12
1 - A entrevista a Ana Mascarenhas em Torre de Gente - Maio 2012 t o r r E d e g e n t e A ENTREVISTA Diego Martínez Lora - [email protected] Ana Mascarenhas Maio 2012

Torre de Gente: Entrevista de Diego Martínez Lora a Ana Mascarenhas Maio 2012

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Entrevista de Diego Martínez Lora a Ana Mascarenhas a propósito da publicação do livro Silêncio denunciado, Torre de gente, 2012

Citation preview

1 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

t

o

r

r

E

d

e

g

e

n

t

e

A ENTREVISTADiego Martínez Lora - [email protected]

Ana Mascarenhas

Maio

2012

2 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

Ana Mascarenhas nasceu em Lisboa em 1969.Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos.Publicou Louca Sensatez (Editorial 100, 2009), Em carne viva (Torre de Gente, 2010), Vazios da escrita (Edium, 2011), Silêncio denunciado (Torre de Gente, 2012)

Como surge a ideia de escrever este seu último livro Silêncio Denunciado?

A ideia surge numa forma de repensar a literatura como fi gura interventiva. Há já algum tempo que comecei a ler os textos publicados nos dois últimos livros e denotei inconscientemente textos que denunciam algo que, na minha forma de estar na vida, são completamente irreais… se assim posso chamar…

O que é que este livro traz de novo ou de particular comparativamente aos outros livros que já publicou?

Traz um tudo e um todo. Começa por ser uma única narrativa ao invés de várias como constam nos livros anteriores. No entanto, se eu refl etir melhor, o livro Silêncio Denunciado também pode ser visto como tendo várias narrativas, uma vez que os seus capítulos, embora com um sequência lógica, revestem vários males das várias sociedades. E, é precisamente devido à sua sequência lógica que o livro Silêncio Denunciado acaba por fazer parte do universo literário romancista.

Que novos desafi os enfrentou ao escrever Silêncio Denunciado?

Alguns! O maior foi, talvez, a estrutura da obra em si. Sabia que queria escrever sobre todos os males que habitam no mundo, mas, sabia ser impossível, assim, acabei por dedicar-me àqueles que mais me tocam em particular, talvez pela forte presença, ainda, destes males nas várias sociedades. No entanto, também, não posso deixar de denunciar que, vestir o papel de uma personagem que se revê em várias foi o maior desafi o. Queria que o livro fosse intenso, provocasse emoção e, ao mesmo tempo, não queria desenvolver muitas personagens, logo, teria que estruturar muito bem a obra,

3 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

de forma a que o leitor quando a fosse ler, percebesse que uma única personagem poderia representar várias, sendo ela própria divisível através da procriação…por outro lado e, como é evidente, acabei por abraçar da(s) personagem (ns), aquela dor mais acentuada. Aquela que todos sabem que existe, mas calam…

Como está estruturada a obra?

Como referi, a obra está estruturada por capítulos que antevê uma narrativa formada por uma sequência lógica na história apresentada. Cada capítulo representa um tema e, em cada tema pode ser facilmente identifi cado a origem da dor incluída no próprio tema. Ou seja, existem algumas particularidades na narrativa de cada capítulo, que antevê se o mesmo se passa, por exemplo, na Índia, na China, em

África, Europa ou, em que Continente a atrocidade em si é mais (in)visível. Escrevi (in) porque, efetivamente, a atrocidade é visível, mas nós, humanos teimamos em torná-la invisível.

Quais são os personagens principais de Silêncio Denunciado?

Eu diria que existem três grandes personagens principais: A mãe de Alma, a Alma e o pai adotivo de Alma. No entanto e, como referi anteriormente, a Alma representa em si várias mulheres das várias sociedades, incluindo, como é óbvio, a sua própria mãe que, apesar de ter sido lapidada foi quem deu corpo à obra…

Qual é a distância (ou proximidade) entre a autora, a narradora e as personagens, uma vez que por vezes se tornam quase indistinguíveis nos sentimentos que expressam?

É natural que a distância seja praticamente nula na maneira de sentir, no entanto, e, devido à proximidade física ser o refl exo da distância geográfi ca, é natural que haja uma certa diferença, uma vez que estou apenas a descrever o que supostamente sinto, mas não sinto, porque não vivi, realmente, nenhuma das atrocidades reveladas na obra. Diria que, me aproximo como autora e narradora dos sentimentos mas, também, me distancio não só geografi camente, mas, porque apenas suponho sentir o que deveria sentir se vivesse o que narrei…

4 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

Acha que aquilo que denuncia é claramente injusto e desumano aos olhos de todos?

Hesitei muito nesta resposta. Ao princípio pareceu-me bastante lógico responder afi rmativamente. Afi nal, somos humanos e a dor alheia faz-me (nos) doer, também. No entanto e, depois de refl etir um pouco percebi que, se

fosse claramente injusto e desumano aos olhos de todos, não haveria a necessidade desta obra ter nascido. É óbvio, claro e inequívoco que a justiça não é absoluta, a verdade também não, no entanto, existe um sentimento que é comum e atrevo-me mesmo a dizer, absoluto, é ele a dor, logo, sendo a dor absoluta, pese embora sentida de diversas maneiras em diferentes seres, o que é um facto é que não deixa de ser

5 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

dor, assim, denunciar as atrocidades que determinados seres provocam em outros seres, mesmo aqueles que nada fazem mas sabem que existe, torna-se imperativo, caso contrário, esta obra não teria nascido…

Em Silêncio Denunciado aparece quase todo o tipo de sofrimento por que passam muitas mulheres pelo mundo fora, descrito através das poucas personagens do livro, sem que se detenha muito com detalhes geográfi cos e históricos. Quer com isto dizer que o sofrimento é universal e que todos temos a nossa quota-parte de culpa nessa partilha silenciosa?

Sem dúvida! O sofrimento sendo um sentimento é único e universal, também. Todos temos a nossa quota-parte de culpa em todo e qualquer sofrimento alheio, no entanto, a ausência de detalhes prende-se, essencialmente, com o facto de eu querer chamar à razão o que é realmente importante. Receei, confesso, que, os detalhes afl orassem a obra, tornando-a menos dura e, o que pretendi foi, precisamente, dar um murro no estômago, denunciar sem falsas modéstias um falso moralismo, sendo direta, assertiva e consistente.A sua defi nição de literatura tem vindo a mudar desde que começou a escrever os primeiros textos?Sem dúvida! Pese embora a base esteja lá, o meu cunho pessoal seja indiscutivelmente inconfundível, o que é certo é que, a minha escrita tem-se revelado mais acutilante. Por isso “me” defi nir com uma escrita ou, se preferirem, com uma literatura interventiva.

Que novos projetos tem em mente?

Tantos e tão poucos! Muitos e nenhuns…De facto, parece um paradigma o que acabei de escrever, mas, a realidade é que tenho estado imersa em vários projetos, nomeadamente, numa autobiografi a, num livro de citações próprias, numa biografi a de uma determinada personagem, num livro de poesia, mas… enquanto não concluir pelo menos um, posso dizer que estou absorvida em muitos e em nenhuns ao mesmo tempo e, também, tantos, porque de facto, são alguns, mas, poucos para o que pretendo ainda fazer…

Que tipo de reação antevê dos seus leitores a este novo livro Silêncio

Denunciado?

Esta é a pergunta mais difícil de responder. Não sei! Talvez uma reação semelhante às anteriores obras, uma vez que o meu cunho, como já referi, nunca esteve ausente… mas, acrescento que, a expectativa é alguma…

6 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

7 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

silêncio denunciado - silêncio denunciado

Ana Mascarenhas

Diego Martínez Lora, editor

Encomendas:enviar e-mail a [email protected] ligar 93 662 85 40

8 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

PREFÁCI0 Quando tive a honra de ser convidado a ler estes textos antes de serem editados, deparei-me com a difi culdade que todos temos de encarar/enfrentar estas realidades, que de tão grosseiras, são incompreensíveis. Nenhum destes temas que Ana Mascarenhas nos traz é de fácil leitura, muito menos compreensão, mas é um sério alerta para que não deixemos que continue a acontecer em qualquer parte do planeta escondida por uma falsa justifi cação religiosa ou tradicional, está na hora de todos os seres humanos se unirem a favor de uma erradicação deste tipo de comportamentos que em nada dignifi cam o ser humano.

As crenças são sem dúvida a alma de um povo e por conseguinte do ser humano, o que só por si pode ser elucidativo e pode de alguma forma explicar as atrocidades que ainda se cometem contra as mulheres, contudo não podem nem devem ser justifi cação para tais atos.

Atrocidades, que incompreensivelmente continuam a fazer parte de algumas culturas e que deveriam ser erradicadas, não com atos evasivos ou violentos ou ainda condenativos, mas reeducando alguns item’s destas culturas, nomeadamente no respeito a ter pela mulher.

As tradições a meu ver são a forma de perpetuar, os erros dos nossos avós sem questionarmos o porquê dos mesmos. Na geração dos meus pais, algumas mulheres não tinham voto na matéria sendo por vezes agredidas sempre que algo não corria como o “chefe de família” queria, não foi há tanto tempo assim e ainda hoje muitos adolescentes pensam desta forma pelos exemplos que vêem e que lhe são transmitidos. Em 2010 o número de denúncias de violência doméstica contra as mulheres era de 31.235, sendo que em 2008 o número de mulheres mortas por violência doméstica era de 40 e em 2011 quase que duplicaram.

As atrocidades cometidas vão desde a simples expulsão da família ao apedrejamento, queimadura com ácido, corte do clítoris, desfi guração do rosto, escravatura e assédio sexual, como se de um ser amorfo se tratasse, sem dor e sem sentimentos, como se não fosse um ser humano, como se o homem fosse dono e senhor da sua existência. Este livro traz à luz tudo o que de pior existe no nosso íntimo e nos afasta dos outros animais.

Somos os únicos animais que odeiam outros da mesma espécie e razões não faltam, odiamos seres humanos de outros lados do planeta, odiamos seres humanos de outras cores, odiamos seres humanos de outras religiões, odiamos seres humanos que não pensam como nós, como se nós fossemos a essência da sabedoria universal. Inventámos religiões e guerras, conseguimos ser o melhor e o pior do planeta. Está na hora de nos unirmos para dizer “já chega”, “basta”, sejamos apenas… humanos.

Silêncio denunciado é uma homenagem a todas as mulheres que padeceram e padecem perante a ignorância, o ódio e a insensibilidade.

Luís Fernando Graça Artista Plástico

editor/director administrativo da Revista Novos Talentos

9 -

A e

ntrevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

PALAVRAS PRÉVIAS

Não vou mentir! Estas palavras compiladas agora em livro custaram-me muito a escrever, houve momentos em que tive que parar porque a personagem que estava a compor me fazia doer, sentia-a como se fosse eu, vivia--a e por isso, obrigava-me a parar, para sair da história, porque a dor era grande, imensa… logo, não é um livro cor-de-rosa, mas, também não é um livro de fi cção, embora os seus factos sejam histórias contadas, vividas e presenciadas por muitos, foram sempre silenciosas, assim, antes é uma literatura de intervenção, um apelo ao grito, mas não aquele que é calado e sim àquele que se ouça, ou se faça ouvir, nem que seja no silêncio da noite, mas é uma súplica, um pedido, uma história com várias histórias, por isso, é uma vida que representa várias vidas, em vários locais e com várias práticas.

Não foi necessário nomear nenhum País, nem um Continente, muito menos uma Fronteira, porque os Quatro Cantos do Mundo estão presentes pelas suas práticas, costumes e ditas culturas, pelas suas atrocidades, hábitos e dores, pelos seus habitantes, pelas suas terras, pelas suas vestes e pelos seus odores.

Também não foi necessário criar muitas personagens, uma representa o tudo e o todo. Representa a Vida dita Humana, o Sonho e a Besta, a Realidade e a Frontalidade, a dor, o sofrimento, a luta, a conquista, a desordem ou o caos. Representada pela sua vida, a oposição é o seu sonho, a Grandeza e a mesquinhez, respectivamente.

Não evoluímos, nada crescemos, nada compreendemos e quando me dizem que muito se fez, que a evolução humana se concretizou, ou… vai-se concretizando, apenas fi co a pensar, questionando-me, frontalmente: será?! Não acredito! A evolução apenas se dá de forma materialista, o crescimento desenvolve-se de aparências, joga-se com as vidas e confunde-se Cultura com dor, com fl agelo e prazer de ver sofrer.

Por isso, o poder continua instituído, o poder sobre os mais frágeis, a ganância, a arrogância, o facilitismo e a mentira. São tudo estados que habitam nos vários Estados, uns de uma maneira, outros de outra, uns através de práticas ditas culturais e outros apenas por maldade, pelo simples facto do prazer se fazer através da dor alheia.

Onde está a evolução humana? Na substituição da máquina pelo homem? No poder sobre os mais frágeis? Nas diferenças ditas culturais mas que não passam de desculpas esfarrapadas para que o poder não lhes seja retirado? Onde?! Onde é que evoluímos? Em nada!

Não soubemos e continuamos a não saber crescer como pessoas, não soubemos e continuamos a não saber fazer jus à palavra “humana”, aquela que se diz racional mas que consegue ser mais Besta que a própria Besta.

Afi nal, somos isso mesmo, Bestas apelidadas de Humanas. Somos a vergonha porque tudo sabemos e nada fazemos, porque tapamos os olhos e os ouvidos, porque viramos a cara quando nos faz doer, porque todo o mal que acontece não acontece por perto ou connosco, porque somos assim, egoisticamente comodistas…

Ana Mascarenhas

10

- A

en

trevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

ÍNDICE

Prefácio de Luís Fernando Graça 5

Palavras prévias 9

Mutilação Genital 11Vendida 15Violada 21O Sonho 31O Parto 35Amparada 39Denunciada 47Lapidada 51Adopção 55A Viagem 57Raptadas 61Minas Terrestres 65Tráfi co de Órgãos Humanos 69O Legado 73Apaixonada 77A Notícia 81Infanticídio Feminino 85A Gravidez 89Tráfi co Humano 95Dar a Volta por Cima… 101Barrigas de Aluguer 103O Regresso 109Violência Psicológica 113Suicídio 121Testemunho 125

Índice 127

11

- A

en

trevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

12

- A

en

trevis

ta a

An

a M

ascaren

has e

m T

orre d

e G

en

te -

Maio

2012

[email protected]

www.torredegente.com