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Silvio Alvares Suleiman
O Lirismo Contemporâneo de Artur Barrio nas obras Trabalho Processo 4 dias 4 noites e Fortaleza-Lisboa
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio.
Orientador: Profº. Antonio Edmilson Martins Rodrigues
Rio de Janeiro
Setembro de 2005
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Silvio Alvares Suleiman
O Lirismo Contemporâneo de Artur Barrio nas obras Trabalho Processo 4 dias 4 noites e Fortaleza-Lisboa
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura do Departamento de História do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Profº Antonio Edmilson Martins Rodrigues Orientador
Departamento de História-PUC-Rio
Profª Vera Beatriz Cordeiro Siqueira
Co-Orientador Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Artes – UERJ Profª Maria Luiza Sabóia Saddi
Centro de Educação e Humanidades Instituto de Artes – UERJ
Profº Roberto Correa dos Santos Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Artes – UERJ
Profº João Pontes Nogueira Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais
PUC-Rio
Rio de Janeiro, 12 de setembro de 2005.
Todos os direitos reservados. É proibida reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor, e do orientador.
Silvio Alvares Suleiman Graduou-se em Desenho Industrial na Faculdade da Cidade em 1989 e em Educação Artística na Uerj em 2001. Especializou-se em Teoria da Arte: Fundamentos e Práticas Artísticas na Uerj em 1999. Atuou como Coordenador de Exposições da Arte e Cultura do Departamento Cultural da Uerj. Atua como professor do Ensino Fundamental da rede particular de ensino.
Ficha Catalográfica
CDD: 900
Suleiman, Silvio Alvares O lirismo contemporâneo de Artur Barrio nas obras Trabalho processo 4 dias 4 noites e Fortaleza-Lisboa / Silvio Alvares Suleiman ; orientador: Antonio Edmilson Martins Rodrigues. – Rio de Janeiro : PUC-Rio, Departamento de História, 2005. 105 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de História. Inclui bibliografia 1. História – Teses. 2. Barrio, Artur. 3. Arte contemporânea brasileira. 4. Instalação. 5. Performance. I. Rodrigues, Antonio Edmilson Martins. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de História. III. Título.
Agradecimentos
A todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a concretização da
presente dissertação e, em especial a:
A PUC-Rio pelo auxilio concedido sem o qual este trabalho não poderia ter sido
realizado.
Artur Alípio Barrio, pela arte.
A Vera Beatriz Siqueira, pela orientação de vida.
A Marcus Alexandre Motta, pelas aulas iniciais.
A Cecília Cotrim, pela orientação inicial.
A Antonio Edmilson Martins Rodrigues, pela paciência e delicadeza.
A Marcos Nascimento de Aguiar, pelo companheirismo.
A Janicy Meruzzi e Erivaldo Pedrosa, pelo ouvido sempre amigo.
A Raul Motta pelo diálogo produtivo.
A Alessandro Bernardo e Lucio André Monteiro de Barros pelo, socorro
imediato.
A Cláudio Eduardo e Bentto de Lima, pela eterna gentileza.
A Jeferson Masson, por me aturar durante a elaboração do texto.
A Jocely de Paula Azevedo e Matias Ramos de Azevedo, pelo companheirismo.
A Gu, minha sobrinha, pela paciência.
Aos amigos da Escola Parque e dos Colégios don Quixote e QI., que me apoiaram
incondicionalmente.
E, também, ao Museu de Arte Moderna, que prontamente abriu suas portas.
Resumo
Suleiman, Silvio; Rodrigues, Antonio Edmilson Martins. O Lirismo Contemporâneo de Artur Barrio nas obras Trabalho Processo 4 dias 4 noites e Fortaleza-Lisboa. Rio de Janeiro, 2005. 105 pp. Dissertação de Mestrado – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O Lirismo Contemporâneo de Artur Barrio nas obras Trabalho
Processo 4 dias 4 noites e Fortaleza-Lisboa pretende apontar alguns
aspectos da obra deste artista, dando especial atenção à performance
Trabalho Processo 4 dias 4 noites, de 1970, e também às duas instalações
Fortaleza-Lisboa, desenvolvidas respectivamente em 2001 (Galeria Cândido
Portinari, Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e 2004 (XXVI Bienal
Internacional de Arte de São Paulo). O ponto de partida está baseado na
compreensão poética de Barrio, no sentido literário do termo. Tal enfoque se
apresenta intrinsecamente vinculado à maneira peculiar com que lida com a
idéia de indistinção entre arte e vida, visível, inclusive, em sua forma de
escrita. Assim, é a partir dessa premissa que a junção de palavras, como
em IdéiaSituação, espelha o que para Artur Barrio sempre foi uma condição:
a inseparabilidade entre objeto e sujeito. Assim, ganha relevância a
equação “Arte = Vida”, indispensável à compreensão do fazer artístico de
Barrio, capaz de situar sua obra, a um só tempo, como poética individual e
parte integrante do quadro mais geral da produção artística atual.
Palavras-Chave
Artur Barrio; Arte Contemporânea Brasileira; Instalação; Performance.
Abstract
Suleiman, Silvio; Rodrigues, Antonio Edmilson Martins (Advisor). The Contemporary Lyricism of Artur Barrio in the works Work Process 4 days 4 nights and Fortaleza-Lisboa. Rio de Janeiro, 2005. 105 pp. Dissertation – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. The Contemporary Lyricism of Artur Barrio in the works Work
Process 4 days 4 night and Fortaleza-Lisboa intends to point some
aspects of the work of this Artist, giving special attention to the
performance entitled Work Process 4 days 4 nights in 1970, and also to
the two installations both named Fortaleza-Lisboa, developed respectively
in 2001 (Cândido Portinari gallery, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro) and 2004 (XXVI the Biennial International of Art of São Paulo). Its
starting point is based in understanding of the Barrio’s poetical view, in the
literary meaning of the term. Such approach will be closely tied to the
peculiar way it deals with the idea of similarity between art and life, also
visible in his writing. So, it is from this premise that the tack between words
such as “IdéiaSituação” (IdeaSituation) shows what always was a
condition for Artur Barrio: the inseparable relationship between the things
and the person. Thus, the equation "Art = Life" becomes relevant, even
crucial to the understanding of Barrio’s artistry, which is capable to point
out his workmanship both as individual poetics and as a constituting part
of contemporary artistic production.
Keywords
Artur Barrio; Brazilian Contemporary Art; Installation; Performance.
Sumário
1. Introdução 12
2. Poéticas singulares 17
3. Relendo o Trabalho/Processo 4 dias 4 noites
3.1. A experiência da impermanência 32
3.2. Trabalho/Processo: descrição da memória 35
3.3. Mergulhar o horizonte: para além do Trabalho/Processo 37
4. Sobre Fortaleza-Lisboa
4.1. A linha do horizonte determina o espaço? 63
4.2. Broadway Boogie-Woogie, jangada ready-made 71
4.3. A escolha de Olympia 76
4.4. O reverso do mesmo lado 78
5. Conclusão 85
5.1. Circuitos ideológicos /4 dias 4 noites/ ready-made 87
5.2. No horizonte a mensagem escrita: Fortaleza-Lisboa 92
6. Referências bibliográficas 97
7. Anexos
7.1 Anexo I - Poemas sonoristas e optofonéticos 104
7.2 Anexo II – Fortaleza-Lisboa : texto do artista 105
Lista de figuras
Figura 1- CadernosLivros. Col. Gilberto Chateubriand/MAM-RJ. Registro Beto Felício. 13 Figura 2 - 1ª parte da situação T/T,1. 1970. Belo Horizonte. Registro César Carneiro. 18 Figura 3 - Janela...12h...18h...3h...5h..., 1999. Rio de Janeiro: Copacabana. Registro Artur Barrio. 22 Figura 4- Transportáveis. Geradas da performance realizada pelo “Hyenas” documentada por João Machado em vídeo. 23 Figura 5- O Fio de Ariadne...(no tempo como jogo.......de tempo no próprio tempo).....2000. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Registro Marcos Bonisson e Artur Barrio. 25 Figura 6 - Des.Compressão, 1973. Petrópolis. Registro Dóris Mena. 27 Figura 7- Puídas...Esgarçadas...Rotas...(os) ,1981. Paris. Registro Sonia Andrade. 28 Figura 8 - O Galo. Geradas da performance realizada por Antonio Manuel, 1972. Registro Antonio Manuel. 29 Figura 9 - Situação...Orhhhhh...ou...5.000. TE...em...NY...City..., 1969. Salão da Bússola. Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Registros César Carneiro e Artur Barrio. 34 Figura 10 - Livro de Carne, 1978-79. Espaço Cairn. Paris. Registro Louis D. Haneuse. 35 Figura 11 - Parede, 1970. Quarto em Copacabana. Rio de Janeiro. Registro Artur Barrio. 40 Figura 12 - 1) De Dentro para Fora, 2) Simples...,1970. Rio de Janeiro. Registro Artur Barrio. 43 Figura 13 - Situação...Cidade... Y... Campo...,1970. Rio de Janeiro. Registro Luiz Alphonsus. 45 Figura 14 - Mensagem – 16- .Mar.,1971. Rio de Janeiro. Registro Artur Barrio. 46
Figura 15 - Constantin Guys, Trois femmes pres d’um comptoir, 1860. Petit Palais, Paris. Registro Musées de la Ville de Paris/Pierrain. 50 Figura 16 - Rodapés de Carne, 1978. Garagem 103. Nice. Registro Artur Barrio. 51 Figura 17 - Áreas Sangrentas, 1975. Viana do Castelo. Registro Ursula Zanger. 52 Figura 18 - 4. Movimentos, 1974. Praia do Mindelo, Portugal. Registro Artur Barrio. 53 Figura 19 - Lixo=Eletricidade, 1975. Paris. Registro Artur Barrio. 54 Figura 20 - Situação Ambiente K, 1970. Rio de Janeiro. Registros Luiz Alphonsus e Artur Barrio. 54 Figura 21 - 36 Pontos Sonoros, 1982. Amsterdam. Registros: Maria Strick. 56 Figura 22 - Max Ernst, La Ville entiére, 1935-36. Kunsthaus. Zurique. 58 Figura 23 - Man Ray, Objet\; déjeuner em fourrure (Objeto: desjejum em pele), 1936. Coleção privada. Reproduzida por cortesia de Mme Bürgi. 62 Figura 24 - Artur Barrio Fortaleza-Lisboa, Detalhe da instalação. Galeria Cândido Portinari, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Registro Eires Melo da Silveira. 63 Figura 25 - Artur Barrio Fortaleza-Lisboa Detalhes da instalação, 2001, Galeria Cândido Portinari, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Registro Eires Melo da Silveira. 64 Figura 26 - Jackson Pollock Número 1, 1949. Los Angeles. Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles. 66 Figura 27 - Piet Mondrian, Composição em vermelho, amarelo e azul, 1927. Amsterdã. Stedelijk Museum. 68 Figura 28 - Artur Barrio Fortaleza-Lisboa. 2004, São Paulo. XXVI Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Registro do Autor. 71
Figura 29 - Piet Mondrian Broadway Boogie Woogie 1942-1943. Nova York. Museu de Arte Moderna de Nova York. 72 Figura 30 - Artur Barrio Fortaleza-Lisboa. 2004, São Paulo. XXVI Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Registro do Autor. 74 Figura 31 - Édouard Manet, Olympia, Musée D’ Orsay, Paris. 76 Figura 32 - Artur Barrio Fortaleza-Lisboa. 2004, São Paulo. XXVI Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Registro do Autor. 80 Figura 33 - Carl Andre Lament for the Children 1976-1996, 1976 at P.S.1., Long Island City. 80 Figura 34 - Artur Barrio Fortaleza-Lisboa. 2004, São Paulo. XXVI Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Registro do Autor. 82 Figura 35 - Artur Barrio Fortaleza-Lisboa. 2004, São Paulo. XXVI Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Registro do Autor. 83 Figura 36 - Cildo Meireles. Projeto Coca-Cola. Registro fotográfico. Coleção do New Museum of Contemporary Art, Nova York, 1970. 90
1 Introdução
A partir de alguns aspectos da obra de Artur Barrio1, entre vistos na
performance Trabalho Processo 4 dias 4 noites, de 1970, e nas duas
instalações Fortaleza-Lisboa, de 2001 e 2004. Esta dissertação busca
compreender o que pode ser conceituado como a poética de Barrio, no
sentido literário do termo. A idéia de indistinção entre arte e vida - visível,
inclusive, em sua forma de escrita, como espelha a junção de palavras
como em IdéiaSituação – apresenta a condição intrínseca do
pensamento de Barrio: a inseparabilidade entre objeto e sujeito. Da
equação Arte = Vida surgem obras inusitadas que acolhem esferas
específicas – literatura, artes plásticas e performance –, dada visão de
mundo unívoca do artista.
A escolha dessas três obras pode parecer, no mínimo, aleatória, se
for considerado o grande número de intervenções que Barrio desenvolveu
ao longo destes trinta anos, não fossem algumas especificidades. Há algo
de particular em 4 dias 4 noites que não se vê em qualquer outro trabalho
seu: a produção de uma obra fundada unicamente a partir de sua
descrição poética. A performance em questão configura-se sinteticamente
como uma andança solitária do artista por ruas do Rio de Janeiro. Sem
registros visuais e escrita sete anos depois de sua realização, 4 dias 4
noites torna-se refém da memória; pois a cada descrição formulada,
alguns dados novos vão lhe alterando as proporções e os contornos
fenomênicos. São imagens incertas atreladas à mente e à palavra de
Barrio que, a todo instante, podem requisitar para si o estatuto de verdade
provisória.
Por outro lado, aparentando-se distintas, as instalações chamadas
Fortaleza-Lisboa surgem imediatamente vinculadas pelo título, que se
repete como um agente provocador. A sugestão da viagem, feita e refeita
pelo artista, na direção oposta tanto de sua viagem existencial – a
migração do artista de origem lusa para terras brasileiras – quanto da 1Artur Alípio Barrio de Sousa Lopes nasceu na cidade do Porto em Portugal no ano de 1945. Chegou ao Rio de Janeiro em 1955. Estudou na Escola de Belas Artes e começou a registrar seus
13
imigração histórica, realizada pelos colonizadores, e se traduz numa
narrativa poética, fundada na própria condição instável de trânsito. Ainda
mais se for incluído nesse quadro o fato de a travessia ser feita de
jangada, elemento central em ambas as instalações. Para além da
imediata condição familiar que evocam, estas se revelam quase humanas,
acomodadas; mas, ao mesmo tempo, mantendo um dialogo com os
espaços em que se instalaram.
A observação o trabalho de Barrio, revela que a escrita - em sentido
lato – faz parte indistinta de sua poética. E isso se torna particularmente
visível em seus objetos conhecidos como cadernosLivros criados a partir
das próprias obras e/ou como parte integrante delas. Aliás, foram eles, os
cadernosLivros, que apontaram mais incisivamente os rumos literários do
Artista, já que guardaram silenciosamente as expectativas sobre os
escritos, mesmo inexistentes.
Figura-1 CadernosLivros. 1973, 1973 1974, 1978 1978, 1978
O nome cadernoLivro já nos coloca de imediato um problema. Se a
palavra, como aqui nos é apresentada, não faz parte do extenso rol de
vocábulos da língua portuguesa, então ela só pode se constituir como uma
indução poética pensada por Barrio. Se como ponto de partida for tomado
o sentido literal das palavras Caderno e Livro, veremos que o Artista
justapõe dois instantes do fazer poéticoliterário, aproximando o ato de
escritos desenhos em cadernosLivros a partir de 1966.
14
registrar idéias e procedimentos (Caderno) à condição de obra terminada
(Livro).
Ao lançar mão de tal acomodação Barrio propõe algo inusitado ao
panorama da Arte, ou seja, que os seus cadernosLivros deveriam ser
tomados como “embriões”2 de seu trabalho, e como capazes de revelar
pensamentos e condutas, devendo, assim, ser vistos a partir dessa ótica
geracional como um ponto de partida. Essa idéia, que lhe ocorreu em
meados dos anos 1960, tomou tal impulso a ponto de tornar-se quase um
imperativo a seu exercício poético, integrando, inclusive, de modo
incondicional os espaços instalativos desenvolvidos até hoje. Esses
registros reúnem conjuntos diferenciados de informações plásticas:
escritos, desenhos, pinturas e colagens de materiais, que vão desde a
fotografia a simples objetos coletados como, por exemplo, alguns pentes
ou até mesmo cachos de seu próprio cabelo.
Antes de retomar ao tema cadernoLivro seria interessante buscar
elos entre a ação poética de Barrio e a História da Arte. E, talvez um bom
exemplo dessa ligação seja a sua própria tradição européia, e mais
especificamente os movimentos dadaísta e surrealista, coloridos por ele,
no entanto, a partir de sua percepção ativa diante dos aspectos
socioeconômicos do Terceiro Mundo.
É fato que a tradição européia inculca nos ocidentais um orgulho por
seus fazeres pictóricos e escultóricos. Ensina também que os
procedimentos de desenvolvimento de tais fazeres, devem partir da
exibição lenta e gradual, como em qualquer processo de criação, para a
definição processual, a fim de demonstrar, de fato, refinamento técnico e
raro saber. Inclusive, aparecem em livros exibições detalhadas dos
diversos caminhos trilhados pelos grandes mestres. Dados capazes de
revelar alguns dos contornos geniais da criação. Isso não quer dizer que
toda forma de produção dependa desse ato revelador, e, muito menos,
que tal atitude não seja válida. Longe disso, o próprio Barrio teria certa
vez, em uma das Fortaleza-Lisboa, revelado seu making-off, a partir de um
vídeo exibido durante todo o período da exposição. Importava ao Artista
2 Depoimento de Barrio no cadernoLivro de 1973.
15
pensar a obra em si, porém integrada inexoravelmente à instalação, já que
o vídeo não esclarecia propriamente os traços da obra.
Passando a reboque desse imperativo à memória da criação como
mecanismo didático, como um processo esclarecedor, Barrio não estaria
sozinho, não falo aqui propriamente dos surrealistas, que, aliás, cercaram-
se muitas vezes de um didatismo precioso, mas da grande pintura
americana, desenvolvida em meados do século XX e conhecida sob o
nome de expressionismo abstrato. Nele estariam visíveis os contornos do
desenlace com a modelar tradição européia, aparente na própria conduta
operacional do grupo (se é que houve propriamente um movimento, uma
coesão) em que Jackson Pollock e seu abandonar-se no ato de pintar –
para fazer aflorar os impulsos vitais e assim, reconhecer, sentir a própria
revelação do instante de criação- é o exemplo mais contundente dessa
atitude.
A coerência operacional do discurso plástico de tais artistas não
poderia ter sido mais clara, já que não seria difícil perceber, a partir das
palavras do próprio Pollock de pintar dentro da sua pintura, que seus
mecanismos de criação estariam associados à construção de um novo
referencial de arte, uma imposição quase arquitetônica por que passara
sua poética pollockiana ao ser levantada literalmente da horizontalidade do
solo. É como se a construção de uma forma de “pintura tipicamente
americana”3 surgisse da conquista da própria territorialidade da tela
agigantada. Diferente de um Picasso ou Matisse que, como bons
europeus, já partiriam das paredes e dos cavaletes, Pollock teve que abrir
mão dos pincéis, cuidando, porém, que sua formulação não ofendesse,
mas fundasse uma nova tradição.
Os cadernosLivros de anotações de Barrio são mais tímidos em seus
formatos, assemelhando-se às pequenas cadernetas de anotações que
acompanharam os muitos comerciantes portugueses ao Brasil. Tais
cadernetas devolveriam à lembrança alguns registros acerca de créditos e
dívidas, afirmando a necessidade imperativa de um sistema de controle da
própria memória, o que em Barrio se tornaria um importante
objetoproblema, fundamental para sua poesia, uma vez que
16
cadernosLivros, tal qual o vídeo sobre o making-off, não seriam
propriamente materiais esclarecedores da literariedade da sua criação,
mas, antes, obras em si, capazes de esgarçar, muitas vezes, quaisquer
entendimentos acerca de um encadeamento processual lógico, no sentido
tradicional que a expressão sugere.
Desenvolvidas em 2001 e em 2004 as obras intituladas Fortaleza -
Lisboa fazem parte de uma etapa recente da obra de Barrio e se
fundamentam em diálogos muito específicos com o arranjo físico dos
lugares em que foram instaladas. Mas, além do comprometimento
específico com o local, aparece uma relação nova com o mundo, que se
desenrola como uma espécie superior de aceitação do espaço, e seus
limites e circunstâncias, religando a travessia apresentada com a antiga
sabedoria dos viajantes marítimos, que aparece descrita na primeira de
suas versões: a linha do horizonte determina o espaço. Uma resignação
poética à percepção contemporânea de que, ao proclamarem a união Arte-
Vida, os artistas se arriscam a, ampliar os contornos da Arte e limitar a
dimensão poética da Vida. Adensar o sentido poético da existência parece
ponto de partida essencial para quem, fundindo artista e obra, opta pelo
uso de uma só palavra: SubjetivoObjetivo.
3 Expressão popularizada por Clement Grenberg.
2 Poéticas Singulares
Artur Barrio chegou no cenário artístico carioca durante o auge do
regime militar, ou seja, durante os anos de chumbo. O que marcou, no
entanto, sua obra naqueles anos de 1970, não esteve propriamente
vinculado à militância política, mas a incorporação de uma ordem estética
estranha à ditadura, o que implicou, por exemplo, um lançar-se a público
a partir de ações um tanto radicais. Não menos radicais do que os
materiais que viria a utilizar, como metáfora da expressão artística, em
outras performances: papel higiênico, carne, lama, excrementos. O que
logo pareceria, ao gosto público, estapafúrdio: reunir tais elementos a
pretexto de fazer arte, caso a percepção de tal ação não fosse mediada
por uma espécie de reconhecimento a loucura própria aos artistas. No
entanto, Barrio procura, para além disso, reestabelecer a própria
indistinção entre coisas: as artísticas e as não artísticas, as apropriadas e
as inadequadas. Ação que recairia sempre numa escolha valorativa,
tornando o próprio ato de escolher um problema a ser resolvido.
Certa vez o historiador da arte Ronaldo Brito, ao falar da obra de
José Resende lançou a expressão “elegância perversa”4 para
exemplificar a união perfeita derivada da diversidade precária e volúvel
entre os materiais utilizados. Talvez Barrio pudesse se valer de um
adjetivo pinçado do extremo oposto: deselegância bondosa, já que nada
em sua obra parece assumir intencionalmente a dimensão do belo: Barrio
age como se estivesse preparando os espectadores para algo mais
profundo do que a simples observação dos contornos fisicos dos
materiais. Não propriamente de algo transcendental ou alquímico, mas
fundado na própria aceitação histórica, na história dos elementos e sua
vida pregressa, em sua relação produtiva ou improdutiva com o mundo, e,
também na própria diluição de conceitos desgastados, como o de belo e
4 BRITO, Ronaldo. “Certeza estranha”. Em: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira, p.84.
18
de feio, dentro da arte atual. Não é à toa que o próprio Artista certa vez
teria dito: “A beleza é uma casca de ovo”5.
Compreender o caráter particular da poética de Barrio implicaria
fundamentalmente o entendimento de suas estratégias plásticas. Em
alguns de seus trabalhos, tanto antigos quanto recentes, fica clara a
delimitação de seus processos em partes ou fases. Poderia parecer um
tanto estranha tal distinção de etapas, não fossem elas mais um artifício
para fazer o espectador acreditar e ao mesmo tempo duvidar da própria
ordem processual da obra, ou mesmo de uma certa teleologia.
Figura -2 1ª parte da situação T/T,1 [detalhe da performance 1970].
Nas várias fotografias sobre outra performance Situação T/T,1 Barrio
aparece manuseando o material6 que conformaria o recheio de suas T.E.
(trouxas ensangüentadas). Essas fotos possuem como legenda a frase:
“A realização da 1ª parte da situação T/T,1 (ou preparação das T.E.) teve
lugar na noite de 19 para 20 de Abril de 1970 em Belo Horizonte, Minas
Gerais (BRASIL), é claro”7. Embora as imagens tentem flagrar momentos
da atividade expressiva do Artista, mostrando os instantes em que ele
veste as luvas e recolhe os diferentes materiais para dentro de um saco,
5 MARIA, Cleusa. “A beleza é uma casca de ovo”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7 nov. 1989. 6 Artur Barrio recolheu sangue, carne, ossos, barro, espuma de borracha, pano, cabo, facas, sacos, cinzel etc. 7 Catálogo Petrobrás Situação ......ORHHHHH.......... Texto do Artista, p.16.
19
sua leitura poderá adquirir colorações específicas se analisadas diante da
“palavra”8 criada por Barrio para a obra, que no catálogo9 as acompanha.
S ITUAÇÃO T/T,1.............................................................(1 PARTE)
OU
14 MOVIMENTOS
1 - (DES)+ DOBRAMENTO DO CORPO EM FUNÇÃO DO QUE SE
VÊ SENDO FEITO -............................AREAMBIENTE....................
2 – PENETRAÇÃO DE UMA DAS MÃO EM (N) + UMA PEQUE-
NA LUVA DE BORRACHA................................................................
AMARELA................ESFORÇO.................PRESSÃO.................DI-
FICULDADES.......................CIRCULATÓRIAS........8........8.............
11 – SONS..............................SOM..........................SOM..................
3 – MANUSEIO DE CARNE EM ESTADO DE DECOMPOSIÇÃO.....
......INÍCIO................................
10........CHEIRO................MEMÓRIA.............TEMPO........................
FUMAÇA................OLFATO........................
4 – ABRIL..................................1970.....................................BARRIO.
10 - .......................................................................................................
8 - ................LI.......................BERD.........................ADE....................
5 – ETC.................................. .....................................................
...................................... ...............................................
7- IDÉIAS..................................ELÉTRICAS........................................
.............................................................................................................
8 – SUORCHEIROSENSAÇÃO..............................ROUPAPEL..........
PELSOBREPEL................................ESFREGANDOROÇANDO.......
...........................PÊLOCOMPLETO.....................................................
MATERIAL UTILIZADO NA PREPARAÇÃO DAS T.E.:
SANGUE, CARNE, OSSOS, BARRO, ESPUMA DE BORRACHA,
PANO, CABO (cordas), FACAS, SACOS, CINZEL, ESPUMA DE BORRACHA, ETC.
Situação T/T,1 (1ª parte) - ou 14 movimentos - tem um tempo de
leitura estranho, dada a sua própria condição de imagem. Sua tentativa de
entendimento pressupõe a passagem por sucessivas etapas: ironizar o 8 Uma dos termos propostos por Walter Benjamin ao referir-se aos escritos dos surrealistas. 9 Catálogo Petrobrás Situação ......ORHHHHH..........Texto do artista, p.16.
20
aspecto prosaico do movimento da leitura, ceder à resistência da forma,
deixar que as palavras pulsem ritmadas num bate-estaca desordenado. As
palavras não são pistas elucidativas e sucessivas, que permitam ao leitor
um esclarecimento imediato. Surgem coesas mais por sua indefinição do
que por sua estranha forma textual. A começar pelo movimento lacunar,
marcado à reticências, que convida o leitor a um entendimento pouco
comum. Ritmado pela dúvida, já que a leitura acumulativa das palavras
não supera a crise do entendimento imediato, o conjunto mais desfere um
golpe contra o espectador do que propriamente o acolhe. O texto, que no
senso comum poderia ser objeto de elucidação da obra, torna-se ele
próprio um problema a ser enfrentado.
O espectador diante do inusitado (texto/obra) não estaria apenas
convocado a decifrar de forma usual um palavrório hermético, mas a
decifrar-se. Convocar-se a completar aquilo que ali não está escrito.
Lançar-se à dúvida a partir da própria desconfiança, acreditar-se capaz de
organizar as idéias num todo compreensível (seria incompreensível)?
Tomar como ponto de partida para si a poética do outro.
Tal qual os deselegantes materiais necessitariam dessa re-ligação,
caberia também ao espectador a tarefa de re-conectar elementos visíveis,
artista e mundo, artista e o espectador, espectador e matéria etc.....
Embora exista por norte a declaração de Walter Benjamin de que os
escritos surrealistas são tudo menos literatura, a célebre análise do
romance literário proustiano feita por Gilles Deleuze poderá ajudar na
compreensão dessa forma escrita.
Deleuze afirma que a decepção é um momento fulcral da busca ou
do aprendizado. Faz, assim, menção à literatura como o lugar dessa
dupla decepção: a emanada do texto, menos carregado de realismo do
que o suposto; e a do leitor incapaz que, por sua vez, se esforçaria em
compensar subjetivamente tal decepção em relação ao objeto. Para
Deleuze: Cada linha de aprendizado passa por esses dois momentos: a decepção provocada por uma tentativa de interpretação objetiva e a tentativa de remediar essa decepção por uma interpretação subjetiva, em que reconstruímos conjuntos associativos. 10
10 DELEUZE, Gilles. Proust e os signos, p.34.
21
Artur Barrio pareceu entender que, assumir a dimensão crítica da
linguagem escrita, buscando seu entendimento dentro do campo da arte,
significaria não desvelar o sentido guardado pelos signos, mantendo-os,
ainda, mais profundos ao entendimento pelo sujeito que os interpreta,
sendo ele mesmo, o sujeito, capaz de pressentir sua própria insuficiência
nesse movimento de compensação. Nesse sentido, os escritos de Barrio
teriam como seu correlato ativo, dessa tentativa de compensação
contínua e insuficiente pelo sujeito, o desdobramento dos processos em
fases ou etapas.
Por isso mesmo, seria estranho não deixar de perceber que tais
escritos enfrentam o caminho pouco tradicional dos textos literários. São
reticências que mantêm longos e curtos intervalos entre palavras e
números11, delimitados espacialmente por margens regulares sobre o
papel12. Assemelham-se desse modo a matrizes gráficas das obras, pois
se constituem singulares a cada nova criação. São textos que não se
reconhecem exclusivamente como tais. Permanecem em permanente
trânsito entre sua presença como escrita e sua existência como imagem.
Talvez sua aparência explicitamente codificada não cause estranheza e
seu aspecto deliberadamente humano reserve alguma surpresa.
O certo é que a leitura desses escritos traduz uma realidade visual
impensada para a literatura, pois toma de assalto palavras esgarçadas,
agregando-as e colocando-as em intervalos que confundem o sentido
horizontal/vertical da leitura junto à desordenação numérica dos itens
propostos. É como se, diante da ausência de domínio do pensamento e
da lógica da escrita prosaica, as palavras, rapidamente, tivessem que se
travestir de imagens para se engajar no percurso literário. E não fosse
pela faculdade da memória, que lhe concede a feitura, Barrio poderia
estar fadado ao embaraço, diante de um número imenso de lembranças
que clamassem por igualdade, e, muito provavelmente teria aberto mão
daquilo que Baudelaire certa vez evidenciou na pintura moderna de
11 Artur Barrio escreve, fazendo uso prolongado de reticências como aproveitamento do intervalo entre palavras. Segundo o Artista é uma forma a mais de espaços intermediários da realidade. 12 Haussman também se preocupou em expressar tipograficamente o componente fonético, utilizando letras menores e maiores, mais finas ou de traços mais fortes, para dar-lhes o caráter de uma partitura musical. Faz surgir a partir daí, o poema optofonético conseqüentemente, dá o primeiro passo em direção a uma forma de escrita abstrata, completamente independente do objeto.
22
Constantin Guys como um exagero útil para a memória humana. Uma
elogiosa menção à liberdade de Guys na escolha e ampliação das
minúcias de uma pintura a partir da “imagem inscrita no seu próprio
cérebro”.13
Com certeza a Paris de Guys possuía um certo cheiro e barulho -
presentes na memória e subtraídas do conhecimento do mundo - levados
para a pintura. Caberia à tela, então, assenhorar-se de um instante
perdido? Da lembrança de um cheiro, de um som? Ativar, ainda que de
forma conturbada, imagens derivadas de uma experiência sensorial?
Não há como negar a presença de muitos odores, sons e texturas
nas coisas produzidas por Barrio desde os anos 1960. Quer dizer: tudo
possui potência olfativa, auditiva e tátil: Um rasgo na parede, por exemplo,
guarda a memória radical de um gesto. E entre as muitas palavras
algumas requisições especiais aos sentidos aparecem poeticamente
escritas em frases como “Gritos Molhados” em Janela.....12l......18h.....3l.....5l...../1999.
Figura - 3 Janela.....12l......18h.....3l.....5l...../1999. [detalhe da instalação, 1999].
A escolha de Barrio pelo manejo sensorial parece ser o ponto focal
na apreensão do sujeito. Daí o interesse na obra passar a requisitar muito
da própria experiência ou inexperiência do espectador, uma quase
repulsa diante do fardo imposto pela própria visão do objeto, como
acontece com os Transportáveis, já que os elementos amarrados - corda, 13 BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade. p.30.
23
facão, cabo de ancinho, lata etc – parecem assumir uma dimensão
corpórea insustentável. Não se mostram através do enlace com a
surpresa, como nos ready-mades, nem se aproximam do lustro clássico
imposto à matéria, como nas peças de um José Resende. Os
desdobramentos que sugerem são quase barrocos, trágicos mesmo.
Nada mais que uma reunião visceral das cordas e dos elementos que se
agregam e se assemelham estruturalmente a fisicalidade enervada e
óssea do corpo humano: Barrio prefere exibir a trama estrutural do objeto,
livre de qualquer gracejo. Existe, ali, pulsão e até mesmo dor, pelo
desconforto do aprisionamento incondicional das diversas partes
(atributos que falam de sobrevivência) que constituem os Transportáveis.
Em vez de se erguerem diante da revelação divina, preferem restar em
dúvida, ou melhor , acomodarem-se, na aceitação da própria existência
humana. Velázquez?
Figura – 4 Trasportáveis . [detalhes dos objetos e performance].
Talvez o caráter pouco libertatório de um corpo que não vibra em
sua feliz exterioridade, mas que exalta a angústia da própria existência,
afaste a idéia, de que intimamente a obra de Barrio tenha surgido a
24
reboque das experiências artísticas de Hélio Oiticica e Lygia Clark,
embora haja alguns pontos de contato entre elas: talvez os próprios
Transportáveis sejam um bom exemplo dessa aproximação, já que nos
fazem lembrar a fecundidade corpórea dos parangolés de Oiticica, o que
não torna, no entanto, a obra de Barrio uma célula pinçada da vertente
neoconcreta, tampouco, sua trajetória não poderia ser compreendida
pelas lentes coerentes e lineares do universo de Clark. Não há um
caminho, mas muitas trilhas, preferindo o Artista se esquivar das teorias,
porque, como ele mesmo declarou: “posso optar pelo ilógico, pelo obscuro
e pelo imponderável”14. E ainda que, como por ironia do destino, tenha
começado a trabalhar muito próximo ao pequeno, e talvez único, passado
moderno que pudemos ter, seu modo de operação poderá ser, melhor
problematizado, a partir da frase escrita em uma das paredes da
instalação O Fio de Ariadne...(no tempo como jogo.........de tempo no
próprio tempo).....2000 .
A quem de interesse....A História da arte (vanguardas de(no) século XX)... é bem mais longa para mim, do que as obras de Hélio Oiticica, Lygia C. e Lygia Pape, que tem como base o construtivismo (....) para terminar, a minha praia é outra.15
Outro dado que parece distanciar a poética de Barrio a de Oiticica e
Clark (já que para ambos o corpo como suporte seria um ponto fulcral de
muitas de suas realizações), é que a vivência do Artista a partir do corpo,
não se transforma necessariamente em doação alheia, mas no
oferecimento de sua própria experiência como um provocador de
incertezas.
14 Catálogo da Exposição na Arte 21Galeria. Não paginado. 15 CANONGIA, Ligia (org.). Em: Artur Barrio. Petrobrás. p.126.
25
Figura – 5 O Fio de Ariadne...(no tempo como jogo.........de tempo no próprio tempo).....2000. [detalhe da instalação. Cidade do Porto, 2000].
Barrio entendeu que a melhor maneira de impedir que os objetos e
espaços não se diluíssem em movimentos exteriores a eles, mas, que
convocassem o espectador a um mergulho, estaria justamente, entre
outras questões, principalmente na redução drástica de elementos que
compõem cada instalação ou objeto, visíveis na imposição material:
corda, ancinho, arador, faca, saco, terra, pó de café areia etc. Como não
se esvaem, mas se erguem, não chegam propriamente a provocar no
espectador reações do tipo: Isto eu também faço! Mas justamente a
oposta, Isto eu não faço! Reação esta devida aos ecos provenientes das
vozes e da lembrança dos cheiros (quase sempre silenciosamente
fétidos) que emanam à frente dos objetos e instalações. Assim, tais
cheiros apresentam sua singularidade ali, no momento em que são,
quase sempre, vorazmente execrados.
Ainda cabe a pergunta: afinal, a que imperativos cede a poética de
Barrio? Por que ativar situações estranhas, heterogêneas, buscar o
diálogo com (e a partir de) coisas precárias como carne, lama, lixo, etc? É
certo que poderíamos entender isto a partir da crítica institucional, sobre a
característica central das ações vanguardistas da arte contemporânea.
26
Hal Foster chega mesmo a eleger como característica central, do que
chamou de neo-vanguarda, o reendereçamento crítico dos artistas: no
lugar de incidirem criticamente - tal como fizeram os vanguardistas
modernos - sobre a linguagem da arte, incidiriam sobre sua circulação
cultural, sobre o discurso institucional que passou a ser constitutivo de
sua própria existência, seja como fenômeno, seja como conceito. Barrio,
cuja obra desenvolve-se a partir do experimentalismo da década de 1960,
não poderia certamente ficar imune a essa tendência. Mais do que isso,
seu discurso em favor do uso de materiais corriqueiros – e, eventualmente
descartados - assume um tom nitidamente político. Na década seguinte,
por exemplo, manteve-se tensa a sua relação com as Instituições
Artísticas, o que o fez compreender que somente o diálogo com o
processo institucional dá eficácia às suas ações. Daí ficar “contra
categorias de arte, contra os salões, contra as premiações, contra os júris
e contra a crítica de arte etc, tornou-se fundamental.”16 E Barrio posiciona-
se claramente:
Devido a uma série de situações no setor artes plásticas, no sentido do uso cada vez maior de materiais considerados caros, para a nossa, minha realidade, num aspecto sócio-econômico do 3º mundo (América Latina inclusive), devido aos produtos industrializados não estarem ao nosso, meu alcance, mas sob o poder de uma elite que contesto, pois a criação não pode estar condicionada, tem de ser livre. Portanto. Partindo desse aspecto sócio-econômico, faço uso de materiais perecíveis, baratos, em meu trabalho, tais como: lixo, papel higiênico, urina, etc. É claro que a simples participação dos trabalhos feitos com materiais precários nos círculos fechados de arte provoca a contestação desse sistema em função de sua realidade estética atua.Devido ao meu trabalho estar condicionado a um tipo de situação momentânea, automaticamente o registro será a fotografia, o filme, a gravação, etc – ou simplesmente o registro retiniano ou sensorial. Portanto, por achar que os materiais caros estão sendo impostos por um pensamento estético de uma elite que pensa em termos de cima para baixo, lanço em confronto situações momentâneas com o uso de materiais perecíveis, num conceito de baixo para cima.17
Um exemplo desse posicionamento de Barrio está na sua obra
Des.Compressão, desenvolvida na cidade de Petrópolis no Rio de Janeiro
no ano de 1973. Esta obra poderia ser definida segundo as palavras de
Luiz Camillo Osório, como o “conflito e a luta contra o deixar-se
17 BARRIO, Artur. Manifesto contra o júri. Em: Barrio, Rio de Janeiro. FUNARTE, 1978.
27
dominar”.18 Ações artísticas mediadas pelas expressões esborrachadas
contra a face plana do vidro. Ato de descompressão não proclamando nos
limites do estiramento muscular mas, na própria invisibilidade como um
mecanismo de contenção. Corpo agônico !
Figura – 6 Des. Compressão. [detalhe da performance, Petrópolis, 1973].
Algum tempo depois em Paris, no ano de 1981, realiza a seqüência
de imagens fotográficas AçãoSituação Puídas... Esgarçadas...
Rotas...(os). Nelas, ampliadas em close, aparecem pormenores de um
corpo vestindo roupas desgastadas pelo uso. E no que tais imagens
poderiam impactar o espectador? A lógica mostraria que houve fragilidade
do pano junto à pele. E mais, que tanto o desfazimento ou a ruptura na
estrutura dos tecidos (com a conseqüente exposição da derme), quanto
às caretas contra o vidro, teriam o corpo como elemento central de
discussão, só que a partir de resultados um tanto diferentes. Em
Des.Compressão o avanço do rosto frente ao objeto, sinaliza o movimento
de retorno, de retrocesso ileso; enquanto em Puídas......Esgarçadas....
18 OSÓRIO, Luiz Camillo. “Força é mudares de vida”: a trajetória de Artur Barrio, p.105.
28
Rotas...(os) a situação de esgarçamento de relações resultaria em uma
re-cobertura diferenciada para a pele.
Figura- 7 Puídas...Esgarçadas... Rotas...(os). [registros fotográficos, Paris, 1982].
O corte no tempo não expurgou a possibilidade de comparação. E,
em tais casos, o próprio Artista estabelecera pistas da afinidade entre as
obras. É quase um imperativo: caberá a uma situação dar a ver a outra
situação, caberá a uma idéia, dar a ver a outra idéia, ainda que as
aproximações entre tempo e local possam parecer estranhas.
Tanto em Des.Compressão, quanto em Puídas...Esgarçadas...
Rotas ..(os) a fotografia pôde ajudar na compreensão do instante em que
o corpo afirma sua posição Merleau-Pontiana como sujeito da percepção,
repondo a situação clássica sujeito/objeto justamente para questioná-la.
29
E foi justamente utilizando recursos de fotografia e de filme que
outro artista contemporâneo, Antonio Manuel, desenvolvera suas obras.
A afirmação contundente do crítico Mário Pedrosa de que “A arte é a
única coisa que é contra a entropia do mundo (...) é a única maneira de
(...) por os problemas em sua autenticidade final”19 foi dita a partir do
diálogo com obras de Manuel. Pedrosa ainda manteria como norte o
papel privilegiado da arte como instrumento de transformação social,
sendo o artista, então, capaz de revirar o mundo, desvelar a verdadeira
face deste. Um. pensamento ancorado em várias obras, como por
exemplo, O Galo, 1972, - uma instalação e o filme de curta metragem
(16mm em p/b), em esse artista sentou num grande ninho feito de palha,
sobre um monte de areia e conchas, tal qual faria uma ave. O próprio
Manuel teria declarado que:
Esse trabalho tem um sentido existencial, marca a impossibilidade e a impotência. Ao mesmo tempo, revela um lado épico, pois galo possui uma conotação forte, é o que canta e tem uma posição ereta, um sentido de luta constante.20
Figura- 8 O Galo.[detalhe da instalação, 1972.].
Dessa maneira, o objeto artístico de Manuel parte de um discurso
irônico e até mesmo tautológico, quando refaz um ninho com palha etc.,
buscando associação com o galo. O que não deixaria, no entanto, de
imprimir um certo caráter de relutância, tal qual teria feito Barrio, à
situação da época. Assim, ambas reafirmam a tarefa de tocar no ponto 19 Mário Pedrosa, trechos de depoimentos sobre “O corpo é a obra” maio de 1970, em catálogo de exposição publicado pelo Centro de Arte Hélio Oiticica em 1997. p.54. 20 Ibid., p. 55
30
nevrálgico da resistência aos mecanismos de opressão (políticos e
artísticos), procurando evitar o que seria bastante difícil: o engessamento
da obra a colorações datadas.
E embora a geração desses artistas tenha fundado, no Brasil, certa
tradição, como resultado de suas investidas em negar a própria tradição,
ainda pulsam em obras como Des.Compressão e O Galo uma energia
vital, atrelada à poética da rebeldia silenciosa.
Para além do uso de materiais que recusam qualquer ordem de
nobreza ou sofisticação, as manobras dos artistas iniciantes contariam
com estratégias de apropriação do espaço público. T.E, de Barrio, por
exemplo, foi executada em abril de 1970 na cidade de Belo Horizonte.
Num rio/esgoto do Parque Municipal, aos olhos dos espectadores, o
Artista abandonou algumas trouxas ensangüentadas. No mesmo mês, no
Rio de Janeiro, em seu Deflagramento de situações sobre ruas, lançou,
em vários pontos da cidade quinhentos sacos de plástico contendo
refugos.
Desestabilizando o fluxo natural das coisas Barrio encontrava formas
de “lançar as pessoas à experiência da radicalidade de um
acontecimento”.21
Conta o artista sobre Deflagramentos que:
Numa das intervenções, numa rua da Tijuca, um transeunte interessou-se vivamente pelos sacos (objetos deflagradores) e pediu-me um perguntando o que representavam, já que em princípio pensou que eram despachos; respondi-lhe que não, que o que ele tinha nas mãos era Arte, ao que prontamente respondeu que tinha gostado e que, portanto iria levá-lo para casa.22
Apelidos como “dinamite”23, por exemplo, foram utilizados para
qualificá-lo como mentor de ações radicais. Apontado pela crítica como um
desestabilizador de códigos, Barrio lida publicamente com situações de
tensão. Suas intervenções dos anos 1960/70, algumas se apresentando
bastante arriscadas diante do cerco policial, já delimitavam um norte: agir
no plano experimental. Tal engajamento às circunstâncias não se
evidenciaria, no entanto, num confronto direto com a situação política, 21 Catálogo Artur Barrio: A metáfora dos fluxos, p. 40. 22 BARRIO, Artur. “DEFL....Situação....s+...ruas....abril....1970.”. Em: CANONGIA, Ligia (org.). Em: Artur Barrio, p.26. 23 Termo usado por Ligia Canongia no texto “Barrio dinamite.”
31
como define o próprio Artista ao falar da sua obra. Não foi preciso
levantarbandeiras ou nem investir contra multidões, longe disso, sua
resposta ancorou-se numa espécie de silêncio ameaçador, extremamente
sensível à ditadura. É justamente isto que lhe interessava: parecer muito
mais desobediente do que àqueles que se expuseram frontalmente ao
cerco militar, ao fazer de sua experiência imaginativa um campo
testemunhal. Daí a impressão de que sua obra contemporânea possa, a
todo instante, revelar algo de secreto, sobre a repressão militar, ao mesmo
tempo pareça rir dessa mesma promessa. Talvez a resposta silenciosa de
Barrio esteja atrelada a uma espécie de a priori artístico, revelado em algo
que não está mais presente ao término da obra, e que, no entanto,
paradoxalmente, aparece aos olhos do espectador: saber que um certo
gesto persuasivo marcou todo o entorno por ele tocado. E mais, isto se
revela não só na ambiência física das instalações, mas, também, em seus
escritos.
3 Relendo o Trabalho/Processo 4 dias 4 noites 3.1 A experiência da impermanência
Ronaldo Brito aponta uma das missões vitais para a arte
contemporânea: a de “construir um lugar insituável, criar uma situação
insustentável. Logrando, porém efetuá-los”.24 Tal afirmativa, para além de
indicar os acordes da arte na atualidade, traz à tona seu acanhamento
frente a uma de suas principais conquistas: a de definir e acolher ações
de vanguarda, tomando o novo como um modelo capaz de provocar
debates.
Partilhando desse enfoque Harold Rosenberg procurou definir o
papel institucional da arte no corpo social de seu tempo. Para ele a arte,
que de certa forma estaria em transformação, teria deixado de ser uma
“atividade marcada pela rebeldia, pelo desespero e pela auto-indulgência
à margem da sociedade”25, para se tornar uma profissão como outra
qualquer. Dentro desse panorama da década de 1960, Rosenberg sentia-
se impelido em lançar o foco investigativo sobre as experiências
modernas da arte da primeira metade do século XX, partindo do
pressuposto de que as mudanças ocorridas no semblante institucional
seriam responsáveis pela alteração do próprio papel da artista na
sociedade e vice e versa.
No prefácio que integra seu livro Objeto Ansioso, a inclusão das
palavras do pintor Josef Albers de que “Angst está morta”26 poderiam
revelar um pouco dessa nova feição da arte. Frase que, segundo
Rosenberg, faria menção à perda da angústia espiritual própria aos
artistas contemporâneos e que, no entanto, poderia estar melhor
relacionada à problemas ordinários do dia-a-dia, coisas como carreira,
aluguel, publicidade e vida afetiva. Prefere assim apropriar-se
24 BRITO, Ronaldo. “Certeza estranha”. Em: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira, p.84. 25 ROSENBERG, Harold. “Rumo a uma profissão não ansiosa”. Em: Objeto ansioso, p.16. 2626 Ibid. p.92.
32
conceitualmente de outra palavra – ansiedade – que se evidenciaria numa
espécie peculiar de insight, resultante da experiência reflexiva da arte
dentro da vida humana. “Uma qualidade filosófica que o artista percebe
como inerente aos atos de criação em nosso tempo”27 – conclui
Rosenberg.
Tradicionalmente o conceito de criação em arte implica, quase
sempre, a produção de um elemento palpável, colecionável, registro físico
da relação artista/matéria, melhor dizendo objeto artístico. Ele, objeto, diz-
se pertencer ao espaço físico e concebido como coisa, torna-se modelo
de estabilidade e permanência. Sua preservação está ligada à própria
manutenção do fenômeno da criação e, assim qualquer gesto a favor de
sua aniquilação implicaria aquilo que Marcel Duchamp teria assinalado
como “forma de suicídio”28 da arte. Interessou a Rosenberg pinçar tais
palavras da boca de quem justamente teria estimado, certa vez, um
tempo limítrofe de emanação de energia para as obras, cerca de vinte ou
trinta anos, e citado como exemplo a própria morte de uma de suas
célebres pinturas: Nu descendo a escada..
Para Duchamp coexistiriam duas soluções problemáticas e
aparentemente opostas em relação à existência do objeto artístico: deixá-
lo morrer, impedindo assim a perda arrebatadora de seu “aroma ou
exalação estética”29,ou preservá-lo como função prática vital à “distinção
entre estética e história da arte”30. Segundo Rosenberg, Duchamp teria
acertado ao proclamar a presença do objeto como uma função essencial
à sociedade histórica, mas errado ao deixar de prever que a
impermanência desse se tornaria um “artifício estilístico apreciado com
avidez em termos de seus precedentes estéticos” 31.
Em seu livro A História da Arte como a História da Cidade, Giulio
Carlo Argan aponta a História da Arte como a única, entre todas as
histórias especiais, que se realizaria na presença dos eventos, não os
evocando, reconstruindo-os ou narrando-os, mas os interpretando. Toma
27 Ibid. p.92. 28 Ibid. p.92. 29 Ibid. p.89. 30 Ibid. p.93. 31 Ibid. p.97.
33
como ponto de partida o pressuposto de que a presença do objeto
artístico é fundamental a sua interpretação.
Se tal afirmação, for válida, toda história da arte contemporânea
deverá se deparar com um novo paradigma: a de tornar-se, em certo
sentido, muito próxima da história política – que se mantém atrelada a um
conjunto de testemunhos, documentos, descrições, juízos etc – ,dada sua
impossibilidade de efetuar-se permanentemente diante do evento. Ou
seja, a experiência frente ao objeto artístico perecível, se houver um,
estará inexoravelmente atrelada a sua vitalidade física. E mais; ainda que
o historiador da arte, tal qual o da ciência, o da filosofia ou o da política,
trabalhe a partir de documentos originais sobre o fato, no caso específico,
sobre a obra de arte, restará a ele, como resultado, muito pouco da força
imediata do objeto.
Argan obviamente não estava considerando relações tão inusitadas
quanto, por exemplo, algumas das desenvolvidas, por Barrio. O que lhe
interessava propriamente era um determinado tipo de arte “que o tempo
não traga e que permanece presente”.32 Afirmação que
contemporaneamente poderá ser melhor compreendida na medida em
que tal presença não esteja, apenas, vinculada à fisicalidade do objeto,
mas a sua própria condição imaterial.
Boa parte do que Artur Barrio produziu, instalações e alguns
objetos, não existe mais. Encontra-se apenas mediada pelas lentes da
fotografia ou por imagens fílmicas. Existe ainda a possibilidade de estar
preservada a partir de um certo refazimento: como o protótipo (sem
materiais perecíveis) das Trouxas Ensangüentadas, que se tornara objeto
de coleção; ou o Livro de Carne, refeito esporadicamente para
exposições. Embora o artista tenha proclamado com certeza sua íntima
relação com elementos passíveis de decomposição, seu maior
enfrentamento diante da impermanência física de uma obra, se deu por
ocasião de 4 dias 4 noites.
32 ARGAN, Giulio Carlo. “A História da arte”. Em: História da arte como história da cidade, p.35.
34
Figura - 9 Situação...Orhhhhh...ou...5.000. TE...em...NY...City...[detalhe da performance. Rio de Janeiro, 1969].
Segundo Rosenberg, ao definir um poema por seu efeito psicológico
no leitor, Edgar Alan Poe trouxe a idéia do tempo para dentro da crítica de
arte. Assim Poe escreveria em O princípio poético, de 1876, que “todas as
emoções seriam, por necessidade psíquica, transitórias”33; e que apesar
de materialmente escrito um poema longo seria inexistente. Isto
equivaleria, por exemplo, àquilo que Duchamp teria proclamado diante da
pintura como a provisória capacidade de emocionar. Tanto Poe quanto
Duchamp faziam referência específica ao comportamento psíquico do
leitor ou espectador diante de obras materialmente existentes,
encerradas, de certo modo, dentro de um contexto histórico específico.
Mas qual seria o comportamento desse mesmo leitor ou espectador
diante de uma obra, sem registros visuais e reelaborada a cada nova
declaração do artista, portanto, em permanente estado de criação? É
exatamente aí que 4 dias 4 noites se insere: numa promessa silenciosa
de continuidade.
33 ROSEMBERG, Harold. “Objeto de arte e a estética da impermanência”. Em: Objeto ansioso. p.89.
35
Figura -10 Livro de Carne. [detalhe da obra. Paris, 1978/79].
3.2 Trabalho processo: descrição da memória
Em agosto de 1978 Artur Barrio descreve em uma entrevista parte
do processo em que se constitui a obra Trabalho/Processo 4 dias 4
noites:
Esse trabalho processo começou a partir do Solar da Fossa onde eu morava, então saí a pé às cinco horas da manhã passando pela Ladeira dos Tabajaras, Copacabana, Leblon, Ipanema e o MAM, isso sobre todo um desgaste físico que me abriu uma percepção pois com todo esse caminhar a percepção se aguçou incrivelmente. O corpo aí já estava mais condicionado à mente, trabalhando mesmo, o corpo era quase uma máquina.34
Obra inconclusa, contínua, suspensa, introspectiva, escorregadia e,
tomando de empréstimo as palavras de Argan, “precária como o tempo da
própria vida”.35
Antes de tudo, este autor quer ressaltar que nessa obra de Barrio
não são as imagens as responsáveis pelo registro memorial, mas,
simplesmente, uma síntese de ações descritas. A começar pelo título que,
34 BARRIO, Artur. “4 dias 4 noites”. Em: Artur Barrio/ A metáfora dos Fluxos 2000/1968, p 79. 35 ARGAN, Giulio Carlo. “Projeto e destino”. Em: Projeto destino, p. 58.
36
simultaneamente, marca e varre para fora da obra um tempo preciso,
parecendo sugerir de imediato o solo movediço em que pretende
repousar. A radicalidade aqui não está no universo inusitado dos
elementos que normalmente acolhe, mas na imaterialidade de seu próprio
pensamento, de impressões surgidas como fragmentos da memória. É
partir delas que Barrio recorre, não a um fato vivido, mas a sua própria
lembrança do fato. E não pode haver nada de errado nessa recuperação
espontânea do acontecido, para quem delibera como ponto de partida
dialogar com tais desdobramentos.
É por meio de depoimentos que Barrio busca problematizar
questões, elaborar o processo que, seguindo uma lógica interna à
existência, se estruturaria como registro no mesmo instante de sua
formulação. Assim, o poeta Barrio não pode prescindir da memória em
seu discurso. Por isso, deve de forma cautelosa, tomar de empréstimo
certa rudeza de narração, quase como num depoimento, para que o
espectador não se ausente da verdade material das palavras,
particularizadas na própria diluição das lembranças já tão mediadas pelo
esquecimento.
Tal mergulho, no entanto, não se esvai em perdas referenciais. Sua
introspecção é pressentida nos escritos, mediados como que à luz da
explosão, capazes de nos clarear a visão por declarar o tempo todo:
escuta! somos palavras! Ecos que não se reverberam em imagens belas,
ou propriamente aterradoras, não se preservam entrelaçadas ao passado,
mas ao presente que a ele sempre retorna, numa tentativa de manter
acesa a idéia de um tempo ambíguo ou espacializado – convertido em
superfície temporal, horizontal, como o chão para o qual Barrio lança seu
olhar poético. Isso que afirma uma espécie de condição que a própria
dinâmica urbana parece impor como mecanismo de sustentação de sua
própria existência: a de se revelar sempre inédita diante de si própria. A
sobrevivência mesma da obra 4 dias 4 noites estaria no limite do
inacabado, embora apresentando uma promessa de conduzir, para além
de seu instante de criação, à uma memória futura.
37
Descreve o artista: ...portanto o esgoto estava lá e tendo consciência da estrutura por nós denominada de vida, atravessei-o e saí do outro lado. Agora, não reparei se estava fedendo ou não eu estava pouco ligando, aliás desde o momento que os intestinos têm merda..........e continuei minha caminhada. Quando cheguei a Praça Mauá, de noite, reparei num canteiro de concreto, no interior do mesmo vi milhares de baratas que trepavam formando, uma cruz. Era uma cruz quadrada, quatro ao mesmo tempo, uma procriação fantástica terrível. Depois andei ali perto do Moinho Inglês, haviam uns trilhos e no meio dos mesmos ao longe, vi uma fogueira. Quando cheguei lá, baratas, mil baratas fazendo um som muito estranho como o de pena de pássaros arrastando pelo concreto e ao lado desse cenário uma colônia de mendigos, uns 50, parei e todos me olharam, ninguém me disse nada. Havia um velho que parecia o chefe e havia também uma mulher grávida muito linda...36
Residem nessa vontade deliberada da fragmentação da memória,
vestígios de um artista consciente de que “um acontecimento lembrado é
sem limites, porque é apenas a chave de tudo o que veio antes e
depois”.37
Focalizando tal premissa, Barrio pareceu não só compreender, mas
partilhar das palavras citadas por Walter Benjamin – ao se referir à obra
de Proust – À la recherche de temps perdu – de que a unidade do texto
está apenas no actus purus da própria recordação e não, na pessoa do
autor e, muito menos, na ação. Talvez pudéssemos aproximar esse ato
de recordar de Proust àquele instante máximo de emoção sugerido por
Poe, e que em 4 dias 4 noites poderia ser entendido como uma
revalidação permanente dessa limitação temporal. Ou seja, a de se tornar
permanente a partir da manutenção de sua própria impermanência, algo
capaz de validar-se como que por sua estranha negação.
3.3 Mergulhar o horizonte: para além do trabalho processo
Ricardo Basbaum escreveu, em Dentro D’água, que a experiência
do 4 dias 4 noites poderia ser percebida como uma “adoção das
estratégias de um processamento sensorial fluído líquido (...) radical mergulho ao
avesso, um lançar-se para fora de si numa aventura temporal pela cidade”.38
Em um breve relato Barrio declara que:
36 Idem. p.80. 37 BENJAMIN, Walter. A imagem de Proust. Em: Magia e técnica arte e política, p.37. 38 BASBAUM, Ricardo. “Dentro d’água”. Em: CANONGIA, Ligia (org.). Petrobrás, p.226.
38
Dias 4 Noites era uma proposta mental que tinha o corpo como suporte. Era também uma tentativa de enfrentar o medo. Eu tinha receio de andar à noite pelas ruas, ao mesmo tempo queria intervir na paisagem física da cidade, partirpara criações ambientais.39
Deixar-se à deriva. Reunir-se à brisa que corta a quina das ruas, e
como o ar ou a água, precipitar-se contra um conjunto diverso de coisas. Movimento trágico diante da integridade física e mental do corpo. Experimentar, associar, perder o controle. Sair desse outro microcosmo pela restrição do próprio corpo em extinguir-se.
E foi complicado entender esse caminho, para mim, ao menos na época. Eu observei também outro acontecimento, da doença – toda essa brutalidade, da realidade do corpo. E o sair pela cidade também estava ligado ao alimento, ou seja: o deslocamento no espaço, o tempo e a falta de alimento, a falta de grana. Porque eu não tinha dinheiro, não falava. E, numa cidade, é estranho, realmente... a falta de comunicação. A partir de um determinado dado, se você não fala, a coisa fica muito complexa. Acho que foi uma radicalização excessiva. Eu pensava o seguinte: que esse projeto me alimentaria para futuros trabalhos.40
Construtor permanente de formas inusitadas, a busca de Barrio está
atrelada à experiência do imprevisível e a materialização das coisas que
não podem ser medidas pelo conhecimento corriqueiro. Em um de seus
depoimentos sobre a experiência do 4 dias 4 noites, declarou que as
lembranças da cidade surgiam duvidosas e oscilantes, mediavam-se
sempre pela incerteza, ausência ou excesso de imagens a serem
ordenadas a partir de uma narrativa linear. O movimento aguçava seus
sentidos, deslocando-o para um outro lugar e assim por diante. Um
processo meio estranho, sem controle, impulsionado pelo jejum, pelo
esforço físico e ,inicialmente, pela ação da manga-rosa (que fumou
durante três dias, em casa, antes do processo). Apesar do possível risco
de morte, as ações dadas faziam parte de um conjunto de experiências,
continuadas para além daqueles momentos: percepção do presente
transformada em criação futura.
Depois do “4 dias 4 noites”...mas, de uma maneira bem arrogante, e minha idéia era que depois do “4 dias 4 noites”, eu fizesse um trabalho estrondoso. E o que fiz? A “Situação Cidade Y Campo” e depois, a televisão coberta com o lençol, lá em casa, e a “Parede”. Mas hoje quando faço as paredes, é tudo o mesmo alimento daquela época. É um fluir.... 41
39 Idem. p.226. 40 REIS, Paulo; BASBAUM, Ricardo; RESENDE, Ricardo. Panorama da arte brasileira, p.82. 41 Idem, p.87.
39
O lugar de excelência da arte de Barrio ainda é a cidade, melhor, o
seu apartamento na cidade. Processo contínuo e irrefreável, o movimento
circulatório agora é interior, e as paredes internas seriam membranas de
um “núcleo”, de onde partira o artista para sua aventura errática pelo Rio
de Janeiro.
Foi importante para o Artista pensar a cidade, o apartamento, a sala
etc., como partes de um esquema orgânico nuclear. Notar que tal
sistema passa a redefinir a noção de lugar a partir contornos fisionômicos
instáveis. Apartamento, sala, cidade como referências aparentemente
desordenadas e convulsas: cambiáveis. Uma relação labiríntica que levou
Barrio a reordenação lógica de núcleos. Cidade, sala, apartamento,
paradoxalmente, são indistinções.
E as paredes? Certamente pretende desdobrá-las. Mas, não como
uma manobra de conflito entre o espectador e seu norte gravitacional,
como em Serra. Sua meta é agravar o movimento fugaz de introspecção a
partir de cada detalhe manuscrito (ou na ausência de): uma palavra, uma
frase, um texto, um desenho, uma fissura, um rasgo, um rombo.
Barrio opera condutas, instala eixos imaginários que se preservam a
luz do novo diálogo, proposto entre a própria geometria das paredes, teto
e chão. Promove ações exemplarmente visíveis na desordenação do
sentido de palavras e desenhos, nas agregações de materiais inusitados
e nas marteladas que imprimem o traço de um fazer arcaico, ainda
presente na confecção de grande parte da arquitetura ocidental atual.
Portanto revela! Expõe todas as regras a partir de sua contrafação,
tornando paradoxalmente o espaço refém de sua própria espacialidade.
Lógica que praticamente suprime - e prevê para si uma certa
reflexão do espectador. São paredes que têm como tarefa lutar contra
imperativos verticais, assemelhando-se por sua estranheza ao próprio
chão, valendo-se, em alguns momentos, de suporte para o pouso de
elementos (inclusive aqueles que por sua qualidade material jamais
conjugariam a delicadeza de um certo repouso vertical). E mais, já que
nenhum dos objetos colados são convocados a forçar-se e/ou a forçar a
estrutura física dos espaços, Barrio abre mão do gesto simulador de
tensão, ao tornar a própria tensão um gesto.
40
Parede (1970) faz parte de um conjunto de obras desenvolvidas sob
o efeito quase imediato do Trabalho/Processo 4 dias 4 noites e que,
segundo o Artista, tomaram um rumo bastante diferente da produção por
ele esperada, já que não ecoaram de forma bombástica.
Figura -11 Parede. [registro fotográfico. Rio de Janeiro, 1970].
Desenvolvida na sala do apartamento do artista, a obra acolhe um
conjunto inusitado de coisas, entre elas a projeção formal específica da
luz do sol sobre a superfície da parede. A l ista de materiais é
extensa: pão com pregos s/ pano s/ madeira; espelho
quebrado s/ veludo negro; agulha hipodérmica, pano e sangue
s/ cartão; alf inete e laminas de barbear s/ veludo; rolo de
papel higiênico amarrado por barbante s/ nó; duas pequenas
placas de madeira pressionando pedaço de bombril, amarrados por
um fio; reflexo solar s/ parede (através de um vidro transparente).
A exposição acima talvez não deixe dúvidas. Há uma preocupação
evidente com o processo de trabalho, ou melhor, com o
trabalho/processo, como prefere chamar. Já que ao sobrepor
cautelosamente materiais, buscou enfatizar suas relações junto à
41
verticalidade da superfície, requerendo, por exemplo, seu próprio olhar
estranho diante do alfinete e duas lâminas de barbear sobre um pedaço
de veludo.
O alcance visual dos elementos é mediado por lentes fotográficas
específicas. O olho que as fita, não deixa escapar certa escolha no
enquadramento, que privilegia e implica a subtração do próprio espaço
arquitetônico. Barrio eleva a imagem a uma espécie de redução
sinedóquica da sala e da cidade, varrendo para além da cena qualquer
pormenor relativo ao espaço físico do ambiente.
Mantém o foco de interesse sobre os elementos conjugados. Prevê
um inusitado e comuníssimo encontro entre sol, parede e objeto. É como
se a energia tivesse por um instante deixado de mediar apenas o
quantitativo luz para, dramaticamente, contar um pouco de sua própria
impossibilidade de vir a constituir-se objeto e, ironicamente, trazer à tona
a máxima Baudelairiana: “Pintura é luz, pintura é sol”42.
Frase que sugere de imediato colorações impressionistas que; para
o pintor viajante Èdouard Manet - também amigo de Baudelaire - estaria
visível na gênese do movimento; tendo sido inclusive uma de suas
pinturas, Lola de Valência , motivo de inspiração para uma
quadra famosa daquele escritor.
Nas palavras do ensaísta Antonio Bento, Manet teria sido
o primeiro pintor contemporâneo a perceber que “a sombra na
arte acadêmica seria apenas o trompe-l ’oeil do sol”43. Engano
dispersado por Barrio ao flagrar, por força da mecânica fotográfica, o
instante da rápida passagem do sol sobre a parede. E num instante de
pouso, por fina ironia, viria a conjugar o verbo objetificar.
Tal qual o sol que por deslocamento projeta-se, por força da própria
condição de transladar-se, iluminando distintamente parte da superfície
vertical, Barrio, estaria de modo muito f i l trado lançando o foco
sobre a experiência vivida durante o 4 dias 4 noites. Toma,
portanto o movimento solar como modo duvidosamente
contínuo de apreensão do mundo, ele também a se mover.
42 HADDAD, Jamil A. “Prefácio” Em: BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal, p.35. 43 Idem, p.35.
42
Entre as obras citadas pelo artista está a 1) De Dentro para Fora, 2)
Simples... (TV coberta por um lençol branco), elaborada no ano de 1970,
em sua própria casa. ‘TV coberta...’ É uma obra intimista que não possui o
caráter participativo e imediato do entorno urbano, tal qual
Situação...Cidade...y...Campo... Concentra-se no segundo da imagem
fantasmagórica, conjugando o velar e o desvelar: imagem coberta,
imagem translúcida. Produção de imagens filtradas pelo lençol, incertas,
inseguras, porém vivas e dinâmicas. Barrio retoma a discussão a respeito
da reciclagem da materialidade e da função das coisas.
A partir desse deslocamento de funções, o Artista convoca o
espectador a uma nova territorialidade visual em um “processo de
consciência do olhar e de materialização do momento de descoberta.”44
Descreve o Artista:
É como se o pensamento estivesse dominando a visão, mas nem por isso o fenômeno deixa de se expressar numa sintaxe perfeita aos nossos olhos. O que me atrai nesse processo é a tentativa de materialização do pensamento da visão.45
Barrio convida o espectador a essa tentativa, quando desenvolve
ainda no ano de 1970 (na cidade do Rio de Janeiro) a obra
Situação...Cidade...y...Campo.... Ali estão reunidos oito pacotes de bisnaga,
amarrados, dispostos sobre uma estrada que divide em duas a lagoa de
Marapendi situada entre o Mar e a Montanha. A mesma cidade em que se
deslocara meses atrás, em 4 dias 4 noites, acolhe os amarrados de pães,
tomados como volumes expressivos. Os conjuntos são espalhados em
partes de uma trajetória que se inicia em Copacabana, passa
por Ipanema, Leblon, Av. Niemeyer, Barra da Tijuca e encerra-se
em Jacarepaguá. De imediato, expostos ao ar livre, tais amarrados
prometem se desmaterializar diante do descampado que parece
acolhê-los, antevendo aos olhos do espectador seu próprio fim. Se
pensados como esculturas, talvez pudessem exprimir uma dolorosa
condição para a estatuária, tomada, quase sempre, como modelo exemplar
de resistência histórica: a de ceder à potência destrutiva da cidade.
44 DOCTORS, Marcio. “A Ordem é Ousar”. Em: A metáfora dos fluxos, 2000/1988, p. 53. 45 Ibid, p. 51.
43
Figura -12 1)De Dentro para Fora 2)Simples...[registro fotográfico. Rio de Janeiro, 1970].
Amolecidas diante da chuva ou esfoladas pelo vento, as massas de
pão devem ceder a uma certa lógica estrutural repousada na fragilidade
de sua própria matéria.
Espalhadas de forma estratégica, quase como pólos de atração
deixam-se subtrair da cena como que por absorção. Lembrando ogivas de
44
massa amarradas, os pães solicitam uma certa compreensão de seu
mosaico formal. Para entender tal agrupamento o espectador deverá
travar embate com sua própria estranheza diante da cena, tomando como
questão crucial às qualidades estéticas da matéria. Não se trata, na
realidade, de uma escultura feita de pão, mas do próprio alimento tornado
hiper visível. Isso resultaria ainda na aceitação da forma liberta a partir da
suposição certeira de que o pão, antes condenado à ingestão humana,
não alcançaria como obra um lugar permanente. Tal manobra pareceu
contar a história do objeto artístico a partir de seu próprio fim. Barrio sabe,
inclusive, que a cena com pães seria acolhida como uma imagem
mediada pela incerteza da fotografia. O que equivaleria em duvidar da
própria imagem como elemento veraz. Por isso relacionar imagem e
palavra torna-se tarefa desafiadora.
Situação...Cidade...y...Campo... é mais um título singular
que merece atenção. Longe de especular sobre prováveis
implicações simbólicas dentro da obra, coisa, aliás, que o Artista rejeita,
a conjunção das palavras Cidade/Campo podem sugerir caminhos
muito precisos na efetivação desse processo. Argan certa vez
escrevera que, na atualidade, “o protagonista da experiência
estética passa a ser o ambiente enquanto espaço em que os
indivíduos se inserem e vivem”.46 Não seria errado lembrar
que no ano de 1970, bairros como Barra da Tijuca e
Jacarepaguá possuíam feições quase inabitadas, se
comparadas aos dias de hoje. Não foi à toa que, ao deliberar partir do
burburinho febril de Copacabana rumo aos descampados, Barrio estaria
pontuando de forma inversa as ‘escolhas’ feitas em 4 dias e 4 noites,
momento em que acolhera a cidade tornando-a universo de distante
introspecção.
46 ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna, p.589.
45
Já em Situação...Cidade...Y...Campo... é a face exterior e plural da
urbe que deverá acolher um consciente dinamismo operacional. De uma
forma ou de outra, o Artista pareceu aqui eleger a cidade como o “outro
no sentido mais amplo, com que se defronta o si”47, aproximando-se da
suposição de Argan de que é a Arte, tal qual a Arquitetura, no presente,
que constrói e manifesta o espaço da vida social.
Figura -13 Situação...Cidade... Y... Campo... [registro fotográfico. Rio de Janeiro, 1970].
A obra Mensagem 16 fala de energia. Reunião singular de
elementos sobrepostos (uma tesoura sobre um espelho de metal cromado
sobre um espelho com moldura vermelha/descascada). Considerados
como peça única, dispostos/colocados por vários locais, Mensagem-16-
.Mar. foi realizada em 1971 logo depois do 4 dias 4 noites. Diferente de
Situação...Cidade...y...Campo..., a matéria aqui é resistente. Não se trata
de enfrentar o drama de sua própria dissolução, mas de imprimir sobre
bueiros e pedras a marca de sua presença invisível.
47 Idem, p.589.
46
Em Mensagem- 16-.Mar. a reflexão sol é inevitável diante não só
dos espelhos, mas reticente no brilho opaco e enferrujado da tesoura.
Ação desenvolvida: deslocar o objeto, dispondo-o/colocando-o sobre
locais como bueiros e pedras. Aproveitamento de energia solar,
Figura -14 Mensagem – 16- .Mar.[registro fotográfico, Rio de Janeiro, 1971].
aproveitamento de energia elétrica, para rever o horizonte da cidade
clamando por suas entranhas.
Talvez a leitura imagética dos bueiros cariocas jamais fosse
reivindicada. O drama do esgoto é melhor entendido, quando se opta
pela visão jornalística do fato. E o que isto sugere? Certamente
proximidade e distanciamento. Apenas o esquecimento de que abaixo do
solo mediam-se tecnologia e excremento é capaz de colocar em
suspenso a vergonha das entranhas humanas.
É mais que necessário, prever um tempo ambíguo, marcado pela
espacialidade horizontal. Trazer para si momentos singulares preservados
na disjunção visual que lhes é preservada.
Não há sequer empatia pela lembrança de misteriosos túneis e
galerias, tal qual acontece em certos lugares da Europa. Talvez pelo
excessivo esgueiramento da cidade em favelas que trazem, na maioria
das vezes, seus esgotos a céus abertos, e, como um organismo em
47
depressão sempre revela em sua superfície traços de seu desequilíbrio, a
cidade carioca não se apresenta distante. Aguarda convulsivamente um
certo ajuste de contas entre a promessa de progresso e progresso da
promessa.
Reunir obras. Colecionar-se a si próprio em instantes. Tratá-las
como um conjunto. Forçá-las a desvelar uma certa compreensão do corpo
e do espaço, tomados quase que pelo avesso.
Para o artista provocar palavras como IdéiaSituação,
Trabalho/Processo e ObjetivoSubjetivo significa atravessar a fenda aberta
a partir de sua contramão, passar por obras e retomá-las por palavras, e
vice e versa. É quase um imperativo: construir um processo para entender
o processo. Assim, ativar relações físicas entre o corpo do espectador e a
obra, entre o próprio corpo do Artista e a obra, entre extensões de solo
verticais e horizontais também o é.
Caberia averiguar então o motivo de tantas aproximações, ou seja:
O artista vivencia a cidade como fundo pictórico. E dentro desse suporte,
coloca outros menores e outros mais. O corpo humano também é assim.
É sempre possível reduzí-lo a uma palavra, tornando-o mais que um
arcabouço sistemático e visceral. Mas, a reunião de coisas, sempre
implicará a supressão de outras. Barrio norteia-se, agregando um
conjunto de obras. Estas acolhem elementos. Busca o Artista perceber a
cidade em sua relação esparsa com o entorno tal qual o fez em 4 dias 4
noites. Uma relação que pode estar ancorada na produção de energia -
sol, eletricidade, esgoto - e nas formas filtradas por onde essas energias
podem ser percebidas: reflexo do sol na parede, no espelho e na tesoura,
pedra aquecida, imagem velada na TV, pão em decomposição, tampo do
bueiro etc. Mostra ele a cidade vista por suas entranhas, descrita pelo véu
dramático do limite da resistência física. Suas imagens, surgidas de um
estranho ofuscar da lembrança, tornam-se, sem possibilidade de defesa,
reféns. Perdida a falsa esperança de um acordo com a integridade da
memória, retoma-se a crença ilusória de que, as débeis imagens
integrariam, de bom grado o campo das singularidades febris da alma
humana. E o que isto significaria? Apenas que, de certo modo, tudo o que
pareceria sem sentido continuaria perdido.
48
Tal estranha conclusão deixa sem sabor as certezas que existem nas
lembranças. Haveria, no final das contas, a sensação de que tanto faz re-
lembrar hoje ou amanhã. Ou melhor, de que vale muito mais a pena olhar
continuamente, e isto implicaria o retomar pensamentos o estabelecer
critérios diante de si próprio.
O herói de Proust, protagonista de No caminho de Swann, por
exemplo, extraiu do interior de sua xícara de chá todos os pensamentos
fundidos à fumaça e ao líquido que de lá emanava. Já a escritora Rosalind
Krauss, certa vez, contou que ao ser acompanhada de amigos a um
concerto de música, pudera experimentar a sensação de desligamento do
ambiente, ao reparar na figura de um homem que tocava silenciosamente o
trombone. Manteve-se por instantes isolada de tudo o mais a seu redor, por
uma fenda aberta na realidade contínua do espaço.
Excluídos pelas cenas impróprias, falta ao espectador o desespero
para retirá-las dos olhos, aceitá-las pelo mistério no qual se vê incluído.
Viriam, de certo, muitos desapontamentos, das pulsões invisíveis, ou
melhor, viriam delas prazer e dor. À paixão que inclui tais perdas e tais
ganhos, podemos entre outras formas dizê-la Arte. E se o espectador
acredita, poder repousar nela as orquestrações da memória, isto significa
que tais objetos movediços parecem ali se ativar, assim como as muitas
lembranças diante das viagens ainda por fazer.
Mas a viagem de 4 dias 4 noites jamais será superada. Com certeza é
o Rio de Janeiro, perdido, descontínuo, mediado pela exaustão do sujeito, o
lugar para tal embarque. Um Rio ainda paisagem. Não aquela enquadrada
no esquema ilusório da felicidade e da conquista dos muitos álbuns de
fotografia e dos cartões postais, mas, algo próximo à realidade expressiva
de um lugar sem pátria.
Talvez muito próximo e numa certa contramão, Baudelaire já
houvesse proclamado as cores da cidade parisiense por lentes muito
específicas: caberia ao dandy a responsabilidade de figurar “instantes
reveladores da poética cotidiana”48, e, ao artista, o equacionar em um só
instante a dupla dimensão do belo, imutável e circunstancial. E foram
48 SIQUEIRA, Vera. “A enciclopédia mágica de Castro Maya”. Em: Castro Maya anfitrião. p. 26.
49
justamente a transitoriedade e a fugacidade percebidas nas linhas de
Constantin Guys que fizeram do artista baudelariano o responsável pela
apreensão mundana da Paris do final século XIX. A experimentação urbana
de Guys estaria em consonância com aquilo que para Baudelaire
significava a fusão entre sujeito e mundo, sujeito e cultura, natureza e
cultura. E, para tanto, investir-se incisivamente a favor dessa maneira de
sentir as coisas, tornar-se-ia fundamental àqueles que apostavam na
experiência subjetiva como forma de expressão.
Talvez por um desvio de consciência, ou melhor ainda, por uma
extremada conscientização de que seu fazer implicaria sempre na posterior
formulação de conceitos, Barrio silencia-se diante de 4 dias 4 noites, pelo
menos por um tempo, um longo tempo. É que a cidade ainda persistiria em
sua memória, com suas paredes, ainda que, mais tarde, diante de uma
filtragem maior, resistissem o moinho, a viela, a cruz, os bueiros e os
esgotos e também as baratas e a grávida. Talvez o tempo fornecesse
elementos menos sujeitos à narrativa e mais propensos a uma colagem.
50
Figura - 15 Constantin Guys. Três mulheres junto a um balcão, [pena e aguada com aquarela, 25X18 cm, Paris, 1860].
Mas Barrio não relata sua experiência pela cidade a partir de eixos
propriamente desconectados, já que ele próprio confere um certo tom
narrativo a seus depoimentos. É importante ressaltar que, não é possível
contar definitivamente com apenas uma narrativa, mas com muitas. O
51
Artista percebeu que só a distância poderá ajudar-lhe nessa tarefa. Mas
que reservas o tempo traria para um Rio de Janeiro colado na memória?
Memória pouco dignificante para uma cidade, descrita por baratas e
esgoto. É certo que Barrio não partiria obviamente dos ícones da cidade,
aliás haveria uma cidade, ou simplesmente um lugar do Terceiro Mundo?
É fato que para Barrio a cidade de Nice pode ser malcheirosa. Cabe
em seu interior - livre do véu impressionista - lixo e carne. Não um pedaço
de carne mole e sem vida, desprendido de um corpo qualquer. Tampouco
seria uma matéria cercada de grandiloqüência e asco, como a carcaça do
Boi esquartejado, pintada por Rembrandt, ou o vigor da massa corporal
edificante de um Marat assassinado de Jacques-Louis David.
Silenciosamente, a carne de Barrio será agregada, espremida, forçada a
integrar-se ao corpo físico de uma garagem (galeria alternativa) em Nice,
na França, até tornar-se provosoriamente parte estrutural daquela cidade.
Figura -16 Rodapés de Carne. [detalhe da performance. Nice, 1978].
É que o Artista compreenderia que qualquer afirmação óbvia do tipo,
veja bem do que somos feitos, poderia colocar tudo a perder. Barrio,
52
prefere, portanto a razão estrutural, dos rodapés e portões e,
principalmente, dos livros
É a partir daí que pretenderá trazer à tona o corpo carnal imaginário
dos elementos aparentemente sem vida, dotar-lhes de algo que sua
própria visibilidade lhes tomou como que por negociação à sobrevivência.
Mapeados de forma inusitada, não só os escombros cariocas ou a
garagem em Nice, mas outras cidades, como, por exemplo, em Viana do
Castelo (Áreas Sangrentas/1975), Paris (Lixo=Eletricidade/1976) e
Amsterdã (36 Pontos Sonoros/1982) foram convidadas ao diálogo.
Figura -17 Áreas Sangrentas. [detalhe da performance. Cidade do Porto, 1975].
Já em Áreas Sangrentas, do ano de 1975, a carne (peixe)
dimensionava o trabalho das vendedoras de pescado para além de um
ponto específico, como já evidenciado antes em outra obra, a .4
Movimentos do ano de 1974. Áreas Sangrentas foi desenvolvida no ano
de 1970, em Portugal, e conjugou-se em duas partes: 1ª evidenciando a
vida dessas vendedoras e apontando suas relações vitais, que passariam
pelo mar e pela venda do peixe; 2ª promovendo um debate público,
televisionado, com as vendedoras e alguns possíveis compradores.
53
Nas palavras de Sheila Cabo, essa obra poderia ser compreendida
como a “instituição de um espaço de vivência para a arte que se localize
em primitivas relações de troca”.49
Figura -18 .4 Movimentos. [registro fotográfico, Praia do Mindelo, 1974].
Para criar Lixo=Eletricidade, Barrio reuniu, em um recanto da cidade
de Paris, objetos, como uma escada e latas de lixo, acumulando entre
eles restos de material descartados pela sociedade de consumo. A
imagem fotográfica de Lixo=Eletricidade apresenta um recorte da Cidade
Luz, introspectiva e sem brilho, denunciada na presença discreta e
ambígua de uma instalação. Haveria uma certa dificuldade em redizer
Paris a partir de tantas sobras, até porque existiria para Barrio uma Paris?
O lugar congela-se em imagem fotográfica, como um espaço qualquer,
sem a extremada estranheza das imagens radicais de Barrio, até por isso
essa obra parece caminhar na contramão, no silêncio. O importante é que
ali guardado na feição intransferível do lixo, reside uma matéria vibrante,
exibida quase que de passagem; imagem rápida como a energia, que
ninguém percebe. Lixo=Eletricidade é uma espécie de vírgula entre
palavras/obras de Barrio, é força vital, contínua e, tal qual 4 dias 4 noites, interminável.
49 CABO, Sheila. Barrio: “A Morte da arte como totalidade”. Em: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira. p.101
54
Figura -19 Lixo=Eletricidade Lixo=Eletricidade. [registro fotográfico, Paris, 1975].
Figura - 20 Situação Ambiente K. [registro fotográfico, Rio de Janeiro, 1970].
55
Lucilla Saccá define Situação Ambiente K como: “Sensualidade
escancarada e por vezes inquietante da vida íntima e doméstica”50,
registrada em foto a partir da reunião de dois instantes distintos: um
externo e outro interno. Na situação externa, ocorre captação de energia, derivada do
acoplamento de alguns materiais, como lixo, pão, saco de terra, tijolo etc. Na situação
interna, closes de uma moradia em franca desarrumação. E nada poderia ser tão
dramático quanto as imagens de um banheiro em que são exibidos o vaso
sanitário e pias sujos e, mais precisamente, um chuveiro antigo, junto a
um registro de água, acoplado a uma parede branca parcialmente
azulejada).
Não foi prerrogativa de Barrio utilizar a imagem íntima do chuveiro.
Também o Cinema valeu-se do instante particular do banho ao pretender
tornar visível à sociedade, a visão desoladora de sua própria forma de
vida moderna. Um bom exemplo é a famosa cena do chuveiro dirigida por
Alfred Hitchcock em Psicose, de 1969, no momento em que a
protagonista é assassinada a facadas. O lugar para o evidente prazer se
evidenciaria eminentemente suspeito, tornando-se quase um emblema do
problemático otimismo americano, diante da experiência de emancipação
da mulher e do caráter punitivo que a própria situação requerera; já que a
personagem em fuga refugiava-se provisoriamente em um motel, na
estrada, após um roubo. Em outro filme, A lista de Schindler51, de Steven
Spilberg, de 1993, a cena em que apresenta um progressivo close de um
chuveiro mantém em suspenso o expectador diante da possibilidade do
provável banho (de algumas das prisioneiras de um campo de
concentração nazista) tornar-se risco de morte à gás.
Nada disso, no entanto, suplantaria a possibilidade de uma cena
fotográfica, exibir como gesto de doação apenas à materialidade de um
banho por vir. O que na fotografia usual poderia ser sedução e
mecanismo de compreensão do ato emancipatório moderno: água
encanada, água potável, cena marcante, torna-se em Barrio impacto
50 SACCÀ, Lucilla. “Barrio: ecos de revolta”. Em: Artur Barrio: A metáfora dos fluxos 2000/1968. p.111. 51 O filme apresenta a história de Oscar Schindler, membro do partido nazista, que salvou a vida de mais de 1100 judeus durante o holocausto. Vencedor do Oscar no ano de 1993, com sete premiações.
56
visual, mediado pelo flagrante seco da imagem, que em vez de exibir a
experiência de circulação física da água, propõe duvidar da assimilação
criativa do próprio gesto, e, ironicamente convidar o espectador a pensar
relações entre o objeto, o artista, a fotografia, e sua própria experiência de
espaço físico, de convivência, de memória etc.
Tão introspectiva quanto a solidão do chuveiro - e distante do
impacto mortal da cultura cinematográfica - é a solitária 36 Pontos
Sonoros de 1984. Nela, Barrio provoca ruídos emitidos pelo sopro de uma
concha em exatamente 36 pontos diferentes da cidade de Amsterdã. A
idéia de solidão não está propriamente ancorada na presença da unidade
física do artista, mas na possibilidade da cidade vir a se calar diante do
silêncio estapafúrdio de uma concha soprada e do burburinho energético
de uma cidade. Na imagem de um mapa contendo uma parte de
Amsterdã, que acompanha as fotografias do Artista durante a execução
da obra, aparecem marcados os pontos em que Barrio teria produzido os
sons. A partir dele (mapa) poderia ser pensada, de modo mais eficaz, a
dinâmica sonora interior da cidade. Talvez o movimento orgânico de
inspiração/expiração que envolve a produção do som em instrumentos de
sopro, não esteja apenas visível no assoprar da concha, no movimento
físico de expansão e expulsão do ar, mas, no próprio movimento de
expansão do Artista dentro da malha urbana, em contrapartida à retração
do ruído junto à sonoridade pública.
Figura -21 36 Pontos Sonoros. [detalhe da performance, Amsterdam, 1982].
É fato que a cidade de Barrio não é propriamente marcada pela
geografia encantadora ou pela grandiloqüência arquitetônica. Ela está
57
visível, nos mecanismos de relacionamento entre os homens e o mundo.
Talvez até por isso as cidades de Barrio surjam diante dos olhos do
espectador por meio de fragmentos, muito pouco estranhos, se levada em
conta sua aproximação com a própria “condição estranha”52 do espectador.
A dificuldade em reunir partes da cidade num todo imediato realça a
própria idéia de seu estilhaçamento. Em vez de uma extremada localização
de pontos peculiares e registros evidentes desse ou daquele marco urbano,
o que é buscado pelo Artista é uma completa agregação de sua experiência
a partir de matrizes expressivas. O registro fotográfico em Barrio, quase
sempre, possui um efeito cortante. É que as entranhas são acessos que
dispensam a metáfora do enceramento e do polimento das superfícies,
como forma de imprimir a marca inevitável e traumática de uma pegada na
limpidez pictórica do reflexo. Eis a cidade! Imensa. Contida. Que se
estabelece num rodapé, num canto, numa esquina, numa parede, pela
carne crua, pelo lixo, pelo papel higiênico, pelo chão. Barrio não quer
costurá-la, pelo contrário! Ela deve ser entendida em sua suspensão. É um
paradoxo. Gesto cego pelo exagero de contrários. Paisagem urbana,
tornada um mapa, pontuado pela dissolução do espaço, não um espaço
ampliado na imaginação para além da paisagem, mas em sua própria
retração a condição mínima de lixo.
Desse mundo, em que tudo se extingue, a superfície não pode ser
decantada sem que dela surja algo decomponível. Logo a cidade reverbera-se ao
esconder seus refugos e, enxergá-la, dependerá de muitos espelhos, já que ela se afirma
diante de uma falsa revelação, de um marco, de uma bela paisagem etc. Está sempre ali ou
acolá, como um fragmento, mas, sempre, passível de ser estilhaçada.
Max Ernst, um dos integrantes do grupo surrealista, pinta no ano de 1927, em óleo
sobre tela, A cidade Inteira, um dos muitos exemplos de um conjunto maior de
mesmo nome. Nela, a escritora Briony Fer perceberia qualidades visíveis
de uma cidade labiríntica, oposta a concepção moderna de cidade
defendida por Le Corbusier e que, segundo a mesma autora, poderia ser compreendida
como “Um local primevo, dominado por luxuriantes mas ameaçadoras formas de
vegetação. É uma visão desoladora da cidade em ruínas, assombrada pelo passado”.53
52 CANONGIA, Ligia. (org.). Artur Barrio. Petrobrás, 2002. Declaração do artista, p. 261.
58
Figura – 22 Max Ernst, A cidade inteira. óleo sobre tela, 60x81 cm. Kunsthaus, Zurique ,1935-36].
Sensação de passado assombrando o presente que foi relacionada
por Ernst às memórias da infância. Como exemplo, o artista descreve que
“em casa, na cama, a criança acha que o familiar – o painel de madeira
de imitação - toma as formas estranhas e assustadoras daquela
fantasia”.54 Imprimindo então, um aspecto social àquelas imagens
fantasiosas, Ernst figurou a cidade como um local de fantasias da
infância: “Uma extensão do lar, uma vez que nela também se
desenvolvem relações simbólicas e psíquicas”55. Pulsão surrealista
melhor compreendida a partir daquilo que Walter Benjamim qualificaria
como “iluminação profana”.56 Superação autêntica e criadora da
iluminação religiosa (para além da propedêutica das drogas), “de
inspiração materialista e antropológica”.57 Explicação semelhante seria
apontada por Argan, ao mencionar a fotografia de Man Ray, e afirmar que
53 BATCHELOR, D.; FER, Briony; WOOD, Paul. “Essa liberdade e essa ordem: a arte na França após a primeira guerra mundial. Em: Realismo, racionalismo, surrealismo: a arte no entre-guerras. p.196. 54 Id., Ibid. 55 Id., Ibid. 56 BENJAMIN, Walter. “O Surrealismo”. Em: Magia e técnica arte e política. p. 23. 57 Id., Ibid.
59
é a partir do desligamento de toda cultura, civilização e sociedade que o
homem conquistaria a autenticidade do próprio ser:
“O mecanismo psicológico é fácil: a realidade é sempre igual a si mesma, não faz sentido tentar mudá-la; reage-se ao tédio descombinando as combinações habituais, rompendo gratuitamente os esquemas normais”58.
Os relatos de André Breton nos romances Nadja e L’Amour Fou
partilham dessa mesma experiência particular. Escreve Breton:
“Num fim de tarde no ano passado (...) nas coxias laterais do Palácio Elétrico, uma mulher nua, que deve ter entrado vestindo apenas se sobretudo, vagava, lívida, de uma fileira de cadeiras a outra.59”
Ainda que o sonho seja eleito como o lugar de excelência para a
experiência integral do surrealismo, tanto Breton quanto Krauss
exemplificavam um tipo de experiência de mundo compartilhado, aquilo
que em 4 dias e 4 noites tornava-se elevado à enésima potência.
Unificada na dimensão do silêncio, sem demandas reativas, tudo se
reverteu para uma experiência solitária do corpo com o entorno. “Visto de
fora, eu era simplesmente uma pessoa comum andando pela rua”60 –
comenta Barrio.
Nesse sentido merece destaque a brancura evasiva das páginas do
cadernoLivro criado a partir dessa situação, refletida em ato de profunda
lucidez, se tomada como medida aquilo que Luiz Camillo Osório definiu
como o “limite da perda de si”61 e a posterior inviabilização em recriar a
experiência, torná-la obra. A impossibilidade de reagir frente à ilogicidade
é, em certo sentido, o que mais lhe atrai 4 dias 4 noites. Sem estar
congelada em uma forma ideal, a atuação torna-se coisa estranha,
qualifica-se menos como uma nova visão de arte e mais como um
processo longo, “mais longo do que deveria ser, afirma o Artista”.62
E o que significaria um tempo expandido para além de sua exata
58 ARGAN, Giulio Carlo. “A época do funcionalismo”. Em: Arte moderna. p.481. 59 KRAUSS, Rosalind. “Um plano de jogo: os termos do surrealismo”. Em: Caminhos da escultura moderna. p.141. 60 REIS, Paulo; BASBAUM,Ricardo; RESENDE, Ricardo. Panorama da arte brasileira 2201. p. 82. 61 Entrevista com Artur Barrio 20, de julho de 2001. 62 Declaração de Artur Barrio em entrevista sobre o Trabalho/Processo 4 dias 4 noites.
60
medida? A saturação do corpo a ponto de inflar-lhe os órgãos pelos
poros? Metáfora que por acerto ou risco poderia aproximar-se da
experiência expandida da energia a partir de um núcleo gerador, no caso
do 4 dias 4 noites, do corpo para o espaço.
Nenhuma outra ação, compreendida como movimento sobre a urbe,
poderia ter resultado em melhor experiência de modernidade quanto em
Baudelaire, ao definir a cidade como o lar do homem moderno e, logo, o
lugar para seu drama psíquico. Acolhimento que logo tomaria feição
específica, já que a cidade, aqui decantada, não é mais a Paris desejada
por Breton, mas os arredores de um Rio de Janeiro perigoso. Cidade
como suporte, local para o desenvolvimento de estratégias de superação
e enfrentamento da arte institucional – “ Abro mão de meu
enquadramento como artista”63 – e da produção do consumo – “O
trabalho não é recuperado, pois foi criado para ser abandonado e seguir a
sua trajetória de envolvimento psicológico”64.
É certo que imagens chegam até a superfície da consciência;
recordações visíveis, ligadas a um odor que se confunde. Aí está o
grande ponto de interrogação?
“Não houve um pré projeto, desde os deflagramentos, não havia isso, o carro ia. O que eu queria colocar é justamente que todo o processo dos 4 dias 4 noites foi algo completamente inconsciente, sem um entrave da razão. “65
Artur Barrio percebe que o risco está atrelado à inteligência e a
sensibilidade humanas. Para ele a idéia, que é o motor da atividade
SURREALISTA/CONCEITUALISTA, para ser eficaz, teve que se
disfarçar, tentando reconstruir o entendimento humano.
Escreve ele certa vez o seguinte: Não é estranho, também, que se conceda tanta importância a selvagismo da mirada (ou seja “o saque”, na medida em que esta participa no selvagismo de todo o ser, no enfermo mental ou artista oceânico.66
63 BARRIO, Artur. “Lama/Carne Esgoto” . Em: Artur Barrio. Catálogo do artista. São Paulo, Petrobrás, 2002, p.146. 64 Idem. p.146. 65 Declaração de Artur Barrio em entrevista sobre o Trabalho/Processo 4 dias 4 noites.
66BARRIO, Artur. “Surrealismo e conceitualismo”. Em: Em: Artur Barrio A metáfora dos fluxos 2000/1968. p.66.
61
“Um exemplo disso é a celebração da loucura de Nadja por Breton,
que acaba por interná-la num hospício”67(...) “a histeria é um estado
mental mais ou menos irredutível que é caracterizado pela subversão das
relações entre o sujeito e o mundo da moralidade, ao qual ele se opõe,
fora de qualquer sistema de delírio.”68 Então, escreve em um de seus
cadernosLivros: “A menina melindrosa chorou, quando soube que sua
babá tinha ido embora e não mais lamberia a sua bocetinha na hora de
dormir.”69 “Mas eu chamo de segmento no sentido em que os trechos
surgem uns a partir dos outros. Eu tinha consciência de que um segmento
tinha terminado; mas, o próximo, eu não sabia qual era. Uma paranóia
associativa.”70
Não fora por acaso que o Livro de Carne surgira no ano de 1979,
revelando contornos jamais desenvolvidos pela natureza. É acentuada a
dramaticidade do objeto, embora o espectador não saiba ao certo por que
sensação optar: nojo, estranheza, desejo etc. Como a carne se apresenta
morta e deve morrer uma segunda vez, de apodrecimento, a visão do
objeto, lembra as mazelas e aflições da própria condição carnal.
Em uma fotografia que integra o catálogo sobre sua obra, aparece
uma imagem de aspecto incomum, quase grotesca, da peça dilacerada
pela faca afiada, que em vez de revelar peles ou rugas, mostra o interior
visceral da carne. Excesso focal que no passado aparecera em algumas
imagens fotográficas de artistas surrealistas. Daí o contato com tais obras
parecerem marcar frontalmente a poética de Barrio, tendo sido
certamente Man Ray e seus ready-mades modificados fontes de
inspiração para Barrio na confecção de suas Trouxas Ensangüentadas. O
próprio Objet: déjeneur en fourrure de Meret Oppenheim, fotografado por
Ray em 1936, que “reproduzia o efeito do arranjo comum dos objetos à
mesa”71, estaria próximo e para além daquilo que o Livro de Carne, em
acordo com a proposta surrealista, pretenderia: “chocar e confundir as
67 BATCHELOR, D.; FER, Briony; WOOD, Paul. “Essa liberdade e essa ordem: a arte na França após
a primeira guerra mundial. Em: Realismo, racionalismo, surrealismo: a arte no entre-guerras. p.212. 68 Id., ibid. 69 Declarações de Artur Barrio. 70 Idem. 71 BATCHELOR, D.; FER, Briony; WOOD, Paul. “Essa liberdade e essa ordem: a arte na França após
a primeira guerra mundial. Em: Realismo, racionalismo, surrealismo: a arte no entre-guerras. p.176.
62
expectativas convencionais”72. Isto é, fazer o espectador olhar para o
objeto ordinário como se estivesse contaminado por pedaços desejosos
de pêlo e carne.
Figura-23 Man Ray, Objeto: desjejum em pele. [registro fofotgráfico, Coleção particular, 1936].
Embora continue tentando até hoje filiar-se à coisa nenhuma, e
ainda que o surrealismo lhe tenha sido uma espécie de ancoradouro - o
Trabalho/Processo 4 dias e 4 noites teria fornecido conclusões
necessárias,
e com certeza caras aos olhos de Freud, como, a impossibilidade de
revelar os atos do próprio inconsciente, promovendo, quem sabe, uma
resposta contundente ao grupo surrealista europeu. Talvez seja por isso
mesmo que o aparente desarranjo de suas propostas artísticas seja tão
marcado. E não existiria nenhuma incoerência em tal deliberação, já que
a obra de Barrio faz parte de um processo de continuidade/fragmentação.
Prossegue o artista: “Quando mais tarde, nos anos 1980, surge a pintura,
eu pinto73”.
72 Idem, p.176. 73 Declaração de Artur Barrio em entrevista sobre o Trabalho/Processo 4 dias 4 noites.
4 Sobre Fortaleza-Lisboa 4.1 A linha do horizonte determina o espaço?
Uma espécie de desubstancialização parecia tomar conta da Galeria
Cândido Portinari naquela época, em 2001. O local já se anunciava
estranhamente marcado pela ausência de identidade enquanto espaço de
exposições. Um certo ar de provisoriedade. Artur Barrio pareceu
compreender que essa característica marcante, longe de ser um
problema, seria o ponto de partida para pensar o próprio caráter
transitório da obra Fortaleza-Lisboa.
Figura - 24 Fortaleza-Lisboa. [detalhe da instalação, Rio de Janeiro, 2001].
Naquela ocasião, em que pude observar de perto a montagem da
instalação, momento decisivo para a compreensão desse fazer não de
todo revelado na aparência final da obra, percebi um artista que refletia
rumos e condutas à medida que tocava os acordes de sua criação. Barrio
opta por iniciar a montagem do trabalho despejando lentamente meia
tonelada de sal grosso no piso desgastado da Galeria Cândido Portinari.
64
O chão embaçado, que trazia as marcas das muitas passagens de cera e
das diversas tentativas de retirá-la, assistia ao ato de ser ser recoberto
pela vontade do artista. É como se os primeiros ecos emanados de dentro
do oceano não pudessem ultrapassar meia légua sequer daquelas
paredes; e a solidão local fosse atenta aos barulhos produzidos por conta
do arremesso do sal contra o chão e painéis, do interior daquela ilhota
cega do circuito de arte carioca.
O Artista estica o braço, eleva e pousa no espaço vazio uma
lâmpada de 15watts que ficará permanentemente acesa sobre o sal. Ela
está engastada num longo cabo elétrico, como que num chicote, que sobe
e desce da parede esquerda e termina no chão, traçando um desenho.
Junto ao canto direito de quem entra, ao fundo, uma pequena jangada
desce pendurada a partir do teto, até altura aproximada dos olhos de um
adulto. No espaço anterior, numa espécie de ante-sala, algumas pranchas
mostram imagens gráficas contendo anotações e reproduções de fotos
que apontam para o processo de elaboração da obra. Nas costas do
painel que delimita o espaço expositivo, só perceptível após a entrada e já
no movimento de retorno ao começo, Artur Barrio escreve uma frase em
branco sobre o fundo negro? “A linha do horizonte determina o espaço.”
Figura - 25 Fortaleza-Lisboa. [detalhes do vídeo, Viagens. Rio de Janeiro, 2001].
Durante a montagem da instalação, certa vez, o artista caminhou
trazendo consigo o chicote que enlaçava a lâmpada, em direção à
pequena jangada pendurada. Da jangada surgiam sombras enigmáticas
que pareciam descarnar a estranha alvura dada àquelas paredes. Era
como se, por um instante, na infância, os castiçais nas mãos das
crianças, que aguardavam o retorno da luz elétrica, fossem propagadores
de torções e justaposições das coisas, dadas a partir da ação mágica da
luz das velas. Foram poucos sacos de sal (cerca de uns cinco ou dez) que
65
sobraram da meia tonelada que Barrio despejou ao solo, enquanto era
filmado pela equipe responsável pela elaboração do vídeo sobre o
making-off daquela instalação que mais tarde seria incorporado a ele. No
dia da filmagem, um certo abafamento tomava conta da Galeria Cândido
Portinari. O ar quente do local pedia pressa a todos que acompanhavam a
ação lenta e meticulosa de recobrimento do chão que, ao final do
percurso, viria a exibir uma nova “pele”, levemente ondulada, opaca mas
cristalina.
Orientado pela ação sobre o piso no momento do espalhamento
proporcional do sal, Barrio passa a presenciar o espaço, levado por uma
andança sistemática. Como se ao optar pelo recobrimento do solo, tal
qual um lavrador, estivesse obrigado a travar contato com cada palmo de
terra, até que cada um lhe guardasse certa intimidade. No entanto,
paradoxalmente, a experiência de percurso é acelerada; avessa mesmo a
contemplações e a lentas especulações. O certo é que, ao fim da ação, o
chão negro torna-se quase todo tomado pelo sal grosso. A galeria, tal
qual um prisma cristalino, dá-se a ver branco, de forma maravilhosamente
estranha, quase asséptica, não fosse o pacto de Barrio com a possível
fealdade das coisas e do local.
Foi articulando a pintura de dois mestres modernos, Pollock e
Mondrian, que o historiador e critico de arte Robert Kudielka escreveu um
artigo intitulado Abstração como Antítese. Nele a discussão se assentou
no território da abstração pictórica pós 1910 e pretendeu apontar os
“equívocos decorrentes da identificação sumária ou dogmática do
figurativismo como arte objetiva e da pintura abstrata como arte não
objetiva”.74 Estabelecidos os acordes iniciais dessa ampla discussão,
Kudielka trouxe à tona a pintura neoplástica de Mondrian e a action-
painting de Pollock de modo a contrapô-las. Tarefa aparentemente fácil se numa primeira
visada forem aproximados certos aspectos, imediatamente óbvios nas duas
pinturas, como as relações de escala e as deliberações sobre
manutenção expressiva do gesto. Só que, para além das concepções
triviais que separariam um Mondrian construtivo de um Pollock destrutivo,
74 KUDIELKA, Robert. “Abstração como antítese”. Revista Novos Estudos CEBRAP, nº 51, p.16.
66
Kudielka refaz o percurso, invertendo essa visada de forma incisiva ao
afirmar: Mondrian destrói e aniquila, Pollock constrói e ordena.
Figura - 26 Jackson Pollock. Número 1. [esmalte e tinta sobre tela 160x259, Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, 1949].
Certa vez o próprio Mondrian teria declarado sobre sua pintura:
“Assim, forma, volume, superfície e linha devem ser destruídos e não
expressos. Isso é indispensável para o conjunto da obra e para os
elementos que a compõem”.75 Enfáticos, os conceitos de destruição e
aniquilação irritam diante do texto, cada vez que a lembrança aponta para
uma assepsia construtiva. Em contrapartida, Kudielka propõe, também,
devolve um Pollock afirmativo:
Eu procuro deixar que ela venha. Apenas quando perco contato com o quadro o resultado não me satisfaz. Do contrário, existe a pura harmonia, um fácil dar e receber, e o quadro fica bom.76
A concretização do projeto/idéia de Barrio desperta curiosidades. É
que ao tangenciar a tela Mondriana, estaria levantando uma dobra poética
junto aos construtivistas, mas a partir de uma via muito particular. A partir
daí, muitas seriam as razões que levariam seus críticos a repensar o
diálogo entre o integrante ativo da de Stjil e o Artista da Cidade do Porto,
75 Ibid., p. 23. 76 Ibid., p.30.
67
deixando em suspenso a pergunta: que pontos de contato levariam Barrio
a se aproximar de Mondrian? Que paralelos uniriam, coisas tão diferentes
quanto uma pintura e uma instalação de Barrio como, por exemplo,
Fortaleza-Lisboa de 2001 e Composição em vermelho, azul e amarelo de
1927, feita por Mondrian?
Certamente que a aproximação entre tais formalizações não estão
visíveis em suas aparências imediatas. Barrio está trazendo à superfície
questões que vão além do plano da pintura e poderiam ser mais bem
compreendidas diante da análise acurada das duas instalações.
Em Fortaleza-Lisboa de 2001 tudo o que haveria para ver estaria
imediatamente pontuado sobre o espaço usual da caixa prismática da
galeria. No entanto, há algo de específico nessa reedição das instalações
que levaria o espectador para além das costumeiras ocupações do
espaço por Barrio. A tensão entre as duas superfícies (teto e chão) se faz
sentir de imediato. Acumulando muito sal, o chão passa a desenvolver um
papel lapidar dentro do espaço monótono da galeria: literalmente um mar
de sal, com todas as impertinências que a mobilidade horizontal da água
poderia nos oferecer.
Trata-se de uma obra de grande diversidade, sustentada por uma
rede balanceada de relações entre os próprios elementos acolhidos (sal,
jangada, cabo e lâmpada) e as superfícies aos quais se agregam. Tarefa
nada fácil para quem acostumara-se a ações radicais de maceração de
paredes. Em Fortaleza-Lisboa – 2001, uma certa cautela em sua
utilização (livres dos costumeiros escritos) permitiu apenas a uso de uma
das paredes, a do lado esquerdo de quem entrava na galeria, ao
sustentar o prego de apoio para longo cabo de energia que subia rente,
até mais da metade da parte inferior, e descia alimentando a lâmpada
acesa sobre o sal.
68
Figura - 27 Piet Mondrian, Composição em vermelho, amarelo e azul. [óleo sobre tela, 61x40cm. Stedelijk Museum, Amsterdam, 1927].
Embora a exterioridade luminosa de Fortaleza-Lisboa – 2001,
elegante e introspectiva, diferisse em aspecto de muitas de suas outras
instalações, Barrio não cederia mais uma vez àquilo que teria, certa vez,
qualificado como a busca do mais fácil, ao se referir às insistentes
69
apropriações simbólicas feitas, de modo geral, pelos críticos. Daí a
reunião dos elementos parecer incapaz de sustentar qualquer narrativa
que não fosse direcionada a sua própria inter-relação com o espaço.
É que nesse balanceamento de tensões entre superfícies e coisas, o
plano tridimensional vai sendo conquistado simultaneamente pelo rápido
entendimento do todo e das partes que o delimitam. Como se o jogo da
compreensão estivesse amarrado tão somente nessas relações literais
entre superfícies (paredes, teto, chão, sal) e linhas (cabo e lâmpada, fios
e jangada pendurada), varrendo para fora da obra quaisquer outras
reverberações. Sensação de dúvida e decepção.
O certo é que o espectador não contemplaria Fortaleza-Lisboa –
2001, assim como não o faria com uma tela clássica de Mondrian. É
porque Barrio, cauteloso, sabe dos riscos que a sua obra estaria
submetida se qualquer passo a mais fosse dado. Daí o caráter límpido e
branco da instalação deixar quase de lado o esquema tradicional de suas
construções, a não ser pela presença daquela frase escrita, arrastada, à
giz sobre um dos painéis negros, surpreendentemente visíveis a partir do
movimento de retorno à saída contendo a já conhecida inscrição: “A linha
do horizonte determina o espaço”.
De imediato a afirmação, curiosa, parece sugerir ao campo da
instalação algo aparentemente traumático, já que a imagem da linha do
horizonte está supostamente atrelada a um determinado momento da
história da pintura. Algo problemático, se não fosse trazido, de novo, ao
diálogo pela leitura de Robert Kudielka sobre a linha do horizonte em
Jackson Pollock. Ao comparar duas obras do pintor americano, Number
31 (one) e Autumn rhythm escreve esse autor:
Embora absolutamente equivalentes, os espaços do quadro não são todos
homogêneos. Em Autumn rhythm, as divisões isoladas são mais uma vez enfeixadas numa cadência ternária, claramente visível na metade superior do quadro. A dissolução desse tríptico latente no terço inferior do quadro revela, por sua vez, uma semelhança com Number 31 (one)- semelhança essa que talvez constitua a diferença mais importante entre a ordem pictórica clássica de Pollock e a concepção corrente da composição all over. Um e outro quadro são claramente ponderados para que haja uma diversidade qualitativa entre a parte inferior e a superior. A inversão comprova, nesse caso, que, embora a composição seja trabalhada em seu contorno, ela não pode de modo algum ser virada de ponta-cabeça. A zona situada logo abaixo do eixo central, onde a gravitação começa a ter grande relevância plástica , pode lembrar a tradicional linha do horizonte, mas
70
só porque, de facto, ela é sua contrapartida imediata; não o limite remoto de nosso campo de visão, mas a confirmação do campo de tensão físico em que se situa o observador.77
A última frase da citação acima poderia ser perfeitamente aplicada a
Fortaleza-Lisboa – 2001 se não fosse sabido que por trás dela estão
pinturas e não espaços instalativos. No mais, a frase de Barrio sobre o
horizonte quase que assumida, também, como pintura, devolve ao
espectador de forma inusitada, o ancoradouro visual que já havia sido,
simultaneamente, criado pela tensão entre os planos superior e inferior e
preterido por sua própria conjugação com o todo. A tensão surge
imediata, como se o novo dado obrigasse o espectador a domar o espaço
justamente quando sua compreensão parecia pronta. É como se ele
estivésse que olhar outra vez para um Mondrian por outras lentes,
ancoradas, para além de Duchamp, na própria sabedoria popular.
4.2 Broadway Boogie-Woogie, jangada ready-made
Em um dos recentes e-mails enviados pelo Artista, contendo
algumas de suas orientações, esse declarou ter estado propenso a
utilizar, na vela da jangada que integraria sua última versão de Fortaleza-
Lisboa, a de 2004, esquemas geométricos e cromáticos semelhantes aos
das pinturas de Mondrian. Tal idéia, abandonada em seguida, foi
retomada como um projeto do acaso. Ocorre que, por ocasião de sua
estada em Fortaleza, Barrio teria avistado de seu hotel, situado em frente
à praia do Mucuripe, a jangada que integraria mais tarde o projeto/idéia,
vinda do mar com “a vela do estilo Mondrian, pronta”78. E, Barrio compra a
jangada.
Uma das últimas pinturas de Mondrian Broadway Boogie Woogie, foi executada
entre os anos 1942/43, após sua visita à cidade de Nova York. A tela se assemelha de
modo rarefeito à vista superior de uma cidade, traduzida pelo aspecto cifrado, do ritmo
sincopado do jazz. Broadway vista do topo?
77 Ibid., p.32 78 Declaração de Barrio a partir de e-mail enviado pelo próprio.
71
Figura-28 Fortaleza-Lisboa. [detalhe da instalação. São Paulo, 2004].
Talvez tais aproximações poderão ser melhor compreendidas a
partir das palavras de Mel Gooding, ao afirmar relações visíveis na
poética de Mondrian com a música e ritmos, como o jazz e o foxtrot. De
sua terra natal, um rigor intelectual e moral relacionado ao clima espiritual
da Holanda, refletida no próprio controle da natureza (paisagem feita pelo
homem e “dominada pela geometria da linha reta e do ângulo de 90, da
horizontal e da vertical”79). Conta Gooding que o próprio Mondrian
montava suas telas como se fossem objetos, projetando-as assim no
espaço real. Tomando a afirmação de Ferreira Gullar em seu texto
Teoria do não-objeto de que “a moldura perde sentido”80quando a pintura
abandona radicalmente a representação, abre-se o caminho em direção
ao desenlace dessa mediação entre obra e mundo, desde as colagens
cubistas até os fragmentos de Schwitters, o que para Gullar teria a
mesma intenção: confundir objeto e obra de arte.
79 Idem, p. 26. 80 GULLAR, Ferreira. “Teoria do não-objeto.” Em: Literatura comentada. São Paulo. p.143.
72
Figura-29 Piet Mondrian Broadway Boogie Woogie [óleo sobre tela 127 x 127cm. Museu de Arte Moderna de Nova York, 1942/43].
Tal evocação, a quebra de limites, já aparecia visível em Mondrian
que, embora “comprometido com a pintura de cavalete como uma
atividade essencialmente filosófica” 81, avistaria um certo idealismo
utópico na certeza de que a beleza da arte, transferida para o ambiente,
abriria mão da própria pintura como veículo de expressão. Arte,
arquitetura e design reunidos, em total harmonia ambiental.
Ao lançar dados contendo verdades constantes, no que se refere à
universalidade das formas como “expressão do imutável” 82, Mondrian
81 GOODING. Mel. “Abstração no mundo: construtivismos.” Em: Arte abstrata. p.52. 82 GOODING, Mel. “A abstração e o invisível.” Em: Arte abstrata. p.30.
73
estaria ampliando o leque de incertezas quanto ao implante positivo
dessa própria ordem estética. Algo visível, por exemplo, nas palavras
taxativas de Kudielka de que Mondrian destrói.
A proposta do projeto expansionista do grupo (ao qual Mondrian
pertencia) reunido em torno da revista De Stijl, (fundada em 1917 na
Holanda) parece ocupar hoje uma posição destacada, e embora um tanto
lacunar, dentro da História da Arte, o que, segundo as palavras de
Ronaldo Brito, poderia ser entendido como “uma jóia do pensamento
idealista”83- adequada a uma “sociedade paternalista e autoritária”84,
“negação da subjetividade – tomada apenas e tão-somente como terreno
do confuso e do informal”85.
No pano curvo que conforma a vela da jangada, aparecem coloridas
em azul e vermelho, partes costuradas formando planos verticais e
horizontais, assemelhadas às imagens dos construtivistas. Parecendo
duvidosos de sua própria evidência artística, o traçado rijo das superfícies
coloridas ganha outra consistência diante do vento a lhe inflar as
entranhas. O aspecto geral da jangada sugere reverência, algo próximo
àquilo que Rodrigo Naves citara ao falar de uma obra de Amílcar de
Castro: “Combinação de civilidade e deleite, de adestramento e
satisfação”86: Em suma, uma certa compreensão topográfica e planar,
derivada da instabilidade daqueles que vivem na superfície do mar, quase
que por antítese e a propósito dela.
83 BRITO, Ronaldo. “De Stijl. Em: Neoconcretismo”. p.18. 84 Idem, p. 19 85 Id., ibid. 86 NAVES, Rodrigo. A forma difícil. p. 225.
74
Figura-30 Fortaleza-Lisboa. [detalhe da instalação. São Paulo, 2004].
A vela, resistente à pressões ordenadoras, reivindica certa
problemática ao se mostrar positivamente presente ao cerne popular.
Quase como um ícone da relutante sobrevivência de algumas das
populações nordestinas propõe a si mesma a seguinte tarefa: fazer
coincidir a dureza, vital à sobrevivência popular, aos contornos rígidos do
pensamento ‘erudito’. Talvez até por tal inusitado, a jangada pareça um
tanto, cenográfica no espaço de exposições da bienal. E nada poderia ser
melhor: assemelhar-se falsa para ressaltar a veracidade da própria arte.
Num certo sentido a jangada era o que havia de mais verdadeiro naquele
lugar. Não porquê apenas conduzida poeticamente por Barrio daqui para
ali, vida e arte ou vice e versa, mas porque exibiria dentro do núcleo
artístico oficial, um diálogo refeito na periferia da própria instituição.
Em certo sentido a jangada se assemelhava à trajetória de Barrio no
que concerne à arte. Metamorfose do pano branco que forma a vela da
jangada. Evidência de novas formas. Um correlato da sabedoria popular
que não só cria, mas toma de empréstimo como que por afeição, a
imagem. Melhor dizendo, o esforço formalizador dos artesãos em tornar a
75
experiência metamórfica do sobre as águas num ancoradouro muito
distante da impessoalidade construtiva. Permitiu o artista, num instante de
visão deixar que Mondrian viesse à tona. Paradoxalmente do mar.
Lentamente trazido pelo olho que fita contemplativo o horizonte. E num
instante, o ready-made torna-se reconhecível. Barrio olha, julga o objeto,
retira-o do mar para o centro internacional da arte.
4.3 A escolha de Olympia
É preciso retomar Manet, o artista viajante que por força da
curiosidade, aporta na Baía de Guanabara em meados do século XIX.
Sua viagem em direção ao novo mundo não é inédita, diante da simpatia
dos pintores viajantes pelas cores inusitadas dos diferentes povos. Um
certo olhar sempre atento a exotismos locais, que também marcaria a
pintura de Manet.
Trata-se mais especificamente da tela Olympia (1865), trazida à luz
da imagem e conduzida ao apedrejamento pela crítica francesa quando
levada a público. O inusitado que aqui se coloca não está no clamor
negativo da crítica, nem na discussão entre as origens das figuras – do
oriente ou do ocidente - mas no direcionamento futuro que tal obra
pareceu apontar. Entre suas várias descrições, incluindo aquelas que
tentavam agregar perjúrios às figuras que aparecem no quadro - os
adjetivos foram muitos e mostraram-se espalhados em mais de setenta
textos feitos pela crítica na ocasião - uma delas parece singular e
fundamental. E a feita por T.J. Clark ao citar uma frase conclusiva de
Baudelaire, abreviada em uma carta a Manet : “O quadro de uma mulher
nua com uma negra e um gato”.87
Baudelaire levava de assalto para a tela palavras que ecoariam
como três marteladas diante das revelações diáfanas da luz na pintura. O
que poderia incomodar mais a fatura naturalista que ser alçada, ainda que
de modo muito sutil, como uma bela colagem da pintura?
87 CLARK, T.J. “A escolha de Olympia”. Em: A Pintura da vida moderna. p.148.
76
Figura-31 Édouard Manet, Olympia, [óleo sobre tela, 130x190 cm, Musée D’Orsay, Paris, 1863].
Manet guardaria sintonia com aquilo que ele próprio classificara
como a pintura da vida moderna: sinais visíveis da modernidade que não
surgiriam apenas da fluidez cromática que quase iguala o todo ao fundo
escuro e manchado que envolve as figuras, escuro e manchado; mas na
deliberada frontalidade do nu. É como se Manet, ao agrupar os três
elementos de forma tão pragmática junto ao meio pictórico, cobrasse do
espectador uma resposta impossível. Um dizer aquilo que não há. E
Baudelaire foi o primeiro a não conseguir falar dessa franqueza
perturbadora de Olympia.
Talvez um dos problemas da obra, na época, não tenha sido o fato
de ser uma cortesã a retratada, mas de mostrar a tela uma excessiva
integração à dinâmica de seu tempo. Tomada de empréstimo. O fato é que
a pele da mulher possui colorações semelhantes a do pano sob seu corpo
e mantém-se luminosamente voltada quase para fora da tela, como se pudesse
adentrar a qualquer momento no campo físico do espectador. Enquanto isso negra
e o gato retraem-se quase diluídos diante do fundo escuro, fundo que conecta os
elementos e estabelece uma distância entre criação e objeto de arte, o que no contexto
contemporâneo se aproximaria do coeficiente artístico de Duchamp.
77
Ao tentar decifrar o ato de criação, Duchamp designou ao público a
tarefa de contatar a obra de arte ao mundo exterior, decifrando e
interpretando suas qualidades intrínsecas. Segundo ele, isto aconteceria
porque existiria uma lacuna a suprir, uma vez que durante o ato criador:
O artista passa da intenção à realização, através de uma cadeia de reações totalmente subjetivas.(...) O resultado deste conflito é uma diferença entre a intenção e a sua realização, uma diferença de que o artista não tem consciência.88
Parece um ato taxativo. Olympia intriga, como jangada vinda do mar,
como um objeto do mundo. Como recusa-se a ser.
4.4 O reverso do mesmo lado
A última etapa do projeto/idéia Fortaleza-Lisboa, pensada
atualmente como uma única obra, foi desenvolvida em 2004, para XXVI
Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Diferindo da instalação de
2001, na UERJ, em que a galeria se destinava totalmente àquela obra, na
Bienal, com pouco espaço para respiração, a instalação nasceria com
uma tarefa a cumprir de imediato: a de manter-se de pé diante das
interferências de outras obras expostas. Não fosse Barrio complacente e
muitas vezes partidário de tal problemática, Fortaleza-Lisboa/2004
poderia comprometer-se diante desse fato.
Sem os mesmos ecos das edições anteriores, principalmente a
comemorativa do Brasil 500 anos em 2000, a XXVI Bienal Internacional
de Arte de São Paulo tentou tomar fôlego mediante a promessa, pouco
contestada e um tanto desgastada, de ideais de liberdade, que parecem
espelhar-se tanto na gratuidade do acesso público, quanto no fundamento
curatorial, que levou o espectador, em vários momentos, a ter a sensação
de estar diante de uma livre parafernália enlouquecida.
Diferente e ainda assim indistinta da Fortaleza-Lisboa/ 2001, esta
não se revela completamente de imediato. Carece que seja rodeada de
modo a que o espectador possa decifrar lentamente todas as ondulações
88 DUCHAMP, Marcel. “O Ato criador”. Em: BATTCOCK, Gregory. A nova arte. p.73.
78
que promove. De uma jangada, agigantada em sua posição no interior do
prédio da Bienal, aparentando-se a um marco urbano, partem quatro
braços sugeridos por cordas, que terminam ancoradas em estruturas de
madeira em formato de cruz. Próximos da jangada e em direção
diametralmente oposta, um sofá velho e empoeirado e uma vitrine
(contendo cadernosLivros e material da exposição anterior Fortaleza-
Lisboa) dialogam com o barco de mais de quatro metros de altura. Tanto
ele quanto o sofá estão sobre um “tapete” de areia que delimita sua área
sobre o chão negro.
É tentadora a proposta de pensar tais instalações como partes
específicas de um único processo, como uma obra em construção, e do
mesmo modo avaliá-las como elementos distintos, atrelados
forçosamente pelo título. Diferente da montagem de 2001, a Fortaleza-
Lisboa de São Paulo teria que, como tarefa primordial, tornar-se
impositiva diante do conturbado entorno. Daí a sensação de difusão da
obra, para além de sua área de ocupação, estar paradoxalmente
ancorada na contenção da areia sob a jangada e o sofá, formando um
desenho sobre o chão, contornando os elementos. Barrio pareceu
perceber que a expansão da areia, tal qual a do sal grosso em 2001,
poderia surtir um efeito delimitador diante da espacialidade do pavimento
térreo da Bienal.
Há em Fortaleza-Lisboa um chão marcado. Um chão de praia,
preservado nas pegadas que o mar não apagou. As impressões deixadas
pelos passantes no sal e na areia, não mais descrevem pistas precisas
sobre os diversos rumos. São registros que, duvidosamente, contam a
história do movimento dos corpos humanos dentro da obra, um indício de
que ali teriam ocorrido deslocamentos reveladores. A estranha certeza de
que quanto menos se identificam pegadas e direções, mais movimentos
houve. Poderiam assemelhar-se, em certo sentido, a uma das tarefas primordiais
da arte: a de serem desenhos?89 Talvez, se a crença for de que o desenho pode revelar
mais do que sua simples descrição do visível a partir da qualidade do traço.
No caso das instalações de Barrio o chão, tomado como matriz de
89 CALDAS, Waltércio. “Desenhar” ..Em: CANONGIA Ligia (org.). Waltércio Caldas 1985/2000. p.126.
79
impressão, poderia revelar marcas da gestualidade do artista? Seria tal
revelação resultante da equação precisa entre a obra estática e o
espectador em movimento? Então, imaginar o quanto o visitante de uma
instalação de Barrio teria caminhado sob as camadas de sal e de areia
seria interessante? Que trajetória teria o fixado mais? Que pontos de vista
teriam sido requisitados à compreensão da obra? Os solos de sal grosso
e de areia poderiam ser pensados poeticamente como correlatos físicos
de um mar revolto [no caso do sal grosso] ou de uma praia abandonada:
nenhuma certeza diante de uma clareza excessiva. É como se a
verificação minuciosa de alguns detalhes fizesse sentido diante da
compreensão clara e ampliada do conjunto. Partes específicas de
movimentos singulares num todo indivisível e cambiante. Sal e areia
permitem acender a chama do apagamento daquilo que, em certo
sentido, teria sido mapeado pelos passos do espectador. E, ainda assim,
haveria um gesto maior, uma vontade do Artista de que tal acontecimento
fosse compreendido em sua agregação. Gesto também escultórico, que
se instala em camadas invisíveis de sensações, curiosidades,
desentendimentos, que o Artista pareceu querer buscar no silêncio tópico
da matéria. Uma linhagem da escultura diferenciada pelo agregar invisível
do deslocamento dos corpos. Seria, então, uma metáfora de viagem?
80
Figura-32 Fortaleza-Lisboa. [detalhe da instalação. São Paulo, 2004].
Figura - 33 Carl Andre. Lament for the Children. [detalhe da instalação. Long Island, 1976].
81
A deliberação desse recobrimento do solo indica a repetição de um
gesto histórico da escultura: o ímpeto primitivo em cobrir e empilhar. O
que nas palavras de David Batchelor, ao referir-se à obra de Carl Andre,
seria caracterizado como “um senso profundo quase primitivo de (...)
relação com o passado”.90 Batchelor conta que Andre teria levado para a
escultura experiências do trabalho na Pensylvania Railroad na Inglaterra,
e de sua visita aos sítios pré-históricos de Stonehenge e Avebury.
Experiências que reuniriam jornadas emblemáticas de naturezas opostas:
uma seria “um confronto no mais alto grau com a modernidade”91, ao
passo que a outra representaria “um ponto de contato com o passado
arcaico”92. Ou seja, Andre teria buscado caracterizar sua obra dentro de contingências contemporâneas e passadas, de forma a demolir a
distinção entre diferentes modos de temporalidade. Procura esta que
estaria justamente no centro de discussão de um dos fundadores da arte
moderna: Charles Baudelaire.
Escrito por Baudelaire em 1863 o livro O pintor da vida moderna,
nas palavras de Batchelor seria:
em parte um apelo aos artistas para fundir “o efêmero, fugidio, o contingente” de sua modernidade com o “eterno durável” das tradições herdadas, de modo a salvar a arte do duplo destino do academicismo mortal ou da ilustração sem vida. 93
Ainda segundo Batchelor, Graig Owens teria citado tal dupla
destinação como “uma característica-chave do impulso alegórico nas
artes modernista e pós-modernista”94/ em uma coexistência de estados
qualitativos, quantitativos e contrários. Um tipo de experiência para ser
mostrada na arte contemporânea, sem nenhuma contradição visível. E,
entre as duas e única Fortaleza-Lisboa, isso também ocorreria.
Impulsionadas, não só pelo título, as formas desenvolvidas para os
diferentes espaços do Rio de Janeiro e de São Paulo submetem-se, ao
mesmo tempo que também submetem o entorno a sua vocação plástica,
sugerindo distinção e aproximação, pistas que a todo momento poderiam
90 BATCHELOR, David. Minimalismo. p.60. 91 Idem. 92 Id., ibid 93 Idem. p.62. 94 Id., ibid.
82
enganar ao espectador. Daí as provocações da matéria, se estabelecidas
comparações entre os elementos que integram as duas instalações,
parecerem a todo instante aproximar-se e se afastar. Relações entre o sal
que aparece muito e a areia que se revela pouca; a escala, reduzida da
primeira jangada e real da segunda, bem como sua forma de
posicionamento, delicadamente suspensa a partir do teto ou
vigorosamente presa ao chão; a escolha na distribuição visual dos
cadernosLivros, ordenados nas paredes ou amontoados dentro da vitrine;
a luz fraca e o desenho frouxo do cabo de energia, na primeira versão; a
feérica luz-ambiente e as tensas cordas da segunda; a presença única do
objeto jangada, centralizando o olhar do espectador, contra a presença do
sofá e da vitrine, dispersando a visão; a frase sobre a linha do horizonte,
organizando o posicionamento das pessoas no ambiente da galeria
carioca, versus a verticalidade impregnante da grande jangada da Bienal.
F igura - 34 For ta leza-L isboa. [deta lhes da ins ta lação. São Paulo, 2004] .
83
Figura - 35 Fortaleza-Lisboa. Detalhes da instalação. São Paulo, 2004].
Não gratuitamente as Fortaleza-Lisboa percorrem caminhos
bipolares, ainda que poeticamente assentadas em bases históricas.
Coube ao Artista um movimento inusitado diante do colóquio obrigatório
com o mar dos navegadores portugueses. Resolver junto à História a
possibilidade traumática de trazer as águas para o interior asséptico de
uma galeria de arte. Manobra que resultaria em revirar as dobras do
oceano para terra. Em tornar sólida a salinidade da água do mar. Tornar
tátil a linha do horizonte. Ação enfrentada ao equacionar escrita e
desenho. Em vez de um horizonte à trompe-l’oeil a mediação fica por
conta daquela frase marcante:
A LINHA DO HORIZONTE DETERMINA O ESPAÇO.
5 Conclusão
Desde o momento em que Barrio definiu rumos precisos para o solo
de sua atuação, o olho esquerdo, o da arte, voltou-se para o direito, o da
vida, e vice-versa, por força da indistinção dos olhares. Procurado e
achado, o Artista transgressor estaria pronto. Restava torná-lo parte de
um capítulo da arte brasileira.
Se, atualmente, nos deixássemos levar apenas pela sombra
marcada do Barrio antiinstitucional, teríamos que olhá-lo como alguém
que joga o jogo da arte, do lado de fora, de um dentro que não mais
existe. Até porque não haveria espessas camadas a atravessar para
quem de imediato ergueu a clava da experiência sob o toque genial de
Duchamp. Afinidade que mais tarde apareceria proclamada pela voz da
crítica e em suas próprias palavras ao mencionar, por exemplo, seu
ready-made do acaso95.
Para Barrio realizar obras que retornem ao diálogo com a fatura
visceral das décadas de sessenta e setenta, é uma forma de trazer, sob
novas colorações, o pulsar febril da radicalidade de certas ações:
Nos meus 53 anos achei que tinha terminado essa experiência, de que um trabalho não poderia ter conexão com um outro, em termos de aparência ou o que fosse, era isso o que eu procurava (...) hoje meus trabalhos têm certa relação com algumas coisas realizadas nos anos setenta, nos anos sessenta.96
Parece truque do campo do aprendizado. Retomar como medida de
segurança sua própria trajetória, reavaliar percursos, e trazendo à tona
questões relevantes. Sim, Barrio pretendia unicizar-se pela ruptura com o
contexto de arte. Abrir novos caminhos. Resistir a todos os
enquadramentos. Tarefa ainda no horizonte.
95 Referência à jangada que integra Fortaleza/Lisboa de 2004. 96 Catálogo da exposição na Galeria Arte 21. Entrevista com o artista. Não paginado.
86
Acho que a única maneira da arte que está sendo feita aqui no Brasil ter uma presença maior nesse painel internacional seria com uma força de rompimento estético com todos os padrões vivenciados ainda hoje em dia.97
Situação...Ohhhh, realizado no Salão da Bússola (MAM, Rio de
Janeiro, 1969), possui como registro imagens fotográficas que junto ao
título não deixam dúvida. A repugnância quanto ao manuseio das trouxas
ensangüentadas não é menor do que àquela revelada diante dos
mecanismos de controle que guardavam a nação naqueles anos de
chumbo. Daí, a arte marginal tornar-se preservada pelo foco da exclusão,
cabendo ao artista arremessar, de forma radical, contra a porta de entrada
do MAM as cartas que já haviam sido escritas pelas muitas vanguardas
do século XX (surrealismo, dadaísmo, construtivismo, De Stijl) sobre e
sob a luz da discussão da morte da arte. Para Sheila Cabo, Barrio é
alguém que:
sabedor da impossibilidade da vitória da obra como um todo no universo desagregado e desagregador de seu tempo, gera, negando e afirmando a arte nos seus fragmentos, a própria integridade que a possibilita viver.98
A palavra integridade em Barrio parece ser um norte. Quando se fala
da desestruturação do real racional; quando se mantém de pé diante da
impossibilidade de tornar sua obra permanente; quando alçou para seu
próprio corpo o risco de esgotamento, como em 4 dias 4 noites. Coisa,
aliás, que sublinha a igualdade entre o corpo e objeto a partir de
imperativos muito precisos: desregular a função e a natureza da arte.
Afirmação que toca o cerne de questões arraigadíssimas na arte, e que
em Barrio parecem, de imediato, suspender a figura do Artista do território
comum quando, por exemplo, aponta forçosamente, sua noção
contemporânea do relacionamento obra e público. Uma Noção que pode
ser melhor compreendida a partir da afirmação contundente de que “o
espectador não faz a obra”99. Frase recente, e no entanto, reveladora de
contornos, diametralmente opostos à interação efetiva entre sujeito
97 Id., ibid. 98 CABO, Sheila. “Barrio: morte da arte como totalidade”. Em: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira. p.99. 99 BARRIO, Artur. “A insubordinação de Artur Barrio.” Em: http://pphp.uol.com.br/tropico/html.
87
(espectador) e objeto(obra) marcada em alguns dos seus trabalhos
anteriores. É que Barrio, agora toma como medida o abandono da
“tradição milenar pitagórica”100 que coloca a obra como o centro de um
processo construtivo mediado pela observação do espectador e ampliada
em solo moderno pelo manejo do tato.
No entanto, o corpo, vale seu próprio, ainda é um suporte que têm
como virtude poética assenhorar-se de sua própria fragilidade. Qualidade
marginal-guerreira, que o Artista ironicamente instaura nos registros
fotográficos que incluem a memória dos processos. O fato é que, deixaria
em suspenso uma pergunta, ao declarar, em entrevista ao curador Afonso
Henrique da Costa, ser o primeiro e talvez o único no Brasil a tocar a
clave da arte efêmera sob a ótica marcada da decomposição orgânica dos
materiais, uma poética que qualificaria como relação simultânea e
indistinta do “nada como o nada e do tudo com o nada”101; deixaria em
suspenso uma pergunta: Eis a pergunta:
Você me considera então o que? Um terrorista poético?Um artista?Um louco?Um alucinado?Ou um comediante que quer sacanear todo mundo?102
5.1 Circuitos ideológicos /4 dias 4 noites/ ready-made
Certos críticos e historiadores têm como mote avaliar percursos
artísticos tomando por base certa evolução. Talvez por força da herança
cultural ainda atrelada a linearidade do contar histórias, aprende-se que
um artista começa trabalhando, assim, de uma determinada
maneira,depois, de outra. Exemplo disso é a fala marcante, na História da
Arte, que aponta para a tamanha coerência linear e formal de Lygia Clark,
colocando sua obra como modelo passível de ser lido ao revés.
Cabem perguntas: Teriam os artistas um percurso linear a seguir?
Estariam inexoravelmente, de alguma forma, atrelados a fases artísticas?
100 Id., ibid. 101 Id.,ibid. 102 Id.,ibid.
88
Seja lá como for, as perguntas surgem para todos, e Barrio não ficou
isento de ter, durante certo tempo, sua imagem associada à radicalização
e à marginalidade dentro da arte. É como se a crítica esperasse sempre
por uma nova trouxa ensangüentada, ou olhasse para a produção dele
por entre as entranhas do Livro de Carne. Barrio ficou idealizado como
artista-marginal, mas apenas no imaginário. E, quando as coisas
mudaram de forma, diga-se de passagem no cerne do âmbito
institucional, percebeu-se que a crítica, capaz de vibrar diante dos novos
trabalhos é a mesma que conserva uma certa nostalgia do Artista das
décadas de sessenta e setenta.
Talvez tais constatações não sejam propriamente um problema,
naquela época Situação T/T,1 e Situação...Orhhhhh foram realmente
pontuais à resistência, ao meio institucional e, conseqüentemente à
ditadura militar, ainda que de modo bastante indireto. E mesmo que
ocupem esse lugar dentro da História da Arte, tais obras não foram um
ponto de partida para que o artista seguisse militância política alguma.
Barrio declara:
Fiz Arte Social e descobri que o meu engajamento, como o engajamento de todo artista, é perigoso para a arte. Porquê quando a esquerda chega ao poder o artista vira um artista oficial. E quando percebi isso tive um choque muito grande. Ser um artista de sucesso me soou estranho e contraditório, e na Europa passei a trabalhar apenas em espaços alternativos.103
Certamente que tal engajamento poderia vir a ser problemático, se
tornado, para além de sua poética, a própria cela. Como exemplo as
palavras de Luci Lippard, no texto, O Dilema, são claras: “Não há razão
para que um artista saia da Arte para política”104.
Lippard pareceu estar convencida de que tal junção arte/política
seria uma forma de admitir uma estrutura de falsos valores. Uma
possibilidade de encerramento poético dentro de uma determinada
moldura. Na verdade, estaria, também, apontando os desvios que
poderiam levar artistas a diluírem sua arte, usá-las para “outro propósito
103 MARTINS, Alexandre. “Barrio de mal com a arte social”. O Globo, Rio de Janeiro, 10 mar.1988. 104 LIPPARD, Lucy. BATTCOCK. Gregory (org.). “Antiarte e crítica”. Em: A nova arte. p. 184.
89
que não sua razão inicial de existir”105. No entanto, não se furta a afirmar
que atos legítimos de protesto foram cometidos, ao citar como exemplo a
retirada de trabalhos de exposições.
Pelo que se leu acima, pareceria sugestivo concluir que aos olhos de
Barrio as palavras de Lippard não estariam propriamente expurgando a
aproximação entre arte e política, mas os mecanismos e prováveis danos
que envolveriam tal operação, ficando no ar a questão: existiriam limites
precisos para que a arte não viesse a se desviar daquilo que Lippard
consideraria como a razão de sua existência?
O aparente caráter de desvio que arte brasileira (ou parte dela)
passa a tomar durante as décadas de sessenta e setenta, não nascera do
bojo repressivo e político como algo inusitado para a arte. A negação aos
mecanismos institucionais de veiculação e dos materiais utilizados, já
havia sido apontada pelo dadaísmo ao qual Barrio se refere como um
norte, por Andy Warhol, Roy Lichtenstein e pela própria corrente
conceitual. Tal apego em negar a função e o valor da arte – inclusive,
para outras formas de expressão: cinema, teatro, poesia e música – cairia
como luva, e bomba, dentro da efervescência instaurada pelo AI-5, em
1968. Dos artistas que puderam permanecer no país, restou o
abrandamento de qualquer referência ao social. E nesse momento junto
ao grupo composto por Cildo Meireles, Antonio Manuel, Luiz Alphonsus,
Guilherme Magalhães Vaz e Thereza Simões, Barrio toma como poética –
e de modo muito particular – o seguinte dever: Desestruturar códigos de
conduta no ”exercício de viver a Invenção de comportamentos e
linguagens até o limite máximo.106”
O Projeto Coca-Cola (1970) de Cildo Meireles é um bom exemplo da
conjugação de engajamento e arte, que toma, como lugar de ação, os
mecanismos de circulação.
Enviado à exposição Information107, o projeto de Cildo integrava uma
prática conhecida como Inserções em Circuitos Ideológicos. Nela, o artista
105 Idem, p.187. 106 CABO, Sheila. “Barrio: Morte da arte como totalidade”. Em: BASBAUM, Ricardo (org.). Arte contemporânea brasileira. p.99. 107 Mostra Internacional de arte ocorrida nos meses de abril e maio de 1970 no Museu de Arte de Nova York.
90
utilizaria determinada mercadoria para a veiculação de diversas
ideologias, apostando na própria lógica de circulação comercial. Práticas
que trariam implícitas a noção de meio circulante, “como no papel moeda,
e na embalagem retornável, como a garrafa de bebida.”108 Inserções em
circuitos ideológicos enviada a Information constava de dois projetos
descritos pelo artista da seguinte forma:
Projeto Coca-Cola: gravar nas garrafas informações, opiniões
críticas e devolvê-las à circulação.
Projeto Cédula: gravar nas cédulas informações, opiniões críticas e
devolvê-las à circulação.
Figura 36 - Cildo Meireles. Projeto Coca-Cola. [registro fotográfico.Coleção do New Museum of Contemporary Art, Nova York, 1970].
108 HERKENHOFF, Paulo. Ensaio. Em: Cildo Meireles. p. 48.
91
Para o catálogo da exposição Cildo Meireles escreve o texto
“Cruzeiro do Sul” em que aponta a característica principal do processo:
Fazer o caminho inverso dos ready-mades, Atuar no universo industrial. Não mais o objeto industrial colocado no lugar da arte, mas o objeto de arte atuando no universo industrial.109 Também Barrio expôs uma de suas obras na Information,. Mais
tarde, em entrevista, declara:
Eu mandei um trabalho [“Situação T/T1”, 1970], umas fotografias do registro, e eles ampliaram para 1 metro, 1,5 metro, colocaram nas paredes e também mostraram o filme de 16 mm feito em Belo Horizonte. (...) Eu não fui à exposição porque não houve interesse... nem tinha meios, nem sabia falar ‘I don’t love you’.
Parece possível entender a dificuldade que rege a compreensão do
Trabalho/Processo 4 dias 4 noites e a recusa violenta do Artista em não
ter sido registrado por foto ou filme. Essa obra muito e nada tímida, se
observada a partir de uma importante declaração de Barrio, poderá
revelar algo mais além do que já foi mencionado anteriormente.
Eu achava que esse trabalho o “4 dias 4 noites” estava sendo captado pelo MoMA
(Information). Então todo o processo de trabalho, digamos assim, estaria sendo transmitido para essa exposição. E isso eu nunca comentei.110
Ao tecer tal afirmação Barrio estaria elevando sua experiência ao
grau máximo e possível de impermanência, se verificado como ponto de
interesse, apenas o canal mental aberto entre o Artista e o MoMA. Um
magnetismo por Clark e Oiticica, ampliados por Barrio, de forma
impensada, já que o corpo físico estaria convertido em pura reverberação
sensorial. Pensamento revertido em fragmento de ação no mundo, tal
qual os materiais verdadeiros de Rosenberg111.
Talvez aqui estivesse registrada a máxima Arte=Vida – e
venha daí uma certa relutância do Artista em propor um objeto
concluso chamado 4 dias 4 noites, e de até mesmo descrever
109 HERKENHOFF. Paulo. “Um gueto labiríntico: A Obra de Cildo Meireles” Em: Cildo Meireles. São Paulo, Cosac & Naif, s/ data. p. 48. 110 Declaração de Artur Barrio em entrevista sobre o Trabalho/Processo 4 dias 4 noites. 111 Cita como exemplo, terra, pedra, madeira, carne etc.
92
imediatamente o Trabalho/Processo. E se a indistinção entre Sujeito e
Objeto também aqui é um norte, talvez Information pudesse colorir-se
como um imenso ready-made da instituição, tomado de assalto ao 4 dias
4 noites, vindo por um canal aberto ao pensamento e de encontro ao
processo.
A lógica do Artista revela o caráter ampliado a que pretende.
Informação à distância. Evocar a forma ostensiva pelas quais as
coincidências afirmam seu rumo, fazem espocar aqui e ali, mesmo à
distância, idéias afins. Declara Artur Barrio: “De certa maneira, o trabalho
feito para o MoMA é esse, o 4 dias 4 noites112”
5.2 No horizonte a mensagem escrita: Fortaleza-Lisboa
No catálogo sobre Fortaleza – Lisboa feito para a exposição que
ocorrera em 2001 na Galeria Cândido Portinari, na UERJ, Barrio
desenvolve um texto especialmente para aquela instalação. (Anexo II)
Antes de passarmos aos escritos é necessário observar as palavras
de Max Ernst em Sobre o frottage, de 1936:
Olhando atentamente para os desenhos assim obtidos, as partes escuras e as de suave penumbra, fui surpreendido pela intensificação sutil de minhas faculdades visionárias.113
Embora o conjunto desenvolvido por Barrio não se assemelhe a um
desenho, não há como não percorrer tal agrupamento sem ter a sensação
de que surjam massas nucleares clamando todas por imediata atenção.
Um conjunto estelar que também se assume na dureza de um bloco
constituído por palavras e pontos.
O movimento vocabular trêmulo, de lá para cá e vice-versa, é
abrandado pela linearidade das margens, que lhe confere um caráter
programático, como se o texto pudesse adentrar em qualquer área que
lhe desse por convite a proporção. Assim, trazer Ernst para a escrita de
112 Declaração de Artur Barrio em entrevista sobre o Trabalho/Processo 4 dias 4 noites. 113 CHIPP, H.B. Teorias da Arte Moderna. p.434.
93
Barrio é deixar que as palavras surjam quase como aparições. Palavra
por palavra o texto vai sendo lido no estilhaço que atrái a atenção do leitor
num seu particular pulsar. A massa mais densa, que inicialmente acolhe a
visão, logo é diluída pelas áreas pontilhadas que arejam o conjunto.
As idéias em palavras, muito próximas da poética Dadá (Anexo I),
parecem imersas dentro dos limites estabelecidos no papel. Poesia ou o
blefe, como diria Walter Benjamin, a ordem em Barrio é:
Propor uma trama que magnetize o espectador a ponto de forçá-lo
recorrer a sua própria ingenuidade, trazendo-o para dentro do vasto e
compacto jogo de palavras.
Os pontos de contato com os surrealistas e dadaístas são muitos.
Além da aproximação física com a poesia optofonética de Haussmann e
sonorista de Man Ray, a poética de Francis Picabia também teria lhe
inspirado a utilizar a noção tanto de linguagem quanto de arte visual como
sistemas de representação distintos mas relacionados; e da forma
clássica e quase matemática de Kurt Schwiters, “capaz de absorver
conteúdos inconvenientes tão veementes como Lessing e Goethe jamais
os tinham imaginado114”.
Relacionar, aqui, linguagem e arte visual significa investir a favor de
um sistema que se constrói introspectivo e particular. Cada palavra
necessita de tempo, de respiração, de digestão. As idéias vão se
somando liricamente, reunindo a experiência à lembrança de algumas
sensações e do desencadear da memória numa singular e evidente
dureza textual. Ao final, mantendo um certo afastamento do bloco de
palavras, integrado quase como a assinatura do autor, Barrio propõe a
seguinte frase.
_______a linha________do horizonte____determina_______o espaço_________
A frase é afirmativa, não há dúvida. Mas Barrio prefere fraturá-la,
ampliá-la em intervalos. O que talvez lhe confira certa dúvida, quanto a
sua própria horizontalidade, já que a linha também não mais remete o
espectador a coisa alguma. Vista como um todo, ela pode parecer 114 RICHTER, Hans. dadá: arte e antiarte. p.193.
94
reveladora das muitas incertezas do homem. Barrio pareceu compreender
que a própria noção objetiva de espaço – qualificada por Panofsky e
citada por Crristopher Wood como “objetivação do subjetivo”115
(passagem da objetividade artística para o campo fenomenal, proclamada
pela linha do horizonte) – deveria ser elevada a condição imediata de
trompe-l’oeil . Daí a própria diluição do conjunto nos convidar ao
movimento de retorno à leitura. E aqui cabe aproximar instalação e texto.
À falta excessiva de uma ordenação comum e cotidiana, obcecada
pela presença fantasmática da métrica tradicional. Talvez, logo de início, a
sensação de sentir as palavras seja percebida a marteladas. Forma que o
rasgo das paredes teria recolhido para dentro do útero, ao preferir a lisura
da malha textual à visibilidade aflitiva da marca da pancada. A opção
pelo destaque de algumas palavras, escritas em caixa alta,
conseqüentemente estabelece sua hierarquia, diante da recusa em domar
as oscilações do mar. Apropriação das palavras. Informação! Lê-se
primeiro, não exatamente nessa ordem:
.....SOZINHO NO OCEANO SALGADO SEM NADA MAIS DO QUE O EU DISSOLÚVEL.......
ALTITUDE AZIMUTE RETA PONTO
VAGAS ONDULANTE VENTO(S)
Essa frase inicial revela um corpo consciente de sua fragilidade
diante da imensidão do oceano. Sujeito poético que retoma a filosofia de
Merleau-Ponty, quando busca localizar-se no espaço mundano da água a
partir de sua própria consciência perceptiva. Não há como priorizar um
norte, mediar dia e noite. Trava-se o embate da razão e da consciência,
sem denominar vencedores. As primeiras palavras não permitem
quaisquer dobras – ALTITUDE, AZIMUTE, RETA, PONTO. Buscam
solucionar o logro da visão a partir de eixos impossíveis para quem está
dentro do mar. Metáfora de oceano que logo reconduz ao espaço fictício
da Galeria Portinari, à possibilidade de instaurar o inquérito a favor da
autoridade da razão. Coisa que é imediatamente levada à suspensão 115 PANOFSKY, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. p.15.
95
diante da devolução de palavras incertas como VAGAS, ONDULANTE,
VENTO(S).
Em alguns momentos ocorre uma inexplicável sensação que o texto
de Barrio poderia ser penetrado, tal qual camada de chocolate para o
irresistível mergulho do dedo, mas o caráter escultórico é o da água, o de
espelhar o outro sem deixar-se marcar. Por isso o texto convida ao
mergulho, mas não se abre em brechas; é liso, porém penetrável; não há
fissuras visíveis em sua superfície, embora isso não signifique um
anteparo à introspecção.
O modo de aparição é discreto diante da experiência do olhar. A
epiderme vai se revelando, lentamente, incômoda diante de sua pouca
lisura. O chão da poesia é também o chão da galeria, aliás são todos os
chãos por onde Barrio caminha: espaço ondulante sobre espaço fixo
aparente, pele dada ao inverso, tal qual a ordem poética, que ao
espectador só faz problematizar. Coexistência tensa e paradoxalmente
pacífica desse duplo incerto: interior exterior, dentro e fora, obra e mundo,
sobre ou sob as superfícies de terra, de sal grosso, de areia, de pó de café
etc. Chão que permite e sustenta a linha do horizonte sob o giro a 360 ,
tornando-se panorama.
O poema de Fortaleza-Lisboa é claro diante de si mesmo. O corpo
se desloca. Nada é impossível ou improvável a partir da territorialidade
horizontal que antecede, acolhe e dramatiza o próprio movimento humano
em sua obra. Extensão marcada no chão poético em que pretende
repousar e sistematicamente transformar a experiência junto ao solo em
situação limite.
Um bom exemplo estaria em Rodapés de Carne; quando os nacos de
matéria orgânica foram comprimidos sobre os rodapés da garagem em
Nice configurando-se, sob pressão, em extensão horizontal. Nada mais
improvável, para um pedaço de carne, do que retomar o caminho em
direção a sua própria dissolução, ver-se obrigado a “integrar” à estrutura
física de uma construção.
A síntese dessa horizontalidade, no entanto, requer a ampliação do
pensamento, e, para além das paredes, também os cadernosLivros
possuem tal curvatura ao conjugar a um só tempo dois núcleos de
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pensamento: como embriões de um processo e como o próprio processo.
Uma certa qualidade do ser/estar que enfatiza e vincula a obra a uma
espécie de verdade original.
Como exemplo dessa horizontalidade embora um tanto reservada em
sua feição simbólica, Lament for the Children, do norte americano Carl
Andre, pode ser um indício plástico dessa averbação de território, marcada
pela pontuação de um sistema de pensamento lógico. Uma aproximação
que toca a horizontalidade de Barrio e logo é lançada ao espaço pelo reino
das filiações poéticas. É que o solo em Barrio é gerador de energia, pólo
de expansão, matriz de impressão. Recusa frontal do encerramento da
lógica operacional.
Isto não significa, entretanto, que tal medida aconteça no bojo de um
fazer criativo inerente ao macrocosmo e estabelecido como antídoto à
gratuidade. É quase um imperativo a sua poética: estabelecer modos de
ação e de percepção do mundo. Talvez a frase ....SOZINHO NO OCEANO
SALGADO SEM NADA MAIS DO QUE O EU DISSOLUVEL..... possa ajudar a essa
compreensão. Enfim, em Fortaleza-Lisboa a fala é convidativa, e, sem
dúvida, ficando claro que a linha do horizonte determina o espaço maior
dessa leitura, cabe ao solitário navegante marcá-la como ponto focal de
interesse. Horizonte, que sob a luz do panorama, faz-se reconhecer no
instante do giro corporal. Algo que a superfície terrestre não pudera tomar
plenamente de assalto (com raríssimas exceções), por força de sua
própria geografia e natureza, e a grande cidade fizera questão de eliminar
da cena.
Propõe, a obra portanto, de FORMA silenciosa, tomar.........o
deslocamento físicoverbal humano............................ como medida para a
sua POÉTICA. Movimento ................genético que REGULA............ a
nossa permanência humana sobre o solo TERRESTRE...................
Enfim, propor à LINHA DO HORIZONTE, um pacto contemporâneo:
para a solidão do mar, fazer caber o giro. Para a introspecção da cidade,
fazer caber a trilha.
Tragamo-na de volta.
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SARZI, Regilene. Artur Barrio: Documentar é fundamental. Disponível em < http;//tvtem.globo.com> Visita em 05/02/2003.
104
7 Anexos
Anexo I
Raoul Haussman, Poema optofonético, 1918 Christian Morgerstern, Poema sonorista Man Ray, Poema sonorista, 1924
Kurt Scwitters,excerto da partitura da “Sonata primordial”, 1924-25
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Anexo II
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas
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