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Teologia Bíblica

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Dr. Cristofani - Teologia Bíblica - disciplina oferecida no curso de Teologia da Seminário Batista Ana Wolleman/Unigran, Dourados/MS. Minha primeira experiência com vídeo aula gravada em 2007-2008.

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Graduação a Distância

Teologia

TEOLOGIA BÍBLICA

Professor Dr. José Roberto Cristofani

Apresentação do docente

Queridos Participantes!

Sou o professor José Roberto Cristofani. Pastor Presbiteriano hávinte e cinco anos e tenho Doutorado em Antigo Testamentopela Escola Superior de Teologia (EST/UFRGS). Gosto delecionar Antigo Testamento e as disciplinas a ele relacionadas.Fiz um curso de Pós-Graduação em “Informática na Educação –EAD” na Universidade Estadual de Londrina, e me apaixoneipor tecnologia educacional, tanto que desenvolvo uma “Cartilhade Alfabetização em Hebraico Bíblico”, com muitos recursosmultimídia, no meu programa de Pós-Doutorado em LinguísticaAplicada pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Espero que vocês também se apaixonem pelo Antigo Testamento e pelo Ensino a Distância. Estareisempre à disposição de vocês.

Um forte abraço!Com carinhoPastor Cristofani

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Introdução

Desafi o sempre grande esse de lecionar Teologia Bíblica. Desafi o aceito e tratado com humildade. Com esperança também. Esperança de que todos, você, seus colegas de turma e eu, aprendamos. Aprendamos a convivência pacífi ca na busca de um melhor entendimento bíblico. É isso que me anima como educador. A possibilidade de transformar conteúdo em vivências e convivências.

Assim, tratar a Teologia Bíblica dentro do seu quadro das demais teologias (Dogmática, Pastoral etc) exige de nossa parte um esforço por respeitar os demais saberes e suas abordagens próprias.

Ressalto que estou interessado em dar exemplos de Teologia que chamo de bíblica. São refl exões nos próprios textos bíblicos. Práticas que não são, senão uma tentativa de ler as Escrituras com olhos de Pastor.

Quanto à dinâmica do curso destaco os seguintes requisitos:

1. Leitura deste material impresso.2. Leitura do material complementar indicado em cada aula.3. Participação nos Fóruns de Discussão.4. Postagens no Portfólio.5. Assistir aos vídeos disponíveis.Quanto à avaliação da disciplina será composta de duas notas: 100 pontos para

a avaliação fi nal escrita e 100 pontos para a participação on-line distribuídos da seguinte maneira:

• 50 pontos pelas postagens no Fórum (no mínimo duas postagens);• 50 pontos pelo envio de, no mínimo, duas tarefas no Portfólio.As duas notas serão somadas e divididas por dois, resultando na média fi nal.Espero que vocês também se apaixonem pela Teologia Bíblica e pelo Ensino a

Distância. Estarei sempre à disposição de todos.Um forte abraço!

Com carinho, Pastor Cristofani

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Aula 01

TEOLOGIA BÍBLICA: INTRODUÇÃO

PRELIMINARES

Para início de conversa, quero estabelecer a nomenclatura atual para designar o Antigo Testamento.

Por muito tempo, e ainda hoje, o Antigo Testamento tem sido chamado de “Velho Testamento”. Isto se deve ao fato de sermos nós os cristãos que temos o Novo Testamento. Daí nos referirmos à Escritura Hebraica como “Velho Testamento”.

Rolf Rendtorff pergunta: “quem distingue e põe em relação” o Antigo Testamento com o Novo? Ele mesmo responde:

Dr. Rolf Rendtorff

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Os cristãos. Com isso, aparece imediatamente o próximo aspecto do problema: É que o Antigo Testamento não era desde sempre o “antigo”. Existia sem a relação a um “novo”, antes que essa relação surgiu e antes que mesmo pudesse surgir. O Antigo Testamento já era a “Bíblia”, antes que chegou a ser o “Antigo” Testamento. Era, e é até hoje, a Bíblia dos judeus. A formulação do assunto contém, então, ao mesmo tempo um aspeto essencial da relação de judeus e cristãos. Os judeus lêem a “Bíblia” - sua Bíblia, os cristãos lêem o “Antigo Testamento”, este que, para eles, não chega a ser “Bíblia” senão junto com o “Novo Testamento”. O Antigo Testamento, então, é comum a ambas as comunidades de fé, mas numa diferenciação muito fundamental1.

Hoje, contudo, há uma forte tendência nos círculos acadêmicos de utilizar uma terminologia mais apropriada para o Antigo Testamento. Há diversas possibilidades, tais como: “Bíblia Hebraica”, “Bíblia Judaica”, “Bíblia de Israel”, “TaNaK” (abreviação de Torah, Neviim, Ketubim – Pentateuco, Profetas e Escritos, respectivamente), “Primeiro Testamento”.

O uso de cada uma dessas designações alistadas tem suas vantagens e desvantagens. Não vou me restringir a qualquer uma delas, mas utilizá-las de forma equivalente e intercambiável.

Entretanto, todas as opções de nome para o Antigo Testamento têm, ao menos, um ponto em comum. Destaco o fato que todos reconhecem, seja lá como chamem o Antigo Testamento, que em primeiro lugar é um livro do Judaísmo, e que só secundariamente se tornou Escritura para nós cristãos.

Assim, é sempre bom ter claro que a Bíblia Hebraica é legitimamente interpretada pelos judeus e que precisamos atentar para esta interpretação. Isso implica também, que devemos escutar o Antigo Testamento no seu entorno histórico e literário próprio.

Portanto, o mesmo vale para o Novo Testamento no que diz respeito à sua análise teológica.

RELAÇÃO ENTRE OS TESTAMENTOS

Uma palavra precisa ser dita sobre a relação entre os Testamentos.Desde uma perspectiva cristã, há a necessidade de se fazer uma constante inter-

relação entre Antigo e Novo Testamento no processo interpretativo desses textos sagrados. Afi nal, ambos os testamentos compõem a Bíblia cristã.

1Rolf Rendtorff, Ler o “Antigo” Testamento como Cristão. In: Relações Judaicas-Cristãs.

Fragmento da LXX (Tradução Grega do Antigo Testamento)

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Ao longo da sua história o Cristianismo tomou várias posturas em relação ao Antigo Testamento.

Nos seus primórdios, na era apostólica, quando ainda não havia o Novo Testamento, as Escrituras se constituíam apenas a Bíblia Hebraica, grosso modo. Seu uso foi, via de regra, cristológico e messiânico, isto é, ela foi lida como texto de provas aplicadas a Jesus para fundamentar seu cumprimento.

Assim, um primeiro modo de se ler o Antigo Testamento foi o binômio Promessa – Cumprimento. O que o Antigo Testamento prometera, cumprira-se em Cristo. Esse modo de considerar a Bíblia de Israel ainda hoje é muito popular na Cristandade.

Alguns exemplos dessa prática são alistados por Rolf Rendtorff em seu texto já citado Ler o “Antigo” Testamento como Cristão. Mas como foi, agora, interpretado o Antigo Testamento da Bíblia cristã? Particularmente, certas promessas ou “vaticínios” do Antigo Testamento são referidos a Cristo e, em muitos textos que originalmente não contêm elementos de promessa, estes são lidos ou interpretados para dentro. Em via de regra, os judeus não pensam assim de modo algum, nem positiva nem negativamente. O Antigo Testamento é simplesmente um livro cristão.

Quero isso esclarecer em alguns exemplos. A tradição cristã do Advento e Natal vive dessa interpretação de textos ântico-testamentários. Naturalmente, são estes em primeiro lugar os assim chamados textos “messiânicos”. Nisso, muitos textos que tratam da vinda do rei, são referidos a Cristo com naturalidade. Assim Isaías 9.1,5s. O povo que anda na escuridão, vê uma grande luz... Uma criança nos nasceu, um fi lho nos é dado... Ou Isaías 11.1ss. Sairá um broto do tronco de Jessé, e um rebento brotará das suas raízes. Sobre ele pousará o espírito do Senhor... ou Miquéias 5.1: E tu, Belém, Efrata, sendo pequena entre as cidades em Judá, de ti sairá para mim aquele que será Senhor em Israel. Esse texto é citado, já no Novo Testamento na narração dos sábios do Oriente, como indicação a Belém como a cidade de nascimento do “recém-nascido rei dos judeus” (Mateus 2).

Mas não para por aí.

Outro texto mencionado, porque é um dos poucos que já originalmente têm um sentido “messiânico” - no sentido escatológico de Zacarias 9.9: Tu, fi lha de Sião, exulta muito, e tu, fi lha de Jerusalém, grita de alegria! Eis que o teu rei vem a ti, um justo e salvador, pobre e montado num jumento, num fi lho da jumenta. Este texto, é que já é explicitamente citado no Novo Testamento na entrada de Jesus em Jerusalém, com a fórmula de introdução: “Isso aconteceu para que se cumprisse aquilo que é dito pelo profeta” (Mateus 21.5).

Além disso, textos que não continham originalmente tais elementos messiânicos foram frequentemente interpretados “cristologicamente”. Dois são especialmente característicos: Gênesis 3.15: Porei hostilidade entre ti e a mulher, entre tua semente e a semente dela; ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar. Aqui se fala da antiquíssima e incurável inimizade entre homem e cobra. Já a interpretação da antiga Igreja explicou o texto assim que a “semente” era da Eva, logo o “fi lho de homem”, esmaga a cabeça da serpente, logo do Satã. Chamava-se o versículo o “Proto-evangelho”.

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De igual modo, quando um Novo Testamento incipiente vai sendo escrito, através das primeiras cartas de Paulo, também a fórmula promessa-cumprimento toma o seu lugar.

No período subapostólico os chamados Pais da Igreja, tendo já boa parte do Novo Testamento, adotam posturas diversas em relação às escritura judaicas canônicas. Há os que as aceitam sem restrições. Ma há também os que a rejeitam com todas as restrições, Marcion, por exemplo.

Em termos de leitura o Antigo Testamento é equiparado ao Novo, mas como um complemento, isto é, o Novo Testamento é o complemento necessário ao Antigo.

Daí que a análise dos textos da Bíblia Hebraica segue as interpretações dos escritores do Novo Testamento, aceitas como únicas e legítimas.

Aqui também faço a mesma observação do item anterior. É preciso ouvir as Escrituras de Israel de forma independente da Escritura da Igreja em primeiro lugar, para somente depois fazer a relação entre os Testamentos.

EXEGESE COMO BASE DA TEOLOGIA BÍBLICA

É bastante óbvio para um Teólogo Bíblico que a exegese deve constituir a base da Teologia Bíblica. Esse fato é menos óbvio para os estudantes não especializados da Escritura.

Assim, é necessário esclarecer alguns pontos sobre a relação entre Exegese e Teologia Bíblica.

A Exegese trata de estudar o texto bíblico como se apresenta na Escritura. Em seu contexto primeiro, procura descrever seu gênero literário, sua estrutura, sua teologia.

A exegese fornece, assim, a matéria-prima para a Teologia Bíblica. Ao analisar cada texto de forma particular, a Exegese dá à Teologia Bíblica a compreensão de cada texto bíblico e a teologia própria de cada um deles.

Aí a Teologia Bíblica cumpre sua tarefa primordial que é dar um passo além em direção à Hermenêutica. A Teologia Bíblica faz a relação das teologias particulares de cada trecho das Escrituras apresentando uma Teologia dos textos entrelaçados através do tempo.

Fazer uma Teologia Bíblica signifi ca estar atento especialmente para o dado primário de todo fazer teológico: a existência, a revelação e a percepção do Sagrado. Se Deus é entendido e crido como o princípio criador e estruturador de todo o cosmo, então

Papiro Chester Beatty – P46 – Texto de I Coríntios 11

Dr. Haroldo Reimer

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suas possibilidades de revelação extrapolam qualquer fronteira nacional, geográfi ca ou étnica. Deve haver uma busca constante pela universalidade de Deus, de suas marcas e de sua mensagem na multifacetariedade e no multicor da história humana. Neste sentido, a Teologia Bíblica deve estar atenta à pluralidade das culturas e das expressões de fé dos diferentes grupamentos humanos, em tempos e lugares distintos.2

Portanto, enquanto a Exegese descobre a teologia de cada texto num determinado momento, a Teologia Bíblica mostra como essa determinada teologia se apresenta através do tempo.

A Teologia Bíblica, assim, é a ponte que liga a Exegese à Hermenêutica, tornando-se imprescindível para a correta compreensão da Sagrada Escritura.

TEOLOGIA BÍBLICA E TEOLOGIA SISTEMÁTICA

Aponto aqui, apenas as diferenças que julgo importantes para a distinção, e favorecimento da Teologia Bíblica em detrimento da Teologia Sistemática.

A Teologia Sistemática tem como centro de suas preocupações e ocupações os dogmas da Igreja. É um discurso teológico formulado a partir de fora das Escrituras. Tem como suporte os grandes sistemas fi losófi cos. Seus critérios são, portanto, externos.

A Teologia Sistemática pretende descrever Deus e sistematizar o seu pretenso conhecimento de Deus. Se para o teólogo sistemático, teologia é o estudo sobre Deus, então a Teologia Sistemática é, para ele, a sistematização do conhecimento de Deus.

Exemplifico com o dogma da Trindade. A formulação trinitária tem seu arcabouço na metafísica grega. Sua fórmula é um dogma da cristandade erigido nos Concílios da Igreja.

Apesar de a Bíblia jamais utilizar o termo “trindade” ou algum outro que lhe equivalha, a Teologia Sistemática utiliza o dogma para ler as Escrituras.

Assim, os teólogos sistemáticos encontram referências ao dogma trinitário até no Antigo Testamento, que é claramente defensor de um único Deus. Um exemplo clássico dessa leitura dogmática da Bíblia pode-se ver em Gênesis 1.26 e 11.7:

Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. (Gênesis 1.26)Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a

linguagem de outro. (Gênesis 11.7)

Os “plurais” que aparecem nos textos de Gênesis 1.26 (façamos) e 11.7 (desçamos e confundamos) são interpretados como fazendo referência inequívoca à Trindade.

2Haroldo Reimer, http://www.haroldoreimer.pro.br/resenhas/gunneweg.htm

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Seja qual for a interpretação desses “plurais”, o certo é que não podem ser utilizados como se referindo ao dogma trinitário cristão, pois os autores de Gênesis não conheciam tal formulação. E mais, tal doutrina é totalmente estranha ao pensamento judaico.

Por seu turno, a Teologia Bíblica tem como ponto de partida e chegada a própria Escritura. A Teologia Bíblica procura escutar a Bíblia e formular suas conclusões com base nessa escuta. É parte da sua tarefa avaliar as formulações teológicas dos autores bíblicos e não dos dogmas cristãos.

Pode-se dizer que a Teologia Bíblica usa critérios internos para formular suas propostas. Isso equivale a dizer que a Teologia Bíblica se aplica ao texto mesmo e o avalia pela mediação da Exegese.

Posso dar um exemplo. A assim chamada “Teologia da Criação”, que desenvolverei em um capítulo à parte, encontra-se formulada em diversos textos do Antigo Testamento. Ela aparece em Gênesis 1, Gênesis 2, Salmo 104, Jó 38-40, entre outros textos. Cada um desses textos tem sua natureza, gênero literário, contexto histórico, fi nalidade. E cada um deles apresenta a “Teologia da Criação” ao seu modo e interesse.

A Teologia Bíblica trata de compreender o desenvolvimento da “Teologia da Criação” e de apresentá-la em todas as suas nuances, diferenças e semelhanças.

Em outras palavras, enquanto a Teologia Sistemática procura nivelar os textos bíblicos com critérios externos, dogmáticos e fi losófi cos, a Teologia Bíblica trata de ressaltar justamente as diferenças entre os textos que tratam da mesma teologia, não nivelando o que não pode ser e nem deve ser nivelado.

A Bíblia é uma paisagem com relevos diversos: vales, montanhas, planícies, picos. E assim deve permanecer.

TEOLOGIA E TEOLOGIAS

O nome da disciplina que estamos estudando é “Teologia Bíblica”. Esta designação pode levar a um equívoco que normalmente impede de ver a riqueza teológica da Bíblia.

Teologia Bíblica engloba as teologias do Antigo e do Novo Testamento. Aí já se pode perceber que não estamos tratando de uma única grandeza ou teologia, mas de duas grandezas ou duas Teologias

Contudo, não apenas duas teologias estão no horizonte da disciplina Teologia Bíblica. Com a Exegese torna-se evidente que tanto o Antigo como o novo Testamento são compostos de várias teologias. Diversos pontos de vista teológicos surgem na leitura criteriosa da Bíblia.

Podemos falar de uma Teologia Paulina, Petrina, Joanina etc. Na Bíblia Hebraica não é diferente. Podemos falar de diversas teologias também.

Por isso, é recomendável que utilizemos o termo “Teologia” no plural. Isso faz mais jus à natureza da Escritura.

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DEFINIÇÕES DE TEOLOGIA BÍBLICA

Existe uma difi culdade para formular uma defi nição de Teologia Bíblica que seja aceita como consenso. A história da disciplina e os debates atuais nos mostram que há diferentes opiniões daquilo que se entende pelo termo “Teologia Bíblica”.

Assim, cito as seguintes defi nições sem fazer nenhum comentário.

A Teologia Bíblica é aquele ramo da Teologia Exegética que lida com os processos da auto-revelação de Deus depositada na Bíblia. (Geerhardus Vos, Teología Bíblica: Antiguo y Nuevo Testamento)A Teologia do Velho Testamento é o estudo dos atributos de Deus e o propósito das suas atividades na história e na vida do povo de Israel, de acordo com a doutrina da revelação divina nos livros sagrados deste povo. (A. R. Crabtree, Teologia do Velho Testamento)A Teologia do Antigo Testamento esforça-se para expor, do modo mais ordenado possível, as grandes declarações da verdade divina que ocorrem nesses escritos. Tais afi rmações podem incluir revelação direta ou proposicional da parte de Deus a respeito da Sua natureza e Seus propósitos, proclamações feitas por profetas e outros de temas ou aspectos específi cos da Torá e do seu signifi cado para os receptores. (R. K. Harrison, Teologia do Antigo Testamento)Teologia Bíblica é a compreensão unitária expressa em uma síntese doutrinal, crítica, orgânica e progressiva da revelação histórica da Bíblia (ou do Antigo e do Novo Testamento) com categorias próprias, pela luz da fé pessoal e eclesiástica. (G. Segalla, Dicionário Bíblico)

ATIVIDADES As atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta

“Atividades”. Após respondê-las, envie-nas por meio do Portfólio- ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas, utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.

Dr. Geerhardus Vos

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Aula 02

TEOLOGIA BÍBLICA:PANORAMA HISTÓRICO

HISTÓRIA DA TEOLOGIA BÍBLICA

A estrada para a Teologia Bíblica foi preparada pelos humanistas: Lorenzo Fences e Erasmo, que propiciaram a volta aos textos originais da Bíblia. Na onda do humanismo, Lutero pode propor seu princípio "Sola Scriptura" que deu o impulso decisivo para estabelecer a relação entre Bíblia e Teologia.

Os antecessores da Teologia Bíblica foram trabalhos que apareceram entre os anos 1500 e 1700, chamados de "Collegia Bíblica". Eram, na verdade, catálogos de passagens bíblicas organizadas de acordo com as teses do símbolo luterano de fé ou da Teologia Sistemática. Esses trabalhos ainda não apresentavam qualquer interpretação do texto sagrado, mas eram apenas instrumentos a serviço da Teologia Dogmática luterana.

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O termo "Teologia Bíblica" foi utilizado pela primeira vez por W. J. Christmann em 1629. O primeiro trabalho que possuímos com esse nome é o de Henricus Dienst: Theologia Bíblica, publicado em Denver em 1643. Contudo, sua obra não se afasta do "Collegia Bíblica".

A separação da Teologia Bíblica da dogmática foi favorecida pelo pietismo do fi nal do século XVIII, na atmosfera da "Collegia Philobiblica" ou "Pietatis".

O contato pessoal do Pietismo com a Escritura se opôs à teologia escolástica fria, razão pela qual se sentia a necessidade de fazer uma teologia tirada da "Sola" Escritura Sagrada. Porém, nem essa prática do pietismo distinguiu a Teologia Bíblica da sistemática.

É com o Pietismo que a Teologia Bíblica foi apresentada como rival da dogmática, pretendendo substituí-la. Mas somente com o Iluminismo a Teologia Bíblica é apresentada como ciência crítica da teologia sistemática. As premissas são: o Deísmo para o qual o último juiz da verdade é a razão; e a crítica histórica que serve do rico material posto à disposição pela fi lologia e pela investigação histórica aplicada à Bíblia; nela se acharia a religião racional ou de acordo com a razão.

Desta forma já não era a teologia, mas a razão se tornara o critério para se entender a Escritura. A Teologia Bíblica iluminista se fundava na autoridade da razão mais do que na Bíblia.

O produto mais refi nado deste período iluminista é o trabalho em quatro volumes de G.T. Zachariá (1729-1777) Biblische Theologie. O autor refuta o método precedente do "dita probantia". Não basta citar os textos bíblicos. É necessário interpretá-los de forma que se veja o que é válido ou não na Teologia Sistemática.

Zachariá tinha compreendido a necessidade da interpretação e atribuía ao processo interpretativo da Bíblia uma função crítica em relação à teologia:

Portanto, é necessário que se esqueça, durante algum tempo, o sistema doutrinário de nossa Igreja e, através de um estudo atento da Escritura inteira, se procure determinar as doutrinas teológicas nela contidas; assim se terá uma nova teologia..., a autêntica Teologia Bíblica" que deverá ser considerada como o critério último de verdade, com o qual se deve confrontar as teses teológicas.

O autor continuou identifi cando o conteúdo da Bíblia com os ensinos da fé. Seu interesse pela Bíblia, embora crítico, ainda foi centrado na teologia sistemática.

TEOLOGIA BÍBLICA E RAZÃO CRÍTICA

O passo metodológico decisivo para o estabelecimento de uma verdadeira e autêntica Teologia Bíblica, diferente da sistemática, foi dado por J. Ph. Gabler (1753-1826) com sua aula inaugural na universidade de Altdorf em 1787.

Sua célebre tese soa deste modo:

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A Teologia Bíblica tem caráter histórico já que transmite o que os hagiógrafos pensaram das coisas divinas; por outro lado, a Teologia Dogmática tem caráter didático, porque ensina o que todo teólogo fi losofa sobre as coisas divinas de acordo com sua capacidade ou a cultura do tempo, de acordo com as circunstâncias, o tempo, o lugar, as seitas, as escolas e outras coisas.

A Teologia Bíblica, por argumentar historicamente, permanece em si, sempre a mesma, embora apresentada de forma diversa de acordo com os vários sistemas; por outro lado, a Teologia Dogmática está sujeito às várias mutações das outras disciplinas às quais está ligada. Por isso era preciso separar o que era humano (Teologia Dogmática) do que era divino (Teologia Bíblica), para proteger-se do ataque dos racionalistas.

Entrando no tema específi co da Teologia Bíblica, pôs-se em relevo a diversidade de tempos e de autores bíblicos, sustentando a parte do autor humano, embora possuindo o carisma da inspiração. Os autores do Antigo e do Novo Testamentos são colocados em sequência temporal, distinguindo as concepções religiosas sucessivas dos patriarcas, de Moises, etc.

G. L. Bauer (1755-1806) foi o primeiro a aplicar o método histórico-crítico na elaboração de uma Teologia Bíblica, embora não siga a estrutura da metodologia proposta por Gabler.

Bauer quer demonstrar a evolução da teoria da religião do Antigo Testamento para o Novo Testamento, onde culmina com a religião racional. Os diversos autores bíblicos são apresentados sucessivamente de acordo com tópicos comuns (cristologia, teologia, antropologia) e justapostos uns e outros sem relação entre si, isto é, várias teologias sem relações entre si.

Na interpretação dos textos Bauer frequentemente se contenta em se referir às opiniões de vários autores. A prevalência do método histórico sobre o teológico, além de preferir a reconstrução à interpretação, conduz imediatamente à divisão entre teologia do Antigo Testamento e Teologia do Novo Testamento. Esta divisão que quebra a unidade teológica do cânon permanece praticamente até hoje.

A infl uência de Gabler e de Bauer foi grande. Depois deles houve quem seguiu o método puramente histórico e quem seguiu apenas o teológico. Todavia, os melhores resultados foram obtidos pelos que praticaram o método histórico junto ao teológico.

TEOLOGIA BÍBLICA E INTERPRETAÇÃO

O período rico da Teologia Bíblica iluminista não havia conseguido formular um princípio interpretativo unitário. Havia-se percebido a importância da atmosfera cultural da Bíblia (filologia, mentalidade, mito, etc), mas não do ambiente vital, quer dizer, da comunidade na qual e pela qual os textos foram transmitidos e logo escritos os livros da Bíblia.

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F. Ch. Baur (1792-1860), fundador da escola de Tübinga, foi quem introduziu na teologia do Novo Testamento um princípio unitário: hermenêutico e estrutural. Para entender a teologia do Novo Testamento de Baur é necessário ter em mente seu preparo histórico-crítico. Ele estudou a literatura do Novo Testamento e a história do Cristianismo primitivo. Quanto à literatura, ele começa com as cartas de Pablo, reduzido a quatro (Gálatas, Romanos, 1-2 Coríntios); Baur também separa o quarto evangelho do outros três. Quanto à história do Cristianismo primitivo, ele vê uma evolução dialética de acordo com o modelo da lógica hegeliana: a tendência petrina do judeu-cristianismo, a paulina do Cristianismo helenístico, a proto-católica de síntese, representada pela literatura joanina.

Em sua Theologie des Nuen Testament , publicação póstuma (Leipzig 1864), em vez de apresentar os autores um depois do outro sem notar as relações entre eles (como tinha feito Bauer), ele os apresenta em blocos unitários e em relação dinâmica de oposição ou de integração entre si. A religião de Jesus, puramente moral, dos evangelhos de sinóticos (especialmente Mateus), não pertence, de acordo com Baur, à teologia do Novo Testamento, mas serve como premissa dela. A verdadeira e autêntica teologia só começa com a fé dos apóstolos.

Posição semelhante continuará na teologia liberal e também infl uenciará na teologia do Novo Testamento de Bultmann. Além dessa reconstrução unitária, a interpretação também o é; ela também está inspirada pela fi losofi a de Hegel, na concepção positiva da história como desenvolvimento do espírito humano até a consciência, a liberdade e a interiorização.

TEOLOGIA BÍBLICA E A HISTÓRIA DAS RELIGIÕES

A segunda metade do século XIX é dominada pelo romantismo e pelo liberalismo, pelas grandes investigações históricas positivas e pelo nascimento do método Religionsgeschichte Schule (Escola da História das Religiões).

A escola da “História das Religiões” exerceu e continua exercendo uma forte infl uência na Teologia Bíblica. Os iniciadores desta escola foram Ernest Troeltsch, teólogo sistemático e o círculo de Gotinga.

Três são os princípios metodológicos de fundo: o da crítica (dúvida crítica) e os da analogia e a correlação dos eventos históricos entre si. W. Wrede (1857-1906) aplica esses princípios à sua teologia do Novo Testamento. Ele critica o método histórico como era praticado em Teologia Bíblica por estar adulterado pelo teológico.

Por conseguinte, sustenta o método histórico puro, independente das suposições teológicas da inspiração e do cânon. A Bíblia não contém uma história de idéias, mas

Dr. Ernst Troeltsch

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uma história do espírito e das experiências religiosas, uma história da religião. Por isso, não faz sentido falar de "teologia" nem de "Teologia Bíblica". Na realidade, os trabalhos de Teologia Bíblica, fruto deste método historicista, já não levam o título de "teologia", mas "religião": "A religião de Israel" para o Antigo Testamento e a “religião de Jesus e do Cristianismo primitivo" para o Novo Testamento.

O erro do positivismo histórico é pensar que é possível uma posição crítica neutra ante a história. Ingenuidade semelhante foi demonstrada pela hermenêutica que confi rma a necessidade de unir ao método histórico o teológico para uma verdadeira e autêntica Teologia Bíblica.

Os trabalhos deste período, marcados pelo método da História das Religiões, se destacam pela erudição e reconstrução histórica, por outro lado eles pecam pela interpretação teológica. Contra a História das Religiões e seu método positivista, qualifi cado de "ateu", se levantou acirradamente A. Schlatter, valorizado hoje como exegeta e como teólogo.

TEOLOGIA BÍBLICA E O KERIGMA

Um retorno à Teologia Bíblica é marcado pela teologia dialética, iniciada depois da Primeira Guerra Mundial por Karl Barth, à qual também aderiu Rudolf Bultmann nos primeiros anos. O método teológico é recuperado, às vezes de um modo radical, em relação ao histórico-crítico.

A teologia dialética se situa em contraste com a teologia liberal precedente que exaltou a religião, humilhando a fé e a teologia. Essa nova teologia, que implica em um novo método, que compreende em primeiro lugar a fé, coloca no centro a Palavra de Deus e o kerigma como mensagem de Deus dirigida ao homem, e não como verdade na qual acreditar ou como história religiosa a se estudar com o método histórico-crítico.

A intenção pastoral que anima este novo método é fazer atual a palavra de Deus contida na Escritura. As duas obras de Teologia Bíblica que dominam o campo em meados do século XX são as de Gerhard Gerhard von Rad, para o Antigo Testamento, e a de Rudolf Bultmann para o Novo Testamento, ambos infl uenciados pela teologia kerigmática, embora cada um a seu modo.

Daí para o pluralismo metodológico que se seguiu foi um avanço natural.Pelos anos sessenta começa a aparecer uma multidão de teologias bíblicas do

Antigo e do Novo Testamento. Quantidade não é qualidade. Instala-se uma verdadeira crise na Teologia Bíblica, no sentido de que há um caos metodológico que favorece o anseio para uma volta a uma verdadeira Teologia Bíblica integral.

Dr. Rudolf Bultmann

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ATIVIDADES As atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta

“Atividades”. Após respondê-las, envie-nas por meio do Portfólio- ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas, utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.

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Aula 03

TEOLOGIA BÍBLICA DO ANTIGO TESTAMENTO E SEUS MÉTODOS

O panorama histórico serve de base para a apresentação das diversas metodologias criadas e desenvolvidas ao longo da história da Teologia Bíblica.

O problema principal de uma Teologia Bíblica é o método. Na realidade, a Teologia Bíblica se distinguiu da Teologia Sistemática por seu método no tratamento dos textos da Bíblia: o método histórico-literário e o histórico-crítico. Porém, o método histórico reivindicou direitos absolutos na teologia até o ponto de fi car situado como alternativa ao método teológico.

Por isso, é necessário buscar um equilíbrio metodológico entre o método histórico-crítico e o teológico ao se construir uma Teologia Bíblica. Em seu estatuto metodológico há algumas premissas a se respeitar: devem-se praticar os dois métodos, o histórico-crítico e o teológico, e eleger um princípio hermenêutico e uma estrutura.

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MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO

A exigência de se praticar o método histórico-crítico para elaborar uma Teologia Bíblica está hoje fora de discussão, exatamente porque a teologia é a auto-compreensão crítica da fé bíblica. Por outro lado, a Bíblia é obra de Deus, mas realizada pelo trabalho literário e histórico dos hagiógrafos.

A situação atual é pós-crítica, pois relativiza o método histórico-crítico e sua pretensão absoluta. Por isso a pergunta não é tanto pelo método e sim como praticá-lo, pois muitas vezes sua prática atomiza de tal modo o texto que já não permite a compreensão dele, ou cria alguma confusão quando acumula hipóteses críticas sem bases sufi cientes.

O método histórico-crítico compreende um conjunto de críticas, das quais as mais fundamentais são a textual, a literária e a histórica. Mas hoje a metodologia é ampliada e junto ao método diacrônico de análise dos textos soma-se o método sincrônico da análise estrutural, que se presta melhor para entender o texto atual da Bíblia.

O método histórico-crítico é genético, e, portanto ajuda à reconstrução histórico-literária da revelação bíblica. Entretanto, a interpretação, e com ela o sentido do texto, só pode captar por meio de uma consideração unitária do texto, como um conjunto estruturado em ordem para um fi m: uma mensagem a transmitir.

MÉTODO TEOLÓGICO

Para se fazer Teologia Bíblica é necessário observar duas condições: "teologia" e "bíblica". O primeiro termo indica a compreensão crítica da fé como se encontra na Bíblia; o segundo termo implica o âmbito da revelação contida nos livros sagrados. A categoria "história" não pode ser separada da "teologia", como aconteceu no método História das Religiões; nem tampouco a teologia deve ser separada da história, como aconteceu na teologia kerigmática mais radical.

Dessas premissas gerais nós passamos a expor os conteúdos do método teológico. A fé teológica pressupõe: a revelação de Deus na história que teve sua culminação e cumprimento em Cristo, o Verbo encarnado; a inspiração da Escritura Sagrada que abarca o Cânon; a relação da literatura bíblica com a história da salvação ali narrada e interpretada.

Esses pressupostos do método teológico certamente não resolvem o problema da Teologia Bíblica, mas os colocam com bastante clareza. Dois pontos são mais problemáticos: O problema da unidade histórica e teológica, pois o cânon é um dado de fé e não uma delimitação de livros; e problema da relação entre história e verdade transcendente da história, mas nela está presente.

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MÉTODOS DA TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO

À Teologia Bíblica falta, ainda hoje, um consenso sobre seus problemas fundamentais. Dois pequenos livros de G. Hasel documentam a problemática.

Contudo, alguns métodos em uso mostram uma grande riqueza do fazer teológico e um grande esforço em tentar encontrar um caminho metodológico viável.

MÉTODO DESCRITIVO

É um método que defi ne a Teologia Bíblica como disciplina histórica, enquanto que concebe a dogmática como disciplina sistemática. De acordo com esse método, a Teologia Bíblica tem como tarefa recolher com cuidado os conceitos e os termos, as opiniões e as ideias dos autores sagrados.

Exemplo desse método é a "Teologia do Antigo Testamento” de E. Jacob. O autor dá esta defi nição da teologia do Antigo Testamento:

A teologia do Antigo Testamento pode ser defi nida como a exposição sistemática das noções religiosas específi cas que se encontram no conjunto do Antigo Testamento e

que constituem sua unidade profunda.

Notemos as premissas: o campo de investigação é o Antigo Testamento; a teologia é uma exposição sistemática de noções; as noções que são objeto da Teologia Bíblica são as que se constituem a unidade profunda do Antigo Testamento.

Assim, como diz o autor, é uma "ciência descritiva". Não é uma história de Israel; a piedade, as instituições religiosas e a ética não fazem parte do ambiente específi co da teologia do Antigo Testamento; não é uma história da religião de Israel.

A teologia do Antigo Testamento “não tratará mais do que de Deus e de sua relação com o homem e o mundo”. A unidade profunda do Antigo Testamento se vê ao redor do tópico da presença e da ação de Deus. Jacob afi rma, também, que se poderia falar, em vez de teologia, de "fenomenologia do Antigo Testamento". Ele admite usar o termo "teologia", mas o entende num "sentido amplo". A "teologia em sentido rígido" é a Teologia Dogmática para a qual o teólogo bíblico procura os "materiais básicos."

MÉTODO DOGMÁTICO-DIDÁTICO

Esse método é assim chamado por tomar emprestado da dogmática o esquema de tratamento e seguir a apresentação dos manuais dogmáticos numa linha didática. Muitas teologias bíblicas, tanto do Antigo Testamento como do Novo Testamento, são exposições sistemáticas das ideias da Bíblia sobre: Deus, homem, pecado e salvação. Esse esquema não é tomado da própria Bíblia, mas dos manuais de Teologia Dogmática.

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A obra ”Teologia do Antigo Testamento” de M. García Cordero segue esse esquema. Para ele a Teologia Bíblica é teologia positiva, que ordena e sistematiza dados bíblicos em um conjunto doutrinário, tendo em conta tanto do processo evolutivo ideológico ascendente da história da salvação como a unidade doutrinária da Bíblia.

O livro de Cordeiro é articulado em quatro partes: 1) as crenças: trata sobre Deus, os anjos e a antropologia; 2) as esperanças: trata sobre a espera messiânica, o Reino de Deus e a escatologia; 3) as obrigações religiosas e morais: trata da moral do Antigo Testamento; 4) queda e reabilitação do homem: trata sobre o pecado, a conversão, o perdão dos pecados. A sistematização segue a teologia católica e não a Bíblia mesma.

MÉTODO DIACRÔNICO

O método diacrônico abandona os parâmetros dos conceitos escolásticos, não para se limitar a uma simples exibição da história da religião de Israel, nem para seguir o projeto impossível de uma cronologia exata do desenvolvimento das ideias do Antigo Testamento. É o método que nasce do exercício exegético histórico-crítico da Bíblia, que assumiu completamente em exegese as categorias da história.

A "Teologia do Antigo Testamento" de Gerhard von Rad é a obra que marcou a divisão da Teologia Bíblica em “antes” e “depois” de Gerhard von Rad. Este livro está entre as obras mais eminentes e signifi cantes dessa área. Tornou-se, podemos dizer, uma obra de “referência”.

O objeto essencial de uma teologia do Antigo Testamento é a palavra viva de Javé, tal como, na mensagem de suas grandes obras, foi dirigida a Israel. As grandes obras de Deus descobrem e transmitem uma mensagem na qual ressona a palavra de Javé.

É óbvio então que a Teologia Bíblica tem seu ponto de partida e seu centro na ação na qual Javé foi revelado. As ações históricas de Javé não podiam ser captadas e expressas, senão por meio da fé e as profi ssões de fé, primeiro em fórmulas breves e logo em resumos da história salvífi ca de caráter confessional que narravam em contextos mais amplos a ação de Deus na história. Assim, Israel elaborou um conjunto de testemunhos de sua fé nos quais narravam as ações históricas de Javé.

Portanto, para Gerhard von Rad a Teologia Bíblica não pode se limitar a expor o pensamento prescindindo da história. Contudo, a ordem da exposição não será o cronológico da crítica histórica, mas a sucessão dos eventos tal como os viu a fé de Israel, ou seja, a sucessão dos fatos e as conexões internas que o mesmo Israel dispôs. Por isso o teólogo bíblico tentará identifi car-se completamente com a mentalidade teológica israelita, evitando reconstruir linhas ideais de conexão e contextos sistemáticos lá onde o mesmo Israel não os viu ou não os sublinhou. Assim, uma Teologia Bíblica tem como função narrar ou repetir seus testemunhos adequadamente.

Dr. Gerhard von Rad

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O teólogo bíblico deve ter presente, instruído pela exegese histórico-crítica, o quanto diferem entre si os testemunhos aduzidos pelas diversas unidades, de modo que não existe uma síntese nem na mente dos autores sagrados nem tampouco nos textos do Antigo Testamento.

Por conseguinte, a Teologia Bíblica deve recusar uma exposição sistemática ou orgânica, porque o mundo conceitual religioso situado a posteriori em um contexto orgânico não seria mais que uma abstração, já que nunca existiu em Israel de modo completo e sistemático.

Ademais, ao contrário do Novo Testamento que tem Jesus Cristo como seu centro teológico organizador, o Antigo Testamento não tem tal centro. Desde que o único princípio unitário e o único elemento de continuidade é o povo de Israel em seu testemunho histórico de fé, a Teologia Bíblica não pode assumir, senão uma narrativa dos testemunhos de Israel.

A obra de Gerhard von Rad é uma teologia das tradições históricas e proféticas de Israel. A expressão "teologia das tradições" é usada pelo próprio Gerhard von Rad para defi nir sua empreitada teológica. Para ele o objeto da teologia não é o mundo religioso de Israel, nem suas condições espirituais, nem o conjunto de sua fé, mas o alvo da teologia é só o que Israel disse diretamente de Javé. Os salmos, os livros sapienciais, os corpos legislativos não são considerados como tradições, porém eles constituem a resposta que Israel deu à revelação de Javé, são a expressão da situação na qual Israel se viu colocado pela revelação.

MÉTODO DO CENTRO TEMÁTICO

Defi nimos desse modo o método que, ao não aceitar o princípio histórico-genético nem a posição sistemática do Método Dogmático, busca dentro do próprio Antigo Testamento um "tema" que seja central e permita uma exposição unitária e dinâmica do pensamento do Antigo Testamento. Na sua essência esse método é essencialmente descritivo, porque não faz mais que apresentar a "teologia" contida no Antigo Testamento.

Para Walther Eichrodt ("Teologia do Antigo Testamento") a Teologia Bíblica tem como tarefa entender o mundo de fé vétero-testamentário em sua unidade estrutural e interpretar seu signifi cado mais profundo, tendo presente, por um lado, a religião dos vizinhos de Israel e, por outro lado, sua relação substancial com o Novo Testamento.

Assim, é importante fazer um levantamento de categorias ântico-testamentárias que permita ter uma visão panorâmica exaustiva e distinguir as realidades essenciais das realidades secundárias, mostrando as colunas que as sustentam e a estrutura inteira.

Dr. Walther Eichrodt

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Assim, a análise histórica é fundamental e não pode ser negligenciada, mas deve ser o fundamento para o trabalho teológico. Pois ao invés da análise genética entra a síntese sistemática e ordenada da fé de Israel, não de acordo com esboços dogmáticos, mas seguindo a dialética que se fi ltra do próprio Antigo Testamento.

Portanto, é necessário articular junto com o princípio histórico, o sistemático em torno de um tema que permita capturar a unidade de todo Antigo Testamento, a saber: o conceito de “Aliança”. Não o termo berit (Aliança) que não está presente em muitos textos, mas a ideia ou conteúdo da “Aliança” que é o centro unifi cador. Para Eichrodt, o conceito “Aliança”, em sentido amplo, resume a consciência basilar de Israel sobre sua relação particular com Deus. "Aliança" é, pois, mais que um conceito; é um "movimento vital" entre os dois testamentos. Eichrodt escreve:

O que nos interessa é uma exposição das idéias e da fé vétero-testamentária que tenha sempre presente que a religião do Antigo Testamento, com toda sua inquestionável singularidade, só pode ser entendida na sua essência a partir do cumprimento que se dá em Cristo.

Portanto, o conteúdo central do Novo Testamento reconduz ao testemunho de Deus na antiga “Aliança” (pacto).

CONCLUSÃO

Nesses métodos delineados acima fi ca claro que a diferenciação das épocas históricas foi uma categoria recorrente. Além disso, esses métodos dependeram, principalmente, do método histórico-crítico da exegese. Ficou evidente, também, a necessidade da elaboração de uma teologia separada para cada um dos testamentos.

Também as várias tentativas de se discernir um centro do Antigo Testamento supôs a concepção de uma "história" separada do Novo Testamento, ou pelo menos um período autônomo da história.

ATIVIDADES As atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta

“Atividades”. Após respondê-las, envie-nas por meio do Portfólio- ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas, utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.

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Aula 04

TEOLOGIA BÍBLICA DO NOVO TESTAMENTO E SEUS MÉTODOS

Por se tratar, como vimos de uma grandeza independente, ainda que inter-relacionada com o Antigo Testamento, o Novo testamento merece uma abordagem à parte quanto aos métodos de sua teologia bíblica.

MÉTODO HISTÓRICO-KERIGMÁTICO

Esta primeira orientação tem como base a “Teologia do Novo Testamento” de Rudolf Bultmann, que dominou até a publicação da obra "Teologia do Novo Testamento" de Hans Conzelmann, que, como aluno de Bultmann, tenta atualizar e, em parte, corrigir o trabalho do seu mestre.

Ele revaloriza os elementos históricos da mensagem do Novo Testamento,

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abandonando como o único princípio interpretativo o da compreensão da fé em sentido existencial que seria, segundo ele, originário de um “esquema pietista". Os componentes históricos ele encontra à luz da "história da tradição" que recupera as primitivas confi ssões de fé cristológica e do credo.

Assim, Conzelmann se volta para o texto, e, por conseguinte da antropologia para a cristologia. Mas tal retorno é somente a metade do caminho, porque não alcança a mensagem do Jesus histórico (terreno), embora Conzelmann revalorize a teologia dos evangelhos de sinóticos que usa os resultados da Crítica Redacional da qual ele foi um de seus iniciadores.

Ao contrário de Bultmann, ele faz com que a teologia comece com o kerigma da comunidade primitiva e coloca o desenvolvimento da Igreja primitiva não depois de João, como o fez Bultmann, mas depois de Paulo e em conexão com ele, para evitar principalmente um pré-juízo negativo desta literatura epistolar.

Não obstante, Conzelmann continua dependendo de seu professor, sobretudo pelo ceticismo relativo ao Jesus histórico que ainda permanece entre as premissas da teologia, pela unilateralidade da interpretação kerigmática de que desvaloriza Atos e o Apocalipse. Contudo, é necessário dizer que a escolha kerigmática lhe permite resolver a seu modo o problema fundamental da teologia bíblica: juntar harmonicamente a reconstrução com a interpretação, salvaguardando, desse modo, a unidade teológica dentro da variedade histórica. Com efeito, ele encontra a unidade hermenêutica e estrutural exatamente no kerigma. Apesar de limitações hermenêuticas e teológicas, sua intenção de unifi car a teologia do Novo Testamento ao redor do kerigma é merecedora de todo respeito.

MÉTODO DA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

Essa segunda orientação hermenêutica não considera a unidade da teologia do Novo Testamento no kerigma, mas na "história da salvação". Essa orientação vem de longa data ligada à escola de Erlangen, e em particular a J. Ch. Von de K. Hoffman (1810-1877). Dois bons autores mais conhecidos que escolheram essa orientação são Oscar Cullmann e Leonhard Goppelt.

A teologia do Novo Testamento como "história da salvação" tem três princípios em comum: 1) a Bíblia, composta do Antigo e do Novo Testamento, é considerada como uma unidade; 2) Ela é interpretada como história da salvação, razão pela qual se coloca a obra de Deus na história em primeiro plano, enquanto o aspecto doutrinário passa para um plano secundário; 3) A pessoa de Jesus ocupa o centro, cumprimento da promessa, na qual se concentra o passado (Antigo Testamento) e o futuro (escatologia).

Embora Oscar Cullmann seja o representante mais conhecido desta orientação,

Dr. Oscar Cullmann

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ele não escreveu uma verdadeira e autêntica teologia do Novo Testamento, mas uma teologia da história da salvação, com resultados interessantes ao nível hermenêutico, porém decepcionantes na perspectiva de uma apresentação global da fé neotestamentária. As primeiras três partes de sua obra tentam clarifi car a terminologia e estabelecer uma confrontação crítica com outras interpretações, principalmente com R. Bultmann. Somente na quarta parte se aprofunda o tema central com uma exegese teológica dos quatro momentos principais da revelação neotestamentária (Jesus, a Igreja primitiva, Paulo e João), enquanto na quinta parte propõe uma disposição sugestiva para uma teologia fundamental.

L. Goppelt deixou uma teologia "incompleta", que foi terminada e publicada por um seu aluno chamado Roloff (Teologia do Novo Testamento – em 2 volumes).

Localizando a obra na história da disciplina, ele a coloca na orientação de "história da salvação". E se propõe a unir uma séria crítica histórica a um profundo esforço de compreensão do Novo Testamento, que lhe permita chegar a um diálogo crítico entre a hermenêutica histórica (Joaquim Jeremias) e a existencial (Rudolf Bultmann). Desse modo ele quer ligar a reconstrução e a interpretação num equilíbrio saudável.

Segundo ele, o fundamento da teologia do Novo Testamento não está só na pregação de Jesus (Jeremias), senão em toda a obra de Jesus e no seu signifi cado teológico. Porém, o ponto de partida da teologia do Novo Testamento continua a ser o kerigma da morte e ressurreição (1 Coríntios 15.1-5). Kerigma que é desenvolvido em duas direções: uma para trás, até o Jesus histórico (Atos 10.37-41), fundamento histórico-teológico do kerigma, e a outra para frente, em direção à vida da Igreja com o aprofundamento da cristologia e da soteriologia do kerigma. O kerigma pascal, que consiste na continuação da obra de Jesus com a ressurreição, não encontra modelo paralelo na atmosfera religiosa nem judaica nem greco-romana. É absolutamente único.

O anúncio e a obra de salvação de Jesus são continuamente postos em relação entre si por Goppelt. É baseado nessa tese fundamental que ele postula a continuação da relação pessoal com Jesus no tempo da Igreja, relação feita possível pela morte e ressurreição e pela presença "espiritual" do Senhor ressuscitado na comunidade e nos sacramentos.

De conformidade com o princípio histórico-hermenêutico, a estrutura da teologia do Novo Testamento parte do seu fundamento (a obra de Jesus em seu signifi cado teológico: desde a vinda do Reino até Pentecostes); então passa pelo seu ponto central: o kerigma como princípio da refl exão de fé na obra de Jesus, para imediatamente considerar como a tradição de Jesus é recebida e desenvolvida por Paulo e pelos escritos pós-paulinos.

MÉTODO HISTÓRICO-POSITIVO

Aqui são colocadas aquelas teologias do Novo Testamento que seguem uma exposição histórica fundada no método histórico-crítico, e não no kerigma nem em uma concepção unitária de "história da salvação". Dois são seus expoentes principais: Werner Georg Kümmel e Joaquim Jeremias.

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Werner Georg Kümmel escreve uma teologia do Novo Testamento de acordo com os principais testemunhos de: Jesus, Paulo e João. Aparece em primeiro plano uma polêmica intencional com Bultmann e a escola kerigmática, na qual se evita cuidadosamente a terminologia da hermenêutica existencial, começando com a palavra kerigma. O autor utiliza o método histórico-crítico para descortinar a mensagem do Jesus histórico e a tradição da Igreja primitiva.

Sua reconstrução crítica lida com o problema crucial da unidade teológica dos escritos do Novo Testamento. Para ele, essa unidade ou centro do Novo Testamento aparece nos três testemunhos principais do Novo Testamento:

Eles concordam em anunciar que Deus fez começar em Jesus Cristo a salvação prometida para o fi m dos tempos; que Deus no evento Cristo veio ao nosso encontro e que deseja ser como Pai que nos liberta da escravidão do mundo e nos torna capazes de um amor efetivo. Que este centro do Novo Testamento é certo, o historiador não pode estabelecer, senão o fi el.

Então, a salvação presente e futura é o verdadeiro centro do Novo Testamento, tese muito cara a Kümmel. De qualquer maneira, a pessoa fi ca perplexa ao ver Jesus entre os testemunhos principais, junto com Paulo e João. Também, o desejo do historiador para a reconstrução diminui o interesse pela verdadeira e autêntica interpretação teológica.

Joaquim Jeremias só teve oportunidade de escrever a primeira parte da sua teologia do Novo Testamento, porém a mais importante e decisiva: A Pregação de Jesus. O que para Bultmann é só um pressuposto histórico da teologia do Novo Testamento é, ao contrário, para Jeremias seu centro: a pregação e a mensagem do Jesus histórico. O Evangelho de Jesus e kerigma na Igreja é considerado, respectivamente, como chamada de Deus e resposta a Ele:

Esta resposta vai sempre a duas direções: é adoração laudativa de Deus e é testemunho diante do mundo. A resposta é inspirada pelo Espírito de Deus, mas não faz parte da chamada. O elemento decisivo é a chamada, não a resposta. O testemunho multiforme de fé da comunidade primitiva, de Paulo, de João..., deve ser medido pela pregação de Jesus. Em nosso protesto contra o nivelamento do evangelho com o kerigma entra o conceito de revelação. De acordo com o testemunho do Novo Testamento, o Logos encarnado, e só ele, é a revelação de Deus. A pregação da Igreja das origens, pelo contrário, é o testemunho, inspirado pelo Espírito, da revelação. O testemunho da Igreja não é a revelação mesma.

Jeremias parece identifi car aqui revelação e teologia, restringindo a revelação ao Jesus histórico. Pode ser, porém, que tente apenas mostrar a importância fundamental de uma teologia do Novo Testamento, porque a segunda parte da sua teologia, que nunca terminou, é concebida como resposta à pregação de Jesus e válida enquanto resposta.

Dr. Werner Georg Kümmel

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O princípio teológico sobre o qual está fundamentado é o da encarnação, contudo entendido de um modo mais rigoroso que no evangelho de João, no qual Jesus pré-anuncia a continuação e o cumprimento de "sua" revelação por meio do Paráclito. É importante ter presente o princípio teológico-hermenêutico de Jeremias que permite entender o seu gigantesco esforço para conceber um instrumento crítico rigoroso capaz de poder chegar à pregação do Jesus histórico, "porque nada e ninguém mais que o Filho do Homem e sua palavra... podem conferir plenitude de autoridade à nossa pregação".

MÉTODO SISTEMÁTICO

A estrutura da teologia do Novo Testamento em grandes temas, em geral é inspirada nos tratados de Teologia Sistemática. Existe, pois, o perigo de que se perca a reconstrução histórica e a verdadeira e autêntica interpretação. Por isso é o mais problemático.

O trabalho mais signifi cativo nesta linha é a “Teologia do Novo Testamento” do exegeta católico Karl Hermann Schelkle, em cinco volumes. Os grandes temas tratados são os seguintes: 1. Criação: mundo, tempo, homem. 2. Deus estava em Cristo que inclui a teologia trinitária na cristologia. 3. Ethos Cristão - tópicos que cobrem a área das moralidades fundamentais e especiais. 4. Consumação da criação e da salvação, quer dizer escatologia presente e futura; a comunidade dos discípulos e a Igreja: eclesiologia e sacramentos.

Uma tese teológica serve de guia para esta obra: "A Escritura é palavra de Deus":

Será necessário defi nir uma teologia do Novo Testamento como uma “palavra acerca de Deus” sobre a base na palavra com que Deus se revela na nova aliança, que também inclui a antiga aliança, e que está consignada no livro do Novo Testamento como testemunho dessa revelação.

Desse fato, de ser o Novo Testamento "palavra de Deus" ou "testemunho da palavra", deriva sua unidade fundamental, dentro da variedade da evolução histórica e dos autores. Essa unidade não é só de pensamento, mas de "história da salvação" dentro do Novo Testamento, em sua relação com o Antigo Testamento. A unidade do conjunto é mais teológica do que hermenêutica.

Embora útil como termo imediato de confrontação com a Teologia Dogmática, não corresponde, porém, a um projeto ideal de Teologia Bíblica, que na estrutura e no princípio hermenêutico deve inspirar-se no Novo Testamento e no seu ambiente vital, e não na teologia posterior. As teologias desse gênero terminam por ser uma "teologia de acordo com a Bíblia" mais do que uma "teologia da Bíblia".

Dr. Joaquim Jeremias

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Aula 05

TEOLOGIA BÍBLICADO ANTIGO TESTAMENTO

Agora é hora de ver algumas teologias do Antigo Testamento.

TEOLOGIA DA CRIAÇÃO

Há uma longa tradição cristã que lê os textos relativos à criação do universo de maneira mesclada. Explico. Temos duas narrativas da criação em Gênesis. A primeira narrativa compreende os capítulos 1.1 – 2.4a e a segunda narrativa se estende do capítulo 2.4b – 3.24.

A tradição interpretativa desses dois textos mistura os elementos narrativos, sobrepondo-os. Assim, a criação é vista como resultado da palavra de Deus, até a criação dos animais. Mas quando chega à criação do homem, essa tradição junta um “pedaço” da segunda narrativa e lê o texto como Deus criando o homem do pó da terra.

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Assim, perdem-se aspectos importantes das duas narrativas e não se tem a exata compreensão delas.

Por isso é necessário, para se elaborar uma “Teologia da Criação” no Antigo Testamento, separar os textos, delimitá-los e examiná-los em suas características e contextos.

GÊNESIS 1.1-2.4A

1 No princípio, criou Deus os céus e a terra. 2 A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. 3 Disse Deus: Haja luz; e houve luz. 4 E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas. 5 Chamou Deus à luz Dia e às trevas, Noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia. 6 E disse Deus: Haja fi rmamento no meio das águas e separação entre águas e águas. 7 Fez, pois, Deus o fi rmamento e separação entre as águas debaixo do fi rmamento e as águas sobre o fi rmamento. E assim se fez. 8 E chamou Deus ao fi rmamento Céus. Houve tarde e manhã, o segundo dia. 9 Disse também Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num só lugar, e apareça a porção seca. E assim se fez. 10 À porção seca chamou Deus Terra e ao ajuntamento das águas, Mares. E viu Deus que isso era bom. 11 E disse: Produza a terra relva, ervas que dêem semente e árvores frutíferas que dêem fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nele, sobre a terra. E assim se fez. 12 A terra, pois, produziu relva, ervas que davam semente segundo a sua espécie e árvores que davam fruto, cuja semente estava nele, conforme a sua espécie. E viu Deus que isso era bom. 13 Houve tarde e manhã, o terceiro dia. 14 Disse também Deus: Haja luzeiros no fi rmamento dos céus, para fazerem separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais, para estações, para dias e anos. 15 E sejam para luzeiros no fi rmamento dos céus, para alumiar a terra. E assim se fez. 16 Fez Deus os dois grandes luzeiros: o maior para governar o dia, e o menor para governar a noite; e fez também as estrelas. 17 E os colocou no fi rmamento dos céus para alumiarem a terra, 18 para governarem o dia e a noite e fazerem separação entre a luz e as trevas. E viu Deus que isso era bom. 19 Houve tarde e manhã, o quarto dia. 20 Disse também Deus: Povoem-se as águas de enxames de seres viventes; e voem as aves sobre a terra, sob o fi rmamento dos céus. 21 Criou, pois, Deus os grandes animais marinhos e todos os seres viventes que rastejam, os quais povoavam as águas, segundo as suas espécies; e todas as aves, segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom. 22 E Deus os abençoou, dizendo: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei as águas dos mares; e, na terra, se multipliquem as aves. 23 Houve tarde e manhã, o quinto dia. 24 Disse também Deus: Produza a terra seres viventes, conforme a sua espécie: animais domésticos, répteis e animais selváticos, segundo a sua espécie. E assim se fez. 25 E fez Deus os animais selváticos, segundo a sua espécie, e os animais domésticos, conforme a sua espécie, e todos os répteis da terra, conforme a sua espécie. E viu Deus que isso era bom. 26 Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. 27 Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. 28 E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. 29 E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. 30 E a todos os animais da terra, e a todas as aves dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento. E assim se fez. 31 Viu Deus tudo quanto fi zera, e eis que era muito bom. Houve tarde e manhã, o sexto dia. ARA Genesis 2:1 Assim, pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército. 2 E, havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que

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fi zera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito. 3 E abençoou Deus o dia sétimo e o santifi cou; porque nele descansou de toda a obra que, como Criador, fi zera. 4 Esta é a gênese dos céus e da terra quando foram criados.

A primeira observação a ser feita quanto ao texto acima é que o mesmo trata não exatamente de uma “criação” do mundo, mas de uma ordenação do caos em que se encontra a criação. Note que há separação de águas e terra, entre águas e águas, terra e fi rmamento, necessidade de luz para alumiar as trevas do abismo e assim por diante. Nesse texto o caos é estabelecido por uma quantidade de água que ameaça a vida, há um estado de confusão que impede da vida fl orecer.

Outra importante observação que devemos fazer é o fato de que Deus usa apenas a “palavra” como força criadora, mas não usa “as mãos” como na narrativa do capítulo 2.

A exegese tem mostrado que o contexto vital dessa narrativa criacional é o século V a.C., na Babilônia, época do cativeiro do povo de Judá. Informações dos livros dos Reis e Jeremias, sobretudo, dão conta de que o trabalho dos cativos era difícil e extenuante. Provavelmente trabalhavam na abertura de canais de irrigação nos grandes rios da Babilônia, Tigre e Eufrates, como parece indicar também o Salmo 137.

A Arqueologia do período tem demonstrado que o trabalho obedecia a um ritmo de quatorze dias de labuta por um dia de descanso, isto é, a semana tinha o dobro de dias da nossa. Além disso, as divindades babilônicas, ligadas aos astros, serviam de suporte ideológico para a manutenção desse estado de opressão.

Nesse quadro é mais fácil entender a mensagem de Gênesis 1: os fi éis produzem esse texto como uma forma de protesto contra os deuses babilônicos. A mesma polêmica que aparece em Isaías, texto que vamos estudar. De que maneira isso se dá? Desta forma: a essência das divindades antigas, também das babilônicas, a luz é criada no primeiro dia sem o concurso dos astros, que só são criados no quarto dia. Podemos ver aqui uma clara referência à superioridade do Deus dos exilados que cria a própria essência da divindade, a luz. É uma forma de afi rmação do poder do Deus criador.

Outro aspecto bastante importante é que a “palavra” é mediadora da criação. Os exilados só têm a palavra para enfrentar a opressão. E seu Deus cria mediante a palavra. Na verdade põe em ordem a criação. Separa o barro (terra + água). Ao que tudo indica uma clara alusão à situação dos trabalhadores dos canais de irrigação na Babilônia. Deus faz separação entre o dia e a noite e, surpreendentemente, só realiza as obras da criação durante um período do dia. A expressão “houve tarde e manhã, o primeiro dia” parece indicar isso. Podemos entender que o trabalho extenuante requer períodos diários de descanso.

O ápice do texto mostra como Deus, depois de realizar dez obras em seis dias, descansa no Sábado (shabat = repouso), isto é, após um período de seis dias de trabalho um dia de repouso é determinado. Não há como não imaginar uma polêmica contra o regime de trabalho dobrado praticado pelos babilônicos.

Há muitos outros aspectos no texto para serem examinados. Contudo, creio que

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esses elementos alistados mostram com clareza meridiana que a chamada “história” da criação deve ser vista não como um informativo, uma notícia que relata a “história” da criação do mundo. Mas como uma narrativa teológica que apresenta uma refl exão profunda sobre o signifi cado da “criação”.

GÊNESIS 2.4B – 25

... quando o SENHOR Deus os criou. 5 Não havia ainda nenhuma planta do campo na terra, pois ainda nenhuma erva do campo havia brotado; porque o SENHOR Deus não fi zera chover sobre a terra, e também não havia homem para lavrar o solo. 6 Mas uma neblina subia da terra e regava toda a superfície do solo. 7 Então, formou o SENHOR Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente. 8 E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, na direção do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado. 9 Do solo fez o SENHOR Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal. 10 E saía um rio do Éden para regar o jardim e dali se dividia, repartindo-se em quatro braços. 11 O primeiro chama-se Pisom; é o que rodeia a terra de Havilá, onde há ouro. 12 O ouro dessa terra é bom; também se encontram lá o bdélio e a pedra de ônix. 13 O segundo rio chama-se Giom; é o que circunda a terra de Cuxe. 14 O nome do terceiro rio é Tigre; é o que corre pelo oriente da Assíria. E o quarto é o Eufrates. 15 Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar. 16 E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, 17 mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás. 18 Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea. 19 Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles. 20 Deu nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selváticos; para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea. 21 Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma das suas costelas e fechou o lugar com carne. 22 E a costela que o SENHOR Deus tomara ao homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe. 23 E disse o homem: Esta, afi nal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne; chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada. 24 Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne. 25 Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam.

Deixemos, preliminarmente, o capítulo 3 de fora da análise.Esta segunda narrativa da criação é muito

diferente da primeira que analisamos brevemente acima. Uma diferença fundamental é que nesta narrativa falta água, enquanto que na primeira a água se constituía um problema. Outra diferença é que aqui Deus cria com “as mãos” e não com a “palavra”. Cria o homem primeiro (v. 7) e só depois cria a mulher (vv. 21-22). Diferente da primeira narrativa quando o casal é criado com a “mesma palavra”, ao mesmo tempo. Faz

Detalhe da Criação

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brotar toda sorte de árvores do solo (v.9). E, ainda, cria com as mãos, os animais do campo (v. 19).

Há um detalhe fundamental nessa narrativa: tanto o homem, quanto as árvores e os animais são criados a partir do solo, da mesma substância. Isso pode ser visto como um propósito evidente de mostrar que todas as criaturas de Deus participam de uma mesma essência – o solo. Isso nos faz participantes da criação e não dominadores sobre ela. Outro detalhe é que há um relacionamento saudável e equilibrado entre homem + Deus; homem + plantas; homem + animais e homem + mulher. Há uma harmonia nas relações em todos os níveis. Um propósito de paz na criação.

Com a inclusão do capítulo 3, essa harmonia é quebrada, desfi gurada, deslocada e o propósito original da criação desvirtuado. Os relacionamentos sofrem mudança: homem x Deus; homem x plantas; homem x animais e homem x mulher. Há uma total inversão da ordem da criação.

Mas é exatamente aí que a narrativa da criação ganha força. Pois nesse contexto de ruptura o propósito da criação é apresentado não como um “paraíso perdido” ao qual não há mais volta. Pelo contrário, a narrativa serve como uma possibilidade de reconstrução das relações afetadas pela “serpente”. Teologicamente a narrativa da criação funciona como um falar de Deus em favor da sua criação. Um restabelecimento dos propósitos originais da criação. E o caminho para isso é apresentado como obediência a Deus.

Portanto, esta segunda “história” da criação, que deve ser lida separadamente da primeira, tem uma função específi ca diferente de outras narrativas da criação espalhadas pelo Antigo Testamento.

SALMO 104

1 Bendize, ó minha alma, ao SENHOR! SENHOR, Deus meu, como tu és magnifi cente: sobrevestido de glória e majestade, 2 coberto de luz como de um manto. Tu estendes o céu como uma cortina, 3 pões nas águas o vigamento da tua morada, tomas as nuvens por teu carro e voas nas asas do vento. 4 Fazes a teus anjos ventos e a teus ministros, labaredas de fogo. 5 Lançaste os fundamentos da terra, para que ela não vacile em tempo nenhum. 6 Tomaste o abismo por vestuário e a cobriste; as águas fi caram acima das montanhas; 7 à tua repreensão, fugiram, à voz do teu trovão, bateram em retirada. 8 Elevaram-se os montes, desceram os vales, até ao lugar que lhes havias preparado. 9 Puseste às águas divisa que não ultrapassarão, para que não tornem a cobrir a terra. 10 Tu fazes rebentar fontes no vale, cujas águas correm entre os montes; 11 dão de beber a todos os animais do campo; os jumentos selvagens matam a sua sede. 12 Junto delas têm as aves do céu o seu pouso e, por entre a ramagem, desferem o seu canto. 13 Do alto de tua morada, regas os montes; a terra farta-se do fruto de tuas obras. 14 Fazes crescer a relva para os animais e as plantas, para o serviço do homem, de sorte que da terra tire o seu pão, 15 o vinho, que alegra o coração do homem, o azeite, que lhe dá brilho ao rosto, e o alimento, que lhe sustém as forças. 16 Avigoram-se as árvores do SENHOR e os cedros do Líbano que ele plantou, 17 em que as aves fazem seus ninhos; quanto à cegonha, a sua casa é nos ciprestes. 18 Os altos montes são das cabras montesinhas, e as rochas, o refúgio dos arganazes. 19 Fez a lua para marcar o tempo; o sol conhece a hora do seu ocaso. 20 Dispões as trevas, e vem a noite, na qual vagueiam os animais da selva. 21 Os

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leõezinhos rugem pela presa e buscam de Deus o sustento; 22 em vindo o sol, eles se recolhem e se acomodam nos seus covis. 23 Sai o homem para o seu trabalho e para o seu encargo até à tarde. 24 Que variedade, SENHOR, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fi zeste; cheia está a terra das tuas riquezas. 25 Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta, animais pequenos e grandes. 26 Por ele transitam os navios e o monstro marinho que formaste para nele folgar. 27 Todos esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. 28 Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão, eles se fartam de bens. 29 Se ocultas o rosto, eles se perturbam; se lhes cortas a respiração, morrem e voltam ao seu pó. 30 Envias o teu Espírito, eles são criados, e, assim, renovas a face da terra. 31 A glória do SENHOR seja para sempre! Exulte o SENHOR por suas obras! 32 Com só olhar para a terra, ele a faz tremer; toca as montanhas, e elas fumegam. 33 Cantarei ao SENHOR enquanto eu viver; cantarei louvores ao meu Deus durante a minha vida. 34 Seja-lhe agradável a minha meditação; eu me alegrarei no SENHOR. 35 Desapareçam da terra os pecadores, e já não subsistam os perversos. Bendize, ó minha alma, ao SENHOR! Aleluia!

Eis aqui outro texto bíblico sobre a criação. Um salmo. Um belíssimo salmo que canta ao Senhor pelas maravilhas da criação.

É preciso notar que de modo diverso das duas narrativas criacionais do livro do Gênesis, o Salmo 104 não obedece a um esquema sequencial de criação. As obras da criação são entrelaçadas ao sabor da lírica típica dos salmos, em particular e da poesia hebraica em geral. O delineamento das obras da criação opera com os recursos próprios deste tipo de literatura poética com o uso de paralelismos, rima, aliteração, assonância, repetição entre outros, que dão a beleza necessária para uma louvação.

Outra vez, a “história” da criação cumpre um papel específi co dentro dos propósitos de cada contexto. Aqui a criação é vista e utilizada como motivo de adoração em ambiente cultual. Não é de nenhuma forma uma descrição dos atos criacionais de Deus (Teologia Sistemática). Nem tão pouco funciona como uma polêmica contra os babilônicos (Gênesis 1). Nem como uma refl exão sobre a reconstrução dos relacionamentos possíveis. Não. O Salmo em questão evidencia, como todo louvor deveria evidenciar, os atos poderosos de Deus. Pois esta é a defi nição mais acabada de louvor: “anunciar os grandes feitos do Senhor” (Salmo 78.4).

O Salmo 104 é um cântico de louvor ao Criador e teologicamente se alinha com aqueles textos criacionais que utilizam a “história” da criação para elaborar uma refl exão. Nesse caso em forma de uma canção, que funcione para além de simples informação e alcance um patamar mais elevado, não apenas na compreensão intelectual da Escritura, mas no espírito do louvor atinja também as esferas da emoção.

OUTROS TEXTOS CRIACIONAIS

O espaço é pouco, por isso apenas cito outros textos que se relacionam com a “história” da criação.

O livro de Jó apresenta, sobretudo nos capítulos 38-40, uma abordagem da criação diferente das apresentadas anteriormente. Quem está no comando da palavra, nesses

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capítulos de Jó, é Deus. É o Senhor que apresenta uma extensa narrativa poética das obras por Ele criadas. Há uma riqueza de detalhes que impressiona, não apenas os leitores do texto, mas também os atores do drama existencial de Jó.

Conquanto seja uma descrição criacional, o tom é de polêmica, de inquirição. Deus pergunta de forma insistente e provocativa se Jó ou qualquer outro humano estavam presentes na criação para dar “palpites” nela. Há uma enfática formulação de questionamentos aos seres humanos quanto aos seus direitos de “questionar” o Criador pela maneira como fez o mundo e dispôs seu funcionamento.

A resposta dada aos questionamentos de Deus é sempre a mesma: não, o homem não pode questionar seu Criador pela forma com que conduziu a criação do mundo.

Dessa forma, a criação aparece no livro de Jó com a função de mostrar aos seres humanos que o Senhor dispõe o universo conforme o seu querer e que nenhum ser humano pode contestá-lo por isso.

O livro do profeta Isaías em seus capítulos 40 a 55, especialmente 44 a 49, utiliza a terminologia própria das narrativas da criação. Além, disso, há uma ostensiva polêmica contra os deuses babilônicos que são “criação” humana e não podem se equiparar com o Senhor Deus.

Uma leitura atenta desses capítulos de Isaías mostra contexto similar ao de Gênesis 1, isto é, o período do exílio babilônico, mas já no seu fi nal. Há uma mesma linha de oposição contra as divindades dos babilônicos. A diferença aparece quando o texto trata da “criação” do povo de Israel. É dito literalmente que foi Deus quem “criou” Israel (Isaías 44.2), por isso o liberta da opressão.

Ainda podemos acrescentar aos textos outras passagens como: Provérbios 8.22-36 e o próprio livro do Eclesiastes que tem como pano de fundo a criação.

Pense na água ...

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Aí está um exemplo de como elaborar uma Teologia da Criação.

ATIVIDADES As atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta

“Atividades”. Após respondê-las, envie-nas por meio do Portfólio- ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas, utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.

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Aula 06

TEOLOGIA BÍBLICADO NOVO TESTAMENTO

Aqui apresento “uma” das teologias bíblicas possíveis no Novo Testamento. Escolhi o tema o “Filho do Homem”. É uma análise a partir da referência direta ou indireta ao “Filho do Homem”, de Daniel 7.

É fato bem conhecido que a coleção de ditos Q (fonte Q ) e os Evangelhos sinóticos usam a expressão “Filho do Homem” em diversas passagens que podem ser agrupadas em três grupos. Num primeiro grupo podem-se colocar os ditos do “Filho do Homem” que ocorrem sempre nos lábios de Jesus e assumem uma conotação meramente referencial à sua existência terrena significando simplesmente um ser humano. Num segundo grupo, podem-se agrupar os ditos acerca do “Filho do Homem” que fazem

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referência ao sofrimento e morte de Jesus. Finalmente, num terceiro grupo, podem-se alistar aquelas passagens que usam os ditos do “Filho do Homem” para ligar Jesus ao futuro escatológico. No quadro abaixo são alistadas algumas passagens dos três grupos para que se tenha uma idéia dessa classificação:

Grupo 1 – “Filho do Homem” como ser humano

Mas Jesus respondeu: As raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça (Mateus 8.20)Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados – disse ao paralítico: Eu te mando: Levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa.(Marcos 2.10-11).

Grupo 2 – “Filho do Homem” como sofredor

Então começou ele a ensinar-lhe que era necessário que o Filho do Homem sofresse muitas coisas, fosse rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, fosse morto e que depois de três dias ressuscitasse.(Marcos 8.31)

Dizendo: É necessário que o Filho do Homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja morto e no terceiro dia ressuscite. (Lucas 9.22)

Grupo 3 – “Filho do Homem” como ser escatológico.

Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então, se assentará no trono da sua glória (Mateus 25.31)

Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu. ( Marcos 14.62)

Lucas17.24 porque assim como o relâmpago, fuzilando, brilha de uma a outra extremidade do céu, assim será, no seu dia, o Filho do Homem.17.26 Assim como foi nos dias de Noé, será também nos dias do Filho do Homem:17.30 Assim será no dia em que o Filho do Homem se manifestar.

Mateus24.27 Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda do Filho do Homem.24.37 Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem.24.39 e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem.

COLEÇÃO DE DITOS NA FONTE Q

Na coleção de ditos Q há três importantes passagens a respeito do “Filho do Homem”, são elas: Lucas 17.24 (paralelo Mateus 24.27); Lucas 17.26 (paralelo Mateus 24.37) e Lucas 17.30 (paralelo Mateus 24.39). O quadro abaixo facilita a localização dos paralelos e seus respectivos contextos literários.

A perícope de Lucas 17.20-37 enquadra os ditos do “Filho do Homem” numa resposta de Jesus à pergunta dos fariseus sobre a vinda do Reino de Deus, pergunta que expressa, notadamente, uma preocupação apocalíptica vigente naquela época. Muito mais

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explícita quanto ao caráter futuro da vinda do “Filho do Homem” é o trecho de Mateus 24. Ambos os textos localizam, portanto, os ensinos acerca do “Filho do Homem” uma dimensão futura.

Todos os versículos alistados acima sublinham a imprevisibilidade da vinda do “Filho do Homem”. Além disso, Lucas 17.24//Mateus 24.27 destacam a procedência celestial do “Filho do Homem” ao comparar sua vinda a um fenômeno natural, o relâmpago. Já Lucas 17.26//Mateus 24.37 e Lucas 17.30//Mateus 17.30//Mateus 24.39 enfatizam, pela referência a Noé e ao dilúvio, o aspecto de juízo que terá lugar por ocasião da vinda do “Filho do Homem”, uma vez que o dilúvio anunciado por Noé foi uma forma de julgamento perpetrado por Deus.

Portanto, há que supor que Daniel 7 é aludido não só pelo uso da expressão “Filho do Homem” e sua vinda do céu, como também é evocado pelo viés do julgamento e consequente juízo, no qual o “Filho do Homem” exercerá alguma função, se de juiz ou promotor, não está claro.

MARCOS

No Evangelho de Marcos duas ocorrências da expressão “Filho do Homem” são signifi cativas: Marcos 8.38 e 14.62.

Marcos 8:38

Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos.

Marcos 14.62

Jesus respondeu: Eu sou, e vereis o Filho do Homem assentado à direita do Todo-Poderoso e vindo com as nuvens do céu.

O Filho do Homem

Se comparada com Mateus 10.33 e Lucas 9.26, a referência ao “Filho do Homem” em Marcos 8.38 pode ser posta sob suspeita no que diz respeito à utilização de Daniel 7, pois conquanto Lucas use a mesma expressão “Filho do Homem” para se referir a Jesus, Mateus não a utiliza, pelo contrário, prefere o discurso em primeira pessoa, o que pode surgir que Mateus não tenha entendido o dito como referência a Daniel 7.

Seja como for, Marcos 8.38 tem, além é claro da expressão “Filho do Homem”, a perspectiva de uma futura vinda dessa fi gura que cumpre uma função que pode ser entendida como algum tipo de mediador celeste na corte do pai com seus santos anjos. Talvez alguém que tenha a função de advogar em favor de outros. Certamente que falta uma alusão mais

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clara a qualquer tipo de julgamento, permanece, todavia, a sugestão de que o “Filho do Homem”, num tempo futuro, exercerá uma função no tribunal no fi nal dos tempos.

Marcos 14.62 encontra seus paralelos em Mateus 26.64 e Lucas 22.69. A diferença mais saliente entre Marcos e os outros dois evangelistas é que Marcos coloca a resposta de Jesus ao Sinédrio no futuro (vereis) ao passo que tanto Mateus quanto Lucas a colocam no presente (desde agora). Em relação a Marcos e Mateus, Lucas omite a frase “vindo com as nuvens do céu”.

A dependência de Daniel 7 em Marcos e Mateus é manifesta. O “Filho do Homem” vem com as nuvens do céu. Muito importante é a posição que ele ocupa assentado á direita do Todo-poderoso. Posição de autoridade. Importante, também, é o fato de que Marcos põe o dito num enfoque futuro aludindo claramente ao poder que esse “Filho do Homem” terá junto ao Todo-poderoso. Semelhante poder tem o “Filho do Homem” em Daniel 7 junto ao Ancião de Dias. Marcos parece sugerir, dessa maneira, que o “Filho do Homem” participará do julgamento no fi nal dos tempos.

MATEUS

De maneira geral, é em Mateus que se pode encontrar o maior número de referências ao “Filho do Homem” em contextos vinculados mais diretamente ao de Daniel 7. Eis os textos:

O Filho do Homem ou Filho da “Humanidade”

Mateus 13.41

Mandará o Filho do Homem os seus anjos, que ajun-tarão do seu reino todos os escânda-los e os praticam a iniqüidade.

Mateus 16.27

Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras.

Mateus 16.28

Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino.

Mateus 19.28

Jesus lhe respon-deu:Em verdade vos digo que vós, os que me seguistes, quando, na regen-eração, o Filho do Homem se as-sentar no trono da sua glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel.

Mateus 25.31

Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos e com ele, então, se assentará no trono da sua glória;

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Mateus 13.41 é parte da interpretação (13.36-43) da parábola do joio (13.24-30). A interpretação coloca a parábola na perspectiva do juízo fi nal (consumação do século v-39). Claramente o “Filho do Homem” realiza a função de juiz que destina os iníquos à ruína e retribui os justos com a participação no reino de seu Pai.

O mesmo tom de retribuição no fi nal dos tempos pode ser visto em Mateus 16.27. Ligado ao discipulado, o dito funciona como uma garantia àqueles que optam pelo seguimento a Jesus. A esse dito, segue um enigmático logia (Mateus 16.28) que menciona a vinda do “Filho do Homem” no seu reino. Sua importância para esta analise é evidente.

O aspecto de julgamento e juízo é explícito em Mateus 19.28. Este texto se vincula a Mateus 16.27 por tratar das recompensas que os discípulos de Jesus terão por tê-lo seguido. Difere, porém, ao dizer que o “Filho do Homem” assentar-se-á em seu trono e os discípulos, da mesma forma, se assentarão para julgar as doze tribos de Israel.

Dentre as perícopes do Evangelho de Mateus, o capítulo 25.31-46 é, talvez, o que mais explícita e detalhadamente enfatiza o julgamento fi nal. O “Filho do Homem” nitidamente é o juiz que preside o tribunal que julga os homens, ajuizando a cada um segundo suas obras. É preciso notar, também, que o “Filho do Homem” é visto em sua majestade, ele é o rei.

As ligações com Daniel 7 são estabelecidas, em todos os textos, pela menção da fi gura do “Filho do Homem”. Com exceção de Mateus 16.28, as outras passagens impressionam pelo elemento de julgamento e juízo, seja pela menção da retribuição seja pela cena mesma de julgamento que envolve, entre outros, os termos técnicos como, por exemplo: “trono”, “ajuntamento”, “julgar”. Em três deles (Mateus 13.41; 16.28 e 25.31) o vínculo com Daniel 7 se dá, também, pela posse do “reino” que o “Filho do Homem” detém. Há ainda a presença de anjos que parece sugerir a corte do Ancião de Dias que se encontra na visão de Daniel 7.

Lucas 11.30

Porque, assim como Jonas foi sinal para os ninivitas, o Filho do Homem o será para esta geração.

Lucas 12.8

Digo-vos ainda: todo aquele que me confessar diante dos homens, também o Filho do Homem o confessará diante dos anjos de Deus.

Lucas 21.36

Vigiai, pois, a todo tempo, orando, para que possais escapar de todas estas coisas que têm de suceder e estar em pé na presença do Filho do Homem.

Lucas 11.30 faz parte do trecho que compreende os versículos 29 a 32. Ao falar sobre o sinal pedido pela sua geração, Jesus diz que o “Filho do Homem” é o sinal para ela, como Jonas o foi para a geração dele. No contexto é dito que no juízo a rainha do sul (v.31) e os ninivitas (v.32) se levantarão e condenarão esta geração. O texto conclui com a afi rmação de Jesus que ele é maior do que Jonas. O argumento da perícope permite inferir que no juízo o “Filho do Homem” exercerá uma função, talvez de testemunha ou acusador contra sua geração.

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Em Lucas 12.8 o dito a respeito “Filho do Homem” é tradicionado num perícope acerca da hipocrisia dos fariseus. É dito que num futuro, quando todos se encontrarem ante os anjos de Deus, o “Filho do Homem” confessará, diante dos mesmos anjos, a todos os que o não tiver negado em vida. Nota-se que a referência ao futuro e aos anjos provavelmente seja uma alusão à corte do tribunal celeste.

Quanto a Lucas 21.36 pode-se dizer que a frase, estar em pé na presença do Filho do Homem, possivelmente indique a presença diante do tribunal regido pelo “Filho do Homem”.

MARCOS//MATEUS//LUCAS

Finalmente, é necessário considerar a passagem de Marcos 13.24-27 e seus paralelos encontrados em Mateus 24-29-31 e Lucas 21.25-28, que, por causa da importância fundamental que esses textos se revestem nesta discussão, são analisados juntos.

Marcos 13.24-27

24 Mas, naqueles dias, após a referida tribulação, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, 25 as estrelas cairão do fi rmamento, e os poderes dos céus serão abalados. 26 Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com grande poder e glória. 27 E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, da extremidade da terra até à extremidade do céu.

Mateus 24.29-31

29 Logo em seguida à tribulação daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do fi rmamento, e os poderes dos céus serão abalados. 30 Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória. 31 E ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus.

Lucas 21.25-28

25 Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; sobre a terra, angústia entre as nações em perplexidade por causa do bramido do mar e das ondas; 26 haverá homens que desmaiarão de terror e pela expectativa das coisas que sobrevirão ao mundo; pois os poderes dos céus serão abalados. 27 Então, se verá o Filho do Homem vindo numa nuvem, com poder e grande glória. 28 Ora, ao começarem estas coisas a suceder, exultai e erguei a vossa cabeça; porque a vossa redenção se aproxima.

Os três sinóticos têm em comum o fato de tradicionar, com pequenas variações, o dito a respeito do “Filho do Homem” em contextos marcadamente apocalípticos. A dimensão futura dos eventos descritos permite deduzir facilmente que se está diante de uma interpretação inequívoca da fi gura do “Filho do Homem” de Daniel 7. Nos textos tal fi gura sobressai pela utilização do motivo da vinda do “Filho do Homem” com as nuvens do céu, demonstrando o caráter celestial da fi gura. Acrescenta-se, ainda, a expressão “com poder e glória” o que reveste a fi gura do “Filho do Homem” de suprema autoridade, preparando a narrativa, consequentemente, para sugerir um cenário de juízo que pode ser inferido de duas das três passagens, a saber, Marcos 13.27 e Mateus 24.31, que tematizam o envio dos anjos para ajuntar todos os escolhidos.

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Da análise feita de Q e dos Sinóticos pode-se concluir a respeito da tradição do “Filho do Homem” que ela está enraizada, sem sombras de dúvidas, em Daniel 7. Mas as modifi cações e expansões que essa tradição recebeu se constituem na sua característica mais notável.

Em síntese é possível afi rmar que as tradições evangélicas acerca do “Filho do Homem” respeitam os seguintes critérios.

a. Citam textualmente a expressão “Filho do Homem”;b. Aludem às características de participante do juízo, como mediador ou como juiz;c. Tradicionam a expressão “Filho do Homem” em contextos alusivos ao futuro;d. Conservam o caráter celestial da fi gura “Filho do Homem”;e. Compreendem o “Filho do Homem” como portador de um reino;f. Aguardam sua aparição inesperada;g. Utilizam o motivo do “juízo fi nal”;h. Mantêm a terminologia referente ao tribunal “trono”, “anjos”, “retribuição”,

“ajuntamento”, “julgar”

APOCALIPSE DE JOÃO

O livro do Apocalipse pode ser tratado, com certo grau de certeza, do fi nal do primeiro século da era comum. Seu gênero literário e sua origem nos meios cristãos o qualifi cam dentro dos critérios desta pesquisa para uma análise.

No Apocalipse encontram-se duas ocorrências da expressão “Filho do Homem”, uma no capítulo primeiro e uma no capítulo quatorze. Eis os textos:

Apocalipse 1.13-14

... e, no meio de candeeiros, um semelhante a fi lho de homem, com vestes talares e cingido, à altura do peito,com uma cinta de ouro. 14 A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os olhos, como chama de fogo;

Apocalipse 14.14-16

Olhei, e eis uma nuvem branca, e sentado sobre a nuvem um semelhante a fi lho do homem, tendo a cabeça uma coroa de ouro e na mão uma foice afi ada. 15 Outro anjo saiu do santuário, gritando em grande voz para aquele que se achava sentado sobre a nuvem: Toma a tua foice e ceifa, pois chegou a hora de ceifar, visto que a seara da terra já amadureceu! 16 E aquele que estava sentado sobre a nuvem passou a sua foice sobre a terra, e a terra foi ceifada.

Apocalipse 1.13, para ser exato, utiliza a expressão um semelhante a fi lho do homem e não Filho do Homem. A dependência de Daniel 7 é relativamente clara, contudo, a caracterização dessa fi gura utiliza os atributos do Ancião de Dias sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve (verso 14a), atributos divinos, diga-se.

Apocalipse 14.14 tem mais elementos de Daniel 7. Além da expressão um

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semelhante a fi lho do homem, é dito que ele vem sentado numa nuvem branca. Ademais, o contexto dá a entender que se trata de um anjo, um ser celestial que tem a função de ceifar uma parcela da terra, ou seja, tem a função de exercer uma parte do juízo.

Características Evangelhos Apocalipse

Ser celestial ---- x

Pré-existente x (João 3.13;6.62)

Divino x

Vindo nas nuvens ---- x

Vingador dos justos Salvador (Lucas 19.10)

(Messias) x

Juiz x

Sujeita poderes (Mateus 13.40; 25-41)

Rei Universal x

Adorado x

Revelador x (João 3.12s)

Filho de Deus x (Lucas 22.69s)

Perdoa pecado (Mt 9.6; Mc 2.10) x

AVALIAÇÃO DOS DADOS

A partir da análise dos textos acima é possível traçar uma linha de desenvolvimento da tradição do “Filho do Homem” que tem seu ponto de partida na visão de Daniel 7 e se espraia desde a sua interpretação no mesmo capítulo de Daniel e alcança a literatura judaico-cristã posterior. Tal desenvolvimento não se prende à simples referência à fi gura do “Filho do Homem”, quer por citação do texto de Daniel ou pela alusão ao mesmo, mas evoca e amplia os aspectos de mediador celestial participante do tribunal que tomará lugar no fi nal dos tempos.

Gradativamente a fi gura do “Filho do Homem” vai tomando contornos cada vez mais específi cos. De adjunto no tribunal do Ancião de Dias de Daniel 7 o “Filho do Homem” evolui para ser o próprio juiz no julgamento fi nal como aparece nas Similitudes de 1 Enoch. Ali a fi gura do “Filho do Homem” ganha traços nitidamente divino-celestiais, como por exemplo, a sua preexistência, a sua suprema autoridade e sua transformação em objeto de adoração.

Elementos divino-celestiais semelhantes aos que caracterizam o “Filho do Homem” em 1 Enoch podem ser encontrados em 4 Esdras 13. Exemplo é a sua preexistência e o

"Le fi ls d´homme" de René Magritte

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fato de estar oculto desde as eras primevas e ser revelado somente no fi m dos tempos para assumir o papel de juiz no tribunal que julgará as nações e proferirá a sentença de condenação para os ímpios e fará justiça aos justos.

No mesmo compasso podem ser pautados os textos neo-testamentários cujo diapasão comum afi na a fi gura “Filho do Homem” com notas divino-celestiais similares às destacadas no judaísmo. Apesar de tal fi gura no cristianismo não soar uníssona, pois nem todas as passagens analisadas revelam uma função unívoca, no geral, a fi gura do “Filho do Homem” é postulada com aspectos divino-celestiais que a ligam, de uma ou de outra forma, ao futuro fi nal dos tempos, ocasião na qual terá lugar o julgamento fi nal.

Dentre os elementos que compõem a fi gura do “Filho do Homem” nas tradições textuais analisadas, destaque pode ser dado a um item em particular que é recorrente em todas elas, qual seja, a função de mediador celeste que o “Filho do Homem” exerce. Tal função assume características diversas que guardam relação direta com os contextos nos quais aparecem. Assim, as nuanças devem ser atribuídas ao papel específi co que a fi gura do “Filho do Homem” desempenha em cada cena em particular.

Consequentemente, na visão de Daniel 7 o “Filho do Homem” tem a função de coadjutor celeste, no tribunal do Ancião de Dias, das mãos do qual recebe o reino eterno. Em contrapartida, no tribunal semelhante que consta do 1 Enoch o “Filho do Homem” assume a função precípua de presidir esse tribunal, atuando como o supremo juiz da corte julgadora. Distintas, mas vinculadas, as funções em ambos os textos apontam para uma compreensão comum de que o “Filho do Homem” teria um papel importante no juízo fi nal. Se comparados com 4 Esdras 13, em que o “Filho do Homem” fi gura com a mesma função de responsável pela condução do julgamento, os textos de Daniel 7 e 1 Enoch ganham um colorido ainda mais forte, pois qualquer que tenha sido a direção que a tradição, foi “Filho do Homem”, tenha percorrido, 4 Esdras 13 corrobora para destacar o quão marcante para o judaísmo era o entendimento de que o “Filho do Homem” tinha, entre outras, a função de mediador celeste no juízo fi nal.

A literatura cristã aponta na mesma direção em que se desenvolve a fi gura do “Filho do Homem” no judaísmo. Diferenças óbvias entre uma e outra concepção podem ser apontadas, porém no tocante à função exercida pelo “Filho do Homem” tais diferenças cedem lugar àquilo que se pode chamar de convergência entre o Judaísmo e o Cristianismo, pois, no geral, a fi gura do “Filho do Homem”, nos textos evangélicos, denota a participação do “Filho do Homem” nas cenas do juízo fi nal.

Portanto, como conclusão provisória passível de aprofundamento, pode-se afi rmar que a tradição da fi gura “Filho do Homem”, tanto no Judaísmo, quanto no Cristianismo, ao redor do primeiro século da era comum, converge em um aspecto: o “Filho do Homem” é visto como um mediador celestial que tem uma função no julgamento fi nal do fi m dos tempos.

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ATIVIDADES As atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta

“Atividades”. Após respondê-las, envie-nas por meio do Portfólio- ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas, utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.

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Aula 07

TEOLOGIA BÍBLICAABBA PAI NOANTIGO

TESTAMENTO

Aqui quero apresentar uma Teologia Bíblica que passa pelo Antigo e pelo Novo Testamento. Escolhi o tema: Abba Pai – O Amor de Deus o Pai.

Abba, Oh Pai! Exclama Jesus no Getsêmani.Nossa refl exão começa sob o impacto da fi gura do “pai” nos dias atuais, fi gura

apresentada com papéis sociais defi nidos e distintos, por exemplo, como o de “provedor”, “protetor”, “educador”, entre outros. Pai defi nido como “biológico” ou simplesmente como “adotivo” (padrasto). O dito “pai ausente”, que por causa de muitas circunstâncias de trabalho, viagens e outras ocupações, está ausente do dia a dia de seus fi lhos. A falta de diálogo entre pai e fi lho que cria um grande fosso no relacionamento. O distanciamento do

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pai da família por vários motivos. O desinteresse afetivo ou a falta de qualquer manifestação carinhosa de muitos pais. A falta de assistência aos fi lhos por parte de muitos. A carência de políticas públicas e sociais que permitam ao pai de nossos dias sustentar com dignidade sua prole. Pai que não reconhece a paternidade de uma criança, até que um exame de DNA assim o comprove. Pai que abandona seus fi lhos, que, pior ainda, age de forma abusiva, com violência física, moral, espiritual e, mesmo, sexual.

É dentro deste quadro social e familiar que se impõe uma refl exão cristã sobre a paternidade de Deus Pai. Como chamar Deus de “Pai” em meio a uma situação dessas? Quais aspectos de paternidade são evocados quando alguém invoca Deus como pai? Que campo de signifi cados se abre na mente, na memória, na história intrapsíquica das pessoas quando a fi gura paterna é utilizada para referir-se a Deus?

É necessário formular essas e outras questões para procurar entender como a linguagem ordinária, transmutada em teológica, afeta nosso conceito de Deus. Isso mesmo, “conceito de Deus”, pois que muitos de nós não temos um relacionamento com Deus, mas apenas um conceito do mesmo. E isso pode ser explicado, em parte, pela abordagem, quase sempre, ontológica que a teologia faz de Deus, usando uma linguagem referencial e fi losófi ca.

Não se trata de trocar o termo “pai” por outro como: “mãe”, “amigo” ou termo que o valha. Todavia, é imprescindível refl etir sobre as fórmulas bíblicas de tratamento pessoal com Deus, isto é, perguntar pelas experiências existenciais daquelas pessoas que chamavam Deus desta ou daquela forma. Buscar compreender como a realidade cotidiana afeta a linguagem relacional com a divindade e como cada uma dessas experiências tornaram-se coletivas, porquanto partilhadas por muitas pessoas.

A mudança de foco na abordagem signifi ca a troca de paradigmas, de pressupostos e de enfoque, e é a escolha de novos paradigmas com seus novos pressupostos e enfoque que buscamos. Como proposta preliminar de um novo paradigma colocamos o conceito “relacionamentos”. O pressuposto fundamental é o de que os relacionamentos formam a base sobre a qual repousam a afetividade, os confl itos e sua resolução, a partilha de bens (simbólicos, materiais, espirituais e o que mais queiramos colocar), os encontros e desencontros, a satisfação de desejos, o acolhimento, o apoio, o perdão e tudo aquilo que pertence ao âmbito de relações interpessoais.

Quanto ao enfoque, não privilegiamos a ruptura cartesiana de “sujeito x objeto”. Buscamos superar esse impasse fi losófi co pela adoção de uma postura, também fi losófi ca, existencial e, portanto, mais concorde com os relacionamentos acima propostos, ou seja, um enfoque “sujeito + sujeito”, que no caso das relações com Deus também se estabelecem por sermos “Imago Dei”, imagem e semelhança do Criador.

Assim, nossa busca por uma refl exão que faça jus a abordagem sugerida passa,

Cuidado de Deus Pai

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necessariamente, pela troca de nossos paradigmas, pela revisão de nossos pressupostos e pela readequação do nosso enfoque. Isso inclui, portanto, revisitarmos nossa tradição bíblica, histórica e teológica, a partir da qual devemos avançar.

DEFINIÇÕES

Para iniciarmos nossa refl exão comecemos pela defi nição lexicográfi ca de “Abba Pai” no Novo Testamento.

"Abba" é uma palavra Aramaica que signifi ca “pai”. Ela é a forma específi ca quando a palavra é utilizada para falar “A” alguém. Em outras palavras, se você deseja usar para os mais velhos ou de maneira mais formal, você pode traduzi-la por: “Oh pai!”

Essa forma é usada nas orações judaicas e nas orações da Igreja Primitiva. Encontramos Jesus usando-a quando ora no Getsêmani na tradição marcana. Duas outras vezes a expressão aparece em o Novo Testamento, em Romanos 8 e Gálatas 3, em que os cristãos são exortados a orarem clamando “Abba Pai”.

O grego lê “Abba Pater” completando a palavra aramaica (abba) com seu equivalente grego (pater). Isso pode tornar o signifi cado claro. Porém, parece que os leitores gentios das cartas provavelmente já conheciam o signifi cado desta palavra – como conheciam palavras hebraicas comuns como “Amen” e “hallelujah”.

Há uma noção bastante popular que a forma “Abba” é uma expressão infantil e signifi ca “paizinho”. Mas isso não parece ser verdade, pois a terminação aramaica (alef) indica, simplesmente, que se está falando “a” alguém. A mesma forma aparece nas partes aramaicas da Bíblia que falam de Nabucodonosor – alguém diz: “Oh rei, viva para sempre”, e está claro que a pessoa não está usando uma maneira “infantil” de falar.

ABBA

Hebraico (ab = pai), em Aramaico no estado enfático (abba = oh pai). Um título comum de Deus em orações. Quando ocorre no Novo Testamento (Marcos 14.36; Romanos 8.15; Gálatas 4.6) a expressão tem uma interpretação grega. Isto pode ser explicado, aparentemente, pelo fato de que o Aramaico, através do seu uso frequente em oração, gradualmente adquiriu a natureza de um mais sagrado nome próprio, para o qual os judeus de fala grega adicionaram o apelativo de sua própria língua. (Thayer´s Greek Lexicon)

ABBA

Abba é uma forma aramaica como 'ab em Hebraico para o grego pater (pai). Ao contrário do hebraico que usa o artigo defi nido no início da palavra, o aramaico utiliza um alef no fi nal de um termo produzindo, assim, uma forma enfática. Isso é usado para

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expressar o caso vocativo e é encontrado em todas as passagens que ocorrem no Novo Testamento (sendo todas, uma invocação): Marcos 14.36; Romanos 8.15; Gálatas 4.6. O uso da apelação hebraica e grega endereçada a um Pai sugere que o espírito de adoção de Jesus, que foi o primeiro a usar a dupla invocação (abba, pater), inspirou, tanto judeus quanto gentios, a experimentar o conhecimento de Deus como nosso Pai, porque Ele é o Pai de Jesus, que pela fé nos fez um. [...] (Fausset´s Biblical Dictionary)

ABBA

Nas orações judaicas e cristãs antigas, Abba foi o nome pelo que Deus era invocado, depois nas Igrejas orientais tornou-se um título para os Bispos e Patriarcas. Assim, Jesus dirige-se a Deus em oração (Mateus 11.25,26; 26.39,42; Lucas 10.21; 22.42; 23.34; João 11.41; 12.27; 17.24,25). Em Marcos 14.36; Romanos 8.15, e Gálatas 4.6 o grego ho pater, é adicionado ao aramaico em um sentido enfático. Aos servos não era permitido utilizar essa apelação ao chefe da casa. (IESB Biblical Dictionary)

ABBA

Palavra siríaca ou aramaica encontrada três vezes no Novo Testamento, Marcos 14.36 Romanos 8.15 Gálatas 4.6, e em cada caso é seguida do equivalente grego, que é traduzido por “Pai”. Este é um termo que expressa afeição e confi dência fi lial. Não há nenhum equivalente perfeito em nossa língua. Ela tem passado para as línguas européias como um termo eclesiástico: "abbot". (Easton´s Biblical Dictionary)

Deus Pai – Obra de Stanislaw Wyspianski

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Essas defi nições servirão de guias para as refl exões posteriores. No momento, basta para nos dar uma idéia da diversidade de opiniões acerca da expressão: “Abba, Pai”.

ABBA, PAI NO ANTIGO TESTAMENTO

A expressão “Abba, Pai” fi gura na Bíblia como uma metáfora, entre outras, utilizadas para se referir a Deus, como por exemplo: El-Elohe Israel, Pai da Glória, Deus da Luz, Deus de Abraão, Isaque e Jacó, Deus de Israel, Pai dos Espíritos e assim por diante.

Comecemos pelo estudo da palavra “pai” no Antigo Testamento.O termo mais utilizado para “pai” no hebraico é “ab” que ocorre cerca de 1190

vezes em todo o Antigo Testamento. Esse substantivo é, aparentemente, derivado de um determinado som de bebê tal como abab (papa), antes da raiz verbal assíria “abû” que signifi ca decidir, sugerindo que o pai é aquele que “decide”. A Septuaginta, tradução grega do Antigo Testamento, verte “ab”, geralmente, por “pater”.

A palavra aramaica para “pai” é a mesma que no hebraico. Daí, com artigo defi nido (com alef no fi nal da palavra), passou para o Novo Testamento, que em grego foi transliterada “Abba”.

O uso de “ab” no Antigo Testamento é rico e variado. Serve para designar “pai humano” (I Reis 5.15, Gênesis 2.24), como progenitor. Nesse sentido, “ancestral de uma tribo ou nação” como em Gênesis 10.21. O termo em questão é utilizado, também, para designar o “primeiro” de uma classe ou profi ssão, como é o caso de Jabal que é mencionado em Gênesis 4.20 como o “... pai dos que habitam em tendas e possuem gado”, ou como o “chefe” dos artífi ces de uma determinada localidade (cf. I Crônicas 4.14).

A palavra ainda aparece como um título honorífi co de uma pessoa mais velha (I Samuel 24.12), de um mestre (II Reis 2.12), de um profeta (II Reis 6.21), de um sacerdote (Juízes 17.10), de um marido (Jeremias 3.4,19), entre outros.

Especialmente revelantes, são as ocorrências em Jó 29.16, Salmo 68.6 e Isaías 22.21, como se lê abaixo:

Eu era o pai dos necessitados, e me interessava pela defesa de desconhecidos. (Jó 29.16 - NVI)Eu o vestirei com o manto que pertencia a você, com o seu cinto o revestirei de força e a ele entregarei a autoridade que você exercia. Ele será um pai para os habitantes

de Jerusalém e para os moradores de Judá. (Isaías 22.21 - NVI)

No primeiro texto, a ocorrência de “ab” em Jó 29.16 está em um discurso de Jó no qual defende a sua integridade que consiste, entre outras responsabilidades, em cuidar dos necessitados como um “pai” cuida da sua prole. A importância desta referência reside no fato de que o termo assim usado “pai dos necessitados” aponta para uma das funções do próprio Deus em relação aos menos favorecidos, como registrado no Salmo 68.6.

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Pai para os órfãos e defensor das viúvas é Deus em sua santa habitação. (NVI)

O texto em questão mostra o interesse de Deus para com o seu povo, com os menos afortunados, especialmente, pois que ampara as pessoas mais carentes mencionadas no Antigo Testamento1.

É evidente no texto em estudo que o fato de Deus ser chamado de “pai” revela um determinado grau de relacionamento que ultrapassa o formalismo honorífi co de atribuir títulos a Deus e alcança as funções de paternidade conhecidas no Antigo Oriente Próximo, isto é, proteção e defesa, instrutor e companheiro.

Se a palavra “ab” é aplicada a Deus como um título honorífi co, é claro, também, que ela se aplica a Deus de forma muito mais relacional do que formal.

Além disso, os textos provavelmente servem de indicadores de que em outras situações semelhantes, nas quais pessoas assumem a tarefa de ser um “pai” para os desamparados , para os órfãos, sobretudo, ou para a nação como um todo.

Por seu turno, Isaías 22.21, ao utilizar a mesma palavra hebraica para “pai”, a usa para atribuir a Eliaquim (22.20) a paternidade dos moradores de Jerusalém, papel também desempenhado por Javé em relação ao seu povo, como aparece em outros textos, por exemplo, em Deuteronômio 32.6:

É assim que retribuem ao SENHOR, povo insensato e ignorante? Não é ele o Pai de vocês, o seu Criador, que os fez e os formou? (NVI)

Assim Javé torna-se o “Pai de Israel”, seu fi lho, por tê-lo formado (criado) e passa a ser reconhecido como tal. Como diz Joachim Jeremias:

A certeza de que Deus é Pai e Israel é seu fi lho não se funda no mito, mas em um ato

único de salvação realizado por Deus, do qual Israel foi o alvo na história3.

Pai por direito de criação, também podemos ver em Malaquias 2.10:

Não temos todos o mesmo Pai? Não fomos todos criados pelo mesmo Deus? Por que será, então, que quebramos a aliança dos nossos antepassados sendo infi éis uns com os outros?

E por direito de “formação”/libertação nos seguintes textos:

1Conferir a esse respeito: CRISTOFANI, José Roberto. Javé o Amparador dos Excluídos – Exegese do Salmo 146. In: RTL – Revista Teológica Londrinense, 3, (2002) 33-57.2Veja a palavra em Provérbios 22.22-23: 22 Não explore os pobres por serem pobres, nem oprima os necessitados no tribunal, 23 pois o SENHOR será o advogado deles, e despojará da vida os que os despojarem.3Joachim Jeremias, A Mensagem central do Novo Testamento, 3ª edição, São Paulo, Paulinas, 1986, p. 13.

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Entretanto, tu és o nosso Pai. Abraão não nos conhece e Israel nos ignora; tu, SENHOR, és o nosso Pai, e desde a antigüidade te chamas nosso Redentor. (Isaías 63.16 - NVI)

Contudo, SENHOR, tu és o nosso Pai. Nós somos o barro; tu és o oleiro. Todos nós somos obra das tuas mãos. (Isaías 64.7[8] – NVI)

O fato de Javé apresentar-se como “pai” e “Israel” reconhecê-lo como tal, toma forte impulso nos profetas. Aqui e acolá, na literatura profética, podemos encontrar o estreito relacionamento gerado pela paternidade de Deus.

O profeta Oséias tem um texto que mostra a profundidade de um amor criador e incondicional de pai em relação a Israel. Em Oséias 11.1 podemos ler:

Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu fi lho. (NVI)

A sucessão de palavras “menino”, “amei”, “meu fi lho” demonstram um profundo afeto de Javé para com seu povo, afeto que se manifesta em um ato salvador, o Êxodo, e continua a se manifestar ao longo da trajetória de Israel. História conturbada de afastamento de Javé, mas sempre cercada de seus cuidados.

O texto prossegue dizendo:

3 Mas fui eu quem ensinou Efraim a andar, tomando-o nos braços; mas eles não perceberam que fui eu quem os curou. 4 Eu os conduzi com laços de bondade humana e de amor; tirei do seu pescoço o jugo e me inclinei para alimentá-los. [...] 8 Como posso desistir de você, Efraim? Como posso entregá-lo nas mãos de outros, Israel? Como posso tratá-lo como tratei Admá? Como posso fazer com você o que fi z com Zeboim? O meu coração está enternecido, despertou-se toda a minha compaixão. (Oséias 11.3ss - NVI)

A profusão de termos associados ao tratamento paterno que Deus dispensa ao “seu fi lho” (ensinou, tomando-os nos braços, eu quem os curou, laços de bondade e amor, inclinei para alimentá-los) culmina com a expressão “meu coração está enternecido, despertou-se toda a minha compaixão” (a ARA – Versão Almeida Atualizada lê: Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à uma, se acendem.). Este clímax demonstra de forma inequívoca um modelo de “pai” que, como diz Joachim Jeremias:

Para os orientais, por mais que recuemos no tempo, a palavra “pai” aplicada para

Deus evoca de certo modo o que a palavra “mãe” signifi ca para nós4.

4Joachim Jeremias, A Mensagem central do Novo Testamento, 3ª edição, São Paulo, Paulinas, 1986, p. 12.

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Assim, também no livro do profeta Jeremias, podemos ver idêntica comoção de Javé por “seus fi lhos”:

9 Voltarão com choro, mas eu os conduzirei em meio a consolações. Eu os conduzirei às correntes de água por um caminho plano, onde não tropeçarão, porque sou pai para Israel e Efraim é o meu fi lho mais velho. [...] 20 Não é Efraim o meu fi lho querido? O fi lho em quem tenho prazer? Cada vez que eu falo sobre Efraim, mais intensamente me lembro dele. Por isso, com ansiedade o tenho em meu coração; tenho por ele grande compaixão”, declara o Senhor. (Jeremias 31.9, 20 - NVI)

A ênfase da literatura profética é, neste aspecto, do cuidado paternal de Javé com seu povo, a eventual rebeldia do povo, seguido de exortação, arrependimento e compaixão de Javé. O testemunho do profeta Jeremias é contundente:

Voltarão com choro, mas eu os conduzirei em meio a consolações. Eu os conduzirei às correntes de água por um caminho plano, onde não tropeçarão, porque sou pai

para Israel e Efraim é o meu fi lho mais velho. (Jeremias 31.9)

Outra vez, é Jeremias quem diz:

4 Você não acabou de me chamar: ‘Meu pai, amigo da minha juventude, 5 fi carás irado para sempre? Teu ressentimento permanecerá até o fi m?’ É assim que você fala, mas faz todo o mal que pode. (3.4-5 - NVI)

“Eu mesmo disse: Com que alegria eu a trataria como se tratam fi lhos e lhe daria uma terra aprazível, a mais bela herança entre as nações! Pensei que você me chamaria de

‘Pai’ e que não deixaria de seguir-me. (3.19 - NVI)

O livro de Malaquias (1.6) usa de uma comparação entre o “pai/senhor” - “fi lho/servo” humanos para aplicar a Javé como “pai/senhor” de Israel:

O fi lho honra seu pai, e o servo, o seu senhor. Se eu sou pai, onde está a honra que me é devida? Se eu sou senhor, onde está o temor que me devem? pergunta o SENHOR dos Exércitos a vocês, sacerdotes. São vocês que desprezam o meu nome! Mas vocês perguntam: De que maneira temos desprezado o teu nome? (NVI)

O “pai misericordioso” que perdoa as iniquidades aparece nos escritos poéticos, por exemplo, no Salmo 103, especialmente no verso 13:

Como um pai tem compaixão de seus fi lhos, assim o SENHOR tem compaixão dos que o temem; (NVI)

As características desta paternidade apresentadas acima podem ajudar a compreender o papel assumido por Javé como “Pai”.

Entretanto, é necessário, ainda, considerar alguns textos do Antigo Testamento que não trazem a palavra “pai”, mas carregam os conceitos de paternidade apresentados.

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Por exemplo, o acolhimento de um pai que pode ser visto no Salmo 27.10:

Ainda que me abandonem pai e mãe, o SENHOR me acolherá.(NVI)

Ou a comparação em Provérbios 3.12:

pois o SENHOR disciplina a quem ama, assim como o pai faz ao fi lho de quem

deseja o bem.(NVI)

Ou mesmo a metáfora de Isaías 49.15 que diz:

Haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do fi lho que gerou? Embora ela possa esquecê-lo, eu não me esquecerei de você! (NVI)

É possível acrescer outros textos aos já citados, mas para nosso propósito esses são sufi cientes, como pistas, para um trabalho contínuo de renovação das perspectivas sobre a paternidade de Deus no Antigo Testamento.

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Aula 08

TEOLOGIA BÍBLICAABBA PAI NONOVO

TESTAMENTO

É corrente uma tese muito popular que defende a ideia de que o Deus do Antigo Testamento é muito diferente do Deus que podemos encontrar no Novo Testamento. Essa tese sustenta que a fi gura de Deus no Antigo Testamento é um Deus transcendente, distante, punitivo e, até, violento.

Certamente que a interpretação de muitas passagens do Antigo Testamento leva, à primeira vista, a essas conclusões equivocadas sobre a pessoa de Deus e sobre suas ações para com a humanidade e o mundo criado. Ainda mais quando, essas mesmas passagens, são postas em comparação com os textos do Novo Testamento, nos quais Deus tem um semblante mais ameno, amistoso e amoroso.

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Como já mostramos no tópico sobre o Antigo Testamento, parece que essa tese do Deus carrasco e cruel caiu por terra, uma vez que já lemos muitas passagens bíblicas que revelam um Deus que tem nome, Javé, e que tem um cuidado especial com seu povo. Um relacionamento que manifesta ternura, atenção e, sobretudo, paternidade responsável e providente.

De fato, encontramos no Novo Testamento textos que usam o termo “Pai” para se dirigir a Deus em muito maior número que no Antigo Testamento, o que, a princípio, pode ser atribuído ao novo contexto no qual os trechos foram escritos. Entretanto, podemos aprofundar as causas que levaram o Novo Testamento a tal abundância de referências a Deus como “Pai”.

O destaque para a expressão “Abba, Pai!” ocupa o primeiro lugar em nossa exposição por motivos óbvios. Acrescente-se, ainda, que em todas as orações de Jesus dirigidas a Deus a expressão “meu Pai” é utilizada.

Abba é a palavra Aramaica para "pai". A palavra ocorre três vezes no Novo Testamento (Marcos 14.36, Romanos 8.15, Gálatas 4.6. Em cada caso ela tem a tradução grega que a acompanha, lendo (abba ho pater) no texto grego, “abba, pater” na Vulgata Latina, e "Abba, Pai" nas versões em português.

E dizia: Aba, Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice; contudo, não seja o que eu quero, e sim o que tu queres.

O uso feito por Jesus da palavra “Abba” e registrado

somente aqui nos Evangelhos, parece ter sido frequente nos lábios de Jesus ao se referir a Deus como Pai, segundo entende Joachim Jeremias. Este estudioso do Novo Testamento sustenta a ideia de que o pano-de-fundo aramaico do Novo Testamento denuncia o uso desse termo por Jesus em outras passagens bíblicas. Isso tendo em vista que a variação na forma do grego aponta para esse uso, por exemplo, em Mateus 11.25-26 em que aparecem duas formas (casos – vocativo e nominativo) no mesmo trecho. Essas ocorrências, segundo ele,

... não se podem explicar sem se levar em conta o fato de que a palavra abbá – como o veremos – servia correntemente no aramaico da palestina no primeiro século, não só de invocativo, mas também para dizer “o pai”1.

Os textos de Romanos 8.15 e Gálatas 4.6 parecem indicar na mesma direção de que Jesus usava “Abba” em suas orações.

Vejamos Romanos:

Porque não recebestes o espírito de escravidão, para viverdes, outra vez, atemorizados, mas recebestes o espírito de adoção, baseados no qual clamamos: Aba, Pai.(8.15)

1Joachim Jeremias, A Mensagem central do Novo Testamento, 3ª edição, São Paulo, Paulinas, 1986, p. 21.

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Aqui, claramente se diz que a adoção (de fi lhos) é a autorização para que os cristãos clamem “Aba, Pai”.

Em Gálatas 4.6 podemos avançar um passo e, fundamentados na passagem

E, porque vós sois fi lhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!

afi rmar que o “Espírito de seu Filho”, referindo-se a Jesus, sem sombra de dúvidas, é o mesmo Espírito que atua nos crentes e daí clamar da mesma forma que clamava o Filho “Abba, Pai”.

Em ambos os textos das epístolas fi ca evidente que desde muito cedo as comunidades cristãs herdaram de Jesus, pela tradição apostólica, também o modo de se dirigir a Deus como Pai, clamando pelo mesmo Espírito “Abba, Pai”.

Jesus é o grande ensinador acerca do “Pai”, não no sentido de “revelador”, contudo, D'Aquele que se relaciona na intimidade com Deus.

Vejamos alguns pontos desse ensino.Inicialmente, notamos que Jesus usa indistintamente a expressão “meu pai”

e, dirigindo-se aos discípulos, “teu/vosso pai”. Não há diferença signifi cativa nas duas expressões, há, pelo contrário, um alinhamento da pessoa de Jesus com seus seguidores, em relação ao Pai, isto é, ambos gozam do privilégio fi lial de fi lhos de Deus.

Logo, na catequese sobre a oração, chamada de “Oração do Senhor” há um plural “Pai nosso” que denota inequivocamente que estamos diante de um ensino inclusivo e acolhedor no qual Jesus coloca-se como “um” dos fi lhos (diga-se o Primogênito) de Deus.

O fato de Jesus utilizar o plural “Pai nosso” tem consequências relacionais imediatas. Por exemplo, o privilégio que notamos em Mateus 6.6:

Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.

Nesta passagem há uma metáfora da intimidade de Deus com seus fi lhos, seguido da expressão, que revela o cuidado paternal de Deus, logo a seguir, no verso 8:

Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais.

Por todo o capítulo seis de Mateus podemos enumerar esses aspectos do relacionamento de Deus com seus fi lhos. Expressões como: “Pai celeste as sustenta” (verso 26 – as aves e também vós), “vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas” (verso 32 – alimento, bebida, roupa) revelam o cuidado, e a solicitude de Deus (cf. Mateus 7.11).

Ora, se vós, que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos fi lhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhe pedirem?

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O Novo Testamento também utiliza a palavra “Pai” para Deus no sentido de que Jesus é “seu” fi lho.

Em outros lugares podemos ver Deus como um “Pai Universal” no contexto de pais e fi lhos, por exemplo, I Coríntios 6.18 lemos:

serei vosso Pai, e vós sereis para mim fi lhos e fi lhas, diz o Senhor Todo-Poderoso.

O mesmo ocorre em Efésios 3.14-15, onde lemos:

Por esta causa, me ponho de joelhos diante do Pai, de quem toma o nome toda família, tanto no céu como sobre a terra,...

Assim, Hebreus 12.9

Além disso, tínhamos os nossos pais segundo a carne, que nos corrigiam, e os respeitávamos; não havemos de estar em muito maior submissão ao Pai espiritual e, então, viveremos?

E I João 3.1

Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados fi lhos de Deus; e, de fato, somos fi lhos de Deus. Por essa razão, o mundo não nos conhece, porquanto não o conheceu a ele mesmo.

Isso está intimamente relacionado com o fato de que fomos adotados dentro da família de Deus como fi lhos e fi lhas pela mediação de Jesus.

Uma discussão exaustiva do uso de “Pai” no Novo Testamento não é possível aqui e está fora dos propósitos do curso. Por isso uma relação de todas as passagens do Novo Testamento nas quais aparece o termo “Pai” vai ao final deste texto para um aprofundamento posterior.

Ressaltamos, porém, que o “Deus Pai” do Novo Testamento nada fi ca a dever para o “Deus Pai” do Antigo Testamento. Aliás, notamos uma profunda similaridade entre a paternidade de Deus em ambos os testamentos, enriquecidos mutuamente na compreensão de um Deus relacional que empenha todos os esforços por uma paternidade responsável.

ABBA, PAI – NOS DIAS ATUAIS

Desde o início de nossas refl exões, a preocupação que norteia a busca pela compreensão de fi gura de Deus como Pai é aquela de tentar encontrar uma expressão de Deus que revele seu caráter de um Pai que realmente mereça ser chamado de tal.

No começo formulamos perguntas acerca do papel desempenhado pelos pais na atualidade e perguntamos pelas funções e pelo “semblante” dos pais nos dias atuais. Como são vistos e como desempenham a sua paternidade.

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Além disso, na sociedade pós-moderna, os papéis de paternidade e maternidade sofreram uma simbiose tal que, distingui-los parece uma tarefa impossível. O que se nota, é que os papéis não apenas se sobrepõem, mas são desempenhados por ambos, pai e mãe, que já não se pode separá-los, sob pena de empobrecer um e outro.

Ainda encontramos, muitas vezes, pais que, por não compreenderem esse quadro de simbiose de papéis, permanecem nos ditames da era moderna, industrial. Quer dizer, que distribui funções, autoridade e privilégios pela posição que determinada pessoa ocupa dentro da escala social.

Está fora de questão o legítimo e necessário papel social de “pai”. Não estamos discutindo isso aqui. O que está em jogo é a referência sócio-cultural que temos de “pai” para alcançarmos uma leitura mais justa, se podemos dizer assim, dos textos bíblicos que apresentam Deus como Pai. Pois é uma escolha hermenêutica decisiva para se compreender mais e melhor os textos sagrados do Novo e do Antigo Testamento.

As pistas que encontramos nos dois Testamentos servem de fundamento inicial para uma refl exão mais profunda sobre o tema: Abba, Pai!

As questões propostas para o aprofundamento podem ser estas, inicialmente:

1. Com uma nova visão dos papéis desempenhados por “pai” e “mãe” nos dias atuais, é possível encontrar indícios, pistas ou mesmo fundamento na Bíblia que permita uma reconceitualização de “Abba, Pai”?

2. O Antigo e o Novo Testamento fornecem material substancial para uma refl exão sobre o papel das emoções no trato com Deus Pai. Isso quer dizer que entram a afetividade, a compaixão, a ternura, o carinho na composição de uma nova Imagem de Deus Pai. Seria despropositado redimensionar os chamados “Atributos de Deus” da Teologia Clássica, com esses novos elementos que fogem à racionalidade que sustenta tal Teologia Clássica?

3. O remodelamento da visão de “Deus Pai” com os elementos da abordagem que inclui as emoções, pode gerar uma exigência na Antropologia Bíblica, também?

É obvio que as questões para refl exão não podem e não devem se restringir as essas colocadas, todavia há que se começar por algum lugar, e propomos este.

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ATIVIDADES As atividades referentes a esta aula estão disponibilizadas na ferramenta

“Atividades”. Após respondê-las, envie-nas por meio do Portfólio- ferramenta do ambiente de aprendizagem UNIGRAN Virtual. Em caso de dúvidas, utilize as ferramentas apropriadas para se comunicar com o professor.

Referências

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