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KARINA ZEN UM ENQUANTO OUTRO

Um enquanto outro

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Livro da artista plástica Karina Zen, com a obra 'Um enquanto outro'. 3C Centro de Criação Contemporânea. Florianópolis, 2014.

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karina zen

Um enqUantooutro

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Um enqUanto

karina zen

oUtro

3C Centro de Criação ContemporâneaFlorianópolis-SC

2014

1a edição

Josué mattos

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iSBn:Prefixo editorial: 67893número iSBn: 978-85-67893-00-6título: Um enquanto outro

Um enquanto outro © karina zen, 2014texto © Josué mattos

Fotografia e tratamento de imagem: miriam Prado / Prisma CulturalCapa, projeto gráfico e editoração: Paula albuquerquerevisão: Denize Gonzaga

1a edição, 2014

impresso no Brasil

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obra comissionada pelo Prêmio elisabete anderle de estímulo à Cultura – Fundação Catarinense de Cultura – Governo de Santa Catarina.

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Um enqUanto oUtro, enqUanto Um

Dispostas em paredes e pelo chão, as partes que compõem a instalação Um enquanto outro dispensam descrição, justamente porque a sua natureza ambígua potencializa-se na incógnita, sem que haja necessidade de equações que a desvende. o que está em jogo é praticar a corrosão de idiossincrasias que se pautam em símbolos estagnados pela estereotipia e pelo caráter fol-clórico ou dogmático por elas carregados. Contudo – e de maneira contrária ao posto como prerrogativa –―, tudo também leva a crer que as chaves de leitura para essa obra chamam o exercício da descrição, ainda que este seja praticado de modo semelhante a quando se atravessa a rua para atingir ou-tro lugar, buscando alcançar alguma via perdida por entre a paisagem urbana. Por isso, dizer que a instalação Um enquanto outro é composta por origamis embebidos, atolados ou incrustados em cera de abelha – despejada sobre cada objeto de maneira mais ou menos aleatória, buscando aí o inevitável confronto com o imprevisível –―, é dizer pouco. mas é o suficiente para atra-

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vessarmos essa rua que leva a lugares capazes de traduzir, em partes, o que a instalação já pretende, por sua vez, traduzir. Por isso, Um enquanto outro, en-quanto um1, em sua condição de texto, é a tentativa irrestrita, mas também impraticável –― porque barrada pela condição limitante que arma o esquema para a leitura do simbólico― – de se colocar diante de uma obra com a inten-ção de extrair alguma experiência capaz de ser disseminada.

em compensação, no exercício irrefreável de tradução do traduzido, algo de lacunar, indecifrável e lisérgico é entrevisto. Disso emerge, sem pretensões à dissuasão, o seu centro de interesse: fazer com que a leitura de uma obra pro-duza um desvio para a confusão. e, dada a aparente inutilidade do empreen-dimento, confundere, apesar de deliberadamente apelar ao caótico, é antes o traço que estrutura um possível desenho para o entendimento de identidade, partindo do princípio da diferença encontrada na unidade. trata-se de fundir alguns elementos (con), para então atingir um grau singular de identidade. Um enquanto outro pensa o sujeito de maneira singular, a partir de um dado ele-mentar: ele é um, porque é confuso. ele é um, porque é muitos. o que incide na obra o valor do díspar, daquele que é algo por ser outra coisa.

Depois de atravessar a via da descrição, com pequenas incursões sobre o pensamento que karina zen busca engendrar nesse conjunto de origamis

1 o título Um enquanto outro, enquanto um foi evocado pela artista em uma das conversas mantidas com o autor ao longo da redação do texto, traduzindo, desse modo, o interesse em torná-lo a tradução da tradução, a leitura daquilo já lido. Um ensaio em torno de uma instalação que cria ensejos para que o texto, em conjunto com a obra e partindo dela, se torne a curva que confunde o começo do fim.

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presos ao chão e à parede, faltou assinalar que eles reproduzem formas de anjos e de sapos, com pequenas diferenças entre um e outro. Descrição rasa, que não passará indiferente daquele que se ater às condições que a instalação coloca: anjos no chão, imóveis; sapos contra a parede, estáticos. o primeiro atolado de cera e o segundo encoberto, em partes, pelo mesmo material. ambos em condição de estagnação. e vale insistir em descrever algumas características visuais da obra, pelo fato de o resultado formal dos dois tipos de origamis ser praticamente idêntico. De fato, uma pequena dobra, feita ou desfeita, e o sapo vira anjo e vice-versa. o que acaba por configurar um anjo-sapo ou um sapo-anjo. a ordem, de fato, não altera a intenção: encontrar nessa confusão um meio legítimo de pensar a diferença. De pensar a diferença a partir da unidade. o que levaria ao fato de o sujeito sapo ser, também, anjo, para além de qualquer consideração de oposição de valores. isso porque não se trata de atenuar fábulas que identifiquem preci-samente as diferenças do príncipe (ou do anjo, em seu epíteto teológico) e do sapo. mas, apesar da diferença, encontrar unidade, ainda que o interes-se dessa leitura não atribua nenhum valor à homogeneidade – outro fator estagnante quando ligado à constituição de identidade. ou no fato de que duas figuras semelhantes podem se transformar em uma única. De modo a reproduzir o que ocorre com k., protagonista em O castelo (1922), quando se encontra com seus ajudantes, artur e Jeremias. Conforme narra kafka, diante de sua acirrada decisão de tratá-los por apenas um dos dois nomes, decisão tomada pela incapacidade que k., o agrimensor do conde, teve em identificá-los, um deles, Jeremias, argumenta e diz que outras pessoas são capazes de distingui-los. ao que k. retruca: “acredito. eu mesmo fui teste-

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munha disso, mas só posso ver com os meus olhos, e com eles não consigo distinguir um do outro. Por isso vou tratá-los como sendo um único homem e chamar os dois de artur (...)”2

Um enquanto outro trata da indelével condição de “ser e não ser ao mesmo tempo”3. Portanto, caberia evocar, inclusive, o princípio de desorientação4 que, associado à ideia de confusão, pode vir a ser os dois la-dos da mesma moeda, tratado por Georges Didi-Huberman como um para-digma capaz de explicar a noção de inquietante estranheza freudiana. Sendo a “experiência na qual não sabemos mais exatamente o que está diante de nós e o que não está”5, a desorientação é aquilo sem o qual o observador não se percebe no mundo, ou pelo menos não percebe a carga psíquica que o subscreve. Já que sem a perda da autoridade da percepção sensorial, quando definida como o principal (e por vezes o único) meio de adquirir conhecimento, não é possível conviver com as diferentes camadas que dão sentido e estruturam o mundo. ou seja, para encontrar o sentido das coisas, a perda da autoridade dos sentidos se faz necessária. e a perda aparente de algo para observar o mundo se configura como uma porta, uma mo-dalidade perceptiva em que o sujeito se vê de olho no escuro, naquilo que, por ser imperceptível, incita o contato para além da percepção sensorial.

2 kaFka, Franz. O castelo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012 (trad. modesto Carone).3 trecho do Pós-Poema, de murilo mendes, publicado em seu livro Poesia Liberdade (1947). Ver: menDeS, murilo. Poesia completa e prosa. rio de Janeiro: nova aguilar, 1995.4 DiDi-HUBerman, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: editora34, 2010 (trad. Paulo neves), p. 231.5 ibid., p. 232.

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6 DerriDa, Jacques. Pensar em não ver: escritos sobre as artes do visível (1979-2004). Florianópolis: editora da UFSC, 2013 (trad. marcelo Jacques de moraes), p. 82.

nesse sentido, anjo-sapo ou sapo-anjo, embora distintos, permanecem os mesmos, porque a diferença, sendo o ponto de partida, não exclui a ideia de unidade, aquilo que desenha a identidade constituinte de ambos: dian-te da finitude e da incapacidade de reter o simbólico em leituras conclu-sivas de mundo, o sujeito parece dispor de uma chancela para entender, a cada leitura produzida, o grau assumidamente limitante de sua atuação, seja como sapo ou como anjo. De fato, a relação de ambos com os estados limite aferidos pelo mundo se tornam desenhos que, pela presença da ma-téria cera, fazem com que traços, marcas, manchas e campos de matéria redefinam o espaço visível. isso ocorre ao mesmo tempo em que rizomas crescem de suas vísceras, conjugando confusão com desorientação. nessa recorrência ritualística, em que o humano, o sobre-humano e o animal se encontram, confundir e desorientar seriam meios para que sapos e anjos (ou os anjos-sapo e os sapos-anjo) possam conviver com substâncias – no sentido aristotélico do termo – que criam aparentes imbróglios, por se-rem dialeticamente invisíveis ao mesmo tempo em que são “a possibilidade essencial do visível”6.

Josué mattos

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Um enquanto outro, 2014papel vegetal, cera de abelha, parafina e resina damar, dimensões variáveis

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realização Patrocínioedição

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