TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 43 MARÇO DE 2012
A SANHA DO CAPITALISMO VERDE
DURBAN: UM PASSO CERTO NO CAMINHO ERRADO
O início da causa animal
Para a história das touradas e da sua abolição
Danados para a tortura
Memória ecológica: ecologia e ecologismo
Lagoa (eutrofizada) das Furnas, Agosto de 2011
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Em nota, Conselho Indigenista Missionário
(Cimi) se posiciona contra o mecanismo de
Redução de Emissão de Desmatamento e
Degradação (REDD) e Pagamentos por
Serviços Ambientais.
Agora não chegam as caravelas com portugueses, espanhóis,
ingleses, franceses e outros do norte desenvolvido. Chegam
empresas transnacionais do norte, trazendo a tiracolo os
governos de seus países, com propostas ―ecologicamente
corretas‖ e carregando em seu bojo a subordinação ainda
maior dos povos do sul. A terra, lastro do capital natural,
está sendo comercializada em bolsas de valores. Tal sanha
também se estende aos outros elementos da natureza, como
o ar, a biodiversidade, a cultura, o carbono – patrimônios da
humanidade.
Essa estratégia, por um lado, está sendo utilizado pelos
donos do grande capital, receosos que fique mais evidente
para a humanidade que as catástrofes ambientais não são tão
naturais e sim resultado da exploração sem limites da
natureza, com o objetivo de engordar seus já polpudos
lucros através da cultura do consumo exagerado, imposta
com sutileza às sociedades. Por outro lado, como saída para
a crise mundial por qual passa o capitalismo – agora
travestido de verde -, demonstrando a capacidade de
reciclar-se. É nesse contexto que o capital vem
apresentando, desde a Eco 92, suas propostas nas
convenções do clima até agora realizadas.
O mecanismo de Redução de Emissão por Desmatamento e
Degradação (REDD) não diminuirá a poluição. É uma farsa.
Na verdade, na melhor das hipóteses, significa trocar ‗seis
por meia dúzia‘. As empresas poluidoras dos países ricos do
norte pagarão para os países do sul e continuarão a poluir.
Nesse contexto, povos indígenas estão sendo assediados por
ONGs a serviço das empresas do norte para que firmem
contrato cedendo suas terras e florestas para a captura de
CO2.
Com o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a relação
com a natureza passa a ser mercantilista, ou seja, os
princípios de respeito do ser humano para com a natureza
passam a ter valor de mercado e medidos nas bolsas de
valores. O dinheiro resolve tudo, paga tudo.
Os mecanismos do ―capitalismo verde‖ reduzem a
capacidade de intervenção do Estado e dos povos na gestão
de suas florestas, bem como de seus territórios, que passam
a ter o ônus de viabilizar compensações ambientais massivas
em favor da manutenção do insustentável padrão de
desenvolvimento dos países ricos – e em franco
desenvolvimento, caso do próprio Brasil.
Mecanismos de compensação para captura de carbono
colocam em risco a soberania nacional, através da expansão
das transnacionais na consolidação do poder e controle sobre
povos e governos, águas, territórios e sementes nos países
do sul, além de modificar os modos de vida das
comunidades locais, agora tratadas como fornecedoras de
―serviços ambientais‖.
Os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpos
(MDL) justificam a construção de hidrelétricas por serem
estas classificadas nesta categoria. Não é por acaso que
tantas estão sendo construídas, muitas atingindo povos
indígenas como é o caso de Belo Monte, Santo Antônio e
Jirau.
A SANHA DO CAPITALISMO VERDE
2
Ao aceitarem fazer contratos de REDD, as comunidades
indígenas obrigam-se a ceder suas florestas por 30 anos, não
podendo mais utilizá-las, sob pena de serem criminalizadas.
É o ―pagador‖ quem vai definir o que o ―recebedor‖ pode ou
não fazer; ficam subordinadas às grandes empresas
transnacionais e governos internacionais.
Esses ―contratos de carbono‖ ferem a Constituição Federal,
que garante aos povos indígenas o usufruto exclusivo do seu
território. O povo perde a autonomia na gestão de seu
território, em troca de ter os recursos naturais integrados ao
mercado internacional.
Trata-se de um novo momento histórico, absolutamente
novo, mas com características vistas em outros momentos: a
reterritorialização do capital internacional e
desterritorialização dos povos indígenas.
Os povos atrelados a tais contratos são transformados em
empregados dos ricos, passando da condição de filhos,
cuidadores e protetores da Mãe Natureza (Pacha Mama)
para a condição de promotores do capital natural, criando-se
assim uma nova categoria: operários da indústria do
carbono.
Para os povos indígenas a terra é mãe. As árvores são os
cabelos, os rios são o sangue que corre em suas veias. Para o
―capitalismo verde‖, os rios são considerados infraestrutura
natural e a natureza uma força que precisa ser domada em
benefício de um dito progresso, profundamente autofágico,
perverso e totalitário.
Exemplos de como se dá a relação dos indígenas com a
natureza não faltam. Para os Guarani entrarem na floresta,
logo de manhã, rezam e pedem ao Nhanderú orientação na
direção em que devem caminhar. REDD, PSA transformam
a natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a
mística em cláusula contratual, o bem estar em supostos
―benefícios do capital‖. É a mercantilização do sagrado e a
coisificação das relações humanas em interface com o meio
ambiente.
É preciso recuperar a memória da humanidade sobre nossos
vínculos com a natureza, expresso no Suma Kawsay (Bem
Viver). O meio ambiente e as culturas que vivem em
harmonia com ele devem ser as bases para o
desenvolvimento humano e das sociedades; não um item da
economia de mercado.
Na convivência com os povos indígenas, percebemos que
são eles, com seus conhecimentos e sabedoria, as fontes
inspiradoras para um outro tipo de modelo de sociedade
onde o SER prevaleça sobre o TER, respeitando e vivendo
em harmonia com a natureza.
O ―capitalismo verde‖ é sinônimo de neocolonialismo. Em
pleno século 21, surgem novos ―espelhinhos‖ – os PSA, o
REDD – lembrando a estratégia usada pelos colonizadores
no século 16 para conquistar e destruir os povos indígenas,
apoderando-se de seus territórios.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), após analisar a
lógica do ―capitalismo verde‖ – dito sustentável – e suas
consequências para as populações mais sofridas e
exploradas do planeta, em especial os povos indígenas, quer
juntar-se aos demais setores organizados que dizem NÃO a
financeirização da natureza, NÃO a ―economia verde‖ e
NÃO ao mercado de carbono.
Luziânia, 3 de fevereiro de 2012
Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Foto: Vista aérea de aldeia Kayapó
Fonte do texto e da foto:
http://uniaocampocidadeefloresta.wordpress.com/2012/02/0
9/a-sanha-do-capitalismo-verde/
3
Estamos a 1,2ºC de ultrapassar a temperatura que os
cientistas apontam como o limite para que a
humanidade tenha 50% de probabilidades de evitar
uma catástrofe climática mundial sem retorno. Nesta
situação, os responsáveis pelo aumento da
temperatura tentam evitar o pior: diminuir sua a taxa
de lucro.
Este Domingo chegou-se a um acordo para responder
à urgência desta crise climática em Durban.
Resumindo, este acordo acorda que os países
continuem a dormir até 2020. Enquanto isso,
aumentam as catástrofes naturais agravadas pelo
aquecimento global, como as cheias no Paquistão,
Tailândia, Filipinas ou Bangladesh. Quando um
eventual novo acordo, ainda por definir, entrar em
vigor metade do planeta já poderá estar inabitável.
Adivinhem em que metade os 1% mais ricos vão viver.
Como todos os países concordaram em negociar um
novo acordo a ser assinado em 2015 para ter início
em 2020, Assunção Cristas, a ministra do Ambiente, já
à vontade com o seu novo estilo de populismo verde,
ficou muito satisfeita e avalia como "um passo em
frente" esta promessa, mesmo que na prática tudo
esteja na mesma, ou seja, pior porque o tempo para
terminar com a ameaça à vida de milhões de pessoas
está a terminar.
Durban é a demonstração de falhanço deste sistema
económico capitalista na resposta não só da actual
crise económica e social mas também da ambiental.
A notícia menos má é que deverá haver um provável
compromisso para continuação do Protocolo de
Quioto após 2012, a confirmar ainda no COP 18 no
Qatar. Tendo este protocolo alguns pontos positivos,
por ser um compromisso vinculativo de redução de
emissões assinado entre vários países, este acordo
mantêm uma lógica assente no mercado que serve,
em primeiro lugar, para garantir lucro fácil aos cartéis
do carbono. Se queremos mesmo responder a esta
crise ambiental, não é assim que lá chegamos.
Não nos esqueçamos que de fora de Quioto estão
países com um dívida ecológica enorme, pondo em
causa todos os outros: EUA, Rússia, Japão e Canadá,
que desistiu recentemente, por ter aumentado as
emissões em 24%. Este é um problema global. Por
isso deve ter solução global. Qualquer acordo que
exclua os países mais desenvolvidos na redução da
emissão dos gases de efeito de estufa não tem o
impacto que precisa de ter.
DURBAN: UM PASSO CERTO NO CAMINHO ERRADO
4
E não nos esqueçamos que Quioto admite a
implementação de projetos REDD+ que ameaçam
comunidades indígenas e outras comunidades
dependentes da floresta, em troca de plantações
florestais em monoculturas que não tornam a nossa
economia mais “verde”. A lista de projetos
fraudulentos para obtenção de dinheiro dos créditos
de carbono é muito mais extensa.
Voltemos ao que saiu de Durban.
Foram estabelecidas algumas regras para a atribuição
de 100 mil milhões de dólares para o Green Climate
Fund, para ajudar os países sub-desenvolvidos. Ainda
nenhum dólar saiu da mão dos países desenvolvidos,
mas já se sabe quem o vai gerir. O dinheiro ficará sob
controlo do imparcial Banco Mundial, o mesmo que
asfixia os países de terceiro mundo com dívidas
impagáveis.
Estas negociações foram mais uma oportunidade
perdida para uma solução justa e comprometida com
a nossa existência neste planeta. A contagem
decrescente para impedir o aquecimento do planeta
continua, para evitar o limite de aumento de 2ºC (em
relação a 1990), mas a cada momento que passa
teremos de fazer um esforço mais drástico no corte de
emissões. É que se tivesse havido um acordo este
ano, bastaria reduzirmos as nossas emissões de
carbono em 3,7% por ano, mas no ano de 2020 a
redução terá de ser de 9% por ano. Os custos
económicos e sociais de uma redução tão apressada
e drástica são muito diferentes de uma redução
atempada e planeada das emissões. Por isso este
adiamento vai criar um "apartheid climático" disse
Nnimmo Bassey, da Friend of the Earth.
A nossa resposta passa, em primeiro lugar, por estar
do lado dos países e dos povos mais vulneráveis, que
mais têm sofrido com o aumento do eventos de
catástrofes climáticas, que menos responsabilidades
históricas têm sobre a emissão de gases com efeito
de estufa e que têm direitos a desenvolver a sua
economia, de produzir aquilo que lhes é essencial
para erradicar a pobreza e permitir uma melhor
qualidade de vida.
Por parte dos países desenvolvidos precisamos de um
novo paradigma económico, um que não se faça à
custa de modelos extrativistas e produtivistas, mas um
de conversão para uma economia que não esteja
viciada em combustíveis fósseis e planeada de acordo
com os interesses e necessidades da população.
Isto deverá incluir a produção descentralizada de
energias renováveis, reabilitação das habitações,
legislação que proíba a obsolescência programada
nos produtos que compramos, o crescimento nas
redes de transportes públicos e tornando-os
acessíveis a toda a população ...
Para ganhar este modelo económico diferente, não
podemos fazê-lo sozinhos. Precisamos de unir os
agricultores, os sindicatos, ambientalistas e cientistas.
A ideia nem é nova. A campanha “One Million Climate
Jobs”, na Inglaterra, tem feito um bom trabalho em
unir activistas do movimento ecossocialista e
sindicatos de sectores mais poluidores, mostrando
que é possível preservar os empregos com direitos e o
nosso planeta.
A responsabilidade de agir é nossa. Vamos?
Ver mais:
http://www.combate.info/index.php?option=com_content&v
iew=article&id=361&Itemid=42
5
A emergência do Direito Natural e consequentemente a
consciência dos Direitos do Homem no panorama filosófico
e político na segunda metade do século XVIII fizeram
surgir nas elites políticas e intelectuais europeias uma
sensibilidade, lenta mas progressiva, relativamente a
questões consideradas como dogmas ao longo dos séculos,
como por exemplo, a questão da limitação e separação de
poderes, as liberdades fundamentais, a abolição da
escravatura, a abolição da pena de morte, a emancipação das
mulheres, a repartição justa da riqueza, a legitimidade da
propriedade, etc... No mesmo contexto filosófico-político
alguns filantropos problematizaram e questionaram a relação
de domínio do Homem em relação aos animais. No espírito
de muitas individualidades o recurso à violência para com os
animais, fundamentado na suposta superioridade do
Homem perante a Natureza era tida como imoral, quer à luz
do Cristianismo, quer à luz da Razão. Os maus tratos
aplicados aos animais eram considerados cada vez mais
como resquícios da barbárie e da incivilização dos
antigos tempos do obscurantismo. O Homem entrara numa
nova nova idade da História, a idade da Razão e do
progresso moral e essa evolução tinha necessariamente de
se refletir na relação homem - homem e homem - animal.
Não tardaram a surgir propostas para que o poder político
adotasse medidas de proteção aos animais.
Os primeiros esforços legislativos contemporâneos para
proteção animal contra os maus tratos dos humanos surgem
no Reino Unido no início do século XIX. Em 1800,
Sir William Pulteney tenta introduzir no código jurídico
inglês uma lei que proíbe o bull-baiting, projeto-lei recusado
pelo Secretário da Guerra William Windham (1750 - 1810)
com o argumento de que tal lei era contra o entretenimento
das classes populares da sociedade inglesa. No ano seguinte,
William Windham rejeita uma outra proposta legislativa de
proteção animal, da autoria de William Wilberforce (1759 -
1833) fundamentando que tal lei tinha sido idealizada pelos
metodistas e jacobinos com a intenção de destruir o ―antigo
caráter inglês pela abolição dos desportos rurais‖. Mais uma
tentativa surge em 1809 pelo Lord Chancellor Thomas
Erskine (1750 - 1823), ao propor uma lei de prevenção da
crueldade sobre os animais, aprovada na Câmara dos Lordes
mas rejeitada na Câmara dos Comuns. Uma vez mais
William Windham insurge-se contra tais propostas
legislativas, alegando desta vez que eram incompatíveis com
os tão populares divertimentos da caça à raposa e a corrida
de cavalos.
Após estas tentativas frustradas finalmente surge a primeira
lei de proteção animal. É a lei Act to prevent the cruel and
improper treatment of cattle (Lei de prevenção ao tratamento
cruel e imprópio do gado) mais conhecida pelo nome do seu
autor, "Martin's Act". Esta lei, da autoria do deputado
Richard Martin (1754 - 1834) foi aprovada pelo parlamento
britânico em 1822. A designação ―gado‖ no título da lei
apenas incluía boi, vaca, ovelha, mula, e burro, deixando de
fora outras espécies como o touro e o cão que foram
englobadas na lei em atualizações posteriores (leis de 1835,
1849 e 1876).
O primeiro julgamento ao abrigo do Martin‘s Act foi o de
Bill Burns, vendedor de fruta ambulante, que agrediu o seu
O INÍCIO DA CAUSA ANIMAL
6
burro de carga. O caso na altura ficou famoso em Inglaterra
devido ao facto de o próprio Richard Martin ter acusado
Bill Burns e durante julgamento ter levado o burro à sala do
tribunal como prova das agressões para espanto dos juízes e
público assistente.
Richard Martin, Willian Wilberforce e outros estiveram
envolvidos na fundação da Society for the Prevention of
Cruelty to Animals em 1824, a primeira instituição do
mundo dedicada à proteção animal. Esta instituição
conseguiu fazer com que o Martin's Act de 1822 fosse
alargado no seu âmbito pela Cruelty to Animals Act (lei da
crueldade sobre os animais) de 1835, que abrangia cães e
outros animais domésticos, abolia o bear-baiting e a luta de
galos, assim como imponha melhores condições para os
animais nos matadouros. A legislação de proteção animal
inglesa foi sendo sucessivamente consolidada e ampliada ao
longo do século XIX pelas leis de 1849 (Cruelty to Animals
Act 1849 ), e de 1876 ( Cruelty to Animals Act 1876 ) de
modo a abranger gradualmente mais espécies animais e
modalidades de tratamento cruel ( consultar o site Animal
Rights History para ter uma noção da produção legislativa
inglesa sobre a proteção animal). O Reino Unido surge
assim como o "berço" do movimento da causa animal e da
legislação de proteção animal na contemporaneidade, sendo
em breve trecho imitado por outros países europeus e
americanos.
E em Portugal?
Em Portugal pouco se conhece sobre o estado de
consciencialização para o bem estar animal na primeira
metade de oitocentos. Percebe-se no entanto que a
problemática da proteção animal está intimamente
relacionada com as corridas de touros ou touradas.
Existem referências para este período indicadoras de que as
corridas de touros seriam mal vistas por certas pessoas.
Sabe-se que um dos governadores do reino na ausência da
corte no Brasil, o Principal Sousa (17-- 1817) se esforçou
por proibir as touradas entre 1810 e 1817. Nas cortes
constituintes (1821-1822) o deputado Borges Carneiro (1774
- 1833) apresentou à câmara constituinte um moção para a
abolição das corridas de touros. No debate parlamentar
perguntava ele aos seus colegas deputados: « Ora qual foi o
fim da natureza criando estes animaes [os touros]? foi para
que o homem se podesse servir delles, e quando muito que
sei servissem para seu sustento; mas não foi de certo para
que os martyrizasse, os enchesse de flexas, e se divertisse
com elles, destruindo-os pouco a pouco por meio do fogo e
do ferro. Taes não forão os fins para que a Divindade pôz
os outros animaes debaixo do poder do homem.» Apesar da
sua retórica e eloquência a moção foi rejeitada.
Com o advento do Setembrismo, o ministro do Reino Passos
Manuel (1801 -1862) governando em ditadura, aboliu a 19
de setembro de 1836 as corridas de touros. Porém esta lei foi
revogada no ano seguinte com Carta de Lei de 30 de junho
de 1837. Com a Carta de Lei de 21 de agosto de 1837 as
receitas das corridas de touros realizadas em Lisboa
revertiam para a Casa Pia e as receitas das touradas
realizadas nos restantes municípios do território português
ficavam afetas às Misericórdias ou a outras instituições pias,
associando assim as touradas à caridade, o que deu mais um
argumento a favor dos defensores da tauromaquia.
Fonte: http://blog-de-
historia.blogspot.com/search/label/Prote%C3%A7%C3%A3
o%20animal
7
Neste número do boletim ―Terra Livre‖ apresentamos
um conjunto de textos extraídos do livro
―Tauromaquia Terceirense‖, da autoria de Pedro de
Merelim, pseudónimo de Joaquim Gomes da Cunha,
que, nascido no concelho de Baga, chegou aos Açores
integrando o Corpo Expedicionário Português, durante
a Segunda Guerra Mundial.
Através da investigação histórica de Merelim podemos
conhecer melhor o que foi a tauromaquia na ilha
Terceira, as barbaridades cometidas sobre os animais,
as mortes e feridos causados pelas touradas, o
envolvimento dos políticos nomeadamente em
períodos eleitorais, os danos causados à economia da
ilha, a condenação das touradas por parte de alguns
visitantes e as divergências entre os defensores das
touradas de praça e as de corda.
Embora a luta pela defesa dos animais e no caso
específico pela abolição das touradas seja transversal a
todas as ideologias e crenças, nós como anti-
capitalistas e anti-autoritários, consideramos que é
imoral, nomeadamente numa altura em que se exigem
sacrifícios a todos os que vivem do esforço do seu
trabalho, que uma actividade que se só existe aliada à
tortura animal seja apoiada por dinheiros públicos.
M. S.
1
Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades
―Já começaram nesta ilha as touradas de corda,
divertimento bárbaro e estúpido, de que o Sr.
governador civil substituto é fiel apaixonado‖ . E
depois de enumerar os lugares que promoviam tais
divertimentos, o autor remata:
―Excelente serviço o que nos está prestando o Sr.
Visconde das Mercês, com as corridas de toiros!
O nome de sua Ex.ª há-de passar à história da
tauromaquia na ilha Terceira…
Mas que fazem os empresários das praças, cujos
interesses são lesados conjuntamente com os da
Fazenda Nacional?
Calam-se, o Sr. governador civil – que parece dar o
cavaco para ver gente estropiada, e os pobres animais
espicaçados – vai concedendo licenças por dá dá
aquela palha!
PARA A HISTÓRIA DAS TOURADAS E DA SUA ABOLIÇÃO
8
Tristíssimo‖
2
Touradas e Pão
Pela nossa autoridade
Dizem que não são permitidas
De cordas desta cidade;
Por Deus, senhor, piedade,
Tende nós compaixão;
Hajam touros, haja vinho,
P‘ra alegrar o Zé Povinho
Embora lhe falte o pão.
3
O ópio
―As touradas de rua continuam a esmo por todos os
cantos da ilha, talvez por estarmos no ano de eleições,
não obstante a campanha já um tanto disfarçada de A
União.‖
…
Consta em São Mateus vai haver também uma tourada
como que, para pagar uma promessa! Uma criança foi
ferida ali numa das últimas touradas e a família
comprometeu-se a que, se o pequeno se curasse, que
daria à sua custa uma outra corrida. O pequeno curou-
se e a tourada vai-se fazer‖ (em 1910)
4
Bárbaro divertimento
Na freguesia das Doze Ribeiras, em 6 de Agosto
[1910] um dos toiros ―pegou num pobre homem,
atirando-o contra o tanque próximo da igreja‖. Faleceu
cinco horas depois, numa casa em que noivos
festejavam o seu enlace nesse dia frente ao altar.
Embora casado pela terceira vez, o finado era ainda
homem novo. – A propósito, lemos: ―Que grandiosa
seria a lista que se tivesse feito com o nome de todas as
vítimas que tem causado esse bárbaro divertimento.
Mas o povo quer é toiros para fazer esquecer o peso
das suas desgraças!‖
5
Insensibilidade face ao sofrimento alheio
Das muitas e usuais touradas à corda nesta ilha
realizadas em 1893 a da vila da Praia, em 15 de
Outubro, assinalada ficou. Numerosas pessoas, de
ambos os sexos, para a seu talante gozar o espectáculo
empoleiraram-se sobre o mercado do peixe, sítio
próximo do toiril. Mas quando a saída do segundo
bicho se aguardava, cedendo ao peso excessivo, o
telhado do barracão aluiu, envolvendo na derrocada –
numa amálgama de corpos, homens e mulheres, rostos
convulsionados e trajes descompostos pela aflição,
quantos a sangrar, quadro de dor e promiscuidade –
toda aquela gente. Trinta feridos se contaram, dois com
gravidade.
A diversão, no entanto, prosseguiu até ao fim, como se
nada tivesse acontecido.
Nota - Títulos e sublinhados da nossa
responsabilidade
Entra em acção
Assine a petição aqui:
http://www.peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=A
NIMAL
9
Os primeiros dias do mês de Fevereiro foram
agitados para os lados dos defensores das sessões
de tortura animal mais conhecidas por touradas.
Com efeito, a realização do II Fórum dito Mundial
da Cultura (?) Taurina não terá ocorrido com
serenidade, pois foram vários os protestos contra o
uso de dinheiros públicos sem os quais a iniciativa
não se teria realizado.
A falta de serenidade notou-se pelo nervosismo
dos ―porta-vozes‖ do evento referido que
fartaram-se de criticar os jornalistas pela sua
pretensa parcialidade, de mentir acerca do não
recebimento de apoios públicos, de falar sobre o
seu sonho – a sorte de varas – quando anunciaram
que o Fórum nada tinha a ver com esta pratica
ainda mais sanguinária e a criticar as touradas à
corda, dizendo que quem gosta delas são os anti-
touradas, porque o que querem ver é ―porrada‖.
Com a denúncia, por parte de algumas associações
e grupos informais, de alguns milhões de euros de
impostos que são desviados ao investimento em
actividades produtivas para financiar o lobby das
touradas, a nobreza terceirense, que ao longo de
toda a história espezinhou o povo e para o
anestesiar deu-lhe touradas à corda,
nomeadamente em períodos eleitorais, voltou a
apelar à união pois os perigosos anti-taurinos
querem acabar com toda a tauromaquia terceirense
e dos arredores.
Mas, o bairrismo doentio também arrasta alguns
nobres dissidentes ou falidos e alguns intelectuais
de pacotilha, associados a fascistas de esquerda e
de direita, que, achando cruéis as touradas de
praça, consideram que as de corda são dignas de
figurar entre o património imaterial da
humanidade. Bastava que estes pobres de espírito
lessem a obra, de Pedro de Merelim,
―Tauromaquia Terceirense‖, para perceberem que
se hoje estas são mais ―suaves‖ para os animais, já
o foram mais bárbaras e muitas mortes e feridos já
causaram.
Além do referido, as touradas têm sido um
entrave a um desenvolvimento económico
saudável dos Açores, por serem um sorvedouro de
dinheiros públicos que são transferidos para os
bolsos de meia dúzia de industriais da indústria da
tortura animal, por roubarem horas de trabalho
(volto a recomendar a leitura de Merelim), pelo
facto das despesas de saúde advindas dos
ferimentos causados aos ―foliões‖ e não só
ficarem a cargo de todos nós, etc. ...
DANADOS PARA A TORTURA
10
Não me querendo alongar, pois os argumentos dos
que gostam de touros, mas torturados, não fazem
sentido, por isso nem merecem ser rebatidos, farei
apenas uma ligeira referência ao de um ganadeiro
que filosofou sobre a grande diferença que existe
entre sofrimento e dor.
Para mim, mesmo que os animais se ficassem pela
dor, eu continuaria a sofrer ao ver um touro ser
maltratado e a sangrar apenas para satisfazer o
sadismo de alguns ou a insensibilidade que foi
incutida a muitos outros.
Também, queria dizer que não é verdade que vai
quem quer às touradas. Com efeito, se não vou
fisicamente, uma parte do meu vencimento,
resultado do meu trabalho, que me é retirado pelos
impostos, está lá presente.
Para terminar, dedico a citação, abaixo, a todos os
humanos sensíveis aos problemas dos sem-abrigo,
à fome que atinge algumas pessoas, ao abandono a
que são votados os animais domésticos, mas que
pela lavagem ao cérebro a que foram sujeitos não
conseguem entender que é possível a todos, seres
humanos ou não (cães, gatos, touros, patos, etc.)
vivermos melhor, em harmonia:
“Era uma vez um czar naturalista que
caçava homens. Quando lhe disseram
que também caçam borboletas e
andorinhas, ficou muito espantado e
achou uma barbaridade.” (Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987),
poeta e cronista brasileiro)
Mariano Soares
11
O termo «ecologia» foi usado pela primeira vez,
em 1866, pelo biólogo alemão Ernst Haeckel,
na sua obra Generelle Morphologie der
Organismen. Segundo ele, a ecologia é ―a
investigação das relações totais do animal tanto
com o seu ambieente orgânico como inorgânico.
A Ecologia, que só a partir de 1919 deixou de
ser um ramo da Biologia, pode ser definida
como a ciência que estuda a dependência e a
integração entre os sistemas biótico e abiótico
da Terra.
Ao considerar que o homem vive,
simultaneamente, num ambiente natural, social
e psicológico Julian Huxley advoga a
necessidade de se ampliar o conceito de
Ecologia. Assim, segundo ele, a Ecologia Social
―lida com as relações sociais do homem, tanto
dentro como entre as sociedades humanas‖ e a
Ecologia Psicológica ―preocupa-se com as
relações individuais e colectivas do homem,
com as forças e recursos da sua natureza íntima
e o mundo das ideias, crenças e valores que ele
criou e com os quais se cercou‖. É, no entanto,
importante separar a Ecologia como ramo do
conhecimento científico, da Ecologia como
fenómeno sociopolítico.
―Ecologismo‖ é o termo usado para designar a
globalidade dos movimentos de feição sócio-
política centrados em torno da Ecologia.
O movimento ecologista fundamenta a sua
actuação em dados fornecidos pela Ecologia
cientifica, mas enquanto que a Ecologia
científica pode servir de instrumento à
construção de uma nociedade industrial
preservada, os principais mentores do
ecologismo lutam por uma ruptura imediata,
propondo um outro modelo de sociedade.
O termo ―Ecologismo‖ possui, segundo o seu
criador, também a vantagem de unificar as
acções práticas do movimento ecologista, sem
esquecer a sua profund.a diversidade.
No mundo inteiro, o Ecologismo é contestação
do sistema energético que modela as sociedadcs
industriais do Leste e do Oeste. Porém não
apresenta plano da sociedade ideal — nem
sequer projecto preciso de sociedade. Nem
revolucionário, no sentido histórico do termo,
MEMÓRIA ECOLÓGICA: ECOLOGIA E ECOLOGISMO
12
nem reformador, sonha em opôr aos Estados-
nações um «planeta de federações» que
corresponda aos princípios ecológicos do
respeito pela diversidade.
Embora, o movimento ecologista não possua
uma linha única, nem tão pouco um corpo
doutrinário homogéneo, possui, segundo
Dominique Simonet, três características:
1º — Para os ecologistas as actividades
humanas não são reduzidas a meras relações de
produção; a ecologia política tira o homo
economicus do seu quadro intrincado de
trabalhador-consumidor para o considerar como
um ser único dotado de desejos e de uma
cultura. A noção do melhor ser opôe-se à do
mais ter, o processo social a crescimento
económico. Os ecologistas não se interrogam
somente acerca da propriedade dos meios de
produção, mas também sobre a sua natureza e o
seu desenvolvimento.
2º — Embora o movimento ecologista não seja
uma entidade estruturada, desenvolve todavia
aspirações difusas em que se pode distinguir o
esboço de um desejo político em alguns
elementos centrais; unidades de pequena
envergadura, descentralização regional. ...Estas
propostas condicionam a vida e a organização
do movimento ecologista; inscrevem-se
sobretudo num contexto cultural à margem da
ideologia dominante e suscitam iniciativas
―paralelas‖, indiferentes ao código social em
vigor, que se esforçam por criar «aqui e agora‖,
sem esperar por um hipotético entardecer ou um
«amanhã que canta» como sonhava o
esquerdismo.
3º — Uma ideologia ecologista põe
profundamente em causa o determinismo
científico e técnico que condiciona o
desenvolvimento das sociedades modernas,
interrogando-se sobre a influência do
pensamento científico e sobre o da tecnologia
dentro das escolhas de sociedade e modo de
vida, O movimento ecologista põe antes de tudo
a relação entre a natureza e a sociedade num
século em que o homem «desnaturado»,
encerrado no seu papel social, é a principal
vítima deste antagonismo. Medita sobre as
noções de felicidade e de liberdade, dissociando
uma da abundância, associando a outra à
autonomia e formula ao mesmo tempo uma
moral do comportamento quotidiano, olhando a
sociedade do ponto de vista da natureza e do
indivíduo.
T.B.
(Publicado no jornal ―Diário Insular‖, no
dia 13 de Agosto de 1982)