica é aquilo que ela trabalha diretamente. Ora as expressões da
questão social, são em última instância o resultado dos processos contraditórios de
uma sociedade em constate movimento e com correlação de forças que produzem a
concentração de renda e a desigualdade, que não se restringe a questão
econômica, mas cultural, religiosa, emocional, etc.
E que solução e mudança desse tipo de sociedade e lógica, não está nos
salvadores messiânicos da pátria, mas em cada pessoa e cidadão que deve exercer
seu papel de agente de sua própria história e que pensa no num horizonte onde
reside agir pelo bem-comum, e não só individual ou de grupos específicos, é não ser
simplesmente massa de manobra, seja de qual for a ideologia.
Mas sim em descobrir e agir por si mesmo, papel esse que a profissão deve
ter e se limitar a intermediar e mediar os serviços disponíveis que são de direito, e
com inventividade, pesquisar e propor novas alternativas de enfrentamento a essa
realidade complexa e paradoxal.
Nesse sentido, o que é e sempre foi e a meu ver sempre será, o objetivo da
prática profissional do Serviço Social, é o ser humano, seja ele de qual for o extrato
social, mas sem dúvida e com prioridade os que estão em situação de risco e
vulnerabilidade social, tanto quanto nos profissionais que fazemos esse
atendimento. Isso é pensar carne e osso, são pessoas, seres humanos, trabalhando
para seres humanos.
Como afirma Unamuno em relação a filosofia mas que também cadê a
exemplo do Serviço Social. “ O problema mais trágico da filosofia [SS] é conciliar as
necessidades afetivas e volitivas [...] Não basta pensar, devemos sentir o nosso
destino.” (UNAMUNO, 2013, p. 31) [grifo nosso]
Logo, e para os fins a que propostos e da perspcetiva teorica e filosófica que
adotamos, estou entendo o Serviço Social como uma profissão do cotidiano,
construtor de relações sociais e humanas, e de ações pensadas de pessoas para
pessoas visando o bem-estar comum, justo e digno.
O que é diferente do atual pensamento hegemônico que vê a profissão como
um meio de militância para consecução de uma ideologia específica (socialismo e
comunismo) que mais representa um programa político e tem pouca ou nenhuma
aplicabilidade congruente com uma profissão que via de regra enfrenta as limitações
dos espaços sócio-ocupacionais e o desafio de materialização e justificativa de sua
participação na divisão social do trabalho. O que fica ainda mais desafiador quando
pensamos na atuação intersetorial.
Por isso que é necessário, e é esse o meu convite á todos, de termos uma
disposição mental e epistemológica diferenciada. Mas para exercitarmos essa
reflexão mais dialógica do que dialética, e numa perspectiva pragmática-sistêmica-
crítica, é preciso eliminar algumas males que tem impedido a nossa reflexão e
consequentemente uma visão mais ampla do Serviço Social como profissão.
2) Elementos que minam o bom pensar e o processo dialógico no Serviço Social.
Esses males que minam o bom pensar no Serviço Social de forma especifica,
mas na comunidade tanto acadêmica como em sociedade de forma geral, chamo de
“problemas tóxicos do bom pensar”, seriam eles:
a) Praga do Politicamente “correto”. E o que seria isso¿ Em linhas gerais seria
falar o que agrada a maioria, e no fundo não ter opinião própria, o que leva as
pessoas a falaram mais do mesmo só pra agradar e ser aceito no grupo, na
categoria, receber aplausos, elogios, o que gera um pensamento do tipo
manada. Em outros termos. “ O politicamente correto é muitas vezes a tentativa
de tornar o sentimentalismo socialmente obrigatório ou aplicável por lei.”
(Dalrymple 2015, p.33). Esse tipo de postura tem feito com que o debate no
Serviço Social não saia da mesmice. Quando uma pessoa sai da “caixinha” no
caso do atual pensamento hegemônico, marxista, é rotulado e estigmatizado
como neoliberal, favorável ao sistema capitalista, funcionalista, positivista,
conservador, liberal, como se essa coisas fossem as mais horríveis do mundo e
por tanto politicamente incorretos e de devem ser combatidos. Isso é uma
postura dialética e não dialógica. E precisa mudar, pois se só falarmos mais do
mesmo, só teremos os mesmos resultados, não há crescimento, inovação e sem
isso, no mundo atual, corremos o risco de morrermos.
b) Maniqueismo. Como consequência do pensamento do “politicamente correto”
vemos no Serviço Social uma cultura marcada pelo maniqueísmo, mesmo que
não adimitido explicitamente. A palavra e expressão maniqueísmo vem da
existência de um movimento dualista religioso e sincretísta que se originou na
Pérsia e foi amplamente difundido no Império Romano entre os séculos III d.C. e
IV d.C. A principal característica desse movimento, era uma doutrina que
consistia basicamente em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o
reino da luz (o Bem) e o das sombras (o Mal), em outros termos ou as pessoas
eram desse movimento e eram do reino da luz por tanto do eixo do bem, ou
estando fora desse grupo automaticamente faz parte do reino das trevas e por
tanto do eixo do mal. Semelhante a lógica de Guerra nas Estrelas, “lado escuro
da força”. Isso no campo das ideias só faz com que se perca a oportunidade de
aprendermos uns com os outros, e isso no Serviço Social no Brasil e na
atualidade, é muito claro pois as rotulações quando você não é politicamente
correto, por tanto marxista e do eixo do bem, automaticamente vc é do eixo do
mal, é conservador, e logo, defensor do capitalismo, da burguesia, a favor da
injustiça, da exploração, etc, é do eixo do mal.
c) Gripto-identidade ou identidade forjada, Essas duas posturas anteriores levam
a um terceiro elemento toxico, como as pessoas do eixo do bem e politicamente
corretos são austeros na defesa de seus projetos e de suas crenças e de seus
fundamentos, levam as pessoas que não tem coragem de pensar por si mesmas
ou fora da caxinha, a criarem uma gripto-identidade ou uma identidade forjada,
falsa. Gripto no sentido de griptografia um código uma forma secreta de ser que
esconde a verdadeira identidade ou forma de pensar da pessoa, em outros
termos, fala uma coisa e vive outra. Muito semelhante do que aocnteceu com os
Judeus na época da inquisição. Muitos se “converteram” ao Cristianismo pra
sobreviver, mas de maneiro culpa e secreta continuavam a cultivar suas crenças.
Na frente dos outros uma coisa, no privado outro. Igual ao que ocorre no Serviço
Social de forma geral, muitos não dizem o que realmente pensam, com medo de
serem reprimidos, corrigidos, rotulados, levando a serem politicamente corrtos e
maniqueístas.
d) Política do ressentimento. Esses elementos levam a reforçar uma postura
desagradável que é muito toxa e mina qualquer possibilidade dialógica, pois o
ressentimento é abissal, onde nós os puros e iluminados do eixo do bem
devemos estar em constante luta contra eles (o resto que não concorda com a
gente) do eixo do mal. Isso faz com as pessoas não saibam separar com
maturidade as diferenças de ideias e levam as diferenças como questões
pessoais que minam o bom relacionamento maduro e respeitoso entre as
pessoas.
e) Sentimentalismo, romantismo e irracionalidade. Esses elementos permeados
pelo ressentimento, são carcatristico de outro elemento toxoco do bom pensar,
que é o sentimentalismo, o romantismo e a irracionalidade do debate acadêmico
e fiolofoico, que se torna mais ideológica do que lógica e racional. Theodore no
livro, “Podres de mimados: as consequências do sentimentalismo tóxico”
destaca que o sentimentalismo é a expressão da emoção sem julgamento. E
ressalta. “ Talvez ela seja pior do que isso: é a expressão da sem
reconhecimento de que o julgamento deveria fazer parte de como devemos
reagir ao que vemos e ouvimos [...] O sentimentalismo é, portanto, infantil
(porque são as crianças que vivem em um mundo tão facilmente dicotomizável)
e redutor de nossa humanidade.” (DALRYMPLE, 2015, p.87). Outra estudiosa
do assunto, Eva, no trabalho, “O amor nos tempos do capitalismo”, “[...] os
sentimentos, portanto, organizam-se hierarquicamente, e esse tipo de hierarquia
afetiva, por sua vez, organiza implicitamente os arranjos morais e sociais.”
(ILLOUZ, 2011p.11) e ainda, conclui:
O afeto é uma entidade psicológica, sem dúvida, mas é também, e talvez até mais, uma entidade cultural e social: através dos afetos nós pomos em prática as definições culturais da individualidade, tal como se expressam em relações concretas e imediatas, mas sempre definidas em termos cultuais e sociais. (ILLOUZ, 2011,p.10)
Nesse sentido, todo e qualquer discussão que leva mais para o lado do
sentimentalismo, do que da razão e da lógica se apresenta como sendo romântica
que fica só com base nos sentimentos e não nos fatos, o que leva a uma visão de
mudo aparentemente com algum sentido mas totalmente irracional.
No caso do Serviço Social um dos exemplos mais expressivos desse
romantismo, sentimentalismo e irracionalidade é a defesa quase que religiosa do
“projeto ético político profissional”. Exemplo recente, no congresso Paranaense de
Serviço Social em 2015, um dos principais palestrantes, faz a seguinte declaração: “
Temos que defender o projeto ético político profissional a todo custo, mesmo que
signifique a nossa demissão”. Sim temos que defender e ter paramentos éticos
profissionais, mas como qualquer outra profissão, ao darmos essa conotação e ter
como principal eixo desse projeto a consolidação de uma nova ordem sociedade (
vide socialismo e comunismo) deixamos de ser uma profissão para sermos qualquer
coisa, movimento social, sindical, etc. mas não uma profissão. Isso é
sentimentalismo, romantismo e irracionalidade.
O que reforça a tese do capital afetivo de Illouz: “ O Capitalismo afetivo
realinhou as culturas dos sentimentos, tornando emocional o eu econômico e
fazendo os afetos se atrelarem mais estreitamente à ação instrumental.” (ILLOUZ,
201,p.39)
d) Esquizofrenia intelectual. Esquizofrenia é uma doença mental. Esquizio é
divisão, frenia designa mente, por tanto, a mente fica dividida entre realidade e
ilusão. No filme “ Uma mente brilhante” mostra isso de modo muito claro. No
sentido aqui empregado, esquizofrenia intelectual, o mesmo é criado pelos
elementos tóxicos anteriormente apontados, um estado de sentimentalismo,
romantismo de irracionalidade, provocamos pela postura do politicamente
correto, reforçado pela política do ressentimento, que induz as pessoas a
criarem uma gripito-identidade e a terem uma postura maniqueísta, o que faz
surgir uma tipo de patologia epistemológica, que chamo de esquizofrenia
intelectual, onde se insiste em fazer mais do mesmo, e da mesma forma e quer
ainda ter resultados diferentes, cria um mundo para si em sua cabeça que é
totalmente diferente da realidade em que vive. E mesmo a realidade crua e nua
e concreta seja diferente do discurso, ainda insiste na defesa de suas ideais, no
caso do Serviço Social seria ter um discurso revolucionário mas na realidade
está só entregando cesta básica.
e) Luto ideológico: Por fim, esses elementos tóxicos e essa patologia
epistemológica, fase ao contexto complexo em que vivemos, a necessidade face
ao processo de interstoralidade requer um pensar e um saber múltiplo e plural, o
que em grande medida a matriz hegemônica não oferece, pois levada a cabo e
para produzir algum efeito que vá além da retórica, teria que se converter em
mudança nas estruturas de produção e política da sociedade, ou seja, criar essa
nova ordem societária, que em Marx seria do socialismo para o comunismo, que
não funcionou em lugar algum e em muitos países onde essa ideologia surge
hoje além de não disseminarem mais, muitos países em suas constituições
proíbem essas ideias, pois sabem os impactos reais da mesma.
O conceito e entendimento de luto-ideológico surgem com o estudo sobre as
dimensões do fracasso dos empreendimentos de economia solidária realizado no
pós-doutorado entre 2013 a 2015 (OLIVEIRA, 2014). Notei que na crítica à
Economia Solidária (ECOSOL) uma das dimensões do fracasso é causada pela
insistência, de uma ideologia que está só na mente dos militantes e gestores, mas
longe do imaginário dos trabalhadores, que afetados pelos impactos culturais do
capitalismo apresentam uma cooperação fraca (pois não é espontânea, mas forçada
pelas circunstâncias e pela militância ortodoxa) e uma solidariedade fingida (pois no
fundo as pessoas estão juntas para garantir suas necessidades individuais, na
medida que surgem outras oportunidades mais vantajosas, saem do “coletivo”).
A recusa desse paradoxo, e da insistência em velhas receitas revolucionárias,
leva a constatação do que aqui chamo de Luto ideológico, o que é muito semelhante
ao que ocorre no Serviço Social Brasileiro na atualidade em relação a matriz teórica
e política adotada e imposta em grande medida, e a realidade de sua prática e
modos operacionalização e intervenção na realidade, discurso numa direção ações
práticas em outra, muitos vivem um tipo de luto, pois de recusam a abandonar ou
reconhecer esse limite dessa ideologia. Essa recusa e negação da não possibilidade
desse paradigma dar conta dessa perspectiva ficam mais claras a partir da leitura de
Slavoj Zizek, que traz um debate, como ele gosta de ressaltar, real, principalmente
em relação às teses marxistas.
Em específico, duas obras desse autor chama a atenção e deram a devida
base e confirmação dessa proposta do luto ideológico. Quero deixar claro que o
referido autor não dá essa definição, e também não estou seguindo o seu
pensamento, tão somente, dialogando com o que acredito ser convergente, pois o
autor, apesar de fazer críticas a velha forma de ver o comunismo, defende e acredita
ainda na proposta do comunismo, só que de uma forma renovada, o que descordo,
por razões outras, que não vou poder aqui aprofundar, mas que ficaram sinalizadas
ao longo do argumento que estou formulando em relação ao Serviço Social.
Nesse sentido e principalmente pela imposição de uma ditadura do coletivo e
desprezo pela autonomia, individualidade e do comportamento emocional do ser
humano (SENNETT, 2012), o que torna essa ideia reducionista, autoritária e
restritiva\limitante de leitura da vida, do ser humano e da sociedade. Voltando a
proposta de Zizek, principalmente na obra “Vivendo no fim dos tempos” (ZIZEK,
2012), onde sinaliza em um dado momento, uma critica a países do leste Europeu
quanto a saudade do modelo cinzento do comunismo fracassado. Ressalta o autor.
ou seja, vive-se na verdade um luto do passo:
“A nostalgia do comunismo não deve ser levada muito a sério; longe de exprimir o desejo genuíno de volta à realidade cinzenta do regime anterior, está mais para uma forma de luto, um processo de luto abandono do passado.” (ZIZEK, 2012, p. 11) [grifo nosso]
O entendimento melhor do luto ideológico fica mais claro a partir do
entendimento que luto não é só a perda de uma pessoa, mas de qualquer coisa que
amamos e queremos muito bem, ou seja, uma ideia, uma proposta. A obra da
psicóloga Suíça Elisabeth Kübler-Ross, no livro, “Sobre a morte e o morrer: o que
os doentes têm para ensinar aos médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus
próprios parentes” (KÜBLER-ROSS,1996), o que faz com que hoje seja considerada
uma das maiores autoridades no campo do estudo sobre luto, que se apresenta
como um processo, que é interessante aqui expor. Primeiramente, o luto não está,
segundo essa autora, restrito a morte de pessoas. A morte aqui é entendida como
processo mais amplo, no sentido de perda. Então, qualquer perda pode
desencadear o processo de luto, que segundo a autora, teria cinco estágios, a
saber: 1) Negação e Isolamento, 2. Raiva, 3. Barganha, 4. Depressão e
5. Aceitação.
Sendo assim, podemos perceber que os elementos tóxicos até aqui
apresentados, levam a não aprofundar as questões mais relevantes para o Serviço
Social, pois impõe a hegemonia de uma única matriz que inibi o processo de
criatividade e inovação, o que no campo da intersetorialidade é fundamental. No
tocante ao Serviço Social, é preciso perceber o que não dá mais resultado
congruente e que não se adéqua a leitura da realidade complexa do século XXI e de
fato abandonar, deixar, viver o luto e abrir-se para o novo e criar condições efetivas
para saber com maior precisão o que fazemos, como fazemos e para que fazemos.
Para tanto, apresento o antídoto para essas patologias intelectuais tóxicas
para o bom pensar no Serviço Social, a saber:
1. Ousar em ter e construir opinião própria e com fundamentação;
2. Ser valente, corajoso e autentico e ser o que realmente é;
3. Uma visão mais ampla do ser humano e da sociedade de forma mais clara,
objetiva e menos sentimentalista e romanizada;
4. Maturidade, humildade e honestidade intelectual;
5. Vigilância epistemológica que permite ver, ler e intervir na realidade humano –
social de fato e de verdade e não só de forma ilusória e fictícia;
6. Relações e debates dialógicos e não dialéticos e fortalecer a pluralidade de
fato e de verdade e não mera tolerância e subordinação passiva e
inferioridade de uma hegemonia com base em uma ideologia ultrapassada e
de pouca aplicabilidade prática e profissional.
3. Eixos contextualizadores sociais e elementos de caracterização da intersetorialidade.
O tema intersetorialidade é relativamente recente. É fruto acima de tudo de um
processo de descentralização das políticas públicas e sociais e da proliferação de
novas atividades profissionais. Em linhas gerais, podemos afirmar que
intersetorialdaie seria a relação de múltiplos saberes com finalidades unificadas e
esforços considerados para maximizar recursos e ampliar resultados. O que
envolver setores, profissionais e saberes diferentes para fins únicos, o que não é
nada fácil. Também é possível destacar outros elementos da caracterização desse
processo, a saber:
As principais publicações sobre intersetorialidade são oriundas das áreas de
Administração Pública e Saúde Coletiva;
Planejamento de ações tem lugar central em todos os trabalhos que tratam do
assunto;
Considera a negociação de interesses a chave para a construção de sinergias
entre diferentes atores e áreas de política;
Tradução da articulação entre saberes e práticas setoriais, deve se
concretizar como síntese de conhecimentos diversos;
A necessidade de estabelecer foco, objetivos, objetos e território e interesses
comuns.
Na figura 01, temos uma ideia clássica do que seja na prática, tanto do Serviço
Social como de outras disciplinas, esse processo da intersetorialdiade.
Figura 01: Intersetorialidade na Saúde.
Intersetorialidade Politica Social
Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/1864245/
Desse processo podemos depreender que o mesmo suscitar outras
dimensões e temas tão ou mais importantes para o processo de intervenção social.
Tais como: interdisciplinariedade (entre) ou até mesmo a transdisciplinariedade (
intra) o que eleva o desafios de cada setor, profissão e profissionais definirem
melhor o seu saber e suas competências, habilidades e posturas profissionais de
forma mais especifica, o que nos leva a pensar em outras dimensões como cultura
profissional, ética, valores, histórica, formação e práticas. A figura 02 mostra esse
esquema analítico.
Figura 02: Multiplas temáticas da Intersetorialidade.
Fonte: Criado pelo autor em agosto de 2016
É possível também possível resumir, que na literatura sobre intersetorialidade,
quais práticas e quais saberes mais exigidos, a saber: empatia, network (rede de
contatos), escuta ativa, conhecimento das políticas públicas e sociais, conhecimento
dos dispositivos legais – legislação, conhecimento do ser humano que está sendo
atendido, confiança entre os usuários e profissionais e com outros profissionais,
conhecer o território, conhecer a rede socioassistêncial, trabalho em equipe, espírito
de liderança, clareza dos objetivos, objeto e técnicas de intervenção social, Gestão:
planejamento, organização, direção e controle e sobretudo conhecer e ter clareza de
seu papel e sua função em relação aos demais.
É importante salientar que quando pensamos o Serviço Social como
profissão de carne e osso, ou seja, de forma concreta, que por tanto tem limitações
efetivas, principalmente quanto aos espaços sócios organizacionais, o desafio do
trabalho intersetorial fica ainda mais complexo e desafiador. Pois a cada dimensão
requer uma maior precisão quanto a sua clareza. Como no caso da dimensão
prática. È preciso dizer com clareza, objetividade o que se faz, como se faz, o que
remete a explicitação de questões concretas como métodos, técnicas e também e
fundamentalmente, a postura ética frente a essas questões.
Da mesma forma os saberes, que no caso do Serviço Social, considerando
sua histórica, origem e natureza interventiva, não há como negar que o seu saber é
um saber que se alimenta da realidade, o que leva a um modo específico de
produzir conhecimento, no caso um tipo de praxiologia ou seja, conhecimento critico
da realidade para um objetivo específico, intervir na realidade.
Ou seja, conhecer somente não é suficiente, é preciso intervir, e por isso que
dois mundos precisam estar sempre em dialogo ( dialógico preferencialmente) o
mundo da academia e o mundo do mercado ou da prática profissional, quando o
primeiro quer ser dono da verdade e se apropria de uma única forma de pensar e
ver o mundo e forma os profissionais nessa cosmovisão, podemos correr o risco de
forma numa direção enquanto a prática e as exigências e demandas da sociedade
correm em outra, e principalmente pela falta de clareza e objetividade junto aos
demais setores, saberes e profissionais no campo de intersetorialidade.
Vejamos melhor essa questão. Primeiro é importante resgatar a história e
origem do Serviço Social que teve a mais de 100 anos o seu primeiro marco
cientifico e profissional registrado na proposta de Mary Richomond nos livros
Diagnóstico Social em 1917 e O que é Serviço Social de Casos em 1922. Não é o
propósito e nem teríamos espaço e tempo para apresentar a arquitetura dessa
proposta. Basta afirmar e lembrar que esses trabalhos foram fruto de um contexto
que requeria uma ação mais profissional e mais cientifica do trato com a pobreza e
as pessoas em situação de marginalização. Um contexto onde o Estado ainda não
tinha uma maior participação, onde a miséria e pobreza assolavam as sociedade em
crescimento industrial e que movimentos sociais buscavam gerar reformas na
sociedade, exemplo do movimento feminista a favor do sufrágio universal, onde
assistentes sociais pioneiras como Mary Richmond e Jane Adams tiveram
participação efetiva, Jane inclusive recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1931, além
de projetos como os Centros Comunitários e a Residência Social, e as primeiras
escolas de formação de profissionais.
E a proposta, principalmente de Richmond, foi pautada em experiência
profissional efetiva, ela entrevistou e analisou mais de 2.800 casos, e não foi só uma
observadora, ou uma “intelectual” que formula teorias e que as práticas ficam a cabo
dos profissionais do campo, como acontece atual no Brasil com grande parte da
produção do Serviço Social, muita teoria e ideologia, e pouca prática e
instrumentalidade. O que no processo de intersetorialidade nos dá uma
desvantagem muito grande, pois outros profissionais e saberes tem tido essa
preocupação, a qual ao que parece, o Serviço Social do século XXI se esqueceu, e
por tanto requer que se recupere essa capacidade de pulsar conforme o contexto e
as demandas exigem dessa profissão dinâmica.
É nessa perspectiva que é necessário, mesmo que brevemente, destacar o
que chamo de eixos contextualizadores do século XXI. Bem como, na sequencia,
entender quais tem sido as fontes do saber do assistente social, e qual a natureza
de sua intervenção. Vejamos isso de forma mais detalhada.
3.1 Eixos contextualizadores do século XXI.
a) Males da modernidade: Esse primeiro eixo é defendido por Charles Taylor,
principalmente em suas obras, Ética da Autenticidade, Imaginários Sociais e Fontes
do SElf. Esse autor considera que não passamos para uma pós-modernidade, pois
ainda não esgotamos os impactos da passagem da idade média para a
modernidade, desta o que ele denomina de principais malesa da modernidade. São
três.
i) Individualismo: Vivemos uma época de niilismo radical,
relativista centrada no ego, no eu o que ressalta o narcisismo
exacerbado e leva a perda do interesse pelas outras pessoas e
pela sociedade de forma geral, ou seja, perde-se o horizonte de
uma visão de vida em sociedade e busca pelo bem-comum;
ii) Razão instrumental: Avanço das novas tecnológicas e da
lógica de acumulação de capital, centralidade está na busca de
resultados por resultados, do uso dos meios somente par fins
sem se preocupar como os processos;
iii) Despotismo e fragilidade do espaço público: cada pessoa
está centrada em si mesma, ou grupos que lutam por seus
próprios interesses, que se concentram em garantir as suas
reivindicações, busca de reconhecimento e autorrealização,
sem se importar com os outros de seu entorno, gerando uma
identidade do EU DESENGAJADO, pois a formação das
identidades na modernidade não se dá isoladamente, mas a
partir das relações e convivência como seu meio e seus pares.
b) Sociedade do Hiperconsumo: Esse eixo é de máxima importância na
atualidade, pois segundo Lipovetsky, principalmente em sua obra “A felicidade
paradoxal”, o consumo, deixa de ser uma questão de status para ser uma
necessidade emocional o que alterar profundamente o modo de conduta social das
pessoas, ou seja:
De um consumidor sujeito às coerções sociais da posição, passou-se a um hipercomsumidor à espreita de experiências emocionais e de maior bem-estar, de qualidade de vida e de saúde, de marcas e de autenticidade, de imediatismo e de comunicação (LIPOVETSKY, 2007)
Essa constatação faz com que as pessoas que tem recursos, atende a esses
apelos, consome. Mas e as que não têm, o que fazem¿ em grande medida explica a
busca por alternativas, como o crime, as drogas, e os meios ilícitos para aplacar o
desejo de consumo de reconhecimento, mesmo que com o risco de ser preso e de
perder a vida. O que também desafia as políticas sociais.
Por exemplo, enquanto programas sociais oferecem bolsas auxílio para
jovens saírem do crime, onde os valores são ínfimos, muitos preferem voltar ao
crime, ao trafego, pois em pouco tempo ganham mais e tem acesso mais rápido aos
bens de consumo de consumo e atende as necessidades geradas pelo cultura do
hiperconsumo levando a um vazio profundo existencial (LIPOVETSKY, 2010) e uma
cultura mudo sem identidade própria mas uma identidade superficial e performática
(LOPOVETSKY, 2013).
Essa constatação eleva o desafio de pensar intersetorialmente, onde saberes
diferente tem que negociar leituras e formas alternativas, se tivermos uma visão
única e limitada a só criticas a política econômica, não teremos como contribuir com
processo interventivos de impacto. O que leva a refletir sobre outro eixo de
contextualização.
c) Nova cultura do capitalismo: Essa nova cultura está muito atrelada ao eixo do
hiperconsumo, é destaca por Sennett (2006) no livro “ A nova cultura do
Capitalismo”
O autor destaque que os processo recentes da globalização do capital, produziu
vários impactos, entre eles a fragmentação das insituições que desafiam os valores
e práticas que sejam capazes de manter as pessoas unidas, integradas, solidarias.
E para enfrentar essa complexidade, os seres humanos tem que enfrentar três
grandes desafios, a saber:
1º) tempo: como fazer mais, em menos tempo?;
2º) talento: como criar novas capacidades, num mundo onde tudo fica
rapidamente obsoleto?;
3º) deixar o passado para traz, viver na incerteza.
E esses desafios, levam as pessoas a viverem de forma desfavorável, pois
percebe-se que um dos elementos de maior importância, e natural do ser humano, o
ato ou a habilidade social de cooperar e de estar junto, vem se perdendo, e no lugar
reina um processo de cooperação fraca e solidariedade fingida( SENNETT, 2012) e
um processo crescente de desrespeito, mesmo e principalmente através das
políticas sociais (SENNETT 2004).
d) Sociedade do cansaço: Segundo o filosofo coreano e naturalizado alemão
Byung-Chul Hanna obra A Sociedade do Cansaço ( HAN, 2014). Tendo como
refencia a distinção entre a negatividade e positividade em Hegel, ou seja, entre a
oposição de uma relação baseada na alteridade e uma relação centrada na
permissividade do idêntico, o autor faz uma aguda critica as implicações das
transformações culturais, destacando os meios e tecnologias comunicacionais do
nosso tempo, e principalmente em relação as novas configurações do trabalho, da
atenção e da doença mental.
Han, destaca que a hipercomunicação, é na atualidade do contexto do século
XXI é uma modalidade de violência da sociedade positiva (por oposição à sociedade
negativa), está ligada a vários excessos, particularmente a uma sobrecarga da
produtividade e dos estímulos mediáticos e da busca de resultado so positivos, do
sucesso pelo sucesso ou ainda da ditadura da felicidade.
Nesse sentido, e conforme a reflexão do autor, enquanto o século XX foi uma
era viral, o século XXI é caracterizado como uma era neural. Ou seja: “De um ponto
de vista patológico, não é o princípio bacteriano nem o viral que caracterizam a
entrada no século XXI, mas, sim, o princípio neural” (HAN, 2014,p. 9), e ainda
destaca, “A violência neural não parte de uma negatividade alheia ao sistema, mas
é, sim, uma violência sistemática, ou seja, imanente ao sistema. Tanto a depressão
como o TDAH ou a SB apontam para um excesso de positividade.” (HAN, 2014, p.
17)
Isso faz com que, as doenças mentais seja de déficit de atenção, TOC,
doenças degenerativas, sejam a marca do desgaste mental do cidadão do século
XXI, onde a imagem, potencializadas pelas mídias e redes sócias gerem tipos
alterados de relações sociais, tanto para o bem ( mobilização social e transparência
da informação) e como para o mal ( superficialidade e distorção do conhecer mais
profundo) fazendo com que o modo de operar junto as pessoas e conseguintemente
as políticas públicas e sociais, sejam cada fez mais desafiadoras, onde cada
profissão e profissional deve saber qual a sua contribuição frente a esse eixo e
demandas que são encaminhados e que exigem respostas a sua efetividade, o que
vai além de mera “leitura critica da realidade” ou da pretensão de “garantir direitos”.
e) Capitalismo afetivo e terapêutico: Corroborando com os demais eixos
destacados, a contribuição da socióloga Israelense, Illouz, no trabalho “ O amor nos
tempos do capitalismo” (ILLOUZ, 2014) nos alerta quanto a essa dimensão
extremamente potencializa pelos impactos da modernidade, principalmente a
apontada por Taylor, sobre o individualismo, onde o sentimentalismo deixa de ser
uma questão aparentemente só da psicologia ou das ciências do comportamento, e
se apresentem como objeto de máxima importância para o campo social. Como
destaca a autora sobre o assunto.
O afeto é uma entidade psicológica, sem dúvida, mas é também, e talvez até mais, uma entidade cultural e social: através dos afetos nós pomos em prática as definições culturais da individualidade, tal como se expressam em relações concretas e imediatas, mas sempre definidas em termos cultuais e sociais. (ILLOUZ, 2014, p.10)
No tocante a interesetorialidade e principalmente o pensar do agir em
conjunto com outros saberes, essa constatação é vital pois, explica em grande parte,
por que muitas ações não recém o apoio e adesão das populações alvo dessas
políticas, pois os sentimentos, segundo Illouz, “ [...] organizam-se hierarquicamente,
e esse tipo de hierarquia afetiva, por sua vez, organiza implicitamente os arranjos
morais e sociais.” (ILLOUZ, 2011, p.11).
O que afeta substancialmente a construção do imaginário social da população
e como estudado, no caso específico do fracasso dos empreendimentos de
economia solidaria (OLIVERIA, 2014) essa questão é vital, pois os sentimentos e
imaginário social dos militantes e gestores sobre o ideal da economia solidaria é um
e dos trabalhadores é outro, o que faz com que se desperdício recursos, tempo e
não se alcance os resultados desejados por uma política pública e social.
Além de que essa questão do afeto, leva a uma outra constatação, o
surgimento de um tipo de politica-afetiva, onde o uso dos recursos das políticas
públicas e sociais, e apesar do discurso contrario, no fundo, estão ao serviço e
interesse mesmo de movimentos e grupos específicos que cada vez mais buscam a
sua autenticidade e o reconhecimento de seu modo de viver e seus valores, e não o
bem-comum ou o direito e justiça, ou seja:
O Capitalismo afetivo realinhou as culturas dos sentimentos, tornando emocional o eu econômico e fazendo os afetos se atrelarem mais estreitamente à ação instrumental.” (ILLOUZ, 2014, p.39) [...] “ [...] a narrativa terapêutica surge do fato de o individuo ter se inserido na cultura impregnada pela ideia dos direitos. Indivíduos e grupos têm reivindicado cada vez mais seu “reconhecimento”, ou seja, exigindo que seu sofrimento seja reconhecido e remediado pelas instituições. (ILLOUZ, 2014,p.82) [grifo nosso]
Essa constatação é muito importante, principalmente para o Serviço Social,
pois nos faz repensar com maior profundidade e concretude ( carne e osso) sobre o
papel e função de “garantir diretos”, pois corre o risco de estarmos alimentado um
sentimentalismo irrealista que mais contribui para fugirmos de nossos reais e
efetivos desafios na construção da cidadania plena em nosso dias.
f) Sociedade Excitada: Por fim, reforçando a corroboração dessa constatação, e
em outra matriz teórica, é possível constatar o desafio do viver e de trabalhar no
campo da intersetorialidade, a partir da análise de, Christoph Türcke no livro
“Sociedade excitada –filosofia da sensação” (TÜRCKE, 2010), o autor, a partir da
junção e dialogo entre a matriz freudiana e marxista, e numa visão critica, apresenta
um tipo de arqueóloga da sensação, como um diagnostico e caracterização do
mundo contemporâneo. Destaca a força da do “espetáculo” com a fisiologia da
sensação, em outras palavras:
[...] o mais notável é que, justamente, a alta pressão noticiosa do presente, que quase automaticamente associa ‘sensação’ a ‘causar sensação’, não apenas se sobrepõe ao sentido fisiológico antigo de sensação, mas também o movimenta de uma nova maneira.Ou seja, se tudo o que não está em condições de causar uma sensação tende a desaparecer sob o fluxo de informações, praticamente não sendo mais percebido, então isso quer dizer, inversamente, que o rumo vai na direção de que apenas o que causa sensação é percebido.( TÜRCKE, 2010, p. 20). [grifo nosso]
Nesse sentido e com esse eixo, quero destacar que o autor, corrobora com a
ideia de que o cenário do século XXI é mais emocional do que racional, é uma
“Sociedade da sensação” onde o que mais as pessoas querem é o espetacular, o
sensacional. Basta vermos o crescimento das chamado palestras “espetáculos”,
onde as pessoas riem de piadas e palavras pré-fabricadas de jargões motivacionais,
e são apresentados como “capacitação” para os funcionários, passado alguns
minutos as pessoas nem sabe qual foi o tema tratado.
Ou seja, as pessoas querem mais entretenimento, do que conhecimento, o
que pode ser visto no crescimento da literatura de autoajuda. O que, decorrente a
potencialização dos meios da tecnologia, gera um tipo de vício da excitação, o que
leva conforme destaca Türcke, a surgir uma sociedade distraída, onde questões de
maior importância e de maior impacto coletivo, deixam de ser percebidos, pois existe
hoje uma intensificação dos estímulos.
Nisso, se políticas, e ações de intervenção social, seja de que for a área ou
disciplina, que não se preocupar com esse efeito e talvez até, não tiver ações que
gerem essa “excitação”, é bem provável que teremos sérios problemas com a
adesão da população as atividades, principalmente intersetoriais.
Até aqui vimos como que pensar a intersetorialidade leva inevitavelmente a
outras temáticas que estão entrelaçadas, e que tanto as disciplinas e setores, são
afetados por esses eixos, que resumidamente foram aqui sinalizados. E partindo do
pressuposto de que o Serviço Social é uma disciplina que vem sendo renovada e
buscando sempre estar atendendo as demandas do contexto em que está inserido,
a questão é hoje mais do que nunca, refletir sobre o que e como o Serviço Social se
apresenta. É o que pretendo mostrar no próximo tópico.
4. O desafios de definir os saberes específicos do Serviço Social na intersetorialidade.
Só lembrando, aqui estou procurando fazer uma reflexão de carne e osso, ou
seja, pensar de forma concreta e honesta o significado e efetividade do trabalho do
Serviço social junto ao campo da intersotorialdiade. Logo, algo que precisa ficar
claro, é o que o Serviço Social faz de específico e de diferente das demais
disciplinas que pode contribuir significativamente com essa ação coordenada na
interdisciplinaridade e intersetorialidade? Essa questão faz emergir inevitavelmente
outros questionamentos mais efusivos, tais como: O que é o Serviço Social ? De
onde vem e como se tornou uma profissão? Como está hoje? E para onde está
indo?
Com isso será possível identificar práticas e saberes que estão envoltos as
chamadas competências, habilidades e posturas necessárias e requeridas a
qualquer profissão que por sua vez, explicam elementos vitais como identidade
profissional, reconhecimento, cultura profissional, valores, crenças e hábitos que
são reforçados pelas práticas e pelos saberes que identificam a nossa profissão e o
nosso fazer e ser profissional, frente a outros saberes e outras profissões, algumas
tradicionais tanto quanto ao Serviço Social e outras novas categorias profissionais
que ocupam os mesmos espaços.
A primeira questão a ser tratada sobre esses questionamentos, é que a
historia da profissão e sua natureza interventiva, leva a percebemos que as fontes
de conhecimento e conseguintemente de definição de seu saber, está alinhado a
dois mundos. O mundo da acadêmica e o mundo do mercado ou da prática
profissional. Esses dois mundos, apesar do discurso hegemônico de afirmar que
não estão separados, o que vemos na prática é que ambos, sim, tem linguagem
distintas e formas de captação e sistematização do conhecimento e por tanto do
saber. Por tanto, é da relação desses dois mundos que podemos extrair o principal
eixo de nossa discussão, uma prática que seja pensada criticamente, mas com uma
finalidade de intervir, ou seja, o saber do Serviço Social, podemos afirmar
categoricamente, vem de um modo especifica de construção do saber, ou seja de
uma praxiologia, e não necessariamente, na perspectiva de práxis que se apresenta
no marxismo, mas de uma ação pensada mas feita realizada.
Pois a raiz de práxis é a mesma no grego, da experssão pragma e poíesis
que é prásso, alarga essa compreensão do agir interventivo, como reforça Andrade
(2000, p. 4), “Aquele que cria é nomeado téchnikós (demiurgo, artesão, técnico) [...]
Assim, dado que práxisé ação humana formadora do éthos, seguese que tá
prágmata são as coisas advindas das ações, e poíesis, a próprio ato da fabricação.
Ou seja, pensar sobre a construção de conhecimento que advém da prática, é
muito importante, pois é isso que nos difere de outras ciências, pois somos uma
ciência social aplicada e nos alimentamos, tanto para construção de um saber agir
(práxis) mas sobretudo para intervir (pragma) e acima de tudo auto-construir
(poiessis) tendo como éthos ( ligação) as relações sociais humanas realizadas no
agir comunicativo cotidiano e paradoxal do contexto do século XXI.
Entender essa situação e inserção no mundo da cadêmia (saber científico) e
o mundo da prática (saber profissional) podem em muito definir o complexo
processo da ação de intersetorialidade, que remete a outras dimensões, tais como:
interdisciplinariedade, transdisciplinariedade, identidade, papel, formação, aspectos
e especificidades da prática e intervenção, cultura entre outros.
Tais entendimentos, como proposto, conduzem na atual perspectiva
profissional hegemônica a busca de “garantia” de direitos. Garantia entre aspas é
proposital, pois, como vou procurar demonstrar, a questões, conceitos e afirmações
do mundo acadêmico muitas vezes não encontram resonância no mundo da prática,
o que pode, como em alguns casos já está ocorrendo, colocar em xeque a afirmação
e conquista de espaço de trabalho e de respeito dado as especificidade das ações
profissionais num mundo cada vez mais complexo e cada vez mais exigente quanto
as respostas as questões no mundo social.
Posto isso, vem a pergunta o que é o Serviço Social¿ E ai os demais
desdobramentos, como surgimos, como estamos e para onde vamos¿ Vejamos a
primeiro questão de onde viemos.
4.1 Uma atividade caritativa que se transformou em uma ciência e uma profissão.
Tem uma frase atribuída a Miguel de Unamuno muito pertinente, “Com a
madeira das recordações é que construímos as esperanças.”, verdade pura, e fazer
isso, trazer a memória questões de nossa história, é para alguns um fator de
“retrocesso”, de “saudosismo” mas na verdade um exercício necessário, pois, quem
não tem memória, não tem história. Outra questão basilar, é que segundo o
Historiador Burke, em que a história da produção do conhecimento nos mostra é
que “ o que as pessoas sabiam estava relacionado ao lugar onde viviam” (BURKE,
2003, p. 56), ou seja, qual foi a base que nos legitimou como disciplina cientifica e
como atividade profissional¿
Até por que, e como nos ensina Peirce, o nosso fazer cotidiano, diário,
habitual, é que de fato nos sinaliza o nosso eu, a nossa identidade, seja como
pessoa ou como atividade, em outros termos, “ [...] a identidade de um homem
consiste na consistência do que ele faz e pensa, e a consistência é o caráter
intelectual de uma coisa, ou seja, o seu exprimir alguma coisa.”(PERICE, 1998, p.
58). [grifo nosso]. Daí a relevância de pensar as fontes do saber profissional desde
sua origem até o momento atual, principalmente partindo do ponto de vista da
relação entre a práxis e a pragma, e por tanto de um construir praxiologico, e assim
da interconexão permanente entre o mundo da acadêmica e do mercado
profissional.
Sobre essa origem, acima já demos algumas dicas sobre o meu ponto de
vista sobre a importância do pensamento de Richmond, cabe nesse momento e para
a finalidade aqui proposta, destacar o seguinte. Primeiro a origem do Serviço Social
se da em um momento histórico de questionamento do paradigma dominante que
era o positivismo cartesiano e mecanicista, bem como, o emergir de movimentos
trabalhistas, feministas em busca do sufrágio universal e das lutas por reformas
sociais, da maior participação do Estado nas questões sociais, inicio das crises
econômicas, etc.
Considerando as barreiras quanto à questão de gênero, não podemos
minimizar esse fato, uma mulher escrever livros, defender ideias, não era uma coisa
muito comum e nem fácil. Mas Mary Richmond o fez e o com qualidade, e com
inovação destemida. A principal obra Diagnóstico Social de 1917, não só traz as
bases de um agir profissional, como também contempla as bases de uma nova
ciência.
No trabalho de Arada (2013) o mesmo faz um brilhante mapeamento e
rastreamento do pensamento de Mary Richond e sua atual pertinência quanto a
perspectiva do interacionismo simbólico. O autor destaca ao longo de seu trabalho a
relevância que teve o surgimento do Serviço Social não só para a categoria que
está emergindo, mas para as ciências sociais como um todo nos Estados Unidos e
para o início do século XX.
Arada, reforça a importância e aprofundamento do dialogo de Richomnd com
os fundadores do pragmatismo clássico, principalmente Mid e Dewey como o
movimento progressista nascente na escola de Chicago, o que em muito definiu os
valores e objetivos da profissão que nascia. Por exemplo, é comum uma critica
descabida e mal intencionada por não dizer, ignorante, de que o foco do Serviço
Social de casos proposto por Mary Richond culpabilizava o individuo e tinha como
objetivo de ajustá-lo a sociedade, como de uma forma mecânica.
Nada mais equivocado, pois, na perspectiva em que o Serviço social de
casos, que teve no livro Diagnóstico social a preocupação de apresentar a partir de
mais de 2.800 casos estudados, e por tanto dados empíricos da realidade, serviram
como base para propor as bases metodologias do fazer profissional ( práxis+pragma
= poiesis) onde o atendimento individual não veio a pessoas em situação de pobreza
como culpado, mas como possível agente histórico de agir para alterar a sua
situação. Em linhas gerais o método era dividio em quatro momentos ou processo ,
a saber:
1) compreender os indivíduos;
2) compreender o ambiente em que esses indivíduos estão inseridos;
3) ação direta de solução ao problemas identificados pelas evidências sociais
unto com os indivíduos;
ação indireta, identificada junto com os indivíduos através do ambiente social em
que os mesmos estavam inseridos.
Nesse sentido, é nítido que a praxiologia de Richomnd tinha inicio no
indivíduo mas sempre com a perspectiva de alterar o seu entorno dando um sentido
mais amplo ao processo, que pode ser sintetizado na figura 3
Figura 03: Sistema lógico e metodológico do SS de Caso
Fonte: Elaborado pelo autor em agosto de 2016
É nítida a presença da perspectiva sistêmica e pragmática dessa visão bem
como, e considerando os limites contextuais e históricos do momento, uma visão
critica do processo, que elevou não só a um patamar profissionalismo, mas de uma
ciência. Que pela autora se mostrava á época de forma muito clara,
Escritor que aspira a ser um artista em sua profissão, e o trabalhador social animado por uma ambição semelhante, têm pelo menos isto em comum: trabalham sobre materiais que são a cadeia e a trama da vida quotidiana. Um é artífice da palavra, o outro é o das relações sociais. (RICHOMOND, 1922, apud.cit SILVA, 2004) [grifo nosso]
O que impõe ao Serviço Social uma constatação histórica, a centralidade na
bsuca da melhoria da vida das pessoas o que perpassa pela busca da justiça, do
exercício da cidadania que só pode existir numa sociedade legitimamente
democrática. O que reforça a essência do Serviço Social em sua origem, e guisa,
até os tempos atuais, como bem reforçou Balbina Ottoni Vieira:
[...] verifica-se que não houve mudança de significado, mas apenas de enunciado, de maneira de se expressar [...] Ora se o significado não mudou, admite-se a existência de uma essência, essência esta que se revela na realidade do momento por aspectos e por linguagem diferentes; pode, portanto, ser considerada como uma verdade universal o que o Serviço Social persegue – a realização do Homem. (VIEIRA, 1982,p.209). [grifo nosso]
sociedade
vizinhos
Grupo
Familiar
O
sujeito
Nesse sentido, de onde viemos de um esforço hercúleo de transformar uma
atividade caritativa em uma disciplina cientifica e uma atividade profissional. E isso
feito por mulheres em um contexto de menor prestigia e pouco espaço e valorização
do agir criticamente nesse contexto em busca de mudanças a partir do atendimento
direto aos individuo tendo como entendimento que:
1. Os seres humanos são seres com capacidade de pensar;
2. A capacidade para pensar é moldada pela interacção social;
3. Na interação social, as pessoas aprendem os sentidos e os símbolos que lhe
permitem pensar;
4. Estes sentidos e símbolos permitem às pessoas desenvolver ações e
interações distintivamente humanas;
5. As pessoas são capazes de modificar ou alterar os sentidos e os símbolos
que usam pela interpretação que fazem da situação;
6. As pessoas são capazes de fazer essas modificações e alterações porque,
em parte, são capazes de interagir consigo próprias, verificar as vantagens e
desvantagens de diversas opções de ação e interação e selecionar a que
considera como melhor para intervir em conjunto com o profissinal em sua
realidade;
Fato esse que ocorreu paralelo aos trabalhos de Durkheim, Weber e Simmel
na criação duma Sociologia Europeia e na America do Norte, o surgimento, a partir
do pragmatismo norteamericano nos trabalhos da escola de Chicago e nas pessoas
de John Dewey e George Herbert Mead, entre outros, o que hoje se reconhece
como sendo interacionismo simbolico, abordagem essa muito recorrente em vários
meios cientificos, mesmo de cariz pregressita critico. E com isso mostrando o vigor
atual do pensamento Richondiano.
4.2 De uma disciplina cientifica e uma prática profissional a uma lógica de movimento social e uma profissão político-ideologica e militante.
Tenho feito essa critica ao atual estado da arte do Serviço Social Brasileiro já
a algum tempo. Evidências múltiplas fazem constatar isso. Uma delas, em diversos
lugares que palestro, tem sido comum, os alunos fazerem algumas perguntas
pitorescas, lógico depois de perceberem que não represento como disse a Profa.
Iamamoto em certa ocasião me disse sobre o meu trabalho, “não expressa o
pensamento hegemônico”, perguntam: “ Professor para ser assistente social eu
preciso ser marxista¿ ”.
O que no mínimo é um absurdo, igual, por exemplo, e muito corriqueiro, ouvir
com ar de coisa séria e messianismo triunfante, que o projeto ético político do
Serviço Social deva ser defendido mesmo que custe o desemprego dos
profissionais. Ideologia, sentimentalismo e romantismo revolucionários puros e
ilusórios.
E aqui reside talvez uma das poucas concordâncias, que tenho com o Prof.
Paulo Netto, como mostro mais a frente, não existe como não ter uma ideologia
permeando o pensar e fazer do Serviço Social, a questão é qual eu escolho, e me
parece que ao escolhermos e deixarmos o marxismo se desenvolver quase como
que uma religião, ou outra no caso, substituir o cristianismo pela religião civil e
secular do marxismo, como mostra o clássico livro de Raymund Aron, “ O ópio dos
Intelectuais (ARON, 2016) o marxismo se transformou no ópio dos assistentes
sociais brasileiros. O que pode ser reforçado pela critica de Sennett.
O pragmatismo da primeira onda que tratou diretamente da condição do Animal loborens [...] Dewey certamente teria compartilhado a critica de Hannah Arendt ao marxismo; as falsas esperanças com que Marx acenava para a humanidade podem ser avaliadas, nas palavras de Arendt pela “abundância ou escassez de bens a serem introduzidos no processo vital” [...] Dewey propugnava um socialismo baseado na melhora da qualidade da experiência das pessoas no trabalho, em vez de advogar, como Arandt, uma política que transcendesse o próprio trabalho.” ( SENNET, 2009, p. 320) [grifo nosso]
Digo que ainda não sou um ante-marxista, pois acredito que a questão não é
tirar o marxismo do Serviço Social, como fizeram com as demais vertentes, mas
abrir espaço, e um processo dialógico, congruente as demandas da sociedade
complexa do século XXI, como ocorrem em outras partes do mundo e com outras
abordagens. Por exemplo, o estudo de Payne (2012) sobre as teorias e
metodologias do trabalho social no mundo contemporâneo, mostra uma diversidade
de abordagens sendo que a marxista, critica é uma entre elas, e não como no Brasil,
hegemônica e de forma imperativa conduz a vários dos elementos tóxicos do bem
pensar expostos no inicio do presente trabalho.
Essa questão, do Serviço Social, hoje no Brasil, ser mais uma ideologia e em
alguns casos uma religião e uma seita, não é nova. No inicio dos anos 80, em pleno
movimento de reconceituação do Serviço Social na America Latina e no Brasil e da
abertura política, o professor Barros (1983) que tive a oportunidade de ser meu
professor na graduação em 1986 na Faculdade Paulista de Serviço Social, faz as
seguintes afirmações e criticas:
[...] a profissão vem sofrendo o mal do ideologismo e confundido as prerrogativas profissionais na sua prática (BARROS, 1983, p. 14). A profissão não se confunde com as ideologias assim como as ideologias não se confundem com as ciências; a profissão é lógica , racional, consciente; as ideologias são passionais, emotivas, partidárias, logo não podem orientar uma profissão que tem por embasamento as ciências. Se o Serviço Social é uma profissão, não pode ser uma ideologia.” (BARROS, 1983, p. 17), [grifo nosso].
Já em 1986, três anos após esse artigo, do Prof. Barros, e no inicio da
influencia da atual hegemonia, um dos seus principais intelectuais, Prof. José Paulo
Neto, procura criticar essa colocação, fazendo as seguintes considerações:
“Quinta crítica: a reconceptualização determinou a ideologização profissional [...] Mais do que em qualquer outra crítica, é nesta que a vulgaridade, a ingenuidade e a má-fé mais se concluíam. É hoje ponto pacifico que o Serviço Social, clássico e tradicional – bem como qualquer modalidade de intervenção sócio-profissional - , sempre esteve matrizado por parâmetros ideológicos inequívocos.” [grifo nosso]
“[...] é impossível pensar um Serviço Social sem suporte ideológico [...] o verdadeiro problema não consiste em integrar ou não componente ideológico – consiste em qual componente ideológico deve ser integrado.” ( NETO, 1986, p. 65,66) [grifo nosso].
É nessa última questão apontada por Neto que já fiz menção anteriormente
parece que fizemos escolhas erradas e que fizemos das origens de nossa fundação
como profissão e como disciplina cientifica. Isso pode ficar ainda mais claro quando
olhamos no site do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais, mais parecem
sites de ONGs ativistas do que de órgãos de uma categoria profissional.
O código de ética contem inverdades, e contradições, exemplo claro o
principio da pluralidade. Primeiro que o marxismo não é plural, e nem pode ser, pois
antes de tudo, é um programa político, e como programa político ou você o segue
ou você o abandona, não tem pluralidade e sim uma única direção. Se apropriar de
um programa político faz com que nos descaracterizemos como profissão e nos
confundamos com um movimento social, uma organização ativista.
Outras questões já apontadas, como o objeto profissional ser “as expressões
da questão social” é mais para movimentos, sindicatos e ONGs ativistas, uma
profissão que lida diretamente com o ser humano, não pode ter outro objeto se não
o ser humano, a ditas “expressões” são resultados macros sociológicos e
econômicos, profissionais nunca trabalharam essa questões e ao meu ver nunca
vão trabalhar, pois, pensando carne e osso, mal damos conta de fazer bem feito os
atendimentos que são inerentes ao nosso cotidiano, quanto mais construir para a
construção de um novo projeto societário, vulgo, socialismo e comunismo, até por
que onde isso funcionou de fato¿ e como pode dar certo num contesto com os eixos
que sinalizei e numa pais e numa cultura como a nossa¿
Temos que pisar no chão, sermos realistas, pensarmos com a razão e lógica,
e verificarmos que hoje continuamos a fazer o mesmo que a 100 anos atrás quando
Mary Richomond escreveu o Diagnóstico Social, atendimento direto as pessoas em
situação de risco e vulnerabilidade social, o problema é que hoje temos as políticas
públicas e sociais, e na maioria dos profissionais se limitam a simplesmente mediar
burocraticamente esses serviços, e não agimos como uma disciplina cientifica de
conhecimento para intervenção social, o que faz com tenhamos sérios desafios de
forma geral mas em específico mais gritante ainda no campo da interstorialidade.
Reforçando e finalizando essa parte, é possível ainda evidenciar, o estado de
profissão militante político ideológica do Serviço Social Brasileiro, analisando a
imagem do cartaz comemorativo dos 80 anos do Serviço Social. Como podemos ver
na figura 4.
É perceptível, a diferenciação das duas fotos que compõem o cartaz. A
primeira parte das primeiras assistentes sociais formadas no Brasil em 1936 quando
da criação da primeira escola de Serviço Social. A segunda imagem de uma
multidão retratando uma passeata popular. O que se percebe é que a primeira foto
fica claro a intenção de dar ênfase a um estado de velho, antiquado e numa matriz
hegemônica, a imagem de mulheres burguesas, conservadoras e de uma imagem
velha do Serviço Social.
Sendo que a imagem da multidão é “nova” límpida com mais pessoas,
querendo dar a entender que a origem velha e conservadora deu passagem para
atualmente uma imagem nova e moderna e atrelamento ao coletivo e ao popular.
Isso é o que é visto, mas numa na critica e semiótica dessa imagem, vemos
mais do que isso. Na primeira imagem vemos pessoas, que tem nomes, tem uma
historia de vida, e um compromisso, fazer da prática do Serviço Social algo além da
caridade e do mero assistencialismo. São profissionais, é uma profissão e uma
ciência nascente.
Na segunda imagem, vemos uma multidão, de pessoas que são na sua
maioria ou pelo menos poderíamos dizer, são possíveis clientes e usuários dos
serviços mediados pelos atuais assistentes sociais, o que dissolve e elimina o
profissional, a profissão.
O que se tem de fato, são muito dos elementos tóxicos ao bom pensar,
anterior mente apresentados, tem a nítida mensagem do publicamente correto, a
visão maniqueísta do bem e do mal, a mensagem de uma profissão militante e
política ideológica marxista, revolucionaria, e expressão nítida do luto- ideológico e
de uma esquizofrenia profissional.
Onde se tem um discurso revolucionário e uma prática reiterativa sem
mudança nenhuma efetiva mostrando dissonância entre a própria matriz ideológica
utilizada, o que no campo da interstorialidade nos deixa vulneráveis e sem uma
melhor definição do saber e do fazer profissional, pois ser povão, ser multidão, ser
militante, qualquer um pode fazer, é só querer participar de algum movimento ou
organização ativista, o que em última instância não requer fazer um curso de ensino
superior de quatro anos.
Figura 04: Cartaz 80 anos de Serviço Social no Brasil
Fonte: Conselho Federal de Serviço Social. 4.3 Para onde vamos¿
Considerado a reflexão que fizemos aqui, onde o Serviço Social tem origem
em uma atividade de caridade e se tornou uma disciplina cientifica e uma atividade
profissional, e que atualmente, confunde-se com um movimento social, militância
político-ideologica profissional, fica a grande questão, para onde vamos.
Novamente, nos colocamos num dilema histórico, e o que fica, é sem dúvida
a história e natureza de nossa criação e origem, o que me leva a crer e desejar que
possamos no Brasil superar esses elementos tóxicos do bem pensar e que voltemos
as nossas origens de forma renovada e atualizada ao contexto em que vivemos.
O fato é que precisamos nesse momento, lembrar duas mensagens milenares
e transcendentes sabias. A primeira um provérbio antigo Chinês que diz, “ Podemos
escolher o que semear (plantar), mas somos obrigados a colher aquilo que
plantamos.”
O outro uma mensagem bíblica escrita pelo Apóstolo Paulo registrado no livro
de Gálatas 6,7, “ Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o
homem semear (plantar), isso também colherá.” Em outros termos, e pensando em
carne e osso e concretamente como profissão, precisamos pensar e refletir no que
temos plantado como profissão e ciência em sua origem e hoje o que temos
plantado como profissão político-ideologica.
Para mim é nítido e lógico, se continuarmos a insistir no rumo atual, chegará
e já temos mostras disso, que será insuficiente esse discurso romântico e
sentimentalista de defesa de direitos e projeto de uma nova ordem social, que na
verdade não sensibiliza ninguém de outra área e setor, e provavelmente não
convence nem o vizinho, me faz lembrar apropriadamente de uma frase de outro
grande sábio, Nobert Bobbio.
Tão difícil que palavras usadíssimas como "socialismo","comunismo", "reino da liberdade", "extinção do Estado" e similares tornaram-se cada vez mais vagas, evanescentes e de baixa credibilidade. Diz-se que os homens têm necessidade de acreditar em alguma coisa de absoluto. Não tenho motivo para duvidar disso,apesar de a maior parte dos "absolutos" em que os homens crêem e que lhes dão força para viver sejam fatuidades, idola das mais variadas espécies. Mas admitamos que a necessidade de acreditar não deve nunca fazer esquecer a necessidade de raciocinar, assim como a vontade de crer não deve nunca abafar a vontade de entender. Por isso mesmo não tem nenhum sentido dizer, como faz o revolucionário repetindo o mote de Marx, que é necessário transformar o mundo, se não se diz, repito, quais os resultados que se pretende alcançar e quais os meios a utilizar para isso. ( BOBBIO, 1999, p. 107 e 108) [grifo nosso]
Nesse sentido, o que vira para o futuro dependera do que plantarmos hoje, é
nítido no entanto que vivemos a necessidade de uma reforma do Serviço Social, e
reforma do tipo vivida pelo Protestantismo no século XVI onde Martinho Lutero não
queria criar uma nova religião, e por tanto jogar fora o que se tinha até aquele
momento construído, mas eliminar o que impedia que o Cristianismo fosse
congruente com suas origens.
Isso sem dúvida implica reformar a lei de regulamentação, o código de ética
as diretrizes curriculares os quadros de lideranças do Conselho Federal e dos
Conselhos de Regionais e das entidades representativas no campo Educacional e
Estudantil, bem como o estimulo para uma prática cientifica e não só burocrática
imposta pelos limites da política de assistência social, e de uma inovação em ações
estratégicas de intervenção social no limite de atuação profissional com postura
ética e clareza dos limites políticos profissionais e não ideológicos como hoje, e
alterar drasticamente o modo de produzir e circular o conhecimento numa relação e
modo participativo, objetivo e critico, mas necessariamente numa perspectiva
dialógica, com risco de fazermos mais do mesmo.
Com isso, isso e mesmo que minimamente, esses pontos podem ser
reforçados com dados concretos de pesquisas sobre o nosso fazer profissional,
tanto no Brasil como em outros países, e como isso podemos analisar e fechar essa
parte sobre o que é o Serviço Social, o que faz, como faz e por que faz, sinalizando
em grande medida as fontes e características do seu saber que lhe pode permitir
fazer diferença na relações intersetoriais e interdisciplinares. Vejamos alguns dados
sobre essa realidade no próximo tópico.
4.4 O que fazemos, como fazemos e por que fazemos¿
Para melhor destacar esse ponto, selecionei algumas pesquisas sobre o fazer
profissional mais resentes e alguns dados de uma pesquisa que realizei em 2010 e
que denominei como “cartografia sócio-ocupacional”.
A primeira pesquisa foi realizada por Silva, Medeiros e Schneider ( 2011)
sobre a ação profissional de assistentes sociais no SUAS em Porto Alegre RS.
Selecionei alguns dados que passo a descrevê-los.
57,3% - atendimento individual 40,2% - orientação a grupos 23,2% - acompanhamento familiar 23,2% - elaboração, coordenação, execução, monitoramento e avaliação de programas e projetos = GESTÃO 23,2% - encaminhamentos diversos
33% - visitas domiciliares 9,7% - reuniões 13,4% entrevista individual e coletiva 9,7% - acolhimento 6,1% - orientações gerais 8,5% - acompanhamento social 3,6% - observação 3,6% - escuta sensível 2,4% - elaboração de relatórios diversos 0,3% - interlocução com a rede de serviços socioassistenciais, outras instituições e demais secretarias do município. 0,3% - prontuário com registros evolutivos 0,3% - estudos, laudos e perícias sociais
Destaca-se nesses dados três pontos já destacados, entrevista, acolhimento
e acompanhamento, ações efetivas que absorvem grande parte do cotidiano na
prática profissional e que requer competências, habilidades e posturas especificam.
Isso fica ainda mais claro com os dados da pesquisa cartografia sócio-ocupacional,
como passo a destacar alguns dados de maior relevância para a presente reflexão.
Sexo, Masculino = 4% Feminino = 96%
Religião, sim = 95% não = 4%. Se é praticante, sim = 81% e não = 19%, qual religião: predominância, de católicos, 64% e evangélicos 18%.
Tipo de organização: Governo Estadual, 21% e Governo Municipal 53%, terceiro setor 8%, empresarial 5%.
Área de atuação: assistência social, 50%, saúde, 26%, criança e adolescente, consultoria 1%,
Sujeitos da prática: comunidade, 36%; indivíduos em risco social, 23%, grupos 10%, criança e adolescente, 11%.
Objetivos da prática: 87%, mediar o acesso aos direitos sociais e exercício da cidadania; 69% promover o ser humano em suas capacidade e dignidade humana; 67%, capacitar as pessoas para serem sujeitos para resolução dos seus problemas e 6% construir uma sociedade socialista;
Referencial teórico: 37%, ecletismo; 35% materialismo histórico dialético em Marx; 6% fenomenologia e 4% pensamento sistêmico.
Ação interventiva: 19% encaminhamento, 18% orientação social, 16% elaboração de programas, projetos e serviços sociais, 10% visita domiciliar, 8% pesquisa e planejamento, 7% negociações e mediações, 6% avaliação socioeconômica, 4% aconselhamento, 2% triagem.
Estratégia de intervenção: 79% postura profissional, negociação, realizar o que é possível e viabilizar direitos e 14% negociação e mediação das ações, e 2% enfrentamento da classe burguesa pelos direitos dos trabalhadores.
Técnicas mais utilizadas: 54% entrevistas, 53% orientação social, 51% visita domiciliar, 8% pesquisa.
Principal competência: 75%, orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos;
Conhecimento mais exigido: políticas públicas, 54%, relações humanas e de comportamento bio-psico-social dos indivíduos, realidade social local comunidade, 28%
Valor profissional: 67%Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão, 54%Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à
população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional; 1%Critica a toda expressão do capitalismo
Autor mais lido: 80% Marilda Vilela Iamamoto, 73% Vicente de Paula Faleiros, 67% Aldaiza Sposati, 66% José Paulo Neto, 36% Balbina Ottoni Vieira, 19% Mary Richmond
Outra fonte de análise do fazer profissional pode ser visto no setor oficial do
governo em relação a classificação profissional que é atualizado na Classificação
Brasileira de Ocupações, edição de 2010 do Ministério do Trabalho, destaca as
seguintes informações:
NOMENCLATURA: assistentes sociais, e economistas, domésticos TÍTULO CÓDIGO - 2516: 2516-05 Assistente social, 2516-10 Economista doméstico DESCRIÇÃO SUMÁRIA: Prestam serviços sociais orientando indivíduos, famílias, comunidade e instituições
sobre direitos e deveres (normas, códigos e legislação), serviços e recursos sociais
e programas de educação; planejam, coordenam e avaliam planos, programas e
projetos sociais em diferentes áreas de atuação profissional (seguridade,
educação,trabalho, jurídica, habitação e outras), atuando nas esferas pública e
privada; orientam e monitoram ações em desenvolvimento relacionados à economia
doméstica, nas áreas de habitação, vestuário e têxteis, desenvolvimento humano,
economia familiar, educação do consumidor, alimentação e saúde; desempenham
tarefas administrativas e articulam recursos financeiros disponíveis.
FORMAÇÃO E EXPERIÊNCIA: O exercício dessas ocupações requer curso superior em serviço social para a
ocupação de assistente social e formação em Economia Doméstica para a ocupação
de economista doméstico.
CONDIÇÕES GERAIS DE EXERCÍCIO:
Trabalham em instituições das esferas pública e privada, bem como em ONG.
Podem atuar em empresas ou instituições do setor agropecuário, comercial,
industrial e de serviços. O foco de atuação é a família (ou individuo). São
estatutários ou empregados com carteira assinada. Trabalham em equipe, sob
supervisão ocasional, em ambientes fechados e em horário diurno, podendo, o
assistente social trabalhar em horários irregulares durante plantões e em casos
emergenciais. Eventualmente, trabalham sob pressão, levando à situação de
estresse.
No código de 1991, encontramos a seguinte denominação.
Cientistas sociais Sociólogos, antropólogos e arqueólogos Psicólogos Geógrafos e demógrafos Assistentes sociais Outros cientistas sociais O que se pode depreender desses dados todos¿
1. Os dados discricionários oficiais e os dados das pesquisam do fazer prático,
parecem estar em sintonia, já os dados de produção acadêmica destoam
dessa realidade, dando maior ênfase à postura político-ideológico do
pensamento hegemônico o que pode ser reforçado pela formação;
2. A prática, o fazer e logo, a fonte praxiologica do Serviço Social está voltada
para o campo do atendimento individualizado, de grupos e comunidade,
mostrando pouca alteração quanto à abordagem tradicional,
3. É uma categoria de maioria feminina, religiosa, e absorvida pelo serviço
público, estadual e municipal o que exige um preparo maior no campo das
políticas públicas;
4. As principais fontes de leitura, e manutenção do saber são ao mesmo tempo
de autores críticos como Iamamoto, Faleiros, Sposati e Neto, com menor
frequência, mas não muito menor, vemos Balbina O. Vieira e Mary Richmond,
o que denota, apesar do esforço da hegemonia, não se extinguiu o acesso ao
pensamento tradicional que deu base ao Serviço Social,
Isso fica ainda mais claro quanto ao dado sobre qual perspectiva teórica é
mais usual, onde 37%, se dia ser eclético, e 35% materialismo histórico
dialético em Marx; com menor incidência, 6% fenomenologia e 4%
pensamento sistêmico, somando o bloco não marxista teremos na prática
teremos 45% de outras leituras, o que no campo da formação e da
produção da literatura técnica, não procede e não está em simetria com a
prática;
5. Também se destaca a postura profissional de intervenção estratégica na
realidade onde 79% sinaliza uma postura profissional, de negociação, e de
realizar o que é possível e viabilizar direitos.
Em síntese, podemos afirmar que:
O que fazemos: mediação de serviços sociais públicos, gestão de programas
e projetos voltados para atendimento e enfretamento de vulnerabilidade social junto
a pessoas, grupos e comunidades.
Como fazemos: Usamos conhecimentos da realidade, de forma planejada,
atendimento indireto, orientações, visitas domiciliares, encaminhamentos e
atendimento as demandas bio-psico-sociais.
Por que fazemos: para que as pessoas em situação e risco social, possam
ter acesso aos serviços e políticas sociais que possibilitem a superação de sua
situação de vulnerabilidade social, e com isso auxiliar as pessoas a serem atores do
processo de superação e autonomia de sua vivencia em sociedade através do
exercício de sua cidadania para ter o direito a uma melhor qualidade de vida, justiça
e dignidade humana
Tal constatação mostra que na prática o que se está sendo apregoando como
projeto ético-político de uma visão política-ideológica se restringe a um campo mais
da formação e da direção e representação da profissão, por tanto, sobre domínio da
hegemonia que procura de todas as formas neutralizar o crescimento e
disseminação de outras ideias e leituras.
Fato que pode ser observado quanto às informações e determinações da
FITS, organização internacional de representação do Serviço Social, em que o
nosso Conselho Federal é filiado, mas não segue as diretrizes, bandeiras e filosofia
e conceito profissional de Serviço Social Internacional.
Um dos fatos recentes que mostram essa questão, é o fato de
comemorarmos o dia internacional do Serviço Social, que esse ano foi 25 de março,
é que todos filiados a FIT deveriam além de divulgar, promover eventos e disseminar
a agenda global. Ambos no Brasil não foram divulgados e nem tão pouco
socializado. Fiz uma queixa uns dois antes do dia 25, pois até então o CFSS não
havia colocado nenhuma nota, só o fez quase dois dias depois, mesmo assim, de
forma muito breve e superficial.
Outra evidência é não termos quase que nenhuma literatura de outro pais, ou
autor estrangeiro ou de outros modelos e perspectivas teórica-metodológicas.
Enfim, na prática o Serviço Social tem todos os elementos para ser bem sucedido no
campo da intersetorialidade, mas com grande desafio de melhor definir seu objetivo
e especificidade, pois o discurso e a formação destoam do que está ocorrendo na
realidade profissional. O que fica mais claro, com o último tópico que procuro
explicitar.
5. Crítica ao entendimento da “garantia de direitos” como finalidade profissional do Serviço Social.
Utilizando a perspectiva aqui adotada, de pensar em carne e osso, vamos ser
objetivos e tentar pensar de forma clara o que de fato seria “garantia de direitos”?
Será que podemos afirmar, após o que aqui apresentei que “garantir direito” seria
uma finalidade ou função do Serviço Social? Isso seria condizente para uma
profissão e um profissional? Se não é isso o que será então?
Façamos o seguinte exercício imaginativo. Vamos dizer que do nada vem um
prefeito e determina que as políticas públicas e sociais sejam cortadas por
determinação do governo estadual e federal para corte de receitas. O que o
assistente social poderia fazer para garantir o direito do cidadão? A resposta é bem
obvia. Nada. E por que? Porque o assistente social não tem compromisso com os
oprimidos? Não segue e respeita o código de ética e o projeto ético profissional?
Não, nada disso, é que ele como profissional, hoje, pela forma que está
desenhada a política de assistência social, nada pode fazer pois não depende dele e
como os cidadãos restaria se mobilizar em prol dos direitos, não só de seus
clientes e usuários, dele mesmo, pois correria o grande risco de ser dispensado.
Mas isso já não seria uma ação profissional, e sim de mobilização cívica, cidadã, ou
seja, um papel maias político do que profissional. Logo, se muitas vezes não
conseguimos garantir os nossos próprios direitos, como podemos afirmar e colocar
como uma bandeira que vamos profissionalmente garantir direitos como nossa ação
profissional? Aqui reside alguns dos elementos tóxicos, principalmente o
sentimentalismo e romantismo idealista marxista e revolucionário, que não cabem a
uma profissão, mas as movimentos sociais, sindicatos e organizações ativistas.
E que no campo da intersetorialidade ´pe extremamente frágil como
argumento para garantir o espaço e fazer diferença no campo da intervenção social
na atual contexto complexo do século XXI.
Bem, ai fica uma questão em aberto. Se não é isso, se há limitações, como
então ver e fazer Serviço Social? É o que, para finalizar essa reflexão que apresento
em linhas mais gerais a proposta na perspectiva que aqui estou defendendo, e com
base na realidade efetiva do fazer profissional, bem como, uma simetria possível
entre o mundo da academia e o mundo do mercado da prática profissional.
6. Uma proposta e estratégia do Serviço Social na intersetorialidade – o artífice do design social e a gestão sócio-informacional como estratégia e entendimento contextualizado profissional no contexto do século XXI.
Primeiramente, o conceito de desing pode ser considerado um tipo de
configuração, concepção, elaboração e especificação de um artefato, induzem a
uma atividade técnica e criativa, normalmente orientada por uma intenção ou
objetivo, ou para a solução de um problema. Simplificando, pode-se dizer que design
é projeto, um modo efetivo de criar ações criativas.
Já a ideia, de ver o assistente social como um artífice social, veio a partir dos
estudos que tenho feito em Richard Sennett, sociólogo americano, que tem um fator
curioso em sua biografia, a sua mãe era uma assistente social (formada pela Escola
de Serviço Social de Boston nos anos 1930 nos EUA) e relata no livro, Respeito
(Sennett, 2004), a experiência de uma assistente social que ganhou o Prêmio Nobel
da Paz, o nome dela era, Jane Addams, contemporânea de Mary Richmond.
Usa essa experiência como mote para aprofundar a análise das
desigualdades e o desfio de buscar alternativas efetivas para esse processo. Além
dessa obra, essa vivência e experiência como músico, são usadas para falar de
temas como respeito, corrosão do caráter, globalização, cooperação, dialética,
dialógica, entre outros.
A proposta da filosofia do artífice e sua base argumentativa está na obra, O
artífice, mas é em outra obra, Juntos esse ideia é melhor explicitada, pois, o autor
defende o entendimento de uma cooperação dialógica entre os seres humanos, o
que está intrinsecamente relacionada a atividade desenvolvida pelo artífice expresso
na lógica do trabalho artesanal, que não se limite a ser pensada só como coisa do
passado, ou só para artesão no modelo clássico, mas que pode ser pensado e
experimentado no presente por diversas atividades humanas. Busca como exemplo
e referência as oficinas artesanais e as guildas na Idade Média.
O autor entende que o trabalho artesanal, ou a arte do trabalho manual, onde
os artesãos não separavam o ato de pensar com o fazer, ao contrario, as unem. Em
outros termos:
O artífice explora essas dimensões de habilidade, empenho e avaliação de um jeito específico. Focaliza a relação íntima entre mão e a cabeça (…) sustenta o diálogo entre práticas concretas e ideias […] criam um ritmo entre a solução de problemas e a detecção de problemas. ( SENNETT, 2009, p.20) [grifo nosso]
Essa é a primeira característica importante que acredito estar relacionada ao
Serviço Social como disciplina e a prática cotidiana do assistente social,
principalmente ao considerarmos as especificidades de seu trabalho de intervenção
no campo humano-social e sua aproximação ao conceito do trabalho do artífice, pois
identificar o quanto existe dessa relação, do pensar e do fazer, e quanto isso nos
dias atuais apresenta grandes barreiras para serem superadas, pelo menos, e a
meu ver, no caso Brasileiro.
Outra característica dessa proposta que se alinha com o trabalho do
assistente social, seria que o artífice centra sua ação e desenvolvimento na
habilidade artesanal, ou seja, “[...] um impulso humano básico e permanente, o
desejo de um trabalho benéfico por sim mesmo.” (SENNETT, 2009, p. 19). Destaca
desta forma e para que exercer essas habilidades do trabalho prático, é necessário
um conjunto de habilidades e competências específicas.
Segundo Sennett, essas habilidades e competências levam o trabalhador
artífice a buscar soluções para os problemas com os quais se depara no cotidiano.
Esse esforço faz com que o mesmo reafirme a vinculação entre o agir e o pensar, de
forma congruente, o que pode ocorrer, tanto com um artesão como, com um regente
de uma orquestra, e porque não com um assistente social?. A principal característica
do artífice é o que o autor chama de condição humana específica, ou seja, o
engajamento.
E não é essa uma das maiores características de nossa profissão? E que
historicamente tem sido uma das marcas registradas na busca de intervenção
social? Lógico que uma resalva deve ser feita. Esse engajamento que Sennett
coloca, não pode ser, um engajamento para uma única “classe”, ou grupo social, a
meu ver e ainda continuo a acreditar, que nosso foco é o ser humano em sua
totalidade, seja ele quem for ou precisar de nossa inversão, delimitar e centrar
esforços e compromissos e engajamentos ideológicos, políticos e sectários é função
e papel de militantes e não de profissionais. Nisso o engajamento proposto pelo
artífice é com o seu trabalho, e é claro pautado em princípios éticos profissionais e
humanos adequados, mas limitado a sua função profissional e não misturando com
ideologia, política-partidária.
Voltando a proposta de Sennett, o mesmo defende que o processo de
instrução/capacitação é vital para gerar o perfil do artífice, mas que deve ser feito
com clareza e não separar o que se diz com o que se faz, ou seja, “mostre em vez
de dizer”. Eis aqui, a meu ver, outro grande problema do Serviço Social do Brasil na
atualidade, o que se ensina na faculdade é o que se aplica na prática?
Quando formados e se veem numa equipe de profissionais de outras áreas
no campo social, essa formação ajuda a responder, a que viemos? O que fazemos
profissionalmente de específico? Para revolucionar a sociedade? Para criar uma
sociedade comunista e socialista, ou qualquer que seja? Isso são responsabilidades
e obrigações de uma profissão e profissionais fazerem? O ainda pior.
Isso é uma perspectiva profissional? Ou é da ordem de uma ideologia,
movimento social, partido político, sindicato? Ou ainda pior não seria papel de um
tipo de movimento religioso que tem princípios de salvação e único caminho?
Questões urgentes para se pensar, não é mesmo?
Ouso afirmar que a verdadeira revolução não está na super-estrutura, Marx
estava errado, a revolução está na estrutura onde são as pessoas que fazem do seu
viver social o espaço de convivência e aceitação mutua, é onde essas pessoas
decidem participar e desejar, construir, desenhar e viver (design humano-social)
uma sociedade justa, digna e fraterna no respeito e na capacidade de aceitação na
convivência efetiva e não só discursiva (papo furado) com a diversidade e
pluralidade necessária. Não um projeto de sociedade imposta e reducionista e pré-
determinada que se esconda atrás de uma ditadura coletivista com ares de
sabedoria onipotente como se fosse uma seita que não pode mudar e nem ser
questionada. É nesse espaço e relações que o assistente social do século XXI está
inserido.
Nesse sentido, Sennett extrai essa noção do artífice a partir da origem das
Oficinas da Idade Média, onde o mestre, além de dizer o que fazer, mostrava na
prática os procedimentos (métodos e técnicas) que deveriam ser usados e a perecia
de sua aplicação, depois, o aprendiz, vai elaborar e reelaborar o que aprendeu, e o
bom aprendiz, criara suas próprias estratégias e se transformará no mestra também.
Por isso Sennett, crítica os manuais atuais que não usam uma linguagem
que estimule o pensar e o agir juntos e das formações que não estimulam a relação
com a prática vivencial. O que está diretamente relacionado com o Serviço Social,
exemplos dessa disparidade não faltam. Numa certa ocasião, na supervisão de
estágio de uma aluna de Serviço Social do quarto ano, ou seja, já praticamente
formada, surge uma dúvida quanto à realização de uma tarefa delegada pela
supervisora de campo na área Hospitalar.
A aluna precisaria propor uma alteração no fluxo do processo de
atendimento. Por onde começar foi o problema trazido na supervisão. Depois de
tentar de diversas formas levar a aluna a procurar por si mesma uma resposta
adequada, tive que indicar como sugestão fazer um estudo do fluxo-grama do atual
processo de atendimento para depois estudar formas alternativas de alteração do
processo geral. A aluna fez a seguinte afirmação.
“Professor, se o senhor me perguntar qualquer coisa sobre Marx, se eu não
souber responder na hora sei onde encontrar na biblioteca, mas não sei o que é um
fluxo-grama.” Teoria numa direção, prática em outra direção, pois, como sabemos
(pelo menos quem está ou vivenciou na prática nossa profissão, nesses casos só
cadeira de faculdade e discursos e teorias estéreis pouco contribuem e sabem
alguma coisa) no campo, dependendo de onde seja a prática do profissional, não
vão perguntar nada sobre Marx, mas certamente precisará saber o que é e como
usar um fluxo-grama.
Por isso, o Serviço Social Brasileiro precisa não mais de uma
Reconceituação, mas sim de uma Reforma, onde se preserve o que de bom foi
conquistado, e eliminemos o que tem impedido o crescimento de uma construção
social mais efetivo das vidas que trabalhamos cotidianamente.
Em minha dissertação de mestrado (OLIVERIA, 1996) estudei o tratamento
da informação na prática do assistente social, e pude constatar que a nossa matéria
prima, são dados, informação e conhecimento. E considerando que vivemos na era
da informação e do conhecimento, e que cidadania e democracia fazem com
acesso, compressão e uso das informações socialmente relevantes. O papel do
assistente social se altera.
Defendo que o mesmo seja um facilitador do acesso e compreensão das
informações socialmente relevantes para os seus clientes, e que o seu principal
objetivo é a busca da realização, e por que não, da felicidade das pessoas, de modo
geral e dos que estão em vulnerabilidade social em específico e como prioridade. E
mais do que só fazer leitura critica da realidade como disciplina e ciência social
aplicada, se propõe a inovar através de propostas efetivas de intervenção que
priorizem o dialogo entre os saberes, o como diz Boa ventura Souza Santos, uma
ecologia de saberes.
Finalizando essa pequena reflexão eproposição, gostaria ainda de reforçar,
que segundo Sennett, o aprimoramento das habilidades do artífice, passa pelo
“desejo de fazer uma coisa, e fazê-lo bem feito”, marca essencial da filosofia do
artífice, requer a constituição do desejo, que antes de tudo é pessoal, mas não está
desvinculado do processo social mais amplo, e por tanto dos processos de interação
entre os sujeitos, ou seja do anseio coletivo expresso nas ações que impactam para
o bem-comum e não de ideologias ou grupos específicos.
Mas um coletivo que não é imposto, mas voluntário, espontâneo, consciente,
ou seja, não é forçada de cima para baixo, ou por uma noção de uma “ditadura do
coletivo”, ou ainda, como sinaliza Sennett, uma solidariedade de cima para baixo, e
uma lógico do “nós contra os outros”, que gera subserviência a um coletivo que não
respeita a diversidade e nem a inovação, o que pode ser constatado no Serviço
Social na medida em que livros, artigos e eventos, sempre expressam mais do
mesmo, sem abrir a possibilidade para efetivação da diversidade e da pluralidade,
que é materializada em outras visões, outras práticas e outros resultados.
Nesse sentido e considerando o desafio do trabalho no campo do processo
intersetorial, o Serviço Social como artífice do desing social requer as seguintes
habilidades e competências:
1. Potenciliazar ações comunitárias a partir da informalidade e espontaneidade;
2. Compromisso & cooperação (dialógica e empática);
3. Cortesia, diplomacia e concerto;
4. Gestão de conflitos e intermediação;
5. Equilibrar competição & cooperação;
6. Potencializar o individual para garantir o bem comum coletivo;
7. Potencializar ritmo e hábito, potencializar o como fazer, como fazer melhor e como
fazer sempre, através do aprimoramento através do hábito, geração de valores
integrativos e prioridades profissionais;
8. Ter uma cosmovisão integral e integrada, considerar todas as dimensões do viver
e do ser humano, e as habilidades do atendimento direto como a escuta dialógica ,
aprender-a-aprender- saber-pensar sempre e sobre tudo, ter ações a partir da
postura de pesquisar para intervir de forma plural e dialógica.
7. Principais conclusões e aprendizados da reflexão proposta.
Em linhas gerais podemos destacar os seguintes pontos de maior relevância
e aprendizado na presente reflexão:
7.1 Ver o Serviço Social como uma profissão não como uma ação militante e
político-ideologica;
7.2 Considerar como objeto de ação profissional o ser humano e o seu bem-
estar e principalmente os que estão em estado de vulnerabilidade;
7.3 Considerar como objetivo profissional a contribuição para a realização,
bem estar e felicidade das pessoas e com a construção de uma sociedade mais
justa, equânime e digna, principalmente junto as populações mais fragilizadas e
injustiçadas;
7.4 Metodologicamente: 1) investigação: conhecer e diagnosticar a realidade
a ser trabalhada, 2) intervenção: planejamento, execução, monitoramento e
avaliação através de planos, programas, projetos e serviços sociais;
7.5 Teorias múltiplas, interdisplinariedade, transdisciplinariedade e pluralidade
de fato e não de fachada;
7.6 Papel e função profissional: ser um gestor sócio-informacional, e um
artífice do design e das relações sociais;
7.7 Compromisso ético com os clientes, outros profissionais e entre os
profissionais e não com um projeto e programa político-ideológico e partidário;
7.8 Valores altruístas: bem comum, respeito à diversidade, diversidade e
aceitação do diferente e da possibilidade da inovação mesmo frente aos desafios e
paradoxos da sociedade complexa do século XXI, dignidade humana;
7.9 Gerir a informação e conhecimento socialmente relevante para promover
a cidadania, qualidade de vida e sustentabilidade humana, com vistas a uma
sociedade democrática, justa e digna para todos.
7.10.Dialogar com outros saberes e abrir espaço para sua disseminação e
compartilhamento na categoria ou seja, efetivar uma ecologia de saberes;
7.11. Interligar permanentemente o mundo da academia com o mundo do
mercado profissional e fazer da formação uma peregrinação do conhecer para
transformar.
7.12. O maior desafio do Serviço Social frente ao campo da intersetorialidade
não é garantir direitos ou defender um projeto ético-político profissional, isso é focar
o problema de forma ideológica e sentimentalista;
7.13. É preciso sim, dar visibilidade, credibilidade e ter reconhecimento de sua
prática e modo especificam de intervenção e contribuição na realidade humano-
social;
7.14. E preciso saber articular a demanda entre formação, atenda as
necessidades e tendências da sociedade (contextualização) e apoio e capacite
coerentemente a prática e intervenção dos profissionais da prática de forma
adequada e congruente;
7.15. Ter uma prática profissional que faça sentido, significado, diferença e
seja congruente ( teoria x prática e práxis + pragma = peoísis= transformação
social);
7.16. Ter e demonstrar um saber específico, saber influenciar e não só ser
influenciado.
Por fim, e como mensagem final, quero chamar a atenção para mais um
ponto que vem sido disseminado no Serviço Social devido a influencia do
pensamento hegemônico, chamo esse ponto de cultura da luta, essa lógica da luta,
sempre levando tudo para o campo político ideológico, induz a um processo
sinalizado como elemento tóxico do bem pensar, que é o resentimento, é a
impossibilidade de olhar para o outro e ver que apesar de diferente é preciso saber
conviver, e que tudo fica resumido na lógica do nós contra os outros ( que não
pensam como a gente, os iluminados, e salvadores do mundo).
Nisso, as palavras de Humberto Maturana são mais do que sabias:
As conversações de luta não pertencem à democracia. A luta constitui o inimigo porque necessita dele e obscurece as condições que lhe dão
origem. Na luta há vencedores e derrotados, não o desaparecimento de inimigos. O derrotado tolera o vencedor esperando uma oportunidade de revanche. A tolerância é uma negação do outro suspensa temporariamente. As vitorias que exterminam o inimigo preparam a guerra seguinte. (MATURANA, 2004, p. 93) [grifo nosso]
Tal constatação, que cabe bem como alerta no processo de
intersetorialidade, que requer sabedoria, negociação e definição precisa do que se
faz, como faz e por que faz. O que requer grande congruência, como nos ensina
uma das maiores poetas de nossa nação. Cora Coralina, que afirma: “Feliz aquele
que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”
Logo, para o Serviço Social Brasileiro no século XXI, precisamos mais de
método e metodologia e menos doutrinação e ideologia, não precisamos de mais
uma reconceituação, mas de uma reforma, por fim, precisamos saber aprender de
forma pragmática-sistêmica-crítica e de carne e osso, focar mais na solução do que
no problema e assim nos tornamos socialmente uma profissão relevante e
profissionais, éticos e politicamente coerentes.
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