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Universidade do Minho Escola de Direito Silvana Francisca Ferreira Andrade outubro de 2017 O processo tutelar educativo: aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português Silvana Francisca Ferreira Andrade O processo tutelar educativo: aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português UMinho|2017

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Universidade do MinhoEscola de Direito

Silvana Francisca Ferreira Andrade

outubro de 2017

O processo tutelar educativo: aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português

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Silvana Francisca Ferreira Andrade

outubro de 2017

O processo tutelar educativo: aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português

Trabalho efetuado sob a orientação daProfessora Doutora Flávia Noversa Loureiro

Dissertação de MestradoMestrado em Direito Judiciário

Universidade do MinhoEscola de Direito

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DECLARAÇÃO

Nome: Silvana Francisca Ferreira Andrade

Endereço eletrónico: [email protected]

Número do Cartão de Cidadão: 14236558, emitido pela República Portuguesa, válido até

05/05/2019

Título da Dissertação: O processo tutelar educativo: aspetos divergentes e convergentes com o

processo penal português

Orientadora: Professora Doutora Flávia Noversa Loureiro

Ano de conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em Direito Judiciário

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE

INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE

COMPROMETE.

UNIVERSIDADE DO MINHO: ____/____/______

ASSINATURA:

_____________________________________________________________________

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“Ninguém mais pode duvidar que o legislador deve preocupar-se antes tudo

com a educação dos jovens (...) e já que único é o fim, é necessariamente

evidente que também a educação é única e igual para todos e que a

responsabilidade de educar é pública e não particular como atualmente

cada um faz cuidando privadamente dos próprios filhos e dando-lhes o

ensinamento que lhe apraz.”

(Aristóteles, Política, Livro VIII)

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AGRADECIMENTOS

O percurso de elaboração desta dissertação que agora se apresenta foi acompanhado e

enriquecido por várias personalidades com quem tive o privilégio de conviver e trabalhar que sempre

se dispuseram a ajudar-me, pelo que não posso deixar aqui de expressar a minha mais viva gratidão

pessoal.

Um particular agradecimento devo-o, em primeiro lugar, à Senhora Professora Doutora

Flávia Noversa Loureiro, minha orientadora de dissertação, que teve a bondade de aceitar a

orientação científico-pedagógica deste trabalho. Portadora de uma inesgotável disponibilidade,

inestimável objetividade e sinceridade no momento de criticar, agradeço pelo incentivo, apoio e total

confiança em mim depositada ao longo deste tempo.

Aos meus pais e irmã deixo o meu carinhoso reconhecimento pela inesgotável

perseverança modelos ímpares de esforço, coragem e dedicação, meus alicerces ao

longo desta jornada, agradeço pelo permanente espírito de sacrífico que providenciaram ao longo da

minha vida, agradeço bem como a confiança depositada na conclusão deste trabalho.

Ao meu namorado, Joel, pelo apoio incondicional e sem reservas que me deu ao longo

destes anos de estudo e que, não obstante os desmedidos sacrifícios pessoais a que foi sendo sujeito,

me deu o ânimo necessário para suportar as horas mais difíceis.

A minha gratidão estende-se, outrossim, às minhas amigas que, de variadas formas me

ajudaram, e cujo espírito de entreajuda se impõe aqui enaltecer, por constituírem fonte de inspiração,

ânimo, coragem e resiliência, fazendo com que nunca faltasse a disposição necessária para a

elaboração da dissertação. A cada uma de vós, Vilma Martelo, Telma Ribeiro, Aquilina Ribeiro,

Melánie Gonçalves, Sílvia Trepado, Sara Gonçalves, Carina Oliveira, Sara Valente, Patrícia Borges, e

Vânia Dias, fica o mais profundo agradecimento

Penhorado agradecimento é, ainda, devido à Senhora Professora Doutora Letícia

Marques – de quem tive a honra de ser aluna –, pelo papel fundamental que desempenhou

ao longo da minha formação pessoal e académica, bem como aos Doutores Edite Pinho, Sofia

Nunes, Paulo Albernaz, Paulo Monteiro e Ângela Vaz da Silva, por me estimularem na concretização

deste projeto e pela total disponibilidade que em muito contribuiu para a concretização

deste trabalho.

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NOTA PRÉVIA

MODO DE CITAR

Pertencem à Lei Tutelar Educativa em vigor, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14 de

setembro de 1999, com as alterações que se lhe seguiram, introduzidas pela Lei n.º 4/2015, de 15

de janeiro, retificada posteriormente pela Declaração de Retificação n.º 9/2015, as disposições legais

citadas sem indicação da respetiva fonte.

No corpo do texto, as obras são citadas, pela primeira vez, com referência ao nome do

autor, título, volume (se aplicável), edição, local da publicação, editora, data e número da(s)

página(s). Nas referências subsequentes, a obra será identificada pelo nome do autor, título da obra

abreviado, seguido da expressão “ob. cit.” e número de página(s) correspondente(s), omitindo-se os

restantes elementos. Nas obras com três ou mais autores, é citado apenas o primeiro, seguido da

expressão “et. al.”. No que concerne aos artigos citados de revistas, estes são citados pela indicação

do nome do autor, título do artigo, designação da revista e respetivos ano, número e data de

publicação e número de página(s). Nas citações seguintes, é apenas feita uma menção do título do

artigo e da respetiva página da publicação. Quando se queira citar, de seguida, o mesmo autor e a

mesma obra em notas de rodapé imediatamente seguidas, utilizar-se-á o termo “idem”, caso a

página da obra citada seja a mesma, ou o termo “ibidem”, caso as páginas a citar sejam diferentes.

Por sua vez, a jurisprudência portuguesa é citada com referência ao tribunal superior onde

foi proferido o acórdão, data da decisão, número do processo e local da Internet onde se encontra

disponível, obedecendo à grafia do novo acordo ortográfico, excecionando-se citações de obras e

arestos em que tal acordo não foi seguido. O índice de jurisprudência citada e enunciada assenta

num critério cronológico, procedendo-se à identificação de cada decisão com base nos critérios supra

identificados.

A lista de referências bibliográficas inclui apenas os livros e artigos que foram efetivamente

citados no texto, assentando a sua ordenação num critério alfabético.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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O Processo Tutelar Educativo:

Aspetos divergentes e convergentes com o processo penal português

RESUMO

Com a presente dissertação de mestrado, procuraremos clarificar a diferença entre a

intervenção tutelar educativa, por contraponto à intervenção penal, tendo por referência os critérios

legalmente estabelecidos de estruturação processual, concretizados na ulterior tramitação dos

respetivos processos tutelar educativo e penal.

Estando conscientes da atualidade e pertinência desta temática, não deixamos de ter por

seguro que a Lei Tutelar Educativa se reveste de importantes e complexos contornos legais, pelo que

será nosso objetivo considerar um dos maiores problemas que – desde sempre – tem sido assacado

à intervenção tutelar educativa: referimo-nos, em concreto, à questão da analogia material que

comumente é feita ao modelo jurídico-penal, assomando-se uma inevitável e muito significativa

aproximação em termos de procedimento. É exatamente neste contexto que se realça o eixo

prioritário deste trabalho, tendo sempre presente que os fins da primeira – educação do menor para

o respeito pelas regras jurídicas mínimas de coexistência social, não se coadunam com os fins

associados à intervenção penal – proteção dos bens jurídicos essenciais da comunidade através da

cominação e execução de reações punitivas.

Concomitantemente, tomando por objeto algumas das alterações legislativas introduzidas

no âmbito da primeira revisão da Lei Tutelar Educativa, após quinze anos de vigência, procurar-se-á

lançar sobre as mesmas um primeiro olhar crítico, numa perspetiva que procura ser eminentemente

prática – atenta a natureza judiciária em que assenta o mestrado onde nos inserimos – destacando-

se, entre outras, a irrelevância da natureza do crime e consequente desnecessidade de apresentação

de queixa, a relevância da desistência de queixa, passando posteriormente em revista a nova

configuração da suspensão do processo, questões que permitirão, à partida, extrair informações

importantes para que se possam direcionar esforços no sentido de combater a delinquência juvenil.

PALAVRAS-CHAVE: intervenção tutelar educativa; intervenção penal; educação do menor para o

direito; inquérito tutelar educativo; inquérito criminal;

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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The Educational Tuition Process:

Divergent and convergent aspects with the Portuguese Criminal procedure

ABSTRACT

With this dissertation, we will try to clarify the difference of the educational tutelary

intervention, as opposed to the criminal intervention, with reference to the legally established criteria

of procedural structuring, materialized in the subsequent processing of the respective tutelary

educational and penal processes.

Being aware of the relevance and pertinence of this subject, we are sure that the

Educational Tutelary Law is important and complex legal framework, so it will be our goal to consider

one of the biggest problems that – since always – has been committed to tutelary intervention

educational: we refer in particular to the question of the material analogy that is commonly made to

the criminal-legal model, bearing in mind an inevitable and very significant approximation in terms of

procedure. It is precisely in this context that the priority axis of this work is emphasized that it is no

longer aimed at contributing to a better understanding of the procedural aspects that approach and

at the same time distancing the educational intervention of the criminal intervention, always bearing

in mind that the purposes of the First – education of the minor to respect the minimum legal rules of

social coexistence – are not in line with the aims associated with criminal intervention – protection of

the essential legal assets of the community through the commencement and execution of punitive

reactions.

Concomitantly, taking into consideration some of the legislative changes introduced in the

scope of the first revision of the Educational Tutelary Law, after fifteen years of validity, an attempt

will be made to launch a critical first look at them, from a perspective that seeks to be eminently

practical - judicial nature on which the master's degree is based, including the irrelevance of the

nature of the crime and consequent unnecessary filing of the complaint, the relevance of the

withdrawal of complaint, and then reviewing the new configuration of the suspension of the process

, issues that will allow us to extract important information at the outset so that efforts can be directed

towards combating juvenile delinquency.

KEY WORDS: educational tutelary intervention; criminal intervention; Education of the minor to the

right; Educational tutorial survey; Criminal investigation;

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

ix

ÍNDICE

Agradecimentos .............................................................................................................................. iv

Modo de citar .................................................................................................................................. v

Resumo .......................................................................................................................................... vi

Abstract ......................................................................................................................................... vii

Siglas, Abreviaturas e Acrónimos ...................................................................................................... x

Introdução .................................................................................................................................... 12

CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DA JUSTIÇA JUVENIL EM PORTUGAL: ......... 22

BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO ........................................................................................ 22

1. Generalidades ....................................................................................................................... 22

2. Das Ordenações Manuelinas à publicação da Lei de Proteção da Infância ............................ 23

2.1. A Lei de Proteção à Infância .......................................................................................... 25

2.2. As Tutorias da infância ................................................................................................... 27

2.3. O direito processual aplicável ......................................................................................... 30

3. A Organização Tutelar de Menores: A “mistificação” legal de um sistema de proteção de

menores? ...................................................................................................................................... 31

3.1. O paradigma do modelo de proteção ............................................................................. 31

3.2. As medidas de prevenção criminal ................................................................................. 32

3.3. O tratamento unitário dos menores "em risco" e dos menores "delinquentes" : o recurso

excessivo à medida de internamento .................................................................................... 34

3.4. A ineficácia do modelo de proteção e principais críticas ................................................. 36

4. A emergência da Lei Tutelar Educativa e a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo 40

4.1. O processo de reforma da Justiça Juvenil ...................................................................... 42

a) A entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa ................................................................. 42

4.2. Pontes de articulação .................................................................................................... 45

4.3. As regras de conexão de processos................................................................................ 47

4.3 Constrangimentos ........................................................................................................... 48

4.4. As iniciativas legislativas ................................................................................................ 50

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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CAPÍTULO II - NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO TUTELAR EDUCATIVO: OBJETO, FINALIDADE E

SEUS PRESSUPOSTOS ................................................................................................................. 55

1. Legitimidade da intervenção estadual ................................................................................... 55

1.1. Na perspetiva do interesse do menor ............................................................................. 56

1.2. O fundamento constitucional de proteção da criança ..................................................... 58

2. Âmbito de aplicação ............................................................................................................. 61

3. Finalidades ........................................................................................................................... 65

3.1 A educação do menor para o direito: conceito relativamente indeterminado? .................. 65

4. Pressupostos ........................................................................................................................ 66

4.1. A prova da prática de facto qualificado como crime ....................................................... 66

4.2. Necessidade de educação do menor para o direito ........................................................ 68

CAPÍTULO III - DO INÍCIO DO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ................................................. 74

O INQUÉRITO TUTELAR EDUCATIVO ............................................................................................ 74

1. Generalidades ....................................................................................................................... 74

2. Da aquisição de notícia do facto ...................................................................................... 75

2.1. Pelos órgãos de polícia criminal ............................................................................................. 77

2.2 A imprescindibilidade de informação inicial quanto à instauração anterior e pendência de

outros processos ........................................................................................................................... 79

3. A irrelevância da natureza do crime e a desnecessidade de queixa ........................................... 80

3.1. O problema da desistência de queixa .................................................................................... 85

4. O regime jurídico da prova .................................................................................................... 86

4.1. Os meios de prova ................................................................................................................ 87

4.2. Os meios de obtenção de prova ............................................................................................ 88

5. Manifestação do exercício do contraditório ............................................................................ 92

6. A obrigatoriedade da autoridade judiciária presidir às diligencias de menores ....................... 94

7. Formas de encerramento do inquérito tutelar educativo ........................................................ 95

7.1. O arquivamento .................................................................................................................... 95

7.2. A suspensão do processo ...................................................................................................... 97

7.2.1. O papel reforçado mediação nas hipóteses de suspensão ............................................. 99

7.3. O requerimento para abertura da fase jurisdicional ............................................................. 103

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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CONCLUSÕES ............................................................................................................................ 108

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................. 112

JURISPRUDÊNCIA ...................................................................................................................... 134

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

x

SIGLAS, ABREVIATURAS E ACRÓNIMOS

As abreviaturas infra relacionadas correspondem, sem acrescento ou reparo, às que têm

vindo a ser utilizadas, de forma mais ou menos uniforme, na literatura jurídica, tendo-se optado pelo

emprego de pequenos elementos distintivos nos casos em que a similitude das abreviaturas se

afigurava suscetível de induzir o leitor em erro.

AA.VV. vários autores

BE Bloco de Esquerda

BFD Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

BMJ Boletim do Ministério da Justiça

CAEF Colégio(s) de Acolhimento, Educação e Formação

CAFCE Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos

CC Código Civil

CDC Convenção sobre os Direitos da Criança

CEDH Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CEJ Centro de Estudos Judiciários

Cf. conferir/confrontar

coord. coordenação

CP Código Penal

CPP Código de Processo Penal

CRLPTE Comissão de Reforma da Legislação sobre o Processo Tutelar Educativo

CRP Constituição da República Portuguesa

CRSEPM Comissão para a Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas

CSM Conselho Superior da Magistratura

DGRSP Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

DL Decreto-Lei

DR Diário da República

EMP Estatuto do Ministério Público

LPCJP Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

LPI Lei de Proteção à Infância

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

xi

LTE Lei Tutelar Educativa

MP Ministério Público

OA Ordem dos Advogados

ob. cit. obra citada

OPJP Observatório Permanente de Justiça Portuguesa

OTM Organização Tutelar de Menores

PCP Partido Comunista Português

PGDC Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra

PGDE Procuradoria Geral-Distrital de Évora

PGDL Procuradoria Geral-Distrital de Lisboa

PGDP Procuradoria Geral-Distrital do Porto

PGR Procuradoria Geral da República

Proc. Processo

PropLTE Proposta de Lei nº 266/VII – Aprova a Lei Tutelar Educativa

PropLPCJP Proposta de Lei nº 265/VII – Aprova a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

PS Partido Socialista

PSD Partido Social Democrata

RGPTC Regime Geral do Processo Tutelar Cível

ss. seguintes

STJ Supremo Tribunal de Justiça

TC Tribunal Constitucional

TJUE Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

TRC Tribunal da Relação de Coimbra

TRE Tribunal da Relação de Évora

TRG Tribunal da Relação de Guimarães

TRP Tribunal da Relação do Porto

Vol. Volume

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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INTRODUÇÃO

“A medida justa muda,

O que não muda é a permanente busca da justa medida”

(Leonard Boff, Saber Cuidar)

A presente dissertação foi elaborada no âmbito do 2.º Ciclo de Estudos em Direito,

conducente à obtenção do grau de Mestre na especialização em Direito Judiciário (Direitos

Processuais e Organização Judiciária) da Escola de Direito da Universidade do Minho e visa o

desenvolvimento de uma investigação científica subordinada ao tema: “O processo tutelar educativo:

aspetos divergentes e convergentes com o Processo Penal Português”.

A monografia que agora se dá à tela é fruto do nosso interesse pessoal em realizar um

estudo sobre a Lei Tutelar Educativa1, motivação que não deixa de beber em muito do interesse que

ao longo do curso fomos ganhando pelo Direito das Crianças.

A temática que nos propomos abordar na presente dissertação, com o conteúdo que aqui

lhe damos, encontra justificação do prisma científico, na medida em que envolve, por si só, vários

temas caros ao Direito – em especial, ao Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual

Penal –, tornando-se ainda evidente o reconhecimento do contributo interdisciplinar de outras

ciências que se cruzam com a criança2, entras elas se destacando-se a psicologia, a psiquiatria, o

serviço social, a sociologia.

Para uma correta equacionação dos problemas que nos propomos abordar na presente

dissertação, é essencial ganhar alguma perspetiva sobre o horizonte em que a LTE se inscreve, ainda

1 Pertencerão a esta lei todos os artigos que vierem a ser mencionados sem indicação de origem.

2 Disso mesmo nos dá conta GONÇALO NICOLAU CERQUEIRA SOPAS DE MELO BANDEIRA, “O direito de intervenção junto de menores infractores como: Direito

do Facto? Direito do Autor? Ou Direito do Autor e do Facto? Direito Penal ou Direito não Penal?”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa.

ISSN 0871-8563. Ano 13, nº 4 (2003). pp. 611-612, ao efetuar uma análise profundamente crítica ao teor do Acórdão da 1ª Instância do Tribunal de

Menores de Coimbra, datado de 6 de fevereiro de 1989, referindo que esta decisão se centrou demasiado “no prisma da sociologia, criminologia,

psicologia, ciências da educação e acção social”. Do mesmo passado, também NORBERTO MARTINS, “Jovens com comportamentos delinquentes: os

caminhos da lei”. In FONSECA, António Castro Fonseca [coord.] [et. al.] – Psicologia Forense. Almedina: Coimbra, 2006. p. 388, mas também por MARIA

CLARA SOTTOMAYOR, “O Direito das Crianças – um novo ramo do Direito”. In Temas de Direito das Crianças. Coimbra: Almedina, 2014. p. 8 e “A

Autonomia do Direito das Crianças”. In LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio. Coimbra: Almedina, 2010. pp.

79 e ss., quando refere que “ o cruzamento de diferentes ramos do direito entre si e do Direito com as ciências sociais produz um «efeito fertilizante»

susceptivel de fazer progredir o Direito e de encontrar soluções mais adequadas aos interesses das crianças e a concretização dos seus direitos”.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

13

hoje, entre nós. Numa primeira e sucinta observação, o que se deve salientar é o facto de estarmos

perante um ramo jurídico diferente de todos os demais – circunstância que, contudo, não impediu

que este tivesse sido encarado como “um filho de um Deus menor”3 –, ideia impregnada, por

décadas, no ordenamento jurídico português, mas que veio progressivamente a ser ultrapassada face

ao crescente interesse que subsequentemente veio a ser dispensado ao tema4.

Neste sentido – e esta é já a segunda observação que queremos fazer – em virtude da

inquietação social dissipada pelos diversos estados europeus, mas sobretudo devido à sensação de

uma certa incapacidade em lidar com o fenómeno da delinquência juvenil quando a prevenção falha,

fazendo com que crianças e jovens comunguem nas malhas do sistema, não devendo, por isso,

estranhar-se que o problema da intervenção e consequente responsabilização de menores infractores

se apresente como uma questão dogmática de importância extraordinariamente crescente no

conjunto das preocupações de diversas instâncias internacionais. Verdadeiramente, não pode lograr-

se uma cabal compreensão da disciplina interna – não devendo aspirar-se à sua interpretação e

aplicação – sem se conhecer o conjunto de normas dos organismos supranacionais de que Portugal

seja membro. Embora não lhe dedicando um capítulo autónomo, na presente dissertação,

3 Vide, quanto a esta problemática, as considerações expendidas por ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Lei Tutelar Educativa: uma reforma urgente”. In

Forum Iustitiae – Direito e Sociedade. Ano 1, nº 8 (2000). p. 21, que utiliza uma outra expressão em sentido semelhante ao referir-se ao Direito de

Menores como um “direito menor”. Assim expressivamente, também ELIANA GERSÃO, “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores. Memória

de um processo de reforma”. In DIAS, Jorge de Figueiredo [org.] – Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues. Vol. I. Coimbra: Coimbra Editora,

2001. pp. 458-459, ao evidenciar “uma certa estagnação do direito tutelar de menores”, que teve na sua origem “a desatenção a que as universidades

e os centros de investigação ligados ao ensino superior votaram a matéria até aos anos 90, não a incluindo nos curricula universitários, nem mesmo

como disciplina de opção, nem sobre ela desenvolvendo projectos de investigação” (sublinhado da Autora). Reforçando este entendimento, MARIA DA

CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Respostas à delinquência juvenil. Do internamento para a liberdade: primeiros passos para inserção social dos jovens”.

In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. Ano 26, nos 1 a 4 (2016). pp. 437-439, chama a nossa atenção para o facto desta

«desatenção» ter conduzido à “escassez de juristas especializados e sensibilizados para as complexas questões que neste âmbito se suscitam,

dificultando o seu tratamento adequado”. De igual modo, também LABORINHO LÚCIO, “As Crianças e os Direitos – O Superior Interesse da Criança”. In

LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio. Coimbra: Almedina, 2010. pp. 193-194, que reclama por um “retorno

jurídico” desta área do direito, por forma a contornar a “inexplicável indiferença” a que o Direito das Crianças tem sido votado. Afirma, para tanto, que

“é justamente no recuo da dimensão jurídica e na diminuta importância atribuída ao Direito, em matéria de crianças e jovens, que deve identificar-se

a origem de muitas das graves lacunas que hoje facilmente se pressentem neste sector da Justiça”. De igual modo, também PAULO GUERRA, na

fundamentação inscrita do Acórdão do TRC, de 12/10/2011, proc. nº 243/10.9T3ETR.C1, disponível em: https://goo.gl/8Z9wen, vem sustentar que:

“lidarem com estas questões da menoridade com o olhar de alguma pressa e facilitismo, proporcionais a um Direito tido como de segunda categoria”.

4 Em Portugal, diversos estudos realizados a nível universitário vêm fazendo eco da preocupação com que o fenómeno da delinquência juvenil é hoje

encarado – cf., a título exemplificativo, o interessantíssimo trabalho desenvolvido por CARVALHO, Maria João Leote de – Do outro lado da cidade.

Crianças, socialização e delinquência em bairros de realojamento. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,

2010. Dissertação de Doutoramento. pp. 93-94. Conscientes sobre a ampla investigação que tem sido desenvolvida sobre o tema, com o contributo de

outras ciências para além da jurídica, imperam razões relacionadas com a delimitação temática da presente dissertação que nos impõe, desde já,

referir que não iremos efetuar uma abordagem relativa aos fenómenos de natureza violenta perpetrados entre jovens, atendendo ao facto de não ser o

objeto da presente dissertação.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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reconhecemos que a LTE faz uma leitura integrada de várias recomendações internacionais, pelo

que não deixaremos de referir, na presente dissertação, a CDC, ao estabelecer uma outra forma de

encarar a criança, já não só como objeto de direitos, mas como sujeito desses mesmos direitos5.

Seguramente que ninguém ignora as dimensões que a delinquência juvenil tem vindo a

assumir nos tempos mais recentes. Na verdade, abordar o problema dos menores que se colocam

num estado de delinquência ou pré-delinquência no momento em que praticam determinados factos

subsumíveis na categoria de crimes por menores com idades situadas entre os 12 e os 16 anos é

encarar, de frente e em primeira linha, o sistema tutelar educativo, instituído por legislação que conta

já com mais de quinze anos de vigência: a Lei Tutelar Educativa, doravante designada por LTE,

aprovada pela Lei nº 166/99, de 1 de setembro, em vigor desde o dia 1 de janeiro de 2001.

Com o escopo de procurar uma solução normativa harmonizadora entre os ideais de

responsabilização e educação, que permita conciliar as disposições vertidas na LTE, conjugadas com

as linhas gerais orientadoras do trâmite processual penal, dir-se-á que as linhas que se seguem se

destinam a provocar um sobressalto, fazendo ganhar consciência da vastidão do problema que

enfrentamos.

Clarificadas que estão as opções teóricas e metodológicas, cumpre-nos evidenciar

que o trajeto em vista desse mesmo fim envolverá uma necessária incursão pelo direito

substantivo que permita estabelecer um substrato suficientemente seguro e clarificado do

resultado processual que, de seguida, se apresentará.

5 Considerações extraídas por CLÁUDIA SOFIA ANTUNES MARTINS, “As mutações do estatuto jurídico da criança e do jovem. Compreender a

sua evolução ao longo da História”. In Scientia Ivridica – Tomo LXVI, nº 343 (2017). p. 111. No mesmo sentido, veja-se RUI EPIFÂNIO – “Autonomia

da Criança no tempo de Criança”. In LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio. Coimbra: Almedina, 2010. pp. 17

e ss.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

15

§

A versão originária da Lei Tutelar Educativa vigente no panorama judiciário português,

constante da Lei n.º 166/99, de 14 de setembro, apresenta-se sob o signo de um ideal reformista

em matéria de menores6. Enquanto tema estudo e de investigação, esta lei comporta um novo

modelo de intervenção do Estado em relação a menores, cujo marco etário se situa entre os 12 e os

16 anos, que se colocam num estado de delinquência ou pré-delinquência no momento em que

praticam determinados factos que a lei penal qualifica como crimes.

Definido o âmago do presente trabalho, impõe-se-nos discriminar os capítulos que

compõem a dissertação que levámos a cabo. No primeiro capítulo, justifica-se um trajeto

crítico-reflexivo desbravado por entre as coordenadas orientadoras das opções legislativas

preconizadas ao longo das últimas décadas nesta matéria. Nesse propósito, ergue-se como inevitável

fazer uma resenha histórica, sublinhando e percorrendo os pontos fortes explorados pelo modelo de

proteção, desde o seu berço com a Lei de Proteção à Infância – diploma que colocou Portugal na

vanguarda da proteção de crianças e jovens ao criar os primeiros Tribunais de menores –, passando

posteriormente em revista o regime condensado na Organização Tutelar de Menores, cujo modelo

de intervenção, para além de assentar na proteção absoluta da criança, perpetuando a ideia da

existência de um ser permanentemente carecido de proteção e assistência, se tornou fortemente

revelador das fraquezas de um sistema que não era capaz de distinguir situações que eram

6 No que respeita à terminologia adotada ao longo da presente dissertação e apenas por facilidade de exposição, é pertinente registar que iremos fazer

uso da locução “menor”, conquanto iremos abordar a temática relativa à intervenção tutelar educativa – não aprofundamos aqui a questão porque

voltaremos a ela infra, pp. 43 e ss. Todavia, importa esclarecer que a nossa opção pela asserção “menor” ocorre sem emprestarmos qualquer tipo de

conotação pejorativa ou ideia de inferioridade. Apesar do aparente consenso generalizado no entendimento de que a permanência deste termo no

domínio de aplicação da LTE se justifica pelo facto de distinguir os menores inimputáveis (com idade inferior a 16 anos), dos menores imputáveis à

luz do ordenamento jurídico-penal (com idade igual ou superior a 16 anos), de harmonia com o preceituado no artigo 19º do CP, que perfilha a regra

de inimputabilidade absoluta para efeitos criminais, certo é que esta posição não é unanime na doutrina – voltaremos a este assunto infra, mais

detidamente. Cf. pp. 43 e ss. Em sentido diferente, veja-se o que sucede, por exemplo, com o ordenamento jurídico brasileiro, onde o legislador se

preocupou em abrandar os termos pejorativos usados para se referir aos menores, abolindo expressões como “menor” e “delinquente”, tendo sido

com o Estatuto da Criança e do Adolescente – constante da Lei 8.069/90, alterada pela Lei 12.010/09 – que se tornou operativa a distinção entre

criança e adolescente, nos termos do artigo 2º, estabelecendo a aplicação de medidas de proteção (art. 98.º a 111.º) aos actos infracionais cometidos

por aqueles de medidas sócio-educativas aos actos infracionais praticado por estes (art. 112.º a 125.º). Cf., na literatura brasileira, o trabalho

desenvolvido por LEONOR FURTADO e SABRINA SMITH CHAVES, A medidas socio-educativas e as medidas tutelares educativas: a legislação brasileira e

portuguesa. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2000. pp. 41 e ss., que tenta pôr em relevo a legislação aplicável às crianças e jovens no Brasil e

em Portugal, no que tange especificamente às medidas sócio-educativas e às medidas tutelares educativas. Ver igualmente a este propósito, LOPES,

Paulino Jacqueline; FERREIRA, Monforte Larissa – “Breve histórico dos direitos das crianças e dos adolescentes e as inovações do Estatuto da Criança

e do Adolescente – Lei 12.010/09”. In Revista do Curso de Direito da Universidade Metodista de São Paulo. São Paulo. ISSN 2175-5337. Vol. 7, nº 7

(2010). p. 74.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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necessariamente diferentes e que, por isso, deveriam sustentar intervenções distintas sobre as

crianças. Em decorrência da natural transição do modelo de proteção para o modelo de justiça, e

compreendendo como ambos se foram entrelaçando ao longo da história, impõe-se-nos analisar a

evolução que justificou o atual enquadramento jurídico da LTE, partindo da conceção que está por

detrás da filosofia de intervenção desta lei. Sendo certo que ambas as leis vêm consagrar uma

resposta legal diferenciada para realidades diferentes, mas, não raras as vezes, confluentes, cumpre-

nos tecer, com particular detalhe os regimes de intervenção junto das crianças em perigo e aquela

que se dirige aos menores autores de factos criminalmente relevantes, considerando os principais

aspetos suscetíveis de aproximar ambos os regimes.

Trilhados os primeiros caminhos pelas opções legislativas preconizadas ao longo das

últimas décadas nesta matéria, prosseguimos para o segundo capítulo da dissertação, onde as

nossas preocupações se deslocarão para o problema da legitimidade da intervenção estadual.

Num primeiro momento, procurar-se-á equacionar este problema na perspetiva do

interesse do menor, ao que se seguirá a enunciação, no plano jurídico-constitucional, os fundamentos

subjacentes à necessidade de a criança ser tutelada pelo Estado, com o objetivo de delimitar o

sentido e alcance das intervenções de proteção e tutelar educativa, através de uma cuidada análise

dos Projetos de Lei n.os 265/VII e 266/VII, que deram corpo à no LTE e LPCJP, respetivamente. Será,

pois, neste excurso teórico que nos lançaremos num deslindar pormenorizado das razões que nos

fazem propender para a aplicação analógica dos preceitos constitucionais contidos nos artigos 69º

e 70º da CRP, enquanto elementos delimitadores deste tipo de intervenções.

Concretamente em matéria da intervenção tutelar educativa, começamos por compreender,

como que a cotejar as disposições ínsitas na CRP em matéria de direitos, liberdades e garantias, as

limitações que este tipo de intervenção acarreta, designadamente ao nível dos direitos da criança,

tais como o direito à liberdade individual e autodeterminação pessoal, bem como dos seus

progenitores, como o direito à educação e à manutenção dos filhos – questão que, segundo cremos,

ganha particular acuidade, sobretudo quando o nosso enfoque é o direito tutelar educativo.

Seguidamente, cumpre-nos explicitar os pressupostos de aplicação das medidas tutelares

educativas, ao que se seguirá a indagação acerca da finalidade associada a esta intervenção,

consolidando o que se deve entender por «educação do menor para o direito»7. Em vista de tal

7 Como observa FRANCISCO MENDONÇA NARCISO, “Educação do menor para o direito”. In Programa de Doutoramento: Direito, Justiça e Cidadania no

Séc. XXI. Coimbra: Faculdade de Direito, Faculdade de Economia, Centro de Estudos Sociais, 2009. pp. 8 e ss., que chama a atenção para aqueles

que considera os dois grandes vetores deste conceito – enquanto finalidade perseguida pelo regime tutelar educativo e enquanto pressuposto de

aplicação de medidas tutelares educativas que, como se verá, perpassam igualmente esta dissertação.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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desiderato, de forma a desmitificar este conceito – aparentemente despido de qualquer tipo de

valoração normativa –, socorremo-nos dos preceitos com assento constitucional, bem como das

normas jurídicas internacionais, enquanto elementos delimitadores deste conceito jurídico. Não será,

pois, despiciendo assinalar que se trata de um conceito que, não obstante a sua essencialidade

neste tipo de intervenção – reportando-se a ele o legislador, repetidas vezes e em distintos momentos

da lei – que não é explicitado por qualquer dessas normas8. Estranhamente, este pouco ou nada tem

sido trabalhado, não se lhe revelando conteúdo, apesar de ser muitíssimo invocado ao longo da

fundamentação das decisões judiciais.

A aproximação ao processo penal encontra a sua primeira razão de ser na intrincada, e

pontualmente inextrincável, relação entre o Direito Tutelar Educativo e o Direito Processual Penal,

que decorre da aparente simplicidade que resulta da remissão do artigo 128.º, n.º1 ao impor a

aplicação do CPP – a título de direito subsidiário – em todas as matérias não expressamente

reguladas na LTE9.

Na verdade, o que o processo tutelar educativo importa do processo penal são as garantias

constitucionais em matéria de direitos fundamentais e alguns institutos adaptados aos fins do

processo tutelar educativo, não devendo ser esta perspetivada como uma espécie de «Código de

Processo Penal dos jovens»10. A LTE não é, deixe-se desde já muito claro, uma adaptação do CPP

aplicável a jovens que hajam praticado um facto qualificado pela lei como crime. Uma interpretação

sistemática, ancorada na globalidade do sistema tutelar educativo, considerando a especificidade do

seu âmbito, as suas finalidades, natureza e respetivos instrumentos de realização, não nos permite

perspetivar a intervenção tutelar educativa como um «Código de Processo Penal dos jovens». Nem

poderia ser de outro modo, desde logo e tendo em conta as finalidades associadas à intervenção

tutelar – educação do cidadão menor para o respeito pelas regras jurídicas mínimas da coexistência

social e, nessa medida e com esses limites, proteção dos bens jurídicos essenciais da comunidade

– não se identificam com os fins da intervenção penal – protecção dos bens jurídicos essenciais da

8 Como salientam alguns autores, nomeadamente CARLOS CASIMIRO NUNES, “O jovem delinquente na lei tutelar educativa: a educação para o direito”.

In Polícia e Justiça. Lisboa. ISSN 0870-4791. nº 8, 3ª Série (2006). p. 353, para quem o conteúdo deste “conceito aberto” terá de ser interpretado

pelo aplicador. Cf., igualmente a este propósito, RAQUEL TEIXEIRA TORRES, “Que educação para o direito? Da Lei Tutelar Educativa à intervenção educativa

com delinquentes juvenis”. In Ousar Integrar – Revista de Reinserção Social e Prova. Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). pp. 39 e ss.

9 O que, na verdade, se compreende, não apenas para encontrar a completa regulamentação de mecanismos que se encontram plasmados neste

diploma, como também para encontrar determinados aspetos que já não se encontram nela contemplados, mas aos quais e aplicam, a título

subsidiário, o regime processual penal.

10 A propósito, cf., entre outros, AMORIM, Rui Jorge Guedes Faria de – “Intervenção tutelar educativa (antinomias do sistema e trilhos

futuros)”. In Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família. Coimbra. ISSN 1645-9660. nº 19 (2013). p. 51.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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comunidade através da cominação e execução de reacções punitivas. No entanto, Entendemos que

nunca é demais acentuar este ponto que, como em momento oportuno iremos oportunidade de

referir, norteia o espírito de elaboração desta monografia.

Assim, por constituir um tema transversal a toda à comunidade e por assumir contornos

particularmente relevantes nos vários domínios jurídico-processuais, impõe-se-nos, numa terceira

parte desta tese, refletir e analisar a especificidade e autonomia deste regime face ao Direito

Processual Penal, avaliando-se a conveniência deste processo servir de fonte ao processo tutelar

educativo11. No sentido da justeza deste entendimento, vemo-nos impelidos de refletir sobre a

disciplina legal relativa à estruturação do processo. Para o efeito, pretendemos, ab initio, indagar

sobre as especificidades da fase de inquérito. Numa primeira fase, quedar-nos-emos pela

problemática inerente ao regime da denúncia, que atualmente permite a participação de um facto

qualificado pela lei como crime praticado por jovem com idade entre os 12 e os 16 anos,

independentemente da sua natureza (pública, semipública ou particular). Não obstante a nova

redação do artigo 72.º, estando hoje minorados os problemas que deste preceito resultavam,

aproveitamos a oportunidade para repescar o debate relativamente ao regime de denúncia.

Neste contexto, sendo um dos aspetos essenciais da LTE a relevância acrescida da

intervenção processual do MP12, parece-nos adequado, nesta parte, analisar os regimes jurídicos

relativos à prova, imediação, contraditório e à possibilidade de recurso aos serviços de

mediação. Seguidamente, merecerá o nosso detido olhar as modalidades de encerramento do

11 O propósito de que as considerações subsequentes possam ser lidas sem equívocos obriga a um esclarecimento prévio acerca do respetivo

âmbito de incidência. Cumpre, assim, precisar que não nos dedicaremos, propriamente, à análise de toda a estrutura processual inerente ao

processo tutelar educativo. Diversamente, a nossa ótica cinge-se, de forma tendencialmente exaustiva, à fase de inquérito, embora não se limitando

a ela.

12 Amplamente sobre as várias funções e atribuições historicamente atribuídas ao MP no âmbito da representação dos incapazes, acompanhamos

VIDAL, Maria Joana Raposo Marques – “O Ministério Público e o processo tutelar educativo. De Curador a Acusador…?”. In VIDAL, Joana Marques

[coord.] – O Direito de Menores: Reforma ou Revolução? Lisboa: Edições Cosmos, 1998. pp. 181-186 e, de igual modo, MARÇALO, Paula – Estatuto do

Ministério Público Anotado. Coimbra. Coimbra Editora, 2011. pp. 49-55 (concretamente, a anotação do artigo 3.º, nº1, alínea a), parte final do EMP).

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

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inquérito tutelar educativo, designadamente, os regimes do arquivamento liminar, suspensão do

processo, arquivamento e do requerimento para abertura da fase jurisdicional13.

13 No tocante às formas de encerramento do inquérito tutelar, taxativamente previstas nos artigos 78.º, 84.º, 87.º, 89.º e 90.º, para além de apreciarmos

a sua configuração positiva, torna-se necessário conhecer o modo como elas são aplicadas, na praxis judiciária, exatamente porque é nessa feição que

o direito interfere na vida real. Assim sendo, por revestir manifesto interesse para a nossa investigação – face ao âmbito judiciário em que assenta o

mestrado onde nos inserimos –, propomo-nos coligir os dados relativos à percentagem de inquéritos arquivados (liminarmente ou não), suspensos e

nos quais foi requerida a abertura da fase jurisdicional, socorrendo-nos, para o efeito, da informação estatística disponibilizada pelas Procuradorias-

Gerais Distritais de Lisboa, Porto, Coimbra e Évora, através dos seus relatórios anuais. De igual modo, neste ponto, também assumem particular

destaque os trabalhos resultantes dos Encontros Anuais do MP da Área de Família e Menores das Procuradorias-Gerais Distritais de Lisboa e Porto,

organizados nos anos de 2013, 2014 e 2015. Tratam-se de Encontros aos quais tributamos a maior importância, não só pela exemplar participação

dos Magistrados do MP, mas também pela profundidade do debate e pela uniformização que potencia em temáticas tão prementes e com tanta

repercussão no quotidiano das crianças que vinham sendo objeto de tratamento diferenciado pelos mais diversos Magistrados dos distritos judiciais

supra identificados. Por outro lado, iremos trazer para o nosso espaço discursivo algumas orientações seguidas pela jurisprudência dos Tribunais

superiores – mormente, revisitando os Acórdãos do TRP de 27/10/2004, proc. nº 0414556, de 19/12/2007, proc. nº 0716253 e do TRC de

07/03/2007, proc. nº 793/06.1TAACB.C1 – com a intenção clara de esclarecer este problema, dissipando, por esta forma, eventuais dúvidas que

resultavam de alguma jurisprudência existente.

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

20

§

Será, deste modo, subjugado a este enquadramento temático que conduziremos

a presente investigação, focando um assunto que, pela sua incipiência e especial complexidade,

poderá encontrar um terreno privilegiado de reflexão.

De igual modo, não descurando a vertente judiciária em que assenta o mestrado

em que nos inserimos, privilegiaremos, ao longo da nossa exposição, a análise de jurisprudência dos

Tribunais superiores – sobretudo tendo em conta situações geradoras de maior dúvida interpretativa.

Será, então, neste contexto, pretendemos incorporar, na presente investigação, uma componente

enquadramento e discussão crítica da doutrina e jurisprudência relevantes, acompanhada de uma

imprescindível fundamentação de índole teórica, apoiada por um exercício experimental

impulsionador de uma abordagem inovadora do tema escolhido.

Por outro lado, importa referir que nos propomos, desde já e sempre que possível, adotar

um espírito crítico na interpretação das disposições legais, que possibilite a realização de algo mais

do que uma simples cronologia de normativos, doutrina e jurisprudência atinentes aos problemas

considerados.

Aqui chegados, e sem perder o nosso leme, mantivemo-nos – assim o esperamos – firmes

no propósito de apresentar um trabalho suficientemente inovador, cujo tema radica na pretensão de

desenvolver um trabalho de âmbito aplicado, que integre as competências e os conhecimentos

adquiridos ao longo do curso, tendo em vista a apresentação de soluções de cariz prático, orientadas

para a resolução dos problemas concretos inerentes às temáticas abordadas, tendo, porém, sempre

presentes preocupações de enquadramento teórico e justificação metodológica.

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[A Grã Duquesa]

– És novo. Não podes ser mau.

[Kaliayev]

– Não tive tempo de ser novo.

(Albert Camus, “Os Justos”)

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGISLATIVA DA JUSTIÇA JUVENIL EM PORTUGAL:

BREVE ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

1. Generalidades

A melhor forma de iniciar a exposição das questões que ora nos ocupam neste primeiro

capítulo não pode deixar de ser a análise da temática relativa aos primórdios que antecederam a

legislação portuguesa atinente ao Direito de Menores, sem, no entanto, se pretender reproduzir todos

os aspetos que este ramo pressupõe, mas tão só efetuar um breve excurso histórico sobre a evolução

do sistema de justiça de menores, assinalando os aspetos mais controvertidos de forma a perspetivar

as principais linhas de rutura e de continuidade que se fizeram sentir no ordenamento jurídico

português.

Neste contexto, sendo certo que a alteração das conceções sociais vigentes relativamente

à posição processual assumida pelos menores fez impender sobre o Direito um dever de modificação

de paradigmas e de adaptação às novas realidades, não pode o nosso ordenamento jurídico

desconsiderar os problemas que daí resultem. Assim, conscientes de que a normatividade jurídico-

processual não pode alhear-se à evolução social e à nova conceção da Criança, considerámos

fundamental, neste particular, equacionar qual o tratamento conferido aos menores, em específico

e numa primeira fase, no contexto jurídico-penal.

Assim, em face do que antecede, constituirá objeto de um primeiro tratamento os

instrumentos normativos que Portugal conheceu numa época temporal e concretamente

determinada que se cinge aos anos de 1513 a 1911 e de 1962 a 1999, até aos dias de hoje.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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2. Das Ordenações Manuelinas à publicação da Lei de Proteção da Infância

A primeira manifestação legal portuguesa relativa ao “direito penal dos menores”14 remonta

a 1513, época concernente às Ordenações Manuelinas15. Naquele período, consideravam-se os

menores até aos 14 anos de idade como irresponsáveis, cabendo ao tutor responder em juízo pela

prática dos delitos cometidos. Esta presunção de irresponsabilidade podia, no entanto, ser suprimida

quando se provasse que a malícia do menor supria a deficiência da sua idade. Por sua vez, tratando-

se de menores com idade superior a 14 anos, era exigida a sua presença em juízo com o seu tutor

ou curado, sendo que, à semelhança do que vinha sucedendo com os adultos, o julgamento decorria

nos tribunais comuns e sob as regras do direito processual criminal ordinário, daí que se pudesse

falar numa verdadeira identidade de tratamento jurídico-penal dos menores os criminosos adultos,

mantendo-se, aos olhos de Ernesto Candeias Martins, “a ideia de encarar a criança como um adulto

quer no modo de pensar, de vestir, de alimentar, de viver, como no âmbito jurídico-social e educativo

da época”16.

14 Segundo ERNESTO CANDEIAS MARTINS, A Problemática Sócio–Educativa da Protecção e da Reeducação dos Menores Delinquentes e Inadaptados entre

1871 a 1962. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 1995. Dissertação de Mestrado. p. 97, o recurso à expressão “direito penal dos menores”,

neste período, compreendia-se, na medida em que aos menores era conferido um tratamento que se equiparava ao concedido às pessoas adultas

“sempre que tivessem actuado com discernimento”. No mesmo sentido, veja-se GERSÃO, Eliana – “Menores agentes de infracções criminais – que

intervenção? Apreciação crítica do sistema português”. In Separata do Número Especial do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de

Coimbra. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia – 1984. Coimbra, 1988. p. 4 e SUDAN, Dimitri – “Da criança culpada ao sujeito

de direitos: alterações dos modos de gestão da delinquência juvenil (1820-1989)”. In Infância e Juventude – Revista do Instituto de Reinserção Social.

Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 3 (1997). pp. 74-75. Na verdade, já em 1810 havia sido promulgado o Código Penal Francês que previa uma disposição

específica, distinta dos adultos, que se apoiava na noção de discernimento, definida como “a inteligência legal que é suposto o indivíduo ter sobre a

natureza criminal da acção que cometeu” – Para maiores desenvolvimentos sobre esta temática, cf., entre outros, BAILLEAU, Francis – “A re-introdução

da noção de discernimento: uma ruptura no direito penal de menores?”. In Ousar Integrar – Revista de Reinserção Social e Prova. Lisboa. ISSN 1647-

0109. nº 7 (2010). pp. 11 e ss.

15 Seguindo de perto MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA – História do Direito Português. 4ª Ed. Coimbra: Almedina, 2012. pp. 312-313, pese embora se

conheçam exemplares impressos dos Livros I e II, de 1512 e 1513, a edição definitiva do projeto legislativo destas Ordenações ocorreu em 1523. Esta

previsão de normas tendo em vista a proteção de crianças e jovens era tida como “imperfeita e rudimentar” – Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa – “Os

Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa: uma avaliação de dois anos de aplicação da Lei Tutelar Educativa”. Relatório do Observatório

Permanente da Justiça. Coimbra: Centros de Estudos Sociais, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Portuguesa, 2004. p. 127.

16 Cf. MARTINS, Ernesto Candeias – “Menores Delinquentes e Marginalizados (Evolução da Política Jurídico-penal e Sociopedagógica até à 1ª República”.

In Infância e Juventude. Revista do Instituto de Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 4 (1998). p. 79; ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos

Menores: do modelo de protecção ao modelo educativo”. In SOTTOMAYOR, Maria Clara [coord.] – Cuidar da Justiça de Crianças e Jovens. A Função dos

Juízes Sociais. Actas do Encontro. Porto: Almedina, 2003. p. 136; ALMEIDA, Tânia Rodrigues de – Limites ao internamento de jovens em centro

educativo. Lisboa: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2017. Dissertação de Mestrado. p. 15.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

24

De acordo com o Livro III, Título LXXXVIII, tinha-se por assente que a única preocupação

se cingia à realização da justiça, desconsiderando-se a proteção dos menores delinquentes, pelo que

se encontrava naturalmente vedada a aplicação de qualquer medida de proteção ou educação. Na

verdade, a ânsia excessiva de realizar a justiça penal era de tal forma exagerada, que era legalmente

permitida a aplicação de penas corporais e infamantes, estando inclusivamente prevista a pena de

morte, excetuando os casos em que o menor tivesse idade inferior a 17 anos. Deste modo, e

reforçando a filosofia de intervenção própria das Ordenações Manuelinas, firmou-se o entendimento,

de certa forma generalizado, de que “a proteção concedida à infância em termos jurídicos, legislativos

e educativos era insuficiente, incompleta e defeituosa, não existindo a reeducação e a reinserção

social dos menores”17.

Mais tarde, uma procura incessante por respostas que justificassem os motivos pelos quais

as crianças adotavam comportamentos que consubstanciavam factos ilícitos18, conduziu-nos a uma

conceção do crime como dimensão da realidade da vida social e não apenas como um facto jurídico.

O paradigma de resposta para esta nova configuração do crime que se foi impondo assentou numa

polivalência de conjunturas políticas, ideológicas e sociais, que conduziu à afirmação de múltiplas

correntes penais e criminológicas, cujo berço se circunscreveu aos princípios e às metodologias

positivistas, que se propagaram nos finais do século XIX e primeiras décadas do século XX. Foi

precisamente com base nesta doutrina positivista que se vem a preconizar a substituição do direito

penal pelas medidas de «tratamento» e de «cura» dos delinquentes19, assomando-se a primeira

referência legal ao princípio da prevenção e correção dos menores delinquentes. Tal vem a suceder

com a publicação dos Códigos Penais de 1837, 1852 e 1886 que precipitaram o nascimento de

uma justiça para menores diferenciada dos adultos. Todavia, o nosso quadro normativo – mormente

com o CP de 1982 –, imbuído pelo espírito de tratamento e de correção, ainda continuava a mostrar-

se favorável à possibilidade de prorrogar as penas aplicadas aos condenados quando estes fossem

considerados “de difícil correção”.

17 Cf. MARTINS, Ernesto Candeias – “Menores Delinquentes e Marginalizados (Evolução da Política Jurídico…”. ob. cit. pp. 86 e ss.

18 Cf. aquilo que dissemos quanto ao nosso objeto e à sua razão de ser na introdução deste trabalho.

19 Cf. CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da – “Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p. 439.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

25

2.1. A Lei de Proteção à Infância

É, contudo, no decurso da segunda metade do século XIX que se assiste à emergência de

um “movimento social a favor da protecção da Infância”20. Foi com o irromper deste movimento que

se concretizou a mais premente leitura da tutela da criança com a publicação da Lei de Proteção à

Infância, que vem afirmar – diríamos nós, com redobrada certeza – a necessidade de criar condições

de proteção da própria criança21.

De relevo incontestável no domínio político-social da República Portuguesa, esta lei entrou

em vigor a 27 de maio de 1911 e veio instituir um modelo de intervenção de cunho protecionista. A

sua construção foi concebida num ambiente em que se denotou um arquétipo de mudança

relativamente ao «direito criminal de menores», na medida em que corta radicalmente com o regime

dos Códigos Penais do século XIX, proibindo-se “em absoluto a aplicação de quaisquer penas

criminais, fosse qual fosse o seu grau de maturidade e a gravidade da infracção cometida”22.

De forma a assinalar as suas caraterísticas essenciais, importa começar por referir que ela

veio consagrar um sistema de intervenção de cariz preventivo, pretendendo “mais do que reagir

contra actos delituoso já verificados, evitar que os menores enveredassem pela via da delinquência”23.

20 Como explica ELIANA GERSÃO, “Um século de Justiça de Menores em Portugal (no centenário da Lei de Protecção à Infância de 1911)”. In ANDRADE,

Manuel da Costa [et. al.] [org.] – Direito Penal – Fundamentos dogmáticos e político-criminais (Homenagem ao Professor Peter Hünerfeld). Coimbra:

Coimbra Editora, 2013. pp. 1368-1369, ao referir-se à criação de “movimentos filantrópicos de protecção à infância”, visando proporcionar às crianças

melhores condições de vida, saúde, proteção, instrução e formação. Firmou-se, assim, ao arrepio daquilo que havia sido defendido noutros tempos,

“o enraizamento da consciencialização da necessidade de protecção jurídica de menores e uma crescente adesão da sociedade a essa filosofia de

proteção.” – cf., por exemplo, o que a este propósito foi dito por MARIA LUÍSA RIBAS PINHEIRO TORRES,– Da articulação das medidas de promoção e

protecção de crianças e jovens em perigo com as medidas tutelares educativas. Braga: Universidade do Minho, 2013. Dissertação de Mestrado. p. 31

e por PAULO GUERRA e LEONOR FURTADO, O Novo Direito das Crianças e Jovens – Um Recomeço. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2001. p. 27,

para quem.

21 Cf. ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos Menores…” ob. cit. p. 137 e RODRIGUES, Anabela Miranda – “Repensar o Direito de Menores

em Portugal – Utopia ou Realidade?”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. nº 7 (1997). p. 360.

22 Cf. GERSÃO, Eliana – “Portugal entre as armadilhas da “protecção” e da “justiça” de menores”. In Tribuna da Justiça. nº 4-5 (1990). p. 90.

23 Para uma descrição dos mais importantes princípios enformadores da LPI, nomeadamente sobre o seu direito preventivo, veja-se as considerações

expendidas por ELIANA GERSÃO, “Um século de Justiça de Menores em Portugal…” ob. cit. p. 1369, que nos brinda com uma análise do sistema que

assentava na ideia de que era necessário intervir logo aos primeiros “sintomas de delinquência” – logo que criança cometa um pequeno crime ou até

mesmo antes disso, quando se encontre numa daquelas situações que se pensa que conduzem ao crime (ociosidade, vadiagem, mendicidade)”. Da

mesma Autora, cf. “Menores agentes de infracções criminais – que intervenção…” ob. cit. p. 5; Tratamento Criminal de Jovens… ob. cit. p. 42; “Portugal

entre as armadilhas…” ob. cit. p. 90. Em sentido análogo, acompanhamos ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos Menores…” ob. cit. pp. 137-138;

MARTINS, Ernesto Candeias – A Problemática Sócio–Educativa da Protecção e da Reeducação dos Menores… ob. cit. pp. 103-105; SANTOS, Boaventura

de Sousa – “Os Caminhos Difíceis da “Nova” Justiça Tutelar Educativa: uma avaliação…” ob. cit. p. 128. Chamando também a atenção para este

aspeto, JOSÉ BELEZA DOS SANTOS e PEDRO DE MOURA SÁ, Regime jurídico dos menores delinquentes em Portugal: Princípios dominantes. Coimbra:

Coimbra Editora, 1926. p. 183, referem-se a “um direito largamente preventivo, exercendo-se a acção jurisdicional dos tribunais antes que o menor

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

26

Como tal, um regime assim concebido veio impor ao tribunal que não tivesse de aguardar que a

criança cometesse um crime para desencadear a respetiva intervenção judiciária. Reclamava-se,

assim, uma atuação precoce do tribunal “logo que a criança, pelo seu comportamento, desse

mostras de se encontrar «prevertida» ou «corrompida»”24.

Por outro lado, as finalidades associadas a esta intervenção eram essencialmente

assistenciais e curativas, permitindo-se a inserção do menor – seja ele delinquente, desamparado,

indisciplinado ou em perigo moral – numa família idónea ou numa instituição de assistência. No

entanto, relativamente aos menores delinquentes, desamparados e indisciplinados, para além da

medida anterior, podia haver lugar ao pagamento de sanções pecuniárias, sobretudo dirigidas aos

pais, colocação em liberdade vigiada e internamento em estabelecimentos do Estado (próprios para

menores): de um lado, as «escolas de reforma» destinadas aos menores «desamparados», aos

«delinquentes» de 9 a 13 anos, fosse qual fosse o crime praticado e aos «delinquentes» de 13 a 16

anos, agentes de crimes puníveis com pena correcional. Para os casos mais graves, existiam as

«casas de correção», destinadas aos «delinquentes» de 13 a 16 anos agentes de crimes puníveis

com pena maior. Note-se, no entanto, que nos casos em que fosse necessário recolher

temporariamente o menor enquanto se aguardava pelas decisões judiciais, foram criados os

«refúgios» junto dos tribunais de menores de maior dimensão (excluindo-se, porém, a prisão

preventiva dos menores com idade inferior a 16 anos25).

Uma terceira caraterística desta lei relaciona-se com o cunho individualizado das decisões

adotadas, de tal forma que a escolha da medida devia ser orientada pela situação pessoal e pelas

carências educativas do menor, pelo que se encarava a prática de ilícitos criminais como decorrente

da exclusão social, da carência afetiva e da necessidade de proteção do menor. Note-se, aliás, que

a individualidade da decisão judicial era de tal forma acentuada que “se afirma, logo no artigo 2º,

que o tribunal julga «sempre no interesse do menor», especificando – repetidas vezes – que a decisão

será tomada conforme a sua idade, instrução, profissão, saúde, abandono ou perversão – factores a

seja delinquente, bastando que haja um perigo sério de que se lance ou seja lançado no caminho do crime”, sendo por isso, que ANTÓNIO CARLOS

DUARTE-FONSECA, “Sobrevivência e erosão do paradigma da protecção em sistemas europeus de justiça juvenil”. In Ousar Integrar – Revista de

Reinserção Social e Prova. Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). p. 63, indique a LPI como uma das primeiras leis especialmente destinadas à

prevenção da prática de crimes por crianças e jovens.

24 Idem, p. 137.

25 Como explica ELIANA GERSÃO, “Carência sócio-familiar e delinquência juvenil: a sua imagem a partir da análise de alguns dados estatísticos referentes

à jurisdição tutelar”. In MEDEIROS, Carlos Laranjo [coord.] [et. al.] – Do Desvio à Instituição Total – Sub-Cultura – Estigma – Trajectos. Lisboa. Cadernos

do Centro de Estudos Judiciários, nº 2/89. p. 40, a proibição da pena de prisão aos menores de 16 anos que cometam crimes é apontada como um

“dado cultural do país”, porquanto se tratou de uma norma introduzida pela LPI (de 27 de Maio de 1911), que “desde essa data até aos nossos dias

nunca lhe foi introduzida qualquer restrição”.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

27

que, quando se trata de «delinquentes», se acrescenta «a natureza do crime e suas circunstâncias

agravantes e atenuantes – e, bem assim, «a situação social, moral e económica dos pais ou tutor»”26.

Por outro lado, de forma a efetivar o caráter individual das medidas, estava prevista a existência um

inquérito relativo ao menor, bem como a possibilidade de sujeição a um exame antropológico.

2.2. As Tutorias da infância

Como se compreende, este diploma legal foi expressão de um novo momento em Portugal,

vindo introduzir modificações significativas no sistema até então vigente no nosso ordenamento

jurídico. Uma das principais novidades instituídas por esta lei consistiu na reformulação dos órgãos

judiciários a quem é confiada a aplicação de medidas aos menores27, com a criação das primeiras

jurisdições especializadas para os menores de 16 anos que, neste período, se designam por “Tutorias

da Infância”28 – tendência que se viu largamente difundida e acompanhada por outros países

europeus que vieram consagrar regras de direito especiais para menores29.

26 Vide, GERSÃO, Eliana – “Menores agentes de infracções criminais – que intervenção…” ob. cit. p. 7 e, da mesma Autora, “Portugal entre as armadilhas

da “protecção…” ob. cit. p. 90.

27 Sobre a importância desta iniciativa no ordenamento jurídico português, acompanhamos MATTA, Caeiro da – Direito Criminal Português. Vol. I.

Coimbra: F. França Amador, Editor, 1911. pp. 234 e ss.

28 Curioso notar que, já à altura, existia uma preocupação relativamente à designação “Tutoria da Infância” em vez de “Tribunal da Infância”, como

evidencia ANA RITA DA SILVA SAMELO ALFAIATE, O Problema da Responsabilidade Penal dos Inimputáveis por Menoridade. Coimbra: Faculdade de Direito

da Universidade de Coimbra, 2015. Dissertação de Doutoramento. p. 114, ao sustentar que “o termo Tribunal da Infância encerrava, aos olhos do

legislador, a ideia do julgamento e do castigo que importava evitar no caso dos infantes”. Em sentido análogo, ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA,

Internamento de menores delinquentes: A lei portuguesa e os seus modelos – um século de tensão entre proteção e repressão, educação e punição.

Coimbra: Coimbra Editora, 2005. p. 148, ao referir que “em Portugal, o recurso ao significante tribunal correria o risco de despertar na opinião pública

uma ideia repressiva e estigmatizante, incompatível com o ideal humanitário e educativo que pretendia imprimir-se à intervenção desta jurisdição nova

e especial” (sublinhado do Autor) – cf., igualmente, MARIA ROSA FERREIRA CLEMENTE DE MORAIS TOMÉ, “A Cidadania Infantil na Primeira República e a

Tutoria da Infância. A Tutoria de Coimbra e do Refúgio Anexo”. In Revista de História da Sociedade e da Cultura. Coimbra. ISSN 1645-2259. Tomo II.

nº 10 (2010). p. 491, afirmando que “A opção inicial pela designação Tutoria da Infância pretendia evitar o estigma gerado pelo tribunal, instituição

de vocação punitiva, bem como funcionar com proximidade aos jovens, para prevenir e curar os problemas, mais do que condenar e sancionar”. Assim

esclarece o próprio preâmbulo do diploma, ao referir que a expressão «Tribunal da Infância» não conseguia afastar a ideia de ser um local destinado

a julgar, a castigar, pelo que, convinha evitar, tanto quanto possível, que a criança ficasse marcada pelo estigma de ter cumprido pena, sendo apenas

com a publicação do Estatuto Judiciário constante do DL n.º 33 547, de 24 de fevereiro de 1944, mormente no seu artigo 70.º, que se altera esta

designação, passando as “Tutorias da Infância” a designar-se por Tribunais de Menores – cf. GERSÃO, Eliana – Tratamento Criminal de Jovens… ob.

cit. p. 55. Em segundo lugar, tal opção justificava-se pelas atribuições que pertenciam às Tutorias, no sentido de prevenir, curar do que propriamente

o de castigar, em estrita conformidade com o artigo 2º.

29 Como temos vindo a chamar à atenção, embora tenha sido Portugal “o primeiro país europeu a criar legalmente tribunais específicos para apreciar

as causas respeitantes a menores, à data da publicação da LPI, esses tribunais já funcionavam, numa base de facto em algumas cidades estrangeiras”

– Cf. GERSÃO, Eliana – “Menores agentes de infracções criminais – que…” ob. cit. p. 4. Tecendo breves considerações sobre o aparecimento das

primeiras jurisdições especializadas para menores na França, Alemanha, Espanha e Suécia cf., entre outros, BAILLEAU, Francis – “A re-introdução da

noção de discernimento…” ob. cit. p. 11 e RODRIGUES, Anabela Miranda – “Repensar o Direito de Menores…” ob. cit. pp. 359-360. Segundo JEAN

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

28

De acordo com o artigo 1.º da LPI, a finalidade subjacente à criação das tutorias consistiu,

não só, na prevenção dos males sociais que podem conduzir à perversão e ao crime os menores de

16 anos ou comprometer a sua vida ou saúde, mas também remediar os efeitos desses males. No

que concerne às suas atribuições, dispunha o artigo 2.º § único da LPI. De acordo com este preceito,

competia-lhes a proteção dos menores em perigo moral, desamparados ou delinquentes, bem como

os julgamentos de certos crimes cometidos por adultos contra crianças.

Por outro lado, a LPI tinha, ainda, a particularidade de se destinar indistintamente às

crianças em perigo moral, desamparadas e delinquentes. Deste modo, o facto criminoso não

TREPANIER, “Mudanças de rumo para a Justiça de Menores: o caso de um estado americano”. In Infância e Juventude – Revista do Instituto de

Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 89.1 (1989). p. 9, nos Estados Unidos da América, o movimento de defesa da infância nasceu em

pleno século XIX, mobilizando vários grupos sociais e profissionais – cf., no mesmo sentido, ABREU, Carlos Pinto de; RAMOS, Vânia Costa; SÁ, Inês

Carvalho – Protecção, Delinquência e Justiça de Menores: Um Manual Prático para Juristas... e não só. Lisboa: Edições Sílabo, 2010. p. 45 e GUERRA,

Paulo; FURTADO, Leonor – O Novo Direito das Crianças e Jovens… ob. cit. p. 27. Assim, de acordo com ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Internamento

de menores delinquentes: A lei portuguesa… ob. cit. pp. 136-137: “no Estado de Massachusetts, começam a ter lugar nos tribunais de Boston, a partir

de 1869, audiências especiais para menores, sendo em 1870 publicada uma lei federal que vem determinar a separação dos menores com menos de

16 anos de idade dos adultos. Este movimento vem a alastrar-se para outros Estados, tendo contribuído para a criação dos primeiros tribunais de

menores a atividade de várias associações particulares com o objetivo de proteger a infância”. Nesta sequência, o primeiro tribunal de menores –

juvenile court – surge no Estado de Illinois, na cidade de Chicago, em 21 de abril de 1899, aquando da aprovação da «Act to Regulate the Treatment

and Control of Dependent, Negleted and Delinquent Children» – Cf., no mesmo sentido, TOMÉ, Maria Rosa Ferreira Clemente de Morais – Justiça e

Cidadania Infantil em Portugal (1820-1978) e a Tutoria de Coimbra. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2012. Dissertação de

Doutoramento. pp. 53-57 e PEDROSO, João – “A Reforma do “Direito de Menores”: A Construção de um “Direito Social”? (A intervenção do Estado e

da Comunidade na Promoção dos Direitos das Crianças)”. In Oficina do CES. Coimbra. nº 121 (1998). p. 24. Um percurso análogo ao ocorrido no

Estado de Illinois conduziu à criação de tribunais de menores noutros estados: em 1902, em Cleveland (Ohio), em 1903, na Pensilvânia e na Califórnia,

em 1906, em Boston (quanto a este, o tribunal distinguia-se por ser coletivo, na medida em que era composto por um magistrado judicial e por dois

juízes especiais). Tratou-se, pois, de um tribunal composto por um juiz especializado, um estabelecimento para internamento separado de menores

negligenciados, entregues à vadiagem e mendicidade e delinquentes e por um corpo de agentes de probation – no mesmo sentido, veja-se SILVA, Júlio

Barbosa e – Lei Tutelar Educativa Comentada no âmbito das principais orientações internacionais, da jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu

dos Direitos do Homem. Coimbra: Almedina, 2013. p. 26. Todavia, como observa JAAP DOEK, “O futuro do Tribunal de Menores”. In Infância e Juventude.

Revista do Instituto de Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 89.3 (1989). pp. 11-12, vários foram os Autores que acentuaram a desadequação

desta lei, tecendo duras críticas a diversas disposições nela contidas. Por seu turno, no que tange à Inglaterra, sob influência deste movimento, foi

criado o primeiro tribunal para menores de idade inferior a 16 anos, em 1905 em Birmingham e Manchester. Tal circunstância ficou a dever-se ao

«Juvenile Offenders Act», datada de 1847, que instituiu o julgamento de menores com idade inferior a 14 anos por tribunais de jurisdição sumária, sem

júri, regime que foi posteriormente alargado aos menores com menos de 16 anos. À semelhança do que sucedeu com o pensamento jurídico norte-

americano, foi recomendado aos Magistrados Judiciais ingleses – através da Circular do Ministro do Interior de 30/06/1905 –, a diferenciação do

julgamento de menores, nomeadamente quanto ao momento do dia (de preferência pela manhã, antes dos adultos), bem como a necessidade de

criar jurisdições especiais. Todavia, foi apenas com a entrada em vigor da «Children Act» – igualmente conhecida como Magna Carta da Infância – em

1908, cujo objetivo era codificar e rever a legislação relativa à proteção das crianças e adolescentes, aos estabelecimentos de educação e reforma, à

delinquência juvenil e ao estatuto da infância e da adolescência, que foram organizadas secções jurisdicionais especiais para menores.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

29

constituía pressuposto da intervenção das tutorias, podendo contribuir, quando muito, para o

conhecimento da personalidade do menor, eventualmente como indício de maior perigosidade30.

Numa primeira fase, as Tutorias da Infância exerciam a sua competência apenas na

circunscrição territorial de Lisboa, tendo sido com a aprovação da Lei de 24/04/1912, que estas

Tutorias se estenderam ao Porto. Por sua vez, as restantes comarcas portuguesas tiveram que

aguardar pela aprovação do Decreto nº 10767, datado de 15/05/1925, que veio alargar a aplicação

deste regime a todo o país, o que até aí não sucedera por dificuldades económicas. Quanto à situação

geográfica das Tutorias, de acordo com o artigo 4º, de 1925 em diante, as mesmas encontravam-se

divididas em centrais (Lisboa, Porto e Coimbra) e comarcas (nas restantes comarcas do país),

incumbindo-lhes julgar as causas cíveis e crimes dos menores em perigo moral, desamparados e

delinquentes, prescrevendo medidas como a colocação definitiva, a guarda, vigilância, tratamento,

educação ou tutela. Tanto umas como outras são tribunais coletivos, compostos por um juiz-

presidente – nas tutorias centrais, tratava-se de um magistrado especialmente nomeado para o cargo,

de entre os juízes de 2ª ou 3ª classe, ao passo que, nas comarcas, era o juiz de direito da comarca

– e por dois vogais, com o título de juízes-adjuntos. O primeiro dos juízes-adjuntos, nas tutorias

centrais, era o médico privativo, sendo que, nas comarcas, era o delegado ou o sub-delegado de

saúde que ocupava esse cargo. Já o segundo dos juízes-adjuntos é um professor de liceu da

localidade ou, nos casos em que não existisse liceu, da escola primária, de harmonia com o artigo

5º. No que tange à representação do MP em cada tutoria, existia um curador, podendo ocupar este

cargo o delegado do procurador da República na comarca respetiva, com exceção das tutorias de

Lisboa e Porto, onde as funções de defesa do interesse do menor eram confiadas a um magistrado

nomeado expressamente para esse fim (artigo 7º)31.

Ademais, para cumprir eficazmente o fim a que estava destinada, a LPI estabeleceu a

criação da Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças32, a par das Tutorias da

Infância, que reunia todas as instituições, públicas ou particulares, de proteção à infância,

abrangendo instituições de propaganda, de educação preventiva, de educação reformadora e de

patronato. Esta, por sua vez, tinha como objetivos prevenir os males que podiam produzir a

30 Como se vê – e se analisará melhor infra – a LPI deixava já transparecer uma ideia de total desvalorização dos factos praticados

pelos menores, ponto ao qual voltaremos adiante, aquando da análise do regime ínsito na OTM, pelo que o desenvolvimento neste

âmbito será meramente a título de enquadramento – Cf. infra, pp. 38 e ss. Como veremos em detalhe no capítulo seguinte deste trabalho.

31 Para uma análise deste diploma, cf., desde logo, ERNESTO CANDEIAS MARTINS, A Problemática Sócio–Educativa da Protecção e da

Reeducação dos Menores… ob. cit. pp. 113-115.

32 Cf. Artigos 112º a 120º da LPI.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

30

degenerescência psíquica e moral das crianças, fazer interessar todo o cidadão português pela

conservação e desenvolvimento da saúde dos seus filhos e ainda coadjuvar a Tutoria na execução

dos seus acórdãos relativos aos menores maltratados, desamparados e delinquentes.

2.3 O direito processual aplicável

Ao nível do direito processual, importa referir que a LPI consagrava um direito de audição

do menor, dos seus progenitores, do tutor e ainda do queixoso – sempre que lhe fosse imputada a

prática de um crime ou de uma contravenção – perante o juiz-presidente da tutoria, estando

inclusivamente prevista a possibilidade de julgamento sumário33. Na impossibilidade de julgamento

sumário, dava-se início ao respetivo processo, sendo que, durante a instrução, o menor podia ser

confiado aos pais ou ao tutor, mediante prestação de caução, se eles fossem pessoas idóneas e se

o crime em causa, segundo a lei comum, admitir fiança. Caso não se verificassem estas condições,

o menor devia ser internado num refúgio. O julgamento do menor era feito à porta fechada, apenas

podendo assistir as pessoas mencionadas na lei, de acordo com o artigo 92º.

Tratou-se, de facto, de uma lei bastante inovadora no sistema jurídico da época,

exatamente porque foi a partir dela que se estruturou o atual sistema de intervenção judiciária

relativamente aos menores que cometem infrações criminais. O corpo desta lei assentou na ideia

“de pôr de lado a distinção entre os menores com ou sem discernimento, de rejeitar o regime

repressivo e de o substituir por um sistema educativo em que se estudasse profundamente o menor

e se tomasse a medida que o seu caso exigisse, sem preocupações de responsabilidade ou

irresponsabilidade”34. Por outro lado, com a introdução deste diploma no ordenamento português

“desresponsabilizou-se o menor perante a prática de ilícitos criminais, encarando tal prática como

decorrente da exclusão social, carência afetiva e da necessidade de proteção do menor”35.

33 Cf. Artigo 68º da LPI.

34 Assim, também, SANTOS, José Beleza dos; SÁ, Pedro de Moura – Regime jurídico dos menores… ob. cit. p. 14 e ANA RITA ALFAIATE, O Problema da

Responsabilidade Penal… ob. cit. p. 114.

35 Cf. Abreu, Carlos Pinto de; Sá, Inês Carvalho; Ramos, Vânia Costa - Protecção, Delinquência… ob. cit. p. 14.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

31

3. A Organização Tutelar de Menores:

A “mistificação” legal de um sistema de proteção de menores?

3.1. O paradigma do modelo de proteção

O advento da LPI configurou um ponto de viragem do paradigma de intervenção sobre

crianças, conquanto se abandonou o tratamento paritário de menores com os adultos. No entanto,

apesar de ter sido uma diploma saudavelmente ousado, sob este ponto de vista, a verdade é que

este não se conseguiu emancipar verdadeiramente da repressão que existia nas antigas instituições,

pelo que “influenciada pelas transformações operadas na acção judiciária, sobretudo em

consequência do surgimento e consolidação do Estado Providência nos países centrais dos pós

segunda guerra mundial, o sistema sustado na LPI assiste a uma profunda alteração com a Reforma

corporizada no Decreto-Lei nº 44 288, de 20 de Abril de 1962”36.

Foi, pois, com este pano de fundo que assistimos à emergência da Organização Tutelar de

Menores, enquanto diploma que pretendia “não a repressão da conduta do menor ou do jovem, por

mais pervertido ou indisciplinado que este se revelasse, mas a prevenção criminal, através da

proteção desse menor ou desse jovem, por via judiciária, por recurso à aplicação de medidas de

proteção, assistência e educação, com vista a combater neles ou no ambiente que os rodeia as

causas que os arrastam ao foro tutelar”37 – de acordo com o plasmado nos artigos 1.º e 16.º, n.º1

da OTM de 1962.

Reconhecendo que a identidade deste modelo repousa na legitimidade originária do Estado

para proteger e educar os menores, é imperioso, num primeiro momento, compreender o verdadeiro

sentido e alcance do modelo de caráter acentuadamente protetivo que era próprio deste diploma

legal.

36 Cf., por todos, CLEMENTE, Rosa – Inovação e Modernidade no Direito de Menores: a perspectiva da lei de protecção de crianças e jovens em perigo.

Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 18.

37 Cf. Relatório da Reforma dos Serviços Tutelares de Menores (DL nº 44 287, de 20 de abril de 1962) apud FONSECA, António Carlos Duarte –

Internamento de menores delinquentes… ob. cit. pp. 245-246 (sublinhado do Autor).

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

32

O ideal protecionista subjacente à regulamentação da OTM38 foi, entre nós, levado às

últimas consequências39, conquanto estabelecia a aplicação de medidas de prevenção», «proteção»,

«assistência» e «educação» “por se acreditar que prevenindo situações de risco se impedia o

aparecimento da delinquência juvenil”40.

- destinando-se “indistintamente a todos os menores que se encontrem nas situações

abrangidas pela respectiva competência, ou seja: sejam sujeitos a maus tratos ou se encontrem em

situações de abandono ou desamparo; mostrem dificuldade séria de adaptação a uma vida social

normal; se entreguem à mendicidade, vadiagem, prostituição ou libertinagem; sejam agentes de

algum facto qualificado pela lei como crime ou contravenção” – e as quais, em boa verdade, se

apresentavam como tendo em vista o “interesse do menor”41, visavam outros finais –

nomeadamente relacionados com a defesa sociedade contra o crime.

3.2. As medidas de prevenção criminal

Estando, porém, cientes de que o conjunto de medidas previstas nesta lei ostentavam um

caráter acentuadamente protetivo, tal circunstância era suscetível de determinar certas imprecisões

quando questionada a finalidade da sua aplicação. Na verdade, tendo a versão originária da OTM se

38 Para um estudo mais aprofundado desta lei acompanhamos, entre outros, RAMIÃO, Tomé D’ Almeida – Organização Tutelar de

Menores Anotada e Comentada. Jurisprudência e Legislação Conexa. 2ª Ed. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2003. pp. 00-00 e

EPIFÂNIO, Rui M. L. e FARINHA, António H. L. – Organização Tutelar de Menores: contributo para uma visão interdisciplinar do Direito

de Menores e de Família. 2ª Ed. Coimbra: Almedina, 1997. pp. 00-00. No mesmo sentido, também RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António

Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar Educativa. Coimbra: Coimbra Editora, 2003. p. 6.

39 Demonstrativo do que se acaba de referir era, a título exemplificativo, a possibilidade de um menor ficar internado num instituto

de reeducação, fosse por que razão fosse, permanecendo internado, mesmo depois de completar os 18 anos de idade, se “a sua

personalidade e adiantado grau de rebeldia” o justificassem, “ser transferido para uma prisão-escola, ficando sujeito ao regime específico desta

instituição”, permitindo-se, inclusivamente, que o internamento pudesse ser prorrogado até aos 25 anos de idade, “com o fim de educação” ao abrigo

das disposições contidas na versão originária da OTM, constante do DL nº 44 287, de 20 de abril de 1962.

40 Não aprofundamos aqui a questão porque voltaremos a ela infra, pp. 37 e ss. Cf. ELIANA GERSÃO, “As novas leis de protecção de crianças e jovens

em perigo e de tutela educativa…” ob. cit. p. 14.

41 Seguindo de perto ELIANA GERSÃO, “Carência sócio-familiar e delinquência juvenil…” ob. cit. pp. 40-41, as medidas elencadas no artigo 18º da OTM

subdividiam-se em três categorias: em primeiro lugar, medidas executadas no meio natural do menor, como era o caso das alíneas a), b), c) e d); em

segundo lugar, medidas que implicam o afastamento do menor do seu meio, mas que não exigem o recurso às instituições específicas dos Serviços

Tutelares de Menores do Ministério da Justiça, como era o caso das alíneas e), f), g) e h); por fim, medidas de colocação ou internamento

nas instituições específicas do Ministério da Justiça, denominadas, segundo a letra da lei, por lares de semi-internamento, institutos médico-psicológicos

e estabelecimentos de reeducação, como era o caso das alíneas i), j) e l). Tais medidas são unanimente apontadas como tradicionais dos sistemas

«welfare» – cfr. GERSÃO, Eliana – “Menores agentes de infracções – Interrogações acerca de velhas e novas respostas”. In Revista Portuguesa de Ciência

Criminal. Ano 4. Fasc. 2 (1994). p. 243.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

33

demonstrado permeável à ideia de que as medidas – ditas de prevenção criminal42 – visam evitar que

a criança volte a cometer, no futuro, factos qualificados pela lei penal crime, enfatizando uma ideia

de prevenção, pertencente às finalidades do direito penal, do que a resposta propriamente dita ao

facto praticado43, levou a “estender um controlo judiciário de cunho para-penal”, espelhando-se, em

consequência, uma ligação à perspetiva sancionatória caraterística do regime penal44. Com efeito,

42 Cf. o que a este respeito dissemos supra, pp. 26 e ss.

43 Disso mesmo nos dá conta GONÇALO NICOLAU CERQUEIRA SOPAS DE MELO BANDEIRA, “O direito de intervenção junto de menores…” ob. cit. pp. 613-615,

que refere como caraterística do modelo protectivo “o(s) próprio(s) facto(s) praticado(s) que surge(m) como meramente sintomático(s), pelo que,

este(s) é(são) relegado(s) para um plano secundário, não exigindo, ele(s) mesmo(s), julgamento em sentido próprio (…) colocando os factos como

simples sintomas de inadaptação que não precisam de ser julgados com exactidão (…) relevando mais uma vez os factos para segundo plano”

(sublinhado do Autor). Reforçando este entendimento, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em…” ob. cit. p. 361, ao referir

que: “(…) relegando-se os factos praticados para segundo plano, valorados apenas como «sintomas» de «inadaptação» e sem terem de ser «provados»

com rigor»” (sublinhado da Autora) – cf. MOURA, José Adriano Souto de – “A tutela educativa: factores de legitimação e objectivos”. In Revista do

Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. Ano 21, nº 83 (2000). p. 112. No mesmo sentido, veja-se JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal: Parte

Geral – Questões fundamentais – A Doutrina Geral do Crime. Tomo I. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 597, que carateriza este modelo

como sendo “expressão de uma certa concepção do Estado de direito social, que via o facto ilícito praticado pelo menor como uma patologia social,

reveladora de um menor necessitado de auxílio. O facto apareceria como um mero ensejo da intervenção tutelar, sendo (relativamente) despicienda a

sua prova o apuramento dos seus exactos termos” (sublinhado do Autor). No mesmo sentido, veja-se ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Internamento

de menores delinquentes: A lei portuguesa… ob. cit. p. 246, ao sustentar que: “o facto praticado, violador de normas penais, apenas interessava como

demonstração da carência de protecção e de educação do seu autor” e, do mesmo Autor, “Sobrevivência e erosão do paradigma da protecção…” ob.

cit. p. 63, ao referir que como principal aspeto caraterizador do modelo de proteção “a consideração do facto qualificado como crime, praticado pelo

menor, como mera manifestação ou sintoma da sua provável inadaptação social e da sua necessidade futura, prenunciada por essa inadaptação” e

“a relativa irrelevância do facto praticado para a escolha e definição das medidas a aplicar”. Cf. no mesmo sentido, CUNHA, Maria da Conceição

Ferreira da – “Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p. 441 e SERRA, Eurico – O novo direito criminal de menores. Princípios informadores. Os

tribunais de menores e a especialização da respectiva magistratura. As instituições de internamento e a preparação do pessoal. Lisboa, 1955. p. 9. de

tal forma que, de acordo com a fundamentação do Acórdão de 1ª Instância do Tribunal de Menores de Coimbra, de 6 de fevereiro de 1989 “A

inadaptação (…) revela-se através de comportamentos determinados e acções concretas que evidenciam a irregularidade da sua inserção na

sociedade”, pelo que, “o delinquente demonstra a sua inadaptação social através do delito” – cf. ibidem, p. 604. Por conseguinte, aos olhos de MARIA

JOÃO LEOTE DE CARVALHO – Entre as malhas do desvio – Jovens, espaços, trajectórias e delinquências. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

da Universidade Nova de Lisboa, 2002. Dissertação de Mestrado. p. 74, “(…) ao desvalorizar-se a prática de factos ilícitos negando a possibilidade de

prova e a necessidade de uma consequente actuação diferenciada daí decorrente, por possibilitar a ideia de uma perspectiva de total

desresponsabilização por parte de quem praticaria esse tipo de actos”. Neste sentido, de acordo com ELIANA GERSÃO, “Carência sócio-familiar e

delinquência juvenil…” ob. cit. p. 41, “Os factos praticados, em si próprios, revestem-se de pouco significado”, pelo que a intervenção “não deve ser

determinada pelos factos praticados pelo menor (pelos quais ele não pode assumir qualquer responsabilidade e dos quais nem é bom falar-lhe…)” –

cf. da mesma Autora, “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores. Memória…” ob. cit. p. 451, “Menores agentes de infracções – Interrogações

acerca de velhas e novas respostas”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. Ano 4. Fasc. 2 (1994). p. 244 e “Menores

agentes de infracções criminais – que intervenção…” ob. cit. pp. 12-13 – podendo falar-se numa verdadeira “desvalorização dos factos praticados pelos

menores”, estando as medidas focadas na personalidade e nas circunstâncias de vida do menor – cf., entre outros, LOPES, Catarina Castanheira – O

Regime Jurídico Aplicável aos Jovens Delinquentes. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2014. Dissertação de Mestrado. pp. 15-16. Iremos ver,

no II Capítulo da dissertação, que a Exposição de Motivos da PropLTE refere como “contradição do sistema protecionista (…) o pensar que, sendo o

menor apenas objecto de medidas de protecção, o facto se apresenta como meramente sintomático e, por isso, não carecido de julgamento em sentido

próprio” – problemática à qual voltaremos, dedicando especial atenção, aquando da análise dos pressupostos da intervenção tutelar educativa,

mormente o da prova da prática, por menor com idade entre os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime – cf. infra pp. 83 e ss.

44 Vide, quanto a esta problemática, as considerações expendidas por ELIANA GERSÃO, “As novas leis de protecção de crianças e jovens em perigo e de

tutela educativa: uma reforma adequada aos dias de hoje”. In Infância e Juventude. Revista do Instituto de Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

34

“como a acção do Estado se centra mais na prevenção de futuros crimes, do que na resposta aos

factos praticados, há um alargamento da actividade estadual aos jovens que se encontram em

situações de marginalidade ou risco, com vista a alterar as suas condições de vida, para diminuir as

possibilidades de iniciarem uma carreira criminal”45, fazendo com que se perspetivasse as situações

de perigo como “o primeiro degrau de uma futura carreira delinquente”46, sendo então encarados

como verdadeiros «marginais em potência»47.

3.3. O tratamento unitário dos menores "em risco" e dos menores "delinquentes" : o

recurso excessivo à medida de internamento

Não tendo este modelo ficado isento de críticas, certo é que se tratou de um regime

aplicável, em pé de igualdade, aos menores que se encontrassem numa situação de irregularidade

social – que não constituíam crime –, tal como a mendicidade, vadiagem e libertinagem, mas

também aos considerados “inadaptados” ou em risco, o que teve como consequência “[a] maior

estigmatização das crianças ditas «inadaptadas» ou simplesmente «em risco»48, no sentido em que

‘encaminhou para a “justiça’ (ou seja, para um Tribunal e para um processo judicial) menores que

não deviam ter qualquer contacto com essa mesma ‘justiça’, quais sejam justamente os menores

em situação de risco, com a grave particularidade de tal intervenção ser fortemente selectiva quanto

aos menores que considera carecidos de intervenção protectiva, que são normalmente os marginais,

os menores necessitados de apoio familiar, os mais desfavorecidos do ponto de vista sócio-

económico, numa autêntica “criminalização da miséria”49. Fala-se, a este respeito, de uma

“intervenção marcadamente selectiva”50, o que significa que, “Na prática, só às crianças e aos

6565. nº 00.2 (2000). pp. 10-11 e, da mesma Autora, ““Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores. Memória…” ob. cit. p. 449, “Menores

agentes de infracções – Interrogações…” ob. cit. p. 246. Também CARVALHO, Maria João Leote de – Entre as malhas do desvio… ob. cit. p. 73.

45 Cf. PARENTE, José Sequeira – “A medida tutelar de acompanhamento educativo”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Trabalhos do

Curso de Pós-Graduação “Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 86.

46 Cf. GERSÃO, Eliana – “Um século de Justiça de Menores em Portugal…” ob. cit. p. 1371.

47 Cf. GERSÃO, Eliana – “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores…” ob. cit. p. 449. 48 Cf. GERSÃO, Eliana – “Menores agentes de infracções – Interrogações…” ob. cit. p. 246.

49 Cf. ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos Menores…” ob. cit. p. 140. No mesmo sentido, veja-se também MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA,

“Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p. 441, ao colocar em evidência “uma certa compreensão do fenómeno da delinquência juvenil como

reação (ou expressão) de carências afetivas/educativas/sociais (…)”.

50 Cf. por todos, ELIANA GERSÃO, “Ainda a Revisão da Organização Tutelar…” ob. cit. p. 449 e RODRIGUES, Anabela Miranda – “Repensar o Direito de

Menores em…” ob. cit. pp. 362-364; GERSÃO, Eliana – “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores…” ob. cit. p. 451, “Carência sócio-familiar

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

35

adolescentes das famílias mais pobres e desorganizadas são aplicadas medidas, nomeadamente de

internamento – ou até só essas situações são encaminhadas para o tribunal, dado que a selectividade

afecta também a denúncia da infracção pelos ofendidos ou a participação dos factos ao tribunal pela

polícia; as crianças das classes mais favorecidas estão praticamente imunes a uma intervenção

judiciária sensível, mesmo que cometam infraçcões graves”51.

Da congregação destes factores, resultante da indiferenciação de resposta por parte do

modelo então vigente, emerge a aplicação excessiva da medida de internamento em estabelecimento

tutelar, constatando-se ter sido esta “muito mais frequentemente aplicada nos processos referentes

a situações não criminais do que criminais e mesmo que é ordenada de modo crescente em relação

a crianças que são meras vítimas de maus tratos ou se encontram em risco”52. Foram vários os

e delinquência juvenil…” ob. cit. p. 41, “Menores agentes de infracções – Interrogações…” ob. cit. pp. 246-247, ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos

Menores…” ob. cit. p. 140,

51 Cf. por todos, ELIANA GERSÃO, “Ainda a Revisão da Organização Tutelar…” ob. cit. p. 449.

52 Para um cabal esclarecimento dos factores que ditaram a exposição da referida prática, cumpre referir que esta circunstância foi motivada pelo facto

destas crianças serem tratadas, do ponto de vista jurídico-legal, nos mesmos moldes que os menores agentes de infrações, “sendo vistas por vastos

sectores da opinião pública como sendo elas também «marginais» ou mesmo «delinquentes»” – como fizemos já referência, cf. as considerações que

a este propósito tecemos no que toca à versão originária da OTM, constante do DL n.º 44 288, de 20 de abril de 1962, supra, pp. 36 e ss. Cf., a este

propósito, o balanço estatístico particularmente elucidativo feito por ELIANA GERSÃO, “Portugal entre as armadilhas…” ob. cit. pp. 93-94, sobre os motivos

que determinaram, nos anos de 1975 a 1988, a «selecção» dos menores internados nos «estabelecimentos de reeducação», circunscrevendo-se às

crianças das famílias mais pobres e desorganizadas, independentemente do comportamento criminal que revelem, verificando-se um aumento, embora

não significativo, do número de menores aos quais foram aplicadas medidas, sobretudo motivadas por situações não criminais – invocando-se a

«vadiagem», «indisciplina» e a «inadaptação» –, tendo-se mantido o número de medidas impostas na sequência da prática de crimes – cf., em sentido

semelhante, ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Internamento de menores delinquentes: A lei portuguesa… ob. cit. p. 334, para quem “as medidas

tutelares de internamento acabaram por ser muito mais determinadas em função das necessidades puramente assistenciais do que em função da

conduta delinquente ou mesmo da situação de paradelinquência dos menores a quem eram aplicadas” e também ELIANA GERSÃO, “Menores agentes

de infracções – Interrogações…” ob. cit. p. 246; “Menores agentes de infracções criminais – que intervenção…” ob. cit. pp. 33-35, onde se dá conta

da elevada percentagem de decisões motivadas por factores de natureza não criminal na generalidade das decisões de internamento. Nas palavras da

própria Autora, “entre todos os motivos apresentados pelos tribunais ou pelas comissões em justificação das mesmas [das decisões de internamento],

cerca de 70% consistem em dificuldades dos menores de vária ordem, que pouco ou nada têm a ver com a prática de crimes”, reafirmando-o ainda

em “As novas leis de protecção de crianças e jovens em perigo e de tutela educativa…” ob. cit. p. 14, ao evidenciar que: “No caso concreto português,

uma parte muito significativa das crianças internadas nas instituições de reeducação do Ministério da Justiça nada tem a ver com problemas de

delinquência ou mesmo de marginalidade – trata-se simplesmente de ‘casos sociais’, de crianças que não encontram na família condições sócio-

educativas ou económicas”. Acresce, ainda que, as principais dificuldades de execução que as medidas de internamento conheceram, nomeadamente

por falta de vaga nos estabelecimentos, esclarece que, “a dificuldade de obter vaga não derivava tanto do facto de a capacidade das instituições ser

excessivamente reduzida (…) mas sim da circunstância de os CAEF albergarem uma percentagem muito elevada de crianças maltratadas, em risco

ou com problemas de comportamento que não constituem crime, para as quais os serviços não judiciários não encontravam resposta”, referindo-se,

por esse motivo, às instituições tutelares como “um repositório dos problemas sociais” – Cf. GERSÃO, Eliana –“Ainda a Revisão da Organização

Tutelar…” ob. cit. p. 451. Assinalando esta tendência, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em…” ob. cit. pp. 362-364,

estabelecendo um confronto com dados disponibilizados pelo Instituto de Reinserção Social – reportando-se ao ano de 1996 –, que lhe permitiu

modestamente concluir que: “o número de menores internados excede em medida apreciável a lotação dos CAEF’s (…) não se pode escamotear o

facto de uma percentagem significativa dos menores internados em CAEF’s serem menores em «risco», para os quais o internamento nestas unidades

é de legitimidade duvidosa”. Estatisticamente, “as situações que determinaram a decisão judicial de internamento no sistema de justiça são de:

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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Autores que se insurgiram contra esta prática, censurando o facto de se aplicar medidas de

internamento em estabelecimentos de reeducação a jovens cujo problema não era a sua

inadequação, mas sim a incapacidade da família para cuidar deles53.

3.4. A ineficácia do modelo de proteção e principais críticas

Foi face a esta realidade, sobretudo decorrente da unificação dos sistemas de proteção e

educativo54, que se começou a constatar, com arrimo no pensamento teórico de vários autores, a

evidente ineficácia de um sistema que não era capaz de distinguir situações que eram

necessariamente diferentes e que, por isso, deveriam sustentar intervenções distintas sobre as

crianças55.

menores vítimas (maus tratos, abuso de autoridade, abandono ou desamparo), 24,9%; situações de pré-delinquência (inadaptação à disciplina da

família, do trabalho, da escola ou da instituição onde se encontram) e de para-delinquência (vadiagem, mendicidade, prostituição, libertinagem ou

consumo excessivo de álcool), 35,6% e situações de prática de factos qualificados pela lei penal como crime ou contravenção, 37,8%” (sublinhado da

Autora).

53 Chamando a atenção para o mesmo problema, veja-se ELIANA GERSÃO, “As novas leis de protecção de crianças e jovens em perigo e de tutela

educativa…” ob. cit. p. 14.

54 Ver, a propósito desta imagem de unificação da intervenção do Estado, a reflexão de PEDROSO, João – “A Reforma do “Direito de Menores”: A

Construção de um “Direito Social”? (A intervenção do Estado e da Comunidade na Promoção dos Direitos das Crianças)”. In Oficina do CES. Coimbra.

nº 121 (1998). p. 9.

55 De acordo com LEONOR SARMENTO DE SOUSA MACHADO FONTES, Medidas Tutelares Educativas: uma intervenção penal encoberta? Lisboa: Universidade

Católica Portuguesa, 2014. Dissertação de Mestrado. pp. 19-20, firmou-se o entendimento de que “um modelo protecionista guiado pela ideia de que

é possível responder do mesmo modo a problemas tão diversos como o do abandono do menor ou o da prática, por este, de condutas anti-sociais

ligadas ao mundo do crime organizado, condenava-se a si próprio. Deste modo, tornava-se absolutamente premente a distinção entre finalidades da

intervenção tutelar de proteção e as finalidades da intervenção tutelar educativa”, sem, no entanto, cair na tentação de criar compartimentos estanques,

um de natureza exclusivamente civil e outro de natureza penal – preocupação que ficou firmada nos pontos 3 e 4 da Exposição de Motivos da PropLTE.

Porém, num tom profundamente crítico, segundo RICARDO SÁ FERNANDES, “Sobre o projecto de reforma da jurisdição de menores”. In VIDAL, Joana

Marques [coord.] – O Direito de Menores: Reforma ou Revolução? Cadernos da Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. Edições Cosmos,

1998. pp. 192-193, vem defender que “a separação de águas entre os jovens delinquentes, de um lado, e jovens pré-delinquentes e jovens para-

delinquentes, de outro, é de um artificialismo enorme e quase evidente”. Com efeito, “Separar os menores que, por puro acaso, foram «apanhados»

a praticar uma infração penal daqueles outros que, vivendo em contextos em que diariamente se praticam ilícitos iguais, com a sua participação,

cumplicidade ou encobrimento, é separar dois mundos que não vivem divididos”. Posição semelhante é igualmente perfilhada por PAULO GUERRA e

LEONOR FURTADO, O Novo Direito das Crianças… ob. cit. p. 46, que manifestam um profundo cepticismo relativamente à eficácia da LTE, por

considerarem que não há razões metodológicas para separar a intervenção relativa a menores delinquentes da intervenção relativa aos menores em

geral que se encontrem em perigo. Reforçando este entendimento, HELENA BOLIEIRO, “Perigo e Delinquência: intervenção precoce e articulação entre

sistemas”. In Ousar Integrar. Revista de Reinserção Social e Prova. Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). p. 79, vem sustentar que: “Esta separação

de intervenções constituía uma mera cisão artificial da lei se não se tomasse em devida consideração que estamos perante realidades que muitas

vezes se entrecruzam e confluem numa única história de vida – a da criança ou do jovem – em relação à qual o sistema deve apresentar respostas

orientada por uma lógica de articulação e harmonização”. De igual modo, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Direito das crianças e dos jovens delinquentes”.

In Conferência Internacional sobre as Reformas Jurídicas de Macau no Contexto Global (Comunicação apresentada a 16 de dezembro de 2008).

Macau: Faculdade de Direito de Macau no 20º aniversário da Faculdade de Direito. Disponível na internet: http://zip.net/bntMF8. p. 4, ao afirmar

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

37

Referimo-nos, com mais exatidão, ao facto das medidas de afastamento das crianças do

seu seio familiar serem aplicadas nos mesmos locais, fazendo com que as crianças que

necessitassem de proteção, que se encontrassem particularmente frágeis e vulneráveis, expostas por

força da sua circunstância sócio-familiar ou até situações de risco estivessem, no mesmo local, com

crianças que tinham cometido factos típicos.

Apesar de profundamente criticável56, firmou-se o entendimento de que o

tratamento paralelo destas questões não estava tanto relacionado com a forma como a lei estabelecia

as situações, mas antes com a realidade prática, técnica, logística e humana, isto é, com a

inexistência de um aparelho específico que permitisse tratar de forma distinta as diferentes

situações57.

Com efeito, firmou-se o entendimento de que de pouco ou nada adiantava tratar situações

como distintas se, na prática, não existia um aparelho que permitia colocar as crianças que estão

em perigo num local e com um específico tratamento e colocar as crianças que praticaram factos

típicos noutro, com outra possibilidade de atuação58.

que: “Uma correcta política de intervenção estadual junto de crianças («política de menoridade») tem uma natureza necessariamente incindível. Não

pode criar divisões artificiais – de protecção e assistencial, por um lado e educativa, por outro –, exigindo que se estabeleçam «pontes de passagem»”.

Da mesma Autora veja-se ainda “Repensar o Direito de Menores em Portugal…” ob. cit. p. 386, obliterando a “orientações de actuação fechadas uma

à outra”. Iremos ver, no II Capítulo da dissertação, que a Comissão constituída por força do Despacho do Ministro da Justiça nº 20/MJ/96, de 30 de

janeiro de 1996, que “a ineficácia da intervenção estadual junto de menores [era] conatural à indistinção dos fenómenos sociais a que se dirige,

tornou-se claro que a intervenção relativa aos menores infractores não pode ser idêntica à que se adequa às situações de menores em risco”.

56 Ver, a este propósito, o que nos diz JORGE OLIVEIRA, “Medidas Tutelares Educativas – uma visão institucional”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] –

Volume Comemorativo dos 10 anos do curso de pós-graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra

Editora, 2008. p. 366, alertando para o problema da “convivência forçada no meio institucional entre agressores e agredidos, entre menores que, não

obstante partilhassem uma história de vida de carência, negligência e às vezes abuso, tinham, no entanto, registos diametralmente opostos no tocante

à comissão de actos que a lei qualifica como crime. No mesmo sentido, JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, “A tutela educativa: factores de legitimação…”

ob. cit. p. 97, que apelida de “aberrante a conveniência entre uns e outros nos mesmos estabelecimentos de internamento”.

57 Precisamente neste sentido, PAULO GUERRA e LEONOR FURTADO, O Novo Direito das Crianças… ob. cit. p. 43, considerando carecerem de “fundamento

sério” as críticas dirigidas aos tribunais por “promoverem a colocação de crianças vítimas de maus tratos, abandono ou negligência nos mesmos

estabelecimentos em que se encontravam crianças agentes de infracções”, justificam esta situação real devido à inexistência de estabelecimentos de

acolhimento públicos e de qualidade, bem como de uma rede de acolhimento familiar, para menores naquelas situações”, circunstâncias que, aliás,

não deixou de ser assinalada no Relatório Anual da PGDL que, procurando refletir especificamente sobre esta situação, afirmando-se, inclusivamente,

tal circunstancialismo afeta a intervenção do MP, que se via confrontado, por diversas vezes, com dificuldades de acolhimento de crianças e jovens

em instituições no quadro da promoção e proteção, por escassez de equipamentos. veja-se o enquanto documento que procurou denunciar os

potenciais riscos para uma plena e efetiva atuação judiciária nestes casos, mas também

58 Enunciando os aspetos positivos deste sistema, entre nós destacados por MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Respostas à delinquência juvenil…”

ob. cit. p. 441 e por ELIANA GERSÃO, “Menores agentes de infracções – Interrogações acerca de velhas e novas respostas”. In Revista Portuguesa de

Ciência Criminal. Ano 4. Fasc. 2 (1994). pp. 245-246, no sentido em que: “o tratamento dos menores «delinquentes» nos mesmos quadros jurídicos

e nas mesmas instituições que os menores com outras dificuldades de comportamento ou simplesmente «em risco» contribuiu, por um lado, para a

sua menor estigmatização pela opinião pública e, por outro, para uma melhoria das condições de funcionamento dos estabelecimentos tutelares,

nomeadamente para a sua maior abertura ao exterior”. Todavia, de acordo com a mesma autora “Estas conquistas tiveram um preço muito”, no

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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No entanto, não nos parece ser completamente descabida a razão de ser de tratar umas

e outras crianças de forma conjunta, simultânea ou aproximada, pois não é pelo facto da criança ter

cometido um facto típico que deixa de estar em perigo59. Na verdade, não estará em maior perigo a

sentido em que “a menor estigmatização dos menores «delinquentes» foi obtida a custo da maior estigmatização das crianças ditas «inadaptadas» ou

simplesmente «em risco». Estas, pelo facto de serem tratadas, tal como as agentes de infraçcões, nos quadros de um sistema que se pode considerar

«para-penal» (…) são vistas por vários sectores da opinião pública como sendo elas também «marginais» ou mesmo «delinquentes». Com o pretexto

de se «salvarem» os menores delinquentes, «sacrificarem-se» os menores em risco.

59 Exemplificativa e paradigmática a este respeito é a situação relatada por HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA, A Criança e a Família. Uma Questão de

Direito(s): Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens. 2ª Ed. Lisboa: Coimbra Editora, 2014. pp. 153-171,

Cf., igualmente, do mesmo Autor, “A Lei Tutelar Educativa: para onde vais?”. In Julgar. Lisboa. ISSN 1646-6853. nº 11 (2010). p. 106, que sublinha

que “Uma criança que prevarica é também uma criança em risco, eventualmente em perigo (assente que a noção de risco é bastante mais ampla do

que a de perigo) para os termos do artigo 3º, nº2 da Lei de Proteção. E um menor em perigo também pode praticar factos qualificados na lei como

crime, passando a correr também a seu favor (pois ambos os processos correm a seu favor) um processo tutelar educativo” e, no mesmo sentido,

JOAQUIM MANUEL DA SILVA, “A imputação de tipos de culpa aos jovens entre os 12 e os 16 anos nos…” ob. cit. p. 57, ao afirmar que: “um jovem

delinquente é também um jovem em perigo, e muitas vezes exige a intervenção simultânea ou sucessiva de ambas”. De igual modo, JOÃO PEDROSO,

“O Ministério Público e o apoio técnico aos tribunais: dois factores de crise ou de sucesso da nova Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”.

In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito Tutelar de Menores – o sistema em mudança. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 86, ao sustentar que:

“Como é do conhecimento geral e resulta dos estudos sociológicos é frequente que a criança ou jovem que pratica um crime também pode estar numa

situação de perigo (negligência parental, abandono escolar, violência doméstica, etc.).” e MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Respostas à

delinquência juvenil…” ob. cit. p. 441, ao referir que: “É um dado reconhecido que muitos jovens que cometem crimes foram ou são maltratados ou

negligenciados”. Assim, também, ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Internamento de menores delinquentes: A lei portuguesa… ob. cit. p. 372, ao

sublinhar que: “os menores delinquentes podem ser menores em perigo” (sublinhado do Autor); ANABELA RAIMUNDO FIALHO e BELMIRA RAPOSO FELGUEIRAS,

“A intervenção protetiva e a intervenção tutelar educativa – Caminhos que se cruzam”. In Julgar. Lisboa. ISSN 1646-6853. nº 24 (2014). p. 96, no

sentido em que: “uma criança quenprevarica, praticando factos qualificados pela lei como crime, é também, necessariamente, uma criança em perigo

podendo, por isso, ser instaurados a seu favor, concomitantemente, processo de promoção e proteção e processo(s) tutelar(es) educativo(s).”; RAQUEL

ENCARNAÇÃO, “Medidas tutelares educativas: Uma resposta necessária”. In FONSECA, António Carlos Duarte [et. al.] [coord.] – Direito das Crianças e

Jovens. Actas do Colóquio. Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2008. p. 448, ao sustentar que “não devemos esquecer que um menor

em risco pode ser, simultaneamente, um delinquente e vice-versa”. Reforçando este entendimento, veja-se JOANA MARQUES VIDAL, “Processos tutelares:

que articulação?”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito Tutelar de Menores – o sistema em mudança. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 160,

ao referir que: “Sendo frequente um menor delinquente ser simultaneamente um menor a carecer de proteção (…)”. Também JOSÉ CARLOS DIAS

CORDEIRO, Psiquiatria Forense. Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. pp. 28-38, considera que as crianças em perigo são potenciais

adolescentes em risco de delinquência. Afirma, para tanto, que violência e delinquência são irmãs gémeas da pobreza, do desmembramento familiar,

do baixo nível de educação e insucesso escolar, da instabilidade familiar, laboral e residencial. Todavia, afirma que entre a privação económica e a

privação afetiva das famílias, é a falta de afeto que representa maior risco para a delinquência. Em sentido análogo, veja-se o entendimento pugnado

por RUI M. L. EPIFÂNIO e ANTÓNIO H. L. FARINHA, Organização Tutelar de Menores: contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e de

Família. 2ª Ed. Coimbra: Almedina, 1997. pp. 14-17, ao sustentarem que: “o menor a quem falta uma família estruturante vê avolumados os perigos

de se marginalizar irremediavelmente”, acrescentando que “(…) é hoje seguro afirmar-se que a ausência da família ou a pertença a uma família

desequilibrada são factores de alto risco para o desenvolvimento do menor e que potenciam o aparecimento de condutas desviantes”. Note-se, aliás,

que o reconhecimento desta realidade ficou vertido nos resultados dos estudos realizados pelo Observatório Permanente de Justiça – cf. BOAVENTURA

DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. pp. 285, 399 e 592-593 –, bem como as conclusões do relatório de 2012 da CAFCE,

indicam que grande parte dos jovens internados em centros educativos foram sujeitos a situações de perigo e provêm, maioritariamente, de meios

socioeconómicos vulneráveis com problemas de pobreza e exclusão social. No entanto, como observa SUDAN DIMITRI, “Da criança culpada ao sujeito

de direitos…” ob. cit. p. 95, não basta separar os menores vítimas de crimes dos menores agentes de infracção, para superar o duplo constrangimento

com que se defronta a justiça de menores, intimada a ser garante da sua protecção e instrumento da sua responsabilização”. Um exemplo

particularmente expressivo de que menores que praticam factos qualificados como cime podem ser menores vítimas de maus tratos ressalta do auto-

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

39

criança que é, ela própria, agente de factos criminalmente relevantes, colocando-se no desrespeito

pela ordem jurídica estabelecida?

Com efeito, sublinharam alguns autores que a ideia imprimida pelo modelo sustado na OTM

não era necessariamente uma desvantagem do modelo anterior, mas, porventura, uma vantagem

compreensiva de que tratávamos a criança que pratica um facto típico como um pré-criminoso e,

nesse sentido, como um estado antecedente da possibilidade de aplicação do Direito Penal.

relato de um menor internado num estabelecimento tutelar, integralmente reproduzido por FONSECA, António Carlos-Duarte – “O Ensino Básico no

Estabelecimento de Reeducação – A escola primária do Instituto Padre António de Oliveira”. In Infância e Juventude – Revista do Instituto de Reinserção

Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. nº 4 (1987). pp. 56 e ss.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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4. A emergência da Lei Tutelar Educativa e a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em

Perigo

Tendo a justiça juvenil presenciado, ao longo do tempo, modificações

significativas, é em janeiro de 2001 que se rompe com o modelo da OTM – votando-o

a um irreversível cenário de crise – e se imprime à Justiça juvenil uma particular fisionomia legal,

com a implementação de dois novos diplomas legais: a LTE e a LPCJP, tendo-se mantido em vigor

a OTM em matéria das providências tutelares cíveis (hoje revogado com a entrada em vigor do

RGPTC). Tendo presente que estas duas novas leis constituem um todo que só pode ser

compreendido quando analisado na globalidade, entendemos que se justifica, nesta parte da

dissertação, uma abordagem meramente perfunctória relativa aos propósitos da intervenção de

proteção, bem como ao pensamento legislativo que presidiu à autonomização destes dois tipos de

intervenção.

Com a substituição do modelo concentrado na OTM pelas acima identificadas leis ficou,

pois, traçada de forma indelével a fronteira entre o tratamento jurídico-legal dispensado ao menor-

vítima e aquele que se destina ao menor-infrator60.

60 Nesta sede, impõe-se uma referência, ainda que perfunctória, relativamente à utilização das expressões “menor”, “criança” e “jovem”. Sendo nós,

embora, sensíveis ao enunciado depreciativo do termo “menor”, a verdade é que hoje, cada vez com maior frequência, se assiste à densificação do

conceito de “criança” – expressão que foi ganhando, de forma progressiva, reconhecimento jurídico em diversos instrumentos internacionais e cujo

conceito tem por referência o plasmado no artigo 1º da CDC, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e

aprovada para ratificação, pela Assembleia da República, em 8 de junho de 1990, tendo sido ratificada por Portugal por Decreto do Presidente da

República nº 49/90, de 12 de setembro de 1990 (publicada em DR, Série I, nº 211, de 12 de setembro de 1990) – que ganha hoje acentuada

visibilidade nos mais diversos regimes intimamente conexionados com as crianças e jovens, entre eles se destacando a Lei de Proteção de Crianças e

Jovens em Perigo (Lei nº 147/99, de 1 de setembro), o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (Lei nº 141/2015, de 8 de setembro), o Regime

Jurídico do Apadrinhamento Civil (Lei nº 103/2009, de 11 de setembro) e o Regime Jurídico do Processo de Adoção (Lei nº 143/2015, de 8 de

setembro). Particularmente no que tange à LTE, entende-se que a permanência deste termo se justifica pelo facto de distinguir os menores inimputáveis

(com idade inferior a 16 anos), dos menores imputáveis à luz do ordenamento jurídico-penal (com idade igual ou superior a 16 anos), de harmonia

com o disposto no artigo 19º do CP, que perfilha a regra de inimputabilidade absoluta para efeitos criminais – cf., por todos, NATÁLIA FERNANDES e ANA

ISABEL SASI, “As crianças e a Justiça”. In Saberes sobre as Crianças – Para uma Bibliografia sobre a Infância e as Crianças em Portugal. Braga: Centro

de Estudos da Criança, 1999. p. 66, ao sustentar que existe “uma dualidade que trespassa o universo das relações da criança com a justiça,

especificamente a que concerne às relações que as crianças vítimas e as crianças vitimizadoras estabelecem com a mesma. Assim, enquanto o termo

menor é uma constante em documentos cujas temáticas estão ligadas às relações das crianças e jovens em situações de delinquência ou

paradelinquência, o termo criança é mais facilmente enquadrado em documentos alusivos a situações em que as crianças sejam vítimas” e MARTA

SAN-BENTO, “A Lei Tutelar Educativa – que futuro?”. In Intervenção Tutelar Educativa [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015. [Consult.

11 mar. 2016]. Disponível na internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Intervencao_Tutelar_Educativa.pdf, p. 668, ao

considerar que “a utilização do termo menor afigura-se tecnicamente válida e reveste maior propriedade do que as alternativas que se oferecem, pois

permite a identificação inequívoca do destinatário da intervenção como aquele que é inimputável em razão da idade, para efeitos penais, o que não

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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Neste sentido, a LTE mediante a fixação de um regime legal bem mais rígido, veio, por um

lado, suprir as insuficiências da OTM concernentes ao processo e às garantias processuais dos

direitos fundamentais do menor e, por outro, estabelecer a ponte entre uma estratégia

responsabilizante do menor e a necessidade de lhe conferir também proteção pelo risco que

representa para si próprio e, em última análise, para a comunidade. Subjaz, deste modo, a este

sucederia com qualquer das outras opções”. Pugnando em sentido diverso, embora sem o dizer abertamente, JOANA MARQUES VIDAL, “Crianças, Jovens

e Tribunais”. In LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio. Coimbra: Almedina, 2010. p. 128, apela ao fim daquilo

que designa por “menoridades”, tanto mais que considera que “num processo algo incoerente, o mesmo legislador manteve o termo menor na Lei

Tutelar Educativa (Lei nº 166/99, de 14 de setembro), pese embora este diploma constitua parte integrante, conjuntamente com a Lei de Protecção,

do que se considera como reforma que introduziu uma mudança de paradigma do Direito de Menores em Portugal”, devendo chamar -se, no seu

entender, “as coisas pelos nomes: Direito das Crianças e Jovens e das Famílias – Tribunal das Crianças e Jovens e das Famílias” (sublinhado da

Autora). No mesmo sentido, também JÚLIO BARBOSA E SILVA, “E se todo o mundo é composto de mudança…”: um primeiro comentário sobre as

novidades trazidas pelas alterações à Lei Tutelar Educativa, efectuadas pela Lei nº 4/2015, de 15 de janeiro". In Revista do Ministério Público. Lisboa.

ISSN 0870-6107. Ano 36, nº 143 (2015). p. 29, refletindo sobre algumas das mais relevantes alterações introduzidas na LTE, considera que o legislador

não aproveitou para a oportunidade para “evitar a palavra “menor”, substituindo-a, em todo o diploma, por “jovem”, na sequência daquilo que é hoje

considerado como uma mudança, não apenas de conceito, mas também simbólica, e de abandono de alguma menorização do sujeito a que nos

referimos”. Reforçando este entendimento, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. p. 693, que alerta para a

necessidade de se levar a cabo na LTE a substituição do conceito de menor pelo de jovem, atendendo à “conceção prevalecente na lei do menor ser

um actor social”. Por outro lado, como observa FRANCISCO MENDONÇA NARCISO, “Educação do menor para o direito”. In Programa de Doutoramento:

Direito, Justiça e Cidadania no Séc. XXI. Coimbra: Faculdade de Direito, Faculdade de Economia, Centro de Estudos Sociais, 2009. p. 1, ao defender

que “a utilização do termo menor poder prestar-se a equívocos e perturbar, numa perspectiva jurídica, a desejada coerência do sistema, uma vez que,

para efeitos civis, menor é o indivíuo que ainda não completou 18 anos idade (artigo 122º do Código Civil) e a justiça tutelar educativa só se aplica

aos menores que tenham cometido, entre os 12 e os 16 anos, factos qualificados como crime”. Em sentido análogo, ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA,

“Menores, mas imputáveis: que protecção?” In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Volume Comemorativo dos 10 anos do curso de pós-graduação

"Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 391, ao chama a atenção para o facto do “conceito

de “menor”, em razão da idade, continua a ter na lei portuguesa “contornos movediçoes que não são de saudar”. A lei encara o menor em razão da

idade com dois pesos e duas medidas, desde e logo que se manifeste como actor, como agente, de ofensas a valores eminentemente sociais: quem,

a partir dos 16 anos, infringir valores protegidos pela lei penal, deixa de ser considerado menor, para praticamente passar a ser considerado adulto e

para efeito de sofrer as respectivas consequências sancionadoras” (sublinhado do Autor). Todavia, como certeiramente observam GOMES CANOTILHO e

VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada. Volume I. 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 870: “A Constituição não oferece

qualquer apoio normativo para precisar o sentido de «criança»”. Salientam, ainda, os mesmos Autores que “na CRP, a noção de criança tem de

articular-se com a noção de jovem, visto que a Constituição também confere direitos específicos aos jovens (artigo 70º), embora nada exija que não

possa haver sobreposição parcial das duas categorias, com a consequente aplicação dos correspondentes direitos”. Também JORGE MIRANDA e RUI

MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I. 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. pp. 711-712, afirmam que “A Constituição, nos

artigos 69º e 70º distingue entre crianças e jovens, porém, “o legislador não esclarece, em qualquer caso, os termos da distinção”. No entanto,

esclarecem que “a protecção que cabe ao Estado assegurar às crianças (…) deve valer, em situações análogas, para os jovens em perigo”, podendo,

para este efeito, “o conceito de criança estender-se, ao menos, até à maioridade” (por força da aplicação de medidas aos jovens em perigo que podem

chegar até aos 21 anos, de acordo com o vertido no artigo 5º, alínea a), da LPCJP). No entanto, aos olhos de MARTA SAN-BENTO, “A Lei Tutelar

Educativa…”, ob. cit. p. 669, “se o Regime Penal Especial para Jovens Delinquentes associa o termo à faixa etária entre os 16 e os 21 anos de idade,

para efeitos da LPCJP parece consensual que “jovem” será o sujeito com idade compreendida entre os 18 e os 21 anos de idade, que sol icitou a

continuação da intervenção iniciada na constância da respetiva menoridade, distinguindo-se assim da “criança”, até aos 18 anos. Por outro lado, o

conceito de “criança”, remete-nos, nos termos da Convenção dos Direitos da Criança (CDC) e da própria LPCJP para o sujeito até aos 18 anos de

idade. Assim, se todos os destinatários da intervenção tutelar educativa são “crianças” para efeitos da CDC não é verdade que só sejam crianças, para

efeitos da CDC esses mesmos destinatários…”.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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regime uma tríplice finalidade: responsabilizar, corrigir e proteger, apontando ao menor delinquente

caminhos de recuperação para o direito e auxiliando-o no seu percurso, por forma a prevenir futuras

infrações e garantir, assim, a segurança da comunidade.

É exatamente neste domínio que apraz começar por salientar a designação que foi atribuída

a esta lei que se apresenta como tutelar, na medida e que “atende aos imperativos de protecção da

infância e juventude a cargo do Estado, constitucionalmente consagrados”61 e, ao mesmo tempo,

educativa “no sentido de que com ela se pretende conquistar o jovem para o respeito pelas normas,

prevenindo-se ulteriores infracções, assim se logrando a própria segurança da comunidade”62.

4.1. O processo de reforma da Justiça Juvenil

a) A entrada em vigor da Lei Tutelar Educativa

O movimento de reforma do Direito Tutelar de Menores teve início com a constituição

da Comissão para Reforma do Sistema de Execução de Penas e Medidas63, criada através do

Despacho nº 20/MJ/96, de 30 de janeiro de 199664, em execução do previsto em matéria de política

criminal no Programa do XIII Governo Constitucional, onde o responsável pelo Ministério da Justiça,

José Eduardo Vera Cruz Jardim, fez inscrever a revisão da OTM no Plano de Governo65, por entender

que “no tocante à política de protecção judiciária de menores deveriam ser aperfeiçoadas e

diversificadas as formas de apoio/tratamento (…) distinguindo situações de disfuncionalidade ou

carência social de outras que se relacionam com a delinquência juvenil”66.

61 Cf., por todos, MOURA, José Adriano Souto de – “A tutela educativa: factores de legitimação…” ob. cit. p. 114 e TORRES, Raquel Teixeira – “Que

educação para o direito? Da Lei Tutelar Educativa à intervenção educativa com delinquentes juvenis”. In Ousar Integrar – Revista de Reinserção Social

e Prova. Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). p. 39. Chamando a atenção para esta questão, veja-se as considerações expendidas por AMÉLIA SINEIRO

ANDRADE e MARGARIDA SANTOS, “A Lei nº 4/2015, de 15/01 e as alterações introduzidas na Lei Tutelar Educativa – uma primeira leitura.” In Scientia

Iuridica. Tomo LXIV, nº 339 (2015). p. 333, destacando o teor da proposta apresentada pelo Grupo de Trabalho com o objetivo de preparar uma

proposta de alteração legislativa à LTE, no sentido da criação da Lei de Responsabilização Educativa, suprimindo-se o termo “tutelar” e acentuando o

caráter responsabilizador da intervenção.

62 Idem. p. 114.

63 Desta Comissão faziam parte a Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues, que presidia, o Juiz Conselheiro Dr. José Gonçalves da Costa, o

Procurador-Geral Adjunto Dr. Rui Lisboa Epifânio, o Juiz Desembargador Dr. Victor Soreto de Barros, a Dra. Eliana Gersão de Alarcão e Silva, o Dr.

António Pedro Caeiro e o Dr. António Esperto Ganhão – cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar…

ob. cit. p. 395.

64 Publicado em DR, II Série, nº 35, de 10 de fevereiro de 1996.

65 É pertinente registar que a intenção de proceder à execução de uma nova política em matéria de Justiça de Menores já constava do programa do XII

Governo Constitucional, tendo, contudo, somente sido dado o primeiro passo durante o mandato do XIII Governo Constitucional.

66 cf. Programa do XIII Governo Constitucional, disponível para consulta em: http://www.portugal.gov.pt/media/464045/GC13.pdf. p. 9 (I, 1.2.3.).

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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De acordo com o ponto 3 do referido Despacho, competia à CRSEPM a tarefa

de apresentar propostas de natureza legislativa e institucional, que permitissem avaliar

da coerência, efetividade e eficácia do sistema de execução de penas e medidas, assentes na

avaliação conjunta das correntes doutrinais mais atualizadas sobre a matéria, clarificando as

alternativas hoje defendidas, bem como a situação do sistema português e da experiência de outros

países (alíneas a) a e)).

Uma vez concluída a ordem de trabalhos, é em Julho de 1996 apresentado um primeiro

relatório, tido como “resultado da análise teórico-dogmática do sistema tutelar de menores,

enriquecida pelo conhecimento possível da experiência do seu funcionamento real”67, e que colocou

em evidência as razões da crise do modelo de proteção, enunciando, de forma tendencialmente

exaustiva, as razões que subjazem à incapacidade de resposta do sistema tutelar, quer ao nível

legislativo, como também ao nível da aplicação e execução das decisões proferidas. As conclusões

finais deste relatório apontavam várias inadequações e ineficiências do sistema68, levando a Comissão

a considerar premente a necessidade de reformar integralmente todo o sistema tutelar de crianças

e jovens, começando, desde logo, pela legislação, diferenciando a intervenção exigida por menores

meramente carecidos de proteção social e aquela que se dirige aos menores delinquentes.

Em Dezembro de 1996, a Comissão entrega um relatório final, propondo a instituição de

um novo sistema de intervenção relativamente a menores, entendido como um “sistema jurídico-

constitucionalmente legítimo, teleologicamente ordenado aos problemas sociais que visa resolver e

dotado de coerência dogmática e de eficácia funcional”69. Posto à discussão pública o relatório final

elaborado pela CRSEPM, o Ministério da Justiça entendeu urgente concretizar, em termos legislativos,

as propostas apresentadas em sede de intervenção tutelar educativa, aplicável a menores agentes

de factos ilícitos tipificados como crime e do regime especial dos jovens adultos. Para o efeito,

constituiu-se uma Comissão de Reforma da Legislação sobre o Processo Tutelar Educativo70, através

67 cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 396.

68 Entre as quais se destacaram, segundo as conclusões gerais, o facto das “necessidades e expectativas relativas ao problema dos jovens desprotegidos

serem diferentes das que se prendem com os menores autores de infracções à lei penal e equiparados; o desrespeito do processo tutelar pelas injunções

constitucionais e de direito internacional, em matéria de garantias das crianças e jovens; desobediência das medidas tutelares e da sua aplicação a

uma política concertada e racional com vista a certos fins; o facto do direito tutelar português não respeitar a função de prevenção criminal, enquanto

prevenção especial, através da responsabilização do jovem autor de um facto qualificado pela lei como crime – cf. ibidem. pp. 416-417.

69 cf. ibidem. p. 419.

70 Doravante designada por CRLPTE. Desta Comissão faziam parte a Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues, que presidia, a Dra. Joana Marques

Vidal, Dra. Eliana Gersão de Alarcão e Silva, Dra. Manuela Baptista Lopes, Dra. Maria Teresa Rapazote Trigo de Sousa e pelo Dr. António Carlos

Rodrigues Duarte-Fonseca.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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do Despacho nº 1021/98, de 31 de dezembro de 199771, com o objetivo de elaborar projetos

legislativos sobre o processo tutelar e sobre o regime especial aplicável a jovens adultos (nº 2)72, que

deveriam ser apresentados até 31 de março de 1998. À semelhança do que sucedeu com a

CRSEPM73, a CRLPTE apresentou um relatório inicial e posteriormente um relatório final, cujas

conclusões ficaram vertidas na Proposta do Governo – condensada na Proposta de Lei nº 266/VII74

–, sem alterações sensíveis, e que está na origem da LTE.

Apesar de não estar isenta de críticas75, em virtude do aceso debate que politicamente se

fez sentir quanto à sua criação, a LTE vem a ser aprovada em 2 de julho de 1999, promulgada em

26 de agosto de 1999, referendada em 2 de setembro de 1999 e publicada a 14 de setembro do

mesmo ano, entrando em vigor apenas em 1 de janeiro de 200176, através da Lei nº 166/99, de 14

de setembro.

71 Publicado em DR, II Série, nº 13, de 16 de janeiro de 1998.

72 Importa, contudo, referir que apesar de ter sido apresentado o Projeto que resultou na Proposta de Lei nº 275/VII relativamente ao regime penal

especial aplicável para jovens adultos, certo é que esta não chegou a ser discutida até ao fim da legislatura.

73 Na sequência das propostas apresentadas pela CRSEPM e segundo o mencionado no Despacho que cria a CRLPTE, “a reforma da legislação sobre

o processo tutelar educativo dever-se-ia enquadrar na reforma mais ampla [então] em curso, de direito de menores, envolvendo a legislação de protecção

de crianças e jovens em risco”, objeto dos trabalhos da Comissão de Reforma da Legislação de Proteção de Crianças e Jovens em Risco, constituída

pelo Despacho conjunto nº 524/97, de 18 de novembro de 1997 (publicado no DR, II Série, de 22 de dezembro de 1997), dos Ministérios da Justiça

e da Solidariedade e Segurança Social, composta pelo Professor Doutor Guilherme Oliveira, pelos Dr. Rui Lisboa Epifânio, Dr. João Pedroso, Dr. António

Amaro Rodrigues, Dra. Eliana Gersão de Alarcão e Silva, Dra. Maria do Rosário Correia de Oliveira, Dra. Maria Carla Fonseca Costa Oliveira e pela Dra.

Rosa Clemente. Esta Comissão tinha como objetivo “a elaboração da proposta de lei de protecção de crianças e jovens em risco; a reforma da legislação

relativa aos processos tutelares cíveis; a reforma do regime jurídico das comissões de protecção de menores; a revisão do enquadramento legal das

famílias de acolhimento e dos lares para crianças e jovens desprovidos de meio familiar; a elaboração do quadro legal de aprovação e implementação

de programas e projectos destinados ao apoio de crianças e jovens em risco”.

74 Doravante designada por PropLTE.

75 Cf., a este propósito, as considerações de MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, “Infância «em perigo», infância «perigosa». As crianças como sujeitos e

objetos de delinquência e crime nas notícias”. In Comunicação & Cultura (Media e Crime). Lisboa. ISSN 0871-8563. nº 14 (2012). pp. 192-193, ao

colocar em evidência o crime cometido contra a atriz Lídia Franco, assaltada na CREL por um grupo de jovens no verão de 2000, tomando-o como

exemplo de visibilidade mediática extrema e que, por sua vez, potenciou “(…) a tomada de decisão política que conduziu ao estabelecimento de uma

data (1 de janeiro de 2001) para a entrada em vigor de duas leis aprovadas pela Assembleia da República mais de um ano e meio antes, em 1999,

no âmbito da Reforma do Direito das Crianças e Jovens: a Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa”. No

mesmo sentido, veja-se PAULO GUERRA, “O Novo Direito das Crianças e Jovens: um verdadeiro recomeço”. In Infância e Juventude – Revista do Instituto

de Reinserção Social. Lisboa. ISSN 0870-6565. Lisboa. nº 1 (2003). p. 75 e, do mesmo Autor, “As novidades legislativas da revisão de 2015 da Lei

de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”. In DIAS, Ana [coord.] – Jornadas de Direito da Família: Novas Leis: desafios e respostas. Lisboa:

Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2016. p. 119, ao referir que a autonomização das intervenções tutelar educativa e de promoção

e proteção foi um pouco precipitada em termos de aprovação legislativa por não se encontrarem reunidas todas as condições necessárias indispensáveis

à sua efetiva implementação “(talvez impulsionadas por um particular ataque nocturno a uma conhecida actriz, o que gerou uma onda de algum

oportunismo político que precipitou no tempo aquilo que necessitava de melhores infra-estruturas humanas e logísticas para melhor ser implementado”

e, também, ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, “Responsabilização dos menores pela prática…” ob. cit. p. 356, ao referir-se à “amplificação dada pela

comunicação social à curta carreira delinquente de um grupo de jovens”.

76 EPIFÂNIO, Rui – “A promoção dos direitos das crianças e jovens e a prevenção das situações de perigo”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito

Tutelar de Menores – o sistema em mudança. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. ISBN 972-32-1075-4. pp. 17-23.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

45

4.2. Pontes de articulação

Passada em revista a progressiva transição do modelo de proteção para o modelo tributário

de uma concepção mitigada, enveredando por uma “terceira via”77 e, compreendendo como ambos

se foram entrelaçando ao longo da história, reconheceu-se a necessidade de dar uma maior

importância às questões relacionadas com a proteção de crianças e de as tratar como verdadeiras

questões de direito, e não meramente assistencialistas, tendo-se suscitado a questão dos perigos de

uma eventual separação entre os factos qualificados pela lei como crimes perpetrados pelos jovens

e as situações de proteção.

77 A reclamação de uma solução deste tipo já havia sido feita por diversos Autores, entre os quais se destacam ELIANA GERSÃO, “A reforma da Organização

Tutelar de Menores e a Convenção sobre os Direitos da Criança”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Coimbra. ISSN 0871-8563. nº7 (1997).

pp. 580 e ss., enquanto modelo de intervenção “que impeça os abusos dos sistemas de «protecção», nomeadamente reconhecendo aos menores as

garantias concedidas aos adultos pelo direito constitucional, pelo direito processual penal e pelo próprio direito penal (…) mas que simultaneamente

salvaguarde a herança positiva do modelo de «protecção», em especial a natureza educativa das medidas aplicáveis e a profunda consideração dos

«interesses da criança» ao longo de todo o processo de aplicação e execução de medidas”. Revisitando, uma vez mais, outras obras da Autora, veja-

se “Menores agentes de infracções criminais…” ob. cit. p. 254, enquanto sistema que “se aproxime do direito e do processo penal no que diz respeito

aos direitos e garantias que estes reconhecem, mas que deles se afaste no que diz respeito ao conteúdo e mesmo à «filosofia de base» das intervenções;

"Portugal entre as armadilhas da…” ob. cit. pp. 98-99; “Ainda a Revisão da Organização Tutelar...” ob. cit. p. 465; “Problèmes actuels de la protection

de la jeunesse”. In Révue Internationale de Criminologie et de Police Téchnique. nº 1 (1996). p. 75; “Droits de l’enfant et responsabilité pénale dans le

nouveau droit portugais des mineurs”. In Protection de l’enfance et diversités européennes. Actes du coloque de DERPAD. Petite Capitale Éditions,

2003. p. 91. Parece caminhar neste sentido, ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Internamento de menores delinquentes: A lei portuguesa… ob. cit. p.

371, ao referir-se à procura de uma “solução de equilíbrio” entre as soluções oferecidas pelos modelos de proteção e de justiça, “também designado

por modelo dos «três dês» despenalização/desjudicialização, desinstitucionalização, direito a um processo justo (due process) (sublinhado do Autor) –

cf., igualmente, CUNHA, Maria da Conceição Ferreira da – “Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p. 448. Também, com muito interesse, cf.

ALFAIATE, Ana Rita da Silva Samelo – O Problema da Responsabilidade Penal… ob. cit. p. 179; PEDROSO, João – “O Ministério Público e o apoio técnico…”

ob. cit. p. 86; NEVES, Tiago – “Educação para o direito e mediação de conflitos”. In Educação, Sociedade e Culturas – Jovens, percursos e transições

em instituições e comunidades educativas. Porto. ISSN 0872-7643. nº 27 (2008). p. 31 e, do mesmo Autor, “A defesa institucional numa instituição

total: o caso de um centro de internamento de menores delinquentes”. In Análise Social. Lisboa. ISSN 2182-2999. Vol. XLII (4º, nº 185), 2007. p. 1024;

MOURA, José Adriano Souto de – “A tutela educativa: factores…” ob. cit. p. 101, ao afirmar que este sistema “tenta conciliar um princípio incontornável

de subtracção do menor ao sistema penal – e por aí se aproxima do sistema de protecção –, com uma disciplina mais garantística do ponto de vista

processual e uma estratégia responsabilizante, com o que cobra alguma similitude com o modelo de justiça penal”; CARVALHO, Maria João Leote de –

“A Medida de Internamento da Lei Tutelar Educativa: Sentido e Potencialidades”. In GUERRA, Paulo [coord.] – I Congresso de Direito da Família e das

Crianças: A Criança e a Família no colo da lei – As causas não se medem aos palmos. Coimbra: Almedina, 2016. p. 260. Neste sentido, HELENA

SUSANO, “A dinâmica do processo na Lei Tutelar Educativa – Contributo para a resolução de questões jurisprudenciais suscitadas na sua aplicação”.

In Julgar. Lisboa. ISSN 1646-6853. nº 11 (2010). p. 111, ao sustentar que: “O modelo em vigor constitui, assim, uma solução de comprometimento

ecléctico entre os dois modelos [de proteção e de justiça], arredando-se a vertente mais extrema de cada um deles”. Refletindo sobre ambos os

modelos, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em Portugal…” ob. cit. pp. 370-373, considera que: “Não se pretende consagrar

um sistema extremo «bifurcado puro» de justiça. Pretende-se sim tentar encontrar uma «terceira via» que harmonize em si a salvaguarda dos direitos

do menor – o que conferirá legitimidade à intervenção – e a satisfação das expectativas comunitárias em relação aos menores infractores – o que

conferirá eficácia à intervenção”.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

46

Na verdade, conceber uma total separação entre a intervenção judiciária nas situações de

perigo e de delinquência em que os menores se encontrem, poderia conduzir a soluções

diametralmente distintas quando estivéssemos perante a mesma criança que necessite

simultaneamente de medidas de cariz protetor e de medidas tutelares educativas – havendo lugar a

uma concomitância física entre o processo tutelar educativo e o processo de promoção e proteção78.

Com efeito, se existe quem repudie de forma veemente a separação da intervenção do

Estado em termos protetivos e educativos – apresentando-as como realidades indissociáveis79 –, certo

é que a generalidade dos operadores judiciários acolheu, de forma muito positiva, esta diferenciação

de tratamento da nova legislação, considerando que era necessário por fim à indiferenciação de

processos e, consequentemente, de intervenções judiciais80.

78 Alertando para o perigo de se estar a criar sistemas legislativos estanques, sem qualquer comunicação entre si, veja-se JOANA MARQUES VIDAL,

“Processos tutelares: que articulação?”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito Tutelar de Menores – o sistema em mudança. Coimbra: Coimbra

Editora, 2002. pp. 160-161, ao considerar que a realidade a que ambos os diplomas se dirigem poder ser, muitas vezes, complexa e plurifacetada,

conjugando os pressupostos de aplicação de ambos os diplomas. De tal foma que, “O sistema de justiça das crianças não se esgota na acção do

tribunal, resultando, antes de uma multiplicidade de intervenções de instituições diferenciadas, públicas ou privadas, não lhe sendo indiferente, até, a

dinâmica comunitária face às questões das suas crianças” – cf. VIDAL, Joana Marques – “Crianças, Jovens…” ob. cit. p. 126. No mesmo sentido,

HELENA BOLIEIRO, “Perigo e Delinquência: intervenção precoce e articulação entre sistemas”. In Ousar Integrar. Revista de Reinserção Social e Prova.

Lisboa. ISSN 1647-0109. nº 7 (2010). p. 79, que se refere à “intercorrência entre exigências educativas e necessidades de protecção”, o que leva “a

que se estimule uma comunicabilidade permanente entre o sistema de justiça e as instâncias de protecção, não existindo, de resto, qualquer antinomia

entre estas e aquele” – em consonância com o ponto 13 da Exposição de Motivos da PropLTE. No mesmo sentido, também CUNHA, Maria da Conceição

Ferreira da – “Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p. 452.

79 Atente-se, neste particular, naquilo que já atrás dissemos a respeito das principais críticas apontadas ao regime vertido na OTM, que analisámos em

detalhe no capítulo I desta dissertação – cf. pp. 45 e ss.

80 Disso mesmo nos dá conta BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. p. 282-285, que colhendo diversas opiniões de

operadores judiciários – entre Magistrados Judiciais e do Ministério Público, Advogados, Técnicos da Direção-Geral de Reinserção Social e da Segurança

Social –, assinalam o passo fundamental que foi dado ao distinguir entre a situação da criança que é vítima da que é delinquente, evidenciando, ainda,

que a LTE tornou os jovens em sujeitos processuais. Afirma-se, para tanto, que: “Quem trabalhou com jovens antes da LTE e quem trabalha depois da

LTE, e que os ouvia antes e que os ouve depois, percebe que o ganho foi estrondoso do ponto de vista de os tornar sujeitos processuais (…), de lhes

reconhecer direitos como cidadão e como pessoa e de os fazer perceber o drama em que eles estão envolvidos”, falando-se, inclusivamente, numa

“conquista irrecusável” do sistema. No entanto, apesar de se reconhecerem vantagens na nova legislação, há quem entenda que a OTM, permitia, já,

uma separação entre jovens víimas e os que praticavam crimes. Com efeito, “Apesar de entender que a OTM não obrigava à não separação”, certo é

que, “(…) a um miúdo vítima de maus tratos era aplicável o artigo 19º que era uma medida parecida com a inibição do poder paternal. Era uma

medida que visava afastar aquela criança do meio familiar que lhe era hostil (…) ao passo que, se o miúdo andasse com um comportamento delinquente

poder-se-ia aplicar desde a admoestação, passando pelo acompanhamento educativo, até ao internamento em estabelecimento do IRS, decisão esta

precedida de uma audiência com juízes sociais, o que não sucedia no primeiro caso. Portanto, na OTM, o que havia era uma forma de processo que

se iniciava de forma igual, mas acabava de forma diferente. Agora, é a própria Lei que nos empurra para uma situação em que podem estar miúdos

com problemáticas diferentes e que reclamariam tratamentos diferentes dentro da mesma estrutura”.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

47

4.3. As regras de conexão de processos

Reflexo deste entendimento é o facto de o legislador não deixar de regular, em diversos

pontos de ambas as leis, uma ligação entre ambas81, designadamente ao nível das regras de conexão

processual82, de acordo com os artigos 43º da LTE e 81º da LPCJP. Estes dispositivos legais, ao

81 De acordo com MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. pp. 448 e 452, “não será raro um menor

necessitar de proteção e de responsabilização educativa, podendo também chegar-se à conclusão de que o essencial para aquele jovem será ser

apoiado (protegido), quando o ilícito criminal praticado não for mais do que a expressão de carências de proteção” – problemática à qual voltaremos,

dedicando especial atenção, aquando da análise dos pressupostos da intervenção tutelar educativa, mormente o da necessidade de educação para o

direito se verificar no momento da decisão – cf. infra pp. 79 e ss. Note-se que, de acordo com esta Autora, tal entendimento sai ainda reforçado se

tivermos presente o teor do Relatório da CAFCE, ao se referir a “mecanismos de interpenetração de ambos os regimes”, partindo do princípio de que

um jovem que cumpre medida de internamento, carece sempre de intervenção protetora. Deste modo, a imposição de uma medida tutelar, maxime, a

de internamento, deveria ser acompanhada de comunicação à Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – cf. Relatório da

Comissão de Acompanhamento e Fiscalização de Centros Educativos, 2012. Disponível em: https://goo.gl/SwXUUN, p. 8. Cabe enfatizar, a este

propósito, que o Projeto de Lei nº 520/XII/3ª, apresentado pelo PS, não deixou de ter em consideração o facto de ter de existir a necessária visão

entre os sistemas de justiça e de protecção, fazendo com que estes não se auto-excluem, devendo ser perspectivados em complementaridade, sempre

que o diagnóstico do menor o justifique, tendo proposto, para o efeito, a nova redação do artigo 89º, com os seguintes termos: “Devendo o processo

prosseguir, o Ministério Público requer a abertura da fase jurisdicional e, se necessário, comunica tal abertura à Comissão de Protecção de crianças e

Jovens territorialmente competente”.

82 Não obstante estar hoje revogado o regime vertido na OTM, no que tange à matéria de conexão processual, urge considerar o seu artigo 154º, que

veio consagrar a regra de competência por conexão. Atenta à redação da disposição legal à data, em vigor, dispunham os n os 1 e 2 deste artigo que

“todos os processos (entenda-se, tutelares educativos, de promoção e proteção e providências tutelares cíveis) devem correr por apenso ao processo

instaurado em primeiro lugar, sendo competente, para todos eles, o tribunal onde foi instaurado o primeiro processo” – cf. RAMIÃO, Tomé D’Almeida –

Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada. Jurisprudência e Legislação Conexa. 2ª Ed. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2003. pp.

37-38. Na verdade, encontrando-se o anterior regime assim concebido, como observa BEATRIZ MARQUES BORGES, Protecção de Crianças e Jovens em

Perigo. Comentários e Anotações à Lei nº 147/99, de 1 de Setembro. 2ª Ed. Lisboa: Almedina, 2011. p. 282, “permitiu-se que processos para os quais

seriam competentes, em razão da matéria, Tribunais diferentes, possam vir a ser julgados por Tribunais que, em princípio, seriam incompetentes em

razão da matéria, para apreciar os factos em causa”. Conscientes das dificuldades que o regime até então vigente suscitava, esta matéria, fruto da

entrada em vigor do RGPTC, sofre modificações sobretudo ao nível da apensação dos processos que correm termos na Comissões de Proteção que

devem agora em ser apensados ao processo judicial relativo à mesma criança, independentemente da sua natureza (tutelar cível, tutelar educativo),

de acordo com seu artigo 11º, nº1. Apesar da nova redação deste cotejo legal – cujo teor vem reproduzir, no essencial, a obrigatoriedade de apensação

de processos, já plasmado no artigo 154º da OTM –, impõe-se-nos sublinhar a questão relativa à apensação de processos operar relativamente a

processos findos, que se manteve inalterada mesmo após a entrada em vigor do novo regime. Sobre esta temática, veja-se o Acórdão do TRG, de

31/01/2013, proc. nº 3281/12.3TBGMR-B.G1, disponível em: https://goo.gl/eM3zNs, afirmando, para o efeito, que: “a lei determina a «competência

por conexão» e respectiva apensação dos processos relativos a menores, atendendo, por um lado, à natureza ou tipo de acção (referente à pessoa do

menor): processo ou providência tutelar cível e/ou processo de protecção ou processo tutelar educativo e, por outro lado, a processos relativos a um

mesmo menor (…) não fazendo a lei qualquer distinção entre processos anteriores pendentes ou findos”. Na verdade, a lei era omissa quanto à

possibilidade de apensação de processos, mesmo que um deles já se encontrasse findo. Nesta linha, cumpre salientar o intenso debate ocorrido no

Encontro Anual dos Magistrados do MP do distrito judicial do Porto, cujas conclusões – firmadas na Recomendação da PGDP nº 5/2013 –, vieram

determinar que “os processos devem correr por apenso ao processo instaurado em primeiro lugar, ainda que o mais antigo esteja porventura arquivado,

pois que só assim é possível uma visão unitária dos vários processos que vão sendo sucessivamente instaurados relativamente a cada criança ou

jovem, de modo a tomar as decisões que, em cada momento, melhor defendam os seus interesses” (circunstância que já tinha sido recomendada no

Despacho da PGDP nº 35/10, de 25/05/2010, no sentido de instaurar por apenso ou promover a apensação de um determinado processo de

promoção e protecção, tutelar educativo ou tutelar cível relativo uma criança a qualquer outro processo que lhe diga respeito, instaurado anteriormente,

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

48

determinarem a articulação entre os diferentes processos através da apensação processual, visam

assegurar o princípio da boa harmonia e da conjugação entre todas as decisões respeitantes a um

mesmo menor – obviando-se à aplicação de medidas no âmbito de cada um dos processos (de

promoção de proteção, tutelar educativo ou tutelar cível) relativas ao mesmo menor que sejam

contraditórias entre si83 –, estabelecendo regras processuais destinadas à sua concretização84.

4.3 Constrangimentos

Não obstante a letra da lei, certo é que a concretização destes normativos não deixou de se

ver confrontada com alguns constrangimentos, nomeadamente com o facto de “o mandatário que

representa o menor no processo tutelar cível e/ou no processo de promoção e protecção judicial não

serem a mesma pessoa e entre ambos inexistir, na maioria das vezes, a articulação e cooperação

desejada”85.

mesmo que esteja arquivado). A nosso ver, a interpretação do art.º 81.º da LPCJP, na atual redação, no sentido de permitir a apensação de processos

de promoção e proteção a processos tutelares cíveis já findos leva a consequências desrazoáveis, que certamente o legislador não pretendeu, como

desde logo o potencial afastamento do processo relativamente ao local da residência atual da criança ou jovem, sendo o tribunal deste lugar o que se

encontra em situação privilegiada, pela proximidade, para conhecer do caso. Afigura-se-nos, assim, que tal artigo terá de ser objeto de uma interpretação

restritiva, por forma a impedir tais consequências nefastas, fazendo apenas apensar processos ainda pendentes, pois que apenas nessas situações se

mostra salvaguardada a atualidade do conhecimento do caso que possibilita a intervenção mínima do tribunal (que, cremos, será a ratio desta norma).

83 Cf., por todos, VIDAL, Maria Joana Raposo Marques – “Processos tutelares: que articulação?”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito Tutelar de

Menores – o sistema em mudança. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. pp. 164-165 e MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Respostas à delinquência

juvenil…” ob. cit. p. 452, que vem considerar a falta de articulação entre intervenção protetiva e tutelar educativa um dos maiores problemas que afeta

o atual sistema português.

84 No mesmo sentido, veja-se ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 139 (artigo 43º, §

4), ao se referirem à visão “unitária” do menor “que leva à articulação entre as intervenções tutelar educativa e de protecção – implicando também

uma articulação entre as medidas a aplicar-lhe”. Com efeito, “deve procurar-se a harmonização de todas as finalidades visadas com a sua aplicação,

de acordo com uma ideia de concordância prática das que estão em conflito”.

85 Nesta sede, impõe-se uma singela referência relativamente à intervenção de Advogado nas causas relativas a menores, direito que, apesar de se

apresentar hoje como um dado adquirido no ordenamento jurídico português, foi estranha e pacificamente aceite pela generalidade dos advogados na

vigência da OTM de 1978, ao não permitir aos menores a possibilidade de ser assistidos por advogados nos processos tutelares – cf., por todos,

GERSÃO, Eliana – “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores. Memória…” ob. cit. p. 457. Recuando ao modelo agarantístico consagrado

neste diploma, nos termos do seu artigo 41º, a intervenção de Advogado era muitíssimo limitada, cabendo-lhe, nas palavras de ALFREDO CASTANHEIRA

NEVES, “A intervenção do advogado no âmbito do direito dos menores”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Volume Comemorativo dos 10 anos do

curso de pós-graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 328, “um papel residual de

dimensão mínima”, conquanto apenas era permitido constituir mandatário na fase de recurso. De acordo com ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO

CARLOS DUARTE-FONSECA, Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 143 (artigo 46º, § 2), “As razões em geral invocadas para afastar a intervenção de

mandatário judicial prendiam-se com “o fim” tido em vista com o processo de protecção “(a aplicação de medidas de protecção, assistência e

educação)”, “o modo como se desenvolve (simplicidade motivada pela urgência, em regra, das medidas), a inexistência de “partes” (como sujeitos de

interesses contrastantes) e o facto de o menor não estar desprotegido na defesa dos seus interesses (ao curador cabe zelar pelos mesmos)” – cf. entre

outros, MARIA LUÍSA RIBAS PINHEIRO TORRES, Da articulação das medidas de promoção e protecção de crianças e jovens… ob. cit. p. 32 e PEDROSO, João

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

49

Tal circunstância alia-se ao facto de se apontar, ainda hoje, para a passividade na atuação

dos defensores dos jovens nos processos tutelares educativos, resultando numa falta de consenso

quanto ao grau de intervenção e participação do advogado neste tipo de processos86.

No entanto, pese embora, no plano de direito positivo, o legislador tenha sido bem claro na

autonomização entre as intervenções tutelar educativa e de proteção, a verdade é que se detetaram,

na sua aplicação concreta, determinados desvios à orientação definida pela lei, falando-se,

inclusivamente, na «subversão do sistema positivado», pelo facto de ambas as intervenções não

responderem com a firmeza e autoridade necessárias e adequadas a situações de jovens agressivos,

indisciplinados, tornando-se, em consequência, recorrente aplicar a medida tutelar educativa de

internamento em centro educativo para intervir em situações que não terão tido resposta do sistema

de promoção e proteção.

António Fernandes – Acesso ao Direito e à Justiça: um direito fundamental em (des)construção. O caso do acesso ao direito e à justiça da família e

das crianças. Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2011. Dissertação de Doutoramento. pp. 12-32. No entanto, tais razões

não lograram impor-se ao TC, que declarou a inconstitucionalidade desta norma, através do Acórdão nº 870/96, de 04/07/1996, proc. nº 327/96,

disponível em: https://goo.gl/RjepTk, com base na violação dos artigos 20º, nº 2 e 18º, nos 2 e 3, todos da CRP. Os argumentos aduzidos pelo TC

consideraram que “a restrição ao patrocínio judiciário se revelava à luz do artigo 18º, nos 2 e 3 da lei fundamental, desproporcionada e desadequada,

pois (…) atinge-se o núcleo essencial do referido direito (direito à nomeação no processo de um “intermediário técnico”, “entendido como representação

em juízo das partes ou sujeitos processuais por profissionais do foro, no que se reporta à condução técnico-jurídica do processo” (por referência ao

Acórdão do TC nº 488/95, de 27/09/1995, proc. nº 145/94, disponível em: https://goo.gl/LujBj6, que já havia declarado igualmente inconstitucional

este preceito legal, sustentando que: “o juiz pode, no decurso do processo, adoptar medidas que restringem fortemente a liberdade dos menores e os

poderes que cabem a seus pais. Assim, há-de entender-se que os interesses do menor e os correspondentes direitos dos pais podem não ficar

suficientemente protegidos com a intervenção do ministério público e até com a intervenção do próprio juiz, a quem é conferido o poder de julgar como

o árbitro, não se podendo considerar salvaguardado esse núcleo essencial”). É com a publicação da LTE que ocorre a consagração expressa da

participação ativa e permanente do defensor do jovem ao longo de todo o processo, tendo-se reconhecido que “a ausência de defensor constitui uma

lacuna inexplicavelmente persistente na Organização Tutelar de Menores, apenas compreensível à luz de uma antropologia da família e do Estado

injusta e ultrapassada” – Cf. ponto 18 da Exposição de Motivos da PropLTE. Em conformidade, a LTE passou a prever expressamente, não só a

possibilidade de “o menor, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a guarda de facto”, em qualquer fase do processo, constituírem ou

requererem a nomeação de advogado, como também a obrigatoriedade da sua nomeação pela autoridade judiciária, quando tal não tenha ocorrido

antes, no despacho em que determinae a audição ou detenção do jovem (cf. artigo 46º, nos 1 e 2), dando-se, assim, “expressão jurídica ao ponto de

vista do menor e não defender o menor contra a intervenção estadual” – Cf. LÚCIO, Álvaro Laborinho – “O Advogado e a Lei Tutelar Educativa". In

Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. nº 104 (2005). p. 64.

86 Apesar de se considerar a possibilidade legalmente prevista de intervenção de defensor do jovem no processo tutelar uma inovação positiva,

constituindo uma mais valia face ao sistema anterior, certo é que o grau de intervenção e participação do mesmo não gera consensos. Para um cabal

esclarecimento do que se acaba de referir, urge trazer para o nosso espaço discursivo a visão partilhada de alguns operadores judiciários sobre o tema

em análise, através do estudo elaborado pelo OPJP – cf. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. pp. 348-363, os quais

destacam, entre outros aspetos, a passividade na atuação dos defensores dos jovens nos processos tutelares educativos. Realçando a falta de formação

de advogados, veja-se a posição de JOANA MARQUES VIDAL, “Crianças, Jovens e…” ob. cit. p. 122, ao afirmar que “esta matéria não é objecto de

investimento profissional por parte da grande maioria da nossa advocacia”. Na esteira de RUI ALVES PEREIRA, “O papel do Advogado no Direito da

Família e das Crianças”. In Julgar. Lisboa. ISSN 1646-6853. nº 21 (2016). p. 2, ao recordar que a Assembleia Geral da Ordem dos Advogados, decidiu

reconhecer a especialização em Direito da Família e das Crianças e o título de advogado especialista, nos termos constantes do Regulamento nº 9/2016

(Série II), de 6 de Janeiro de 2016, sustentando que:“O advogado deverá sustentar e preconizar uma verdadeira cultura da criança enquanto sujeito de

direitos”.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

50

4.4. As iniciativas legislativas

Feito, assim, o balanço deste processo de reforma do Direito Tutelar de Menores, urge

considerar a introdução, no ordenamento jurídico português, da primeira alteração à LTE. Em vista

de tal desiderato, afigura-se-nos importante fazer uma breve resenha sobre as iniciativas legislativas

dos partidos com assento parlamentar na Assembleia da República.

Para tanto, incidindo, em primeiro lugar, sobre o PS, no seu Projeto de Lei nº 520/XII/3ª,

as alterações propostas respeitavam à adoção do instituto do cúmulo jurídico das medidas de

internamento87, através da importação do instituto penal do cúmulo jurídico, previsto no artigo 77º

87 Por se tratar de uma matéria que obteve acolhimento na reforma introduzida na LTE, cumpre-nos expender algumas considerações a propósito deste

instituto jurídico. Na sua versão originária, a aplicação de várias medidas tutelares de internamento ao mesmo menor determinava o seu cumprimento

sucessivo, ao abrigo do disposto nos artigos 8º, nos 2, 3 e 5 e 133º, por, na perspetiva do Julgador, se considerarem medidas concretamente

incompatíveis, não sendo exequível o seu cumprimento simultâneo, nos termos do artigo 8º, nº1. Encontrando-se o anterior regime legal assim

concebido, permitia-se que um menor que tivesse praticado vários factos qualificados como crime pudesse ficar – em limite ad absurdum – internado

dos 16 aos 21 anos de idade, circunstância que foi veemente assinalada no Relatório da CAFCE, ao considerar que o cumprimento sucessivo de

medidas de internamento poderia induzir ou potenciar na praxis judiciária uma certa “lógica carcerária, incompatível com o tempo da adolescência e

transformações conexas”, disruptiva dos propósitos de socialização primária que edificam o sistema tutelar educativo – cf., por todos, Relatório da

Comissão de Acompanhamento e Fiscalização de Centros Educativos, 2012. Disponível em: https://goo.gl/SwXUUN, p. 7; SAN-BENTO, Marta – “A Lei

Tutelar Educativa…”, ob. cit. p. 669; MAIO, Henrique Guerra; SANTOS, Rui Paulo – "Do cúmulo jurídico de medidas tutelares educativas. Breve crítica-

reflexiva ao artigo 8.º da Lei Tutelar Educativa, decorrente da Lei n.º 4/2015, de 15/01, alvo da rectificação n.º 9/2015, de 03/03". In Revista do

Centro de Estudos Judiciários. Lisboa. ISSN 1645-829X. nº 1 (2016). p. 178 e FONSECA, António Carlos-Duarte – “Privação de liberdade na Justiça

Juvenil: Contornos de problemas entre meios e fins”. In Julgar. Lisboa. ISSN 1646-6853. nº 22 (2014). pp. 75-95. Paradigmático a este respeito é o

Acórdão do TRL, de 22/03/2007, proc. nº 1063/07-9, disponível em: https://goo.gl/LpcVvA, onde o MP perfilava o entendimento de que era compatível

o cumprimento simultâneo de duas medidas de internamento, aplicadas ao mesmo menor, embora em processos distintos. No entanto, sustentando

uma posição diferente, entendeu o Tribunal que “embora a natureza da medida seja a mesma, entende-se não existir compatibilidade no seu

cumprimento simultâneo já que se tratam de duas medidas concretamente distintas, fundadas em factos diversos e com objectivos também diferentes”,

acrescentando que “o menor já iniciou o cumprimento de uma das medidas – submetida a um projecto pessoal educativo, concreto, devidamente

homologado –, enquanto que a outra ainda não se iniciou”, pelo que determinou o seu cumprimento sucessivo, ao abrigo dos citados artigos 8º, nos 2,

3 e 5. Porém, inconformado com o decidido, o MP interpôs recurso, concluindo, sumariamente, que o conceito de medidas tutelares educativas

concretamente compatíveis engloba “as que tenham a mesma natureza, que sejam do mesmo tipo ou modalidade e que lhes seja aplicado o mesmo

regime legal”, devendo ser aplicadas “de acordo com o princípio da intervenção mínima requerida pelo caso, evitando o desnecessário arrastamento

no tempo do cumprimento das medidas aplicadas” – cf., por todos, RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei

Tutelar… ob. cit. p. 74 e FONSECA, António Carlos-Duarte – Internamento de menores delinquentes… ob. cit. p. 411. Não obstante, atendendo à

fundamentação da decisão judicial, o MP entende que, apesar da aplicação das duas medidas de internamento, naquele caso concreto, encontrar a

sua génese em factos ilícitos diferentes, tal circunstância não obsta ao cumprimento simultâneo das medidas. Na verdade, entendia o MP que, face à

letra deste normativo legal, não é exigível que os factos ilícitos que deram origem à aplicação das medidas sejam os mesmos. Assim, vem concluir que

“dificilmente as medidas tutelares aplicadas em processos diferentes têm origem na prática dos mesmos factos ilícitos. Logo, esta exigência teria como

consequência a impossibilidade de cumprimento simultâneo de medidas aplicadas ao mesmo menor em diferentes processos”. Por outro lado, o

argumento segundo o qual não é concebível o cumprimento simultâneo das duas medidas, porquanto uma delas já se encontrar em execução também

não procede, segundo o MP, na medida em que, “ao se defender um tal entendimento, o cumprimento simultâneo só ser viável em relação a medidas

que ainda não se encontrem em execução, deixando, por isso, margem para “uma interpretação restritiva da norma no sentido menos favorável ao

menor infractor”. Hoje, porém, à luz da nova redação do artigo 8º, nº4, veio permitir-se o cúmulo jurídico de medidas de internamento quando seja

aplicada mais do que uma dessas medidas e não se mostre integralmente cumprida uma delas. Pese embora a maior parte da doutrina considere que

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

51

do CP, para o sistema tutelar educativo – embora numa asserção mais ampla da que está

configurada no CP relativamente aos imputáveis88 –, impondo em tais casos a aplicação oficiosa de

uma única medida tutelar de internamento e ao período de supervisão intensiva89 – opções que foram

acolhidas na reforma entretanto operada, ao abrigo das disposições legais dos artigos 8º, nº4 e 158º-

A – e o consequente alargamento da participação dos pais – ou de outras figuras que se pudessem

constituir como ponto de referência para o menor – em todas as medidas tutelares educativas. De

igual modo, sublinhou o problema da reincidência dos jovens na prática de factos subsumíveis na

categoria de crimes, salientando o facto de ser manifestamente difícil saber qual o grau de eficácia

dos projetos educativos pessoais. Não deixaram, porém, de acentuar a natureza urgente do processo

em caso de recurso, propondo o aumento do prazo para recorrer da decisão que aplique medida

tutelar, de 15 para 60 dias, salientando ainda que o período que medeia entre a interposição do

recurso e a decisão seria, posteriormente, descontado no tempo de cumprimento da medida tutelar

aplicada.

Remetendo-nos, agora, para o Projeto de Lei elaborado pelo PCP, nos termos do seu Projeto

de Lei nº 535/XII-3ª, este entendia que o regime então vigente configurava uma mera adaptação aos

menores do modelo penal e processual penal dos adultos, transformando-se o papel do MP de

curador em acusador. Como tal, afirmavam que este regime se sustentou numa conceção

profundamente autoritária e securitária, defendendo, por isso, que a abordagem relativamente aos

fenómenos de violência e de criminalidade juvenil deveriam obedecer a três dimensões: a prevenção,

a intervenção e o acompanhamento. Da sua leitura e análise à LTE, resultou que os principais

problemas se prendiam com a inexistência de meios humanos em número suficiente que

garantissem o acompanhamento efetivo de cada jovem, bem como da sua família e a inexistência

ou dificuldades de acompanhamento regular do jovem após o cumprimento do programa

anteriormente delineado, propondo a criação de equipas multidisciplinares, designadamente, por

esta solução normativa configura uma novidade concretizada pela reforma, segundo ANTÓNIO JOSÉ FIALHO, “A Primeira Revisão da Lei Tutelar Educativa”.

In GUERRA, Paulo [coord.] – I Congresso de Direito da Família e das Crianças: A Criança e a Família no colo da lei – As causas não se medem aos

palmos. Coimbra: Almedina, 2016. p. 239: “uma interpretação hábil das normas anteriores da Lei Tutelar Educativa já permitia uma solução

semelhante que acautelasse o processo educativo do jovem”.

88 Em sentido diverso era a proposta do PSD, corporizado no Projeto de Lei nº 534/XII, que propugnava o recurso ao mecanismo de revisão das medidas

já previsto na lei, permitindo-se não só fazer cessar a medida de internamento mais cedo, como também suspendê-la na sua execução ou,

inclusivemente, determinar a sua cessação.

89 A proposta de criação de um período de supervisão intensiva resultou do facto de não existir um período probatório, de interface entre o internamento

e a saída do centro educativo. Neste sentido, era necessário haver um período de adaptação à vida social, acompanhado e visionado, cujo principal

objetivo é aferir o nível de competências de natureza integradora adquiridas no meio institucional, bem como o comportamento social e pessoal, com

referência ao facto praticado, sendo revogado se houver grave ou reiterada violação das obrigações impostas.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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médico, psicólogo, assistente social e autoridade policial, precisamente tendo em vista a verificação

da eficácia e do resultado da execução da medida, concluindo que a medida tutelar aplicada

produziu ou não os seus resultados e se o comportamento do jovem se pode ajustar à sua inserção

social90.

Por sua vez, no Projeto de Lei do PSD – corporizado no Projeto de Lei nº 534/XII – veio

repescar-se o debate relativamente a aspetos de índole processual. Desde logo, começam por

salientar a desnecessidade de apresentação de queixa por parte do ofendido quando estivéssemos

perante ilícitos-criminais de natureza semipública ou particular. Entendiam, por ora, que este tipo de

intervenção não devia estar dependente de queixa do ofendido, conquanto a falta de queixa não

significava que não existisse necessidade de educação do menor para o direito, conforme o artigo

2º, nº1.

Por seu turno, no que tocante a uma das formas de encerramento do inquérito – a suspensão

do processo –, entendiam que se devia prescindir da obrigatoriedade de ser o próprio menor a

apresentar um plano de conduta, contrariamente ao que vinha plasmado na versão originária da lei.

Uma outra matéria que, no entender dos deputados, carecia de intervenção legislativa, respeitava à

manutenção da detenção do menor em flagrante delito. Reclamavam uma flexibilização do regime

vertido na parte final do artigo 52º, nº2, na medida em que só era possível a detenção em flagrante

delito nos casos em que “o menor tenha praticado facto qualificado como crime contra as pessoas

a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a 3 anos ou tiver

cometido dois ou mais factos qualificados como crimes a que corresponda pena máxima,

abstratamente aplicável, superior a 3 anos”, por crimes cujo procedimento fosse de natureza

pública. Com efeito, propunham a alteração deste regime, alargando a pena de prisão, abstratamente

aplicável, dos crimes contra as pessoas, igual ou superior a 3 anos, ou se tiver cometido facto

qualificado como crime a que corresponda pena de prisão igual ou superior a 5 anos.

Neste projeto, ficou também patente a proposta de criação de uma unidade residencial

referenciada, com objetivos de intervenção psicoterapêuticos. Note-se que, se tem vindo a promover

um modelo mais ressocializador, interventivo e terapêutico, nos casos em que haja determinadas

carências. Por último, reclamava ainda a existência de uma intervenção complementar continuada

entre a LTE e a LPCJP, que se reflete, quer no jovem, como também na família. Neste projeto ficou

90 A proposta de alteração à Lei nº 166/99, de 14/09 densificada no Projeto de Lei nº 535/XII-3ª, visava assegurar uma dimensão mais inclusiva do

acompanhamento dos jovens delinquentes e pugnava por uma humanização do regime, propondo a criação, junto dos tribunais, de equipas

multidisciplinares. Sobre este aspeto, o PCP apresentou um projeto de resolução, ao qual foi atribuído o número 989/XII-3ª, onde recomenda a

monitorização da aplicação da LTE.

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O CAPÍTULO I

Das Ordenações à Reforma Judiciária

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também patente a proposta de criação do Plano Nacional de Reabilitação e Reinserção, aprovado

pelo XIX Governo Constitucional através da Resolução do Conselho de Ministros nº 46/2013, de 23

de Julho, que constitui um instrumento de planeamento estratégico propondo uma intervenção

diferenciada aos jovens delinquentes, por exemplo, o modo de internamento, o estabelecimento de

programas para agressores sexuais, um programa diferenciado para a violência sobre os pais,

defendendo que estes deveriam sofrer uma intervenção específica.

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Nem sempre podemos construir o futuro para a nossa

juventude, mas podemos construir a nossa juventude para o

futuro”

Franklin Delano Roosevelt

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

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CAPÍTULO II - NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO TUTELAR EDUCATIVO:

OBJETO, FINALIDADE E SEUS PRESSUPOSTOS

1. Legitimidade da intervenção estadual

Procurámos, no primeiro capítulo da nossa tese, conhecer a evolução histórica que nos

permite falar, hoje, num verdadeiro Direito das Crianças, discorrendo sobre os principais aspetos que

caraterizaram o anterior modelo de proteção, não olvidando os tramites processuais que moldavam

a estrutura do processo.

E nesta perspetiva entronca, se bem vemos, outra questão de importância

extraordinariamente crescente no âmbito da justiça tutelar de menores, a que fomos já também

fazendo referência ao longo deste trabalho: referimo-nos, em concreto, ao problema da legitimidade

da intervenção estadual e, nessa medida, da consideração dos factores que legitimam o Estado a

intervir sobre crianças91.

Para uma correta equacionação do problema que nos propomos abordar neste capítulo, é

essencial ganhar alguma perpetiva sobre o horizonte em que LTE se inscreve, hoje, entre nós,

sobretudo ao nível do direito à educação que ela convoca.

91 O propósito de que as considerações subsequentes possam ser lidas sem equívocos obriga a um esclarecimento prévio acerca do âmbito de incidência

da intervenção do Estado em matéria de crianças e jovens. Não havendo espaço para o seu tratamento nesta sede, importa referir os momentos em

que o Estado, jurisdicional ou não jurisdicionalmente, não se pode abster de intervir. Deve, assim, em primeiro lugar, intervir num momento de crise

na relação dos adultos – numa situação de divórcio que constitui a situação mais típica –, quanto às necessidades de regulação das responsabilidades

parentais, cujo regime jurídico se encontra plasmado nos artigos 1877º e seguintes do CC, conjugado com os artigos 34º e ss. do RGPTC – cf.

aprofundadamente, vide SOTTOMAYOR, Maria Clara – Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio. 6ª Ed. Lisboa:

Almedina, 2014. pp. 17 e ss. e RAMIÃO, Tomé D’ Almeida – Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado. Lisboa: Quid Juris Sociedade

Editora, 2016. p. 90 e ss; em segundo lugar, num momento relacionado com a proteção de crianças e jovens, em circunstâncias de risco para o seu

desenvolvimento físico, psíquico ou emocional, tornando-se necessário intervir para acautelar esse mesmo desenvolvimento – cf. detidamente BORGES,

Beatriz Marques – Protecção de Crianças e Jovens… ob. cit. pp. 27 e ss; por fim, num momento em que a criança é encarada como delinquente ou

pré-delinquente e, como tal, numa circunstância em que a criança está, face à luz do direito penal, perante um facto ilícito-típico – amplamente sobre

esta lei, acompanhamps RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei… ob. cit. pp. 55 e ss.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

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1.1 Na perspetiva do interesse do menor

Sendo objeto de tratamento idêntico do ponto de vista jurídico-legal e, nesse sentido,

confundindo-se sistematicamente as crianças em perigo, com as crianças agentes de factos

qualificados na lei penal como crime, é pacificamente aceite que a análise do problema inerente à

legitimidade da intervenção do Estado junto dos menores “não pode subtrair-se ao exame dos

pressupostos de que depende a sua legitimação constitucional”92.

Perante esta constatação e em virtude da especial relevância que o problema da

legitimidade da intervenção do Estado reveste na análise das intervenções tutelar educativa e de

proteção, é doutrinalmente aceite que esta intervenção procura fundar a sua legitimidade na

prossecução do interesse do menor93.

Todavia, é necessário encarar com alguma cautela este tipo de afirmação. Na esteira de

Anabela Miranda Rodrigues, “é perigoso dizer, sem mais, que a prossecução do interesse da criança

legitima a intervenção estadual junto de crianças ditas ‘em perigo’ ou de crianças agentes da prática

92 cf. RODRIGUES, Anabela Miranda – “Repensar o Direito de Menores em…” ob. cit. p. 358.

93 Em sentido análogo, com desenvolvimentos e atualizações da doutrina e da jurisprudência, veja-se RUI JORGE GUEDES FARIA AMORIM, "O interesse do

menor: um conceito transversal à jurisdição de família e crianças". In Revista do Centro de Estudos Judiciários. Lisboa. ISSN 1645-829X. nº 12 (2009).

pp. 90-98; GUERRA, Paulo – Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada. Coimbra: Almedina, 2016. pp. 13-14 e “A Lei Tutelar Educativa:

para onde…” ob. cit. p. 100 e, também, DIAS, Jorge de Figueiredo – Direito Penal: Parte Geral – Questões… ob. cit. p. 596. Reforçando este

entendimento, veja-se o Acórdão do TC nº 556/95, de 17/10/1995, disponível em: https://goo.gl/BtMqtZ, afirmando que o processo tutelar é

“norteado pela regulação de um interesse primordial, que é o do interesse do menor” – por referência a HENRIQUES, Manuel de Oliveira Leal –

Organização Tutelar de Menores Anotada. Porto: Porto Editora, 1979. p. 22. Concretamente sobre a densificação deste conceito, veja-se RODRIGUES,

Almiro Simões – “Interesse do menor (contributo para uma definição)”. In Infância e Juventude – Revista do Instituto de Reinserção Social. Lisboa.

ISSN 0870-6565. nº 1 (1985). p. 107. Refletindo sobre o papel que a jurisprudência desempenhou na definição deste conceito, veja-se o Acórdão do

TRC, de 03/05/2006, proc. nº 681/06, disponível em: https://goo.gl/GDXNDE, embora no contexto da intervenção sobre crianças em perigo, no

sentido em que: “O «interesse superior da criança», enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização

deve ter por referência os princípios constitucionais, como o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento

integral – artigo 69º, nº1 da CRP –, reclamando uma análise sistémica e interdisciplinar da situação concreta de cada criança, na sua individualidade

própria e envolvência externa”. Com muito interesse, veja-se o Acórdão do TRL, de 25/01/1996, proc. nº 0006632, disponível em:

https://goo.gl/UNwtXH, ao sustentar que: “O interesse do menor assume-se, pois, como o valor fulcral ou fundamental do processo: é esse interesse

que deve presidir a qualquer decisão (…)”. Assim, como observam RUI M. L. EPIFÂNIO e ANTÓNIO H. L. FARINHA, Organização Tutelar de Menores:

contributo para uma visão interdisciplinar… ob. cit. p. 326, “trata-se afinal de uma noção cultural intimamente ligada a um sistema de referências

vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom

desenvolvimento e ao seu bem-estar material e moral”. No mesmo sentido, veja-se também o Parecer do Conselho Consultivo da PGR nº 8/91, de 16

de janeiro de 1992, no sentido em que: “hoje reconhece-se o interesse do menor como a força motriz que há-de impulsionar toda a problemática dos

seus direitos. Tal princípio radica na própria especificidade da sua situação perante os adultos, no reconhecimento de que o menor é um ser humano

em formação, que importa orientar e preparar para a vida, mediante um processo harmonioso de desenvolvimento, nos planos físico, intelectual, moral

e social. O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos suficientemente amplos, de modo a abranger tudo o que envolva os seus

legítimos anseios, realizações e necessidades nos mais variados aspectos”.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

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de factos qualificados pela lei penal como crime”94. Alerta, assim, para a necessidade de ter em

atenção que “o conceito de «interesse do menor», à luz do modelo de intervenção consagrado na

LTE, deixou de ser um conceito vago e impreciso, como era o caso quando era utilizado em nome

de um modelo inspirado na filosofia de proteção”95, onde “a criança e o jovem eram vistos como

destinatários da benigna intervenção estadual, cuja bondade das soluções era inquestionável”96, na

qual “o Estado numa manifestação última de defesa do interesse da criança, considerava seu dever

intervir sempre que esta, na ‘situação’, perturbava o ‘equilíbrio’ e a ‘paz” comunitários –

considerando, afinal, ‘todas as crianças perigosas para uma certa ordem social’97.

Por esse motivo é que, como certeiramente observa Rui Assis, “O Estado dogmatiza o

conceito do «interesse do menor», que ele próprio define sem limites, sendo patente que a

intervenção estadual levada a cabo em nome da protecção de tal interesse arrasta consigo o perigo

de deixar o menor e os seus progenitores desprogetidos face a essa mesma intervenção”98.

Entende-se, pois, que: “O «interesse do menor» não pode hoje conceber-se como categoria

cuja densificação pertence por inteiro à discricionariedade do Estado. A visão paternalista do Estado,

como entidade esclarecida que tudo pode impor em nome do verdadeiro bem dos cidadãos

sucumbiu irremediavelmente perante a instauração do Estado de direito material e a organização

constitucional da democracia participativa, com os inerentes direitos e garantias, não podendo

subsistir pelo simples facto de a concreta actividade estadual se dirigir a cidadãos menores”.

94 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda – “O Superior Interesse da Criança”. In LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio.

Coimbra: Almedina, 2010. p. 35. 95 cf., por todos, RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. pp. 70-71. No mesmo sentido,

veja-se JOSÉ SEQUEIRA PARENTE, “A medida tutelar de acompanhamento…” ob. cit. pp. 86-87, vem sustentar que: “o conceito de «interesse do menor»,

tal como entendido pelo “modelo de protecção”, conduziu a uma excessiva discricionariedade na intervenção do Estado junto dos menores e das suas

famílias, sendo tomadas decisões sem os ouvir, sendo os jovens vistos como incapazes de pensar, decidir e querer, tratados como meros sujeitos

passivos das decisões que lhes dizem respeito”.

96 Como fizemos já referência, cf. as considerações que a este aspeto teceu ALFAIATE, Ana Rita – O Problema da Responsabilidade… ob. cit. p. 115, e

que detalhámos no capítulo I desta dissertação. Cf. supra pp. 33 e ss.

97 Por esse motivo é que MANUEL GONÇALVES, “Os modelos de intervenção institucional e não institucional no âmbito dos menores e jovens adultos.

Breve enquadramento jurídico internacional”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. Ano 7, Fasc. 4 (1997). p. 622, refere

que “todo o «menor-problema» (numa situação desviante em relação aos padrões de normalidade da vida e desenvolvimento no tecido social) é uma

pessoa carecida de protecção e assistência”, sendo por isso olhado pelo Estado “na perspectiva da compaixão, paternalista e protecionista,

considerando-se, sem mais e apenas por isso, legitimado para intervir” – cf. ASSIS, Rui – “A Reforma do Direito dos Menores…” ob. cit. p. 139.

98 Ibidem. p. 139.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

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1.2. O fundamento constitucional de proteção da criança

Importa, agora, debruçarmo-nos sobre os preceitos constitucionais contidos nos artigos

69º e 70º da CRP.

Na verdade, poder-se-á constatar que neste normativos não se vislumbra qualquer

referência explícita ao dever de educação99. Bem pelo contrário, fazem uma clara alusão ao

desenvolvimento integral da criança, ao nível físico, psíquico e emocional e à efetivação dos seus

direitos económicos, sociais e culturais100. Reforçando esta ideia, a Exposição de Motivos da

PropLPCJP refere que a intervenção de proteção se funda “no artigo 69º da Constituição, que confere

à sociedade e ao Estado o dever de os proteger contra todas as formas de abandono, de

discriminação e opressão e contra o exercício abusivo da autoridade, com vista ao seu

desenvolvimento integral”. No mesmo sentido, também a PropLTE se pronunciou no sentido em que:

“a proteção dos menores hoc sensu, alicerçada no artigo 69º da Constituição, justifica-se quando o

gozo ou o exercício de direitos cívicos, sociais, económicos ou culturais do menor são ameaçados

por factores que lhe são exteriores (incúria, exclusão social, abandono ou maus tratos)”101.

No entanto, como certeiramente observam Jorge Miranda e Rui Medeiros, o reconhecimento

da especial necessidade de proteção da criança, subjacente à regulamentação do artigo 69º, justifica

“um efeito expansivo, de forma a assegurar que as medidas de reação aos casos de delinquência

infantil [ou juvenil] não percam de vista o objetivo do desenvolvimento integral criança”,

acrescentando, ainda, que “a própria justiça de menores não pode, por isso, obliterar que a

delinquência juvenil é praticada por seres em formação. Concretamente, os instrumentos de reação

se, por um lado não podem ignorar que as crianças e os jovens reclamam e efetivamente obtém um

99 Por isso concorda-se com LEONOR SARMENTO DE SOUSA MACHADO FONTES, Medidas Tutelares Educativas… ob. cit. pp. 42-43, quando afirma que: “se

dos preceitos constitucionais constantes nos artigos 69º e 70º da CRP resultasse qualquer dever de educação, o Estado estaria em incumprimento, na

medida em que deixou de efectivar esse direito/dever relativamente aos menores com idades compreendidas entre os 16 e os 18 anos – para todos os

efeitos, até aos 18 anos ainda se é menor, nos termos do direito civil, da Convenção dos Direitos da Criança e até do direito penal”.

100 Neste sentido, veja-se o Acórdão do TRL, de 25/01/1996, proc. nº 0006632, disponível em: https://goo.gl/UNwtXH, ao referir que: “A criança deve

beneficiar de uma protecção especial e ver-se rodeada de possibilidades concedidas pela Lei e por outros meios, a fim de se poder desenvolver de uma

maneira sã e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”, em estrita conformidade com

o disposto na Declaração dos Direitos da Criança, aprovada em 20 de novembro de 1959 pela Assembleia das Nações Unidas.

101 De igual modo, veja-se ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em Portugal…” ob. cit. p. 368, ao referir que: “A intervenção

do Estado justifica-se e exige-se quando o exercício e o desenvolvimento do poder de autodeterminação do menor são ameaçados por factores que lhe

são exteriores (desprotecção, abandono, maus tratos, etc.)”, pelo que esta “particular fragilidade dos menores em face das adversidades do mundo

externo levou a CRP a cometer à sociedade e ao Estado um dever de protecção das crianças, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente

no que diz respeito aos órfãos e abandonados (artigo 69º da CRP)”.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

59

grau crescente de autonomia e liberdade, e por isso devem ser responsabilizantes daqueles que

adotam comportamentos que violam os valores básicos de ordenação da vida em sociedade, devem,

por outro, atender à situação específica em que se encontram os menores”102.

Porém, não tenhamos ilusões. Uma tal conceção parte do pressuposto de que qualquer

intervenção estatal não pode nunca comprometer os direitos à liberdade e à autodeterminação

pessoal do menor. O mesmo é dizer que tal intervenção não pode comprometer a compreensão de

que são um ser humano e que, como tal, estão na posse dos seus direitos como qualquer outra

pessoa. Certo é, porém, que esta linha pode tornar-se muito ténue quando nos referimos a crianças

que, por uma qualquer razão, se encontram numa situação de perigo e que, nesse sentido, se

encontram carecidas de proteção. Quanto a estas, parece-nos óbvio que o Estado não pode demitir-

se de intervir, nem pode demitir-se de sobre ela exercer um qualquer tipo de tutela – tendo esta de

ser verdadeiramente cuidadosa e pensada em termos de finalidade. À luz da CRP, isso significa que

temos uma vinculação constitucional muito forte quanto à limitação dos direitos, liberdades e

garantias por força do seu artigo 18º, que nos permite limitar direitos, liberdades e garantias daquela

criança, na medida em que isso seja necessário para a tutela de outros direitos, liberdades e

garantias.

Por outro lado, existe uma ponderação quanto aos direitos fundamentais, nascidos da

própria dignidade da pessoa humana que não pode ser negada apenas pela circunstância de

estarmos a referir a uma criança, de um ser que ainda está em desenvolvimento, que está em

crescimento, bem pelo contrário. Entendemos, portanto, que esta especial fragilidade e

vulnerabilidade pode impor ao Estado um específico dever de atuação, não podendo nunca permitir

lhe pensar ou agir como se tivesse substituído esses direitos imanentes à criança.

Esta intervenção acarreta fortes limitações aos direitos da criança, tais como o direito à

liberdade individual e autodeterminação pessoal, e ainda dos seus progenitores, como o direito à

educação e à manutenção dos filhos, que encontram generosa consagração no texto constitucional.

Deste modo, sendo certo que a tarefa educativa deverá concentrar-se nos pais, a quem compete103 –

102 MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui – Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010. p. 1382.

103 Neste sentido, também o Acórdão do STJ, de 02/03/2011, proc. nº 25/11.0YFLSB.S1, disponível em: https://goo.gl/RrgtsZ, vem sustentar que:

“A liberdade individual e a autodeterminação pessoal do jovem (…) e o direito dos seus progenitores à sua educação e manutenção, mostra-se assim,

fortemente limitada, alvo de forte constrição, restrições essas orientadas, não com um propósito de punição, mas de o conformar ao interesse público

de respeito por regras básicas e inabdicáveis de convivência comunitária em harmonia e segurança, sempre que deu mostras de delas se desviar”.

Em termos constitucionais, o artigo 36º, nº5 da CRP que consagra, segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa...

ob. cit. p. 565, um verdadeiro direito-dever subjetivo, acrescentando ainda que este “além de um dever ético-social, é um dever jurídico, nos termos

estabelecidos na lei civil (artigos 1877º e seguintes) e em convenções internacionais (Protocolo nº 7 à CEDH, artigo 5º).

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

60

por excelência – o exercício das responsabilidades parentais104, deve equacionar-se a colaboração do

Estado com a família nas suas tarefas sociais e, principalmente, na educação dos filhos e que, em

princípio, só deve invadir o «santuário familiar» em casos extremos e sempre na defesa de valores

fundamentais que estejam a ser postergados, reservando-se, por norma, aos tribunais – por serem

os órgãos comunitários que mais garantias dão – essa tarefa de protecção do menor na família”105.

Por este motivo é que a intervenção tutelar educativa deve ser excepcional e obedecer aos princípios

da necessidade e da proporcionalidade.

Neste sentido, Souto de Moura vem afirmar que “o propósito tutelar educativo

consubstanciado na Lei nº 166/99, de 14/09 – Lei Tutelar Educativa –, cobra legitimação por parte

do Estado mesmo contra a vontade de quem está investido no poder paternal (…) quando se tenha

manifestado uma situação desviante que torne clara a ruptura com elementos nucleares da ordem

jurídica. E o núcleo de valores cujo desrespeito legitima a intervenção do Estado é representado pelas

normais criminais. Ou seja, se em rigor o menor não comete crimes, a tutela educativa deverá fazer-

se sentir sempre que o menor adopte um comportamento descrito na lei penal como crime, portanto,

penalmente ilícito”106.

104 A este respeito, veja-se a fundamentação do Acórdão do TRP, de 22/05/2013, proc. nº 2289/12.3TAVNG.P1, disponível em: https://goo.gl/xV7AFV,

nos termos da qual: “a intervenção tutelar educativa do Estado relativamente aos jovens justifica-se quando se tenha manifestado uma situação

desviante que tome clara a ruptura com elementos nucleares da ordem jurídica, legitimando-se o Estado para educar o jovem para o direito, mesmo

contra a vontade de quem está investido das responsabilidades parentais”.

105 De acordo com ELIANA GERSÃO, “Um século de Justiça de Menores em Portugal (no centenário da…” ob. cit. p. 1365. Nas palavras da Autora, “A

pretensão educativa da nova lei pouco tem a ver com os desígnios educativos que também o modelo de proteção da OTM incluía no seu ideário. Antes

de mais, porque a finalidade educativa só pode ser prosseguida com respeito por garantias processuais análogas às consagradas no processo penal

e dentro dos limites impostos pelos direitos constitucionais e civis dos pais e dos próprios menores; depois, porque o conceito de educação é entendido

de acordo com os conhecimentos e as exigências do nosso tempo, nele se incluindo o desenvolvimento do sentido de responsabilidade pelos

comportamentos pessoais e a interiorização da necessidade de respeito pelos outros e pelas exigências da vida em sociedade”.

Cf. RUI M. L. EPIFÂNIO e ANTÓNIO H. L. FARINHA, Organização Tutelar de Menores: contributo para uma visão interdisciplinar do Direito de Menores e de

Família. Coimbra: Almedina, 1997. pp. 14-17

106 Cf. MOURA, José Adriano Souto de – “A tutela educativa: factores de legitimação e objectivos”. In Revista do Ministério Público. Ano 21, nº 83. Lisboa

(2000). p. 98.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

61

2. Âmbito de aplicação

Em Portugal, há a considerar até aos dezoito anos, e em função do escalão etário, a

intervenção dos mecanismos de controlo social formal faz-se ao abrigo de diferentes diplomas”.

Contudo, ainda antes de nos determos sobre o quadro normativo português em matéria de

delinquência juvenil, impõe-se-nos tecer breves considerações quanto ao sentido da política criminal

face a este fenómeno, começando por constatar que não existe um consenso generalizado ao nível

internacional relativamente à fixação de um critério que estabeleça uma idade mínima para

responsabilizar107 a criança pela prática de um facto que seja qualificado como crime semelhante

para todos os países108.

Apesar da Convenção dos Direitos da Criança definir, no seu artigo 1º, o conceito de criança

tendo por base a sua idade109, tal opção assume-se como condição fundamental para aferir a

responsabilidade criminal. Como reconhece Boaventura Sousa Santos, “Apesar da Convenção não

se referir explicitamente à questão da imputabilidade penal, impõe aos Estados signatários a

obrigação de promover o estabelecimento de uma idade mínima abaixo da qual se presume que a

criança não tem capacidade para infringir a lei penal (artigo 40º, nº3, alínea b))”110. No entanto,

parece resultar da conjugação entre as Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração

da Justiça de Menores – “Regras de Pequim” –, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas

em 1985, através da Resolução nº 40/33 e a própria Convenção que a fixação de um limite etário

mínimo não deverá ocorrer numa idade demasiado precoce, levando-se em conta as circunstâncias

que acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual”, fazendo-se denotar uma ligação

107 Sobre esta ideia de responsabilidade das crianças, urge convocar as considerações expendidas por ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito

de Menores em Portugal…” ob. cit. pp. 374-375, ao acentuar o facto da “inimputabilidade não significar, de modo algum, irresponsabilidade,

considerando decisivo, não tanto o momento em que se fixa a idade da imputabilidade, mas as medidas que se vão adoptar e o tratamento que se vai

dispensar aos menores inimputáveis infractores”.

108 Desenvolvendo esta ideia, veja-se ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Direito das crianças e dos jovens…” ob. cit. p. 4 e ISABEL LUÍS DO COUTO, O Problema

da Idade da Imputabilidade Penal. Porto: Universidade Católica Portuguesa, 2012. Dissertação de Mestrado, pp. 42 e ss. Por outro lado, atente-se,

neste particular, naquilo que já atrás dissemos a propósito do modelo de intervenção junto de menores infratores no âmbito do «direito penal de

menores», que implica a idade da «responsabilidade», que analisámos em detalhe no capítulo I desta dissertação – cfr. pp. 36 e ss.

109 O artigo 1º ocupa-se da definição do conceito de criança, ao estabelecer que: “Nos termos da presente Convenção, criança é todo o ser humano

menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo”. Esta Convenção, pela especial relevância que

assume no direito internacional de crianças, configura um dos mais importantes documentos internacionais em matéria de Justiça Juvenil, tendo sido

adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 20 de novembro de 1989, tendo sido posteriormente ratificada por Portugal em 12 de setembro

de 1990, através do Decreto do Presidente da República nº 49/90, publicado em DR, 1ª Série, nº 211, de 12 de setembro de 1990.

110 cfr. SANTOS, Boaventura de Sousa – Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. p. 58.

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Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

62

com o estádio de desenvolvimento e de maturidade da criança111 – solução que se encontra

igualmente vertida na Recomendação R(87)20 do Comité dos Ministros, de 17 de setembro de 1987,

sobre as “Reacções Sociais à Delinquência Juvenil”, a qual desempenha um importante papel na

tentativa de impulsionar ações de prevenção da delinquência juvenil, afirmando que a culpa deveria

estar relacionada não só com a idade, mas também com a maturidade do jovem. Desta forma, a

aplicação da medida estaria relacionada, sempre, com o grau de desenvolvimento e maturidade do

menor.

Posto isto, e centrando-nos no ordenamento jurídico português, sabendo que a

imputabilidade jurídico-penal112 se traduz na capacidade do sujeito de avaliar a ilicitude da sua

conduta e de se poder determinar de acordo com ela, certo é que o legislador perfilhou no artigo 19º

do CP a idade de imputabilidade criminal nos 16 anos, assacando, deste modo, responsabilidade

penal às pessoas que, no momento da prática do facto, tenham já perfeito os 16 anos. Assim sendo,

partindo do princípio de que a partir dos 16 anos o jovem já pratica factos ilícitos-típicos que cabem

dentro da alçada do CP – e que representam verdadeiros atentados aos valores fundamentais da

vida em comunidade, sendo por isso que o legislador os elevou à tutela última do nosso ordenamento

jurídico, prevendo a possibilidade de, por força deles, as pessoas serem sujeitas a aplicação de penas

ou medidas de segurança – coloca-se a questão de saber porque terá o legislador optado por esta

solução entre os 12 e os 16 anos, na LTE ao abrigo do seu artigo 1º, descortinando as razões em

que repousa a eleição dos 16 anos como a idade de início da imputabilidade jurídico-penal.

Como referimos, o artigo 19º do CP fala-nos em inimputabilidade em razão da idade.

Constitui entendimento pacífico na doutrina que, “Antes de alcançada a maturidade biológica

reflectida na idade não pode formular-se um juízo de culpa, como acontece com os menores de 16

anos (…) tendo sido adotado um critério biológico, com uma presunção absoluta de inimputabilidade,

não sendo preciso que, em decorrência da menoridade, o menor seja incapaz de entender o carácter

111 De tal forma que, a própria Convenção vem sugerir a criação de sistemas de justiça especiais para as crianças de idade inferior a 18 anos que

pratiquem crimes, que estejam em conformidade, quer com a proteção dos direitos humanos, quer com a proteção das garantias processuais da

criança, mas que sejam distintos dos sistemas penais aplicáveis aos adultos – temática sobre a qual nos deteremos adiante, dedicando especial

atenção neste II Capítulo, a propósito da análise do modelo de intervenção vertido na LTE. cfr. infra pp. 62 e ss.

112 Numa nota puramente conceptual, imputar deriva do latim imputare, que significa “atribuir a alguém a responsabilidade de [algo]”. No plano jurídico,

a imputabilidade surge como um pressuposto ou conditio sine qua non da formulação de um juízo de culpa – cfr. CARVALHO, Américo Taipa de – Direito

Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. Teoria Geral do Crime. 3ª Ed. Porto: Universidade Católica Editora, 2016. p. 471 (sublinhado do Autor).

Ademais, conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica: “A imputabilidade constitui o primeiro elemento sobre que repousa o juízo de

culpa. Só quem tem determinada idade e não sofre de graves perturbações psíquicas possuí aquele mínimo de capacidade de autodeterminação que

o ordenamento jurídico requer para a responsabilidade jurídico penal.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

63

ilícito do facto ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”113. No entanto, pese embora

“a capacidade de avaliação da ilicitude e de autodeterminação de acordo com essa avaliação

pressupor um desenvolvimento psicológico, mental e sociocultural, que só a partir de certa idade se

atinge, há muitos adolescentes que com menos de 16 anos que têm perfeita compreensão

da ilicitude dos atos que praticam e que, portanto, são verdadeiramente imputáveis jurídico-

penalmente”114. Com efeito, “Se é verdade que a idade inferior a 16 anos não retira necessariamente

ao menor a capacidade para “avaliar a ilicitude da sua conduta” ou “para se determinar de acordo

com essa avaliação” nem por isso a posse desta capacidade faz supor juridicamente a capacidade

de culpa. A culpa jurídico-penal consiste num juízo de censura ético-social à personalidade do agente.

Mas é legítimo e plausível considerar que a personalidade do indivíduo, em sentido jurídico-penal,

não esteja formada antes dos 16 anos”115.

Com efeito, entende-se que a opção político-criminal do legislador decorre da presunção

legal, sem admissão de prova em contrário, de que o menor de 16 anos não possui desenvolvimento

113 cfr. SANTOS, Manuel Simas; HENRIQUES, Manuel Leal – Código Penal Anotado (Artigo 1º ao 69º). Vol. I. 4ª Ed. Lisboa: Rei dos Livros, 2014. Coimbra

Editora, 2007. p. 277.

114 Por isso é que AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais… ob. cit. pp. 474-475, defende que a inimputabilidade

consagrada naquele preceito legal, por ser aplicada em muitos casos de adolescentes com menos de 16 anos, configura “uma pura ficção legal”

(sublinhado do Autor). Nesse sentido, propõe uma nova formulação legal para a norma em apreço, no sentido “são considerados como inimputáveis”

e não “são inimputáveis”, pugnando pelo início da imputabilidade criminal nos 14 anos – circunstância que, aliás, vingou na vigência da versão do CP

português de 1852 – artigo 23º, nº 3 – e, posteriormente, de 1886 – artigo 43º, nº1 –, pugnando, em consequência, pelo estabelecimento de um

regime especial quanto à pena concreta e quanto ao local e modo de a cumprir em modo semelhante ao que já é aplicável aos chamados «jovens

adultos», sendo que, quanto às condições em que os adolescentes cumpririam a respetiva condenação, estas deveriam aproximar-se das que já estão

previstas para os infractores com menos de 16 anos. Um tal entendimento não deixa, porém, de suscitar algumas dúvidas, na medida em que apela

à criação de um regime, se quisermos, intermédio, entre aquele que vigora na intervenção tutelar educativa e, ao mesmo tempo, ao regime aplicável

aos jovens delinquentes. Em sentido oposto, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em Portugal…” ob. cit. pp. 374-375, entende

que “o processo de maturação do menor, a sua personalidade em formação, aconselham a fazer a fazer coincidir a idade da imputabilidade com a

da maioridade civil, idade em que se reconhece a plena integração político-social da pessoa”. É sabido que, no ordenamento jurídico português, não

existe uma coincidência entre a maioridade civil e a maioridade penal. Sem, todavia, pretender um tratamento exaustivo destas matérias, procurar-se-

á oferecer alguns elementos de interesse que auxiliam na compreensão desta temática. Ainda assim, para um estudo autónomo da menoridade civil,

tenha-se presente, a título de exemplo, PINTO, Carlos Alberto da Mota – Teoria Geral do Direito Civil. 4ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. pp. 98 e

ss. e 201 e ss. e CORDEIRO, António Menezes – Tratado de Direito Civil. Vol. IV. Parte Geral, Pessoas. 3ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. pp. 459

e ss, passim. Sendo, porém, certo que o conceito de menor, em razão da idade, continua “a ter na lei portuguesa contornos movediços que não são

de saudar” – FONSECA, António Carlos Duarte – “Menores, mas imputáveis: que protecção?” In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Volume Comemorativo

dos 10 anos do curso de pós-graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho. Coimbra: Coimbra Editora, 2008. p. 391. Como

é evidente, tal opção não deixa de ser passível de críticas, denunciando-se uma “incongruência do próprio sistema” – cfr. MARIA LUÍSA RIBAS PINHEIRO

TORRES, Da articulação das medidas de promoção e protecção de crianças... ob. cit. pp. 40-41 e, ainda, CERICATTO, Elinir Lúcia – A Imputabilidade do

Adolescente no Direito Penal. Braga: Universidade do Minho, 2015. Dissertação de Mestrado. pp. 57 e ss. Conferindo particular destaque sobre as

diferentes idades de responsabilidade criminal, fazendo uma leitura integrada das recomendações internacionais, veja-se MELNIC, Violeta – “La

Résponsabilité Pénale des Mineurs dans le Droit Européen”. In Studii Juridice Universitare. nº 3-4, 2010. p. 111.

115 cfr. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 36.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

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biopsicológico, social e estrutural para entender os seus comportamentos e ações e/ou para orientar

as suas atitudes de acordo com essa compreensão, não atingindo ainda o grau suficiente de

entendimento e autonomia da vontade para serem responsabilizados criminalmente116.

Por este motivo é que “Os ilícitos-típicos cometidos por menores não deixam, porém, de ser

objecto de tutela estadual, uma vez que também em relação a esses factos deve o Estado cumprir

o dever de protecção de bens jurídicos a que está adstrito (…) não podendo o Estado demitir-se do

seu papel de garante de defesa da sociedade apenas pela circunstância de o agente ser um

menor”117. Todavia, “deve evitar-se a todo o custo a submissão de uma criança ou adolescente às

sanções mais graves previstas no ordenamento jurídico e ao rito do processo penal, pela

estigmatização que sempre acompanha a passagem pelo corredor da justiça penal e pelos efeitos

extremamente gravosos que a aplicação de uma pena necessariamente produz ao nível dos direitos

de personalidade do menor, marcando inevitavelmente o seu crescimento e toda a sua vida futura”118.

116 Neste sentido, como sustenta JOSÉ ADRIANO SOUTO DE MOURA, “A tutela educativa: factores de legitimação e objectivos”. In Revista do Ministério

Público. ISSN 0870-6107. Ano 21, nº 83 (2000). p. 101, “entende-se que abaixo daquela idade o menor tem uma experiência de vida de tal modo

curta que não mede o verdadeiro alcance dos seus actos”.

117 Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo – Direito Penal: Parte Geral – Questões fundamentais – A Doutrina Geral do Crime. Tomo I. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra

Editora, 2007. p. 596.

118 Idem. No mesmo sentido, veja-se também ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em Portugal…” ob. cit. p. 374.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

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3. Finalidades

Aqui chegados, e para a matéria que ora nos ocupa, importa considerar a intervenção do

Estado num momento em que a criança seja encarada como delinquente ou pré-delinquente e, bem

assim, às circunstâncias em que a criança possa estar, face à luz do Direito Penal, perante um facto

típico, havendo necessidade de por cobro a tais comportamentos.

Constitui ponto assente que a intervenção tutelar educativa é legitimada, em termos de letra

de lei, pela Lei nº 166/99, de 14 de setembro, recentemente revista pela Lei nº 4/2015, de 15 de

janeiro. No entanto, o que está verdadeiramente em causa será, por um lado, a proteção do

desenvolvimento da criança, no sentido do direito que ao pleno crescimento físico, psíquico e

emocional ou, por outro, mas secundário, o direito ou interesse da própria comunidade na proteção

dos seus valores fundamentais? Se pretendemos evitar que a criança volte a cometer um facto

qualificado pela lei como crime, esta ideia pertence às finalidades do direito penal. Ora, será que o

nosso modelo atual permite o afastamento da perspetiva sancionatória? É consabido que esta lei

harmoniza em si dois interesses: por um lado, a salvaguarda dos direitos do menor, conferindo, por

isso, legitimidade estadual e, por outro, a satisfação das expetativas comunitárias de segurança e

paz social e, nesse sentido, confere eficácia à intervenção. Todavia, ao contrário do que sucede no

Direito Penal, a LTE tem sobretudo uma função de socialização. Esta é a principal função, ao passo

que a função de segurança tem aqui uma espécie de perspetiva de segundo plano119. Na verdade, a

função de ressocialização é a finalidade primária em que se visa educar o menor para o direito. A

função de segurança, ao contrário do que se passa no Direito Penal, visa (em segundo lugar e

apenas) cumprir esta função que ao Estado cabe de assegurar a paz social e a proteção de bens

jurídicos.

3.1 A educação do menor para o direito: conceito relativamente indeterminado?

119 No mesmo sentido, RUI JORGE GUEDES FARIA AMORIM, "O interesse do menor: um conceito transversal à…”. ob. cit. p. 95, vem afirmar que: “Na génese

da Lei Tutelar Educativa não estão tanto em causa preocupações securitárias da comunidade mas sobretudo o interesse do próprio jovem na avaliação

e respeito pelas normas jurídico-penais essenciais à normalidade da vida em sociedade”. Não concordamos, por isso, com a ideia posta em evidência

pelo Acórdão do TRP, de 05/01/2005, proc. nº 0414607, disponível em: https://goo.gl/2Ykvi4, ao apontar que a LTE prevê medidas de caráter penal

e que a LPCJP prevê medidas de protecção de caráter civil.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

66

Posto isto, impõe-se-nos dar resposta a uma das questões mais complexas que norteia o

espírito da LTE, no sentido de consolidar o que se deve entender por “educação do menor para o

direito”, conceito que aqui se apresenta como juridicamente indeterminado, carecendo de algum

preenchimento valorativo e cuja concretização ao nível do seu conteúdo se nos impõe, agora,

clarificar. Na sua definição não se poderá deixar de fazer referência à lei fundamental, enquanto

instrumento delimitador deste conceito, como também aos diversos instrumentos normativos

internacionais, aos quais já temos vindo a fazer referência ao longo da dissertação.

Numa nota puramente conceptual, educar significa formar, ensinar, instruir as crianças por

forma a conseguir o desenvolvimento integral e harmonioso da sua personalidade, ao nível das

faculdades físicas, psíquicas, morais e intelectuais, sendo que, especificamente no âmbito de

menores, a educação tem de respeitar a diversidade, descobrir as potencialidades e evitar a

doutrinação120.

Com efeito, a sua concretização reclama, desde logo, uma análise sistémica e interdisciplinar

do texto constitucional, designadamente do seu artigo 36º – cuja epígrafe é «Família, Casamento e

Filiação» –, assumindo particular destaque a redação do seu nº5, que consagra expressamente o

direito dos pais à educação e manutenção dos filhos121. Ademais, “«educação» tem aqui um sentido

distinto (…) e abrange designadamente todo o processo global de socialização e aculturação, na

medida em que ele é realizável dentro da família”122.

4. Pressupostos

4.1. A prova da prática de facto qualificado como crime

Aqui chegados, partindo do princípio de que nem toda a rebeldia dá origem a um

comportamento criminoso, vem o artigo 1º estabelecer que a LTE só tem aplicação quando

estejamos perante factos qualificados pela lei como crime. Assim, o primeiro pressuposto desta

intervenção reconduz-se à prova da prática, por menor com idade situada entre os 12 e os 16 anos,

120 Conceito que, entre nós, é destacado por ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em Portugal…” ob. cit. pp. 355-357, ao

entender que que este conceito “pode facilmente comportar submissão, mediante mecanismos de controle judicial”, apontando como exemplo mais

flagrante o sistema de justiça penal.

121 De acordo com GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa...” ob. cit. pp. 565-566, “O direito e o dever dos pais de

educação e manutenção dos filhos são um verdadeiro direito-dever subjectivo” (itálico dos Autores).

122 Idem.

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Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

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de factos qualificados pela lei como crime. A lei é clara nisso: a intervenção tutelar educativa parte

da prática de um crime, só que não é crime pela circunstância da pessoa ser inimputável e não

imputável123.

Como vimos, a exigência de prova do facto para desencadear a intervenção judiciária sobre

menores prevaricantes constituiu uma novidade em relação ao que vinha plasmado no direito

anterior, na medida em que o facto praticado pelo menor não tinha qualquer repercussão na medida

posteriormente aplicada, relevando apenas como índice ou sintoma de inadaptação124.

Partindo de tal pressuposto, é lógica a conclusão de que este “se deve ir buscar à lei penal,

uma vez que é neste ramo do direito que se reprimem as ofensas intoleráveis aos bens jurídicos

essenciais”125. Por esse motivo é que Anabela Miranda Rodrigues, vem sustentar que “o pressuposto

da responsabilização da criança é o acto cometido, só e apenas na medida em que o facto revela

hostilidade da sua personalidade face aos valores protegidos pelo direito penal”126.

123 Cabe enfatizar, a este propósito, que do ponto de vista técnico-jurídico e conceptual, é incorreto afirmar que os menores praticam crimes, uma vez

que, de harmonia com o artigo 19º do CP, estes são inimputáveis em razão da idade. Entendemos que nunca é demais insistir neste ponto: o que

eles praticam são factos qualificados pela lei como crime – que se fossem praticados por imputáveis (entenda-se, por maiores de 16 anos) constituíram

crimes –, podendo ser sujeitos a uma qualquer medida tutelar educativa – cf. por todos, MOURA, José Adriano Souto de – “A tutela educativa: factores…”

ob. cit. p. 98. Caminha igualmente neste sentido, JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. p. 25, ao sustentar que: “apenas

e só os actos praticados que consubstanciam factos qualificados como crime pela lei penal legitimam o recurso à justiça juvenil e não outro tipo de

factos ou comportamentos que porventura possam ser praticados e assumidos por jovens”. Note-se, porém, que quando este Autor nos refere «outro

tipo de factos ou comportamentos que possam ser praticados e assumidos por jovens», remete para a prática de comportamentos anti-sociais ou os

chamados «delitos de estatuto», isto é, comportamentos não legalmente censuráveis no caso de adultos, tais como: a prostituição, consumo de drogas

e álcool, vagabundagem, mendicidade, absentismo escolar, indisciplina e fugas de casa, sujeitando os jovens que adoptem tais comportamentos a

medidas educativas. Apesar de Portugal não dispor de normas sobre estes comportamentos, de acordo com as Regras Mínimas das Nações Unidas

relativas à Administração da Justiça de Menores – “Regras de Pequim” –,recomendadas pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção

do Crime e o Tratamento de Delinquentes, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1985, através da Resolução nº 40/33,

estabeleceram, na regra nº 3, que as orientações dadas são também aplicáveis a este tipo de delitos e às medidas de proteção e assistência social.

Quanto a estas, com interesse, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. p. 65, vem sustentar que: “No caso dos

menores, este alargamento encontra o seu fundamento na procura de um sistema mais justo, mais equitativo e mais humano para os jovens que, de

algum modo, entrem em conflito com a lei”. De igual modo, conforme jurisprudência amplamente pacífica, o Acórdão do TRC, de 12/10/2011, proc.

243/10.9T3ETR.C1, disponível em http://zip.net/brtK7s, vem afirmar que: “só podemos aplicar a um menor inimputável uma qualquer medida tutelar

educativa desde que se tenha provado – fora de qualquer dúvida razoável – que ele participou no concreto facto qualificado pela lei como crime”, vindo

a acrescentar que “sem factos provados não há hipótese de se accionar os meios ressocializadores e reeducadores ínsitos na LTE” e, no mesmo

sentido, o Acórdão do TRE, de 18/06/2013, proc. 30/12.0TQFAR.E1, disponível em http://zip.net/bstLtL, no sentido em que: “O primeiro dos

pressupostos para a intervenção tutelar é, assim, a existência de uma ofensa a bens jurídicos fundamentais, traduzido na prática de facto considerado

por lei como crime”.

124 Atente-se, neste particular, naquilo que já atrás dissemos a propósito da desvalorização do facto criminoso, quer na vigência da LPI, como também

na OTM, que analisámos em detalhe no I capítulo da presente dissertação – cf. pp. 36 e ss. e 44 e ss.

125 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 57 (artigo 1.º, § 6).

126 Cf., por todos, RODRIGUES, Anabela Miranda – “O Superior Interesse da…” ob. cit. p. 38. Tal circunstância poder-nos-ia, porém, facilmente avançar

para um paradigma associado ao “direito penal dos pequeninos”, fazendo com que se visse na LTE uma lei penal. No entanto, uma resposta precipitada

como aquela, esconde uma outra realidade, assinalada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, de 17/02/2009, proc. nº 2030/07, disponível

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

68

4.2. Necessidade de educação do menor para o direito

Apesar da circunstância de um menor praticar um facto que se encontra tipificado na lei

penal como crime, a verdade é que este não é suficiente para o preenchimento daquele que é o

primeiro pressuposto de aplicação de medidas tutelares educativas. Na verdade, este pressuposto é

de verificação necessária, mas não suficiente para desencadear a aplicação de uma medida, o que

significa que a prática de um facto é apenas sintomática de alguma carência de intervenção, não

sendo, de per si, suficiente, tornando-se absolutamente necessário investigar e concretizar se existe

necessidade de educação do cidadão menor para o respeito dos valores mínimos essenciais da vida

em http://zip.net/bytLN1, no sentido em que: “apesar do sistema tutelar educativo recorrer a alguns elementos da ordem jurídico-penal, o âmbito e

sentido de recurso a esses elementos não podem conflituar com os valores, princípios e fins próprios do sistema tutelar, descaracterizando-o e

comprometendo-o”. Assim esclarece a própria Exposição de Motivos da PropLTE, ao referir que “a intervenção tutelar não deve realizar-se nos moldes

estritos do direito penal, não est[ando], no entanto, excluído que não deva encontrar inspiração nesse sistema” – Cf., no mesmo sentido, ANA RITA DA

SILVA SAMELO ALFAIATE, O Problema da Responsabilidade Penal… ob. cit. p. 180, que chama à atenção para não se poder perspetivar a LTE como uma

adaptação ao CP, salientando o facto da "lei [entenda-se, LTE] não ter a mesma estrutura do código, dividido em parte geral e parte especial, e de a

cada facto qualificado pela lei como crime não corresponder, por imposição legal, esta ou aquela medida específica (…)" – assim, também TORRES,

Maria Luísa Ribas PINHEIRO – Da articulação das medidas de promoção e protecção de crianças e jovens… ob. cit. pp. 97 e ss. Acompanhamos

igualmente aqui ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, “Responsabilização dos menores pela prática de factos qualificados…” ob. cit. p. 368, que alertou

para o despertado sentimento de desconfiança e cepticismo da reforma legislativa operada em 1999 no âmbito do Direito de Menores, apontando-se

aquilo que o Autor designa por "manifestações de um endurecimento injustificado", entre as quais de destaca "a pretensão de instituir entre nós um

direito penal dos pequeninos" (sublinhado do Autor). Chamando à atenção para este aspeto, RUI JORGE GUEDES FARIA DE AMORIM, “Fundamentos e

alcance da recente revisão da Lei Tutelar Educativa”. In Revista do Centro de Estudos Judiciários. Lisboa. ISSN 1645-829X. nº 2 (2015). pp. 184-185,

vem esclarecer que “É óbvio que, por força do próprio regime tutelar, O Código Penal tem de ser aplicado, desde logo, para de finir se os factos

praticados pelo menor são ou não qualificados pela lei como crime. Vale isto por dizer que a parte especial do Código Penal constituirá um elemento

de suporte essencial à definição da intervenção em sede tutelar educativa”. Chamando igualmente à atenção para este aspeto, ANABELA MIRANDA

RODRIGUES, “Repensar o Direito de Menores em…” ob. cit. pp. 379-380 e Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 57. Partindo de um enfoque

completamente diverso, mas igualmente interessante é a análise que faz MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, “Delinquência juvenil: conhecer os jovens e

os territórios para situar as intervenções”. In Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN 0870-6107. Ano 37, nº 148 (2016). p. 95, a qual destaca o

número de suspeitos identificados menores de 16 anos, conjugado com o catálogo dos tipos legais de crime que estiveram na base dos inquéritos

tutelares educativos autuados entre 1993 a 2015. Afigura-se-nos significativo o número avassalador dos crimes contra o património, desde 1993 até

2007, sensivelmente – valores que rondaram os 2000 a 4000 menores identificados –, viu-se drasticamente reduzido, a partir dos anos de 2011 a

2015, tendência que não deixou de se fazer sentir quanto aos crimes contra as pessoas e, muito particularmente, quanto aos crimes contra a vida em

sociedade, apesar da sua diminuta expressão. Estabelecendo, porém, o confronto com os dados oficiais disponibilizados pelos relatórios anuais das

Procuradorias-Gerais Distritais, a qualificação jurídica dos factos denunciados que, esmagadoramente, dominam os inquéritos tutelares educativos

(numa percentagem que atingiu os 89% em 2015 no distrito judicial do Porto) são: crimes de injúria, furto qualificado, consumo e tráfico de

estupefacientes e abuso sexual de criança. Por sua vez, no distrito judicial de Coimbra, os tipos de crime que, maioritariamente, dominam os inquéritos

tutelares educativos são: furtos, ofensas à integridade física, dano, ameaça, injúria, consumo de estupefacientes, abuso sexual de crianças, detenção

de arma proibida, tráfico de estupefacientes e pornografia de menores, sendo que, em 2015, acrescem a condução sem habilitação legal e burla. Por

último, mas não menos importante, no distrito judicial de Lisboa, a classificação jurídico-penal dos ilícitos-criminais que estão na base dos inquéritos

tutelares educativos são: furto simples, ofensas à integridade física (simples e qualificada), roubo, ameaça, dano, injúrias, tráfico de estupefacientes,

abuso sexual de menores e detenção de arma proibida.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

69

em comunidade. Referimo-nos, pois, ao segundo pressuposto da intervenção tutelar educativa:

conforme estabelece a parte final do artigo 2º, nº1, falamos da necessidade de educação do menor

para o direito

Por esse motivo é que poderá não existir esta necessidade de intervenção tutelar, “se a

prática do facto exprimir ainda uma atitude de congruência ou mesmo tão-só de não desrespeito

para com os valores essenciais”, acrescentando, ainda, que “a mesma solução deve valer para os

casos em que a prática do facto, posto que objectivamente desvaliosa, se insere nos processos

normais de desenvolvimento da personalidade, os quais incluem, dentro dos limites razoáveis, a

possibilidade de o menor testar a vigência das normas através da infracção”127.

Deste modo, e em concreto, tem que se verificar esta necessidade de corrigir a personalidade

deficiente no plano do dever-ser jurídico expressa no facto praticado128.

Por outro lado, foi também sublinhado pela Comissão para Reforma do Sistema de Execução

de Penas e Medidas, através do seu Relatório Final, que “as normas primárias (ou de

comportamento) que subjazem aos tipos penais dirigem-se a cidadãos imputáveis, pelo que supõem

um certo grau de maturidade do agente”. O que significa que a mensagem imperativa que qualquer

norma penal encerra pode não chegar com a nitidez desejada ao menor. Assim, “para afirmar a

verificação do primeiro pressuposto de aplicação de uma medida, o tribunal deverá estabelecer se

127 Cf., por todos, RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 57; CUNHA, Maria da Conceição

Ferreira da – “Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p. 448; GONÇALO NICOLAU CERQUEIRA SOPAS DE MELO BANDEIRA, “O direito de intervenção junto

de menores infractores…”ob. cit. p. 615, ao sustentar que: “(…) não haverá intervenção tutelar educativa, se a prática do facto (considerado pela lei

como crime) se integrar ainda nas normais vias de desenvolvimento da personalidade que abarcam, razoavelmente, a hipótese do menor, por intermédio

da infracção, testar a própria vigência das normas”. Por outras palavras, se o menor vier de uma família estruturada, podendo dizer-se instâncias

informais de controlo – a família e a sociedade – funcionam normalmente, a prática de um facto típico pode revelar a necessidade da intervenção

tutelar educativa. Exatamente porque a sua personalidade demonstra, neste caso concreto, especiais exigências de educação que as instâncias normais

de socialização não conseguiram satisfazer. Parece, deste modo, estar aqui em causa uma personalidade que apresenta verdadeiras deficiências de

conformação com o dever-ser jurídico essencial e não meras insuficiências no plano moral e jurídico. Mas se, por exemplo, o menor viver no seio de

uma família desestruturada, pode carecer de uma intervenção em termos de protetivos, e não já da intervenção tutelar educativa. Torna-se, portanto,

necessário verificar se, “no caso concreto, a partir do facto e tendo este como limite, o menor infractor tem necessidade de ser educado para o direito,

isto é, apresenta uma personalidade que precisa de ser corrigida com vista à interiorização dos princípios e valores fundamentais da sociedade”. Em

termos práticos, isto significa que o simples cometimento de um facto considerado pela lei como crime não tem de conduzir necessariamente, neste

modelo educativo, à aplicação de uma medida tutelar educativa, se se entender que aquele facto típico foi apenas um teste do menor para testar a

vigência das normas através da sua violação. Assim sendo, não é em função destas carências sociais que a intervenção tutelar se vai desencadear.

Bem pelo contrário, é precisamente na ausência delas que, ao se constatar a prática de um facto qualificado pela lei como crime, se denota que menor

não aprendeu a resolver o conflito entre o “eu” e as exigências da sociedade e necessita de aprender a resolver.

128 Nesse sentido, vai, de resto, o entendimento de MARIA DA CONCEIÇÃO FERREIRA DA CUNHA, “Respostas à delinquência juvenil…” ob. cit. p. 451, ao referir

que: “o cometimento do crime deve refletir aquelas necessidades de educação e tais necessidades devem subsistir, pois, se entretanto tiverem sido

satisfeitas, deixará de haver motivo para a aplicação de uma medida que visa, exatamente, a «educação para o Direito»”.

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

70

aquele facto concretamente praticado pelo menor é suscetível de um juízo de desvalor objectivo pelo

menos análogo ao que é vertido na incriminação típica”129.

Apesar da prova da prática do facto qualificado pela lei como crime, a imposição de medidas

tutelares educativas só se torna imperiosa se a necessidade da conformação ao dever-ser jurídico se

verificar no momento da decisão. Referimo-nos, pois, ao segundo pressuposto da intervenção tutelar

educativa: conforme estabelece a parte final do artigo 2º, nº1, falamos da necessidade de educação

do menor para o direito130, ou seja, a “exigência ao jovem do dever de respeito pelas disposições

jurídico-penais essenciais à normalidade da vida em comunidade, conformando a sua personalidade

de forma socialmente responsável”131. Deste modo, “a identidade da intervenção educativa (ou a

singularidade da lei portuguesa, se preferirmos) reside na autonomia deste pressuposto – concreta

necessidade de educação da criança para o direito – sem a verificação do qual, pese embora a

prática de facto, a intervenção educativa não pode ter lugar”132.

129 Chamando a nossa atenção para estes aspetos, veja-se FERNANDO, Rui do Carmo Moreira – “Lei Tutelar Educativa: Traços essenciais na perspectiva

da intervenção do Ministério Público”. In Revista do Ministério Público. ISSN 0870-6107. Ano 21, nº 84 (2000). p. 121.

130 Neste sentido, veja-se AGRA, Cândido da; CASTRO, Josefina – “La justice des Mineurs au Portugal: risque, responsabilité et réseau”. In La justice

pénale des mineurs en Europe. Entre modèle welfare et inflexions néolibérales. Paris: L’Harmattan, 2007. pp. 229-246. Num momento claramente

mais desafiador e reflexivo sobre este pressuposto, MARIA LUÍSA RIBAS PINHEIRO TORRES, Da articulação das medidas de promoção e protecção de

crianças e jovens… ob. cit. p. 100, confere particular destaque à necessidade de educação do menor para o direito, enquanto segundo pressuposto

da intervenção tutelar educativa, defendendo, porém, uma interpretação restrita e refletida no momento da verificação deste pressuposto no caso

concreto, sobretudo no que respeita à possibilidade de arquivamento liminar do inquérito por desnecessidade de aplicação de medida tutelar educativa,

ou seja, concluindo pela desnecessidade de educação para o direito, nos termos definidos pelo artigo 78º. Afirma, para o efeito, que “é preciso aferir

com muito cuidado a falta de necessidade de educação para o direito, que permite o arquivamento, isto porque, a nosso ver, torna-se incoerente um

menor que tem no seu registo quatro arquivamentos do processo tutelar educativo. Ora se entendemos o objetivo do arquivamento, parece-nos pois,

muito estranho que um menor cometa, em momentos temporalmente distintos, factos qualificados na lei como crime e que não seja necessária a sua

educação para o direito. Entendemos, pois, que o julgador deve criar a sua livre convicção, mas, às atitudes que repetidamente forem violando bens

jurídicos fundamentais. Em termos de letra de lei, JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. p. 31, vem sustentar que: “nos

termos da LTE, nem todas as condutas consubstanciadoras de factos qualificados como crime pela lei penal dão necessariamente lugar à aplicação

de uma medida tutelar educativa, isto porque, estando a lei desenhada especificamente para atingir a educação para o direito do jovem infractor, os

artigos 78º, nº1 (arquivamento liminar), 87º, nº1, alínea c) (arquivamento por desnecessidade de aplicação de medida tutelar), artigo 90º, alínea e)

(obrigatoriedade de indicação das razões pela qual se reputa desnecessária a aplicação de uma medida tutelar educativa) e 93º, nº1, alínea b)

(arquivamento do processo pelo juiz, na fase jurisdicional, por facto qualificado como crime punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos),

permitem que não seja aplicada nenhuma medida tutelar educativa na sequência da prática de um facto qualificado como crime pela lei penal, caso

as especificidades do jovem não convoquem necessidades educativas”.

131 cfr. GUERRA, Paulo, BOLIEIRO, Helena – A Criança e a Família. Uma Questão de Direito(s): Visão Prática dos Principais Instituto do Direito da Família

e das Crianças e Jovens. 2ª Ed. Lisboa: Coimbra Editora, 2014. p. 110.

132 Cf. Ver de onde se retira esta nova que citação. Acompanhamos aqui ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, “Medidas tutelares educativas não

institucionais”. In FONSECA, António Carlos Duarte [et. al.] [coord.] – Direito das Crianças e Jovens. Actas do Colóquio. Lisboa: Instituto Superior de

Psicologia Aplicada, 2008. p. 374, que, nesta obra, traça sintética mas certeiramente o papel desempenhado pelos dois primeiros pressupostos da

intervenção tutelar educativa, no sentido em que esta “faz depender a intervenção do Estado da prova da existência do facto e da sua prática por quem

tenha mais de 12 anos e menos de 16 anos, mas, sobretudo, da prova de que o adolescente, a quem o facto é imputado, precisa de ser educado para

o direito, constituindo o facto praticado o escrínio em que se documenta esta necessidade educativa, o quadro delimitador da aferição da concreta e

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

71

É precisamente a partir deste segundo pressuposto que se infere que a intervenção tutelar

educativa tem sempre caráter prospetivo133, o que significa que a necessidade tem que ser vista de

uma perspetiva atualista no momento da decisão.

O terceiro pressuposto implica que o menor que se veja confrontado com um processo

tutelar, não tenha completado 18 anos até à data da decisão da primeira instância. Se o jovem

completar 18 anos antes da decisão da primeira instância, já não há possibilidade legal de aplicar

uma medida tutelar educativa. Entende o legislador que, nessa altura, perdeu oportunidade essa

intervenção, deixou de ser oportuno intervir desta forma sobre este jovem, fazendo com que o

processo seja arquivado.

O quarto pressuposto é não ter sido “aplicada pena de prisão efetiva em processo penal, por

crime praticado por menor com idade compreendida entre os 16 e os 18 anos”. Há uma intervenção

criminal, que, por sua vez, gera prisão efetiva, que não é compatível com a futura aplicação de uma

medida tutelar educativa.

Em suma, a ideia que subjaz a estes quatro pressupostos é a de que esta intervenção – a título

meramente educativo – mais não visa do que subtrair a criança ao sistema penal134 e, por

conseguinte, implementar uma estratégia responsabilizante para o jovem que delinquiu.

actual necessidade de educação do menor para o direito”.

133 No mesmo sentido, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, “A Lei Tutelar Educativa – entre o passado e o futuro”. In Justiça Juvenil: a Lei, os Tribunais e a

(In)visibilidade do crime no feminino. Porto: Vida Económica, 2017. p. 46, que vem afirmar que “a finalidade da intervenção não é a punição dos

adolescentes pela prática dos factos – não tem um cariz «retrospectivo», mas sim «prospectivo»”. Neste sentido, o que está em causa é, primacialmente,

a sua socialização, no sentido da conformação da sua personalidade com o dever-ser jurídico mínimo essencial à convivência em sociedade, corporizado

na lei penal, o que se traduziu no conceito normativo de «educação para o direito»”.

134 Assim, também, LÚCIO, Álvaro Laborinho – ”O advogado e a Lei Tutelar Educativa". In Revista do Ministério Público. nº 104, Ano 26 (2005). ISSN

0870-6107. p. 45.

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“O Tribunal tem de deixar de ser um edifício

de criação de moldes, para ser um atelier

de costura à medida do corpo de

cada criança”

Susana Salgueiral

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

74

CAPÍTULO III - DO INÍCIO DO PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO:

O INQUÉRITO TUTELAR EDUCATIVO

1. Generalidades

Se é certo que a LTE possui finalidades educativas, naturalmente que o seu cumprimento

só se torna efetivo com a existência de um processo próprio, munido de garantias e regras

específicas135, cujo regime jurídico se nos impõe agora analisar.

Com efeito, “a primeira nota que ressalta do modelo [processual] adoptado é a sua

semelhança com o processo penal”136, servindo este “de fonte ao processo tutelar por constituir um

ordenamento que realiza de forma particularmente activa as garantias constitucionais da pessoa em

face de pretensões de intervenção do Estado na esfera dos direitos fundamentais”137.

No aspeto processual, o processo tutelar educativo apresenta uma estrutura bifásica, na

medida em que é constituído por duas fases ou momentos principais: o inquérito, dirigido pelo MP,

que visa investigar tanto a prática do crime como a necessidade de educação para o direito138 –

135 Garantias processuais cuja falta no processo tutelar, concebido pelo anterior modelo de proteção, foi fortemente reivindicada – como fizemos já

referência, cf. as considerações que a este aspeto teceu ELIANA GERSÃO, “O processo tutelar educativo e as funções dos juízes sociais”. In SOTTOMAYOR,

Maria Clara [coord.] – Cuidar da Justiça de Crianças e Jovens. A Função dos Juízes Sociais. Actas do Encontro. Porto: Almedina, 2003. pp. 149-150,

no sentido em que “o processo é estruturado de forma a conferir aos menores as garantias processuais básicas” e, da mesma Autora, “Menores

agentes de infracções – Interrogações…” ob. cit. p. 24; 45; “Ainda a Revisão da Organização Tutelar de Menores…” ob. cit. pp. 448, 450. No mesmo

sentido, veja-se BANDEIRA, Gonçalo Nicolau Cerqueira Sopas de Melo – “O direito de intervenção junto de menores infractores…” ob. cit. p. 617; ASSIS,

Rui – “A Reforma do Direito dos Menores…” ob. cit. pp. 139-140.

136 cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 442 (secção C, ponto 2). Circunstância

que, de resto, foi fortemente vincada no Acórdão do TRC, de 07/03/2007, proc. nº 793/06.1TAACB.C1, disponível em: https://goo.gl/A7DxcZ, ao

sustentar que: “um relance basta para descobrir a semelhança flagrante com o processo penal, respigando-se, como meros exemplos, a enumeração

dos direitos do menor, nomeadamente a assistência por defensor (advogado ou estagiário), o procedimento de identificação do menor que segue as

formalidades do processo penal, as figuras da detenção e do flagrante delito, a previsão de medidas cautelares, cujo paralelismo de regulamentação

de imediato lembra a das medidas de coacção em processo penal, enfim e em geral, toda a estruturação do processo tutelar, também com uma fase

de inquérito, com possibilidade de suspensão do processo e uma ulterior fase jurisdicional, processo a que, o diploma manda aplicar subsidiariamente

as normas do Código do Processo Penal”.

137 Cf. Exposição de Motivos da PropLTE.

138 Atente-se, neste particular, naquilo que já atrás dissemos a respeito dos dois primeiros pressupostos da intervenção tutelar educativa, que analisámos

em detalhe no capítulo II desta dissertação – cf. pp. 77 e ss.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

75

artigos 72.º a 88.º – e a fase jurisdicional139, presidida pelo juiz e que visa a comprovação tanto dos

factos, como da necessidade de educação para o direito e, quando seja caso disso, a aplicação da

medida artigos – 92.º ao 120.º.

A sua organização, tal como se encontra sistematizada, poder-nos-ia levar a concluir que

o seu fundamento reside no princípio da acusação140, enquanto princípio conformador do processo

penal de estrutura acusatória. No entanto, refletindo a posição consagrada na Exposição de Motivos

da PropLTE: “não se trata de uma construção inspirada por qualquer ideia de repartição de poderes

ou tarefas. O que está em causa é desenvolver, dentro dos parâmetros constitucionais, uma lógica

de funções sensível aos interesses em jogo, a racionalidade e à eficácia”, acrescentando que, “Nesta

lógica, a titularidade do inquérito pelo MP não dispensa a intervenção do juiz sempre que estejam

em causa actos que põem em causa direitos fundamentais, como é próprio do modelo garantístico

representado pelas normas de processo penal. E, do mesmo passo, o Ministério Público continua a

ter um papel a desempenhar na fase jurisdicional, quer sustentando a acção, quer contribuindo para

a formação de consenso nos casos em que for relevante”141.

2. Da aquisição de notícia do facto

Aqui chegados, é chegado o momento de nos debruçarmos sobre o inquérito tutelar

educativo propriamente dito142.

139 Cf. aquilo que dissemos quanto ao nosso objeto e à sua razão de ser na introdução deste trabalho.

140 Sobre a importância do princípio da acusação no contexto da promoção processual penal e das razões que lhe subjazem, acompanhamos DIAS,

Jorge de Figueiredo – Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. pp. 136 e ss.; Direito Processual Penal. Lições coligidas por Maria

João Antunes. Secção de textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. 1988-89. pp. 88-89; ANTUNES, Maria João – Direito Processual

Penal. Coimbra: Almedina, 2016. pp. 60-65 e MENDES, Paulo Sousa – Lições de Direito Processual Penal. Lisboa: Almedina, 2015. pp. 201-203;

141 Cf. Exposição de Motivos da PropLTE.

142 Ilustrativo da atualidade desta matéria são os números de inquéritos tutelares educativos instaurados nos tribunais portugueses nos anos de 2013,

2014 e 2015. Os dados estatísticos que a seguir se expendem têm por fonte os relatórios anuais elaborados e gentilmente cedidos pelas Procuradorias-

Gerais Distritais do Porto, Coimbra, Évora e Lisboa, cujos resultados – para além de não tornarem menos imperiosa a consideração desta matéria –,

cedo nos permitiram concluir que não se trata de uma realidade muito expressiva no ordenamento jurídico português. Assim, de forma a termos uma

perceção concreta do significado e extensão dos fenómenos da criminalidade juvenil portuguesa, importa verificar que no distrito judicial do Porto, em

2013 foram instaurados 1863 novos inquéritos, sendo que 61% destes inquéritos deram entrada nos Tribunais de Família e Menores do Porto, Vila

Nova de Gaia e Matosinhos, facto que nos leva a crer estarmos perante um fenómeno urbano, essencialmente localizado nas comarcas do litoral, uma

vez que o número de inquéritos registados noutras comarcas do distrito do Porto é meramente residual – cf. , por todos, CARVALHO, Maria João Leote

de – “Violência(s) na cidade: crianças, socialização e território”. In LEANDRO, Armando [et. al.] [coord.] – Estudos em Homenagem a Rui Epifânio.

Coimbra: Almedina, 2010. pp. 441-442, ao entender que a violência encontra recorrentemente expressão em contexto urbano – falando-se sobre

“delinquência urbana”. Por sua vez, em 2014, assistimos a um decréscimo do número verificado no ano anterior, tendo sido instaurados 1178

inquéritos, sendo que, à semelhança do que sucedeu em 2013, 67% destes inquéritos deram entrada nos Tribunais de Família e Menores do Porto,

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

76

Assim, conforme prescreve o artigo 74º, para se dar início ao processo tutelar educativo é

necessário que haja a notícia da prática por menor, com idade compreendida entre os 12 e os 16

anos, de factos qualificados pela lei como crime. Deste preceito legal decorrem dois princípios

estruturantes do processo tutelar: o princípio da oficialidade143 e o princípio da legalidade.

Falar, em primeira linha, de oficialidade no âmbito do processo tutelar educativo

“compreende-se, dado o carácter público e a alta relevância dos interesses que se visa proteger”144.

Este princípio, sendo absolutamente estruturante do modelo processual penal145, tem um primeiro

momento na obrigatoriedade de abertura de inquérito, cuja direção é atribuída exclusivamente ao

MP, nos termos dos artigos 48º e 241º do CPP. A este propósito, cumpre referir que, no domínio da

LTE “não estamos, ao contrário do que se passa no âmbito do CPP, perante exclusiva ação penal,

com início na denúncia ou auto de notícia, mas sim perante objectivos que reputamos de mais

nobres e ambiciosos, os quais também têm início nessas notícias de factos qualificados como crimes

pela lei penal mas que vão muito para lá do facto – a investigação dos factos qualificados como

crimes pela lei penal serve, primacialmente, um outro interesse, o do jovem infractor, corporizado na

medida tutelar que se poderá aplicar, consubstanciando, assim, uma protecção daquele pela

existência e comprovação do facto, aliada à existência de necessidades educativas”146.

Especificamente sobre este princípio, a CRSEPM, no seu Relatório Final, ponderou a

questão de saber se deveriam valer, no âmbito do processo tutelar, as limitações e as exceções ao

princípio da oficialidade que vigoram no processo penal, respetivamente, a necessidade de queixa

ou de acusação particular para desencadear o processo, prevista relativamente a certos crimes.

Vila Nova de Gaia e Matosinhos, daqui se retirando as mesmas conclusões relativamente à urbanidade do fenómeno da delinquência juvenil.

Seguidamente, em 2015, estes valores aumentaram para 2240 inquéritos instaurados em toda a área desta Procuradoria, contribuindo as Comarcas

de Aveiro, Braga e Porto com 83% deste valor, relevando especialmente a Comarca do Porto, cujo volume de entradas representa 61% do total. Por

seu turno, quanto aos dados sobre o distrito judicial de Coimbra, durante o ano de 2013 iniciaram-se 614 inquéritos. Seguidamente, em 2014,

iniciaram-se 387 inquéritos, sendo certo que em 2015, deu-se início a 637 novos inquéritos. No que concerne ao distrito judicial de Évora, de acordo

com os relatórios anuais publicados pela PGDE, em 2013 deram-se início a 907 novos inquéritos, sendo que, em 2014, este número reduziu

drasticamente para um total de 568 inquéritos. Por sua vez, em 2015, o número de inquéritos tutelares educativos aumenta para 1022. Por fim, no

distrito judicial de Lisboa, de acordo com os relatórios anuais publicados pela PGDL, durante o ano de 2013 foram instaurados 3275 inquéritos, ao

passo que, no primeiro semestre de 2014 deram entrada 1858 novos inquéritos. 143 Cf. SILVA, Júlio Barbosa e – Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. p. 263 (artigo 74º, § 1) e RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António

Carlos Duarte – Comentário da Lei… ob. cit. p. 185 (artigo 74º, § 2).

144 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 444 (Secção C, ponto 4).

145 Sobre a importância do princípio da oficialidade no contexto da promoção processual penal e das razões que lhe subjazem, acompanhamos DIAS,

Jorge de Figueiredo – Direito Processual… ob. cit. pp. 115 e ss.; ANTUNES, Maria João – Direito Processual… ob. cit. pp. 60-65; MENDES, Paulo Sousa –

Lições de Direito Processual… ob. cit. pp. 201-203 e REIS, Maria Teresa Henriques – O princípio da oficialidade e a sua crítica no crime de violência

doméstica. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2016. Dissertação de Mestrado. pp. 7-11.

146 Idem.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

77

Concluiu-se, porém, que “as razões que valem para negar a intervenção penal nos crimes

particulares em sentido amplo que não sejam objecto de queixa ou acusação particular relevam

também no processo tutelar” 147, acrescentando, ainda, que “se a necessidade de correcção da

personalidade que fundamenta a intervenção é sempre avaliada nos quadros e nos limites do facto

praticado e se o legislador penal entende que o assunto não merece ser sequer apreciado quando o

ofendido não expressa uma vontade nesse sentido, parece que não se trata de uma ofensa grave

aos bens jurídicos essenciais, que justifique uma intervenção educativa. Indiscutível, em qualquer

caso, é a impossibilidade de instaurar um processo tutelar quando a natureza particular (em sentido

amplo) do crime serve para protecção do ofendido, como acontece com alguns crimes sexuais. A

consagração da acusação particular não se coadunaria, de forma alguma, com a feição do processo

tutelar, pelo que, tratando-se de crime particular em sentido amplo, será suficiente a simples queixa,

que vale como participação do facto”148.

Por outro lado, também o princípio da legalidade149, na medida em que deve haver sempre

lugar ao processo tutelar educativo, desde que o MP haja adquirido, nos termos legalmente previstos,

notícia dos factos praticados. De acordo com o Acórdão do TRC, de 05/07/2006, “um dos princípios

estruturantes do nosso sistema penal é o da legalidade. Significa ele que a entidade titular da acção

penal está obrigada a promovê-la sempre que tiver adquirido a notícia de um crime e a submetê-la

a julgamento desde que se tenha verificado a existência de indícios suficientes da prática do crime e

de quem foram os seus agentes. Sob a égide de tal princípio conserva-se um característico e basilar

postulado do Estado de Direito formal, traduzido na garantia jurídica de defesa dos cidadãos face ao

arbítrio estatal, garantia que se funda, por sua vez, na exigência de que todos os cidadãos são iguais

perante a lei”.

2.1. Pelos órgãos de polícia criminal

Por outro lado, quando a denúncia surge através da entidade policial, ao remeter a denúncia

ao MP, deverá faze-la acompanhar da “informação sobre a conduta anterior do menor e sobre a sua

situação familiar, educativa e social”, ao abrigo do disposto no artigo 73º, nº2150. Entende-se que este

147 cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. pp. 444-445 (secção C, ponto 4).

148 Idem.

149

150 Segundo JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. p. 262, quando a lei refere «conduta anterior do jovem», quer dizer “se já

é conhecido e se tem processos/queixas contra si e respetivos números de processo, tutelar educativo ou de promoção e protecção”; pela «situação

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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dispositivo legal “confere aos órgãos de polícia criminal uma crescente intervenção social, sendo que,

por via da sua acção preventiva e proximidade junto da população são as entidades que, por vezes,

estão em melhores condições de rápida e eficazmente fornecer à autoridade judiciária uma

informação tão completa quanto possível para fundamentar uma decisão provisória ou mesmo

definitiva”151.

Esta informação pode ser relevante para o destino a dar ao processo no imediato152 e em

toda a condução do mesmo, assumindo particular relevância no sentido da decisão final, exatamente

para se concluir se existe ou não necessidade de educação para o direito – factor que está

intimamente ligado à circunstância sócio-familiar e educativa do jovem. Como tal, afigura-se

manifestamente importante quando se recebe uma denúncia que se tenha logo uma primeira

informação sobre os dados disponíveis relativamente à sua inserção sócio-familiar e educativa.

Por outro lado, importa ainda esclarecer que as informações a que alude o artigo 73º, nº2

não se confundem com «a informação» a que se refere o artigo 71º. Neste preceito legal, estão

previstos os meios de obtenção de prova específicos do processo tutelar educativo.

familiar, educativa e social», quer dizer “quem são os pais ou cuidadores, onde vive e com quem, se frequenta a escola e como é visto e qual a sua

inserção na comunidade”.

151 cfr. GUERRA, Paulo – “O Novo Direito das Crianças e Jovens: um verdadeiro recomeço”. In Infância e Juventude. ISSN 0870-6565. Lisboa. nº 1

(2003). p. 75. No mesmo sentido, veja-se MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE e NIEVES SANZ MULAS, Direito de Menores. Estudo Luso-Hispânico... ob.

cit. p. 213: “a investigação no processo tutelar, apesar de beber a sua técnica e orientação na investigação criminal, tem como fim a prossecução da

educação do menor para o direito, tendo no seu escopo a consciência de que para tal será necessário que se descubra se o menor praticou ou não

aquele facto, como o praticou, em que circunstância o praticou, que motivos o levaram a agir daquela forma, o seu meio social, a sua situação

económica, os seus conhecimentos científicos. Em suma, é uma investigação que deve ser desenvolvida pelos órgãos de polícia criminal (ex vi do artigo

73º, nº2 da LTE), pelo Ministério Público e pelo Juiz do e para o menor” (itálico dos Autores). Refletindo, igualmente, sobre a atuação da GNR em

matéria de delinquência juvenil, ANDREIA FILIPA DUARTE VIEIRA – O papel da GNR na Delinquência Juvenil. Lisboa: Academia Militar da GNR, 2013.

Relatório Final, pp. 45 e ss., efetua uma abordagem que assentou no método de recolha de informação, através de entrevistas individuais. Deste modo,

entende-se que a atuação preventiva da GNR face à delinquência juvenil é conseguida através de um papel ativo no terreno, nomeadamente através

de programas especiais da GNR no âmbito do Policiamento de Proximidade, tais como o Programa Escola Segura e o Projeto IAVE, de palestras nas

escolas com o objetivo de acautelar as crianças e jovens, sensibilizando-as para atividades delinquentes, consumo de álcool e de estupefacientes, entre

outras. Por outro lado, refere-se que “o facto de os jovens que têm um processo associado, terem como referência o elemento da GNR responsável por

esse mesmo processo e, ao saberem do seu comprometimento, os jovens alvo do processo adotam uma postura contida”. Neste contexto, importa

igualmente destacar a análise efetuada por MARIA JOÃO LEOTE DE CARVALHO, “Delinquência juvenil: conhecer…” ob. cit. pp. 69-71, sobre as estatísticas

sobre as ocorrências participadas às forças de segurança tendo por suspeitos menores de 16 anos. Podemos constatar que entre 1993 e 2015, observa-

se uma tendência para o decréscimo do número de participações às polícias, mais acentuado entre os anos de 2000 e 2002, 2007 e 2008 e 2011,

seguindo-se variações pouco significativas entre 2011 e 2015.

152 Neste sentido, ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE FONSECA, Comentário da… ob. cit. p. 185, vem afirmar que: “Trata-se [no artigo

73º, nº2] de uma informação elaborada por entidades policiais, que, em muitos casos, quando têm conhecimento directo ou mediante denúncia de

um facto, podem ter informação ou acesso a informação sobre a conduta anterior do menor e a sua situação familiar, educativa e social, e de a utilizar

no processo desde o seu início. Esta informação, acompanhando a denúncia dos factos, vale como denúncia. O que é amplamente justificado,

atentos os fundamentos e as finalidades da intervenção tutelar educativa”.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

79

2.2 A imprescindibilidade de informação inicial quanto à instauração anterior e pendência

de outros processos

Ainda no âmbito da instauração do processo tutelar educativo, urge considerar uma outra

questão relacionada com a imprescindibilidade de informação inicial quanto à instauração anterior

e pendência de outros processos (sejam eles administrativos, tutelares cíveis, de promoção e

proteção e tutelares educativos) relativamente ao(s) menor(es) a que se refere o processo tutelar

educativo. Uma vez mais se reclama uma visão unitária do menor, o que implica uma articulação

entre estes processos153.

Nesta sede, a informação recolhida e disponibilizada em todos os processos anteriormente

instaurados relativamente ao menor alvo de processo tutelar educativo, arquivados ou não e de

idêntica ou diversa natureza – não deve ser desprezada, antes constituindo elemento absolutamente

essencial para enquadrar a conduta noticiada e permitir encontrar a medida adequada.

Neste sentido, logo após a autuação do inquérito tutelar educativo, deve a secretaria

oficiosamente fazer constar do mesmo informação completa sobre todos os processos – arquivados,

ou não, de idêntica ou de diversa natureza - antes instaurados relativamente ao(s) menor(es). Uma

vez que tal informação é absolutamente essencial para enquadrar a conduta noticiada e permitir

encontrar a medida adequada, deverá o magistrado titular providenciar pela sua respectiva consulta

e pela junção, se necessário, de cópias das peças mais relevantes para o enquadramento da

situação, sem prejuízo da determinação da(s) incorporação(ões) a que haja lugar e sem prejuízo

também da formulação dos requerimentos de apensação que legalmente se imponham.

Na consideração de que se mostra legalmente prevista a necessidade de apensação de

processos pendentes relativamente a um mesmo menor (artigos 80º e 81º da LPCJP e 37º da LTE)

e sem perder de vista que a uma multiplicidade de processos corresponde sempre uma única

situação globalmente considerada, impõe-se que o MP diligencie pela recolha dos elementos aptos

a avaliar da necessidade de uma tal apensação e aptos também a uma consistente opção pela

medida tutelar educativa adequada ao caso.

153 Atente-se, neste particular, naquilo que já atrás dissemos no I Capítulo da dissertação, relativamente às regras de conexão processual, em homenagem

o princípio da boa harmonia e da conjugação entre todas as decisões respeitantes a um mesmo menor – cf. infra pp. 47 e ss.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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3. A irrelevância da natureza do crime e a desnecessidade de queixa

Questão particularmente relevante nesta sede é a relativa ao regime da denúncia, que

encontra previsão legal no artigo 72º. Na redação anterior da lei, a disciplina relativa ao início do

processo tutelar educativo impunha uma distinção entre o regime dos crimes públicos, semipúblicos

e particulares. De acordo com Júlio Barbosa e Silva, a redação do nº1, ao permitir a denúncia por

qualquer pessoa de facto considerado como crime, praticado por menor com idade entre os 12 e os

16 anos, deixa a descoberto alguma confusão “quanto ao caráter indistinto da utilização dos

conceitos de denúncia e queixa”154. Na verdade, segundo este Autor, “poder-se-ia considerar que se

prescindia de queixa, nos crimes semipúblicos e particulares, no sentido rigoroso, caso houvesse

denúncia por parte do ofendido, sendo essa denúncia bastante para dar início ao procedimento

tutelar”. No entanto, entendeu-se que “não parece ser esse o sentido do conceito de «denúncia»

utilizado neste artigo, utilizado de forma aparentemente igual no nº1 e nº2”. Como tal, o conceito de

“denúncia no nº1 refere-se ao conceito de dar conhecimento de crimes públicos e o conceito de

denúncia no nº2 se quer referir, rigorosamente, a queixa por parte do ofendido”155.

Assim, no domínio desta versão, estando perante factos que integrem a previsão de um

tipo incriminador de natureza semipública ou particular, a ação do MP no sentido de avançar para

a tutela carecia de queixa por parte do ofendido. Tratava-se, em boa verdade, de um regime jurídico

154 cfr. SILVA, Júlio Barbosa e – Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. pp. 256-257. Num exercício impulsionador dos conceitos de direito processual

penal, importa relembrar que os conceitos de denúncia e de queixa não se confundem. Enquanto que a primeira é tradicionalmente apontada como

uma mera declaração de conhecimento de um facto com relevância criminal, a segunda define-se como “a comunicação do facto à entidade que

detém o poder-dever de accionar o respetivo procedimento ou, dito de ouro modo, é a declaração da vontade de que se pretende que seja levantado

processo para esclarecimento e prova de determinada conduta tida como criminalmente ilícita, com vista à punição do seu autor ou autores” – cf.

DIAS, Figueiredo – Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime. 2ª Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 665;

ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do

Homem. 3ª Ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2009. pp. 145-146; SILVA, Germano Marques da – Direito Processual Português III. Do

procedimento (Marcha do Processo). 2ª Ed. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014. p. 55; RIBEIRO, Vinício – Código de Processo Penal – Notas e

Comentários. 2ª Edição. Lisboa: Coimbra Editora, 2013. p. 270; SANTOS, M. Simas; HENRIQUES, M. Leal – Código de Processo Penal Anotado. I Vol.

Lisboa: Rei dos Livros, 1999. p. 270; GASPAR, António da Silva Henriques [et. al.] – Código de Processo Penal… ob. cit. pp. 156-157. De igual modo,

conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, vide os Acórdãos do STJ nº 1/97, de 19/12/1996, proc. nº 48 713, disponível em:

https://goo.gl/9x5fWe, do TRC, de 15/03/2006, proc. nº 4349/05, disponível em: https://goo.gl/yhPYz2 e de 04/11/2015, proc. nº

245/14.6TACBR.C1, disponível em: https://goo.gl/5Eg5Pz, do TRP, de 27/10/2010, proc. nº 1794/09.3TBVNG-B.P1, disponível em:

https://goo.gl/M1qVGK e do Acórdão do TRE, de 20/11/2012, proc. nº 1831/10.9TAPTM.E1, disponível em: https://goo.gl/kj6rxg,

155 Idem. pp. 256-257.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

81

semelhante ao que existe hoje no processo penal, em que apenas relativamente aos crimes de

natureza pública existe uma ação oficiosa156.

A Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 266/VII justificou esta exigência dizendo que

“as condições de procedibilidade estão sempre ligadas ou à reduzida gravidade do facto ou à

necessidade de tutela de certos direitos da vítima como seja, por exemplo, a intimidade. Qualquer

destas razões permanece válida quando o agente do facto é menor de 16 anos. Quanto à gravidade,

porque se tornam menos imperativas as razões que determinam a necessidade de educação do

menor para o direito e, havendo-as, será razoável atribuir-se a um membro da comunidade (o

ofendido) o primeiro juízo sobre elas; quanto à tutela da vítima, porque a menoridade não diminui

(pelo contrário, pode agravar) o interesse na disponibilidade do direito à acção”157.

Deste modo, no regime anterior, atenta a natureza semipública dos crimes denunciados, a

falta de tal condição de procedibilidade – a apresentação de queixa – determinava a ilegitimidade do

MP, para, por si, fazer prosseguir os autos de processo tutelar, fazendo com que o inquérito tutelar

educativo fosse arquivado, por inadmissibilidade legal do respetivo procedimento, ao abrigo do

disposto nas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº2 do CP e 72º, nº 2, «a contrario», sem

prejuízo do disposto no artigo 115º do CP.

Ao nos reportarmos aos crimes de natureza semipública ou particular, falamos de crimes

cujo procedimento não é oficioso por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque o legislador

entendeu que estavam em causa bens jurídicos, ou formas de violação de bens jurídicos, que, pela

sua gravidade ou circunstância, não impunham que a sociedade os perseguisse, independentemente

da vontade do ofendido, ou seja, relativamente aos quais “não é comunitariamente exigível a

existência de um processo penal, se o ofendido assim o entender”158.

156 Estando o anterior regime assim concebido, aos olhos de RUI AMORIM, “Intervenção tutelar educativa (antinomias do sistema e trilhos futuros)”. In

Lex Familiae – Revista Portuguesa de Direito da Família. Coimbra. ISSN 1645-9660. nº 19, Ano 10 (2013). pp. 52-53, o sistema tolerava que um

jovem praticasse dezenas de furtos simples ou outros ilícitos de natureza semipública ou particular sem que houvesse qualquer possibilidade de

intervenção em sede tutelar educativa. Num tom assumidamente crítico, coloca em evidência a excessiva “colagem” do processo tutelar educativo ao

processo penal, através do recurso a factos participados que configuram, na sua materialidade, a prática de furtos simples, tantas vezes ocorridos em

grandes superfícies comerciais, afirmando, para tanto, que: “A situação agrava-se ainda mais se o jovem se aperceber do espartilho legal (…) Na

verdade, o legislador obriga a que o arquivamento dos Inquéritos Tutelares Educativos seja sempre comunicado aos menores denunciados, mesmo os

arquivamentos liminares (artigos 78º, nº3 e 87, nº3 da LTE). Ora, ao tomar conhecimento de que os representantes das sociedades de transportes ou

das grandes superfícies comerciais por norma não exercem o direito de denúncia (talvez pelos gastos monetários que as deslocações a Tribunal ou

aos Órgãos de Polícia Criminal implicam, sem contrapartida direta visível), os jovens sentem-se legitimados a continuar a prevaricar. É quase irrecusável

o “convite” ao recrudescimento da delinquência. (…) Não se percebe, aliás, que o fator determinante para a intervenção seja diferenciado pela natureza

pública ou não pública de um crime”.

157 Cf. Ponto 12, p. 8.

158 Vide, por todos, ANTUNES, Maria João – Direito Processual… ob. cit. p. 21. Como certeiramente observa JOSÉ DA COSTA PIMENTA, Código de Processo

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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Por outro lado, existe um direito que ofendido tem, nesses casos em que se entende que

não há uma predominância do interesse comunitário, em que se permite que este tome opção sobre

as vantagens e as desvantagens que para si tem de haver ou não um procedimento criminal. Essas

vantagens ou desvantagens passam por vários factores e considerações, sendo uma delas a

revelação pública da existência do crime. Ademais, as razões de ser da diferença entre um crime

público e semipúblico não é “apagado” pela circunstância dos factos típicos serem praticados por

menor de 16 anos ou por estarmos perante um inquérito tutelar educativo. Como vimos, na versão

originária da LTE, o legislador entendeu que, tratando-se de crimes semipúblicos ou particulares, a

queixa do ofendido era necessária para iniciar o procedimento. As razões que justificaram este

entendimento foram as mesmas razões pelas quais isso acontece no processo penal, acrescida de

mais uma: a comunidade deveria ser o primeiro filtro quanto à necessidade de intervenção junto dos

jovens infratores e, portanto, se os ofendidos (enquanto expressão do sentido comunitário) entendiam

que essa intervenção estadual era desnecessária, porventura, porque tinham compreendido que o

facto era circunstancial, que estava explicado ou que já tinha, ele próprio, resolvido o problema com

o menor, entendia-se que nesse caso não fazia sentido o Estado intervir, porque a própria

comunidade tinha resolvido o conflito existente.

Só que este argumento, por um lado, é frágil porque se há necessidade de intervenção de

um jovem que pratica um facto qualificado pela lei penal como crime de natureza semi-pública ou

particular, e se se entende que esse comportamento é grave e exige uma intervenção de correção da

sua perceção da importância dos valores sociais, então nós podemos ter uma intervenção de

promoção, proteção e afirmação dos direitos da criança.

No entanto, certo é que “Para uns, esta limitação à intervenção tutelar educativa era

considerada um obstáculo aos objetivos subjacentes ao sistema de justiça juvenil uma vez que a

falta de queixa não significava que não houvesse necessidade de educação do jovem para o direito

na medida em que não poderia afirmar-se que as necessidades de educação para o direito se

Penal… ob. cit. p. 167: “A exigência de queixa, e a antecedente ausência de legitimidade do Ministério Público para promover o processo, fundamenta-

se em que a movimentação do aparelho judiciário – nomeadamente através da publicidade que, legalmente e de facto, o caracteriza – longe de trazer

aos ofendidos a reparação que normalmente deveria, possa acarretar para eles danos mentais, emocionais e sociais de maior monta do que a não

instauração do procedimento criminal. É, por conseguinte, uma exigência de política criminal que está em causa. Através do instituto da queixa

consegue-se, pois, conciliar o interesse privado dos ofendidos (ou como tais considerados) com o interesse público da perseguição dos criminosos.

Trata-se do ponto de encontro das linhas de convergência dos dois mencionados interesses (sublinhado do Autor) e ainda SANTOS, Gil Moreira dos –

Princípios e Prática Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p. 106: “Isto não impede que, por razões atinentes a ideias de consenso e

pacificação assente na reconciliação ou, em alguns casos, a princípios de realização ou salvaguarda da intimidade dos cidadãos ou de

descriminalização, a promoção do Ministério Público esteja condicionada por actos de vontade do titular do interesse jurídico-penal protegido ou por

quem para tal tenha legitimidade representativa ou substantiva”.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

83

mostram substancialmente reduzidas se o facto com expressão penal tiver natureza semipública ou

particular, ao ponto de permitir que o juízo de intervenção ou de não intervenção repouse sobre a

disponibilidade e eficácia do ofendido”159.

Tendo sido, igualmente, uma das questões debatidas no Encontro de Magistrados da

Jurisdição Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa160, organizados nos anos de

2007 e 2008, radicou em saber qual o procedimento a adotar se, no expediente que é transmitido

ao MP com a notícia do facto que a lei equipara a crime de natureza semipública ou particular, não

constar inequivocamente que o titular do exercício do direito de queixa161 foi advertido de que devia

apresentá-la, como pressuposto do conhecimento em juízo dos factos noticiados? Tendo em

consideração a versão anterior da LTE, dever-se-ia de imediato, proceder ao arquivamento, ou antes,

proceder-se à notificação do ofendido para, querendo, manifestar a sua vontade?

De acordo com as conclusões sumariadas neste Encontro, terá de se optar claramente por

esta última via, conclusão a que se chega por força da constatação de que entendimento diverso

não só não acautela de forma adequada o fim norteador da intervenção neste âmbito – a educação

do menor para o direito – como não dá seguimento processual ao que, desde o primeiro momento,

constitui, na realidade, em percentagem considerável de casos, a vontade do ofendido. Por um lado,

porque a denúncia não está sujeita a formalismo especial, de acordo com o nº 3 do artigo 72º, e por

outro, porque se impõe não deixar desacauteladas situações noticiadas – ainda que por vezes numa

forma imperfeitamente expressa – excessivas exigências formais apenas permitem arquivar papéis e

não resolver questões. Formalmente discutida esta questão, entende-se que adquirida pelo MP, nos

termos do artigo 74º da LTE, a notícia de facto que a lei equipara a crime de natureza semi-pública

ou particular sem que, no expediente que lhe tenha sido transmitido, conste expressa e inequívoca

vontade de denúncia por parte do ofendido, deve ser determinada a notificação para esse efeito, não

devendo proceder-se, desde logo, ao arquivamento do processo com fundamento na ausência

daquela.

159 Acompanhamos aqui AMORIM, Rui – “Fundamentos e alcance da recente revisão da Lei Tutelar Educativa”. In Os comportamentos desviantes da

criança/jovem e as instâncias informais e formais de controlo. [Em linha]. (2003) FIALHO, António José – “A Primeira Revisão da Lei Tutelar…” ob. cit.

pp. 243-244 e

160 AA.VV. – Encontro de Magistrados da Jurisdição Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa. [Em linha]. Lisboa:

161 Partindo das palavras de JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. p. 257, no domínio da LTE vale o disposto no artigo 113º,

nº1 do CP, que considera como ofendido o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, valendo, igualmente, as

disposições deste preceito quanto à legitimidade para apresentação de queixa em caso de morte do ofendido, à queixa apresentada por representante

legal do ofendido menor de 16 anos de idade e ao início do procedimento pelo MP, quando o interesse do ofendido o justificar. Do mesmo modo, veja-

se a fundamentação inscrita no Acórdão do TRL, de 23/04/2013, proc. nº 1034/10.2TAALM-5, disponível em www.dgsi.pt.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

84

Com a entrada em vigor da Lei nº 4/2015, de 15 de janeiro ficou consagrada a

possibilidade de qualquer pessoa apresentar queixa de um jovem mesmo quando o crime não é

público, bem como a obrigatoriedade de instaurar inquérito independentemente de queixa. O artigo

72º passou a estabelecer que havendo notícia, por qualquer forma, da prática da um facto qualificado

pela lei como crime, praticado por menor com idade entre os 12 e os 16 anos, é suscetível de

provocar a abertura de um inquérito tutelar educativo162. Ou seja, uma vez adquirida a notícia do

facto, ainda que integrativo de ilícito de natureza semipública ou particular, o Ministério Público tem

obrigatoriamente que iniciar inquérito. Todavia, est nova redação do preceito legal não significa que

em todo o regime inscrito na LTE se tivesse “apagado” a diferença entre crimes públicos,

semipúblicos e particulares, dado que existem outros aspetos em que essa distinção continua a ser

operativa.

Existe, porém, uma válvula de escape para atenuar esta “intervenção tutelar

globalizante”163, feita pelo nosso legislador ao tornar possível que, independentemente da natureza

dos factos e do crime a que corresponderiam os factos, se dar início a um processo tutelar educativo,

ao estabelecer que o MP pode determinar o encerramento do inquérito, arquivando-o, nos casos em

que, estando em causa factos qualificados pela lei como crimes semipúblicos ou particulares, se o

ofendido vier manifestar oposição ao seu prosseguimento, com fundamento especial relevante.

Uma das questões que se tem vindo a discutir radica em saber se o MP se pode bastar com

a simples declaração pelo ofendido de que não pretende processo tutelar contra o jovem ou de que

“pretende desistir da queixa apresentada” ou se, pelo contrário, A lei não nos diz o que é um

fundamento especialmente relevante, “não havendo, agora, qualquer espaço legal ou criativo para

admitir uma desistência de queixa e consequente homologação”164. De facto, estamos perante um

conceito indeterminado, cuja apreciação deve ser feita casuisticamente, atendendo à repercussão

das razões invocadas pelo ofendido na sua própria esfera pessoal – tendo sempre de se admitir que

o que é especialmente relevante para uma pessoa, pode não o ser para outra, em função da sua

condição.

162 Sobre esta matéria, veja-se o Projeto de Lei nº 534/XII/3ª, apresentado pelo PSD, de acordo com o qual a dispensa de denúncia por parte do

ofendido tem a virtualidade de permitir que o jovem tome contacto com as consequências do acto praticado num momento temporal mais próximo

da prática do facto, circunstância que poderá ter um impacto significativo na modificação do seu comportamento. Circunstância para a qual já nos

tinha chamado à atenção RUI AMORIM, “Intervenção tutelar educativa (antinomias do sistema e trilhos futuros)”. In Lex Familiae – Revista Portuguesa

de Direito da Família. nº 19, Ano 10 (2013). p. 51,

163 As palavras não são nossas. Rui Amorim…

164 cfr. SILVA, Júlio Barbosa e – “E se todo o mundo é composto de mudança…”: um primeiro comentário sobre as novidades trazidas pelas alterações

à Lei Tutelar Educativa, efectuadas pela Lei nº 4/2015, de 15 de janeiro". In Revista do Ministério Público, nº 143 (2015). ISSN 0870-6107. p. 53.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

85

3.1. O problema da desistência de queixa

Por outro lado, um outro problema que entronca neste último, tornando-se uma das

questões mais debatidas na doutrina e prática judiciária, relacionava-se com a relevência da

desistência de queixa no inquérito tutelar educativo165, naqueles casos em que ao facto praticado

corresponde natureza semipública ou particular166. Apesar de se prever expressamente a necessidade

de impulso processual do ofendido naqueles casos, a lei era absolutamente omissa quanto à

relevância a dar a uma eventual desistência, do ofendido, da denúncia apresentada.

De acordo com as razões enumeradas na Exposição de Motivos que antecedeu a

aprovação da LTE, “a relevância atribuída à iniciativa do ofendido, nos casos em que segundo as

regras comuns, o procedimento depende de queixa ou de acusação particular, pode parecer

contraditória com as finalidades do processo. Mas não é, no plano da harmonização de interesses.

Na verdade, as condições de procedibilidade estão ligadas ou à reduzida gravidade ou a

necessidades de tutela de certos direitos da vítima, entre os quais o da intimidade. Qualquer das

razões permanece válida quando o agente do facto é menor de 16 anos. Quanto à gravidade, porque

se tornam menos imperativas as razões que determinam a necessidade de educação do menor para

o direito e, havendo-as, será razoável atribuir-se a um membro da comunidade (o ofendido) o primeiro

juízo sobre elas; quanto à tutela da vítima, porque a menoridade não diminui (pelo contrário, pode

agravar) o interesse na disponibilidade do direito à ação”167.

Na doutrina, vislumbraram-se duas posições antagónicas: de um lado, o entendimento de

Rui do Carmo, o qual pugnava pela aplicação, pura e simples, das regras penais e processuais

penais, admitindo, por conseguinte, a desistência do procedimento nos crimes semipúblicos e

particulares168.

Partindo de um enfoque completamente diverso – e, em certa medida, oposto, Anabela

Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca, advogam no sentido da não aplicabilidade das

regras penais e processuais penais relativas à desistência de queixa, alicerçando a sua posição na

165 Como fizemos já referência, esta questão deixou de ter relevância prática já que agora, havendo notícia por qualquer forma da prática de um facto

qualificado pela lei penal como crime, independentemente da sua natureza, praticado por menor entre os 12 e os 16 anos, se inicia um processo

tutelar educativo.

166 E que detalhámos na primeira parte do capítulo III desta dissertação. Cf. supra pp. 49 e ss.

167 Cf. PropLTE.

168 Cf., por todos, FERNANDO, Rui do Carmo Moreira – “Lei Tutelar Educativa: Traços essenciais…” ob. cit. p. 122.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

86

natureza e fins a cuja aplicação o processo tutelar educativo tende. Para tanto, afirmam que “nos

casos de factos qualificados como crime cujo procedimento depende de queixa ou de acusação

particular – a promoção depende de denúncia do ofendido, mas já a prossecução do processo

escapa a qualquer vontade do ofendido, que não lhe pode pôr fim nem determinar a sua

continuação”169.

De um outro ângulo, afigura-se-nos significativo o entendimento de Júlio Barbosa e Silva,

ao sustentar que “admitir que um particular pudesse colocar um travão ou impedir que se

prosseguisse uma tarefa essencial do Estado (de protecção, pela educação e reinserção do jovem e,

secundariamente, de defesa da sociedade) é pugnar pelo desinteresse e demissão da sociedade

pelos seus jovens e pela desconsideração de uma tarefa essencial do Estado em várias frentes,

alheando-se das consequências futuras daqueles actos no jovem e na sociedade por questões

puramente formais”170.

4. O regime jurídico da prova

Enquadrando sistematicamente o regime da prova em sede de inquérito tutelar educativo,

é a partir do Título IV da LTE, que regula o processo tutelar educativo e, em especial, do seu Capítulo

III, que encontramos o regime jurídico relativo à matéria de direito probatório (artigos 65º a 71º

respetivamente).

Constitui entendimento pacífico que esta disposição legal vem reproduzir, no essencial, o

artigo 124º, nº1 do CPP, embora adaptado ao domínio da Justiça Juvenil, “não se referindo ao crime,

mas sim a facto, em vez de punibilidade ou não punibilidade, faz referência à avaliação da

necessidade de medida tutelar educativa e, por fim, em vez de falar em determinação da sanção a

aplicar ao arguido – pena ou medida de segurança – estabelece-se a determinação da medida tutelar

a aplicar”171.

169 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 183 (artigo 72.º, § 2). Solução esta que

cremos conciliar as posições que sobre a temática dá notícia RAMIÃO, Tomé d’ Almeida – Lei Tutelar Educativa anotada…. ob. cit. p. 115 (artigo 72.º, §

5); BOLIEIRO, Helena; GUERRA, Paulo – A Criança e a Família. Uma Questão de Direito(s): Visão Prática… ob. cit. p. 130; SILVA, Júlio Barbosa e – Lei

Tutelar Educativa comentada… ob. cit. p. 260. 170 Cf., por todos, SILVA, Júlio Barbosa e – “E se todo o mundo é composto de mudança…” ob. cit. p. 49 e Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit.

pp. 260-261.

171 Na senda da linha argumentativa acima traçada, vem JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. pp. 245-225, no seu

comentário ao artigo 65, § 1, fazer referência à chamada “prova de três tempos”, que assumem particular relevância em três momentos diversos,

precedendo uns os seguintes. Desta forma, vem sustentar que se podem “compartimentar, sem, no entanto, deixarem de estar ligados e dependentes

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

87

Acrescenta, ainda, que “por factos juridicamente relevantes para a verificação da existência

ou inexistência do facto», são os factos que relevam para a qualificação jurídico penal do facto

imputado ao menor, de acordo com o direito penal”172.

4.1. Os meios de prova

No que concerne à matéria dos meios de prova legalmente admissíveis no processo tutelar

educativo, a atual redação da LTE prevê: a prova testemunhal, a audição do menor, a audição dos

pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, a audição do ofendido, a prova

pericial, os exames e perícias, o exame sobre a personalidade, a prova acareação, a prova por

reconhecimento, a prova documental e, por fim, as informações e o relatório social.

O artigo 66º, nº2 fala-nos da admissibilidade da inquirição sobre factos relativos à

personalidade, carácter, condições pessoais e conduta anterior e posterior do menor, quer para prova

do facto, como também para avaliação da necessidade da medida tutelar e determinação da medida

aplicável. Note-se que, em sede de inquérito criminal, a indagação das circunstâncias relativas à

personalidade, caráter, condições pessoais e à conduta anterior e posterior do arguido, não correm

em paralelo com a prova e a averiguação dos factos praticados173, na medida em que, no âmbito do

processo penal, em primeiro lugar, apuram-se os factos praticados e só depois todas as

circunstâncias que podem influir na reação estadual sobre o indivíduo que praticou os factos.

No seguimento do processo tutelar educativo averiguam-se factos, circunstâncias de vida,

inserção social, simultânea e paralelamente. Por isso, as próprias testemunhas podem ser inquiridas

sobre toda esta panóplia de informações e não apenas sobre os factos.

uns dos outros ou autonomizáveis no tempo (…) o trazer para os autos todos os elementos que permitam fazer a prova do facto qualificado como crime

pela lei penal e que coloquem o jovem como o seu actor. Seguidamente, partindo da prova do facto, teremos de avaliar se esse jovem, não obstante

aquela prática, necessita de aplicação de uma medida tutelar (…) e, num terceiro momento (…) há que proceder à escolha da medida tutelar educativa.

E é aqui que os três momentos referidos confluem, uma vez que a escolha da medida terá necessariamente de ter em conta os momentos que a

precederam e o caminho probatório percorrido até esse momento”. No mesmo sentido, veja-se RAMIÃO, Tomé d’ Almeida – Lei Tutelar Educativa

anotada…. ob. cit. p. 105 e VALENTE, Manuel Monteiro Guedes; MULAS, Nieves Sanz – Direito de Menores. Estudo Luso-Hispânico... ob. cit. p. 166.

172 RAMIÃO, Tomé d’ Almeida – Lei Tutelar Educativa anotada…. ob. cit. p. 106.

173 No domínio do processo penal, apenas se torna legítimo recolher estes elementos depois de adquirida a prova e os indícios dos factos, na medida

em que essas circunstâncias que influenciam a decisão são da reserva da vida privada do arguido. Como tal, não há legitimidade para recolher essa

informação, enquanto não se constatar que poderá ter havido realmente a prática de um facto qualificado pela lei penal como crime.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

88

4.2. Os meios de obtenção de prova

Especificamente em matéria relacionada com a intervenção tutelar educativa,

valem como meio de obtenção de prova a informação e o relatório social174, em conformidade com o

disposto no artigo 71º. Ambos assumem um relevo incontornável em toda a condução do processo,

na medida em que visam “auxiliar a autoridade judiciária no conhecimento da personalidade do

menor, incluída a sua conduta e inserção sócio-económica, educativa e familiar” (nº2), devendo

versar “sobre factos cujo conhecimento seja estritamente indispensável para averiguar a necessidade

de correcção da personalidade do menor manifestada no facto”.

Fazendo, desde já, ressaltar as diferenças entre ambos, dir-se-á que o relatório social é

ordenado oficiosamente pela autoridade judiciária e elaborado pela DGRSP – entidade que presta

auxílio ao Tribunal em todo o processo175 –, devendo ser apresentado no prazo de 30 dias (nº4)176.

174 Do ponto de vista internacional, urge considerar as Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração da Justiça de Menores – “Regras

de Pequim” –, recomendadas pelo Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, adotadas pela

Assembleia Geral da Nações Unidas em 1985, através da Resolução nº 40/33, ao estabelecer, na sua regra nº 16, que: “Para facilitar o

julgamento do caso pela autoridade competente e a menos que se trate de infracções leves, antes da autoridade competente tomar a decisão final que

precede a sentença, os antecedentes do menor, as condições em que vive e as circunstâncias em que o delito foi cometido são objecto de um inquérito

profundo”. Reforçando este entendimento, veja-se também as Guidelines of the Committee of Ministers of the Council of Europe on Child-friendly justice

[Em linha]. Strasbourg: Conselho da Europa, 2011, nomeadamente a guideline 16, ao referir que: “Com total respeito pelo direito da criança à vida

privada e familiar, deve ser encorajada cooperação estreita entre diferentes profissionais com vista a obter um entendimento compreensivo da criança

assim como uma avaliação da sua situação psicológica, social, emocional, física e cognitiva”. Neste contexto, importa igualmente assinalar as decisões

do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso YVONNE BAILEY CONTRA O REINO UNIDO, de 19 de janeiro de 2010 e ÇOSELAV CONTRA A TURQUIA, de

9 de outubro de 2012, que são demonstrativas, a nosso ver, da importância da correta análise mediante relatórios técnicos, aferindo a concreta situação

dos jovens infratores. ***

175 Convém contextualizar. O primeiro serviço da administração central no setor da Justiça dedicado à intervenção junto de crianças e jovens envolvidas

na prática de factos qualificados pela lei penal como crime foi criado em 1919. Já entre 1925 e 2012 manteve-se a existência de um serviço de justiça

juvenil autónomo, integrado na estrutura do Ministério da Justiça, algo que deixou de existir em 2012, devido à fusão entre a Direção-Geral de Reinserção

Social com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, criando-se uma nova entidade, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. Na sequência

da aprovação da Lei Orgânica do Ministério da Justiça, constante do DL nº 146/2000, de 18 de julho, que se atribuiu ao Instituto de Reinserção Social

(IRS) o apoio técnico aos tribunais na tomada de decisões do processo tutelar educativo (artigo 19º, nº3, alínea b)) e a execução de medidas tutelares

educativas (artigo 19, nº3, alínea c)). Na sequência do Programa de Acão para a Entrada em vigor do Direito de Menores, aprovado pela Resolução do

Conselho de Ministros nº 108/2000, de 19 de agosto, que se assumiu o compromisso de reorganizar o Instituto de Reinserção Social até dezembro de

2000, tendo sido, mais tarde, aprovada a Nova Lei Orgânica do Instituto de Reinserção Social, constante do DL nº 204-A/2001, de 26 de julho. Neste

diploma, reforçou-se a organização do IRS para dar resposta a desafios essenciais no âmbito da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e,

com especial impacte nos serviços de reinserção social, a Lei Tutelar Educativa. **

176 Em tom assumidamente crítico, JOÃO PEDROSO, “A Reforma do “Direito de Menores”: A Construção de um “Direito Social”? (A intervenção do Estado

e da Comunidade na Promoção dos Direitos das Crianças)”. In Oficina do CES. Coimbra. nº 121 (1998). p. 5, não deixou de alertar para a situação

criada no Tribunal de Menores de Lisboa, em que os processos aguardavam, em determinadas situações e sem existir outras diligências, mais de um

ano pela realização de relatórios sociais, deixando em aberto a necessidade de repensar as funções dos relatórios sociais e, consequentemente, os

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

89

Por sua vez, a informação é igualmente ordenada pela autoridade judiciária, podendo ser solicitada

à Direção-Geral de Reinserção Serviços Prisionais ou outros serviços públicos ou entidades

privadas177, tendo de ser apresentada no prazo de 15 dias (nº3).

Note-se que a informação prevista neste dispositivo legal não se confunde com a informação

a transmitir pelos OPC, nos termos do artigo 73º, nº2, que prevê os casos em que a denúncia ou a

transmissão de denúncia pelos OPC é acompanhada, sempre que possível, por informação sobre a

conduta anterior do jovem e a sua situação familiar, educativa e social.

Ao permitir um melhor conhecimento do percurso e enquadramento sócio-familiar e

educativo do jovem, o relatório ganha acentuada visibilidade na organização formal do processo

tutelar educativo, repercutindo-se na fase de inquérito, ao servir para o MP fundamentar as suas

decisões de suspensão de processo, de arquivamento e de abertura da fase jurisdicional, como

também na fase jurisdicional, ao fundamentar a decisão de arquivamento do processo ou a aplicação

de medida tutelar178.

Do mesmo modo, serve pai também para o Juiz fundamentar a decisão sobre a substituição

e cessação da medida cautelar de guarda em centro educativo. A averiguação de tais condições é,

pois, amplamente justificada neste âmbito, desde logo, para se ajuizar da necessidade de correção

da personalidade do menor, isto é, da sua educação para o direito e a consequente escolha e

determinação da duração da medida a aplicar179. Mas não só. Igualmente os casos em que se

perspetiva a aplicação de uma medida de internamento em regime aberto ou semiaberto.

critérios legais da sua solicitação. Embora

177 Como refere JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. pp. 252-253, apesar desta informação ser elaborada pela Direção-

Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, certo é que essa incumbência pode recair sobre outras entidades, públicas ou privadas, tais como a

Segurança Social, Juntas de Freguesia, Comissões de Proteção e até Órgãos de Polícia Criminal. Também se pode incluir, neste núcleo, as instituições,

públicas ou privadas, onde se encontram acolhidos jovens ao abrigo de medidas de proteção. Refletindo e tecendo considerações a propósito da

atuação da GNR em matéria de delinquência juvenil,

178 cfr. pela ordem supra indicada, os artigos 84º, 87º, nº1, alínea c), 89º, 90º, alíneas d) e e), 93º, nº1, alínea b) e 110º, nº2, 104º, nº4 e 5, 110º, nº2

e 3, alínea b), respetivamente.

179 No encontro de magistrados do MP de 19/11/2007 e 14-25/01/2008 abordou-se o problema da realização de relatório social com avaliação

psicológica, nos termos do artigo 71º, nº 5 da LTE, no que respeita aos procedimentos a adoptar perante a falta de adesão do menor. Assim, quais os

procedimentos a adoptar perante a falta de adesão do menor, verbi gratia em caso de ausências injustificadas às sessões marcadas pela DGRS? Sem

prejuízo de ser ponderada a aplicação de medida cautelar se estiverem reunidos os respectivos pressupostos - e para além das sanções pecuniárias a

aplicar aos representantes legais, no quadro do artigo 116º, nº 1 do CPP, aplicável ex vi do artigo 128º, nº 1 da LTE –será caso de lançar mão do

mecanismo detentivo previsto no mesmo preceito do Código de Processo Penal. Deve ser, também, ponderada a realização de perícia sobre a

personalidade, ainda que possa não estar em causa a aplicação de internamento em regime fechado, pois a mesma poderá ter lugar fora dos casos

consignados no artigo 69º da LTE. Com efeito, será este um meio de, em última análise, obter a detenção do menor (artigo 51º, nº 1, c) da LTE),

perfeitamente justificável sempre que as suas ausências injustificadas às sessões do IRS e a incapacidade dos seus guardiães para o conter sejam

indiciadoras de carências graves em sede de educação para o direito. Formulou-se a seguinte orientação: Quando haja sido determinada a realização

de relatório social com avaliação psicológica relativamente a menor que revele comportamento de não conformidade com os objectivos, nesse âmbito,

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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Apesar de não resultar expressamente da letra da lei, é unanimemente aceite pela doutrina

que, no âmbito da intervenção tutelar, a requisição do relatório social pode ser ordenada em qualquer

altura do processo, pelo MP ou pelo Juiz, dependendo da fase em que se encontrar180 – tal é, pelo

menos, o que se depreende do teor literal do vertido nº 4 do artigo 71º – estando inclusivamente

prevista na lei a possibilidade de se requerer a sua atualização ou informação complementar,

ouvindo-se, em esclarecimentos e sem ajuramentação, os técnicos que o subscreveram (nº4)181 –

que se compreende, na medida em que poderá vir a fundamentar uma das decisões anteriormente

enunciadas.

Remetendo-nos, agora, para o regime processual penal, é sabido que as informações e o

relatório social não constituem meios de obtenção de prova ao abrigo das disposições contidas no

CPP, configurando antes meios de obtenção de informação para a escolha e determinação da

medida da sanção que possa vir a ser aplicada. Assim, segundo o artigo 1º, alíneas g) e h) do CPP,

por relatório social entende-se “a informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido

e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo de auxiliar

o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos

previstos nesta lei”; por seu turno, a informação dos serviços de reinserção social é vista como “a

resposta a solicitações concretas sobre a situação pessoal, familiar, escolar, laboral ou social do

arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo

referido na alínea anterior, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei”. Na esteira de Paulo Pinto

de Albuquerque, “A noção de relatório social e a noção de informação dos serviços de reinserção

social são distintas, mas próximas. Ambos os documentos prosseguem o objectivo de auxiliar o

tribunal no conhecimento da personalidade do arguido. Ambos são elaborados pelos serviços de

propostos pela DGRS, designadamente faltando às sessões a que deva ser submetido, de forma reiterada ou susceptível de inviabilizar essa avaliação,

deve o MP ponderar da sujeição do mesmo a perícia sobre a personalidade, nos termos do artigo 68º, nº 2 da LTE – ainda que não haja susceptibilidade

de o sujeitar a medida tutelar educativa de internamento em regime fechado – e, mesmo, caso se verifiquem os respectivos pressupostos, a aplicação

de medida cautelar de guarda em CE.

180 Ressalvados os casos em que a requisição do relatório social com avaliação psicológica é obrigatória, como sucede nos casos em que se perspetiva

a aplicação ao menor da medida tutelar de internamento em regime aberto ou semiaberto, nos termos do artigo…

181 Chamando a nossa atenção para este número, a Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos, no seu Relatório Final

(Secção C, nº 7), entendeu que: “Os esclarecimentos que os técnicos de reinserção social sejam instados a prestar, no processo, sobre os relatórios e

informações por si elaborados não constituem prova (nomeadamente testemunhal) nem meios de prova (pois não se trata de emitir um “parecer”

dotado de elaboração técnica)”. Assim sendo, “são meros esclarecimentos sobre meios de obtenção de prova, pelo que os técnicos, ao prestá-los, não

são ajuramentados”.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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reinserção social. A diferença reside em que o relatório supõe um estudo global e genérico do

contexto da vida familiar”182.

Ao contrário do que sucede no processo tutelar – em que a requisição do relatório social

pode ser ordenada em qualquer fase do processo –, no âmbito do processo penal, levanta-se a

questão da obrigatoriedade da sua requisição, tendo sido suscitada junto do TC a sua

inconstitucionalidade, no Acórdão nº 182/99, de 22/03/1999.

Da enunciação dos meios de obtenção de prova que são específicos da LTE, emerge uma

outra questão que, assumindo relevo incontestável nesta matéria, não pode deixar de ser por nós

considerada. Assim, em inquérito tutelar educativo será lícito o recurso aos meios de obtenção de

prova consagrados no CPP, designadamente revistas, buscas e escutas telefónicas? Pese embora a

LTE consagre meios de obtenção de prova próprios, pelo facto desta intervenção proporcionar uma

ação sobre o jovem que contribua para que ele respeite, no futuro, os valores essenciais da vida em

comunidade, fica precludido o direito de se lançar mão de outros meios regulados no CPP? Pugnando

pela posição num sentido afirmativo, que exerce as funções de juiz de instrução?

Ao nível doutrinário, a posição maioritária tende aceitar a admissibilidade de aplicação dos

meios de obtenção de prova específicos do regime processual penal no domínio do processo tutelar

educativo183.

Esta questão foi debatida no âmbito do II Encontro Anual do Ministério Público na Área de

Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital do Porto184, tendo sido apresentadas e discutidas

posições antagónicas, cuja sustentação se nos impõe, agora, analisar. Constatou-se, pois, que não

existia uma posição unânime entre os Magistrados, tendo-se revelado entendimentos diversos: de

um lado, uma parcela de Magistrados pugnava pela não aplicação dos meios de obtenção de prova

previstos no CPP no processo tutelar educativo; por seu turno, uma outra parcela de Magistrados

entendia que são admissíveis em sede de inquérito tutelar todos os meios de obtenção de prova

condensados no regime processual penal. Naturalmente que cada uma das posições se encontrou

alicerçada em fundamentos distintos: a primeira hipótese apela às disposições legais contidas no

182 cfr. ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de – Comentário do Código de Processo Penal… ob. cit. pp. 40 e ss.

183 Vide RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar…. ob. cit. p. 171, ao afirmar que “Aos meios de

obtenção de prova previstos no processo penal aditam-se (...)”; por sua vez, também JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit.

pp. 225-226, ao afirmar que “São, assim, meios de obtenção de prova no âmbito da LTE, uns por si, outros por força do disposto no artigo 128º da

LTE (...)”.

184 AA.VV. – II Encontro Anual do Ministério Público na Área de Família e Menores da Procuradoria-Geral Distrital do Porto. [Em linha]. Porto: Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa, 2009. [Consulta: 15 de fevereiro 2016]. Disponível na internet: https://www.pgdporto.pt/proc-

web/AttachmentViewerServlet?id=1901. pp. 39-44.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

92

Título IV da LTE (artigos 41º a 128º) e, em especial, ao Capítulo III desse título que se dedica à

matéria da prova. Afirma, para o efeito, que: “Ao longo de tais normas está sempre presente, por um

lado, a verificação do facto criminoso praticado por menor (entre os 12 e os 16 anos de idade) e,

por outro lado, a necessidade de educar o menor para o direito, pressupostos estes que enformam

todo o processo tutelar educativo”185 – e que constituem objetivos do inquérito tutelar, nos termos

e para os efeitos do plasmado no artigo 75º, nº2. Com efeito, entende-se que a finalidade perseguida

pela LTE – a educação do menor para o direito –, não se pode compatibilizar com o recurso aos

meios de obtenção de prova previstos no CPP, desde logo, porque a sua lógica de intervenção não

se confunde com a intervenção penal, havendo uma construção distinta entre ambas e que já

deixámos anteriormente expressa. Deste modo, contrariamente ao que sucede na intervenção penal,

a LTE possui uma função de socialização, sendo que a função de segurança assume aqui uma

perspetiva de segundo plano. Assim, tratando-se os meios de obtenção de prova de um instrumento

específico do processo penal, cuja finalidade última é, entre outras, a realização da justiça e a

conquista da verdade material, essa finalidade é colocada em segundo plano. Assim, porque a

intervenção tutelar educativa não tem uma finalidade retributiva do mal do com o mal de uma pena,

a intervenção do Estado justifica-se pela imperiosa necessidade de remediar um défice de

conformação ao dever-ser jurídico mínimo e essencial socialmente reinante186.

Por outro lado, suscita-se a aplicabilidade do disposto no artigo 128º, ao estabelecer a

aplicação subsidiária da legislação processual penal no processo tutelar educativo, em todas as

matérias não expressamente reguladas na LTE. No entanto, não existindo uma norma que,

expressamente, proíba o recurso aos meios de obtenção de prova condensados no CPP, dir-se-á, por

princípio, que é lícito fazê-lo.

5. Manifestação do exercício do contraditório

Decorre expressamente da consagração constitucionalmente imposta do princípio do

contraditório, o dever de ouvir qualquer sujeito do processo penal ou mero participante processual

quando se impõe tomar uma decisão que pessoalmente o afete – de acordo com o artigo 32º, nº5

parte final da CRP – e que encontra expressa consagração nos termos da Convenção Europeia dos

185 Idem.

186 Atente-se, neste particular, naquilo que já atrás dissemos a respeito das finalidades da intervenção tutelar educativa, que analisámos em detalhe

no capítulo II desta dissertação – cfr. pp. 66 e ss.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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Direitos do Homem, mormente no seu artigo 6º, cuja epígrafe é “direito a um processo equitativo”187,

interpretado no sentido de fazer compreender à criança a natureza do processo, mas também o

direito de nele participar, não só estando presente na audiência, como também se refletindo no

direito de ser ouvido188.

Concretamente em matéria relacionada com a intervenção tutelar educativa, a adoção do

princípio do contraditório apresenta-se como um dos principais pontos de rutura com o regime

plasmado na OTM, “pois a participação constitutiva no processo só pode realizar-se se for conferido

ao menor o direito de ser ouvido e de contraditar os factos que lhe são imputados, requerendo

diligências e indicando as provas adequadas”189.

Exemplo emblemático deste princípio é o artigo 81º que contempla uma sessão conjunta de

prova que se carateriza como sendo o “exame contraditório dos indícios recolhidos e das

circunstâncias relativas à personalidade do menor, à sua situação familiar, educativa e social com a

finalidade de fundamentar a suspensão processo ou do despacho final” (nº1).

Por outras palavras, vem este preceito legal consagrar uma diligência de prova no inquérito

em que são chamados os principais intervenientes e onde se procura, de forma contraditória,

esclarecer os pontos centrais do inquérito, particularmente os pontos que não estão suficientemente

esclarecidos. Trata-se de um momento de apuramento de factos sobre os quais há contradições e é

também um momento onde se procura construir uma solução para o processo. É aqui que se procura

construir as condições em que possa haver lugar à suspensão do processo (ao tal lugar paralelo da

suspensão provisória do processo) e ainda em que melhor se definem as condições em que vai ser

elaborado o despacho final. Mas qual é a importância desta sessão conjunta de prova para o

despacho final? Poderíamos responder porque nesta sessão se podem esclarecer factos sobre os

quais há versões diferentes e aqui, tal como nas acareações (esta é uma diligência mais informal do

que as acareações), sempre se permite que quem vai ter de proferir o despacho final (o Magistrado

do Ministério Público) tenha uma avaliação mais adequada da prova. Para além disso, o lugar

paralelo da acusação penal que se chama «requerimento de abertura da fase jurisdicional», tem

187 Interessante, a este propósito, é a análise que faz PAULA CASALEIRO, “Convenção Europeia dos Direitos Humanos: contributo para a proteção das

crianças em conflito com a lei”. In CANELO, Maria José [coord.] – Acesso ao direito e à justiça da família e das crianças: que desafios para o século

XXI? Coimbra. Edição do Centro de Estudos Sociais, 2013. pp. 10-15, ao se debruçar sobre o conteúdo dos artigos 3º, 5º e 6º da Convenção Europeia

dos Direitos Humanos e que tem sido vivamente invocados pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para a proteção dos direitos das crianças em

conflito com a lei.

188 Concretamente nesta matéria, veja-se o Acórdão Sahin contra a Alemanha.

189 Cf. NEVES, Alfredo Castanheira – “A intervenção do advogado no âmbito do direito...” ob. cit. p. 334 e, no mesmo sentido, RODRIGUES, Anabela

Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 445.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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elementos que a acusação em processo comum não tem. Este requerimento tem que conter a

proposta do Ministério Público, fundamentada, quanto à medida tutelar que deve ser aplicada ao

jovem. Em suma, fazendo o tal lugar paralelo com as figuras já conhecidas do nosso processo penal

com a LTE, o requerimento da abertura da fase jurisdicional é, de forma grosseira, o lugar paralelo

da acusação em processo sumaríssimo no processo penal, em que, também aí, o Ministério Público

tem que ter os factos, a qualificação penal, a prova e a pena que deve ser aplicada ao arguido. Aqui,

também tem que ter a medida tutelar educativa que deve ser aplicada ao jovem. E esta sessão

conjunta de prova serve também para poder encontrar a afinação desta parte do despacho final.

6. A obrigatoriedade da autoridade judiciária presidir às diligencias de menores

Como vimos anteriormente, o que o processo tutelar educativo importa do processo penal

são as garantias, entre as quais se destaca o direito de ouvir o menor, em qualquer fase do processo,

pela autoridade judiciária – que preside à fase em que o processo se encontrar – em obediência ao

preceituado nos artigos 45º, nº2, alínea a)190 e 47º – regra de inquirição que, segundo Anabela

Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte Fonseca, “se justifica à luz da elevada densidade tutelar

que impregna muitas normas do processo tutelar”191.

No inquérito tutelar educativo ocorre um acréscimo das exigências de imediação, o que

significa que o MP não tem a possibilidade de delegar nas polícias a realização das diligências do

inquérito, traduzindo-se esta exigência numa caraterística peculiar do inquérito tutelar que pode não

existir no processo penal, cujo inquérito pode ser delegado genericamente, para a sua realização,

pelo órgão de polícia criminal192, o que aqui não é permitido.

Deste modo, o MP tem que fazer pessoal e diretamente as diligências do inquérito e,

portanto, a imediação com o jovem, com o ofendido e com as pessoas intervenientes no inquérito193.

190 De acordo com o entendimento de ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE FONSECA, Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 141, este

dispositivo legal “dá corpo ao estatuto jurídico do menor, dotando-o de direitos que conformam uma garantia de defesa perante a intervenção tutelar

educativa e a limitação de direitos, liberdades e garantias que ela pode ocasionar” (itálico dos Autores).

191 Idem.

192 Sobre a delegação de poderes nos órgãos de polícia criminal, já muito se escreveu, nomeadamente a nível doutrinário e da jurisprudência

constitucional.

193 Detidamente sobre este direito de audição – enquanto concretização do princípio do superior interesse da criança –, nas diversas valências,

acompanhamos, de perto, RUI ALVES PEREIRA, “Por uma cultura da criança enquanto sujeito de direitos: “o princípio da audição da criança”. In Julgar.

Lisboa. ISSN 1646-6853. nº 22 (2014) e, também, RIBEIRO, Alcina da Costa – “O direito de participação e audição da criança nos processos de

promoção e protecção e nos processos tutelares cíveis”. In Revista do Centro de Estudos Judiciários. Lisboa, nº 2 (2015).

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Ilustrativo desta caraterística peculiar do inquérito tutelar é o próprio artigo 66º, nº3, que

estabelece a obrigatoriedade de inquirição do ofendido e das testemunhas, com idade inferior a 16

anos, pela autoridade judiciária. Num tom assumidamente crítico, Rui Amorim contesta de forma

veemente a parte final deste artigo. Afirma, para o efeito, que: “Compreende-se que assim seja em

sede de julgamento, face à solenidade do ato e à necessidade de tais testemunhas serem, de alguma

forma, resguardadas da querela processual. Também se compreende que assim seja em relação aos

menores denunciados (artigo 47º). Mas já temos dificuldades em entender que, na fase de inquérito,

tenha de ser o Magistrado do Ministério Público a presidir a todas as diligências relativas a menores

de 16 anos, independentemente da qualidade em que são inquiridos”194.

Por sua vez, o artigo 70.º diz-nos que “a acareação em que intervenha o menor é ordenada

pela autoridade judiciária e tem lugar na sua presença”.

7. Formas de encerramento do inquérito tutelar educativo

7.1. O arquivamento195

A primeira modalidade de encerramento do inquérito tutelar educativo corresponde ao

arquivamento liminar. De acordo com o preceituado no artigo 78º, nº1, o MP pode arquivar

liminarmente o inquérito quando estejam em causa factos qualificados pela lei como crime puníveis

com pena de prisão de máximo não superior a 1 ano196 – referimo-nos, portanto, às «bagatelas

194 cfr. AMORIM, Rui Jorge Guedes Faria de – “Fundamentos e alcance da recente revisão…” ob. cit. pp. 182-183. A título exemplificativo, o Autor vem

ainda afirmar que: “quando está em causa, por exemplo, a verbalização de injúrias entre jovens, que sentido faz ser o Magistrado a presidir à inquirição

do ofendido e das testemunhas menores? Será que as exigências de investigação não ficariam devidamente salvaguardadas se tais diligências fossem

presididas por um Sr. Funcionário? A situação é tanto mais incompreensível quanto é certo que, se estivéssemos perante um processo-crime, nada

impediria que os intervenientes processuais menores fossem inquiridos por Funcionário ou por Órgão de Polícia Criminal, por mais grave que fosse o

ilícito praticado. Aliás, relativamente a alguns tipos legais a competência para a investigação presume-se mesmo deferida a determinados Órgãos de

Polícia Criminal. O exemplo mais caricato ocorre nas instâncias de competência genérica relativamente à prática de ilícitos, em coautoria, por vários

denunciados, maiores e menores de 16 anos. Como têm de correr paralelamente um Inquérito Penal e um Inquérito Tutelar Educativo, o Magistrado

do Ministério Público vê-se nesse disparidade absurda de poder delegar a competência para a investigação relativamente ao primeiro processo (ou da

mesma se presumir deferida a Órgão de Polícia Criminal) mas ter que presidir a todas as diligências relativas a menores no ITE. Pergunta-se: a troco

de quê?”.

195 Como sustenta JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. p. 298 (artigo 86º, § 2), é necessário fazer-se uma chamada de

atenção para a Secção IV, a qual se reporta aquilo que o Autor designa por “encerramento-arquivamento do inquérito”, que em nada se confunde com

o arquivamento liminar contemplado no artigo 78º, nem com o arquivamento subsequente ao cumprimento satisfatório das injunções subjacentes ao

plano de conduta na suspensão do processo, previsto no artigo 85º, nº2, primeira parte.

196 Cf., entre outros, FERNANDO, Rui do Carmo Moreira – “Lei Tutelar Educativa: Traços essenciais…” ob. cit. pp. 128-129. Note-se que a aplicabilidade

do arquivamento liminar apenas e só quanto os factos qualificados pela lei como crime puníveis com pena de prisão de máximo não superior a 1 ano

não gera um verdadeiro consenso na doutrina. Para um cabal esclarecimento do que se acaba de referir, urge trazer para o nosso espaço discursivo a

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penais», ou seja, a factos de diminuta importância –, permitindo-se ao MP arquivar o processo logo

no inquérito se entender que é desnecessária a aplicação de medida tutelar face à reduzida gravidade

dos factos, à conduta anterior e posterior do menor e à sua inserção familiar, educativa e social197.

De acordo com Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte-Fonseca, quando se fala

na reduzida gravidade do facto eventualmente praticado, aferida em função da pena prevista para o

crime correspondente, faz-se referência a um critério objetivo, ao passo que, a desnecessidade de

educação do menor para o direito se apresenta como um critério subjetivo198.

Na verdade, em virtude da informação existente, poder-se-á concluir que é absolutamente

desnecessário desenvolver qualquer tipo de atividade e, inclusivamente, essa atividade não só se

tornaria inútil, como até seria estigmatizante para o jovem199.

Por seu turno, as circunstâncias em que pode haver arquivamento previsto no artigo 87º

resumem-se às situações em que se conclui que o facto não existiu, se houver insuficiência de

indícios da prática do facto; e não forem recolhidos indícios bastantes/suficientes da prática do facto,

o processo é arquivado. Se houver desnecessidade de aplicação de medida tutelar, ou seja, se se

concluir que não há necessidade de educação para o direito. Mas isso só pode ser resolvido pelo

Ministério Público – o arquivamento do inquérito – quando o facto for qualificado como crime punível

com pena de prisão não superior a 3 anos. Isto significa que, o Ministério Público arquiva o inquérito

quando: 1) conclui que o facto não foi praticado; ou 2) que o facto não constitui crime; ou 3) quando

visão partilhada de alguns operadores judiciários sobre o tema em análise, através do estudo elaborado pelo OPJP – cf. BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS,

Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. pp. 341-342, os quais destacam o facto desta modalidade de encerramento se dirigir apenas aos crimes de

injúrias e difamação – os quais, como já tivemos oportunidade de referir no II capítulo da dissertação – cf. infra pp. 80 e ss. – assumem uma

percentagem significativa no elenco dos tipos legais de crime a que corresponde os factos praticados pelos menores de 16 anos – cf., por todos,

CARVALHO, Maria João Leote de –“Delinquência juvenil…” ob. cit. p. 95. Precisamente por esse motivo é que vem outros Autores sustentar a manutenção

do arquivamento liminar para factos qualificados pela lei como crime puníveis com pena de prisão de máximo não superior a 5 anos, de forma a

conferir uma maior aplicabilidade prática a esta figura do arquivamento liminar, obviando-se, dessa forma, à utilização “pouco frequente” desta

modalidade de arquivamento do processo tutelar.

197 Deste preceito legal resulta de forma clara a importância que pode ter nesta decisão a informação policial sobre as circunstâncias de vida, a inserção

sócio-familiar e os antecedentes daquele jovem que devem acompanhar a transmissão da denúncia ao MP – a que aludimos anteriormente, cf. infra

p. 89. Na verdade, pode o MP, face a essa informação arquivar, por e simplesmente, o inquérito não fazendo qualquer diligência de prova. No entanto,

como certeiramente observa JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. p. 275, “Não se pense (…) que a opção pelo arquivamento

liminar esteja excluída quando esse informação não se encontrar nos Autos. Na verdade, há informações que podem ser adquiridas por outras vias e

que permitam condensar, quer os factos, quer a conduta anterior ou posterior do jovem, quer a sua inserção familiar, educativa e social, havendo ainda

situações em que não será possível obter quaisquer dados que preencham a aludida informação”. No mesmo sentido, veja-se ANABELA MIRANDA

RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE FONSECA, Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. pp. 190-191 (artigo 78º, § 3), ao referir, a título exemplificativo, a

possibilidade de obtenção de informações solicitadas a qualquer entidade pública ou privada, ao abrigo do disposto no artigo 76º.

198 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 190 (artigo 78º, § 1). Assim, também,

RAMIÃO, Tomé d’ Almeida – Lei Tutelar Educativa anotada…. ob. cit. p. 120 (artigo 78º, § 1).

199 Cf. Idem, p. 190.

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concluir que não há indícios suficientes da prática do facto ou da responsabilidade do jovem no seu

cometimento, seja qual for o tipo de crime. No entanto, quando pretender arquivar por

desnecessidade de educação para o direito, o que significa desnecessidade de aplicação de medida

tutelar, só pode arquivar autonomamente se estivermos perante um crime punível com pena de

prisão não superior a 3 anos. Se o crime for punível com pena de prisão superior a 3 anos, o

Ministério Público não pode arquivar o inquérito, tendo de requerer esse arquivamento ao juiz.

7.2. A suspensão do processo

A suspensão do processo representa um afloramento do princípio da oportunidade200 que

permite uma solução de diversão no âmbito tutelar educativo201, podendo constituir, a par do

arquivamento e da abertura da fase jurisdicional, uma outra forma de encerramento do inquérito

tutelar202, sendo recorrentemente aplicado nos Tribunais203, reputando-se como a solução mais

adequada, conquanto se considera que o confronto com a justiça é, por vezes, bastante.

200 Disso mesmo nos dá conta PABLO GRANDE SEARA, “El principio de oportunidad reglada en el proceso penal de menores portugués (processo tutelar

educativo)”. In Revista para el Análisis del Derecho. Barcelona: Facultad de Ciencias Jurídicas y del Trabajo, Universidad de Vigo. ISSN 0000-0000.

2011. pp.

201 A reclamação de uma solução deste tipo fora já feita por JÚLIO BARBOSA E SILVA, “A suspensão do processo e o inquérito tutelar educativo – a diversão

com intervenção como arquétipo da justiça juvenil, um caminho ainda incompreensivelmente incipiente". In Revista do Ministério Público. Lisboa. ISSN

0870-6107. nº 130 (2012). p. 188, ao afirmar que esta figura se insere “de forma relevante no âmbito dos próprios princípios que enformam a LTE,

muito especificamente no âmbito daquilo que comummente se apelida de diversão” e Lei Tutelar Educativa comentada... ob. cit. pp. 256-257. De igual

modo, também ANABELA MIRANDA RODRIGUES e ANTÓNIO CARLOS DUARTE-FONSECA, Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 197 (artigo 84º, § 2).

202 O propósito de que esta afirmação possa ser lida sem equívocos obriga a um esclarecimento prévio relativamente à inserção sistemática da figura

da suspensão do processo no corpo normativo da LTE. Como podemos constatar, esta figura está inserida no Titulo IV – Do processo tutelar e no seu

Capítulo IV – Inquérito e está prevista nos artigos 84º e 85º (Secção III). Entendeu o legislador (e bem) consagrar o mecanismo da suspensão fora da

Secção IV – Encerramento e, como tal, separada do elenco das restantes modalidades legalmente previstas de encerramento do inquérito tutelar (o

arquivamento e o requerimento para abertura da fase jurisdicional, como adiante comprovaremos). Tal se deve ao facto da suspensão poder não

conduzir necessariamente ao arquivamento do inquérito tutelar se, no decurso do período de suspensão, se verificar que não está a ser observado o

plano de conduta pelo menor, fazendo com que o processo prossiga os seus ulteriores termos – conclusão a que se chega por força da ratio que

fazemos da norma jurídica, bem como dos argumentos que se encontram vertidos na Exposição de Motivos da PropLTE (ponto 20).

203 A realidade judiciária portuguesa tem deixado transparecer um recurso frequente à suspensão, de acordo com os dados estatísticos dos relatórios

anuais elaborados pelas Procuradorias-Gerais Distritais, cujos resultados nos permitem concluir que, no distrito judicial do Porto, em 2013 foram

arquivados 70 inquéritos tutelares, número que se viu drasticamente reduzido em 2014, para 23 inquéritos tutelares, subindo, porém, em 2015 para

65 inquéritos tutelares, depois de decorridos os períodos de suspensão. Por sua vez, no distrito judicial de Coimbra, em 2013, 12% dos inquéritos

tutelares foram arquivados, percentagem que sofreu um aumentou significativo em 2014, subindo para 31,17%, sendo que, em 2015, a percentagem

para 47,75%. No que concerne ao distrito judicial de Évora. Estas conclusões, transversal a todos os operadores judiciários, teve repercussão no estudo

de BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, Os Caminhos Difíceis da “Nova”… ob. cit. pp. 338-343, ao

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Do início do Processo Tutelar Educativo

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Se bem que as duas figuras sugiram uma grande proximidade, devido à similitude da

nomenclatura que lhes foi atribuída – “suspensão do processo” na LTE e “suspensão provisória do

processo” no CPP, – certo é que existem grandes diferenças entre ambos os regimes.

Para ter lugar a suspensão, torna-se necessário o preenchimento de critérios legais

predeterminados e cumulativos, assumindo o primeiro deles um caráter objetivo, na medida em que

se deverá estar perante um facto qualificado pela lei como crime punível com pena de prisão não

superior a 5 anos, facto que nos leva a considerar que este instituto foi pensado para a pequena e

média criminalidade.

No entanto, colocou-se em debate a possibilidade de alargar a suspensão a factos

qualificados pela lei como crime puníveis com molduras penais abstratas maiores, reclamando-se

uma maior flexibilidade em prol de um trabalho mais forticante em sede educativa.

Trata-se, na verdade, de um pressuposto em tudo semelhante ao pressuposto geral da

suspensão provisória do processo penal, conforme o artigo 281º, nº1 do CPP. Curiosamente, quando

a LTE concebeu a suspensão do processo aplicável aos crimes puníveis com pena de prisão não

superior a 5 anos, no modelo processual penal, ainda tínhamos a suspensão provisória do processo

aplicável a crimes puníveis com pena de prisão não superior a 3 anos. Só depois é que o processo

penal acompanhou esta medida da pena que já constava no processo tutelar educativo.

De seguida, deverá haver uma ausência de anterior medida tutelar. Portanto, ao jovem não

lhe pode ter sido anteriormente aplicada uma medida tutelar num outro processo, circunstância que,

ao verificar-se, inviabiliza a suspensão do processo tutelar educativo.

Por outro lado, deverá haver concordância do menor com elaboração de um plano de

conduta. A ideia é precisamente a educação do menor para o direito, há um plano que visa a inserção

social do menor, em função das suas caraterísticas, do facto praticado, da sua inserção sócio-familiar

e educativa e da sua personalidade, que evidencie estar disposto, no futuro, a evitar a prática de

factos qualificados pela lei penal como crime. É elaborado um plano, com o qual jovem tem de

concordar, à semelhança do que acontece no processo penal204. As obrigações que podem constar

neste plano de conduta, nos termos do artigo 84.º, n.º4, são: a apresentação de desculpas ao

ofendido (alínea a)); o ressarcimento do dano pelo próprio jovem - não falamos do ressarcimento

civil do dano pelos pais, mas sim do ressarcimento do dano pelo próprio jovem (alínea b)); a

204 Aqui, existe uma diferença significativa relativamente ao processo penal: esta suspensão é decidida, havendo a concordância do menor,

exclusivamente pelo Ministério Público. Aqui, não há necessidade, como existe no processo penal, da concordância do juiz de instrução ou, neste caso,

do juiz de família de menores. Assim sendo, não há nenhuma intervenção judicial na suspensão do processo tutelar educativo. Esta suspensão é algo

tratado exclusivamente pelo Ministério Público, com o menor e os seus pais que devem intervir sempre que possível.

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consecução de objetivos de formação pessoal (alínea c)); a execução de prestações económicas

(possíveis por parte do jovem) ou de tarefas a favor da comunidade (alínea d)) e a não frequência

de determinados lugares ou no afastamento de certas redes de companhia (alínea e)). Nos moldes

em que está redigido a versão originária do nº 1 do artigo 84.º, o MP só pode decidir-se pela

suspensão do processo quando, sendo o facto qualificado como crime punível com pena de prisão

de máximo não superior a cinco anos, o menor apresente um plano de conduta que evidencie estar

disposto a evitar, no futuro, a prática de outros factos ilícitos típicos. Portanto, faz-se depender a

aplicação do instituto da iniciativa exclusiva do próprio menor.

Ainda que entenda que a melhor opção para o caso concreto deva passar pela suspensão

do inquérito tutelar educativo, o MP não podia lançar mão do instituto (ao contrário do que acontece

em sede penal – art.º 281.º do CPP), estando completamente dependente da vontade do menor.

Repare-se que nem sequer se permite que este interfira na elaboração do plano de conduta. O

Ministério Público assume, pois, uma posição de pura passividade, limitando-se a aceitar (ou não) a

suspensão proposta pelo menor e os respetivos contornos.

De acordo experiência relatada e estatisticamente comprovada, os menores (por

desconhecimento da lei ou por inércia dos respetivos defensores) raramente tomam a iniciativa de

requerer a suspensão do processo. Vale isto por dizer que o instituto raramente é aplicado. Porém,

com a alteração introduzida no artigo 84.º o instituto aproximou-se do processo penal, concedendo-

se ao MP a legitimidade para tomar a iniciativa da sua aplicação e para estabelecer os contornos do

respetivo plano de conduta.

Posto isto, a ideia que subjaz à figura da suspensão é a de “evitar o efeito estigmatizante e

negativo que a submissão ao processo pode ter em ordem à socialização”205.

7.2.1. O papel reforçado mediação nas hipóteses de suspensão

A figura da mediação encontra-se umbilicalmente ligada ao conceito de justiça reparadora

ou restaurativa como forma de resolução de conflitos no âmbito dos processos tutelares educativos,

sendo concebida como uma nova modalidade de resposta à delinquência juvenil206 – porquanto se

205 RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar… ob. cit. p. 197 (artigo 87º, § 2).

206 Exemplo vivo do que se acaba de referir é a Recomendação nº R(87)20, sobre as Reações Sociais à Delinquência Juvenil, adotada pelo Conselho

da Europa, em 1987, onde se apela ao desenvolvimento de procedimentos de mediação (ponto 2), conferindo especial destaque às medidas que

comportam a reparação do dano causado pelo facto. Nesta matéria, urge igualmente assinalar a organização de um Seminário pela Associação

Internacional dos Magistrados da Juventude e da Família subordinado ao tema “Delinquência dos jovens – Novas reacções” – cujas atas estão

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

100

apresenta como uma alternativa aos modelos retributivo e de reinserção social, ultrapassando aquela

“lógica “ou punição ou protecção”, em que até então os sistemas jurídicos estavam enveredados”207.

pretendendo-se que o menor “tome uma melhor consciência da dimensão e valor dos prejuízos

provocados pelos seus atos e assuma efetivamente a responsabilidade dos mesmos, através da sua

participação direta e ativa na resolução do conflito gerado”208.

De acordo com Clara Albino, “o enquadramento legal da mediação não a configura como

uma via extrajudicial de resolução de conflitos tutelares educativos, nem define claramente os seus

contornos, o que tem permitido interpretações diversas quanto à sua utilização, definindo-se apenas

que a mesma possa ser determinada pela autoridade judiciária para a realização das finalidades do

processo e com os efeitos previstos na lei”209, o que deixa em aberto uma ampla margem de

discricionariedade quanto ao seu procedimento. Esta falta de clarificação legal do regime da

publicadas em Nouvelles tendances dans le Droit Pénal des Mineurs – Médiation, travail au profit de la communauté et traitement Intermédiaire, ed.

Frieder Dünkel et Jean Zermatten, Rapports criminologiques de l’institut Max Planck de Dróit Étranger et International, Tome 42, Freiburg, 1990 – com

o sentido de perceber quais os procedimentos que os países europeus estavam a adotar para dar cumprimento a essa Recomendação. Note-se que,

de acordo com as conclusões sumariadas neste Seminário, a mediação, ao ter em vista a reconciliação do delinquente com a vítima e ao proporcionar

a esta uma satisfação moral ou uma compensação material pelos danos sofridos, constitui um meio privilegiado de apaziguar o conflito causado pelo

crime e de restaurar a paz social. Entendimento que foi integralmente acolhido pelas Guidelines of the Committee of Ministers of the Council of Europe

on Child-friendly justice, ao estabelecer na Parte IV, B (pontos 24 a 26) orientações destinadas ao recurso da mediação, como alternativa ao

procedimento judicial, esclarecendo ainda que o uso desta não deve constituir um obstáculo ao direito da criança de acesso à justiça. No mesmo

sentido, também as Regras Mínimas das Nações Unidas relativas à Administração da Justiça de Menores – “Regras de Pequim” –, recomendadas pelo

Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas

em 1985, através da Resolução nº 40/33, vieram preconizar a utilização dos recursos extrajudiciais como forma de superar o formalismo judicial no

tratamento da delinquência juvenil – concretamente através da mediação vítima-autor –, obliterando a estigmatização e o tratamento institucional dos

jovens, motivando-os à responsabilização pela reparação dos danos causados e favorecendo sentimentos de solidariedade social. De igual modo,

também os Princípios orientadores das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil – “Diretrizes de Riade” –, recomendadas pelo Oitavo

Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes, aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em

1990, através da Resolução nº 45/112, conferiram importância às políticas de prevenção da criminalidade, tendo em conta os diversos factores de

socialização do jovem, sendo realçado o caráter fundamental de medidas que evitem criminalizar e penalizar jovens por comportamentos que não

causem danos sérios ao seu desenvolvimento ou que não prejudiquem terceiro. Mais recentemente, o Conselho Económico e Social das Nações

Unidas aprova a Resolução ECOSOC 2007/23, sobre a reforma da justiça de crianças e jovens, exortando os Estados a estimular a utilização de

mecanismos de desjudicialização, de justiça restaurativa e de medidas substitutivas do internamento.

207 cfr. GERSÃO, Eliana; CAMPOS, Maria Cecília Monteiro – “A Justiça Reparadora e a Lei Tutelar Educativa: Princípios e Práticas”. In Volume comemorativo

dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora. 2008. p. 240.

208 cfr. MARTINS, Nádia Marcela Ferreira – A Mediação na Lei Tutelar Educativa. Braga: Universidade do Minho, 2014. Dissertação de Mestrado. p. 55.

No mesmo sentido, veja-se FRAENE, Dominique de – “La priorité à l’offre restauratrice… Les convoyeurs attendent-ils?” In La Reforme de La Loi du 8

Avril 1965, Relative à la Protection de la Jeunesse – Premier Bilan et Perspectives D’avenir – Actes du Colloque dês 31 Mai et ler Juin 2007. Editons

Jeunesse et Droit, Collection du Centre interdisciplinaire dês droits de l’enfant, 2008. p. 119.

209 cf. ALBINO, Clara – “Primeiros passos em Portugal”. In Protecção e Promoção dos Direitos das Vítimas de Crimes na Europa – Seminário Internacional

DIKÊ. Associação Portuguesa de Apoio à Vítima: Lisboa. p. 61, em consonância com a PropLTE, que refere tratar-se “de uma fórmula com reduzida

tradição entre nós e com suportes institucionais ainda ténues, o diploma deixa uma ampla margem de discricionariedade na sua utilização que se

espera poder frutificar com a capacidade e a imaginação de instituições públicas e privadas que venham a criar-se”.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

101

mediação foi igualmente perfilhada por diversos operadores judiciários210, que reclamavam por uma

mais detalhada regulamentação, a qual ajudaria, certamente, a que este mecanismo fosse mais

utilizado, podendo então discutir-se se a mediação pode ou não ser usada fora do processo e em

que situações.

Na jurisdição tutelar educativa, a cooperação dos serviços de mediação encontra expressa

consagração legal no artigo 42º, em sede dos princípios gerais do processo tutelar211. De acordo com

este normativo, o recurso à mediação depende da determinação da autoridade judiciária212, podendo

ter lugar por “iniciativa do menor, seus pais, representante legal, pessoa que tenha a sua guarda de

facto ou defensor” (nos 1 e 2).

A possibilidade de recurso aos serviços de mediação pode ter lugar na fase de inquérito,

onde assume relevo significativo no âmbito da suspensão do processo213, de modo a permitir a

elaboração e execução de um plano de conduta que o menor se comprometará a cumprir, de acordo

com o preceituado no artigo 84º, nº3. Entende-se que, neste caso, “A Mediação surge enquadrada

210 De entre os constrangimentos detetados no recurso à mediação, veja-se CELSO MANATA, “Lei Tutelar Educativa – desafios da sua aplicação prática –

Breves notas de trabalho”. In Intervenção Tutelar Educativa [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015. [Consult. 11 mar. 2016].

Disponível na internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Intervencao_Tutelar_Educativa.pdf, p. 413, o qual entende que: “as

boas intenções do legislador estão por cumprir, existindo um desafio que carece de alterações legislativas, mas sobretudo de urna atitude diversa dos

tribunais. De facto, e começando pelo legislador, este importante mecanismo de desjudicialização está previsto no artigo 42° da LTE de forma muito

tímida e surge apenas como forma de alcançar uma suspensão do processo (artigo 84°, n° 3) ou de obter um consenso quanto à medida a aplicar

na audiência preliminar”. No mesmo sentido, vem ANA PAULA VIEIRA LOPES PIMENTEL, Mediação Penal Juvenil: um novo paradigma de resposta à

delinquência. Braga: Universidade do Minho, 2015. Dissertação de Mestrado. p. 74, destacar a “evidente incapacidade do sistema ordinário de justiça

em responder satisfatoriamente às necessidades típicas do processo que envolve os menores, face à sua lentidão e ausência de uma intervenção que

evidencie o carácter responsabilizador da medida aplicada”. No mesmo sentido, veja-se SARA RAQUEL DE MIRANDA SARILHO, Lei Tutelar Educativa: A

Mediação. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2013. Dissertação de Mestrado. pp. 136 e ss e, também, CRISTINA CARVALHO;

SUSANA CASTELA; ANA VIEIRA, “Um contributo para a reflexão sobre a intervenção nas medidas tutelares não institucionais”. In FONSECA, António Carlos

Duarte [et. al.] [coord.] – Direito das Crianças e Jovens. Actas do Colóquio. Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2008. pp. 455 e ss.

211 Como observa ANTÓNIO FARINHA, “A Mediação no processo tutelar educativo”. In OLIVEIRA, Guilherme de [coord.] – Direito Tutelar de Menores – o

sistema em mudança. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 152, a inserção sistemática da mediação no elenco dos princípios gerais do processo tutelar

educativo leva a que se possa interpretar esta disposição legal como um claro incentivo à “promoção e à valorização de soluções consensuais por via

da mediação”. Com efeito, permitindo esta disposição legal o recurso à mediação tendo em vista a realização das finalidades do processo, entende-se

que “não existe qualquer limitação ao recurso a este método em qualquer momento processual” – cf. BARROS, Diana Marisa Gonçalves de – A Mediação

na Lei Tutelar Educativa: a caminho de um modelo de justiça restaurativa? Braga: Universidade do Minho, 2016. Dissertação de Mestrado. p. 100.

212 Cabe enfatizar, a este propósito, JÚLIO BARBOSA E SILVA, Lei Tutelar Educativa comentada… ob. cit. pp. 142-143, que destaca esta exigência de

determinação pela autoridade judiciária, para o recurso à mediação, de forma a “evitar expedientes dilatórios ou prevendo-se uma intervenção

mediadora pouco frutuosa”, pensada – mas não necessariamente – para os casos “em que o jovem tem um longo percurso de prática de factos

qualificados como crime, resultando infrutíferas as medidas aplicadas anteriormente para o afastar da prática desse facto)”.

213 Iremos ver ainda neste capítulo, aquando da análise das formas de encerramento do processo tutelar educativo, que a Exposição de Motivos da

PropLTE refere como “contradição do sistema protecionista (…) o pensar que, sendo o menor apenas objecto de medidas de protecção, o facto se

apresenta como meramente sintomático e, por isso, não carecido de julgamento em sentido próprio” – problemática à qual voltaremos, dedicando

especial atenção, aquando da análise dos pressupostos da intervenção tutelar educativa, mormente o da prova da prática, por menor com idade entre

os 12 e os 16 anos, de facto qualificado pela lei como crime – cf. infra pp. 83 e ss.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

102

num contexto de diversão”214 e, como tal, configurando-se como “modo extra-processual de

resolução do conflito, supondo a participação voluntária das pessoas envolvidas na mediação”215.

Nesta perspetiva, poder-se-iam alcançar as finalidades da intervenção tutelar “antes do términus

normal do processo, não sendo por isso de descurar as vantagens que daí adviriam em termos de

economia processual e de afastamento dos jovens do sistema judicial”216.

Uma das principais críticas comumente apontadas ao artigo 84º, nos 1 e 3 diz respeito ao

facto deste normativo induzir uma total ausência da vítima, não obstante esta poder ser o alvo

imediato do plano de conduta (principalmente quando abrange medidas de caráter reparador, como

é o caso das alíneas b) e d) do nº4)217. Coloca-se, então, a questão de saber se a vítima não deve ser

ouvida no desenrolar do processo e, nessa medida, participar de forma ativa e direta na conclusão

do plano que vai ser posteriormente apresentado ao MP. A resposta a esta questão não colhe

consensos na doutrina, havendo quem defenda que a audição e consequente participação da vítima

na elaboração do plano de conduta, tendo em vista da suspensão, “poria nas mãos da vítima a

possibilidade prática de haver ou não a suspensão do processo, instituto este que se encontra

desenhado no interesse do menor no sentido de ser evitada a sua estigmatização por assim não vir

a, potencialmente, ser presente a tribunal218. Pugnando em sentido diverso, há quem sustente a

participação da vítima na feitura do plano de conduta, porquanto o seu envolvimento constitui “uma

das bases fundamentais da mediação”, pelo que “não parece configurável que esta se encontre

afastada da elaboração do plano que contém diretrizes que a afetam diretamente”219.

Segundo os dados divulgados pela DGRSP, em 2012, o número de pedidos de intervenção

dos serviços de mediação em matéria de execução do plano de conduta em ordem à suspensão do

214 Cf. CASTELA, Susana – "Abordagem a aspectos teórico-práticos da mediação em processo tutelar educativo". In Sub Judice – Justiça e Sociedade

(Justiça Restaurativa). Lisboa. ISSN 0872-2137. nº 37 (2006). p. 95.

215 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar…. ob. cit. p. 137.

216 cf. por todos, ANABELA QUINTANILHA, “Um olhar sobre a Mediação com menores na Lei Tutelar Educativa”. In Volume comemorativo

dos 10 anos do Curso de Pós-Graduação "Protecção de Menores – Prof. Doutor F. M. Pereira Coelho”. Coimbra: Coimbra Editora.

2008. pp. 172-173, ao destacar os aspetos positivos do recurso à mediação na fase de inquérito “as finalidades do processo tutelar educativo podem,

em certos casos e, sobretudo, se houver recurso à mediação, ser alcançadas antes do términus normal do processo, não sendo por isso de descurar

as vantagens que daí adviriam em termos de economia processual e de afastamento dos jovens do sistema judicial”. Acresce, ainda, que “o mediador,

utilizando técnicas adequadas, estabelece a comunicação entre menor e ofendido num clima informal, de respeito e segurança, como é pressuposto

dum serviço de mediação, e nesse contexto faz brotar as respostas que sejam simultaneamente reparadoras dos danos causados à vítima e educativas

para o menor”.

217 Cf. ALBUQUERQUE, Teresa L.; ROBALO, Sousa – “Dois modelos de Justiça: Restaurativa: a Mediação Penal (adultos) e os Family Group Conferences

(menores e jovens adultos)”. In Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Lisboa. ISSN 0871-8563. Ano 22, nº 1 (2012). pp. 118-119.

218 Cf. RODRIGUES, Anabela Miranda; FONSECA, António Carlos Duarte – Comentário da Lei Tutelar…. ob. cit. p. 199.

219 Cf. BARROS, Diana Marisa Gonçalves de – A Mediação na Lei Tutelar Educativa…” ob. cit. p. 103-105.

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

103

processo, abrangeu um total de 335 pedidos, com maior incidência região do centro do país, onde

se verificou a taxa mais elevada, em evidente contraste com as regiões do Alentejo e Algarve220, dado

cuja expressividade nos permite, seguramente, de ter repercussão

No que concerne à fase jurisdicional, pode o juiz, na audiência preliminar, não tendo obtido

acordo quanto à medida proposta pelo MP, “determinar a intervenção dos serviços de mediação e

suspender a audiência por prazo não superior a 30 dias”. Em ambos os casos, este recurso encontra

a sua génese no facto de auxiliar os jovens e a sua família, bem como o Tribunal na construção de

um plano de conduta que constitui fundamento de suspensão do inquérito tutelar educativo.

A opinião dos operadores relativamente ao funcionamento e eficácia da mediação também

não gera consensos. Assim, enquanto alguns magistrados defendem que a mediação está a ser

utilizada com sucesso, outros afirmam que ainda há um longo caminho a percorrer.

7.3. O requerimento para abertura da fase jurisdicional

O requerimento para abertura da fase jurisdicional constitui a última modalidade de

encerramento do inquérito tutelar e verifica-se quando existe suficiência de indícios da prática de

facto qualificado pela lei como crime.

Através de uma análise sistemática do diploma, nomeadamente do artigo 90º, alínea e),

poder-se-á concluir que, tratando-se de crimes puníveis com pena de prisão superior a 3 anos, haverá

sempre abertura da fase jurisdicional, porquanto o MP não tem competência para decidir o

arquivamento do inquérito tutelar, nas situações em que conclui que não existe necessidade de

educação para o direito. O que significa que tal arquivamento tem que ser requerer ao juiz. Este

dispositivo legal, ao transmitir para o juiz o poder de análise final de desnecessidade de educação

para o direito de um menor que pratica facto qualificado como crime a que corresponde pena,

abstratamente aplicável, superior a 3 anos de prisão, quer o legislador dizer que não situações221

220 Disponível na internet em:

221 Parece-nos não restar dúvidas quanto à apreciação pelo MP da decisão de arquivamento quando estejam em causa factos puníveis com pena de

prisão, abstratamente aplicável, inferior a 3 anos. Todavia, questão nos merece particular atenção é a de saber quem deve decidir pelo arquivamento

do processo, nos casos em que são praticados, pelo mesmo menor, vários factos qualificados pela lei como crime, puníveis com pena de prisão inferior

a 3 anos, mas cuja soma ultrapassa este limite. Sobre esta matéria, pronunciou-se o Acórdão do TRL, de 06/02/2007, proc. nº 10950/2006-5,

disponível em www.dgsi.pt, em que o Magistrado do MP, titular do inquérito tutelar educativo, interpôs recurso do despacho da Meritíssima Juiz, na

parte que desatendeu ao seu requerimento de abertura da fase jurisdicional, por ter considerado não ser da sua competência o arquivamento do

processo em que está em causa a prática, pelo menor, de vários crimes – cujas penas individualmente consideradas e em abstrato – não ultrapassam

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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Todavia, quando nos referimos a crimes puníveis com pena de prisão até 3 anos, apenas há

lugar ao requerimento de abertura da fase jurisdicional se existir a necessidade de educação para o

direito, ou seja, se houver necessidade de aplicação de uma medida tutelar. Aí o Ministério Público,

se se tratar de um crime punível até 3 anos de prisão, se entender que não há necessidade de

educação para o direito, arquiva o inquérito. Ao invés, se entender que há necessidade de educação

para o direito, requer a abertura da fase jurisdicional.

Quando falamos de crimes puníveis com pena de prisão superior a 3 anos, há sempre o

requerimento de abertura da fase jurisdicional, tendo em vista o para arquivamento por

desnecessidade de educação para o direito ou para aplicação de uma medida tutelar, conforme a

posição que o Ministério Público tiver, consoante a avaliação que faz dos elementos recolhidos no

inquérito.

Começando por enunciar os requisitos que devem estar previamente verificados para a

abertura da fase jurisdicional, nos termos do artigo 90º, nº1, estes são: a identificação do menor,

dos seus pais, representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto (alínea a)); a descrição dos

factos incluindo, tanto quanto possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática e o grau de

participação do menor (alínea b)); a qualificação jurídico-penal dos factos (alínea c)); a indicação

das condutas anteriores, contemporâneas ou exteriores aos factos e das condições de inserção

familiar, educativa e social que permitam avaliar da personalidade do menor e da necessidade de

aplicação de medida tutelar (alínea d)); indicação de medida a aplicar ou das razões porque se torna

desnecessária (alínea e)); os meios de prova, limitando-se o rol de testemunhas a 20 (alínea f)); e a

data e a assinatura (alínea g)). Perante este conjunto de requisitos, quando o requerimento do MP é

omisso quanto à indicação das condutas anteriores, contemporâneas ou posteriores aos factos e das

condições de inserção familiar, educativa e social do menor que permitam avaliar da sua

personalidade e da necessidade de aplicação de medida tutelar, qual era a atitude que o juiz deveria

ter?

os 3 anos de prisão, por concordância com a proposta do MP no sentido de que não é necessária a aplicação de medida tutelar. Para tanto, concluiu

que não existem indícios de que o menor necessite de ser educado para o Direito, pelo que, interpretando o vertido no artigo 87º, nº1, alínea c), a

contrario sensu, o MP tem competência para arquivar o inquérito a competência para a decisão do processo – e, em consequência, para determinar

a decisão de arquivamento – afere-se pela soma das penas parcelares aplicáveis. O que significa que, nesta matéria, vigora uma regra similar àquela

vigora no processo penal. Deste modo, estando perante dois crimes puníveis com pena de prisão de 3 anos, quem tem de tomar a decisão sobre a

desnecessidade de educação para o direito é o juiz e não o MP, pese embora, se estivéssemos em processos separados, em cada um deles, seria o

próprio MP a decidir sozinho. Para além disso, aqui não há a aplicação do artigo 16º, nº3 do CPP, ou seja, não há a possibilidade de se aplicar a tal

singularização do processo penal. a, ou seja,

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

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Nesta matéria, pese embora esteja já devidamente ultrapassada a questão do recebimento

pelo juiz do processo do requerimento do MP omisso quanto à indicação das condutas anteriores,

contemporâneas ou posteriores aos factos e ainda das condições de inserção familiar, educativa e

social do menor que permitam avaliar da sua personalidade e da necessidade de aplicação de

medida tutelar – de acordo com o plasmado no artigo 90º, nº1, alínea d) –, na versão originária da

LTE colocava-se a seguinte questão: o que se faz a um requerimento “deficiente” do MP que vai

requerer a abertura da fase jurisdicional sem cumprir todos os requisitos desse requerimento,

nomeadamente sem indicar as necessidades de educação para o direito e a medida subsequente?

No âmbito do descrito quadro legal e para uma melhor compreensão da questão em apreço,

urge relembrar as querelas interpretativas suscitadas em torno do artigo 90º, tendo-se dado azo a

duas posições antagónicas: de um lado aquela que pugna pela aceitação do requerimento, ainda

que o mesmo não tenha o elenco de razões que justificam a necessidade de educação para o

direito – afirmando, para tanto, que uma tal omissão não constitui uma questão prévia impeditiva do

conhecimento do mérito222 – e, por outro, aquela que defende a rejeição do respetivo requerimento,

com base na falta dos fundamentos da necessidade de educação para o direito.

De facto, existia esta jurisprudência com duas posições totalmente opostas, porque a lei era

absolutamente omissa quanto ao que se fazia nestas circunstâncias. Todavia, com esta recente

alteração legislativa, foi aditado o artigo 92º-A, que veio, por um lado, esclarecer este problema e,

por outro, impedir que volte a haver jurisprudência contraditória, dissipando dúvidas e impasses que

resultavam de alguma jurisprudência existente.

De acordo com o Acórdão do TRP, de 27/10/2004223, a lei não estabelece qual a

consequência ou sanção jurídica para a eventual omissão de tal indicação. De facto, esta omissão

não é taxada na lei como nulidade – seja na LTE, seja na lei processual penal (nos termos do artigo

118º do CPP) ou na lei processual civil (conforme o artigo 201º, nº1 do CPC) – sendo, quando muito,

mera irregularidade formal do requerimento, que pode até ser reparada oficiosamente pelo tribunal,

mas não constitui nunca “questão prévia” impeditiva do conhecimento do mérito da causa, como

erroneamente é classificada no despacho recorrido, nada desaconselhando um convite de

aperfeiçoamento ao requerente.

222 Vide, quanto a esta primeira posição, o entendimento firmado nos Acórdãos do TRP, de 27/10/2004, proc. nº 0414556 e do TRC, de 07/03/2007,

proc. nº 793/06.1TAACB.C1.

223 Cf. Acórdão de 27/10/2004, proferido no processo nº 0414556, Relator Ângelo Morais, disponível em: https://goo.gl/cnHhFv

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Do início do Processo Tutelar Educativo

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As questões prévias a que se reporta o artº93º nº1, al. a), tendo natureza processual,

condicionam o conhecimento do mérito da causa, pois que respeitam à própria validade e

prossecução do processo, como sejam, por ex., a competência do tribunal, a legitimidade do

Ministério Público, a idade do agente do facto qualificado pela lei como crime, isto é, são obstáculos

que opondo-se à decisão de mérito, devem ser saneados ou removidos pelo juiz, assim se evitando

que o processo prossiga inutilmente.

Por seu turno, o Acórdão do TRP, de 19/12/2007224, entendia que “Deve ser rejeitado, por

manifestamente infundado, o requerimento do Ministério Público em que, no final do inquérito tutelar

educativo, pede a abertura da fase jurisdicional, se nele não são alegados os factos que integram o

requisito essencial da alínea d), do artigo 90.º da LTE”, porque lhe falta um elemento essencial que

são os fundamentos da necessidade de educação para o direito. Para além disso, este segundo

acórdão partilha de um pressuposto que, no nosso entender, parece válido: se os factos respeitantes

às necessidades de educação para o direito não estiverem presentes no requerimento para abertura

da fase jurisdicional, eles não poderão ser conhecidos na audiência porque eles não foram trazidos

a esta pelo Ministério Público.

Atualmente, dispõe o artigo 92.º-A que: «1. Recebido o requerimento para abertura da fase

jurisdicional, o juiz verifica se existem questões prévias que obstem ao conhecimento da causa. 2. O

juiz rejeita o requerimento: a) Que não contenha os requisitos que constam do artigo 90.º; b) Se os

factos nele descritos não forem qualificados pela lei penal como crime». Quer dizer que, se hoje o

Ministério Público não fizer constar do seu requerimento algum daqueles elementos (cfr. artigo 90.º),

nomeadamente se não fizer constar do requerimento os factos que fundamentam a necessidade de

educação para o direito, o requerimento é, por e simplesmente, rejeitado. Se falta algum elemento

essencial no requerimento, nomeadamente, se faltam os factos referentes à inserção sócio-familiar

e educativa do jovem que justificam a necessidade de aplicação da medida, falta o elemento

essencial do requerimento constante do artigo 90.º, logo o requerimento é rejeitado. Em suma, esta

alteração ultrapassou esta divergência jurisprudencial.

Por outro lado, também veio esclarecer um problema refletido no Acórdão do TRC de

07/03/2007225. Este acórdão dizia que “o juiz não pode deixar de receber o requerimento do

Ministério Público para a abertura da fase jurisdicional, em que é requerida a aplicação de uma

medida tutelar educativa e dar prosseguimento ao processo por entender que, no caso, não há

224 Cf. Acórdão de 19/12/2007, proferido no processo nº 0716253, Relator Maria do Carmo Silva Dias, disponível em: https://goo.gl/omWDJZ.

225 Acórdão de 06/06/2007, proferido no processo nº 71/02.5TMCBR-C.C1, Relatora Alice Santos, disponível em: https://goo.gl/sq7vXC

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CAPÍTULO III

Do início do Processo Tutelar Educativo

107

necessidade de educação para o direito”. Quando o juiz recebe o requerimento para abertura da

fase jurisdicional, ele não pode antecipar o resultado da prova que for feita quanto à necessidade de

educação para o direito. Na verdade, ele só pode concluir isto depois de produzida e avaliada toda

a prova na decisão. Mas pode e deve rejeitar o requerimento se entender que os factos neles descritos

não forem passíveis de ser qualificados pela lei penal como crime (cfr. artigo 92.º-A, n.º2, alínea b)).

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CONCLUSÕES

Aqui chegados, impõe-se agora levar a cabo uma última reflexão que tenha em consideração

o percurso que fomos fazendo ao longo deste trabalho e espelhe, de modo sistemático, as conclusões

a que fomos chegando, encare os problemas que suscitámos como um todo e procure, afinal,

responder às questões que inicialmente formulámos. Por se tratar de um esforço de síntese,

apresentaremos as conclusões de modo tópico.

I. Decorridos mais de quinze anos desde a entrada em vigor da LTE, legitimada em termos

de letra de lei pela Lei nº 166/99, de 14 de setembro, alterada pela primeira vez através da Lei nº

4/2015, de 15 de janeiro, pretendeu-se dotar o sistema de justiça juvenil português com uma

intervenção verdadeiramente cumpridora e respeitadora daqueles que são considerados os direitos

fundamentais dos jovens que necessitam de ser educados para o direito.

II. Como certeza e princípio de análise, é de concluir que a diferenciação e consequente

autonomização entre a intervenção tutelar educativa e a intervenção de proteção se tratam de

realidades interdependentes, apresentando uma conexão tão estreita que podemos afirmar ser

indissociáveis. Constituindo realidades que – não raras as vezes – confluem numa única história de

vida, reclamam, por isso, não uma ótica de separação absoluta – a que não é alheia o facto de

ambas se dirigirem a situações que são indubitavelmente diferentes – mas sim uma ideia que já

fomos marcando ao longo do texto, no sentido em que da análise da LTE e da LPCJP resulta uma

certa “ligação” e, se quisermos, “simbiose”, pautada pelo diálogo e comunicabilidade constante,

embora estejamos plenamente convictos de que o caminho entretanto percorrido nos permitiu

aprofundar a observação crítica ao modelo de proteção até então vigente, com as suas

virtualidades e deficiências.

III. Cientes de que a aproximação ao modelo jurídico-penal não pode extravasar as

finalidades de educação do menor para o direito e a sua inserção, de forma digna e responsável na

vida em comunidade (artigo 2º, nº1). Ainda que esteja absolutamente excluído o modelo de justiça

penal «puro» – mas por ele inspirado – ainda se podem apontar algumas carências à LTE, as quais

deverão ser supridas, atendo os valores e interesses que com esta intervenção se visam proteger.

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IV. Quanto ao preceituado no artigo 87º, nº2, parece-nos que esta opção do legislador é de

louvar, tendo em conta o espírito norteador da LTE. Entendemos, assim, que o está aqui

verdadeiramente em causa é uma atuação precoce logo após a prática da ocorrência, mesmo que

seja apenas por um acto menor, no sentido da educação do menor para o direito. Porém, para

aqueles que consideram que existirá aqui – em consequência – um aumento de casos bagatelares

nos tribunais, existe sempre esta «válvula de escape», encontrando-se o MP legitimado, em termos

de letra de lei, para proceder ao arquivamento do inquérito tutelar, se o ofendido se opuser ao

prosseguimento dos autos.

V. Por outro lado, ainda no que concerne a este dispositivo legal, é imperioso referir que se

é o próprio interesse da vítima relevante para determinar se o processo prossegue ou não – e se isso

depende da sua vontade –, dever-se-á dar oportunidade à vítima de, tão cedo quanto possível,

manifestar no processo qual a sua vontade e quais as razões dessa sua vontade, caso o tribunal dê

seguimento ao processo. Evidentemente que uma tal posição aconselha a que a vítima seja ouvida

numa fase inicial do processo, e não na fase final da investigação, evitando-se, assim, que uma parte

significativa das razões pelas quais a vítima pretendesse que o processo não prosseguisse, ficassem

prejudicadas. Caso contrário, o interesse da vítima, se se vem a verificar que é legítimo o não

prosseguimento dos autos, acaba por estar, em boa parte, irremediavelmente ofendido.

VI. Em matéria de denúncia uma das principais alterações resultante da Lei nº 4/2015, de

15 de janeiro assentou na inclusão, no artigo 72º. Tal inserção, como vimos, surgiu desfasada da

filosofia original da versão originária da LTE, conquanto a obrigatoriedade de apresentação de queixa

por parte do ofendido, em relação a crimes de natureza semipública ou particular. Por outro lado,

tem-se questionado se esta norma foi uma boa solução de política legislativa, tendo de ser mais duro

com os adolescentes do que com os adultos (cujo regime implica a necessidade de apresentação de

queixa, ao abrigo do disposto nos artigos 49º e ss. do CPP. Entendemos, porém, que

VII. O artigo 42º, apesar de expressamente consagrar a mediação no processo tutelar

educativo, fá-lo, não como um passo obrigatório ao longo da marcha processual, mas apenas e só

como um procedimento facultativo e de cooperação ao serviço dos fins que o citado normativo se

propõe realizar. Com efeito, não resultando da letra da lei a obrigatoriedade de solicitação de tais

serviços, poder-se-á concluir que se trata de um mecanismo que fica aquém das suas

potencialidades, originando um desconhecimento às pessoas envolvidas no processo, deixando,

assim, transparecer a necessidade de regulamentar uma fase intermédia tendo em vista o

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esclarecimento dos intervenientes quanto às potencialidades da sua utilização ou, pelo menos,

sensibilizando-os para a sua existência, enunciando as suas regras.

VIII. No entanto, sendo, embora, irrefutáveis os benefícios do recurso à mediação na área

tutelar educativa, a verdade é que, a análise dos dados oficiais disponibilizados pela DGRSP, levou

à perceção de que se poderia esperar um maior uso da mediação, prevista nos artigos 42º e 84º,

conclusão a que se chega por força da análise efetuada aos dados estatísticos publicados pela

DGRSP e que é, grosso modo, transversal a todos os operadores judiciários, que lidam diariamente

– do qual, aliás, se deu devida conta através

IX. Equacionar a possibilidade de recurso aos meios de obtenção de prova próprios do

processo penal – designadamente revistas, buscas e escutas telefónicas – no âmbito tutelar

educativo, podendo, embora, parecer manifestamente excessivo face aquelas que são as finalidades

da intervenção tutelar – colidindo, segundo cremos, de forma direta com o princípio da intervenção

mínima que preside a toda à intervenção tutelar – afigura-se-nos, segundo o nosso entendimento,

plausível, uma vez que o primeiro pressuposto da intervenção tutelar se reconduz à prova do facto

qualificado como crime praticado pelo menor. Sem este pressuposto, não é possível desencadear a

intervenção tutelar educativa, pelo que é imperioso recorrer aos demais de meios previstos na lei

para a prova da prática desse facto pelo menor, sendo certo que nada existe nenhuma norma na

LTE que impeça a aplicação das disposições legais relativas aos meios de obtenção de prova.

X. Posto isto, a LTE não é, como já tivemos oportunidade de referir em diversos momento

da presente dissertação, uma adaptação do CPP aplicável a jovens que hajam praticado um facto

qualificado pela lei como crime. Uma interpretação sistemática, ancorada na globalidade do sistema

tutelar educativo, considerando a especificidade do seu âmbito, as suas finalidades, natureza e

respetivos instrumentos de realização, matérias que tivemos oportunidade de desenvolver nos

capítulos anteriores, não nos permite perspetivar a intervenção tutelar educativa como um «Código

de Processo Penal dos jovens».

X. Com esta reforma introduzida da LTE, diríamos que se trata de uma lei capaz de dar

resposta ao fenómeno da delinquência juvenil, adivinhando-se um caminho promissor que se

almeja alcançar quanto à eficácia educativa a cuja homenagem as medidas são escolhida No

entanto, entendemos que existem ainda alguns pontos que urge clarificar na lei, carecendo de algum

reparo por parte do nosso, de forma a tornar este tipo de intervenção ainda mais eficaz junto dos

jovens infratores.

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SOARES, Ana Margarida Gamboa de Carvalho Pignatelli – A Suspensão do Processo na Lei Tutelar

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

134

JURISPRUDÊNCIA

✓ Tribunal da Relação de Coimbra

– Acórdão de 15/03/2006, proferido no processo nº 4349/05, Relator Ribeiro Martins,

disponível em: https://goo.gl/yhPYz2 [em linha];

– Acórdão de 03/05/2006, proferido no processo nº 681/06, Relator Jorge Arcanjo,

disponível em: https://goo.gl/r47jhD [em linha];

– Acórdão de 05/07/2006, proferido no processo nº 1685/06, Relatora Brízida Martins,

disponível em: https://goo.gl/y3MMT2 [em linha];

– Acórdão de 07/03/2007, proferido no processo nº 793/06.1TAACB.C1, Relatora Alice Santos,

disponível em: https://goo.gl/A7DxcZ [em linha];

– Acórdão de 06/06/2007, proferido no processo nº 71/02.5TMCBR-C.C1, Relatora Alice Santos,

disponível em: https://goo.gl/sq7vXC [em linha];

– Acórdão de 03/02/2010, proferido no processo nº 200/07.2TATND-B.C1, Relator Esteves

Marques, disponível em: https://goo.gl/kvXQFv [em linha];

– Acórdão de 12/10/2011, proferido no processo nº 243/10.9T3ETR.C1, Relator Paulo

Guerra, disponível em: https://goo.gl/8Z9wen [em linha];

– Acórdão de 28/03/2012, proferido no processo nº 53/10.3GAPMS.C1, Relator Luís

Ramos, disponível em: https://goo.gl/cMVuA3 [em linha];

– Acórdão de 30/01/2013, proferido no processo nº 68/10.1TATND-A.C1, Relator Alberto

Mira, disponível em: https://goo.gl/1AUoGU [em linha];

– Acórdão de 08/05/2013, proferido no processo nº 85/12.7GATND-A.C1, Relator Jorge

Jacob, disponível em: https://goo.gl/rwKVHm [em linha];

– Acórdão de 23/10/2013, proferido no processo nº 1233/11.0TAGRD-B.C1, Relatora Alice

Santos, disponível em: https://goo.gl/YcwdDo [em linha];

– Acórdão de 04/11/2015, proferido no processo nº 245/14.6TACBR.C1, Relatora Maria

José Nogueira, disponível em: https://goo.gl/5Eg5Pz [em linha];

– Acórdão de 07/06/2017, proferido no processo nº 145/14.0TAMGR.C1, Relator Vasques

Osório, disponível em: https://goo.gl/CVNVii [em linha].

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

135

✓ Tribunal da Relação de Lisboa

– Acórdão de 25/01/1996, proferido no processo nº 0006632, Relator Santos Bernardino,

disponível em: https://goo.gl/UNwtXH [em linha];

– Acórdão de 06/11/2003, proferido no processo nº 8670/2003-9, Relator Almeida Cabral,

disponível em: https://goo.gl/FpQkN4 [em linha];

– Acórdão de 31/03/2004, proferido no processo nº 1382/2004-3, Relatora Maria Isabel

Duarte, disponível em: https://goo.gl/Zzujp9 [em linha];

– Acórdão de 12/10/2004, proferido no processo nº 5858/2004-5, Relator Pulido Garcia,

disponível em: https://goo.gl/CvABYb [em linha];

– Acórdão de 02/12/2004, proferido no processo nº 9699/2004-9, Relator Cid Geraldo,

disponível em: https://goo.gl/QCwEiY [em linha];

– Acórdão de 23/11/2005, proferido no processo nº 6035/2005-3, Relator Carlos Almeida,

disponível em: https://goo.gl/93WQNo [em linha];

– Acórdão de 06/02/2007, proferido no processo nº 10950/2006-5, Relatora Margarida

Bacelar, disponível em: https://goo.gl/GnqF5C [em linha];

– Acórdão de 22/03/2007, proferido no processo nº 1063/07-9, Relator Carlos Benido,

disponível em: https://goo.gl/LpcVvA [em linha];

– Acórdão de 17/04/2007, proferido no processo nº 10902/2006-5, Relator Agostinho Torres,

disponível em: https://goo.gl/KP7KRR [em linha];

– Acórdão de 31/03/2009, proferido no processo nº 11250/2008-5, Relator Ricardo Cardoso,

disponível em: https://goo.gl/HzY3Wo [em linha];

– Acórdão de 25/01/2011, proferido no processo nº 2581/09.4TQLSB.L1-5, Relator Neto Moura,

disponível em: https://goo.gl/BDhP5P [em linha];

– Acórdão de 30/06/2011, proferido no processo nº 4752/10.1T3AMD-A.L1-9, Relator Carlos

Benido, disponível em: https://goo.gl/H57zC7 [em linha];

– Acórdão de 07/02/2012, proferido no processo nº 3610/10.4TAALM.L1-5, Relator Luís Gominho,

disponível em: https://goo.gl/TcducH [em linha];

– Acórdão de 27/02/2013, proferido no processo nº 219/09.9T2AMD-B.L1-3, Relator Vasco Freitas,

disponível em: https://goo.gl/5LTmqm [em linha];

– Acórdão de 31/05/2016, proferido no processo nº 1999/15.8T8LSB-B.L1-5, Relatora Filomena

Lima, disponível em: https://goo.gl/c9BX2q [em linha].

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

136

✓ Tribunal da Relação do Porto

– Acórdão de 31/01/2001, proferido no processo nº 0011239, Relator Esteves Marques,

disponível em: https://goo.gl/xYHm73 [em linha];

– Acórdão de 27/10/2004, proferido no processo nº 0414556, Relator Ângelo Morais,

disponível em: https://goo.gl/cnHhFv [em linha];

– Acórdão de 05/01/2005, proferido no processo nº 0414607, Relator Marques Salgueiro,

disponível em: https://goo.gl/2Ykvi4 [em linha];

– Acórdão de 01/06/2005, proferido no processo nº 0541369, Relator José Adriano,

disponível em: https://goo.gl/Y1ZCh9 [em linha];

– Acórdão de 29/03/2006, proferido no processo nº 0612064, Relator Jorge França,

disponível em: https://goo.gl/8ojrqF [em linha];

– Acórdão de 24/01/2007, proferido no processo nº 0647191, Relator Cravo Roxo,

disponível em: https://goo.gl/KjSwL6 [em linha];

– Acórdão de 14/03/2007, proferido no processo nº 0644864, Relator Coelho Vieira,

disponível em: https://goo.gl/rsPKu5 [em linha];

– Acórdão de 19/12/2007, proferido no processo nº 0716253, Relator Maria do Carmo

Silva Dias, disponível em: https://goo.gl/omWDJZ [em linha];

– Acórdão de 27/10/2010, proferido no processo nº 1794/09.3TBVNG-B.P1, Relator Joaquim

Gomes, disponível em: https://goo.gl/M1qVGK [em linha];

– Acórdão de 22/05/2013, proferido no processo nº 2289/12.3TAVNG.P1, Relatora Elsa Paixão,

disponível em: https://goo.gl/xV7AFV [em linha].

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O PROCESSO TUTELAR EDUCATIVO: ASPETOS DIVERGENTES E CONVERGENTES COM O PROCESSO PENAL PORTUGUÊS

137

✓ Tribunal da Relação de Évora

– Acórdão de 20/03/2012, proferido no processo nº 315/11.2TAPTM.E1, Relator Edgar Valente,

disponível em: https://goo.gl/LCuhtF [em linha];

– Acórdão de 20/11/2012, proferido no processo nº 1831/10.9TAPTM.E1, Relator João Gomes

de Sousa, disponível em: https://goo.gl/kj6rxg [em linha];

– Acórdão de 18/06/2013, proferido no processo nº 30/12.0TQFAR.E1, Relatora Maria Isabel

Duarte, disponível em: https://goo.gl/c3MkzP [em linha];

– Acórdão de 07/01/2014, proferido no processo nº 14/13.0TQFAR-A.E1, Relatora Maria Fernanda

Palma, disponível em: https://goo.gl/ZD5dCt [em linha];

– Acórdão de 16/06/2016, proferido no processo nº 390/10.7TBCCH-D.E1, Relatora

Conceição Ferreira, disponível em: https://goo.gl/1KUyS6 [em linha];

– Acórdão de 18/04/2017, proferido no processo nº 31/16.9T9ETZ-A.E1, Relatora Maria Onélia

Madaleno, disponível em: https://goo.gl/dcug13 [em linha].

✓ Tribunal da Relação de Guimarães

– Acórdão de 10/07/2002, proferido no processo nº 346/02-2, Relator António Gonçalves,

disponível em: https://goo.gl/cBa4KB [em linha];

– Acórdão de 15/05/2006, proferido no processo nº 719/05-1, Relator Fernando Monterroso,

disponível em: https://goo.gl/1YCLwN [em linha];

– Acórdão de 17/09/2007, proferido no processo nº 1038/07-2, Relator Cruz Bucho,

disponível em: https://goo.gl/x8octS [em linha];

– Acórdão de 26/03/2007, proferido no processo nº 218/07-2, Relator Fernando Monterroso,

disponível em: https://goo.gl/jLMxpS [em linha];

– Acórdão de 31/01/2013, proferido no processo nº 3281/12.3TBGMR-B.G1, Relatora Maria

Luísa Ramos, disponível em: https://goo.gl/zss9kN [em linha];

– Acórdão de 16/01/2014, proferido no processo nº 416/11.7TBGMR-B.G1, Relatora Maria

Purificação Carvalho, disponível em: https://goo.gl/pgSkWY [em linha];

– Acórdão de 03/04/2017, proferido no processo nº 897/14.7JABRG.G1, Relator Fernando

Chaves, disponível em: https://goo.gl/2uwQBp [em linha].

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CAPÍTULO II

Natureza Jurídica do Direito Tutelar Educativo

✓ Tribunal Constitucional

– Acórdão nº 488/95, de 27/09/1995, proferido no processo nº 145/94, Relator

Conselheiro Guilherme da Fonseca, disponível em: https://goo.gl/LujBj6 [em linha];

– Acórdão nº 556/95, de 17/10/1995, proferido no processo nº 302/95, Relator

Conselheiro Bravo Serra, disponível em: https://goo.gl/JnqfR4 [em linha];

– Acórdão nº 870/96, de 04/07/1996, proferido no processo nº 327/96, Relator

Conselheiro Guilherme da Fonseca, disponível em: https://goo.gl/RjepTk [em linha];

– Acórdão nº 182/99, de 10/03/1999, proferido no processo nº 759/98, Relator

Conselheiro Bravo Guerra, disponível em: https://goo.gl/twBmm3 [em linha];

– Acórdão nº 177/2013, de 20/03/2013, proferido no processo nº 40/13, Relator

Conselheiro Pedro Machete, disponível em: https://goo.gl/EC1ZAL [em linha].

✓ Supremo Tribunal de Justiça

– Acórdão de 20/10/2010, proferido no processo nº 845/09.6JDLSB;

– Acórdão de 02/03/2011, proferido no processo nº 25/11.0YFLSB.S1;–

Acórdão de 27/10/2015, proferido no processo nº 1549/10.2TBFLG.P1.S1;

– Acórdão para Fixação de Jurisprudência nº 3/2009;