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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS OS DISCURSOS MÍTICOS DE “SURPLUS” 2014

Trabalho de Língua VI

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Page 1: Trabalho de Língua VI

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

OS DISCURSOS MÍTICOS DE “SURPLUS”

2014

Page 2: Trabalho de Língua VI

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

OS DISCURSOS MÍTICOS DE “SURPLUS”

Este trabalho foi realizado pelos alunos Vitor Hugo de Aquino

Iulianello e Mateus Martins Santana, para a disciplina de

Língua Portuguesa VI, ministrada pela Professora Cida

Borges.

Maio/2014

Goiânia

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RESUMO

O discurso é a ferramenta que permite ao homem estabelecer vínculos

diversos com seus semelhantes. Através do uso da Língua, o ser humano criou

sistemas ideológicos que visam protege-lo de si mesmo, estabelecendo assim uma

ordem para as vidas de cada indivíduo. Porém, cada sistema criado pelo homem é

utilizado de maneira diversa e por vezes visa favorecer aqueles que possuem mais

poder na sociedade.

O filme “Surplus” trata desse tema, mostrando como cada discurso e como

cada sociedade tenta manter seu indivíduo preso às suas ideologias, de maneira

que ele não consiga ser livre de fato, embora acredite ser livre. Logo, a análise

nesse artigo irá se preocupar em apontar os mitos, estruturas criadas para explicar e

determinar como o sujeito social deve agir em determinado contexto ideológico, bem

como em desmistifica-los, segundo as teorias filosóficas e Línguísticas.

Palavras-Chave: Mito, Ideologia, Massificação

Page 4: Trabalho de Língua VI

ABSTRACT

The speech is the tool which allows man to establish many ties with their

fellow men. Through the use of language, humankind creates ideological systems

that aim to protect him from himself, establishing an order to the lives of every

individual human being created. But every man-made system is used differently and

sometimes seeks favor those who have more power in society.

The film "Surplus" is the theme, showing how each discourse and as each

society tries to keep people stuck to their ideologies, so they can not be free indeed,

although they belive being free. Therefore, the analysis in this article will be

concerned to point out the myths, structures created to explain and determine how a

social person must act in a certain ideological context and in demystifies them,

according to the philosophical and linguistic theories.

Key-Words: Myth, Ideology, massification

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………... 6

2. A QUANTIDADE.............................................................................................. 9

3. AS CORRENTES E A LIBERDADE.............................................................. 12

4. A RETOMADA DE SI..................................................................................... 14

5. REFERÊNCIAS............................................................................................. 15

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1. INTRODUÇÃO

Somos indivíduos cercados e criados pela Linguagem. É ela que dá forma,

dá sentido e constrói o nosso “eu” e os “eus” de nossos iguais. Através dela somos

capazes de expressar nossos desejos e criar formas de saná-los, de forma que

nossas criações sirvam como alicerce de sentido às coisas que nos cercam, bem

como ao mundo em que vivemos; de maneira que o ser humano sem a linguagem é

nada. Sendo assim, a Língua também, assim como outras expressões da

Linguagem, figura como uma necessidade humana, porque através dela

expressamos nossos desejos mais profundos, contamos nossas histórias,

estabelecemos “contratos” comunicativos com nossos iguais, etc.; estabelecemos o

que nos faz humanos pela Língua e pela Linguagem.

A Língua é então, praticamente, a linguagem menos a Fala: é, ao mesmo

tempo, uma instituição social e um sistema de valores. Como instituição

social, ela não é absolutamente um ato, escapa a qualquer premeditação; é

a parte social da linguagem; o indivíduo não pode, sozinho, nem criá-la nem

modificá-la. Trata-se essencialmente de um contrato coletivo ao qual temos

de submeter-nos em bloco se quisermos comunicar; além disto, este

produto social é autônomo, à maneira de um jogo com as suas regras, pois

só se pode manejá-lo depois de uma aprendizagem. Como sistema de

valores, a Língua é constituída por um pequeno número de elementos de

que cada um é, ao mesmo tempo, um vale-por e o termo de uma função

mais ampla onde se colocam, diferencialmente, outros valores correlativos;

sob o ponto de vista da língua, o signo é como uma moeda5: esta vale por

certo bem que permite comprar, mas vale também com relação a outras

moedas, de valor mais forte ou mais fraco. (BARTHES, Roland. Elementos

de Semiologia, p.17 e 18)

A Linguagem, assim como a Língua, abre uma possibilidade infinita de

significações, já que carrega um potencial significativo, um Signo. Este último não é

fixo, depende do contexto e de outros fatores para que figure, pois que , segundo

Santo Agostinho "Um signo é uma coisa que, além da espécie ingerida pelos

sentidos, faz vir ao pensamento, por si mesma, qualquer outra coisa." (apud

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia, p. 39):

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O signo é, pois, composto de um significante e um significado. O plano dos

significantes constitui o plano de expressão e o dos significados o plano de

conteúdo. Em cada um destes dois planos, Hjelmslev introduziu uma

distinção importante talvez para o estudo do signo semiológico (e não mais

linguístico apenas); cada plano comporta, de fato, para Hjelmslev, dois

strata: a forma e a substância; é preciso insistir na nova definição destes

dois termos, pois cada um tem um denso passado lexical. (BARTHES,

Roland. Elementos de Semiologia, p.43)

Um signo não é somente formado por uma palavra, é também expressão,

discurso, portanto é forma (significante) e substância (significado). Se signo é

discurso, logo, todo discurso contribui para a construção de um signo. Significante e

significado contribuem para a formação discursiva e significativa.

Em “Surplus” temos a expressão do signo/discurso presente na ideologia, ou

nas ideologias, apresentadas e criticadas. Dessa vez é a ideologia social, um

discurso que permeia o meio social e que determina o que é certo, o que está de

acordo com o padrão exigido pelo grupo social dominante, quais atitudes estão

corretas em determinada situação. Portanto temos aí o “mito” social.

Entendemos Mito como uma narrativa imaginária que tem um objetivo:

explicar a origem das coisas, dos povos, de seus costumes e tradições. Portanto o

mito é uma estrutura de ordem simbólica, trata-se de uma representação do mundo

real; se é representação, não é real e sim imaginário, logo temos o símbolo. Nesse

sentido, o mito social busca traduzir os símbolos sociais em forma de discurso: o

mito social é uma criação que visa estabelecer padrões (que dependem de um ponto

de vista ideológico) e busca explicá-los de acordo com as ideias que permeiam um

determinado momento. Roland Barthes propõe-se a analisar os mitos em sua obra

“Mitologias”, partindo do princípio que o Mito é uma estrutura discursiva e produtor

de significados:

[...] o mito é uma fala, tudo pode constituir um mito, desde que seja

suscetível de ser julgado por um discurso. O mito não se define pelo objeto

da sua mensagem, mas pela maneira como a profere: o mito tem limites

formais, contudo não substanciais. Logo, tudo pode ser mito? Sim, julgo que

sim, pois o universo é infinitamente sugestivo. Cada objeto do mundo pode

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passar de uma existência fechada, muda, a um estado oral, aberto à

apropriação da sociedade, pois nenhuma lei, natural ou não, pode impedir-

nos de falar das coisas. (BARTHES, Roland. Mitologias, p. 199 e 200.)

A observação de como ocorrem determinados mitos sociais, culminou na

produção do filme “Surplus”, de Erick Gandini. Em tradução literal, Surplus é o

equivalente em português ao Superávit, ou seja, a expressão que se refere ao lucro.

Por sua vez a definição “lucro” não é o suficiente para elucidar esse mito, pois que

lucro é um mito do capitalismo e este desprenderia uma nova análise, por isso

precisamos analisar a palavra “lucro” de acordo com sua definição mais ampla: o

lucro é o fruto do excesso de algo. Por exemplo, se eu preciso de duas laranjas e

ganho três laranjas de um estranho qualquer, logo obtive lucro de uma laranja,

porque essa uma laranja é o excedente do que eu realmente preciso. Assim o filme

“Surplus” tratará justamente desse excesso, da espetacularização excessiva dos

discursos aos quais somos expostos e da perda de sentido, da mesma forma que

questiona os nossos discursos e como imaginamos que eles nos atendem.

Numerosos estudos mostram que as narrativas pessoais são meramente

ensaios de retórica pública, montados pelos meios públicos de comunicação

para "representar verdades subjetivas": Mas a não autenticidade do eu

supostamente autêntico está inteiramente disfarçada pelos espetáculos de

sinceridade - os rituais públicos de perguntas pessoais e confissões

públicas de que os programas de entrevistas são o exemplo mais

preeminente, ainda que não o único. Ostensivamente, os espetáculos

existem para dar vazão à agitação dos "eus íntimos" que lutam para se

expor; de fato, são os veículos da versão da sociedade do consumo de uma

"educação sentimental": expõem e carimbam com a aceitação pública o

anseio por Estados emotivos e suas expressões com os quais serão tecidas

as "identidades inteiramente pessoais”. (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade

Líquida, p. 101 e 102)

A repetição desses mitos sociais “disfarçados pelo espetáculo da

sinceridade”, conforme Bauman, em cada um dos discursos apresentados em

“Surplus” e as implicações para seus indivíduos e para a sociedade é a matéria

analisada por este artigo, que tem como objetivo apresentar as estruturas dos mitos

contemporâneos de acordo com o tema apresentado no filme.

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2. A QUANTIDADE

Seria estranho não começar por essa palavra. Quantidade. É a

representação mais clara dos discursos míticos que permeiam o filme e,

principalmente, exerce um poder fundamental sobre as temáticas “excesso”. No

filme temos uma série de excessos repetitivos que visam massificar uma ideia, ou

seja, ao repetir uma expressão é possível produzir o efeito dominante desejado,

porque não abre espaço para uma recolocação de ideias, assim a repetição imprime

o desejo de que a ideologia não pode ser questionada, apenas reproduzida pelo

dominante e pelo dominado. Tudo isso é feito em grande quantidade, cercando por

todos os cantos, não dando espaço para que o indivíduo possa ter tempo para

pensar e criar um juízo crítico sobre determinada coisa.

Com efeito, o indivíduo passa a se apropriar da ideia,o slogan ideal, o mito

que explica que a sociedade funciona assim, porque é preciso consumir ideias e

discursos na mesma medida em que são produzidos e que se não forem

consumidos, haverá desordem, caos. Significa dizer que a quantidade, nesses

casos, visa moldar e padronizar o indivíduo, com o intuito de fazê-lo sentir-se

seguro, e mais, livre para escolher sem sofrer qualquer penalidade que sua escolha

possa causar, ou sabendo de pronto a quais penalidades ele está sujeito. É um

mundo pronto.

"Ordem' permitam-me explicar, significa monotonia, regularidade, repetição

e previsibilidade; dizemos que uma situação está "em ordem" se e somente

se alguns eventos têm maior probabilidade de acontecer do que suas

alternativas, enquanto outros eventos são altamente improváveis ou estão

inteiramente fora de questão. Isso significa que em algum lugar alguém (um

Ser Supremo pessoal ou impessoal) deve interferir nas probabilidades,

manipulá-las e viciar os dados, garantindo que os eventos não ocorram

aleatoriamente. (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida, p. 66)

Tomemos uma passagem do filme como exemplo: Fidel Castro discursa ao

seu povo, imponente, sem dar um espaço para que duvidemos de seus ditos. Em

determinado momento ele diz “Cuba não promove o consumismo!”, “Cuba não

promove campanhas publicitárias” e todos aplaudem, sacodem as bandeirinhas e,

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felizes ou entorpecidos pela alegria, gritam o nome de seu líder; em uma cena

seguida há uma placa dizendo para consumir somente o necessário. O mito

quantitativo aqui quer explicar para o povo de Cuba que é seguro e correto ter

somente aquilo que é necessário para a sobrevivência, assim como explica que a

propaganda não é ela mesma e sim outra coisa, ela é a lei. Confunde-se com o

socialismo Marxista que prevê a igualdade do Estado e de seus participantes.

Porém, um novo olhar comprova que o necessário não é o suficiente para quem está

no poder: Fidel Castro, em seu discurso, estaria desfazendo justamente o que

acabara de dizer, pois que ele é a figura consumida no discurso político cubano,

portanto ele constrói a publicidade e ao mesmo tempo é o produto a ser consumido.

É ele quem diz o que é necessário ou não, e para quem é necessário.

A ideologia, assim, reduzida a um discurso vago e

descompromissado nem por isso se torna mais transparente e,

tampouco, mais fraca. Justamente sua vagueza, a aversão quase

científica a fixar-se em qualquer coisa que não se deixe verificar,

funciona como instrumento da dominação. Ela se converte na

proclamação enfática e sistemática do existente. A indústria

cultural tem a tendência de se transformar num conjunto de

proposições protocolares e, por isso mesmo, no profeta irrefutável

da ordem existente. Ela se esgueira com mestria entre os escolhos

da informação ostensivamente falsa e da verdade manifesta,

reproduzindo com fidelidade o fenômeno cuja opacidade bloqueia

o discernimento e erige em ideal o fenómeno omnipresente. A

ideologia fica cindida entre a fotografia de uma vida

estupidamente monótona e a mentira nua e crua sobre o seu

sentido, que não chega a ser proferida, é verdade, mas, apenas

sugerida, e inculcada nas pessoas. Para demonstrar a divindade do

real, a indústria cultural limita-se a repeti-lo cinicamente.

(ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento,

p.69 e 70)

Logo em seguida, há a entrevista de uma menina cubana, Tania, que conta

a sua viagem à Europa. E esse segundo momento é importante ser observado de

duas maneiras: a primeira é a de que ela é uma cidadã cubana, portanto foi

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assujeitada pela mesma ideologia durante sua vida inteira. O exemplo desse

assujeitamento é a repetida expressão “...rice and beans...” (arroz e feijão). O “arroz

e feijão” repetido tantas vezes no filme denuncia justamente essa imposição

quantitativa de uma ideia. No segundo momento temos ela contando como foi sua

visita à Europa: lá ela não quis comer o que estava acostumada em Cuba, preferiu

comer itens de fast-food; e os comeu em grandes quantidades, ao ponto de

engordar e chegar a 180 libras. Tania experimentou o excesso da contra-ideologia

cubana, ou seja, Tania entrou em contato com o capitalismo, que diz que o certo e

comum é o indivíduo consumir o quanto conseguir, entretanto a ideologia, nesse

segundo momento, não é explícita, ela é assimilada de maneira automática; Tania

se vê livre da ideologia cubana. Aqui há uma intertextualização com a “Alegoria da

Caverna” de Platão – na qual o escravo que viveu a vida em uma caverna,

acostumou-se com o que via e quando saiu da caverna, surpreendeu-se com o

mundo externo – a menina cubana é a escrava de uma ideologia que foi repetida

tantas vezes até que ela se convencesse que era a correta, até o ponto em que ela

não está mais assujeitada por essa ideologia e consegue ver um mundo novo e se

impressiona com o que vê e ao ver que tudo é “limitado pela sua capacidade de

consumir” e não por uma ideia de consumir somente o que lhe é necessário.

A ideologia, assim, reduzida a um discurso vago e descompromissado nem

por isso se torna mais transparente e, tampouco, mais fraca. Justamente

sua vagueza, a aversão quase científica a fixar-se em qualquer coisa que

não se deixe verificar, funciona como instrumento da dominação. Ela se

converte na proclamação enfática e sistemática do existente. A indústria

cultural tem a tendência de se transformar num conjunto de proposições

protocolares e, por isso mesmo, no profeta irrefutável da ordem existente.

Ela se esgueira com mestria entre os escolhos da informação

ostensivamente falsa e da verdade manifesta, reproduzindo com fidelidade

o fenômeno cuja opacidade bloqueia o discernimento e erige em ideal o

fenómeno omnipresente. A ideologia fica cindida entre a fotografia de uma

vida estupidamente monótona e a mentira nua e crua sobre o seu sentido,

que não chega a ser proferida, é verdade, mas, apenas sugerida, e

inculcada nas pessoas. Para demonstrar a divindade do real, a indústria

cultural limita-se a repeti-lo cinicamente. (ADORNO, Theodor W. e

HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento, p.69 e 70)

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3. AS CORRENTES E A LIBERDADE

Um jogo de representação daquilo que deveria ser e o que realmente é a

palavra “liberdade” é acompanhada pelo mito do “homem livre”. A representação

desse mito é descrita nas palavras da Esfinge “decifra-me ou te devoro”: o homem

livre, em “Surplus”, foi devorado pela enxurrada de discursos ideológicos que são

repetidos a todo instante na tentativa de mantê-lo ajustado ao padrão. Como uma

liberdade pode ser padronizada? Liberdade, seria “o direito de agir segundo o seu

livre arbítrio, de acordo com a própria vontade,[...]”. Se essa definição de liberdade

nos serviria como verdade absoluta, então não há liberdade. A liberdade, no filme

“Surplus”, viria cercada de escolhas pré-definidas, nas quais o sujeito irá se pautar.

A escolha do consumidor é hoje um valor de si mesma; a ação de escolher é mais importante que a coisa escolhida, e as situações são elogiadas ou censuradas, aproveitadas ou ressentidas, dependendo da gama de escolhas que exibem. (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida, p. 103)

A escolha é a única liberdade que resta. Ela é a personificação do mito da

liberdade, já que ela explica onde e quando o sujeito será livre das amarras

impostas. Somos postos de frente para inúmeras escolhas, porém somente algumas

são aceitas.

O indivíduo vê-se completamente anulado em face dos poderes

econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a

natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a

que serve, o indivíduo vê-se, ao mesmo tempo, melhor do que nunca

provido por ele. Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da

massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados. (ADORNO,

Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento, p.3)

Nesse ponto é certo afirmar que a liberdade é tolhida em qualquer meio

ideológico, inclusive aqueles que se propõem a libertar o povo de uma ideologia

tirânica. Como Adorno explicita em sua obra “Industria Cultural e Sociedade”, os

discursos dominantes se apropriam dos atos sociais e criam um novo, cheio de

vazios, capazes de manter a população em seu lugar, abaixo da linha que gere e

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que controla as vontades e as possibilidades. Sendo assim, temos em “Surplus” uma

afirmação criada junto com a tecnologia a quem ela se refere: “a tecnologia facilitará

a vida humana.” Essa afirmação vem de encontro ao real, já que o ser humano

nunca esteve tão atrelado ao seu trabalho quanto antes; significa dizer que a

tecnologia virou mais um meio de aprisionamento humano nos moldes ideológicos.

De maneira que o discurso de “liberdade” assumiu sua forma de mito explicativo. O

homem “abraçou” a ideia de que a tecnologia facilitaria a vida e assim foi “engolido”

pelo discurso ideológico.

Toda a cultura de massas em sistema de economia concentrada é idêntica,

e o seu esqueleto, a armadura conceptual daquela, começa a delinear-se.

Os dirigentes não estão mais tão interessados em escondê-la; a sua

autoridade se reforça quanto mais brutalmente é reconhecida. O cinema e o

rádio não têm mais necessidade de serem empacotados como arte. A

verdade de que nada são além de negócios lhes serve de ideologia. Esta

deverá legitimar o lixo que produzem de propósito. O cinema e o rádio se

auto definem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de

seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de

seus produtos. (ADORNO, Theoror W. Indústria Cultural e Sociedade, p. 6 e

7)

O sujeito é levado a acreditar que ao ser saciado através de bens de

consumo, ou de discursos massificados, ou pela sensação de pertencimento algo

muito maior, ele está livre. Estabelecemos então o mito da liberdade, em que os

valores de liberdade de pensamento e escolhas são exaustivamente difundidos,

entretanto o que há, na verdade, é um padrão estabelecido sobre o que é ser livre e

até onde pode ser livre.

Pela linguagem em que se exprime, contribui ele próprio para fortalecer o

caráter publicitário da cultura. Quanto mais a linguagem se resolve em

comunicação, quanto mais as palavras se tornam, de portadoras

substanciais de significado, em puros signos privados de qualidade, quanto

mais pura e transparente é a transmissão do objeto intencionado, tanto mais

se tornam opacos e impenetráveis. (ADORNO, Theoror W. Indústria Cultural

e Sociedade, p. 41)

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4. A RETOMADA DE SI

Algumas questões ainda rondam o espectro do filme, como por exemplo o

que é necessário fazer para que esses discursos perversos e aprisionadores sejam

eliminados de toda a face da humanidade? Voltar os olhos para o início da

civilização, quando o homem das cavernas fazia da natureza sua casa e construía

somente o que precisava, sem agredir, teoricamente, ao próximo?

Essa visão de retorno, com a qual o diretor de “Surplus” compactua, também

é uma visão ideológica e que precisa ser analisada. Primeiramente, afirmar que ao

extinguirmos os processos civilizatórios como os conhecemos hoje e voltarmos às

origens, é um discurso, no mínimo, inocente e purista. O ser humano se move em

direção a evolução e não ao contrário. Desfazer o dito não irá, de forma alguma,

purificar a mente humana de suas ideologias.

Sendo assim, é preciso retomar a crítica e a visão crítica para si. O indivíduo

precisa reestruturar sua visão crítica. E a crítica implica em criação. O homem

precisa criar em si e, consequentemente, na sociedade em que vive, mecanismos

capazes de quebrar a regra imposta pela sociedade. Como Bauman afirma “criar (e

também descobrir) significa sempre quebrar uma regra; seguir a regra é mera rotina,

mais do mesmo - não um ato de criação” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida,

p. 237).

O mito social precisa ser quebrado. O indivíduo não pode esperar ou

compactuar que as explicações sejam dadas pelo mito. Ele deve ser o agente de

sua própria vida, de forma que ele seja capaz de desmistificar o mito através da

própria linguagem.

Esse desvendar de uma alienação é, portanto, um ato político; baseada

numa concepção responsável da linguagem, a mitologia postula deste modo

a liberdade dessa linguagem. É indubitável que, nesse sentido, a mitologia é

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uma concordância com o mundo, não como ele é, mas como pretende sê-

lo[...] (BARTHES, Roland. Mitologias, p.248 e 249)

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 2001;

BARTHES, Roland. Mitologias, Rio de Janeiro, 4ª Ed.: DIFEL ,2009;

BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia, São Paulo , 3ª Ed.,: Editora Cultrix,

1996;

 ADORNO, Theodor W, HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995;

ADORNO, Theodor W. Indústria Cultural e Sociedade, São Paulo, 5ª Ed.: Paz e

Terra, 2009.