9

Click here to load reader

Stephenlaw

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Stephenlaw

Pseudoprofundidade

Stephen Law

Tradução de Aluízio Couto e revisão de

Eduardo Cruz

Alguns gurus do marketing, religião e estilo de vida têm insights genuinamente profundos

para oferecer. Outros oferecem pouco mais do que pseudoprofundidade. Pseudoprofundidade

é a arte de soar profundo falando nonsense. Diferente da arte de ser de fato profundo, a arte

de soar profundo não é difícil de dominar. Como veremos, há certas receitas básicas que

podem produzir resultados bastante convincentes – bons o bastante para convencer os

outros e talvez até a si mesmo de que você acaba de chegar a um tipo de insight profundo

sobre a condição humana. Se você quer atingir o status de um guru, será bom possuir algum

carisma natural e boa presença. Sinceridade e empatia, ou pelo menos a habilidade de

simulá-las, podem ser úteis. Acessórios também ajudam. Tente usar uma tanga, um barrete

ou, caso em um ambiente corporativo, um colete totalmente fora de propósito. Mas mesmo

sem o auxílio dos talentos naturais ou da parafernália, qualquer um pode proferir sentenças

que soam profundas e significativas caso esteja preparado para seguir umas receitas

simples.

Diga o óbvio

Para começar, tente assinalar o óbvio ululante. Apenas faça isso i-n-c-r-i-v-e-l-m-e-n-t-e d-

e-v-a-g-a-r e com ar de sabedoria superior. A técnica funciona melhor se seus

pronunciamentos focarem nos grandes temas da vida, tais como amor, dinheiro e morte. Por

exemplo:

Todos nós já fomos crianças uma vez.

O dinheiro não pode comprar o amor.

A morte é inevitável.

Diga o óbvio de uma maneira suficientemente cuidadosa. Após isso, uma longa pausa talvez

caia bem. No fim das contas, possivelmente você verá as outras pessoas acenando com a

cabeça em sinal de concordância e talvez até mesmo murmurando: “sim, quão verdadeiro é

isso”.

Page 2: Stephenlaw

Se contradiga

Uma segunda técnica é selecionar palavras com sentidos opostos ou incompatíveis e, de

forma enigmática, combiná-las no que parecer uma óbvia contradição. A seguir alguns

exemplos:

A sanidade é apenas mais uma forma de loucura.

A vida é frequentemente uma forma de morte.

O ordinário é extraordinário.

Essas sentenças são absolutamente impenetráveis e podem facilmente parecer profundas.

Na obra “1984”, de George Orwell, dois dos três slogans do Partido têm esse caráter:

Guerra é paz.

Liberdade é escravidão.

Ignorância é força.

Se você é um aspirante a guru, por que não produzir seus próprios comentários

contraditórios? A grande beleza de tais comentários é que eles fazem com que a audiência

faça o trabalho por você. O significado não é algo que você, o guru, dirá. Seus seguidores é

que terão a tarefa de decifrar.

Apenas sente-se, adote uma postura sábia e deixe-os fazer o trabalho intelectual. A ideia de

que a contradição é uma marca de profundidade por vezes aparece em contextos religiosos.

Não crentes irão supor que contradições no interior de uma doutrina religiosa revelam que

ela contém falsidades. Os crentes provavelmente vão encarar as mesmas contradições como

sinal de profundidade. Contradições têm também outras vantagens: uma série de afirmações

simples e não ambíguas é fácil de refutar, ao passo que não é tão fácil fazer o mesmo com

tais afirmações enigmáticas. Assim, se você pensa em iniciar sua própria religião e quer dizer

coisas que parecerão profundas e também invulneráveis à crítica, tente fazer afirmações

contraditórias. Afirme, mas então negue. Por exemplo, diga que seu deus particular é – e, no

entanto, não é. Que seu deus é tudo e nada. Que ele é um, mas ao mesmo tempo vários.

Que ele é bom, mas, uma vez mais, não o é.

Nada do que eu disse é equivale a dizer que tais afirmações aparentemente contraditórias

não podem ter algo de genuinamente profundo. Certamente, elas podem ser provocativas

(aposto que você é capaz de achar algum tipo de verdade em todos os exemplos mordazes

de Orwell). Mas, dado que a forma de contradições pode ser usada para gerar

pseudoprofundidade, é uma boa ideia não se impressionar facilmente.

Dois sentidos: verdadeiro, mas trivial; aparentemente profundo, mas falso

Page 3: Stephenlaw

Outra receita para gerar pseudoprofundidade, identificada pelo filósofo Daniel Dennett¹,

envolve dizer alguma coisa com dois sentidos, em que um desses sentidos é trivialmente

verdadeiro e o outro, embora pareça profundo, é falso ou puro nonsense. Dennett ilustra isso

com a expressão “O amor é somente uma palavra”. Em uma leitura, trata-se de uma frase

sobre a palavra “amor” (mas note que, se a frase é sobre essa palavra, então ela deveria ser

usada entre aspas). A palavra “amor” é de fato apenas uma palavra, tal como as palavras

“aço” e “concreto”. Vendo as coisas dessa forma, a frase é trivialmente verdadeira. No

entanto, lendo-a de outra forma, a frase não é sobre a palavra “amor”, mas sobre o próprio

amor – ou seja, sobre o que a palavra “amor” se refere. O amor é frequentemente definido

como um sentimento ou uma emoção. É ainda defensável que o amor seja uma ilusão. Mas,

definitivamente, o amor não é uma palavra. Portanto, nessa leitura, a frase “o amor é só

uma palavra” é obviamente falsa. Esse recurso se beneficia espertamente da ambiguidade

entre ambas as leituras. É a ambiguidade que gera a resposta do tipo “oh, uau” e que faz as

pessoas suspirarem, dizendo algo como “Meu Deus, o amor é de fato apenas uma palavra,

não é mesmo?”, como se tivessem dado de cara como algo terrivelmente profundo.

Banalogias

Aqui temos um modo particularmente eficaz de geração de pseudoprofundidade. Em primeiro

lugar, pegue algumas observações completamente banais sobre a condição humana, tais

como:

A vida é muitas vezes surpreendente.

As pessoas muitas vezes pensam que há algo faltando em suas vidas.

Deveríamos apreciar as coisas enquanto ainda podemos.

Deveríamos aproveitar ao máximo as oportunidades que temos.

Agora, recheie sua observação banal com uma analogia. Chamo banalogia o resultado. “A

vida é como um(a)” fornece um modelo popular. A seguir uns rápidos exemplos achados na

Internet:

Minha mãe sempre disse que a vida era como uma caixa de chocolates. Você nunca

sabe o que vai conseguir pegar. (Forrest Gump)

A vida é como um taxi. O taxímetro continua funcionando esteja você indo para

algum lugar ou apenas parado. (Lou Erickson)

A vida é uma pedra de amolar. Se ela nos tritura ou pole, depende de nós. (Thomas

L. Holdcroft)

A vida é como uma moeda. Você pode gastá-la do modo que quiser, mas só fará isso

uma vez. (Lillian Dickson)

Page 4: Stephenlaw

O resultado pode soar muitas vezes terrivelmente profundo. Sermões e homilias por vezes

envolvem banalogias. Alan Bennett fez uma engraçada paródia disso em seu sketch “O

sermão” (Bennett se apresentou usando uma coleira):

A vida, vocês sabem, é como abrir uma lata de sardinhas. Todos nós estamos

procurando pelo abridor. E imagino quantos de vocês que estão aqui esta noite já

não perderam anos de suas vidas nos armários de cozinha procurando por esse

abridor. Eu sei, eu também perdi anos. Já outros pensam que acharam o abridor,

não pensam? Eles abrem a tampa da lata de sardinha da vida. Mostram-nos as

sardinhas, as riquezas da vida, tiram as sardinhas da lata e as apreciam. Mas vocês

sabem: sempre há um restinho que fica agarrado no canto da lata. Então penso: há

um restinho agarrado no canto da sua vida? Sei que na minha há!

O autor Douglas Adams, irritado com as pseudoprofundidades do tipo “a vida é como

um(a)”, produziu uma surreal versão própria:

A vida... é como uma laranja-romã. É alaranjada, espirra em jatos e há nela alguns

caroços. Algumas pessoas têm metade de uma para o café da manhã.

Parábolas às vezes são banalogias. Veja esse exemplo:

O jovem já estava no fim da linha. Não vendo saída, deixou-se cair sobre os joelhos

em oração. “Senhor, não consigo prosseguir”, disse ele. “Minha cruz é muito

pesada.” O Senhor respondeu: “Meu filho, se você não pode suportar o peso dela,

ponha sua cruz dentro deste lugar, abra depois outra porta e escolha qualquer cruz

que quiser.” O homem ficou aliviado. “Obrigado, Senhor”, e fez como lhe foi dito. Ao

fazer isso, viu muitas cruzes diferentes; era impossível ver o topo de algumas, tão

grandes que eram. Então ele avistou uma pequena cruz encostada na parede. “Quero

essa, Senhor”, sussurrou. E o Senhor respondeu: “meu filho, essa é a cruz que você

trouxe.”²

Pegue a verdade importante - mas óbvia - de que nós por vezes superestimamos nossos

infortúnios e não conseguimos ver quão sérios são os problemas dos outros, trace uma

analogia com carregar cruzes pesadas e voilà, você é profundo! Nesse exemplo, a

pseudoprofundidade também serve para distrair a atenção do ouvinte de questões mais

problemáticas do tipo: em primeiro lugar, por que Deus insiste em fazer com que as pessoas

carreguem fardos horrendos?

Use jargões

Se você é um guru do business, consultor de estilos de vida ou místico, introduzir algum

jargão pode incrementar ainda mais a ilusão de profundidade. Aqui vai um truque comum:

invente algumas palavras que parecem ter significado similar ao de certos termos bem

conhecidos, mas que deles difiram de uma maneira nunca completamente explicada. Por

Page 5: Stephenlaw

exemplo, não fale sobre as pessoas serem felizes ou tristes; fale sobre elas terem

orientações atitudinais positivas ou negativas. O próximo passo é traduzir alguns truísmos

para seu novo vocabulário. Pegue a observação banal de que pessoas felizes tendem a fazer

as outras pessoas mais felizes. Ela pode ser remodelada como “orientações atitudinais

positivas têm alto poder de transferência”. É Também útil adotar o vocabulário de “forças”,

“energias” e “equilíbrios”. O uso dessas palavras irá sugerir que você descobriu algum poder

profundo que pode ser aproveitado e usado pelas outras pessoas. Isso fará com que seja

bem mais fácil persuadi-las de que elas podem perder algo de realmente importante caso

não compareçam a um de seus seminários.

Assim, se você é um guru do marketing, tente fazer seminários sobre o “Aproveitamento das

Energias Atitudinais Positivas dentro do Varejo”. E se algum espertinho for corajoso o

suficiente para levantar a mão e perguntar o que exatamente é uma “energia atitudinal

positiva”, defina utilizando mais jargão. Fazendo isso, você jamais terá de realmente explicar

o significado da sua conversa fiada. Além disso, os vários truísmos embutidos no seu jargão

irão gerar a ilusão de que você realmente tem algo a dizer, mesmo que audiência não faça

muita ideia do que seja - o que é uma boa forma de deixá-la com mais vontade de ouvi-lo.

Adicionar algum jargão ou referência científica pode ser particularmente útil ao seu papo

furado porque essas coisas emulam autoridade e substância. Muitos adeptos da

pseudoprofundidade aprenderam com o insight presente em um comentário de James Clerk

Maxwell, um dos grandes cientistas do século XIX: “o respeito pela ciência é tal que as

opiniões mais absurdas se tornam correntes desde que expressas em uma linguagem que

lembre alguma frase científica bem conhecida.”³

Referências à mecânica quântica são particularmente populares entre os vendedores de

conversa fiada pseudocientífica. Uma vez que se espera que ela faça afirmações um tanto

estranhas e difíceis de entender, é uma boa ideia abusar das referências em favor das

bizarrices que você tem a dizer. As pessoas pensarão que você deve ser muito inteligente e

sequer perceberão que você é um tapeador. Portanto, caso você seja ambicioso, pode ser

uma boa ideia inventar uma palestra com o título “Energias Atitudinais Positivas e Mecânica

Quântica”.

Pseudoprofundidade pós-modernista

Infelizmente, alguns setores da academia são dominados por intelectuais cuja escrita não é

muito mais do que pseudoprofundidade. Retire o jargão acadêmico e as referências

pseudocientíficas de seus pronunciamentos grandiosos e pouco sobrará. Tais pensadores,

frequentemente referidos como “pós-modernos”, possuem mais apetrechos do que sua justa

cota de jargão pastoso. Mas, de qualquer forma, é muito fácil fazer algo soar como legítimo

academiquês pós-modernista, tanto que um brincalhão chamado Andrew Bulhak criou um

programa de computador que escreve ensaios “pós-modernos” para você – e com as devidas

Page 6: Stephenlaw

referências. Para visitar o Gerador de Pós-Modernismo, acesse

http://www.elsewhere.org/pomo/. Acabei de testar e recebi um ensaio que começa assim:

O tema primordial do modelo de marxismo neo-estrutural de Cameron é o que há de

comum entre a sociedade e a cultura. A análise de Sontag da situação Debordiana

afirma que a sociedade tem valor objetivo. Entretanto, Marx promove o uso do

marxismo para a análise de classe. A situação Debordiana sustenta que o objetivo do

observador é a desconstrução. Portanto, o sujeito é interpolado em um marxismo

neo-estrutural que inclui a arte como um paradoxo. Vários materialismos que dizem

respeito à teoria subdialética semanticista podem ser encontrados.

Isso até pode ser nonsense, mas dificilmente faz menos sentido do que a coisa real. Talvez

até faça mais sentido. Considere o seguinte exemplo, do intelectual francês Félix Guattari:

Podemos ver claramente que não há qualquer correspondência biunívoca entre

ligações linearmente significantes ou arqui-escritos, dependendo do autor, e essa

catálise maquínica multidimensional e multi-referencial. A simetria da escala, a

transversalidade, o caráter pático e não discursivo de suas expansões: todas essas

dimensões nos distanciam da lógica do terceiro excluído e reforçam o descarte do

binarismo ontológico que criticamos anteriormente. Uma assembléia maquínica,

através de seus componentes diversos, extrai sua consistência cruzando limiares

ontológicos, limiares não lineares de irreversibilidade, limiares ontológicos e

filogenéticos e limiares criativos de heterogênese e autopoiese.⁴

Em 1997, Alan Sokal, professor da Universidade de Nova York (e claramente qualificado para

falar sobre usos da terminologia científica), estava irritado porque alguns pós-modernos

estavam surrupiando teorias e termos da física e os aplicando de forma nonsense.

Juntamente com seu colega Jean Bricmont, publicou o livro “Imposturas Intelectuais”, que

expunha de forma cuidadosa e muitas vezes bem humorada o nonsense científico aliado ao

blábláblá academicista de vários intelectuais que escrevem dessa forma. Sobre a longa

passagem da qual a citação de Guatarri é retirada, Sokal e Bricmont dizem que ela é a “mais

brilhante mistura jargões científicos, pseudocientíficos e filosóficos que jamais encontramos;

apenas um gênio poderia tê-la escrito.”⁵

“Imposturas Intelectuais” foi lançado após o “Trote de Sokal”, feito em 1996. Sokal

submeteu um artigo à revista americana “Social Text”, publicação pós-moderna da moda. O

artigo soava pretensioso e estava recheado de conversa fiada pseudocientífica. Os editores

da “Social Text”, incapazes de distinguir entre conversa fiada e profundidade, publicaram-no.

Afinal de contas, o artigo de Sokal – “Transgredindo as Fronteiras: Por Uma Hermenêutica

Transformativa da Gravidade Quântica” – fazia tanto sentido quanto outros artigos lá

publicados. Para os editores da revista, a publicação de “Transgredindo as Fronteiras”

tornou-se o momento ideal para apreciar “as novas roupas do rei”. A revista se transformou

em motivo de piada.

Page 7: Stephenlaw

Sobre o trabalho de Jean Baudrillard, cheio de referências à teoria do caos, mecânica

quântica, geometria não euclidiana e outras coisas mais, escrevem Sokal e Bricmont:

Em suma, vemos no trabalho de Baudrillard uma profusão de termos científicos

usados sem a menor consideração pelo que eles realmente querem dizer e, acima de

tudo, tal uso ocorre em um contexto onde os termos são obviamente irrelevantes.

Mesmo admitindo que devemos entendê-los metaforicamente, é difícil de ver que

papel eles desempenhariam que não seja dar aparência de profundidade a

observações banais sobre sociologia ou história. Além disso, a terminologia científica

é misturada com um vocabulário não científico que, por sua vez, é empregado com o

mesmo desleixo. No final das contas, é normal pensar sobre o que sobraria do

pensamento de Baudrillard se todo o verniz que o cobre fosse removido.6

Incluo essa citação de Sokal e Bricmont porque ela resume bem o que poderia ser dito sobre

a pseudoprofundidade de forma mais geral: a pseudoprofundidade consiste em uma refinada

mistura de banalidades, nonsense e/ou o obviamente falso servidos como um imponente

soufflé linguístico. Espete-o com um garfo, deixe o ar quente sair e você perceberá que

pouco sobra. Certamente nada que valha a pena comer.

Em defesa de Gattari, Baudrillard e outros, alguns podem dizer que Sokal e Bricmont não

entenderam o que esses escritores estavam tentando fazer. Tais pensadores pós-modernos

estão eles próprios envolvidos em algum tipo de jogo ou embuste proposital. Assim, os

objetos da piada seriam Sokal e Bricmont. Isso não cola. Como afirmou Richard Dawkins em

sua resenha de “Imposturas Intelectuais”, se os alvos de Sokal e Bricmont

estão apenas fazendo piada, por que eles reagem com gritos de indignação quando

alguém faz uma piada com eles? O que originou “Imposturas Intelectuais” foi um

trote brilhante perpetrado por Alan Sokal, e o grande sucesso da sua jogada não foi

recebido com os risos de prazer que deveríamos esperar após uma grande façanha

no jogo da desconstrução. Aparentemente, quando você se tornou o establishment,

deixa de ser divertido quando alguém faz um furo no seu saco de vento.⁷

Lidar com a pseudoprofundidade

Espero que esse breve esboço de alguns dos modos de geração de pseudoprofundidade

possa ajudá-lo a detectá-la com mais eficácia. Mas e se você estiver no papel de receptor de

tais tolices, como responder? Qual é a melhor forma de revelar a pseudoprofundidade pelo

que ela é? O maior inimigo da pseudoprofundidade é a clareza. Um dos modos mais eficazes

de desarmá-la é traduzi-la em português corrente. Diga “certo, você está dizendo que...” e

anote no verso de um envelope em prosa clara e sem ambiguidades o que realmente se quer

dizer. Esse exercício de tradução tipicamente revelará que o que foi dito pode ser uma das

seguintes três coisas: (1) uma falsidade óbvia, (2) nonsense, ou (3) um truísmo.

Page 8: Stephenlaw

Mas combater a pseudoprofundidade raramente é assim tão fácil. Aqueles que a despejam

sobre os outros muitas vezes estão até certo ponto cientes que é provável que a clareza os

desmascare e, assim, provavelmente resistirão suas tentativas de reformular o que eles

pretendem dizer em termos claros e não ambíguos. É quase certo que eles irão acusá-lo de

estar entendendo as coisas de forma crassa. Obviamente, eles não irão explicar claramente o

que querem dizer: somente enrolarão você mudando de assunto, levantando cortinas de

fumaça, acusando-o de não entender outras coisas mais, e assim por diante. Por essa razão,

desmascarar a pseudoprofundidade muitas vezes requer tempo e paciência.

Escárnio e sátira podem ter um papel a desempenhar, como o “sermão” de Alan Bennett e o

Gerador de Pós-modernismo ilustram. A estória “As Roupas Novas do Imperador”, de Hans

Christian Andersen, termina de forma hilária quando o garotinho afirma que o imperador não

está usando quaisquer roupas. O riso do público que vê o imperador desfilando pelado

quebra o feitiço que os alfaiates charlatães tinham jogado sobre todos. Da mesma forma, o

riso pode quebrar o feitiço que a pseudoprofundidade lança sobre nós. Uma pequena sátira

pode ajudar-nos a reconhecer que fomos enganados por alguém que diz pouco mais do que

truísmos, falsidades ou nonsense travestidos de pensamento profundo. Eis aí a razão pela

qual os adeptos da pseudoprofundidade com frequência se opõem à sátira e ao escárnio,

ficando exageradamente ofendidos com tais coisas.

No entanto, há um cuidado importante que devemos ter quanto ao uso do humor.

Obviamente, qualquer crença – mesmo uma crença genuinamente profunda – pode ser

ridicularizada. Não estou sugerindo que a piada deve substituir a crítica clara e rigorosa do

tipo que eu procurei oferecer aqui. Ninguém deve ser incentivado a abandonar uma crença

só porque as pessoas riem dela. No entanto, por causa da habilidade de ajudar a quebrar o

feitiço que a pseudoprofundidade lança sobre suas vítimas, permitindo que vejamos por um

momento ou outro que fomos crédulos ou tolos, um pouco de escárnio pode muito bem ser

parte de uma resposta. Uma boa piada pode ser útil e legítima se pudermos mostrar que é

merecida.

__________________________________

1. Em um discurso na conferência do American Atheists Institution, no ano de 2009:

http://www.youtube.com/watch?v=D_9w8JougLQ (acessado em 02/10/10).

2. Retirado do site http://www.parables.com (acessado em 02/10/10).

3. Palestra inaugural de Maxwell na Universidade de Cambridge, em 1871.

4. Citado de “Imposturas Intelectuais”, de Sokal e Bricmont (Londres: Profile Books, 1998) pp. 156-57.

5. Ibid., p. 156.

6. Ibid., p. 143.

Page 9: Stephenlaw

7. Richard Dawkins, “Pós-modernismo Desnudado,” http://richarddawkins.net/articles/824-

postmodernism-disrobed.

Traduzido de “Believing Bullshit: How Not to Get Sucked Into an Intellectual Black Hole”, Prometheus

Books, 2011