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Uma Reflexão Sobre a Avaliação da Relação Ética e Educação Vera Rudge Werneck * Resumo O artigo visa refletir sobre a questão da avaliação especialmente no campo da moral. Analisa então a relação entre a ética e a educação. Para tal fim, procura mostrar que nem sempre a definição etimológica coincide com a definição real de um termo. Assim acontece com os termos “moral” e “ética”. Na sequência, analisa questões ligadas à moralidade humana: relativismo e relatividade; normalidade e frequência; preconceito e moralismo; erro lógico e erro moral. Propõe as noções de “pessoa” e de “personalidade” como referenciais de avaliação do ato moral. Fundamentando-se teoricamente na Teoria dos Valores especialmente no pensar de Max Scheller e de Yvan Gobry conclui pela necessidade de reflexão sobre esses temas junto ao educando para que ele possa encontrar um fundamento mais sólido para o comportamento moral no seu processo de educação. Palavras-chave: Avaliação. Moral. Educação. Thoughts on the Evaluaton of the Relationship Between Ethics and Education Abstract The article aims to reflect on the questions of evaluation especially in the field of morality. In that regard, the author seeks to prove that the etymological definition of a term is not always in line with the actual definition thereof. This is what happens to the terms “moral” and “ethics”. The article goes on to address matters connected to human morality: relativism and relativity; normality and frequency; prejudice and moralism; logical errors and moral errors. The author proposes the concepts of “person” and “personality” as points of reference in the assessment of moral acts. Having its theoretical basis on the Theory of Values, especially on the ideas of Max Scheller and Yvan Gobry, the article goes on to conclude that said matters need to be discussed with * Doutora em Filosofia, Universidade Gama Filho-UGF; Mestre em Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC/RJ; Professora Titular, Universidade Católica de Petrópolis-UCP). E-mail: [email protected].

Uma Reflexão Sobre a Avaliação da Relação Ética e Educação

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Ética e educação Educação Vera Werneck

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  • Uma Reflexo Sobre a Avaliao da Relao tica e Educao

    Vera Rudge Werneck *

    Resumo

    O artigo visa refletir sobre a questo da avaliao especialmente no campo da moral.

    Analisa ento a relao entre a tica e a educao. Para tal fim, procura mostrar que nem

    sempre a definio etimolgica coincide com a definio real de um termo. Assim acontece

    com os termos moral e tica. Na sequncia, analisa questes ligadas moralidade

    humana: relativismo e relatividade; normalidade e frequncia; preconceito e moralismo;

    erro lgico e erro moral. Prope as noes de pessoa e de personalidade como

    referenciais de avaliao do ato moral. Fundamentando-se teoricamente na Teoria dos

    Valores especialmente no pensar de Max Scheller e de Yvan Gobry conclui pela necessidade

    de reflexo sobre esses temas junto ao educando para que ele possa encontrar um

    fundamento mais slido para o comportamento moral no seu processo de educao.

    Palavras-chave: Avaliao. Moral. Educao.

    Thoughts on the Evaluaton of the Relationship Between Ethics and Education

    Abstract

    The article aims to reflect on the questions of evaluation especially in the field of

    morality. In that regard, the author seeks to prove that the etymological definition of a

    term is not always in line with the actual definition thereof. This is what happens to the

    terms moral and ethics. The article goes on to address matters connected to human

    morality: relativism and relativity; normality and frequency; prejudice and moralism;

    logical errors and moral errors. The author proposes the concepts of person and

    personality as points of reference in the assessment of moral acts. Having its

    theoretical basis on the Theory of Values, especially on the ideas of Max Scheller and

    Yvan Gobry, the article goes on to conclude that said matters need to be discussed with

    * Doutora em Filosofia, Universidade Gama Filho-UGF; Mestre em Filosofia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro-PUC/RJ; Professora Titular, Universidade Catlica de Petrpolis-UCP). E-mail: [email protected].

  • 2 Vera Rudge Werneck

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    the individuals receiving education, so that a more solid fundament for moral behavior

    within the education process can be achieved.

    Keywords: Evaluation. Moral. Education.

    Una Reflexin sobre la evaluacin de la Relacin entre la tica y la Educacin

    Resumen

    El artculo tiene por objeto reflexionar sobre la evaluacin, especialmente en el campo

    de la moral. Analiza la relacin entre la tica y la Educacin. Con tal objetivo busca

    mostrar que no siempre la definicin etimolgica coincide con la definicin real de un

    vocablo. Lo que ocurre con los trminos moral y tica. Tambin se analizan

    cuestiones sobre la moralidad humana: relativismo y relatividad; normalidad y

    frecuencia; prejuicio y moralismo; error lgico y error moral. Propone las nociones de

    persona y personalidad como referencias de evaluacin del acto moral.

    Fundamentndose tericamente en la Teora de los Valores, especialmente en el

    pensamiento de Max Scheller y de Yvan Gobry, concluye que es necesario reflexionar

    sobre esos temas junto al educando para que pueda encontrar un fundamento ms

    slido para el comportamiento moral en su proceso de educacin.

    Palabras clave: Evaluacin. Moral. Educacin.

    Uma reflexo sobre a relao tica e educao

    H questes que insistentemente se repetem demonstrando assim a sua importncia

    e atualidade. Uma delas a questo da importncia da avaliao, da tica na educao.

    A educao tem como objetivo o aprimoramento integral do homem especialmente

    do que o caracteriza fundamentalmente: a exigncia do comportamento tico, do

    relacionamento social marcado pelos valores morais.

    Impe-se assim a necessidade de avaliar a ao humana em todas as reas de sua

    atuao especialmente na educao para que se perceba com mais preciso de que

    modo est ela promovendo a atitude tica diante da vida.

    A constante busca de aperfeioamento moral no processo da educao reforada

    com a fala de Pedro Goergen quando mostra que,

  • Uma Reflexo Sobre a Avaliao da Relao tica e Educao 3

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    Hoje, esta preocupao espraia-se por todas as reas do saber incluindo a comunicao, a gentica, a biologia, a medicina etc. Podemos dizer que a preocupao tica tornou-se universal e est presente em todos os mbitos da vida humana (GOERGEN, 2005, p. 983).

    A grande dificuldade parece, no entanto, concentrar-se na compreenso dos termos

    moral e tica. Do significado desses termos vai decorrer o papel que vo desempenhar

    no processo da educao.

    Sendo o objetivo do artigo, refletir sobre os significados de avaliao, de tica e de

    educao, parece prudente iniciar pela prpria noo de definio.

    No Dicionrio de Filosofia de Nicola Abbagnano encontra-se: definio:

    Declarao da essncia ou mais precisamente: 1 declarao da essncia substancial, 2 declarao da essncia nominal, 3 declarao da essncia significado (ABBAGNANO, 2000, p. 235).

    Pode-se denominar real a definio que busca a essncia substancial ou seja, a

    que busca apreender o que a coisa e como etimolgica, a que se atm ao histrico

    do termo. As palavras constituem-se historicamente para expressar os seus

    significados. Acontece, no entanto, que embora, em geral, a definio etimolgica

    expresse o mesmo que a definio real, nem sempre, h uma coincidncia entre elas.

    Muitas vezes h uma discordncia entre as duas modalidades de definio o que leva

    confuso dificultando o conhecimento.

    Entende-se por avaliao a verificao do valor de algo para satisfazer algum anseio

    humano. Avaliar buscar saber em que medida o objeto em foco corresponde

    necessidade do sujeito, se bom para ele, ou se embora sob a aparncia de valor , na

    verdade, um contravalor, algo que lhe pernicioso e prejudicial.

    Para uma possvel avaliao da relao entre tica e educao parece necessrio,

    antes de mais nada, esclarecer o entendimento que aqui se tem desses dois termos.

    Como j foi visto, nem sempre a definio nominal de um termo coincide com a sua

    definio real. Esse fato pode ser observado nas definies dos termos moral e tica.

    Segundo Danilo Marcondes,

    Etimologicamente, a palavra tica origina-se do termo grego eths que significa o conjunto de costumes, hbitos e valores de uma determinada sociedade ou cultura. Os romanos o traduziram para o termo latino Mrs., moris (que mantm o significado de eths), dos quais provem moralis, que deu origem palavra moral em portugus (MARCONDES, 2009, p. 9).

  • 4 Vera Rudge Werneck

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    A identificao da moral com os mores, com os usos, hbitos, costumes de

    determinado grupo social em determinada poca histrica traz a grande dificuldade de

    retirar da moral a fora da obrigatoriedade. Quem no segue um uso, um costume no

    se sente culpado nem passvel de punio pela sociedade. Entende-se apenas como um

    pioneiro, como um inovador.

    A definio real de moral e de tica vai, ao contrrio da etimolgica ou nominal,

    ultrapassar os usos e costumes e fundamentar-se nos valores universais do bem, do

    respeito e da justia.

    De um ponto de vista mais formal pode-se entender o princpio da moralidade

    como a exigncia universal de fazer o bem e evitar o mal, ou seja, de no fazer ao

    prximo o que no se quer que faam a si prprio. Embora, em ltima instncia,

    significando o mesmo que moral, numa concepo mais atual, pode-se entender a tica

    como a reflexo filosfica sobre os princpios da moral de modo a adequ-los s diversas

    situaes e poder assim, estabelecer as leis e os cdigos.

    Percebe-se, ento, uma incompatibilidade entre a definio etimolgica e a

    definio real em se tratando dos termos tica e moral.

    Embora os dois termos etimologicamente tenham mais ou menos a mesma

    compreenso, a definio real vai exigir a noo de dever, de obrigatoriedade que

    no pode fundamentar-se apenas na imposio de alguns, da sociedade, do momento

    histrico ou mesmo da opo religiosa.

    Especialmente o jovem com o seu natural desejo de inovao, de mudana, de

    renovao tentado a no aceitar regras e convenes fundamentadas apenas na

    sociedade e na tradio e entend-las como mutveis e transitrias.

    A moral no pode ento, significar o mesmo que mores, usos e costumes, que

    no condenam os que se recusam a segui-los.

    fcil mostrar ao educando que a infrao lei da moral leva culpa. Ao contrrio,

    o desrespeito aos mores no faz com que o sujeito sinta-se culpado. Ocorre, no

    entanto, que com frequncia, a sociedade pune com mais rigor quem desrespeita seus

    mores do que aquele que descumpre as exigncias da moral.

    Torna-se, pois, de grande valia na reflexo sobre a moralidade humana, a distino entre

    mores e moral como um meio de maior fundamentao do comportamento humano.

  • Uma Reflexo Sobre a Avaliao da Relao tica e Educao 5

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    Entre as inmeras definies de moral mostra Gobry que,

    A moral tem seu plano horizontal, que Brgson chamava a moral fechada, e que aquela dos mandamentos catalogados; mas ela tem seu plano vertical, que Brgson chamava a moral aberta, e que a elevao perspectiva do valor absoluto. Segundo o plano ao qual o homem se situa, sua moral animada por duas mentalidades profundamente diferentes. No plano horizontal, a moral da obedincia, na qual a vontade se dobra a normas rgidas e tenta conformar-se a um nmero definido de regras impostas a todos, no plano vertical, a moral do ideal na qual o fervor tenta atingir normas imprecisas e perfeitas que exigem da vontade um esforo incessante (GOBRY, p. 137).

    recorrente a afirmao de que a lei moral varia conforme o lugar e o tempo, a definio

    de moral como conjunto de deveres correspondentes s correntes filosficas dominantes.

    Admitindo-se a moral como varivel, como histrica, vai-se, facilmente chegar ao

    relativismo axiolgico que entende serem os valores subjetivos. Desse ponto de vista,

    no h como exigir comportamentos ticos j que eles representaro apenas o

    consenso ou a imposio autoritria do grupo social dominante.

    De outro ngulo, pode-se admitir o princpio da moralidade como universal, estvel

    no tempo e no espao, variando apenas as circunstncias em que se aplicam e as suas

    especificaes. Em todas as pocas, em todas as situaes histricas, sempre se aceitou

    que se devia fazer o bem e evitar o mal, que no seria lcito fazer ao outro o que no se

    desejasse que fosse feito a si mesmo. Em nenhuma situao histrica, embora, na prtica

    se tivesse feito o mal, teoricamente, defendeu-se como certo que se fizesse o mal.

    Ao que parece, as aes morais variam, no no seu princpio, mas na sua prtica.

    Conforme as circunstncias e a situao histrica, altera-se o que pode ser considerado

    como o bem e assim as condutas moralmente corretas.

    Embora aparentemente tal afirmao tambm parea levar ao relativismo,

    possvel o estabelecimento de critrios de avaliao da moralidade da conduta.

    Buscando-se apoio na Axiologia percebe-se que a primeira conscincia que o

    homem tem de si mesmo a de um ser em estado de falta, de carncia, de necessidade

    reivindicando algo que o possa satisfazer, complementar. Seu conhecimento no

    provem da razo por uma conceituao ou definio lgica mas pelo seu sentir, pela

    percepo da prpria incompletude. O preenchimento desse vazio, a complementao

    dessa falta feita pelo valor desejado de modo global e difuso como objeto de

  • 6 Vera Rudge Werneck

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    necessidade e que pode ser vivenciado subjetivamente como felicidade. A carncia

    humana fundamental pois axiolgica e no ontolgica s podendo ser resolvida pela

    apreenso do valor. Ser valor tudo aquilo que de algum modo possa satisfazer alguma

    necessidade humana. O que corresponde s suas carncias. H pois um sistema de

    carncias s quais corresponde um sistema de valores. carncia de vida e de bem

    estar corresponde o valor sade. carncia de conhecimento corresponde o valor

    verdade carncia esttica o valor beleza, carncia tica o valor do bem moral enfim,

    cada necessidade humana corresponde um valor que a pode satisfazer. No significa

    isso afirmar a necessidade do conhecimento intelectual, da definio da conceituao

    do que seja o bem moral mas da apreenso do valor moral. Em Max Scheler encontra-se:

    O que se acabou de dizer suficiente para mostrar claramente que em se rejeitando uma tica material de fins, isto uma tica que pretendia nos prescrever como bom um contedo qualquer de representao imaginativa ou como boa e realizao de um contedo deste gnero, nos no exclumos de nenhum modo portanto, uma tica material dos valores (SCHELER, 1955, p. 62).

    As mudanas constantes nas escalas de valores, a velocidade das conquistas

    cientficas a possibilidade de novos pontos de vista para olhar a realidade esto a exigir

    referenciais de avaliao bem definidos: o que simplesmente uso, costume e o que

    moral ou imoral, o que aprimora ou degrada o ser humano.

    No se pode condenar algum simplesmente por no seguir os costumes. O grande

    desafio centra-se ento no estabelecimento de critrios, na distino entre o relativismo

    moral que situa o sujeito como nico rbitro da ao moral; e a relatividade que,

    embora admita a existncia do princpio universal da moralidade, considera os

    diferentes pontos de vista.

    O ser humano pode ser considerado sob duas instncias; como pessoa e como

    personalidade. Como pessoa um ser vivo, com uma animalidade que o faz buscar

    os valores vitais, como bem estar fsico, e sade; uma racionalidade que o leva a

    procurar o valor verdade, uma vontade livre que exige os valores liberdade e

    responsabilidade no agir e uma afetividade que o faz tender para o amor. A pessoa

    quer acima de tudo, a sua autoestima, o reconhecimento da sua dignidade. Seria o

    respeito o valor que melhor corresponderia s suas necessidades fundamentais.

  • Uma Reflexo Sobre a Avaliao da Relao tica e Educao 7

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    Entende-se por respeito o reconhecimento do sagrado direito existncia. Como

    uma modalidade da afetividade, o respeito manifesta-se como a atitude do homem

    diante do sagrado. o valor que corresponde ao reconhecimento da existncia do

    divino. Por participar de algum modo do que divino como bem mostram tanto o relato

    da lenda de Prometeu, como a narrao bblica do Gnesis, pode o homem ser

    considerado como sagrado. Sendo esse valor instaurado pelos homens em entes

    variados como por exemplo, objetos de culto, passam tambm eles a ser considerados

    como sagrados e assim, dignos de respeito.

    O indivduo por ser pessoa, dotado de dignidade prpria e, por isso, merecedor de

    respeito. No se pode, por isso, ferir a sua pessoa, humilh-la, coisifica-la.

    Alm de ser uma pessoa tem ainda o indivduo, uma personalidade. Um sistema

    de carncias e de valores individualizado prprio de cada um. Pode-se entender por

    personalidade o conjunto das caractersticas prprias e das modalidades de

    comportamento de um indivduo tomadas integradas e em interao.

    Personalidade seria ento, nessa compreenso, um sistema de carncias de valores e,

    ao mesmo tempo, um sistema de valores adquiridos, incorporados ao sujeito. O sujeito

    no apenas busca os valores mas os instaura na natureza, no outro e em si mesmo. A

    personalidade, portanto, no nasce pronta. Ao sistema de carncias prprio de cada um

    acrescentam-se os valores adquiridos pelos processos da educao e da instruo.

    Pela personalidade diferencia-se o ser humano um do outro definindo suas

    caractersticas e peculiaridades. Essas diferenas vo exigir atendimentos especficos e

    variados modelos de escalonamento de valores. A justia entendida como dar a cada

    um o que lhe for devido pode ser considerada como o valor por excelncia para a

    satisfao do que especfico de cada personalidade.

    Qualquer avaliao relativa ao ser humano contempla sempre o respeito sua

    pessoa e a justia para com as diferentes personalidades.

    Os referenciais pessoa e personalidade poderiam servir como critrios de

    avaliao da conduta moral.

    Sendo o sujeito numa primeira instncia uma pessoa e numa segunda uma

    personalidade deveria ser respeitado em ambas as instncias.

  • 8 Vera Rudge Werneck

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    O princpio da moralidade em relao pessoa humana sempre o mesmo: no se

    pode prejudic-la no que a caracteriza e lhe essencial: o seu bem estar fsico, a sua

    sade, a sua racionalidade, a sua liberdade psicolgica e a sua afetividade. Pode haver

    maior diversificao no que diz respeito s diferentes personalidades mas no no que se

    refere prpria noo de pessoa humana.

    Plato na sua obra Protgoras (1967, p. 321), relatando o mito de Prometeu, mostra

    que Zeus para preservar a raa humana da destruio j que dotadas apenas de

    inteligncia iriam matar-se uns aos outros com mais requinte e poder, manda Hermes

    trazer aos homens o pudor e a justia como princpios ordenadores das cidades e lao de

    aproximao entre os homens. Acrescenta ainda que essas duas qualidades deveriam,

    diferentemente do conhecimento da tcnica, serem distribudas igualmente por todos os

    homens para que todos participassem delas pois as cidades no poderiam subsistir se o

    pudor e a justia fossem privilgio de poucos como se d com as demais artes.

    Teria sido assim, graas ao pudor entendido como a reconhecimento do sagrado

    direito existncia, como respeito prpria pessoa e a do outro e justia como

    reconhecimento do direito do outro ao que lhe fosse devido que a humanidade ter-se-ia

    perpetuado at nossos dias.

    O sujeito ento caracterizado pela moralidade. Como um ser que mais do que a

    animalidade tem como marca fundamental a humanidade.

    Embora com significados variveis, o termo tica pode ento ser entendido como a

    cincia que reflete sobre os princpios da moralidade para o estabelecimento dos

    cdigos e das normas de conduta. Seria a reflexo filosfica sobre a moral.

    As determinaes da tica no se reduziriam aos mores. No processo da

    educao seria necessrio levar o educando a distinguir entre as determinaes da

    moral e da tica e os mores muitas vezes impostos pela sociedade. Tambm os

    mores, os usos, os hbitos sociais podem ser seguidos, desde que de acordo com os

    princpios da moral, para o bom andamento da vida em sociedade.

    Como j foi visto, no entanto, os mores no obrigam. O que no segue os usos do

    seu grupo social, o que transgride os mores pode ser apenas um pioneiro, algum que

    inovou, que criou uma nova moda. So inmeros os exemplos de inovaes que se

  • Uma Reflexo Sobre a Avaliao da Relao tica e Educao 9

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    contrapem aos costumes e que nem por isso possam ser considerados como imorais

    apesar de toda a resistncia que encontrem nos meios sociais.

    Buscando-se entender o processo do conhecimento humano, percebe-se que a

    apreenso das idias feita pela razo que depois de t-las apreendido vai compar-las

    formulando juzos, raciocnios, desenvolvendo hipteses e teorias que constituem o contedo

    do conhecimento intelectual. A apreenso dos valores, no entanto, diferentemente, no

    feita pela razo mas pela sensibilidade diante das experincias de valor.

    Conhece-se o valor pela experincia, assim sendo, para a apreenso do valor moral

    vo ser necessrias experincias de moralidade, as prticas, as vivncias que permitam

    ou levem ao conhecimento da ao moral. Para tal, vo ser necessrias ao sujeito as

    capacidades de deliberao, de deciso e de execuo do ato moral.

    O educando deve ser capaz de deliberar, ou seja, de ter conhecimento de causa, de

    poder medir os prs e os contras ou seja de avaliar a situao. Caso contrrio a ao

    ser instintiva, guiada por impulsos, espontnea, mas no propriamente moral. Deve

    ainda ser capaz de decidir, de optar livremente, para que pela ao da vontade, pelo seu

    livre arbtrio, atinja o nvel da moralidade. Aes fortuitas e no decididas no so

    propriamente morais.

    Por fim, ainda necessria a execuo: Que no fique apenas nos nveis da

    deliberao e da deciso mas que passe para o da ao,e, finalmente, para que chegue

    propriamente ao nvel da moralidade.

    Percebe-se que com frequncia o jovem confunde a ao moral com as convenes,

    com os preconceitos, com representaes sociais com regulamentos. Ou bem que as

    regras, as normas se baseiam no princpio universal da moralidade ou deixam de ter

    fundamento e assim sendo, no obrigam.

    bem comum a confuso entre as noes de normal e de frequente.

    Pode-se entender como fundamento do normal, da normalidade, o que est de

    acordo com a norma que, por sua vez deve expressar o que deve ser, o que est de

    acordo com os princpios da moral. Muitas vezes, no entanto, considera-se o

    frequente como normal e chega-se a absurdos como considerar algo como normal

    somente porque acontece repetidamente. Ouve-se, sem espanto, afirmaes tais como:

    normal ser assaltado em determinada rua, normal criana pequena trabalhando,

  • 10 Vera Rudge Werneck

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    vendendo bala, ou pedindo esmola na rua, entre outras semelhantes. Pergunta-se:

    normal? De acordo com as exigncias ticas de respeito e de justia?

    So questes que exigem uma maior reflexo sobre a diferena entre usos e

    comportamentos ticos.

    Tambm o problema do preconceito que se liga diretamente moralidade precisa

    ser analisado. O preconceito fundamenta-se no imaginrio que tem sua origem no

    inconsciente. As primeiras impresses sobre um objeto oferecem no propriamente um

    conhecimento, uma possibilidade de conceituao, mas uma interpretao que vai

    permitir apenas uma prconceituao ou seja um conhecimento preconceitual

    resultante de uma interpretao imaginria do real. Muitas vezes, as normas de

    condutas so estabelecidas, no pelos princpios fundamentais da moral mas pelos

    preconceitos resultantes de interpretaes imaginrias sobre o real. Essas normas,

    regras, julgamentos levam ao chamado moralismo que se caracteriza pela falta de

    fundamentos que as justifiquem.

    Quando se justifica uma ao, um posicionamento, um comportamento pelos

    contedos da cincia, da filosofia ou da religio no se tem na verdade um preconceito

    mas uma conceituao que pode estar correta ou no em relao aos referenciais

    tomados. Pode-se errar por distoro, por m compreenso, pouca informao ou

    qualquer outra causa, o que no caracteriza o preconceito. Erra-se por preconceito

    quando se toma uma posio injustificada ou injustificvel.

    A reflexo sobre esses temas pode contribuir para a formao moral do educando,

    ajudando-o a avaliar as situaes, a cultura e os saberes em geral conduzindo-o ao seu

    aprimoramento seja enquanto pessoa humana seja enquanto personalidade

    individualizada e assim a tornar mais eficiente e eficaz o processo da educao.

    Referncias

    ABBAGNANO, N. Dicionrio de Filosofia. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

    SCHELER, M. Le Formalisme em thique et Lthique Materiales ds Valeurs. France: Sant Armand (ehei), 1955.

    GOBRY, U. De La Valeur. Paris: Vander/Vauwelaerts, 1975.

  • Uma Reflexo Sobre a Avaliao da Relao tica e Educao 11

    Meta: Avaliao | Rio de Janeiro, v. 5, n. 13, p. 1-11, jan./abr. 2013

    GOERGEN, P. Educao e valores no mundo comtemporneo. Educao & Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, out. 2005.

    MARCONDES, D. Textos bsicos de tica. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

    PLATO. Protgoras. Paris: Societ ddition Ls Belles Lettres, 1967.

    WERNECK, V. R. Educao e Sensibilidade. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1996.

    Recebido em: 27/06/2011

    Aceito para publicao em: 25/03/2013