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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
EVOLUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL
Por: Ivanice Cardoso da Silva
Orientador
Prof. Jorge Vieira da Rocha
Rio de Janeiro
2010
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
EVOLUÇÃO DA CIDADANIA NO BRASIL
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em GESTAO
PÚBLICA...
Por: Ivanice Cardoso da Silva
3
AGRADECIMENTOS
Ao Deus criador e sustentador de todas
as coisas, toda honra, toda glória, todo
louvor, agora e eternamente......
4
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, que nunca mediram
esforços para minha educação, e à minha
filha, Maria Clara, a quem devo muitas
horas que passei na elaboração desse
trabalho...
5
RESUMO
Falar de cidadania é tratar dos direitos civis, dos direitos políticos e dos
direitos sociais, que são os elementos, as dimensões, através dos quais a
cidadania se expressa.
Não se pode pensar em cidadania no período colonial brasileiro, visto
que os direitos civis e políticos beneficiavam pouquíssimos e os direitos sociais
ficavam a cargo da Igreja e do paternalismo dos senhores de terra. O Brasil se
apresentava como um Estado absolutista e escravocrata. Com a proclamação
da Independência, o quadro pouco se alterou, pois a herança do período
colonial era extremamente forte. A única modificação importante ocorrida no
período entre a Independência (1822) e a proclamação da República (1889),
em relação à cidadania, foi a abolição da escravidão, em 1888.
O marco do desenvolvimento da cidadania brasileira corresponde ao
movimento revolucionário de 1930 que, através das massas populares e do
sentimento nacionalista, ampliou a noção de cidadania.
Com o fim do regime ditatorial, no qual o Brasil mergulhara a partir de
1964, teve início um processo gradual em direção à democracia, culminando
com a promulgação da Constituição em 1988. A “Constituição Cidadã”,
conforme ficou conhecida, foi a mais avançada carta constitucional da história
brasileira, abrindo caminho para o exercício dos direitos dos cidadãos,
largamente ampliados no texto constitucional.
A cidadania no Brasil seguiu caminhos tortuosos desde o seu início e
ainda hoje temos muitos desafios, sobretudo no que tange aos direitos sociais,
devido a um conjunto de obstáculos que precisam ser superados.
6
METODOLOGIA
O trabalho foi desenvolvido através de uma análise exploratória do tema
escolhido e teve como base, principalmente, a obra “Cidadania no Brasil: o
longo caminho” de José Murilo de Carvalho, além de outros autores e obras.
Também foi utilizada a pesquisa em artigos, jornais e internet.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I - Nosso Começo: Cidadania no
Império 10
CAPÍTULO II - Avanços e Retrocessos:
Cidadania na República 18
CAPÍTULO III – Uma Construção Inacabada:
Cidadania na Democracia 27
CONCLUSÃO 37
ANEXO 39
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41
BIBLIOGRAFIA CITADA 42 ÍNDICE 43
FOLHA DE AVALIAÇÃO 45
8
INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho é a evolução da cidadania ao longo da história
do Brasil, desde a sua independência aos dias atuais, percorrendo um
caminho de 188 anos, no qual a cidadania obteve conquistas, mas também
sofreu perdas.
O tema se justifica e é importante para a compreensão de questões
pertinentes ao momento atual, pois a leitura que fazemos do nosso passado,
através de seus erros e acertos, nos auxilia na busca de soluções, de
alternativas que precisamos encontrar para que o exercício da cidadania se
estenda a todos os brasileiros.
Cidadania é fruto de um longo processo histórico percorrido por
caminhos distintos nos diversos países ocidentais. A história da cidadania se
confunde, e muito, com a luta dos direitos humanos, e que começou a partir
dos processos de lutas que culminaram com a Declaração dos Direitos
Humanos, nos Estados Unidos, e na Revolução Francesa. Até então, o que
vigorava era o princípio baseado nos deveres do súdito. A partir desses
eventos, esse princípio foi rompido, criando espaço para os direitos do
cidadão.
Ao longo dos anos, o exercício da cidadania vem se modificando. Há
cem anos, ser cidadão no Brasil representava muito pouco se compararmos ao
que é ser cidadão hoje, no século XXI, apesar do que ainda precisamos
conquistar.
Cidadania se faz com direitos, mas também com deveres. Cidadão é
um agente atuante que exerce seus direitos e cumpres seus deveres.
Cidadania é uma via de duas mãos, de um lado o Estado age, concedendo ou
ampliando direitos, de outro, o cidadão engajado, participante. Um processo de
construção e de conquista de toda a sociedade.
Este trabalho foi desenvolvido em uma seqüência histórica,
discorrendo sobre a cidadania, através do exercício dos direitos que a compõe,
em cada período da nossa história.
9
O capítulo I aborda o período que vai desde a proclamação da
Independência (1822) até a proclamação da República (1889). Nesse capítulo
é visto como o passado colonial interferiu na conquista dos direitos; as
principais formas de participação política dos cidadãos e também algumas
revoltas populares ocorridas no Império.
O capítulo II abrange o período da Primeira República (1889) até o
início da redemocratização do país (1984). Os principais movimentos
populares que eclodiram na República, a cidadania na Era Vargas e no regime,
militar são vistos nesse capítulo.
O capítulo III inicia com o país já democratizado e se estende até os
dias atuais. Nele são abordadas as manifestações populares, como as “diretas
já” e a mobilização pelo impedimento do presidente Fernando Collor, passando
pela promulgação da “Constituição Cidadã”, culminando com um balanço da
cidadania no século XXI.
10
CAPÍTULO I
NOSSO COMEÇO: CIDADANIA NO IMPÉRIO
...Na vida, ao contrário da escola, primeiro fazemos a prova,
para depois aprendermos a lição...
1.1 Significado e Dimensões da Cidadania
O termo cidadania se tornou popular nos nossos dias. Costuma-se
usá-lo para várias questões do cotidiano, e muitas vezes o seu significado se
esvazia.
O conceito de cidadania tem origem na Grécia clássica, sendo usado
então para designar os direitos relativos ao cidadão, ou seja, o indivíduo que
vivia na cidade e ali participava ativamente dos negócios e das decisões
políticas. Cidadania pressupunha, portanto, todas as implicações decorrentes
de uma vida em sociedade.
Ao longo da história, o conceito foi ampliado, passando a englobar um
conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos
de um cidadão.
Foi T.H. Marshall que, analisando a evolução histórica da cidadania no
Reino Unido, desenvolveu a distinção entre as três dimensões da cidadania:
civil, política e social. Cidadão pleno seria aquele titular das três categorias de
direitos correspondentes.
Definindo os direitos através dos quais se exerce a cidadania, os
direitos civis são os fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à
igualdade perante a lei. Esses direitos são desdobrados na garantia de ir e vir,
de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ser
respeitado quanto à inviolabilidade do lar, da correspondência, de não ser
preso a não ser pela autoridade competente e de acordo com as leis. São os
que garantem a vida em sociedade.
11
Direitos políticos são os que conferem legitimidade à organização
política da sociedade, garantem a participação do cidadão no governo da
sociedade através, principalmente, do voto.
Finalmente, os direitos sociais são os que garantem a participação na
riqueza coletiva: direito à educação, ao trabalho, à saúde, à aposentadoria. A
idéia central dos direitos sociais é o da justiça social.
Conforme afirma José Murilo (CARVALHO, 2009), é possível haver
direitos civis sem haver direitos políticos, porém o contrário não. Sem os
direitos civis, os direitos políticos ficam sem sentido, como constatam alguns
períodos da nossa história.
Podem até existir direitos sociais sem os direitos civis e político, mas
na ausência de direitos civis e políticos, o conteúdo e o alcance dos direitos
sociais costumam ser arbitrários.
1.2 O Peso do Passado
Quando o Brasil se tornou independente de Portugal, em 1822, herdou
uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata e um Estado
absolutista. Não havia cidadãos brasileiros, muito menos uma pátria brasileira.
O que mais pesou para o exercício da cidadania foi, sobretudo, a escravidão.
Vinte e oito anos após nossa independência, a importação de escravos ainda
era praticada em terras brasileiras. O Brasil foi o último país ocidental de
tradição cristã, a libertar os escravos. Calcula-se que na época da
independência havia cerca de 5 milhões de pessoas, das quais, mais de 1
milhão eram escravos.
Toda pessoa com algum recurso possuía escravos. O Estado, os
funcionários públicos, os padres, todos possuíam escravos. Até os próprios
libertos adquiriam escravos. A sociedade brasileira era escravista de alto a
baixo. Os escravos não eram cidadãos, não tinham, em casos extremos, o
direito à própria vida, não possuíam direitos civis básicos, como o direito à
vida, eram equiparados a animais. Por outro lado, os senhores também não
eram cidadãos. Apesar de livres, de votarem, e serem votados nas eleições
12
municipais, faltava-lhes o próprio sentido de cidadania, a noção de igualdade
de todos perante a lei. A justiça nas mãos dos senhores funcionava como
instrumento de poder pessoal.
Entre escravos e senhores, existia uma população legalmente livre,
mas faltavam-lhe as condições para o exercício dos direitos civis,
principalmente a educação. Essa população era dependente dos grandes
proprietários para trabalhar, morar ou defender-se contra o arbítrio do governo
e de outros proprietários. O cidadão comum ou recorria à proteção dos
grandes proprietários ou dependia da vontade dos mais fortes. Mulheres e
escravos ficavam à mercê dos senhores, não tinham acesso à Justiça para se
defenderem. Aos escravos, só restavam a fuga e a formação de quilombos que
eram exterminados por tropas do governo ou por particulares cadastrados pelo
governo.
Os proprietários de terra exerciam um poder muito grande, chegando a
haver confusão, por conveniência, entre o poder deles e do Estado. Funções
públicas, como os registros de nascimento, casamento, e de óbito eram
exercidos pelo clero católico. Não havia um poder que pudesse ser chamado
de poder público, o qual garantisse a igualdade de todos perante a lei, que
fosse a garantia dos direitos civis.
Outro obstáculo à conscientização dos direitos era o descaso pela
educação primária. Em 1872, meio século após a independência, apenas 16%
da população era alfabetizada. Aos senhores de escravos não interessava
difundir essa arma cívica. Não havia motivação religiosa para se educar. A
Igreja Católica não incentivava a leitura da Bíblia. A situação na educação
superior não era muito melhor. Portugal nunca permitiu a criação de
universidades em sua colônia. Os brasileiros que quisessem fazer um curso
superior tinham que ir para Portugal. O número de estudantes brasileiros que
passaram pela Universidade de Coimbra entre 1772 e 1872 foi de 1.242. No
México, nesse mesmo período, cerca de 150 mil estudantes freqüentaram
universidades.
A tranqüilidade de transição de Colônia para Império facilitou a
continuidade social. Em comparação com outros países da América Latina,
13
nossa independência foi relativamente pacífica. Não houve mobilização de
grandes exércitos, e de figuras de grandes libertadores como em outros
países. A nossa independência não foi fruto de uma luta popular pela
liberdade, mas de uma “negociação” entre a elite nacional, a coroa portuguesa
e a Inglaterra. Foi implantado aqui um governo ao estilo das monarquias
européias. Não se tocou na escravidão, apesar da pressão inglesa para aboli-
la, ou pelo menos acabar com o tráfico de escravos.
1.3 Direitos Políticos na Dianteira
A Constituição outorgada de 1824, que vigorou no país até o fim da
monarquia, regulou os direitos políticos, definiu quem poderia votar e ser
votado. Para os padrões da época, era uma constituição bem liberal. Todos os
homens a partir de 25 anos, que tivessem renda mínima de 100 mil réis
podiam votar. O limite de idade caía para 21 anos no caso de chefes de
família, oficiais militares, bacharéis, clérigos, empregados públicos, todos que
tivessem independência econômica. O voto era obrigatório, mulheres não
votavam e escravos não eram considerados cidadãos, já os libertos podiam
votar na eleição primária.
De 1822 até 1930, houve eleições ininterruptas no país. Elas foram
suspensas apenas em casos excepcionais e em locais específicos, como no
caso da guerra contra o Paraguai (1865-1870), na província do Rio Grande do
Sul.
A freqüência das eleições era grande, os mandatos de vereador e juiz
de paz eram de dois anos. Havia eleições para senador sempre que um deles
morria. O quadro apresentava um grande avanço em relação à época de
colônia, porém o cidadão que exercia o seu direito político era o resultado de
três séculos de colonização. Mais de 85% eram analfabetos, não tendo
condições de ler um jornal, um decreto do governo, um alvará de justiça.
Nesse percentual, incluíam-se muitos dos grandes proprietários rurais. Com
cerca de 90% da população vivendo em áreas rurais, sob o controle dos
grandes proprietários, não fica difícil imaginar o quanto de manipulação havia
14
nessas eleições. Entre os votantes existiam funcionários públicos que eram
controlados pelo governo.
Grande parte dos cidadãos desse país que começava a surgir não teve
a prática do voto durante o período de Colônia. Não tinham noção do que
significava escolher alguém como seu representante político. O chefe político
local, para não perder as eleições, pois isso significava a perda de prestígio, de
controle dos cargos públicos, como o de juiz municipal, de delegado de polícia,
se utilizava do cabalista. Este tinha a missão de garantir o maior número de
partidários de seu chefe na lista de votantes. O voto era negociado, alguns o
vendiam para mais de um cabalista, era mercadoria à venda pelo melhor
preço. A eleição se tornava em oportunidade para se ganhar dinheiro fácil,
uma roupa, um par de sapatos, ou simplesmente uma boa refeição.
,
1.4 Exercitando a Cidadania
• Os Jurados
Além da participação eleitoral houve outras formas de envolvimento
dos cidadãos com o Estado. A mais importante foi o serviço do júri. De acordo
com a Constituição de 1824, o Poder Judiciário era composto, tanto no criminal
como no cível, pelos juízes e jurados. Ser jurado significava participar de modo
direto do poder judicial, uma participação mais freqüente e mais intensa para
os sorteados do que o exercício do voto.
Os conselhos de jurados se reuniam pelo menos duas vezes por ano,
e as sessões duravam quinze dias, ou o tempo necessário para o julgamento
dos processos. Com isso, o contato com o Estado era mais profundo, pois
demandava uma exposição dos jurados às leis e aos procedimentos judiciais.
Estatísticas disponíveis no Ministério da Justiça mostram que o número de
jurados em 1871 era de 79.302, o que significava, mais ou menos, a metade
da população apta a exercer a função de jurado.
• A Guarda Nacional
15
Outra forma de participação política era através da Guarda Nacional
criada em 1831. Tendo como modelo a Garde Nationale que teve origem em
1789 às vésperas da tomada da Bastilha, a Guarda Nacional deveria servir de
proteção contra a anarquia e revoltas populares que surgiam em várias
capitais, mas sobretudo era um mecanismo para transmitir aos guardas algum
sentido de disciplina e de exercício de autoridade legal. Estavam sujeitos ao
serviço da Guarda quase as mesmas pessoas que eram obrigadas a votar.
Assim como os jurados representavam a democratização da Justiça, e as
eleições, a democratização do Poder Executivo, a Guarda representava a
democratização do Exército. Jurados, votantes e guardas nacionais seriam os
cidadãos ativos do novo país.
• O Serviço Militar
Experiência negativa do cidadão com o Estado foi o serviço militar. O
recrutamento era feito de forma violenta, a vida no quartel incluía o castigo
físico. Havia total repugnância ao serviço militar ao ponto das pessoas fugirem
para as matas para não serem recrutadas. O que em outros países
representava o símbolo do dever cívico, aqui contribuiu pouco, ou nada para a
educação cívica. Os soldados, diferentemente dos votantes, dos jurados e
guardas nacionais, eram cidadãos inativos, pois a persistência do castigo
físico, mesmo depois de abolido pela lei, indicava que a eles eram negados até
mesmo os direitos civis básicos. Nesse aspecto, os soldados se aproximavam
dos escravos, o que levou , em 1910, marinheiros a se rebelaram contra o uso
da chibata tentando eliminar os resquícios da escravidão (Revolta da Chibata).
1.5 O Despertar do Patriotismo
A forma mais intensa de envolvimento e participação dos brasileiros
ocorrida no período do Império foi, sem dúvida, durante a guerra contra o
Paraguai, entre 1865 e 1870. A idéia de pátria e o sentimento de identidade
dos brasileiros floresceram de uma forma nunca antes experimentada. De
todos os pontos do território surgiram voluntários dispostos a defender a pátria.
16
Os negros formavam a maioria das tropas, inclusive muitos foram libertos com
a finalidade de serem recrutados, uma situação irônica: não cidadãos lutando
pela pátria que os escravizava.
O hino nacional e a bandeira nacional foram valorizados, o Imperador
surgiu como chefe da nação, o Brasil passou a ser uma realidade concreta.
As mulheres, excluídas da cidadania ativa, também tiveram
participação na guerra, como enfermeiras. Uma jovem, Jovita Feitosa, fazendo-
se passar por homem, alistou-se como sargento para participar da luta como
combatente a fim de vingar-se das injúrias cometidas pelos paraguaios contra
os brasileiros. Mesmo sendo descoberta, teve o seu alistamento aceito pelas
autoridades, recebeu muitas homenagens e tornou-se heroína nacional, sendo
chamada de Joana d’ Arc Nacional.
A guerra tornou possível que ex-escravos, mulheres e soldados quase
a soma dos cidadãos inativos, tivessem participação no mundo real e simbólico
da política.
1.6 Principais Movimentos Populares
Se na proclamação da Independência e, mais tarde, na da República,
o povo não teve papel central, ele encontrou outros meios de se manifestar.
No Primeiro Reinado (1822-1831) e na Regência (1831-1840) as
manifestações populares se beneficiavam de conflitos entre facções da
classe dominante. No Segundo Reinado (1840-1889) as revoltas ganharam
características de reação às reformas introduzidas pelo Governo.
A revolta popular mais violenta e dramática foi a Cabanagem, na
província do Pará, em 1835, cujos rebeldes eram, na maioria índios, negros e
mestiços. A luta continuou até 1840, e foi a mais sangrenta da história do
Brasil, a maior carnificina do Brasil independente. Cerca de 30 mil pessoas
foram mortas, 20% da população total da província.
Outra revolta popular, em 1838, no Maranhão, a Balaiada, reuniu 11
mil homens, entre os quais, uns 3 mil escravos que contestavam os privilégios
dos latifundiários e comerciantes portugueses.
17
Em 1850, o Governo aprovou uma lei que mandava fazer o primeiro
censo demográfico do país e introduzia os registros civil de nascimento e de
óbito que até então eram feitos pela Igreja. O registro civil era condição para
garantia de vários direitos civis e mesmo de direitos políticos. Houve uma
reação da população à reforma introduzida, o que forçou o Governo a
paralisar o trabalho de registro e a suspender o censo. Somente em 1872 foi
realizado outro censo e um novo decreto, regulando o registro de casamento,
foi aprovado em 1874. A revolta do povo ao registro civil, sobretudo ao de
casamento, ainda se fez sentir em 1879, durante a revolta popular de
Canudos.
Um dos movimentos populares que indicou um início de cidadania
ativa foi o movimento abolicionista que ganhou força a partir de 1887.
Envolvendo pessoas de várias camadas sociais, desde membros da elite até
os próprios escravos, passando por jornalistas, pequenos proprietários e
operários, travou-se uma luta por um direito civil básico, a liberdade.
No Rio de Janeiro, em 1880, por causa de um aumento de um vintém
no preço da passagem do transporte urbano, 5 mil pessoas se reuniram em
praça pública para protestarem. A multidão quebrou coches, arrancou trilhos,
espancou cocheiros, esfaqueou mulas, levantou barricadas. Os distúrbios
duraram três dias. A partir daí, tornaram-se freqüentes as revoltas contra a
má qualidade dos serviços públicos mais fundamentais, como o transporte, a
iluminação e o abastecimento de água.
Essas e outras revoltas populares que aconteceram, principalmente a
partir do início do Segundo Reinado, significavam que, apesar de não
participar da política oficial, de não votar, ou ter consciência clara do sentido
do voto, a população tinha alguma noção sobre direitos e deveres do Estado.
Conforme afirma Carvalho (2009), esses cidadãos aceitavam o Estado, desde
que não interferisse em suas vidas privadas, que não desrespeitasse seus
valores. Eram movimentos reativos às mudanças que eram implementadas
pelo Governo e não movimentos propositivos. Havia nos rebeldes, um esboço
de cidadão, ainda que em negativo.
18
CAPÍTULO II
AVANÇOS E RETROCESSOS: CIDADANIA NA
REPÚBLICA
... O rio atinge seus objetivos por que aprendeu a
contornar os obstáculos...
A proclamação da República (1889) não foi um episódio que marcou a
memória popular, a participação do povo foi ainda menor que na proclamação
da Independência. Não houve grande movimentação popular, nem a favor,
nem em defesa da monarquia. Era como o povo assistisse aos acontecimentos
como algo alheio a seus interesses. Até 1930, não havia povo organizado politicamente, nem sentimento
nacional consolidado. A participação na política nacional, inclusive nos grandes
acontecimentos, era limitada a pequenos grupos. Não se pode dizer que o
novo regime tinha sido uma conquista popular, e, portanto um marco na
criação de uma identidade nacional.
Segundo Carvalho (2009), o marco divisório na história do país foi o
ano de 1930, quando as mudanças sociais e políticas começaram a acelerar e
a história passou a andar mais rápido.
2.1 Revoltas Populares
Assim como no Império, houve diversas manifestações populares nas
quais era possível vislumbrar a busca, mesmo que ainda inconsciente, da
conquista da cidadania, através de reivindicações de alguns direitos, ou
mesmo da insatisfação com algumas medidas do governo. Alguns desses
movimentos merecem destaque.
A Revolta da Vacina foi a mais importante revolta urbana desse
período, ocorrida no Rio de Janeiro em 1904. Dois anos antes, o então
19
prefeito, Pereira Passos, deu início a uma reforma urbanística e higiênica da
cidade. Foram abertas grandes avenidas, ruas alargadas, o porto foi
reformado, centenas de casas derrubadas o que deixou muitos moradores sem
teto. Na área da saúde, Oswaldo Cruz atacou a febre amarela pelo combate
aos mosquitos transmissores, o que levou à interdição de prédios e à remoção
de doentes. Foram visados principalmente os cortiços, conjunto de habitações
anti-higiênicas onde se aglomerava boa parte da população pobre.
Houve também, naquele mesmo ano, o combate à varíola por meio de
vacina obrigatória por lei, e muitos políticos se opuseram à obrigatoriedade,
alegando que o Estado não tinha autoridade para forçar as pessoas a se
vacinarem, e que a vacina não era segura, podendo causar outras doenças. A
oposição estendeu-se às camadas populares e a revolta se generalizou.
Ocorreram tiroteios, destruição de postes de iluminação, prédios públicos
foram danificados. A ira da população dirigiu-se, principalmente, contra os
serviços públicos, a polícia, as autoridades sanitárias e o ministro da Justiça. O
Governo decretou estado de sítio e chamou as tropas de outros estados para
controlar a situação.
Em 1910, outra revolta ocorreu no Rio de Janeiro. O mau tratamento
dado a marujos, por parte dos oficiais, aliado às más condições de alojamento
e alimentação foi o estopim para a Revolta da Chibata. O uso da chibata era
um velho regimento disciplinar usado nos couraçados Minas Gerais e São
Paulo. No início se rebelaram os marujos, porém dias depois, os fuzileiros
navais também aderiram ao movimento em defesa de propostas semelhantes
àquelas dos marujos. Em meio à repressão, o governo decretou estado de sítio
e mandou aprisionar os principais líderes da revolta. Dos seiscentos
prisioneiros, poucos sobreviveram aos maus tratos na prisão ou aos trabalhos
forçados na Amazônia.
Desfecho igualmente sangrento teve a Revolta do Contestado em 1914
no sul do Brasil. Suas origens remontam ao isolamento e abandono em que
vivia a população de uma vasta área situada entre os estados do Paraná e de
Santa Catarina, num território contestado pelos dois governos estaduais. Ao
criar uma alternativa ao poder político dos coronéis e com a disposição até de
20
enfrentá-los, o movimento do Contestado representava, do ponto de vista das
elites, um mal a ser exterminado. Tropas foram enviadas para exterminarem as
comunidades populares da região, procedendo-se ao massacre metódico dos
seus habitantes.
Outro movimento que merece referência foi o dos jovens oficiais do
Exército, iniciado em 1922. Apesar de natureza militar, o Tenentismo disputou
muitas simpatias, por atacar as oligarquias políticas estaduais. O ataque às
oligarquias agrárias estaduais contribuía para enfraquecer outro grande
obstáculo à expansão dos direitos civis e políticos.
O Tenentismo não tinha características propriamente democráticas,
mas foi uma poderosa força de oposição. Todo o período presidencial de 1922
a 1926 se passou sob o estado de sítio, em conseqüência da luta tenentista.
Embora derrotados, muitos tenentes continuaram a luta na clandestinidade ou
no exílio. Quando as circunstâncias políticas se tornaram favoráveis em 1930,
eles reapareceram e forneceram a liderança militar necessária para derrubar o
governo.
No campo cultural e intelectual também houve manifestações
oposicionistas. No ano de 1922 foi organizada, em São Paulo, a Semana de
Arte Moderna. Um grupo de escritores, artistas plásticos e músicos de grande
talento, patrocinados pela elite paulista, escandalizaram a bem-comportada
sociedade local com espetáculos de arte inspirados no modernismo e no
futurismo europeus, colocando em questão a natureza da sociedade brasileira,
suas raízes e sua relação com o mundo europeu. O movimento trazia em si
uma crítica profunda ao mundo cultural dominante. Na década seguinte, muitos
modernistas envolveram-se na política, à esquerda e à direita.
2.2 Cidadania no Estado Novo
Em 3 de outubro de 1930, o presidente da República, Washington
Luis, foi deposto por um movimento dirigido por civis e militares dos estados
de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. Terminava assim a Primeira
República (República Velha). O episódio ficou conhecido domo a Revolução de
21
30. Foi o movimento mais marcante da história política do Brasil desde sua
independência. O modo como a Primeira República foi derrubada representou
um avanço em relação à sua proclamação em 1889. O movimento foi
precedido de uma eleição que, apesar das fraudes, levou o debate a uma
parcela da população. A mobilização revolucionária envolveu muitos civis nos
estados rebelados. O povo não esteve ausente como em 1889.
Entre 1930 e 1937, o Brasil viveu uma fase de agitação política. Os
movimentos políticos mobilizaram vários estados da federação, além da capital
da República; envolveram vários grupos sociais, operários, classe média,
militares, oligarquias, indústrias.
Em 1933 o governo federal convocou eleições para assembléia
constituinte que deveria eleger o presidente da República. Foram eleições que
representavam grande progresso em relação à Primeira República. Foi
introduzido o voto secreto e instituída a Justiça Eleitoral. Houve também
avanços na cidadania política. Pela primeira vez as mulheres ganharam o
direito ao voto. A constituinte confirmou Vargas na presidência. Iniciava o
período conhecido como “Era Vargas”, onde o populismo foi dominante.
Representava um avanço na cidadania, na medida em que trazia as massas
para a política, porém colocava os cidadãos em posição de dependência
perante o líder, ao qual votavam lealdade pelos benefícios que lhes oferecia.
Era a época dos direitos sociais, mas não vistos como tais, como independente
da ação do Governo, e sim como um favor em troca do qual deviam lealdade e
gratidão.
O Estado Novo (1937-1945) foi um período em que o país viveu sob
um regime ditatorial civil, garantido pelas forças armadas, em que as
manifestações políticas eram proibidas, o governo legislava por decretos, a
censura controlava a imprensa, os cárceres se enchiam de inimigos do regime.
O Estado Novo não queria saber de povo nas ruas, era um regime que
misturava repressão com paternalismo. Não se pode negar, portanto, que foi o
grande momento dos direitos sociais. Nele foi implantada a maior parte da
legislação trabalhista e previdenciária.
22
Em 1945 Vargas foi derrubado do poder, e convocadas eleições
presidenciais e legislativas para dezembro do mesmo ano. Em 1946, o
presidente eleito, general Eurico Gaspar Dutra, toma posse, a constituinte
conclui seu trabalho e é promulgada a nova constituição. O país entrou em
uma fase que pode ser descrita como a primeira experiência democrática de
sua história. A constituição de 1946 manteve as conquistas sociais do período
anterior e garantiu os tradicionais direitos civis e políticos.
Apesar das limitações, a partir de 1945 a participação do povo na
política cresceu significativamente, tanto pelo lado das eleições, como da ação
política organizada em partidos e em sindicatos. Até 1964, houve liberdade de
imprensa e de organização política. Apesar de tentativas de golpes militares,
tiveram eleições regulares para presidente da República, senadores,
deputados federais e estaduais, governadores, prefeitos e vereadores. Vários
partidos políticos foram organizados.
Vargas volta ao poder em 1950, eleito pelo voto popular, e seu
segundo governo foi o exemplo mais típico de populismo no Brasil. Com o seu
suicídio, quatro anos mais tarde, torna-se um herói popular por sua política
social e trabalhista.
Os sucessores de Vargas também exibiram como crédito as
conquistas trabalhistas e sociais. A relação populista era dinâmica. A cada
eleição os partidos populares eram fortalecidos e aumentava o grau de
independência e discernimento dos eleitores. Foi o primeiro período da história
brasileira em que houve partidos nacionais de massa, diferentes dos partidos
nacionais do Império concentrados em estados maiores, dos partidos
estaduais da Primeira República e dos movimentos nacionais não partidários
da década de 30. Foram criados partidos como o PSD, PTB e UDN. Outros
pequenos partidos foram crescendo e tornaram-se competitivos, grande parte
da população tinha preferência partidária, acreditava no sistema, aceitava-o
como instrumento de representação política.
2.3 Cidadania no Regime Militar
23
O rápido aumento da participação política levou, em 1964, a uma
reação defensiva e a imposição de mais um regime ditatorial, em que os
direitos civis e políticos foram restringidos pela violência. Assim como em 1937,
foram enfatizados os direitos sociais, agora estendidos aos trabalhadores
rurais. Quanto aos direitos civis e políticos, o período que se iniciou em 1964
com o golpe, foi marcado por medidas de repressão que atingiram duramente
esses direitos. Os instrumentos legais da repressão, os Atos Institucionais,
cassaram os direitos políticos pelo período de 10 anos, de grande número de
líderes políticos, sindicais, de intelectuais, e até de militares. Funcionários
públicos, tanto civis, como militares, tiveram aposentadorias forçadas pelos
governos ditatoriais da época. O Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965,
aboliu a eleição direta para presidente da República, dissolveu os partidos
políticos criados a partir de 1945 e estabeleceu um sistema de apenas dois
partidos. O direito de opinião foi restringido, e juízes militares passaram a julgar
civis em causas relativas à segurança nacional. O Ato Institucional nº 5 atingiu
radicalmente os direitos políticos e civis. O Congresso Nacional foi fechado,
passando o então presidente, general Costa e Silva, a governar
ditatorialmente. O habeas corpus foi suspenso para crimes contra a segurança
nacional e todos os atos decorrentes do AI-5 foram colocados fora da
apreciação judicial.
Em 1965 foi promulgada nova constituição que incorporava os atos
institucionais, e foi introduzida uma nova lei de segurança nacional que incluía
a pena de morte por fuzilamento. A pena de morte fora abolida após a
proclamação da República, e mesmo no Império já não era aplicada.
Em 1970 foi introduzida a censura prévia em jornais, livros e outros
meios de comunicação. Qualquer publicação ou programa de rádio e televisão
tinham que ser submetidos aos censores do governo antes de ser levado ao
público. O governo, com freqüência, mandava instruções sobre os assuntos
que não podiam ser comentados, e nomes de pessoas que não podiam ser
mencionados. A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião. Não
havia liberdade de reunião, os partidos eram regulados e controlados pelo
governo, os sindicatos estavam sob constante ameaça de intervenção. Era
24
proibido fazer greves, o direito de defesa era cerceado pelas prisões
arbitrárias. A justiça militar julgava crimes civis, a inviolabilidade do lar e da
correspondência não existia. A integridade física era violada pela tortura nos
cárceres do governo. O próprio direito à vida era desrespeitado. Foram anos
de sobressalto e medo, em que os órgãos de informação e segurança agiam
sem nenhum controle.
As eleições diretas para governador foram suspensas a partir de 1966,
só voltando a se realizar em 1982. Para presidente da República, não houve
eleições diretas de 1960 a 1989. Foram quase trinta anos em que o povo foi
excluído de escolher o chefe do Executivo. As eleições para o Senado e
Câmara Federal, assembléias estaduais e câmara de vereadores foram
mantidas, embora com restrições. A propaganda política era censurada, os
candidatos mais radicais eram vetados, entretanto o eleitorado cresceu
durante os governos militares. Em 1960, a parcela da população que votava
era de 18%; em 1986, 47%, um crescimento de 161%. Isto significava que 53
milhões de brasileiros, mais do que a população total do país em 1950, foram
formalmente incorporados ao sistema político, durante os governos militares.
Porém, ao mesmo tempo em que o eleitorado crescia, outros direitos
políticos e civis eram negados aos brasileiros, o que esvaziava muito o sentido
do direito político de votar.
Quanto aos direitos sociais, houve uma expansão. Em 1966 foi criado
o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS) e em 1971 o Fundo de Assistência Rural
(FUNRURAL) que efetivamente incluía os trabalhadores rurais na Previdência.
As empregadas domésticas e trabalhadores autônomos também foram
incorporados em 1972 e 1973, respectivamente.
Do ponto de vista dos direitos civis e políticos, os anos mais sombrios
da nossa história foi o período de 1968 a 1974, em que a repressão política foi
a mais violenta já ocorrida no país. Os estudantes foram às ruas em grandes
manifestações pela democracia, sendo morto um estudante, Edson Luis, em
uma dessas manifestações.
25
Vários órgãos estudantis e sindicais foram alvos de repressão, as
greves aconteciam à margem da estrutura sindical, já que muitos sindicatos
sofreram intervenção e suas lideranças foram severamente atingidas.
Os direitos sociais no regime militar, assim como no Estado Novo,
foram ampliados, ao mesmo tempo em que os direitos políticos eram
restringidos. O oposto ocorreu no período democrático de 1945 a 1964, em
que os direitos políticos foram expandidos e os direitos sociais ficaram
paralisados ou avançaram lentamente. Pode-se dizer que o autoritarismo
brasileiro sempre procurou compensar a falta de liberdade política, com
paternalismo social.
Foram, porém, os direitos civis os mais atingidos durante os governos
militares. As prisões arbitrárias, liberdade de pensamento cerceada, tortura que
muitas vezes levava à morte, censura prévia à mídia e às manifestações
artísticas, representaram enorme retrocesso na conquista da cidadania. O
Poder Judiciário, em tese, o garantidor dos direitos civis sofreu diversas
humilhações. Ministros do Supremo Tribunal Federal foram aposentados e
tiveram os direitos políticos cassados.
2.4 O Povo nas Ruas
A partir da segunda metade dos anos 70, os movimentos sociais
urbanos tiveram uma enorme expansão, com destaque para os movimentos
dos favelados e das associações de moradores da classe média. Esses
movimentos reivindicavam asfaltamento de ruas, redes de água e esgoto,
energia elétrica, transporte público, segurança, serviços de saúde. Era o
despertar da consciência de direitos. Algumas organizações se destacaram
como pontos de resistência ao governo militar, entre elas OAB e CUT.
Uma grande mobilização de artistas e intelectuais também acontecia
no país a partir da década de 70. Um nome que simbolizava a resistência ao
regime era o de Chico Buarque de Holanda, cujas canções se tornaram
verdadeiros hinos de oposição ao governo militar.
26
O auge da mobilização popular foi a campanha para eleições diretas
em 1984, as “diretas já”, que culminou com um comício de 500 mil pessoas no
Rio de Janeiro e outro em São Paulo que reuniu mais de 1 milhão. Os
comícios se transformaram em grandes festas cívicas, tudo feito com muita
ordem. O sentimento pelas cores verde e amarelo foi despertado. O hino
nacional foi revalorizado e reconquistado pelo povo. A mobilização política foi
de dimensões inéditas na história do país. Terminava assim o ciclo dos
governos militares.
Apesar do desapontamento com o fracasso da luta pelas diretas e da
frustração causada pela morte de Tancredo Neves, os brasileiros iniciavam o
que chamamos de “Nova República”. O sentimento que ficou foi o de
participação, de transformação nacional, da colaboração em criar um país
novo.
O movimento pelas diretas serviu de aprendizado para que o povo
mais adiante pudesse se mobilizar em favor do impedimento do presidente
Fernando Collor de Mello, que foi também outra importante e inédita iniciativa
cidadã.
27
CAPÍTULO III
CONSTRUÇÃO INACABADA: CIDADANIA NA
DEMOCRACIA
... A fé é a certeza das coisas que
esperamos e a convicção dos fatos que não
vemos...
3.1 A Constituição Cidadã
Com o fim do regime militar e a redemocratização do país a partir de
1985, embalados pelo clima de entusiasmo das grandes demonstrações
cívicas em favor das eleições diretas, o Brasil inaugura a Nova República.
O otimismo prosseguiu na eleição de 1986 para formar a Assembléia
Nacional Constituinte, a 4ª da República. Durante um ano, a Constituinte fez
um trabalho de ampla consulta a especialistas e a vários setores organizados e
representativos da sociedade a fim de elaborar a nova constituição.
Em 1988 a constituição foi promulgada. O texto final era um minucioso
documento no qual a preocupação central foi a garantia dos direitos dos
cidadãos. O presidente da Constituinte, Ulysses Guimarães, declarou em seu
discurso que seria a “Constituição Cidadã”, pois recuperaria como cidadãos,
milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações, a miséria. Foi a
constituição mais liberal e democrática que o país já teve.
Os direitos civis estabelecidos antes do regime militar, tais como
liberdades de expressão, de imprensa e de organização, foram recuperados
após 1985. Em 1989 houve a primeira eleição direta para presidente da
República desde 1960. Os direitos políticos foram ampliados de modo nunca
antes experimentados.
A Constituição de 1988 eliminou o grande obstáculo ainda existente à
universalidade do voto, tornando-o facultativo entre os 16 e 18 anos de idade e
28
aos analfabetos. Ampliou as conquistas sociais dos trabalhadores, garantiu o
direito de greve, a liberdade sindical, a constituição foi generosa em tratar dos
direitos civis, políticos e sociais e em criar mecanismos para que eles estejam
ao nosso alcance. Sem dúvida, ela representou um enorme avanço em relação
à história de um país regado com sangue de escravos.
Nos anos seguintes à promulgação da constituição foi elaborada ampla
legislação liberal, como: novo Código Civil, o Código de Defesa do
Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso. Foi
também criado o Programa Nacional dos Direitos Humanos, os Juizados
Especiais de Pequenas Causas Cíveis e Criminais, apenas para citar alguns
exemplos.
3.2 O Povo vai às Ruas e às Urnas
Após a redemocratização do país, as velhas práticas políticas
começaram a retornar. Os governantes causavam decepção ao povo
brasileiro. O desencanto começou a crescer a partir do 3º ano do governo
Sarney, pois o povo percebeu que a democratização não resolveria os
problemas do cotidiano.
Em 1989 um candidato à eleição presidencial surge no cenário
brasileiro com um discurso que prometia por fim à corrupção. Fernando Collor
de Mello se apresentava como um salvador da pátria, um caçador de marajás,
uma esperança para os “descamisados”. Soube fazer uso da televisão e da
mídia em prol da sua candidatura. Era um candidato jovem, investia em uma
imagem de pessoa audaciosa, amante de esportes, e que, embora vinculado
às elites políticas mais tradicionais do país, prometia combater os políticos
tradicionais.
A estratégia do candidato deu resultado. No 1º turno das eleições,
derrotou políticos experimentados, como Ulysses Guimarães e Mário Covas,
líderes do PMDB e PSDB, respectivamente. No 2º turno saiu eleito presidente
após derrotar o candidato do PT, Luis Inácio Lula da Silva.
29
Empolgado pela legitimidade do mandato popular, Fernando Collor,
logo no início do governo, adotou medidas ambiciosas para acabar com a
inflação, diminuir o número de funcionários públicos e vender empresas
estatais. Uma de suas iniciativas que mais impacto causou foi o confisco de
contas correntes, poupança e demais investimentos que excedessem o valor
de 50 mil cruzeiros.
Como não tinha apoio político no Congresso que lhe desse
sustentação no governo, e com uma personalidade arrogante e
megalomaníaca, as dificuldades para governar começaram a surgir para
Fernando Collor.
Os escândalos, como venda de favores, barganhas políticas, extorsões
de empresários para financiamento da campanha presidencial, levaram à
trajetória de queda do então presidente.
A população que, oito anos antes se mobilizara pelas “diretas já”, foi
novamente às ruas, dessa vez para pedir o impedimento do primeiro
presidente eleito pelo voto direto desde 1960. O Congresso, pressionado pelas
manifestações nas ruas, abriu o processo de impedimento do presidente da
República apenas dois anos e meio após sua posse.
O processo que afastou o presidente foi uma das vitórias mais
importantes na história do país. Com exceção do Panamá, o Brasil foi o único
país presidencialista das Américas, a levar até o fim um processo de
impedimento. Foi um avanço na prática democrática que deu aos cidadãos a
sensação, até então inédita, de que possuíam algum controle sobre os seus
governantes.
As duas eleições presidenciais que vieram depois ocorreram em clima
de normalidade, o que representou também avanço em relação à democracia.
Em 1994 foi eleito em 1º turno o sociólogo, Fernando Henrique
Cardoso sendo reeleito em 1998. Em seu discurso de posse, anunciou o fim da
“Era Vargas” no Brasil. Com isso, dava o recado de que o seu governo não
faria grandes investimentos nas indústrias de base (siderúrgica, petroquímica,
petrolífera) e nem interviria mais nas relações de trabalho. Em seu governo
foram aprovadas mudanças na Constituição Federal, possibilitando colocar à
30
venda, várias empresas estatais, com discurso de que o dinheiro obtido com as
vendas seria usado para reduzir a dívida pública que é paga por todos os
cidadãos, por meio dos impostos. No Rio de Janeiro, em 1997, um protesto
contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce terminou em violência
por parte da polícia contra os manifestantes.
Durante o governo de Fernando Henrique, os índices de desemprego
se mantiveram elevados e houve queda do poder de compra dos salários,
aumentando a insatisfação popular com o governo. Partidos de oposição
também se posicionaram contra as mudanças constitucionais que
possibilitaram o processo de privatização. Nos meios sindicais, a oposição foi
liderada pela CUT, e entre os movimentos sindicais, o mais combatível foi o
MST, que através da estratégia de invadir fazendas, acabou fazendo o governo
aumentar o número de assentamentos rurais em todo o país.
Em 2002 foram realizadas as maiores eleições da história do Brasil.
Mais de 150 milhões de eleitores habilitaram-se a votar. Luiz Inácio Lula da
Silva, ex-líder operário, venceu a disputa para a presidência da República com
uma vitória das mais expressivas ocorridas num país democrático. Em 2006,
Lula foi reeleito.
No seu primeiro discurso de posse, o presidente anunciou como
prioridade de seu governo, o Programa Fome Zero que, entre outras coisas,
prometia: extensão do direito à Previdência Social a todos os trabalhadores do
campo e da cidade, intensificação da reforma agrária, doação de cestas
básicas emergenciais, ampliação da merenda escolar, criação de restaurantes
populares.
Outras propostas apresentadas no início do seu governo foram: fim do
analfabetismo de adultos em quatro anos, criação de empregos e geração de
renda por diversos meios, extinguir o trabalho infantil em quatro anos,
implantar internet nas escolas do Ensino Fundamental.
O mandato do presidente Lula chega ao final neste ano, e pesquisas
têm demonstrado que a sua popularidade alcança índices bastantes elevados.
31
3.3 A Cidadania em Classes
José Murilo de Carvalho (2009) divide os cidadãos brasileiros, do ponto
de vista dos direitos civis, em classes. Os que estão na 1ª classe, são os
privilegiados, os “doutores” que estão acima da lei, que conseguem ver seus
interesses defendidos pelo prestígio social, pelo poder do dinheiro. Esses
doutores são invariavelmente brancos, ricos, com formação universitária.
Nessa categoria incluem-se os grandes empresários, banqueiros, grandes
proprietários rurais e urbanos, políticos, altos funcionários. Mantêm vínculos
importantes no governo, no Judiciário, não dependem de um Estado provedor
para ter acesso a direitos sociais. A lei, para eles, funciona em benefício
próprio.
Abaixo dos cidadãos de 1ª classe estão os “cidadãos simples” que
representam a maior parte dos cidadãos brasileiros e que em geral,
confundem-se com a classe média modesta. São os trabalhadores
assalariados com carteira de trabalho assinada, os pequenos funcionários, os
pequenos proprietários urbanos e rurais. Podem ser brancos, pardos ou
negros, e geralmente possuem educação fundamental completa e o 2º grau.
Possuem uma cidadania limitada, uma vez que possuem relativa consciência
acerca de seus direitos, mas nem sempre dispõem de meios para o seu
exercício. Para eles, existem os códigos Civil e Penal, mas aplicados de
maneira parcial.
Por último, há os cidadãos de 3ª classe, ou os “não cidadãos”. É a
grande população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e
rurais sem carteira assinada, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs,
menores abandonados, mendigos. Quase sempre são pardos ou negros,
analfabetos, ou com educação fundamental incompleta. São indivíduos
completamente abandonados pelo Estado, e para quem a cidadania não passa
de um termo sem significado prático. É a parte da população excluída dos
serviços de educação e saúde pública, desamparados pelos sistemas de
segurança e justiça, e que muitas vezes recorrem à criminalidade como forma
de sobrevivência e inclusão social. Para eles vale apenas o Código Penal.
32
3.4 Balanço da Cidadania no Século XXI
Mais de 20 anos de promulgação da “Constituição Cidadã” e ainda não
conseguimos transportar o texto constitucional para o cotidiano do povo
brasileiro. Os problemas históricos da nossa sociedade como o analfabetismo,
oferta precária de serviços de saúde, saneamento, assistência social, e os
problemas mais recentes de violência urbana, segurança pública ineficiente,
corrupção, estão longe de serem solucionados. A parcela da população que
pode contar com a proteção da lei é pequena, mesmo nos grandes centros.
Ainda há no país uma enorme distância entre o Brasil legal e o Brasil
real. Os direitos civis e políticos exigem que todos gozem da mesma liberdade,
mas são os direitos sociais que garantirão a redução das desigualdades de
origem, para que a falta de igualdade não acabe gerando, justamente a falta
de liberdade. Da mesma maneira, é verdadeira a afirmação de que a liberdade
propicia as condições para a reivindicação dos direitos sociais.
A cidadania democrática pressupõe a igualdade diante da lei, a
igualdade de participação política e a igualdade de condições sócio-
econômicas básicas pra garantir a dignidade humana. Esta última igualdade é
crucial, pois exige uma meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas
pela correta implementação de políticas públicas, de programas de ação do
Estado. Há necessidade também de organização popular para a legítima
pressão sobre os poderes públicos. A cidadania ativa deve ser exercida de
diversas maneiras: nas associações de base e movimentos sociais, em
processos decisórios na esfera pública como os conselhos, o orçamento
participativo, iniciativa legislativa e consultas populares.
É dos poderes públicos que devem ser cobradas as novas propostas
de cidadania social, como os programas de renda mínima, bolsa-escola, bolsa-
família, de política agrária, entre outros.
No Brasil, no entanto, tem-se uma cultura orientada mais para o
Estado do que para a representação. É o que José Murilo (2009) chama de
“estadania” em contraste com a cidadania. O Estado é sempre visto como
33
todo-poderoso, na pior das hipóteses, como repressor e cobrador de impostos,
na melhor, como distribuidor paternalista de empregos e favores. Sob essa
ótica, a ação política acaba orientada para a negociação direta com o governo,
sem passar pela mediação da representação. Essa opção pelo Executivo
associada à curta experiência que temos de democracia e persistência de
problemas sociais, resulta numa impaciência do povo com o funcionamento
geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisões. Necessitamos
de um tempo maior para que a democracia brasileira amadureça, e aumente a
probabilidade de se fazer os ajustes necessários nos mecanismos políticos
(CARVALHO, 2009).
Como diz Júlio Mosquéra (2006), a prática aprimora o desempenho. A
constante participação no processo de decisões coletivas transforma o
indivíduo em cidadão.
Experiências recentes têm mostrado otimismo em relação à
colaboração entre a sociedade e o Estado. As organizações se multiplicaram a
partir dos anos finais da ditadura, substituindo, aos poucos, os movimentos
sociais urbanos. Com origem na sociedade, as organizações não
governamentais desenvolvem atividades de interesse público e isso tem
resultado em experiências inovadoras no encaminhamento e na solução de
problemas sociais, principalmente nas áreas de educação e direitos civis.
Conforme afirma Carvalho (2009), essa aproximação não tem o vício da
“estadania” e as limitações do corporativismo estatal porque democratiza o
Estado.
Outro tipo de aproximação entre sociedade e Estado é o que se dá
com as associações de moradores. Muitas prefeituras experimentam isso
como formas de alternativas de envolvimento da população na formulação e
execução de políticas públicas, sobretudo no que tange ao orçamento e obras
públicas. Com esse tipo de aproximação foge-se do paternalismo e do
clientelismo porque mobiliza o cidadão.
Cabe destaque também a participação da sociedade em questões
levadas ao Judiciário e que são de interesse coletivo. Recentemente o então
presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, convocou
34
representantes de setores de sociedade civil para participar de audiências
públicas a fim de discutir problemas relativos à crise na saúde pública.
Resta a pergunta: há de fato o que comemorar? Sim há motivos para
celebrar. Obtivemos, sim, conquistas na evolução da cidadania neste século. O
Brasil tem hoje, 98% das crianças nas escolas, índice similar ao de países
desenvolvidos, apesar de ainda figurar no ranking entre os piores do mundo
quando o assunto é qualidade da educação. Dados do IBGE informam que a
taxa de analfabetismo da população entre 10 a 14 anos, que em 1997 era de
8,7%, caiu para 3% em 2007 (IBGE, 2010).
A situação do idoso no país também mudou nos últimos 20 anos. O
Brasil possui hoje a maior cobertura previdenciária da América Latina em
relação aos que têm mais de 60 anos. Cerca de 70% das pessoas acima
dessa idade recebem algum tipo de transferência do governo, acima de 80
anos, 90% recebem algum benefício, sendo o Brasil, juntamente com a África
do Sul, o país com maiores programas de transferência para idosos no
hemisfério sul (O Globo, 2010).
Nosso sistema eletrônico utilizado nas eleições, considerado como
modelo nas principais democracias do mundo, possibilita mais celeridade nas
apurações, além de dificultar fraudes. Ponto para a cidadania política.
Pela primeira vez desde 1988, numa demonstração eloqüente da
consolidação dos valores democráticos no Brasil, a população mobilizou-se
para forçar seus representantes a tomar uma atitude contra a corrupção
endêmica do país. A campanha da “Ficha Limpa”, que levou à aprovação da lei
de iniciativa popular, que impede a candidatura de políticos condenados em
instâncias colegiadas da Justiça, é o primeiro passo num caminho que a
depender da sociedade civil, levará à tão necessária e urgente reforma do
sistema político brasileiro. Iniciada em 2003, organizada pelo Movimento de
Combate à Corrupção Eleitoral, reuniu mais de 1 milhão de assinaturas
favoráveis à proposta de lei, sendo aprovada pelo Senado em maio de 2010 e
sancionada pelo presidente Lula em 4 de junho de 2010.
Contudo, não podemos ignorar os desafios que ainda temos. Não há
saudosismo em relação à ditadura militar, porém a crença de que a
35
democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da
desigualdade, foi perdida. Muitos direitos civis, fundamentais na conquista de
outros direitos, continuam inacessíveis à grande massa da população.
Recentemente, o Jornal O Globo (2010) publicou uma reportagem sob
o título “Quando a Dor Tem de Aguardar”. O texto dizia que nas sete maiores
capitais do país, 170 mil pessoas aguardam na fila do SUS por cirurgias
eletivas (aquelas que podem ser agendadas, por não implicarem risco imediato
à vida). A pesquisa foi feita nas secretarias municipais e estaduais de saúde
que admitem que os dados estejam subestimados, já que na maioria dos
estados e capitais, gestores responsáveis pela administração da fila têm dados
parciais sobre a demanda reprimida, ou nem sequer os possuem. A espera
pode chegar a cinco anos e muitos acabam recorrendo à Justiça para garantir
o direito de ser operado.
A falta de garantia dos direitos civis se verifica também em relação à
segurança individual, à integridade física, ao acesso à Justiça. O rápido
crescimento das cidades transformou o Brasil em país predominantemente
urbano, em poucos anos. Em 2000, 81% da população já era urbana. Junto
com a urbanização, surgiram as grandes metrópoles que combinava
desemprego, trabalho informal e tráfico de drogas, proliferando a violência.
Roubos, assaltos, bala perdida, seqüestros, assassinatos, massacres,
passaram a fazer pare do cotidiano das grandes cidades brasileiras, trazendo a
sensação de insegurança à população, sobretudo nas favelas e bairros pobres.
Os índices de homicídio são alarmantes, na América Latina, o Brasil só perde
para a Colômbia.
Os exemplos citados são apenas alguns, dentre tantos, que nos
trazem a sensação de que a nossa cidadania ainda está incompleta. Ao
olharmos para o passado, verificamos que tivemos inegáveis progressos, mas
ainda há um longo caminho a percorrer. Nesses 10 anos de século XXI, ainda
vivenciamos situações análogas às da escravidão em alguns recantos do país.
Inspeção feita em 2007, em uma fazenda do Pará, constatou que mais de mil
trabalhadores viviam em alojamentos superlotados, com esgotos a céu aberto,
água de beber da cor de caldo de feijão, conforme relatório do Ministério do
36
Trabalho. Em outra fazenda no Mato Grosso do Sul, trabalhadores que lidavam
com agrotóxicos, comiam depois, sob o sol, sem ter ao menos água para
retirar o produto das mãos. (O Globo, 2010).
Os desafios vão mais além. Hoje, no mundo, já se fala dos direitos
chamados de direitos da 4ª geração, que consiste no direito à
autodeterminação, direito ao patrimônio comum da humanidade, direito a um
ambiente saudável e sustentável, direito à paz e ao desenvolvimento. Essas
são tendências que consideram os cidadãos não mais apenas nacionais, mas
sim, cidadãos participantes de um regime político–global que devem ser
solidários nas mesmas preocupações e objetivos. Mas, para a conquista
desses direitos, como cidadãos de um mundo globalizado, precisamos
derrubar nossas barreiras para a implantação de uma cidadania segura,
consistente e duradoura estendida a todos os cidadãos brasileiros.
37
CONCLUSÃO
Este trabalho monográfico, através de uma retrospectiva histórica da
evolução da cidadania no Brasil, mostrou que houve momentos de avanço dos
direitos que compõem a cidadania, assim como períodos marcados pelo
retrocesso.
A manutenção da escravidão durante, praticamente, todo o Império,
representou o principal obstáculo para o exercício dos direitos civis, base para
conquista de outros direitos.
Com a chegada da República, o povo não tinha ainda participação
ativa na política nacional. O regime republicano não representou mudanças
sociais e políticas significativas. Até 1930, o povo não tinha lugar no sistema
político, seja no Império, seja na República, consequentemente não havia lugar
para a introdução dos direitos sociais. Por isso, alguns autores consideram a
queda da Primeira República (1930), um avanço em relação a sua
proclamação (1889). Avanço esse, em direção aos direitos sociais, e não
necessariamente aos direitos civis e políticos.
Com a chegada de Vargas ao poder em 1930, o país viveu um período
de supressão dos direitos políticos e redução dos direitos civis. A falta de
liberdade política, pelo autoritarismo no Brasil nos anos pós-30, foi
compensada pelo paternalismo social. O período de 1930 a 1945 foi também
caracterizado por práticas que pretenderam limitar o exercício da cidadania no
país.
Após a derrubada de Vargas, em 1945, o Brasil passou por momentos
de certa estabilidade para os direitos civis e políticos, até 1964. A partir de
então, os governos militares que se sucederam no poder foram responsáveis
pela restrição dos direitos civis e políticos, sendo o período de 1968 a 1974, os
anos mais sombrios da nossa história, marcados por violenta repressão
política.
Em 1985, depois da queda do regime militar, os direitos civis
estabelecidos antes do regime, tais como, liberdade de expressão, de
imprensa e de organização, foram recuperados e a Constituição de 1988
expandiu os direitos do cidadão.
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Podemos dizer que ainda estamos no início do nosso processo de
democratização. Temos um longo caminho a percorrer na consolidação da
cidadania. Outros países ocidentais já têm esse processo mais amadurecido, e
ainda assim, apresentam muitas demandas na questão dos direitos dos seus
cidadãos, principalmente no que diz respeito aos direitos sociais. A idéia
desses direitos é uma invenção do século XX, consagrada pela Declaração
Universal dos Direitos do Homem (1948) que se somou aos direitos civis e
políticos que se originaram com a Revolução Francesa (século XIX) e que são
o pilar dos sistemas políticos democráticos.
Conforme afirma Pinsky (2003), sonhar com cidadania plena em uma
sociedade em que o acesso aos bens e serviços ainda é restrito, seria utópico.
A garantia de direitos civis e políticos no Brasil não representaram a solução
para muitos problemas que o país ainda tem.
Ainda há muito a ser feito, porém temos condições únicas na história
brasileira, de propor discussões e mobilizar forças para tentar transformar
situações de injustiça e desigualdade, que tanto prejudicam o exercício da
cidadania.
39
ANEXO
Cidadania e o Voto nas Constituições
Constituição de 1824
Podiam votar:
• Homens livres maiores de 25 anos com renda anual superior a 100 mil réis
• Homens livres maiores de 21 anos com renda anual superior a 100 mil-réis,
desde que casados, oficiais militares, bacharéis formados e clérigos de
ordens sacras.
Obs: Os analfabetos que cumprissem as exigências acima tinham direito ao voto
Constituição de 1891
Podiam votar:
• Homens maiores de 21 anos
Não incluídos: mendigos, analfabetos, religiosos que renunciavam à liberdade
individual por voto de obediência à Igreja, militares de baixa patentes.
Constituição de 1934
Podiam votar:
• Homens e mulheres maiores de 18 anos
Não incluídos: mendigos, analfabetos, militares de baixa patente
Obs: 1. O voto passa a ser secreto. 2. O voto passa a ser obrigatório. Para as
mulheres que não trabalhassem no serviço público o voto era facultativo. 3. A
Constituição de 1934 adotou a regras do Código Eleitoral de 1932.
Constituição de 1937
Podiam votar:
• Homens e mulheres maiores de 18 anos
Não incluídos: mendigos, analfabetos, militares em serviço ativo
Obs: 1. O voto não era obrigatório. 2. Durante a ditadura Vargas (1937-
1945), o brasileiro praticamente não exerceu o direito ao voto.
40
Constituição de 1946
Podiam votar:
• Homens e mulheres maiores de 18 anos
Não incluídos: analfabetos, estrangeiros naturalizados que não falassem o
português, militares de baixa patente.
Obs: O voto era secreto e obrigatório.
Constituição de 1967
Podiam votar:
• Homens e mulheres, maiores de 18 anos
Não incluídos: analfabetos, estrangeiros naturalizados que não falassem o
português, militares de baixa patente
Obs: O voto era secreto e obrigatório.
Constituição de 1988
Podem votar:
• Homens e mulheres maiores de 16 anos.
Não incluídos: conscritos (alistados para o serviço militar)
Obs: 1. Voto obrigatório para os maiores de 18 anos e facultativo para
menores entre 16 e 18 anos e maiores de 70 anos. 2. Voto secreto.
Em toda a história eleitoral brasileira, os presos foram proibidos de votar.
Fonte: MOSQUÉRA, Júlio. E eu com isso? p.114-115
41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio de
Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2009.
________________. Cidadania: Tipos e Percursos. Rio de Janeiro: Estudos
Históricos, nº 18, 1996.
JÚNIOR, Alfredo Boulos. Sociedade & Cidadania. São Paulo: Ed. FTD, 2004.
MOSQUÉRA, Júlio. E Eu com Isso? São Paulo: Ed. Globo, 2006.
VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História Geral e do Brasil. São
Paulo: Ed. Scipione, 2002.
42
BIBLIOGRAFIA CITADA
1 - CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio
de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2009.
2 - CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio
de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2009.
3 - CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio
de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2009.
4 - MOSQUÉRA, Júlio. E Eu com Isso? São Paulo: Ed. Globo, 2006.
5 - CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio
de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 2009.
6 - IBGE. Séries Estatísticas e Séries Históricas. Disponível em:
http://wwwibge.gov.br/series_estatísticas/exibedados. Acesso em: 13/07/10.
7 – ALMEIDA, Cássia; RODRIGUES, Jorge Luiz. Retrato dos brasileiros mais
velhos. Jornal O Globo, p.31, ed: 11/04/10.
8 – FABRINI, Fábio; ALENCASTRO, Catarina. Quando a dor tem de aguardar.
Jornal O Globo, p. 3, ed: 23/05/10.
9 – LEITÃO, Miriam. Contra os fatos. Jornal O Globo, p. 40, ed: 02/05/10.
10 – PINSK, Jaime e Carla. História da Cidadania. São Paulo, 2003: Ed.
Contexto. http://www.espacoacademico.com.br/023/23res_pinsky. Acesso:
22/07/10
43
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
Nosso Começo: Cidadania no Império 10
1.1 – Significados e Dimensões da Cidadania 10
1.2 – O Peso do Passado 11
1.3 – Direitos Políticos na Dianteira 13
1.4 – Exercitando a Cidadania 14
1.5 – O Despertar do Patriotismo 15
1.6 – Principais Movimentos Populares 16
CAPÍTULO II
Avanços e Retrocesso: Cidadania na República 18
2.1 – Revoltas Populares 18
2.2 – Cidadania no Estado Novo 20
2.3 – Cidadania no Regime Militar 22
2.4 – O Povo na Rua 25
CAPÍTULO III
Construção Inacabada: Cidadania na Democracia 27
3.1 - A Constituição Cidadã 27
3.2 – O Povo vai às Ruas e às Urnas 28
44
3.3 – A Cidadania em Classes 31
3.4 – Balanço da Cidadania no Século XXI 32
CONCLUSÃO 37
ANEXO 39
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 41
BIBLIOGRAFIA CITADA 42
ÍNDICE 43
45
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição:
Título da Monografia:
Autor:
Data da entrega:
Avaliado por: Conceito: