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LITERATURA INFANTIL: OUTRA FORMA DE EDUCAR1
Adriana Braz Soares de Souza2
Resumo: Este artigo referente à Literatura Infantil: outra forma de educar busca refazer em
um breve levantamento histórico acerca das mudanças da concepção sobre a infância.
Pretende-se também conceituar o que é literatura infantil sob esta perspectiva, analisando as
situações circunstanciais em que se dá este olhar mais apurado para a literatura voltada para
este público alvo. Objetiva-se, então, expor algumas de suas contribuições para a formação da
criança nos âmbitos que abrangem a efetividade, o pensamento crítico, a livre expressão de
sensações e sentimentos, o olhar sensível às mudanças sociais, e também seus estímulos para
que a aquisição da leitura e escrita seja um processo prazeroso e significativo. A metodologia
consta da análise bibliográfica por meio da seleção e combinação de pensamentos de autores
como Zilberman, R. (2003); Abramovich, F. (2001); Bettelheim, B. (2008); Ferreiro, E.
(2001); Teberosky, A. (2008) e outros. Os resultados da pesquisa mostram que a literatura
infantil como aliada neste processo formador da criança auxilia no que se refere a constituição
da pluralidade na leitura não só do processo alfabetizador, mas também no que diz respeito à
leitura de mundo.
Palavras-chave: Literatura Infantil. Aprendizagem. Sensibilidade. Infância.
INTRODUÇÃO
Pensar nas crianças e na sua relação com os livros de literatura infantil é pensar no
futuro e ter em mente a possibilidade de construir um mundo com mais espaço para a livre
expressão do imaginário, dos ideais e dos sentimentos. Com este pensamento, propõe-se
apresentar nesse artigo algumas das inúmeras contribuições que a literatura, sendo já
objetivada ao público infantil, traz para a formação do pensamento e visão crítica desse
público alvo, considerando o fato de que o mundo vive em constantes transformações, e que
se deve estar preparado para enfrentá-las, e a si mesmo. Se há de convir, que a literatura
1 Artigo elaborado para fins da conclusão de curso de pedagogia da Faculdade Alfredo Nasser sob
orientação da professora Dra. Michele Giacomet.
2 Graduanda do 8º período do curso de Pedagogia da Faculdade Alfredo Nasser.
2
infantil neste contexto trata essas mudanças de forma mais sensível, prazerosa e apropriada às
crianças, tornando este enfrentamento um “conto de fadas”.
Para cumprir tal objetivo, se faz necessário, em uma rápida abordagem, recuperar o
surgimento da Literatura Infantil, e o contexto social que se dá este importante fato entre os
séculos XVII e XVIII.
Em busca de um conceito para esta literatura formadora e transformadora, embasamos
a pesquisa em importantes autores como Regina Zilberman, Fanny Abramovich, Nelly
Novaes Coelho, Maria Antonieta Antunes Cunha, Bruno Bettelheim entre outros não menos
importantes.
Pretende-se discutir também as contribuições que a literatura infantil traz para a
formação de leitores, e suas implicações no processo de alfabetização tendo como horizonte
teórico autoras como, por exemplo, a Doutora em psicologia, pesquisadora e professora titular
do Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional, da Cidade
do México, Emilia Beatriz María Ferreiro Schavi, a Doutora em psicologia e docente do
Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Barcelona Ana
Teberosky e a Doutora em Ciências da Educação e professora de Didática da Língua e da
Literatura na Universidade Autônoma de Barcelona, Teresa Colomer. Estas e outros autores
que contribuiram para o âmbito da alfabetização, e que trouxeram um novo tipo de pesquisa
em pedagogia, deslocando a investigação do “como se ensina” para o “como se aprende”
através da psicogênese da língua escrita são contribuintes para as pesquisas deste artigo.
É importante ressaltar que fica evidente nas pesquisas realizadas, a necessidade de
repensar sempre a prática escolar considerando as necessidades dessa “nova criança” leitora
de mundo, cuja concepção surge através das mudanças tecnológicas, podendo ser considerada
até mais competente nessas novas tecnologias do que nós mesmos, professores.
Assim, busca-se acreditar que se pode realmente levar muitas crianças a ampliar e
educar seus olhares através da arte literária, transformando-as em leitores plurais, ou seja, que
tenham visão crítica e interpretativa sobre o texto, e consequentemente, em cidadãos mais
críticos, capazes de opinar reflexivamente e preparados para a vida em sociedade.
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CONTEXTUALIZANDO A LITERATURA INFANTIL
Como escrever literatura infantil, sem antes conceber o significado, o sentido da
“infância”? Os primeiros livros direcionados especificamente para as crianças, de acordo com
alguns teóricos voltados para esta pesquisa, como por exemplo, Maria Antonieta Antunes
Cunha, Regina Zilberman, Nelly Novaes Coelho, e outros, só passaram a existir entre o final
do século XVII e no decorrer do século XVIII.
De acordo com os relatos de Cunha (2004), a história da literatura infantil se resume
em poucos capítulos, e começa a tomar “forma” realmente a partir do século XVIII, quando
começa a ser considerada a existência da concepção de infância. Antes, porém deste
reconhecimento, as crianças compartilhavam das leituras próprias para os adultos, assim como
também obrigações que eram delegadas a elas, pois devemos atentar para o fato de que as
crianças eram consideradas “adultos em miniatura”.
Zilberman (2003), compartilha em sua obra desse mesmo fato histórico, e relata que:
Antes da constituição desse modelo familiar burguês, inexistia uma consideração
especial para com a infância. Essa faixa etária não era percebida como um tempo
diferente, nem o mundo da criança como um espaço separado. Pequenos e grandes
compartilhavam dos mesmos eventos, porém nenhum laço amoroso especial os
aproximava. A nova valorização da infância gerou maior união familiar, mas
igualmente os meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e
manipulação de suas emoções. Literatura infantil e escola, inventada a primeira e
reformada a segunda, são convocadas para cumprir esta missão. (2003, p.15)
Segundo Zilberman (2003), somente a partir do século XVIII as famílias passam a
dedicar-se especialmente às crianças, e a valorização da infância passa a dar suporte para o
novo modelo familiar que se forma. O objetivo proposto neste novo modelo familiar era
permitir que os filhos atingissem a idade adulta com a garantia de se cumprir todos os seus
direitos, sejam eles de caráter físico, seja psicológico ou cognitivo.
É, portanto neste contexto de mudanças ideológicas e sociais, que se apresenta uma
nova concepção de criança, quando ela passa a ser considerada diferente do adulto, sendo
respeitada sua fragilidade e formação biológica, que surge a literatura infantil apresentando
intenções fundamentalmente formativas e informativas, assim como afirma Coelho:
Na verdade, desde as origens, a literatura aparece ligada a essa função essencial:
atuar sobre as mentes, nas quais se decidem as vontades ou as ações; e sobre os
espíritos, nos quais se decidem as emoções, paixões, desejos, sentimentos de toda
ordem... No encontro com a literatura, os homens têm a oportunidade de ampliar,
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transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida, em um grau de
intensidade não igualada por nenhuma outra atividade. (2000, p. 29)
Com o intuito de precisar o significado do que é literatura infantil, Coelho (2000)
busca traduzir primeiro o sentido do termo Literatura. A autora diz que não existe um
conceito exato para a literatura, porém chega à conclusão e define tal, como uma linguagem
específica que expressa sentimentos, anseios e vontades. Portanto, podemos dizer que
literatura é uma forma humana de expressar suas experiências e visão de mundo.
Sendo assim, o contexto social e cultural de cada época é responsável pelas mudanças
da literatura, e a literatura infantil possui a mesma essência, pois não deixa de ser uma
expressão de sonhos ou vivências.
A literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de
criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. Funde os
sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possível/impossível
realização... (COELHO, 2000, p. 27).
Na visão de Coelho (2000), durante muito tempo, e não muito distante aos dias atuais,
a literatura infantil foi considerada como um brinquedo, um meio de entretenimento para as
crianças, porém no século XX, há uma redescoberta desta literatura. Tal redescoberta é
evidenciada por meio da psicologia experimental, que revela a inteligência como um elemento
estruturador da individualidade, sendo esta individualidade desenvolvida em diferentes
estágios correspondentes a certa fase de idade, tendo como fator determinante nesta relação o
meio em que a criança vive. “A partir desse conhecimento do ser humano, a noção de
“criança” muda e nesse sentido torna-se decisivo para a literatura infantil adequar-se ou
conseguir falar, com autenticidade, aos seus possíveis destinatários.” (COELHO, 2000, p.30).
Desde que se começou a direcionar a literatura para o público infantil, surgiu uma
forte ligação com os fatores de diversão e aprendizado das crianças, e com esse objetivo os
primeiros textos infantis eram adaptações da linguagem dos textos destinados aos adultos, já
que no início da concepção de literatura para o público infantil, ainda permeava a idéia de se
considerar a criança como um “adulto em miniatura”. Segundo Coelho:
Expurgadas as dificuldades de linguagem, as digressões ou reflexões que estariam
acima da compreensão infantil; retiradas as situações ou os conflitos não-exemplares
e realçando principalmente as ações ou peripécias de caráter aventuresco ou
exemplar... as obras literárias eram reduzidas em seu valor intrínseco, mas atingiam
o novo objetivo: atrair o pequeno leitor/ouvinte e levá-lo a participar das diferentes
experiências que a vida pode proporcionar, no campo do real ou do maravilhoso.
(2000, p.30)
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Não se pode comparar a estrutura mental das crianças com a estrutura mental dos
adultos que se desenvolveu a partir de suas relações. Elas apresentam limitações de acordo
com suas experiências concretas, partindo destas experiências, se inicia um trilhar de novos
caminhos, diferentes dos já trilhados pelos adultos, apresentando assim uma nova realidade,
um novo olhar para o mundo que se descobre.
Quando falamos em literatura infantil, a idéia que primeiro nos vem à mente são livros
contendo muitas gravuras, diversas cores, e vários elementos que promovem através do
manuseio dos mesmos, o prazer, a distração e momentos de pura viagem imaginária. A
literatura infantil brasileira vem no decorrer de sua história se mostrando coerente na
qualidade deste aspecto estético, graças ao número significativo de autores experientes, com
reconhecimento de público e de crítica, como Monterio Lobato, que segundo Cunha (2004), é
este autor que inicia a verdadeira literatura infantil brasileira, com sua obra diversificada.
De acordo com a autora Marie-Louise Von Franz a fase literária no Brasil anterior a
Lobato, foi marcada pela visão burguesa de raízes européias rurais. Porém Monteiro Lobato
introduz o folclore brasileiro em suas obras, criando então a literatura infantil brasileira com
cenário e temas nacionais. Visto como um país novo e de origens coloniais, ou seja, um país
impregnado de culturas estrangeiras, o Brasil se mostra diferente no progresso da literatura
infantil, pois busca sua formação na própria nacionalidade.
Após o surgimento da “literatura infantil lobatiana” no século XX, termo assim usado
por Franz (1990), com pelo menos dois anos de atraso referente à literatura infantil européia,
os escritores começam a superar o conservadorismo burguês, abrindo espaço à crítica, a
reflexão e a emancipação, já que os governantes anteriores a esta época, proibiam o acesso
aos livros com ideias de liberdade, pois, tinha plena consciência da função libertadora
exercida pelo conhecimento.
Em sua obra Franz nos faz compreender que um pouco de fantasia não faz mal a
ninguém, pelo contrário, a autora se respalda em Bruno Bettelheim e diz:
A fantasia, além de denunciar simbolicamente questões sociais e existenciais –
através do universo deformado do sonho -, possui ainda funções terapêuticas,
segundo atesta o psicanalista B. Bettelheim. O leitor, ao identificar-se com os
problemas do herói, tende a emancipar-se de seus próprios conflitos interiores,
principalmente quando é encorajado pelo final feliz. (FRANZ, 1990, p. 99)
Desta forma, pode-se considerar que o mundo imaginário dos contos de fadas trazidos
pela literatura infantil, exterioriza a realidade dos sentimentos adquiridos por experiências
dolorosas ou gratificantes, que não são visíveis e nem perceptíveis.
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A partir do século XX as histórias infantis seguem novos caminhos, quando muda a
concepção de que o livro é apenas uma mensagem a ser transmitida de um emissor (escritor-
adulto), para um receptor (destinatário-criança), e passa a dar voz à criança, essa nova
proposta é iniciada por Lobato, que usa, entre outros artifícios, uma boneca de pano, a famosa
Emília, dando voz ao público infantil. De fato Monteiro Lobato pode ser considerado o
precursor de uma nova literatura destinada às crianças no Brasil, pois ele apresenta
características que não haviam sido exploradas anteriormente neste universo literário,
colocando nas páginas dos livros os contextos sociais e culturais presentes na formação do
povo brasileiro e sobretudo, do universo infantil. Nesta perspectiva, o receptor do texto é
antes de tudo um leitor, independente de sua idade ele possui habilidades de interpretação
segundo sua vivência.
Em análise sobre os recursos estéticos utilizados nessa modalidade textual, Maria
Zaira Turchi (2006, p. 26) reafirma: “A literatura infantil brasileira tem alcançado um padrão
estético no diálogo criativo entre texto, ilustração e projeto gráfico, uma interação entre
linguagem literária e outras linguagens.” É, portanto neste aspecto, que a literatura infantil se
difere muito da do adulto.
Encontramos também na obra de Cunha, alguns aspectos que devem ser levados em
consideração no livro que se destina às crianças pequenas, em quem queremos desenvolver o
interesse por histórias. São eles:
Para essa fase, os livros costumam ser maiores que o normal, e muitos ganham o
formato da personagem principal: um animalzinho ou uma criança, recortados. Os
livros tornam-se até um apelo ao tato e são bastante motivadores. Para os alunos que
começam a ler, ainda deve predominar a ilustração, e o texto, também pequeno, deve
apresentar-se em letras grandes e redondas. (CUNHA, 2004, p.74)
Quando a autora acima citada explora o aspecto ilustração, fica claro em sua obra que
assim como o texto artístico permite muitas leituras, o mínimo que a ilustração tem de fazer é
ser ela também cheia de sugestões, que não impeça outras leituras do texto, mas sim dê às
crianças a oportunidade de imaginar, recriar, ir além do próprio desenho.
Entre estes aspectos que foram apresentados, a literatura infantil deve acrescentar
ainda a responsabilidade de formar leitores críticos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
reafirmam esta importância, pois, devem-se formar alunos que saibam posicionar-se de
maneira crítica, e acrescentam que além de críticos devem manter-se de forma responsável e
construtiva perante os impasses sociais, sabendo então sobressair-se aos conflitos através do
diálogo, expondo e compreendendo opiniões a fim de se chegar a decisões coletivas. OS
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PCN‟s de artes da Secretaria de educação fundamental apontam alguns objetivos que devem
estar em evidência nessa fase de formação, um deles é:
Desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em
suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e
de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no
exercício da cidadania. (1997, p. 08)
Outro principal ponto apresentado pelos PCN‟s fala sobre a importância da arte na
formação da consciência cidadã, e suas influências no exercício dos direitos e deveres:
Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício
de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de
solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo
para si o mesmo respeito. (1997, p. 07)
A arte desenvolve a sensibilidade, a percepção e a imaginação da criança, além de que
um aluno que exercita continuamente sua imaginação estará mais habilitado a construir um
texto, a desenvolver estratégias pessoais para resolver um problema, e neste foco artístico, a
literatura infantil a convida à mergulhar neste mundo enigmático, tornando-a sensível na
busca da decifração dos sentidos, dos enigmas que a obra propõe ao invés de apresentar uma
visão pronta de mundo, fazendo valer o conceito trazido por Coelho (2000), onde define que a
literatura infantil é uma arte.
A LITERATURA INFANTIL ABRE CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DA
CRIANÇA POR MEIO DOS CONTOS DE FADAS
Em meio a um contexto sócio-cultural repleto de grandes avanços, em que a era da
informática toma conta das relações através dos vários meios de comunicação, a ausência de
valores e de sentido para a vida é nítida. Se o mundo mudou e se hoje convivemos com novas
tecnologias e uma infinidade de imagens que dialogam conosco na vida diária, é muito natural
que a postura das crianças perante esta realidade que as rodeia seja também outra. Com as
constantes transformações do mundo, fica inevitável que nós, dentro dele, conseqüentemente
vivamos também as nossas. Contudo, ao nos confrontarmos com este fato, devemos ter claro
que a verdadeira evolução se faz ao nível da mente, e segundo Coelho (2000), ao nível da
consciência de mundo que cada um vai assimilando desde a infância. A literatura, desse
8
modo, assume um importante legado, e a esse respeito, Nelly Novaes Coelho tece o seguinte
comentário:
A literatura, e em especial a infantil, tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta
sociedade em transformação: a de servir como agente de formação [...] É ao livro, à
palavra escrita, que atribuímos a maior responsabilidade na formação da consciência
de mundo das crianças e dos jovens. [...] E parece já fora de qualquer dúvida que
nenhuma outra forma de ler o mundo dos homens é tão eficaz e rica quanto a que a
literatura permite. (COELHO, 2000, p. 15)
Neste contexto de transformações essenciais, encontramos na literatura infantil o
agente ideal para a formação da nova mentalidade que se faz necessária. Ela é capaz de
alcançar e provocar mudanças na essência do ser de forma sensível e prazerosa, sendo capaz
de deixar marcas por tempos, assim como Abramovich discorre acerca da sua experiência
particular:
E essa volúpia de ler, essa sensação única e totalizante que só a literatura provoca
(em mim, pelo menos...), esse ir mexendo em tudo e formando meus critérios, meus
gostos, meus autores de cabeceira, relendo os que me marcaram ou mexeram
comigo dum jeito ou de outro [...] de encantamento e de necessidade vital, é algo
que trago comigo desde muito, muito pequenina... (2001, p. 13,14)
Para tanto, é de fundamental importância abrir caminhos para que esta arte chegue até
as crianças o quanto antes, respeitando o seu nível de desenvolvimento, porém promovendo
oportunidades de entender e dar significado ao mundo que as cercam. Ainda falando de sua
experiência, Abramovich relata:
Ler, para mim, sempre significou abrir todas as comportas para entender o mundo
através dos olhos dos autores e da vivência das personagens... Ler foi sempre
maravilha, gostosura, necessidade primeira e básica, prazer insubstituível... (2001,
p.14)
Com todo esse encantamento e volúpia, o ato de ler ou de ouvir os textos literários
atinge uma das peculiaridades da literatura infantil que é o ato da aprendizagem. Esta
peculiaridade fica clara na obra de Coelho quando ela descreve sobre vocação pedagógica da
literatura, colocando em evidencia a fala de Marc Soriano, como se vê a seguir:
Ela pode não querer ensinar, mas se dirige, apesar de tudo, a uma idade que é a da
aprendizagem e mais especialmente da aprendizagem lingüística. O livro em
questão, por mais simplificado e gratuito que seja, aparece sempre ao jovem leitor
como uma mensagem codificada que ele deve decodificar se quiser atingir o prazer
(afetivo, estético ou outro) que se deixa entrever e assimilar ao mesmo tempo as
informações concernentes ao real que estão contidas na obra. [...] Se a infância é um
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período de aprendizagem, [...] toda aprendizagem que se destina a ela, ao longo
desse período, tem necessariamente uma vocação pedagógica. (SORIANO, 1975
apud COELHO, 2000, p. 31)
Sobre este caráter pedagógico da literatura infantil, há quem apresente críticas, pois o
intuito pedagógico pode limitar a ação da arte que é ampla e abrangente em seus diversos
aspectos. De acordo com a afirmação de Cunha (2004, p. 27), “Essa obra, marcada pela
conotação e pela plurissignificação, não poderá ser pedagógica, no sentido de encaminhar o
leitor para um único ponto, uma única interpretação.” Quando se apresenta a literatura infantil
como um ato de aprendizagem, deve-se considerar o fator de que uma obra de arte não tem
limites, ela se caracteriza pela amplitude, pelo fato de sempre propor momentos de reflexão,
recriação, possibilitando então o desenvolvimento das estruturas mentais por meio de
experiências que tornam possíveis a verdadeira aprendizagem.
Sua atuação dá-se dentro de uma faixa de conhecimento, não porque transmite
informações e ensinamentos morais, mas porque pode outorgar ao leitor a
possibilidade de desdobramento de suas capacidades intelectuais. O saber adquirido
dá-se, assim, pelo domínio da realidade empírica. (ZILBERMAN, 2003, p. 46)
O desenvolvimento pleno da criança está ligado diretamente ao aprendizado que ela
adquire em seu contato com as diversas situações proporcionadas em diferentes contextos
sociais, portanto a aprendizagem será o processo através do qual a criança se apropria
ativamente do conteúdo da experiência humana. Diante deste fato, fica explícito que os
processos de desenvolvimento são interrompidos à medida que não se tem situações
favoráveis ao aprendizado, pois o indivíduo retrata o ambiente social do qual faz parte.
E para compreender melhor como o indivíduo retrata este ambiente social é de grande
importância a remissão à Vygotsky, para entender que o homem se transforma de biológico
em sócio-histórico, num processo cultural da natureza humana. Esse processo segundo
Oliveira, não é abstrato e nem universal, mas está baseado nos modos culturalmente
construídos.
Para que haja uma melhor compreensão desse fundamento sócio-histórico, se faz
necessário compreender de que forma se dá esta relação do indivíduo com o mundo. Nesta
proposta, Oliveira fala com propriedade da ação mediadora.
Um conceito central para compreender o fundamento sócio-histórico do
funcionamento psicológico é o conceito de mediação, que nos remete ao terceiro
pressuposto vygotskiano: a relação do homem com o mundo não é uma relação
direta, mas uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos
intermediários entre o sujeito e o mundo. (OLIVEIRA, 1997, p. 24)
10
Conforme a autora, a presença de elementos mediadores introduz um elo a mais nas
relações organismo/meio. Ao mediar o contato da criança com a literatura infantil permite-se
o confronto do princípio do prazer e o princípio da realidade. Os contos de fadas trazem estes
princípios de forma tão sutil capaz de ir ao encontro até das crianças mais pequeninas que
entram em contato com tal arte.
A principal dedicação de Vygotsky segundo Oliveira (1997) foi o estudo das funções
psicológicas, ou seja, pensar em objetos ausentes, imaginar eventos nunca vividos, planejar
ações a serem realizadas em momentos posteriores, dentre outros que usam figuras ou formas
para relacionar a realidade que não pode ser vista, porém pode ser imaginada, haja vista que
esse comportamento tem caráter voluntário e intencional. É, portanto neste raciocínio que
Vygotsky assume o posicionamento segundo o qual a relação do homem com o mundo é uma
relação fundamentalmente mediada.
Esta mediação de acordo com os estudos de Oliveira (1997) sobre os pensamentos de
Vygostsky diferencia-se em dois tipos, são eles: instrumentos (no plano externo ao homem) e
os signos (no plano interno ao homem). A este respeito, a autora destaca:
O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira analógica ao
papel de um instrumento no trabalho. Os instrumentos, porém, são elementos
externos ao indivíduo, voltados para fora dele; sua função é provocar mudanças nos
objetos, controlar processos da natureza. Os signos, por sua vez, também chamados
por Vygotsky de “instrumentos psicológicos”, são orientados para o próprio sujeito,
para dentro do indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do
próprio indivíduo, seja de outras pessoas. São ferramentas que auxiliam nos
processos psicológicos e não nas ações concretas, como os instrumentos.
(OLIVEIRA, 1997, p. 30)
Foram desenvolvidos de acordo com as proposições de Vygotsky e de seus
colaboradores vários experimentos que estudavam a importância dos signos na atividade
psicológica. Um dos experimentos foi realizado com crianças de quatro e cinco anos, com o
intuito de observar a relação entre a percepção e a ação motora. No início, elas tinham
dificuldades de decidir com rapidez a tecla que deveriam apertar, haja vista que neste primeiro
momento não houve a intervenção de signos mediadores.
No segundo momento, as crianças tinham à disposição signos relacionados com as
figuras, que mediavam a ação, fazendo com que elas focalizassem sua atenção para um
exercício menos impulsivo e mais intencional.
Sendo assim, pode-se analisar que uma das grandes diferenças dos signos segundo
Oliveira (1997), decorre do fato de que neste processo de aprendizagem a mediação é
indispensável para que as atividades psicológicas sejam voluntárias e controladas pelo próprio
11
indivíduo, porém esse processo sofre alterações de acordo com o desenvolvimento de cada
um, e no caso de crianças pequenas alguns experimentos podem ser inviáveis nos processos
que serão trabalhados. Nota-se a evidência dessa análise muito claramente na fala de Oliveira:
É interessante observar que os processos de mediação também sofrem
transformações ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Justamente por
constituírem funções psicológicas mais sofisticadas, os processos mediados vão ser
construídos ao longo do desenvolvimento, não estando ainda presentes nas crianças
pequenas. (1997, p. 33)
O processo de desenvolvimento do ser humano, ainda segundo Oliveira (1997), é
intrapsicológico, ou seja, de fora para dentro, e é a partir das suas interpretações externas que
se dá a atribuição de significados.
É necessário que haja uma reflexão sobre as relações sociais existentes entre os
indivíduos e entre eles e o ambiente social, considerando que estas relações se fundamentam
no funcionamento psicológico tipicamente social e histórico.
Desta forma, percebe-se como os signos estão presentes em nosso cotidiano e como
eles são importantes na formação, na aprendizagem, pois, aprender diz respeito
essencialmente aos signos, já que tudo que nos ensina algo, consequentemente nos transmite
algum signo. Daí, compreendemos a importância do papel da literatura infantil nesta
aquisição do saber, sendo ela uma das formas mais eficazes de se trabalhar a sensibilidade que
se faz necessária para a percepção dos signos que são emitidos a fim de serem interpretados.
Na obra de Gilles Deleuze, encontra-se a essência da relação entre sensibilidade, signo
e arte quando ele diz que:
É no tempo absoluto da obra de arte que todas as outras dimensões se unem e
encontram a verdade que lhes corresponde. [...] Ser sensível aos signos, considerar o
mundo como coisa a ser decifrada é, sem dúvida, um dom. Mas esse dom correria o
risco de permanecer oculto em nós mesmos se não tivéssemos os encontros
necessários [...] (DELEUZE 2003, p.23, 25)
De forma sutil e prazerosa, a literatura infantil transmite signos que de forma mediada
abrem caminhos para a formação da criança. Um exemplo dessa mediação que a literatura
proporciona, são os contos infantis, que Bettelheim trata com propriedade dos ensinamentos
apresentados nas entrelinhas dos mesmos. Segundo ele, na história Os Três Porquinhos, por
exemplo, as crianças podem aprender de forma mais “saborosa e dramática”, que não se deve
ser preguiçosa e levar as coisas sempre na brincadeira, apresenta ainda as vantagens do
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amadurecimento e aponta elementos que fazem dos mais frágeis vencedores diante dos mais
fortes.
O autor afirma que o lobo selvagem e destrutivo representa todos os poderes anti-
sociais, inconscientes e devoradores contra os quais devemos aprender a nos proteger, e que
podemos derrotá-los com a força do nosso próprio ego. Ele ainda segue esclarecendo que esta
história leva a criança a refletir sobre seu desenvolvimento sem parecer um ato ditatório pelos
adultos, permitindo assim o verdadeiro amadurecimento.
“Os Três Porquinhos” orientam a reflexão da criança sobre o seu próprio
desenvolvimento sem nunca dizer como este deveria se dar, permitindo-lhe extrair
suas próprias conclusões. Somente esse processo provê um verdadeiro
amadurecimento, enquanto que o dizer para a criança o que deve fazer apenas
substitui o cativeiro de sua própria imaturidade pelo cativeiro da obediência aos
ditames dos adultos. (BETTELHEIM 2008 p. 65)
De acordo com Bettelheim (2008), a criança necessita da magia para enfrentar a
realidade e entender o mundo que a cerca, ela pode encontrar um conforto muito maior em um
conto de fada do que em um diálogo baseado em raciocínios e pontos de vista de adultos, pois
os contos de fadas apresentam uma visão de mundo mais próxima à visão das crianças.
Desta forma, por mais que os contos de fadas possam parecer sem sentido, fantásticos,
assustadores e totalmente inacreditáveis, para a criança eles revelam verdades a respeito da
humanidade e de si própria. Pode-se considerar então que este mundo imaginário exterioriza,
através de símbolos, uma realidade que não é visível, a realidade psíquica.
Em “Chapeuzinho Vermelho” segundo Bettelheim (2008), o fato que se dá quando a
bondosa vovozinha é substituída pelo personagem do feroz lobo que tenta de todas as formas
destruir a pequena e indefesa criança, para o adulto pode parecer desnecessariamente
assustador, mas para a criança tem grande significado, pois, pode associar ao fato de quando
em situações constrangedoras como quando acidentalmente ela molha as calças e é
ridicularizada por sua amada e bondosa vovozinha, exemplo este citado pelo autor em sua
obra. Como lidar com o fato de alguém que era tão gentil, de uma hora para outra se tornar tão
maldosa quanto o lobo voraz? Em análise a esta questão contraditória, Bettelheim explica:
Incapaz de ver qualquer coerência entre as diferentes manifestações, a criança na
verdade percebe a vovó como duas entidades separadas – a que ama e a que ameaça.
Ela de fato é a vovó e o lobo. Dividindo-a, por assim dizer, a criança pode preservar
sua imagem da avó boa. Se ela se transforma num lobo, isso decerto é assustador,
mas a criança não precisa comprometer sua visão da benevolência da vovó. E, em
todo caso, como lhe narra à história, o lobo é uma manifestação passageira – a vovó
retornará triunfante. (2008, p.98)
13
A criança em várias situações pode usar este mecanismo de dividir uma pessoa em
duas, com intuito de solucionar e entender uma relação que por vezes apresenta momentos de
contradições.
Estas histórias infantis, sempre trazem a luta do bem contra o mal. Se há bruxas, lobos,
madrastas, existem também o lado do bem, que se trata de personagens muito mais poderosos
e que sempre terminam vitoriosos, como as fadas e os caçadores.
É importante salientar que os contos de fada, trabalham os sentimentos bons da criança
eliminando os desejos vingativos. Para reafirmar isto, se faz necessário explicitar algumas
falas de Bruno Bettelheim em sua obra A Psicanálise dos Contos de Fadas: “Branca de Neve
não nutre desejos coléricos a rainha malvada.” (p. 104) e “Cinderela, que tem bons motivos
para desejar que suas meias-irmãs sejam punidas por suas más ações, deseja, ao contrário, que
elas compareçam ao grande baile”. (p. 104)
No que diz respeito às contribuições da literatura infantil para o estimulo e a exaltação
das qualidades das crianças por menores que elas sejam, o autor relata que “a criança que se
sente condenada a ser um “patinho feio” não deve se desesperar; crescerá para se tornar um
lindo cisne”. (BETTELHEIM 2008, p. 105)
Outra aprendizagem que as crianças poderão construir através dos contos de fada, é a
respeito das consequências que surgem das pequenas aquisições, por exemplo:
Encontrar um jarro ou garrafa (como na história “O Gênio da Garrafa”, dos Irmãos
Grimm), ajudar um animal ou receber sua ajuda (“O Gato de Botas”), compartilhar
um pedaço de pão com um estranho (“O Ganso de Ouro” outra das histórias dos
Irmãos Grimm) – esses pequenos acontecimentos cotidianos levam a grandes coisas.
(BETTELHEIM, 2008, p. 105)
Dessa forma, o conto de fadas, através da literatura infantil, cumpre uma tarefa
importante na formação da criança, encorajando-a a acreditar nas pequenas, e que por vezes
se passam por insignificantes, aquisições e ações do cotidiano. A literatura infantil contribuirá
também para que a criança valorize suas experiências, tendo consciência de que embora não
perceba no momento, mas que em um futuro próximo talvez, seja importante.
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LITERATURA: UMA ARTE QUE ALFABETIZA
Entre a razão e a imaginação, a arte e a ciência tomam caminhos diferentes, mas que
por vezes se completam, pois, “[...] sempre existe algo de “artístico” na ciência, assim como
algo de “científico” na arte”. (SEGATTO; BALDAN, 1999, p. 09).
Ora, a literatura como uma arte, é importante ferramenta que nos faz pensar; assim ela
se transforma também, em uma potência alfabetizadora, pois é ela que fomenta o pensar e
estimula o imaginário infantil. A criança desde o inicio do processo de alfabetização deve ser
motivada a esse caminho literário, pois como afirma Maria Zaira Turchi e Vera Maria
Tietzmann Silva, esta arte se torna cada vez mais instigante e acolhedora a cada novo
capítulo. Acerca deste fato as autoras afirmam:
As obras de arte deixam de ser um objeto longínquo de difícil e enfadonho acesso,
tornando-se um instrumento útil para o conhecimento [...] A cada página, sentimos
que a arte vai se tornando pequena e acolhedora, à medida que adentra o universo
encantado do leitor mirim. (TURCHI; SILVA, 2006, p. 190)
Falar com propriedade da arte de alfabetizar sem abordar pelo menos alguns aspectos
da obra de Emilia Ferreiro, é praticamente impossível, pois ela sendo uma pesquisadora
dedicada, como se autodenomina, busca compreender minuciosamente o desenvolvimento
deste processo, que pode se tornar uma experiência colorida e mágica para uma criança ao
folhear as páginas de um livro literário.
O termo alfabetização é usado de um modo geral como ato de ler e escrever, porém
quando este é realizado em parceria com as artes literárias, sua função vai muito além do que
o simples ato de decodificar, o leitor no momento do seu exercício de entender e interpretar os
textos, ativa a sua memória, relaciona fatos e experiências, entra em contato com valores, e
sensações diversas, assim como analisa as autoras Turchi e Silva em “Leitor formador, leitor
em formação”:
A leitura de um livro de arte, sem dúvida, pode tornar a criança mais criativa, ou
talvez fazê-la perceber o seu contexto físico ou social mais objetivamente, ou, ainda,
resolver suas inadequações emocionais. [...] Só assim, a criança saberá fazer a sua
leitura do mundo. (2006, p. 200)
Remetemos-nos então, à Emilia Ferreiro (2001), para quem o processo alfabetizador
se dá partindo da relação de três fatores importantes, a metodologia utilizada, ou seja, quais
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artifícios serão necessários para atingir os objetivos propostos; a maturidade da criança, pois é
imprescindível que o aluno esteja preparado para receber tais informações. Quanto ao fator
maturidade, Gregorin Filho salienta que:
É importante, portanto, que o livro a ser oferecido à criança seja adequado à sua
maturidade como leitor, pois um livro com letras miúdas ou com uma extensão
maior do que a sua competência de leitor pode entender, constitui fator do
afastamento da atividade de leitura ou da sua rejeição a essa atividade. (2009, p. 50)
A natureza do objeto de conhecimento que envolve esta aprendizagem, também é um
fator de muita importância, neste ponto deve-se analisar se o objeto possui algum sentido para
a criança. É necessário que esta criança, a qual se pretende alfabetizar, tenha em suas
experiências um conhecimento prévio sobre o objeto, para que esta aprendizagem tenha
sentido, pois certamente esta se dá partindo do nosso contexto pessoal, como afirma Freire
(2001 p. 28): “O comando da leitura e da escrita se dá a partir de palavras e de temas
significativos à experiência comum dos alfabetizandos e não de palavras e de temas apenas
ligados às experiências do educador.”
Utilizar a literatura infantil como veículo de aprendizagem da leitura e da escrita,
sendo esta o objeto de conhecimento, promove a formação não só de um indivíduo capaz de
ler e escrever fluentemente, mas o torna capaz de argumentar, de interagir com o mundo. Este
indivíduo poderá se tornar um agente de transformação na sociedade, em que está inserido.
As autoras Ana Teberosky e Teresa Colomer (2003) são grandes aliadas na busca de
desvendar este processo de aquisição da leitura e escrita. Elas discutem sobre as perspectivas
desta aprendizagem e fazem um paralelo entre as teorias condutista e construtivista.
Conforme a teoria condutista, a idade dos seis anos é a mais apropriada para se iniciar
o processo de ensino-aprendizagem, pois se espera que a criança tenha alcançado o nível de
desenvolvimento necessário para que comece a ser instruída à leitura e a escrita. Nesta teoria
a aprendizagem é dividida entre pré-requisitos para a aprendizagem, ou seja, um processo de
instrução, de exercício de habilidades de aprendizagem, sendo este visto como o resultado do
método de instrução que ainda não pode ser considerado como a aprendizagem propriamente
dita; e o processo de aprendizagem, sendo este visto como o resultado do método anterior, que
leva a criança a uma aprendizagem posterior.
Na perspectiva construtivista segundo as autoras, a aprendizagem é um processo
contínuo, em que a criança se desenvolve por meio de experiências adquiridas. Elas ainda
ressaltam dois pontos importantes sobre as primeiras experiências com a alfabetização. O
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primeiro nos fala que a escrita, a leitura e a linguagem oral, estão interligadas em seu
desenvolvimento, ou seja, elas são indissociáveis. O segundo trata a alfabetização inicial
como um processo histórico, que se desenvolve de acordo com o meio social que o indivíduo
está inserido, conforme visto anteriormente com Vygotsky.
Nesta linha, a perspectiva construtivista se assemelha aos fundamentos desta nova
concepção de literatura infantil, onde a convivência social e as formas de expressão históricas
da sociedade contextualizam e direcionam sua existência.
Entende-se então que o meio de convivência social da criança determinará o acesso
que ela terá às práticas de leitura e escrita. Partindo desta construção sócio-histórica-cultural,
pode-se afirmar que, o conhecimento da criança na perspectiva construtivista é elaborado a
partir da convivência com leitores, do acesso a materiais escritos, e da assimilação do
conhecimento socialmente transmitido através da interação com o adulto. “Os três elementos
do diálogo educativo, as crianças, os adultos e os materiais, constituem um triângulo no qual
cada parte contribui para construir a trama desta história.” (TEBEROSKY, 2008, p. 06).
O ato de ler um texto significa entender o processo simbólico inserido nele, entrar no
mundo do autor e estar sensível às suas sensações, ser capaz de perceber o seu olhar sobre o
mundo e transportar este momento para sua realidade, estimulando o imaginário. Portanto, se
a leitura recorre às capacidades de reflexão do leitor, ela também vai influenciar nas suas
emoções. Desse modo, a literatura infantil pode ser vista como um importante veículo que
trabalha de forma peculiar tal função, já que segundo Gregorin Filho, “[...] a literatura é a
expressão máxima da arte e da alma de um povo”. (2009, p.75)
Nesta perspectiva, o olhar de Ferreiro sobre a alfabetização também excede o simples
ato de decodificação. Segundo ela, é necessário compreender as funções da língua na
sociedade, para apropriar-se desta aprendizagem. Esta compreensão é resultado do meio de
convivência da criança, ou seja, se o seu ambiente familiar é um espaço alfabetizador onde
estará em contato constante com leitores e escritores, com certeza esta criança estará
consciente das práticas precisas das funções linguísticas de acordo com suas experiências. Se
a família não tiver condições de proporcionar o acesso a estas informações por falta de
conhecimento, compete às instituições educacionais desempenhar este papel, porque é quase
que impossível adquirir estes saberes fora dos atos sociais.
Seguindo este pensamento, a autora fala da forma que a escola se coloca diante desta
situação, pois em sua maioria tais instituições, na visão de Ferreiro, utilizam deste processo
alfabetizador para promover, deixando de lado o verdadeiro foco que é formar leitores
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críticos, que tenham capacidade de compreender, de interpretar, de recriar e principalmente de
argumentar.
Sobre essa relação da criança com a escola, há discussões a respeito do momento em
que se deve iniciar o ensino da leitura e da escrita. Em suas reflexões sobre a alfabetização,
Ferreiro (2001) analisa a questão: „„deve-se ou não ensinar a ler e a escrever na pré-escola?”
Este questionamento nos leva a um entendimento contraditório dos estudos realizados,
porque nos remete ao pensamento de que é função do adulto determinar o tempo preciso que
se iniciará a aprendizagem da leitura e da escrita, enquanto que, já sabemos que este processo
se dá por meio de interações sociais e cotidianas, mesmo antes da criança se inserir em uma
instituição educativa, ou seja, a partir do seu meio social a criança entra em contato com
informações diversas de escrita em seus múltiplos meios de comunicação. Como ressalta
Ferreiro (2001, p.98): “Da mesma forma, iniciam o seu aprendizado do sistema de escrita nos
mais variados contextos, porque a escrita faz parte da paisagem urbana, e a vida urbana requer
continuamente o uso da leitura.”
Analisando o cotidiano do adulto, em suas leituras de jornais ou revistas, consultas a
agendas telefônicas, bilhetes escritos, cartazes de anúncios, rótulos de alimentos, dentre outros
mais, veremos que mesmo inconscientemente estamos envolvendo as crianças no ato de ler e
escrever. Dessa forma ela passa a se interar neste processo alfabetizador involuntariamente,
sem a imposição do adulto. No entanto, não se pode negar que apesar do aprendizado da
criança se iniciar muito antes dela frequentar a escola, este ambiente escolar é capaz de
introduzir elementos novos ao seu desenvolvimento.
Neste processo a pré-escola tem a função primordial de suprir as necessidades da
criança no aprendizado respeitando seus limites, e permitir que uma criança que não convive
com adultos alfabetizados, tenha acesso as informações básicas descobrindo não somente o
sentido escolar da alfabetização, mas principalmente o sentido social desta aprendizagem.
Entender o espaço escolar como possível responsável pelas primeiras lutas e
conquistas da criança é de fundamental importância para que o processo de ensino-
aprendizagem ocorra de forma qualitativa e satisfatória, sendo assim, a pré-escola deve
oferecer um ambiente rico de informações, desafiador, receptivo, onde a criança será livre
para realizar experiências, e brincar com a linguagem reconhecendo semelhanças e diferenças
escritas e sonoras. Para Ferreiro:
Numa sala de pré-escola deve haver coisas para ler. Um ato de leitura é um ato
mágico. Alguém pode rir ou chorar enquanto lê em silêncio, e não está louco.
“Alguém vê formas esquisitas na página, e de sua boca „„sai linguagem”: uma
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linguagem que não é a de todos os dias, uma linguagem que tem outras palavras e
que se organiza de uma outra forma. Em vez de nos perguntarmos se „„devemos
ensinar” temos de nos preocupar em DAR ÀS CRIANÇAS OCASIÕES DE
APRENDER. A língua escrita é muito mais que um conjunto de formas gráficas. É
um modo de a língua existir, é um objeto social, é parte de nosso patrimônio
cultural. (2001, p.103)
Sendo assim, segundo Ferreiro, a pré-escola tem como função preparar o caminho para
que a alfabetização não seja um processo doloroso e sem sentido para a criança, mas que ela
descubra o prazer da leitura e da escrita como um ato social e cultural. E neste caso, a
literatura infantil terá grandes contribuições nesta função da escola.
Quando se tem os livros de literatura infantil como aliados no desenvolvimento do
processo alfabetizador, é importante refletir que o papel do educador é fomentar todas as
possibilidades de visão de arte e de mundo, é propiciar relações entre o texto literário e o
contexto social no qual a criança está inserida.
Com o intuito de ampliar a prática pedagógica, fazendo uso dos textos literários, serão
sugeridas algumas atividades que irão auxiliar o professor na função de proporcionar
oportunidades de desenvolvimento pleno do seu aluno. Cientes que vários outros autores
propõem diversos caminhos para se trabalhar a literatura infantil na sala de aula,
exemplificaremos as propostas de Gregorin Filho (2009).
Estas podem ser adaptadas às necessidades que surgirem de acordo com a realidade de
cada grupo.
Quebra-Cabeça
Utilizando pequenos textos literários digitados, sendo os mais indicados para esta
atividade os contos, as lendas e as fábulas, o professor recorta as partes da estrutura textual,
como algumas do início, outras do desenvolvimento da narrativa e o seu final, para que as
crianças montem o texto. Para as crianças menores, pode-se utilizar imagens da história para
que montem a sequência dos fatos.
Esta atividade é muito útil para que o aluno aprenda as estruturas textuais encontradas
em diferentes tipos de narrativas de modo lúdico.
Oficina de Dramatização
Por meio de um trabalho multidisciplinar, com professores de educação física, história,
geografia e artes, por exemplo, são escolhidos textos literários para serem adaptados e,
posteriormente, apresentados em festividades da escola.
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Esta atividade tem como objetivo o estudo e a escrita de diferentes tipos de textos,
reconhecendo suas especificidades, além de proporcionar aos alunos um contato mais
profundo com as etapas da criação artística, já que o teatro envolve aspectos como cenário,
preparação de ator, direção e iluminação, entre outros. Sendo possível propor a representação
junto às crianças menores, uma vez que depois de conhecer a história a criança consegue
deslumbrá-la em sua imaginação trazendo ótimas contribuições fantasiosas para a
representação.
Recontando a História do Patinho Feio
Os alunos contam a história novamente, porém com o patinho feio sendo aceito desde
o início pela família de patos, com exemplos das conseqüências dessa atitude.
Esta atividade tem como objetivo fazer com que as crianças interpretem a história “O
Patinho Feio”, analisando seus aspectos positivos e negativos. Trabalha elementos
importantes como: atenção, sílabas, vocabulário, expressão oral, interpretação de texto,
sequência lógica, entre outros.
O professor participa direta e indiretamente de todas as atividades, sem interferir na
criatividade dos alunos.
A Hora da Novela
Que tal o professor criar um tempinho durante a semana para ler um livro em
pequenos capítulos?
Esta atividade pode despertar a curiosidade nas crianças de procurar o livro, de tentar
descobrir o que acontece depois, além de o professor trazer para o aluno um gênero literário
bastante antigo: a novela.
Para esta atividade, são sugeridos livros de aventura e mistério, pois esses são
ingredientes poderosos para despertar a curiosidade nos “próximos capítulos”, além de
promover conversas sobre as personagens e o desenrolar da trama.
Um bom espaço para isso? O último momento de aula da semana ou um aquecimento
para atividades de produção textual. É de suma importância que o professor tenha
conhecimento total da história e que planeje as partes que irá interromper para criar
expectativas no imaginário das crianças.
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Propaganda de Livro
Quem nunca sentiu vontade de falar sobre um livro de que gostou muito e incentivar
um amigo a ler?
Esse é o objetivo desta atividade bastante gostosa para estimular o hábito de leitura e a
inclusão da literatura na conversa das crianças. Proporcionando esse hábito, talvez os futuros
adultos não fiquem tão acanhados quando sentirem vontade de falar sobre um livro.
O importante nesta atividade é deixar a criança livre para expressar as suas opiniões
sobre a obra que escolheu. Ela poderá dizer por que gostou e atribuir juízos de valor bastante
livres sobre a obra, falar do impacto das personagens na obra, os afetos despertados e assim
por diante.
Esta atividade talvez fosse criticada pela escola tradicionalista do passado, que, como
vimos, tinha o objetivo de imitar valores e promovia atividades para memorização de
conteúdos. Os professores devem se lembrar que a postura crítica também se constrói pelo
aprendizado.
É importante que se tenha em mente que a formação de leitores se dá por meio de
atividades de leitura, e estas devem ser compatíveis com a competência de leitura da criança,
mas devem oferecer meios e estímulos para que o leitor vença outras etapas, consiga decifrar
novos códigos e se torne cada vez mais capacitado a fazer leituras com um olhar crítico e
“plural”, termo citado por José Nicolau Gregorin Filho (2009).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos estudos realizados pode-se concluir que só foi possível entender o sentido
da literatura infantil quando se passou a considerar a fase da infância, proporcionando assim
um novo olhar para as necessidades cognitivas e afetivas das crianças. Assim, a literatura
infantil é considerada como a arte que expressa as sensações, expressões e sentimentos, é um
meio de se adentrar no universo do imaginário infantil, e trabalhar por meio da fantasia
questões sociais e existenciais que contribuem para a formação integral da criança. Dessa
forma, proporcionar o contato da criança com os livros literários é prepará-las para que
estejam mais sensíveis às mudanças irremediáveis da sociedade.
Entre outras aprendizagens proporcionadas pelos caminhos literários, a alfabetização é
uma das aquisições que este contato com a literatura infantil permite. Quando este processo se
dá em parceria com a literatura infantil, a aprendizagem se torna mais prazerosa e
significativa à criança, pois, a linguagem utilizada nos livros se assemelha à das crianças,
promovendo além da formação, um meio de informação.
Portanto, através das pesquisas realizadas evidencia-se que, por meio da literatura
infantil, a criança consegue obter um olhar mais crítico, interpretativo e reflexivo, sendo
assim capaz de exercer sua função cidadã com mais aptidão.
INFANT LITERATURE: OTHER WAY TO EDUCATE
Adriana Braz Soares de Souza
Abstract: This article is about the “Infant Literature: other way to educate”, and it tries to
remake a short historical survey about the changes of the conception about the childhood. It
intends to give the concept of what is the infant literature above this perspective, giving the
analysis of the circumstantial situations where‟s this deep look is given to literature turned to
the target public. The main goal is, so , to show some of it contributions to he child‟s
formation in the ambits of the affection, the critical thought , the free expression of sensations
and feelings , the sensitive look to he social changes and also the motivation to the
acquisition of reading and writing in a pleasant and significant way. The methodology is
presented by the bibliographic analysis through the selection and combination of thoughts of
the authors like Zilbermam,R.(2003); Abramovich,F.(2001); Bettelheim,B.(2008); Ferreiro,E.
(2001);Teberosky,A.(2008) and others. The results of the research show that infant literature
as ally in the child‟s former process helps in what it refers the constitution of plurality in
reading not only in the literacy process, but also about the world‟s reading.
Key words: Infant Literature. Learning. Sensibility. Childhood.
22
REFERÊNCIAS
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Scipione, 2001.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
22 edição.
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Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF, MEC/SEF, 1997.
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e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais/
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, DF, MEC/SEF, 1998.
COLOMER, Teresa; TEBEROSKY, Ana. Aprender a Ler e a Escrever: uma proposta
construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna,
2000.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: teoria e prática. São Paulo: Editora
Ática, 2004.
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Contexto, 2008.
FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. São Paulo: Cortez Editora, 1997.
______. Emilia. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez Editora, 2001.
FREIRE, Paulo. A Importância do ato de ler. São Paulo: Cortez Editora, 2001.
23
FRANZ, Marie-Louise Von. A Interpretação dos Contos de Fadas. São Paulo: Edições
Paulinas, 1990.
GREGORIN FILHO, José Nicolau. Literatura Infantil: multiplas linguagens na formação de
leitores – São Paulo: Editora Melhoramento, 2009.
OLIVEIRA, Maria Khol de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-
histórico. 4 ed. São Paulo: Scipione, 1997.
SEGATTO, José Antonio; BALDAN, Ude. Sociedade e literatura no Brasil. São Paulo:
Editora UNESP, 1999.
TURCHI, Maria Zaira; SILVA, Vera Maria Tietzmann. Leitor formador, leitor em
formação: leitura literária em questão. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006.
ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Editora Global, 2003.