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12 NOVA CIDADANIA ANO XX • NÚMERO 66 • QUADRIMESTRAL • NOV 2018 / FEV 2019 ESPECIAL EPF 2018 SESSÃO DE ABERTURA Patriotismo, Cosmopolitismo e Democracia G ostaria de começar por agradecer a pre- sença de todos nesta 26a edição do Estoril Political Forum, que se inscreve também nas comemorações dos 50 anos da Universidade Católica Portuguesa. Pedia a vossa compreensão para usar agora a língua inglesa, de forma a comunicar directamente com os nossos convidados estrangeiros. Senhoras e senhores, Bem-vindos ao 26º Encontro Anual Internacional de Estudos Políticos, também chamado de ‘Estoril Political Forum.’ É para nós um grande prazer dizer-vos que participam no maior encontro de Estudos Políticos de Portugal – e, sim, de facto, passaram quase vinte e seis anos desde o nosso primeiro encontro, no convento da Arrábida, em Setembro de 1993. Na altura não éramos mais de 20 participantes… O título do nosso encontro este ano – ‘Patriotismo, Cosmopolitismo e Democracia’ – certamente não surpreende os amigos do Estoril Political Forum. Num tempo de rivalidades tribais entre nacionalistas agressivos versus pós, supra, ou transna- cionalistas, nós propomos uma conversa civilizada entre patriotismo e cosmopolitismo, entendidos como ingredientes comuns das nossas democracias modernas. O presidente do nosso International Advisory Board – o nosso bom amigo Marc Plattner – tem-nos lembrado diversas ve- zes, aqui no Estoril Political Forum, que esta tensão criativa entre patriotismo e cosmopolitismo foi anunciada ao mundo de forma clara em 1776, na Declaração de Independência Americana: “Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os Homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são Vida, Liberdade e a busca da Felicidade.” Marc Plattner lembrou-nos gentilmente que estes princípios universais não foram fundamento de um apelo a uma revolução mundial nem a um mundo de um governo pós, supra, ou transnacional. Pelo contrário, foram na verdade princípios universais apresentados como fundamento para um acto particular de separação – de separação nacional e de soberania nacional, ou au- togoverno nacional. De facto, desde 1776, o princípio universal ou cosmopolita de autogoverno – governo responsabilizável pelas pessoas e pelo Parlamento – tem sido sempre associado com governo nacional e, portanto, ao apego patriota à nação de cada um, ao seu Parlamento. Deixem-me desde já acrescentar que não é necessário, ou suposto, que concordem com o título da nossa conferência, e ainda menos com o que acabei de dizer. São con- vidados a discordar e a apresentar o vosso argumento – desde que o consigam fazer gentilmente e, como disse anteriormente, de uma maneira civilizada. Nos 25 Encontros Internacionais de Estudos Políticos já passados, nunca pedi- mos que houvesse conformidade de visões. Antes pelo contrário, sempre encorajámos discórdia crítica entre visões rivais. Acredi- tamos no antigo princípio poppereano de que apenas através de liberdade de discór- dia e liberdade de expressão conseguimos identificar os nossos erros e aproximar-nos da verdade, através da aprendizagem com os nossos erros. No entanto sempre pedimos respeito por regras gerais de boa conduta. Gostamos de lhes chamar, a estas regras gerais, regras de gentlemanship. Estas são regras muito antiquadas que se encontram longe dos lamentáveis hábitos tribais que tendem agora a dominar muitas universidades e muitos canais televisivos, assim como as chamadas redes sociais (acerca destas últimas, incidentalmente, estou feliz por não saber nada, apenas ouvi falar delas). Alguns bem podem fazer a pergunta pós-modernista de “como é que se define gentlemanship?” E eu tenho o prazer de responder com a definição de Karl Popper, definição que ele me ensinou repetidamente, há mais de 30 anos: “um gentlemen é alguém que não se leva demasiado a sério, mas está preparado para levar os seus encargos muito a sério, especialmente quando a maioria dos que o rodeiam apenas fala dos seus direitos.” Nos bons velhos tempos, as pessoas chama- vam a isto um “lábio superior enrijecido”. Era obviamente um princípio universal POR João Carlos Espada TRADUÇÃO Maria Cortesão Monteiro Director do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa. Director de Nova Cidadania. Uma homenagem ao Embaixador Frank Carlucci

SESSÃO DE ABERTURA Patriotismo, Cosmopolitismo e Democraciaescolasmoimenta.pt/infopoint/files/2019/04/... · Democrática, assinada por mais de 60 signatários e apresentada publicamente

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12 NOVA CIDADANIA A N O X X • N Ú M E R O 6 6 • Q U A D R I M E S T R A L • N O V 2 0 1 8 / F E V 2 0 1 9

ESPECIAL EPF 2018 SESSÃO DE ABERTURA

Patriotismo, Cosmopolitismo

e Democracia

Gostaria de começar por agradecer a pre-sença de todos nesta 26a edição do Estoril Political Forum, que se inscreve também nas comemorações dos 50

anos da Universidade Católica Portuguesa. Pedia a vossa compreensão para usar

agora a língua inglesa, de forma a comunicar directamente com os nossos convidados estrangeiros.

Senhoras e senhores,Bem-vindos ao 26º Encontro Anual

Internacional de Estudos Políticos, também chamado de ‘Estoril Political Forum.’ É para nós um grande prazer dizer-vos que participam no maior encontro de Estudos Políticos de Portugal – e, sim, de facto, passaram quase vinte e seis anos desde o nosso primeiro encontro, no convento da Arrábida, em Setembro de 1993. Na altura não éramos mais de 20 participantes…

O título do nosso encontro este ano – ‘Patriotismo, Cosmopolitismo e Democracia’ – certamente não surpreende os amigos do Estoril Political Forum. Num tempo de rivalidades tribais entre nacionalistas agressivos versus pós, supra, ou transna-cionalistas, nós propomos uma conversa civilizada entre patriotismo e cosmopolitismo, entendidos como ingredientes comuns das nossas democracias modernas.

O presidente do nosso International Advisory Board – o nosso bom amigo Marc Plattner – tem-nos lembrado diversas ve-

zes, aqui no Estoril Political Forum, que esta tensão criativa entre patriotismo e cosmopolitismo foi anunciada ao mundo de forma clara em 1776, na Declaração de Independência Americana:

“Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os Homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são Vida, Liberdade e a busca da Felicidade.”

Marc Plattner lembrou-nos gentilmente que estes princípios universais não foram fundamento de um apelo a uma revolução mundial nem a um mundo de um governo pós, supra, ou transnacional. Pelo contrário, foram na verdade princípios universais apresentados como fundamento para um acto particular de separação – de separação nacional e de soberania nacional, ou au-togoverno nacional. De facto, desde 1776, o princípio universal ou cosmopolita de autogoverno – governo responsabilizável pelas pessoas e pelo Parlamento – tem sido sempre associado com governo nacional e, portanto, ao apego patriota à nação de cada um, ao seu Parlamento.

Deixem-me desde já acrescentar que não é necessário, ou suposto, que concordem com o título da nossa conferência, e ainda menos com o que acabei de dizer. São con-vidados a discordar e a apresentar o vosso argumento – desde que o consigam fazer gentilmente e, como disse anteriormente,

de uma maneira civilizada. Nos 25 Encontros Internacionais de

Estudos Políticos já passados, nunca pedi-mos que houvesse conformidade de visões. Antes pelo contrário, sempre encorajámos discórdia crítica entre visões rivais. Acredi-tamos no antigo princípio poppereano de que apenas através de liberdade de discór-dia e liberdade de expressão conseguimos identificar os nossos erros e aproximar-nos da verdade, através da aprendizagem com os nossos erros.

No entanto sempre pedimos respeito por regras gerais de boa conduta. Gostamos de lhes chamar, a estas regras gerais, regras de gentlemanship. Estas são regras muito antiquadas que se encontram longe dos lamentáveis hábitos tribais que tendem agora a dominar muitas universidades e muitos canais televisivos, assim como as chamadas redes sociais (acerca destas últimas, incidentalmente, estou feliz por não saber nada, apenas ouvi falar delas).

Alguns bem podem fazer a pergunta pós-modernista de “como é que se define gentlemanship?” E eu tenho o prazer de responder com a definição de Karl Popper, definição que ele me ensinou repetidamente, há mais de 30 anos: “um gentlemen é alguém que não se leva demasiado a sério, mas está preparado para levar os seus encargos muito a sério, especialmente quando a maioria dos que o rodeiam apenas fala dos seus direitos.” Nos bons velhos tempos, as pessoas chama-vam a isto um “lábio superior enrijecido”. Era obviamente um princípio universal

POR João Carlos Espada TRADUÇÃOMaria Cortesão Monteiro

Director do Instituto de Estudos Políticos da UniversidadeCatólica Portuguesa. Director de Nova Cidadania.

Uma homenagem ao Embaixador Frank Carlucci

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que se aplicava tanto a mulheres como a homens – que eram na altura chamados, se e apenas se se portassem devidamente, Damas e Cavalheiros.

Gertrude Himmlelfarb, a distinta his-toriadora americana, chamava a isto de ‘Virtudes Vitorianas’, contrastantes com ‘Valores Modernos’. Pergunto-me o chamará ela agora à nossa política actual, pós-moderna tribal e de identidade e à sua negação de qualquer padrão objectivo e universal de verdade e propriedade, assim com a sua pré-condição – liberdade de expressão.

Senhoras e Senhores, O tópico de “Patriotismo, Cosmopoli-

tismo e Democracia” leva-me a um tributo que gostávamos de prestar nesta sessão de abertura, a um grande amigo da nos-sa democracia portuguesa que fez uma contribuição decisiva para que esta fosse possível: o Embaixador Frank Carlucci, que nos deixou dia 3 de Junho. 

Frank Carlucci foi o embaixador ame-ricano de Portugal imediatamente após a revolução democrática de abril de 1974 - que pôs um fim à ditadura de direita, que durou 48 anos (1926-1974), e que por sua vez sucedera uma ditadura jacobina que durou 16 anos (1910-1926). A nomeação de Carlucci foi fortemente recomendada pelo,então secretário de Estado americano, Henry Kissinger. Kissinger pensava que a democracia não era viável em Portugal e que o país estava à beira de uma revolução comunista – que, de facto, estava. Carlucci foi então nomeado com a missão de dar apoio a uma espécie de contra-golpe-de-estado

contra a ameaça real de uma revolução comunista.

O que aconteceu foi que Carlucci - que falava fluentemente português e que estivera no Brasil nos anos 60 - depressa descobriu que a lamentável dicotomia entre ‘Fascismo vs Comunismo’ era na verdade um mal-entendido tribal. Ele compreendeu que Portugal tinha uma forte sociedade civil e três partidos políticos democráticos parlamentares anti-comunistas fortes – os Socialistas, os Social-Democratas e os Democratas-Cristãos – e que a democracia americana devia apoiá-los e encorajá-los a formar uma aliança anti-comunista para defender a democracia parlamentar. Foi isto que efectivamente aconteceu, e que permitiu o sucesso da transição para a democracia em Portugal, com a derrota do comunismo.

O nosso falecido amigo Samuel P. Hun-tington defendia que esta transição bem sucedida para a democracia em Portugal deu início à “Terceira Vaga” de democrati-zação mundial, que eventualmente levou à sua segunda fase, a queda do Muro de Berlim e o colapso do comunismo soviético. Samuel Huntington argumentava ainda que o Embaixador Carlucci em Portugal tinha, de alguma maneira, sido pioneiro de uma grande mudança posterior na política externa americana: um apoio robusto à causa da democracia por todo o mundo. Isto foi certamente resumido pelo Presidente Ronald Reagan, que, em Junho de 1982, celebremente anunciou ao Parlamento Britânicoo seu compromisso para com “a

campanha global pela democracia agora a reunir forças”. Esse discurso levou à criação do American National Endowment for Democracy, no final de 1983.

Ao prestar tributo ao Embaixador Carlucci, estamos também a prestar tri-buto à liderança americana na defesa da democracia a nível mundial. E é com muito prazer que temos trabalhado com o National Endowment for Democracy pelo menos desde Outubro de 1996 – quando os nossos bons amigos Carl Gershman, Marc Plattner e Larry Diamond vieram a Lisboa juntar-se a Samuel P. Huntington, quando este deu uma palestra sobre “O Futuro da Terceira Vaga” no lançamento público da Fundação Mário Soares.

Depois de todos estes anos, é certa-

Samuel P. Huntington defendia que a transição bem sucedida de Portugal para a democracia deu início à “Terceira Vaga” de democra-tização mundial

Isabel Capeloa Gil, Reitora UCP, Pedro Norton, Presidente do Conselho Estratégico do IEP-UCP, Rita Seabra Brito, Directora Estoril Political Forum e João Carlos Espada, Director do IEP-UCP

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ESPECIAL EPF 2018 SESSÃO DE ABERTURA

mente triste reconhecer que, nesta 26ª edição do Estoril Political Forum, estamos preocupados com o estado actual da liber-dade e da democracia por todo o mundo, incluindo, em certa medida, entre algumas das mais antigas democracias do Ocidente. Esta preocupação foi expressa de forma muito bela no Apelo de Praga para uma Coligação Internacional pela Renovação Democrática, assinada por mais de 60 signatários e apresentada publicamente em Praga, no passado mês de Outubro. É um grande prazer que vários dos promotores do Apelo de Praga estejam connosco no Estoril, e que tenhamos, tanto um painel conjunto como uma reunião, com o Grupo de Trabalho Transatlântico no âmbito da Coligação Internacional para a Renovação Democrática.

Tal como tem acontecido nos anos anteriores, é com grande satisfação que temos connosco oradores e participantes de diferentes disposições políticas: temos Conservadores, democratas-cristãos, liberais, libertários, social-democratas, e socialistas democráticos; e mesmo relativamente ao tópico fundamental da União Europeia, temos federalistas e anti-federalistas, europeístas e eurocépticos, contra e a favor do Brexit.

Isto, creio eu, é como deve ser. Porque, por debaixo das nossas diferentes visões, todos partilhamos uma base comum fun-damental: a base comum da democracia liberal, da regência da lei, do comércio livre e economia de mercado – a base comum da Aliança Atlântica. Esta base comum, incidentalmente, é também uma das ca-

racterísticas distintivas do hotel em que nos encontramos. O Hotel Palácio Estoril foi o hotel dos aliados anglo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial – tal como será relembrado amanhã depois do jantar, numa sessão dedicada a Isaiah Berlin e ao Hotel Palácio Estoril.

Esta base comum é, claro, encarnada pelo patrono do nosso Estoril Political Forum: Winston Churchill.

Permitam-me por favor concluir com uma breve citação de um dos discursos pré-guerra de Churchill, em 1938, sobre a Tradição Ocidental da Liberdade Sob a Lei:

“Não temos nós uma ideologia – já que temos que usar esta feia palavra – não temos nós uma ideologia nossa, na liberdade, numa constituição liberal, no governo democrático e parlamentar, na Magna Carta e na Petição de Direitos?”

Ladies and Gentlemen, Ao longo dos últimos 25 anos, nestes

Encontros Internacionais de Estudos Po-líticos, temos estado fundamentalmente comprometidos com o espírito da conver-sação, do compromisso e da moderação, associadas a uma defesa intransigente da liberdade e da responsabilidade pessoal.

É também à liberdade e à responsa-bilidade pessoal que estamos a dedicar a celebração deste ano do 50º aniversário da Universidade Católica Portuguesa: liberdade e responsabilidade dos estudan-tes e das suas famílias na escolha da sua universidade; liberdade e responsabilidade da velha ‘Ideia de Universidade’ Grega e Cristã – para relembrar as inspiradoras palavras de Cardinal Newman.

Muito obrigada.Bom encontro.

Temos estado fundamentalmente comprometidos com o espírito da conversação, do compromisso e da moderaçãoSessão de Abertura – Estoril Political Forum