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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO <> <> <> Por: Irma de Souza Leal Pinto <> <> <> Orientador Prof. Lindomar da Silva Adelino Rio de Janeiro 2009

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · amigo de todas as horas ... crer que foi superado o nível de alfabetização e adentrou o do letramento. ... que é um compromisso

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

<>

<>

<>

Por: Irma de Souza Leal Pinto

<>

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<>

Orientador

Prof. Lindomar da Silva Adelino

Rio de Janeiro

2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

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Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Orientação Educacional e Pedagógico.

Por: Irma de Souza Leal Pinto

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AGRADECIMENTOS

....a Deus por me conceder paciência e

resignação, por me manter firme, mesmo

nos momentos em que pensei em desistir.

4

DEDICATÓRIA

.....ao meu pai, Valtecir Gomes Leal, meu

amigo de todas as horas...Meu maior

incentivador.

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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

Monografia de conclusão de curso na

Universidade Cândido Mendes

como requisito para obtenção da Pós

Graduação Lato Sensu em Pedagogia

COMISSÃO EXAMINADORA:

Prof.______________________________________

Prof.______________________________________

Rio de Janeiro, ___ de __________ de 2009

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................07

1 A NECESSIDADE DE ALGO MAIS QUE ALFABETIZAR..................11

2 A DIFERENÇA ENTRE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO...........14

2.1 DEFINIÇÃO DE LETRAMENTO...........................................17

3 BENEFÍCIOS DO LETRAMENTO......................................................22

3.1 LETRAMENTO E LEITURA ORAL.......................................22

3.2 LETRAMENTO E FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA............25

3.3 LETRAMENTO E CIDADANIA.............................................26

CONCLUSÃO.......................................................................................30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.....................................................37

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa apresenta o tema Alfabetização e Letramento. Por

letramento podemos entender “o estado ou condição de quem interage com

diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções

que a leitura e a escrita desempenham em nossa vida” (SOARES, 2004).

Podemos compreender o letramento, ainda, como sendo o uso social da leitura

e escrita.

A definição, em um primeiro momento, parece solta, mas a própria

história da escrita demonstra que, desde os desenhos feitos na caverna, a

necessidade de utilizá-la não é só do indivíduo, mas da organização social em

que ele se encontra. Hoje, mais do que nunca, esta necessidade se faz

presente. Estamos na era da comunicação. Somos submetidos a inúmeras

informações que, se não forem compreendidas, podem ter sua utilidade ou

não.

Estas preocupações com o letramento, enquanto sua utilidade social

nasceu de anos de experiência como historiadora e professora desta disciplina.

Percebemos que existe um preconceito quanto à disciplina não por ela própria,

que transmite fascínio quando a pessoa se descobre, quando percebe um traço

de sua personalidade em um tempo ou personagem da história. Porém, por

mais que exista este fascínio percebemos que um impedimento para

potencializar a aprendizagem é a dificuldade de ler e compreender o que se lê.

E, quando isso acontece, chamamos de analfabetismo funcional.

Analfabetismo funcional refere-se aquele que conhece os rudimentos do

alfabeto, escreve o próprio nome, mas tem grande dificuldade em compreender

as informações contidas em um texto. Entretanto, por mais que aparente ser

bem informado alguém que se encontra na graduação e não consegue

desenvolver um texto demonstra que houve alguma deficiência em seu

processo de alfabetização. Esta pessoa é alfabetizada, mas seu processo de

letramento ainda pode avançar um pouco mais. Desenvolver este trabalho é

contribuir com o corpo discente em melhor aproveitamento dos estudos.

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Na sociedade contemporânea é praticamente impossível transitar alguns

metros sem nos depararmos com algum material escrito. Nas metrópoles a

propaganda cuida de jogar inúmeras mensagens em outdoors, placas, bancas

de jornal... No subúrbio ocorre a imitação deste modelo econômico. A área

rural torna-se presente neste mapa do consumismo a partir dos interesses da

globalização que cria o agronegócio, porém, na área rural o nível da educação

ainda deixa a desejar.

O interessante disso é que a pessoa tem sua prática produtiva

direcionada pela necessidade de lucro do capital. A leitura e a escrita são

instrumentos. E, para administrar sua vida de acordo com esta referência, o

indivíduo deve tomar posse do instrumento que o capitalismo usa para aliená-

lo: a escrita e a leitura. A contradição se faz presente na medida em que, se

apropriando da leitura e da escrita, apropria-se, também, da leitura do mundo.

Usar a leitura e a escrita como benefício social para alcançar um

emprego, permanecer nele e, através dele crescer culturalmente leva-nos a

crer que foi superado o nível de alfabetização e adentrou o do letramento.

Desenvolver este trabalho justifica-se pela necessidade da sociedade

em ter indivíduos capazes de relacionarem-se com a leitura e a escrita de

forma letrada, ou seja, dar respostas às urgências que constantemente

surgem. Por outro lado justifica-se, também, na construção de cidadania por

parte daqueles que ainda se encontram em processo de formação.

Ultimamente se tem falado muito em qualidade da educação. Tal

discussão nasce pelo descontentamento percebido no fato que, para dar

continuidade à vida social, inúmeras vezes são necessário complementos ao

estudo como pré-vestibular, cursinho preparatório, explicadora,... Recorre-se a

estes espaços porque a escola não dá conta de sua própria proposta formativa.

A raiz dessa defasagem na aprendizagem do conteúdo está no princípio da

vida escolar, e não diz respeito só ao Brasil. “As taxas de repetência da

América Latina são algumas das mais altas do mundo, e se concentram nas

primeiras séries” (FERREIRO, 2007).

Diante de tais constatações podemos levantar algumas questões:

-Como definir se nossos alunos são letrados ou alfabetizados?

-Em que consiste ser letrado?

-O que representa para a escola o letramento?

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Diante das questões levantadas pretendemos, com este trabalho:

-Compreender a relação existente entre alfabetização e letramento, pois

existem colocações que expressam ambigüidades entre os termos, enquanto

deveriam ser compreendidos em sua complementaridade;

-Encontrar o caminho possível para que o aluno alfabetizado possa

tornar-se letrado, pois não basta o conhecimento dos códigos da escrita, mas a

compreensão do que se escreve e do que foi escrito por outros;

-Constatar que o beneficiário do letramento não é só o aluno, mas toda a

comunidade escolar. Quando se fala em qualidade da educação percebe-se

que é um compromisso não só de uma parte da comunidade escolar, mas do

conjunto de agentes sociais que vivenciam a educação: alunos, professores,

pais, direção, funcionários de apoio.

Para o desenvolvimento deste Projeto teremos como referencial teórico

Ferreiro (2007), que nos apresenta uma visão crítica da realidade no que se

refere ao cotidiano da educação. Aqui temos o embasamento para superar as

deficiências do sistema educacional no que diz respeito ao papel da

alfabetização.

Outro autor que temos como referencial teórico é Soares (2004). Aqui

encontramos as definições e diferenciações entre alfabetização e letramento.

Em Freire (1987) vemos a importância do letramento enquanto

instrumental teórico de superação da educação bancária e possibilidade de

cidadania quando liberta das amarras do desconhecimento da própria

realidade.

O projeto de pesquisa proposto é eminentemente bibliográfico e, para

alcançar os objetivos a ser trabalhado na pesquisa, o caminho a seguir é este:

O capítulo 1, a Introdução, preocupa-se com a necessidade de algo mais

que alfabetizar, visa demonstrar as deficiências do sistema educacional e da

sociedade em que estão inseridos, como momento e local necessário para a

origem do letramento.

O capítulo 2, Diferença entre alfabetização e letramento, apresentará as

definições destes termos e as diferenças existentes entre eles como algo que

viabilize a convivência e a contradição de ambos no mesmo espaço social.

O capítulo 3, Benefícios do letramento, expressará o letramento como

algo necessário para dar qualidade à vida da sociedade, mas, também, do

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individuo que, na qualificação de sua leitura e escrita torna-se cidadão

superando sua situação de excluído.

As Conclusões repassarão os caminhos metodológicos e expressarão,

com rigor científico e na visão do pesquisador, idéias que melhor sintetizem a

proposta desta pesquisa.

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CAPÍTULO I

A NECESSIDADE DE ALGO MAIS QUE

ALFABETIZAR

Preocupação com a educação sempre existiu, mas esta preocupação

corresponde à local determinado onde não se pode comprá-la como um

produto. Onde se tem uma perspectiva amplamente capitalista da educação

não a compreendendo como um instrumento que traz benefícios para toda a

sociedade.

O local problemático da educação é onde impera a pobreza e a miséria,

onde o desemprego é grande, nas grandes concentrações urbanas em que o

estado não corresponde com políticas públicas. Este local é aonde os direitos

sociais mais simples, como saúde, saneamento básico, transporte, lazer

também não chegam. Este lugar também nos mostra que o analfabetismo

também tem um rosto: é onde a maioria é negra ou migrante. O local também

pode ser áreas rurais ou reservas indígenas mostrando que os trabalhadores

rurais e índios igualmente encontram-se excluídos do processo educacional.

Nestes espaços o analfabetismo está presente em grande escala.

Pensar educação nestes espaços não é só se preocupar com a educação

infantil, mas até mesmo com a situação de jovens e adultos, pois são pais

destas crianças que, devido à própria realidade a que sempre estiveram

submetidos, a única coisa que têm para darem de herança aos filhos é

acreditar, principalmente, na força física como força de trabalho a ser oferecida

em troca de salário abaixo do mínimo. Quando, nestes espaços, existe alguma

política pública que atenda a educação a possibilidade de fracasso escolar

destas crianças ainda é uma realidade possível.

Olhando esta situação a partir do censo comum pode-se pensar que a

culpa é dos pais ou do governo atual que nada faz para reverter esta situação.

Como todo problema humano a saída pode aparentar ser algo simples se não

aprofundar adequadamente a causa do problema. Por parte dos pais a

preocupação com a educação, ou a falta dela, tornou-se parte da cultura

porque a busca por conhecimento vai até onde o meio social em que está

inserido exige. “O analfabetismo dos pais está relacionado com o fracasso

escolar de seus filhos.” (FERREIRO, 2007) Por parte do governo a

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preocupação em dar uma resposta à sociedade vai até onde a força de

mobilização desta comunidade permite que ela chegue.

O pensamento, tanto dos pais quanto dos governos, indo por esta linha

de pensamento, é retrógrado. No advento da informática houve uma

preocupação a respeito da função dos livros e mídia impressa. No entanto, a

informática também é tremendamente dependente da leitura e escrita.

Realmente existe a linguagem usada pelos jovens nos blogs, orkuts e msns,

mas, para o letramento isto se coloca como a possibilidade lógica de criação de

uma língua. Isto não é problemático na medida em que os comunicantes se

compreendem. Ou seja, mesmo com uma linguagem diferenciada a

comunicação ainda existe. E, mesmo que esteja em construção um novo

linguajar para se comunicar através da informática, ainda, para isso, é

necessário o conhecimento rudimentar da língua pátria.

Ao falar da informática percebe-se que a necessidade da leitura e escrita

não se restringe a questões locais, pois o mundo hoje está interligado através

da internet. Assim, a situação de exclusão do analfabeto não se resume ao

local onde mora, pois mesmo que decida migrar para melhorar a situação de

vida ainda lá, seja para onde for, esta realidade estará acontecendo. Melhorar

esta situação depende de enxergar localmente a situação da educação,

justamente aí onde ela é problemática. Necessita de empenho conjunto do

governo em nível municipal, estadual e federal. “A persistência do

analfabetismo na região é antes de tudo um problema político” (FERREIRO,

2007), pois os valores investidos são considerados altos ao deparar com

problemas próprios da educação, como evasão e repetência, encarecendo

ainda mais o que é visto pelos governos não como investimento, mas como

custo. O problema não fica estacionado aí, pois gera outras tentativas de

soluções que, se não correspondem acentuam a má qualidade da educação.

Uma das propostas feitas foi a promoção automática que, “por si só, não faz

senão deslocar o “funil da repetência”, criando em nível da 3ª série do 1º grau,

um novo problema para resolver.”(FERREIRO, 2007)

Os problemas da educação são muitos. Desde o senso comum até os

acadêmicos concordam que a educação é uma via de saída importante para os

males que atingem a sociedade. Porém, se existe a percepção geral da

importância da educação, a diversidade de diagnósticos ainda não foram o

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suficiente para que o ideal de qualidade da educação seja atingido, pois as

críticas continuam. Isto é problemático porque “o funcionamento da sociedade

global requer indivíduos alfabetizados” (FERREIRO, 2007), mas esta

sociedade que cobra mão-de-obra qualificada é a mesma que não investe o

suficiente na educação. “A escola pública está cada vez mais deteriorada,

empobrecida e tecnicamente desatualizada” (FERREIRO, 2007), assim, os

resultados provenientes desta escola são de difícil aceitação. Quando os

resultados são positivos os alunos ainda devem fazer um sobre-esforço para

dar continuidade aos estudos. Quando os resultados são negativos a baixa

estima apodera-se do aluno fazendo-o crer que toda a culpa do fracasso

escolar é dele próprio. Os alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), em

sua maioria, são refugos de fracasso escolar vivido em sua infância que, só na

maturidade, ainda encontrará força e coragem para retornar aos estudos.

Isto requer do aluno da EJA muita coragem: enfrentar o monstro que,

anos atrás o expulsou e lhe deixou marcas profundas quanto a sua capacidade

de aprendizagem daquilo que a sociedade espera dele. As mazelas do

cotidiano, e a percepção da falta que o estudo faz, causam um retorno a sala

de aula apesar do cansaço, do desgaste diário, da falta de investimento na

educação. Tudo superado não por amor a causa, mas pela necessidade de

adaptar-se o mínimo possível as exigências do mercado de trabalho.

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CAPÍTULO II

DIFERENÇA ENTRE

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

O uso do termo alfabetização no Brasil por muito tempo foi contraditório

com os objetivos do país em tornar-se uma grande e industrializada nação.

Mediante as necessidades políticas, ser votado no período eleitoral,

alfabetizado era aquele que sabia escrever o próprio nome sem copiar. Para tal

coisa bastava apenas memorizar aquilo que de vez em quando era necessário,

sem, obrigatoriamente conhecer o significado da junção das letras do alfabeto.

Assim, analfabeto é aquele “que vive no estado ou condição de quem não sabe

ler ou escrever.” (SOARES, 2004)

A definição de analfabeto expressa com clareza os objetivos iniciais da

alfabetização. Porém, se quem consegue, após algum período de freqüência

escolar, apenas assinar o nome ser considerado alfabetizado demonstra que

algum problema existe na organização social em torno desta realidade. Em um

primeiro momento pode-se acusar a vítima dizendo que o aluno não

correspondeu aos objetivos e, por isso, mediante algumas reprovações veio a

evadir-se da escola. Porém tal argumento cai por terra quando se constata que

“as maiores taxas de repetência se situam nas três primeiras séries do 1º grau”

(FERREIRO, 2007). O problema não se encontra tão somente nas séries

posteriores, mas na base, na alfabetização.

A partir desta situação superar as primeiras séries aparenta um desafio

maior que completar o ensino fundamental. O desafio é grande porque a

sociedade não se constitui apenas dos interesses eleitoreiros que aceitam o

mínimo possível do que se espera de um cidadão. Outra visão que se tem do

indivíduo alfabetizado é aquele que é capaz de escrever, ler e compreender

pequenos textos, como um bilhete, por exemplo. Será que isto, ainda, é

suficiente para considerar alguém como sendo alfabetizado? Será que isto

corresponde às necessidades sociais?

O letramento surge justamente com esta preocupação, de possibilitar

que o indivíduo se adéqüe as necessidades sociais e tenha condições, por si

próprio, de definir qual exigência da sociedade se encontra apto a

corresponder. Para dar esta resposta é preciso que ocorra o movimento

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racional de compreender a realidade, analisar, optar. Algumas pessoas têm

uma prática social tão intensa que desenvolvem na prática esta habilidade.

Uma grande maioria, no entanto, necessita de instrumentos, como a constância

na leitura, para desenvolvê-la.

Com o esgotamento da noção de alfabetização ocorre a preocupação da

qualidade da leitura e escrita. “Letramento é, pois, o resultado da ação de

ensinar ou de aprender a ler e escrever.” (SOARES, 2004) A definição de

letramento apresenta-se mais completa que alfabetização porque este último, a

partir do próprio termo, expressa com maior clareza o conhecimento do

alfabeto. É claro que é uma ação necessária ao ato de ler e escrever, mas

enquanto tentativa de definir uma proposta de ação o termo não corresponde

ao que se espera dele. Bem como, historicamente, a noção de alfabetizado

nem sempre se adequou ao indivíduo que domina as habilidades de ler e

escrever. Isto tem ficado cada vez mais claro quando, no uso das diversas

tecnologias, há necessidade de conhecer e relacionar códigos tanto na língua

pátria quanto minimamente um conhecimento de inglês que se dá, até mesmo,

no uso constante de aparelho eletro-eletrônicos. Mesmo, para isso, o nível de

leitura que se espera do indivíduo vai além do simples escrever o nome.

Junto ao uso da tecnologia, que é um fenômeno global, a sociedade tem

exigências cada vez maiores no que diz respeito ao uso das habilidades de ler

e escrever. Desde a leitura de manuais dos aparelhos citados, a leitura da bula

de um remédio, da fórmula química de um alimento sintético a fim de não

ingerir algo que se tenha alergia, a consciência ambiental dos produtos usados,

resolverem inúmeras questões pessoais, como documentação, e valorizar a

própria força de trabalho. Desta forma se percebe que o lugar social do

indivíduo demonstra sua possibilidade de ser letrado ou não. Conforme ele

corresponde por si próprio a estes desafios expressa o domínio da leitura e

escrita que possui. Assim, letrado é aquele “que não só sabe ler e escrever,

mas também faz uso competente e freqüente da leitura e escrita.” (SOARES,

2004) Isto diferencia, e muito, o ser alfabetizado de ser letrado. Enquanto um

conhece os códigos necessários para o desenvolvimento da leitura e da

escrita, mas mal consegue ir, além disso, o outro faz uso destes códigos de

forma competente conforme os objetivos desta aprendizagem. “A pessoa

letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a

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ter outra condição social e cultural. (SOARES, 2004) Esta mudança ocorre

porque “sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais

torna-se diferente.” (SOARES, 2004) A leitura, e a compreensão desta vão lhe

dando acúmulo de informações e a habilidade de relacionar as informações

adquiridas proporcionando uma reorganização de sua forma de pensar a

própria realidade.

O letramento, entretanto, não é um fenômeno característico só do Brasil

ou da América Latina. “A palavra letramento é uma tradução para o português

da palavra inglesa literacy” (SOARES, 2004), tendo sido importada na década

de 1980. Sua característica principal em outros países era o fato de as pessoas

saberem ler e escrever, mas desempenharem esta prática aquém de suas

possibilidades. As pessoas apresentarem dificuldade para “redigirem um ofício,

um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário,

sentem dificuldade para escrever um simples telegrama.” (SOARES, 2004) A

característica própria do letramento no Brasil é que há uma preocupação com

os analfabetos funcionais, aqueles que são reconhecidos oficialmente como

alfabetizados e estão em patamares abaixo da preocupação gerada em outros

países quanto ao nível de leitura de seus cidadãos. “O ideal seria alfabetizar

letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da

leitura e da escrita,” (SOARES, 2004) fazendo com que, no ato mesmo da

alfabetização o indivíduo fosse adquirindo estas habilidades complementares,

ler e escrever.

O ideal é nobre. Desde que se queira pode-se colocar vários empecilhos

para concretizá-lo, porém, mesmo os mais verdadeiros teriam que dobrar-se

perante uma constatação: estamos em uma sociedade grafocêntrica. O

marketing apresenta o nome dos produtos, as principais religiões expressam-

se através da revelação apresentadas por escrito em grandes livros, as

relações econômicas dependem de assinaturas em documentos os quais

devem ser lidos, as relações sociais, como o nascimento, casamento ou o

falecimento, são constatados mediante testemunhas em outros documentos.

Ler e escrever, em nossa sociedade é uma habilidade, mas também é uma

necessidade.

Diante disso, o que se entende por ler e escrever? Ler podemos

entender como sendo “um conjunto de habilidades, comportamentos,

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conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum.” (SOARES,

2004) Ou seja, a habilidade da leitura não se adquire tão somente pelo

conhecimento das letras que compõem o alfabeto. É mediante a prática

constante do ato de ler que se adquire a qualidade deste ato. Nas primeiras

séries diferencia-se silabas simples (vogais mais consoantes) das sílabas

complexas (encontros consonantais ou dígrafos mais consoantes), mas não é

só isso que se espera, a leitura correta destas sílabas. Ler é muito mais que

isso. Ler é buscar prazer, informação e conhecimento em diversos tipos de

escritos como livros de ficção, jornais, revistas e livros científicos. Tal

habilidade começa do simples e alcança o mais complexo através da prática

contínua do leitor.

Igualmente complexo é o ato de escrever. Tal ato é “um conjunto de

habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente escrever

o próprio nome até escrever uma tese de doutorado.” (SOARES, 2004) Como

se percebe, a continuidade proposta pela autora em relação à leitura também

está presente no ato de escrever. Ambos dependem do agente em formação, a

pessoa, para adquirir plenamente essa habilidade sempre do simples ao

complexo. É certo que alguns nomes já apresentam alguma complexidade,

mas a compreensão do porque é escrito de tal forma e não de outro vai de

encontro à continuidade de tal prática. Vê-se, também, que o que se espera do

sujeito escritor é muito mais que a prática seja algo para si, como somente

escrever o próprio nome, mas que esta habilidade disponha-se para contribuir,

de alguma forma, com a sociedade, como escrever uma tese.

2.1 DEFINIÇÃO DE LETRAMENTO

“O letramento cobre uma vasta gama de conhecimentos, habilidades,

capacidades, valores usos e funções sociais.” (SOARES, 2004) Esta definição

da autora é extremamente ampla. Não diz o que é o letramento e, antes, coloca

no âmago da compreensão a possibilidade de antagonismos que podem

prejudicar uma definição mais concisa do que seja letramento. Desta forma,

faz-se necessário aprofundar o significado do termo para acontecer uma

aproximação do conceito.

Diversas vezes foi dito que o letramento coloca o indivíduo em posição

de corresponder aos anseios da sociedade. Ora, o sujeito corresponde, mas o

processo de alfabetização, que se dá por toda a vida, acontece a partir da

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experiência pessoal. Sendo assim, a compreensão de letramento coloca em

campos antagônicos o indivíduo e a sociedade. “Quando o foco é posto na

dimensão individual, o letramento é visto como um atributo pessoal.”

(SOARES, 2004) É a partir da individualidade que o letramento acontece. Uma

coisa é a proposta de ler ou produzir um texto em sala de aula ou em alguma

outra atividade social. Outra é a escolha pessoal da literatura específica ao

qual o indivíduo tomará gosto.

Por outro lado também não se pode negar que o letramento possui uma

dimensão de coletividade. “O letramento é visto como um fenômeno cultural,

um conjunto de atividades sociais que envolvem a língua escrita, e de

exigências sociais de uso da língua escrita.” (SOARES, 2004) Nas sociedades

antigas saber ler e escrever era designado a poucos que, por isso detinham

algum poder político e, para aquelas sociedades, até mesmo mágico.

Certamente estava ali presente o uso individual do letramento, mas também o

uso coletivo, pois se tal sociedade não tivesse esta necessidade o serviço do

escriba seria dispensável. Igualmente em nossos dias, pois se não houvesse

esta necessidade também não existira obrigatoriedade de ir à escola. Dentre os

objetivos da escola encontra-se o de socializar o sujeito, e neste sentido, o ler e

escrever também cumpre uma função social.

Não basta colocar em confronto as dimensões pessoal e coletiva do

letramento, mas encontrar o espaço de cada um para melhor definir o termo,

para desenvolver a aproximação do conceito.

“O letramento envolve dois processos fundamentalmente diferentes: ler

e escrever.” (SOARES, 2004) Enquanto elemento de pesquisa é bom que se

diferencie os espaços de cada um, porém, na prática não se aprende primeiro

a ler ou escrever com o risco de criar deficiências para a continuidade deste

ato. “As definições de letramento freqüentemente tomam a leitura e a escrita

como uma mesma e única habilidade,” (SOARES, 2004) o que certamente não

são, por isso a diferenciação se faz necessária aos olhos do técnico. A

percepção de alguma dificuldade do aprendiz há que saber como e quando

intervir. Sabe-se hoje que algumas doenças alteram a percepção. Na fase de

aprendizagem as deficiências auditivas, visuais e da fala são as que mais

influenciam.

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Leitura “é um conjunto de habilidades lingüísticas e psicológicas, que se

estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até a capacidade

de compreender textos escritos.” (SOARES, 2004) Leitura é o elemento que

permite a alienação ou a consciência crítica na medida em que a literatura

escolhida conduz o leitor a pensar desta ou daquela forma.

“As habilidades da escrita estendem-se da habilidade de registrar

unidades de som até a capacidade de transmitir significado de forma adequada

a um leitor potencial.” (SOARES, 2004) Como se vê, até mesmo no conceito as

definições de leitura e escrita se integram, pois estas habilidades propostas

também requerem equilíbrio psicológico para ser compreensível.

O equilíbrio psicológico é um dado pessoal, constatado pela sociedade,

por isso, como definir o aspecto pessoal do letramento se o indivíduo recebe

sua identidade a partir de suas relações sociais, inclusive a aprendizagem da

leitura e escrita? Poderia ele próprio definir sua condição de sujeito letrado ou

analfabeto funcional senão em comparação com outros da sociedade de que

faz parte? O individualismo pode levar a pessoa a querer comparar-se a si

mesma. Nisto perceberia sua evolução pessoal, mas estaria acompanhando o

desenvolvimento da sociedade? Diante das dúvidas levantadas se faz

necessário buscar a compreensão social do letramento a fim de encontrar uma

definição mais clara e perceber onde o letramento se encaixa.

Letramento “não é um atributo unicamente ou essencialmente pessoal,

mas é, sobretudo, uma prática social.” (SOARES, 2004) Tal afirmação a

respeito da compreensão do letramento é uma constante: o letramento tem

uma dimensão marcadamente social. Ele vem para afirmar a função social das

habilidades de leitura e escrita. A pessoa é na relação com o outro, e é aí onde

encontra razão de ser é onde deve atuar acompanhando o pensamento, as

idéias. Esta atuação social pode acontecer mesmo que não seja alfabetizado,

mas o domínio destas habilidades possibilita uma maior qualidade de

intervenção devido o alcance que se tem das informações por parte daquele

que é letrado. Esta intervenção, entretanto, pode ser comprometida ou

potencializada mediante a visão que se tem do letramento. O letramento é visto

como algo necessário a sociedade. Com ele existe a certeza da existência de

mão de obra qualificada para dar continuidade aos avanços tecnológicos, por

isso à reflexão a esse respeito deve prezar pela seriedade. Mas a mesma

20

sociedade que valoriza o letramento é quem faz a opção pelo lucro rápido, que

olha a educação como custo, e não como investimento. Daí aceitar que haja

um letramento funcional. O que vem a ser isso?

Pode-se compreender o letramento funcional como aquele que

corresponde às necessidades básicas do ambiente do indivíduo. Isto, porém,

demonstra uma prática social que confirma a luta de classes na medida em que

o letramento seria admitido de uma forma para determinada classe social e

outra para outra classe. Neste sentido o letramento para os operários teria por

objetivo garantir a permanência no emprego, enquanto o letramento para a

classe empresarial objetivaria permanecer no centro do poder econômico e

político, o que impediria uma mobilidade social e o letramento perderia uma de

suas razões, que é criar condições para o individuo colaborar eficazmente com

a sociedade através do uso das habilidades de ler e escrever. Esta visão do

letramento é possível porque os detentores do capital teriam alguma mão de

obra qualificada no que diz respeito à produção, mas limitada quanto a uma

participação mais crítica na sociedade. A funcionalidade desta forma de

letramento diz respeito não só ao seu conteúdo, mas ao objetivo que se tem

em relação ao grupo social que o receberia, o de apenas funcionar como uma

engrenagem da sociedade sem contribuir com o pensar e agir para a sua

construção.

O letramento, porém, “não pode ser considerado um “instrumento”

neutro a ser usado nas práticas sociais quando exigido,” (SOARES, 2004) o

que vai de encontro à concepção bancária da educação, onde “fora da busca,

fora da práxis, os homens não podem ser.” (FREIRE, 1987) Ao perceber o

paralelismo entre esta noção de letramento e a preocupação social da

pedagogia libertadora percebe-se que há aí “um significado político e

ideológico” (SOARES, 2004) ao qual não se pode descartar. As habilidades de

ler e escrever estão presentes em determinados contextos sociais porque a

cultura em que estão presentes determina que seja desta forma. O letramento

presente nas comunidades bilíngües do sul do país terá características

diferentes do letramento promovido nas aldeias indígenas que conquistaram o

direito de também ter uma educação bilíngüe. Nas comunidades do sul do país

o bilingüismo é herança da colonização, enquanto nas aldeias indígenas ele é

fruto da necessidade de afirmar-se como cidadão e, por isso, detentor de

21

direitos. O uso que tais comunidades fazem do letramento expressam qual é a

necessidade social que se tem das habilidades de ler e escrever, e esta

realidade é comum a toda sociedade. É ela quem determina o grau ou

necessidade que se tem do letramento. Necessidade do letramento toda e

qualquer sociedade têm, mas a conjuntura social favorece, em determinados

momentos de sua história, a opção de como vai acontecer. O letramento

adquirido forja uma consciência crítica possibilitando uma leitura da realidade

concernente aos anseios e necessidades da população. Mas, sabendo que as

pedagogias correspondem aos governos que as propõem, o letramento não

está imune a manipulações, a visões políticas que o desviem de sua função de

aprofundar com qualidade as habilidades de leitura e escrita. A população,

entretanto, será manipulada ou não conforme o nível de letramento já

alcançado. Conforme a opção política que vai fazendo buscando seus direitos

sociais de saúde, lazer, moradia, educação.

Nesta luta de classes, tendo o letramento como referência, percebe-se a

historicidade que lhe é peculiar. Não existe um só letramento. A compreensão

e uso do conceito são necessários, mas ele é conforme a conjuntura social,

política e econômica proporciona que seja. Outras vezes o aspecto cultural

expressará qual deve ser o procedimento. Voltando ao exemplo das aldeias

indígenas são os mais novos que estão sendo beneficiados com o letramento,

enquanto seus pais privilegiavam a cultura oral. Mesmo assim perceberam a

necessidade do letramento para dar continuidade a sua identidade cultural.

Observando desta forma a definição de letramento possui a flexibilidade de

historicizar-se, atualizar-se conforme a realidade em que se encontra.

22

CAPÍTULO III

BENEFÍCIOS DO LETRAMENTO

Em alguns momentos dá-se destaque a uma ou outra pedagogia dando-

lhe a conotação de estar na moda. Mas sabe-se que não adianta estar em

destaque por um breve tempo. Esta brevidade acontece pelo fato de ser

superada por outra proposta. O letramento tem sua existência desde o século

XIX, quando foi documentado no “Oxford English Dictionary” (SOARES, 2004).

É importante citar o tempo de sua existência para demonstrar há quanto tempo

o conceito vem se atualizando. A partir daí, para que sua aceitação chegasse

aos nossos dias, foi necessário demonstrar benefícios tanto para o indivíduo

quanto para a sociedade em que se encontra.

3.1 Letramento e leitura oral

Os elementos que mais contribuem para colocar o letramento em

discussão são a leitura e a escrita. Tem-se a consciência que o indivíduo

aprende a ler e escrever para beneficiar-se a si próprio, mas, só o faz em

integração com a sociedade em que vive. E, para isso, desenvolver a

habilidade da leitura e da escrita é imprescindível.

Há algum tempo atrás a importância da leitura ficava patente nos lares

quando se assistia a algum jornal televisivo, pois os locutores demonstravam

no vídeo que estavam lendo. Hoje a tecnologia chegou a tal ponto que o

telepromter dá a impressão de estar assistindo a uma palestra com alguém que

já conhece do assunto. Assim como se tem esta relação com a leitura em voz

alta diariamente dentro dos lares, também existem outros momentos em que é

necessário ler publicamente. Pode ser uma leitura religiosa, a leitura da bula de

um remédio para um doente, uma notícia de jornal entre um grupo de amigos

ou na escola.

É conhecido de todos a antiga desculpa de pessoas analfabetas que não

pode ler perante um grupo porque “esqueceu os óculos”. Algumas pessoas

alfabetizadas, mas não letradas, arriscam-se a este ato, ler em voz alta, e o

fazem gaguejando, trocando letras, pulando palavras. Enfim, não ajudam o

grupo na compreensão da informação que se quer dar. Para desenvolver a

atividade da leitura não basta tão somente conhecer as letras e saber que som

23

emitir, principalmente se tal ato for em público. Após o início da aprendizagem

da leitura e escrita estas habilidades devem ser colocadas constantemente em

prática, pois isto é que vai garantir a fluência. A fórmula é simples: se aprende

a ler lendo. Adquire-se a habilidade treinando a habilidade. O que no início

exige concentração e correção, com o passar do tempo acontece com maior

naturalidade. Os momentos sociais são importantes para o desenvolvimento de

tais habilidades porque a realidade da sala de aula nem sempre permite ao

professor colaborar com o desenvolvimento do aluno que apresenta esta

dificuldade devido ao número de estudantes. E, quanto antes o aluno percebe

a importância do ato da leitura em público como um elemento de participação

da sociedade, como exercício de cidadania, ele mesmo vai formando a

concepção da importância de uma boa leitura. Assim como o ato de andar

precisa de equilíbrio, na leitura a estabilidade se dará mediante o conhecimento

das dificuldades ortográficas, das regras de acentuação, da importância da

pontuação, do raciocínio que contextualiza e dá sentido ao que está escrito.

Tais critérios são alcançados lentamente ou de acordo com o ritmo do leitor.

Isto pode ser acelerado conforme o letramento da família.

O letramento, assim como os estudos, pode ser uma herança de família

que deve contribuir beneficamente oferecendo bons e diversos textos infantis:

fábulas, quadrinhos, contos. Na cultura urbana perdeu-se a dimensão da

coletividade presente na família. Esta dimensão era importante porque ali

ficavam explícitas as opções para os mais novos. Em uma sociedade

consumista privilegia-se o que já vem pronto. Assim como se pode comprar

material didático em banca de jornal para contribuir na alfabetização, pode-se,

também, contratar uma explicadora alfabetizadora ou colocar a criança em uma

pré-escola que terá esta função. A preocupação dos pais será no final do ano

se a criança passou de série. É importante que nesta fase a leitura seja

prazerosa, lúdica. É o momento de preparação para leitura mais complexa, e a

chave para isso esta justamente no pegar gosto pela leitura.

A leitura não é conseqüência de magia. É um processo no qual todos se

encontram, com ritmos diferentes, mas sempre presente. A primeira leitura que

se faz é a de sua própria realidade. A compreensão daquilo que o rodeia é a

primeira leitura, leitura de mundo. Esta leitura é a raiz, a origem para

posteriores leituras, a leitura da palavra. “A leitura do mundo precede a leitura

24

da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da

continuidade da leitura daquele.” (FREIRE, 1989) O benefício, a habilidade de

ler em voz alta publicamente, traz consigo, além do gosto pela leitura, a

facilidade de compreensão dos conteúdos oferecidos nas aulas: “vão os

educandos desenvolvendo seu poder de captação e de compreensão do

mundo que lhes aparece” (FREIRE, 1987). É a superação da educação

bancária, pois a diversidade de bibliografias consumidas proporciona formar a

própria identidade e, a partir daí, ser crítico com a própria realidade. “A

compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a

percepção das relações entre o texto e o contexto.” (FREIRE, 1989) A

aprendizagem da leitura caminha junto com a escrita. Ler o próprio

pensamento sobre a realidade em que vive é reler a própria vida e como se

relaciona com o meio em que vive. É dar significado a própria vida. Não se

trata só do crescimento em relação à faixa etária, mas o confrontar-se com a

vida que faz com que pessoas da mesma idade umas sejam mais maduras que

outras. A leitura e escrita com a palavra, a respeito do próprio mundo, permitem

que, algum tempo depois, a pessoa seja crítica a respeito de si mesmo.

Reconhecer quem e como era, como se relacionava com seu mundo, a visão

que tinha deste, e, diante disso, como estas questões se apresentam agora. O

contexto em que aprendeu a ler e escrever, o que foi escrito e como escreveria

agora as mesmas experiências afetivas, sociais, lúdicas, religiosas. O que

entristecia, o que magoava, o que fazia vibrar. Tudo isso fez parte da formação

da identidade e pode continuar fazendo na continuidade deste letramento, a

permanente leitura e escrita, releitura e reescrita da própria vida reconhecendo

aí cada disciplina escolar: como lia o mundo, quais eram os valores, que locais

mais gostava de visitar, de estar presente, que histórias ficaram guardadas no

coração e na mente, que descobertas foram feitas naquele período e foram

significativas para sua forma de ver a vida. Isso tudo aliado a observação do

procedimento dos mais velhos, que palavras usavam, em que contexto

usavam, como expressavam seus gostos, como davam significados a

determinados termos usados pela comunidade.

A primeira leitura de mundo é conforme a possibilidade de leitura que se

tem da própria realidade: a casa, os objetos, as brincadeiras, os parentes e

amigos, a rua, o bairro, o município. Depois, o que acontece, é o conhecimento

25

dos códigos. Estes são capazes de fazer perceber que o mundo é mais que os

órgãos dos sentidos propiciam.

Desenvolver a leitura do mundo, e ler o mundo a partir da leitura gráfica

não são dissociados, são complementos. O conhecimento do mundo é

aprendizado no dia a dia. A leitura gráfica não é para ser memorizada, mas

uma habilidade a ser conquistada até aparentar a normalidade de

conhecimento do mundo. A complexidade da leitura e escrita pode e precisa

ser superada enquanto elemento que mais pesa na reprovação. A gramática,

com suas inúmeras regras, dá a impressão que ninguém sabe falar a língua.

Diante da arrogância desta parte do estudo da língua, com acentos,

pontuações, classificações, regências, a matéria torna-se chata. Desenvolver

uma leitura, mais preocupado com as regras específicas e não com a beleza

da mensagem, é podar a criatividade tanto de quem está lendo quanto do

autor. O texto acaba sendo uma figura decorativa para que a gramática se

sobreponha. Esse empobrecimento do texto não nega a necessidade de

conhecer a gramática, pois ela é necessária para a qualidade da produção

textual, mas como ato político que é a educação sua riqueza também consiste

em conhecer a diversidade de pensamentos, de inúmeras realidades que a

leitura pode proporcionar. “Este movimento do mundo à palavra e da palavra

ao mundo está sempre presente” (FREIRE, 1989) fazendo com que a

consciência de mundo expresse o que se quer em relação ao mundo. A

criticidade que acompanha este movimento expressa o ideal de mundo que se

tem mas que só pode ser construído no diálogo com outras consciências, com

outros escritos.

3.2 Letramento e a formação da consciência

Esta consciência crítica vai sendo construída na reflexão do que se vive

e lê. Porém, o ato de ler confronta a opinião dos autores, e o leitor, por sua vez,

tem o poder de concordar ou discordar do que está escrito. Tem, também, o

direito de expressar sua idéia. Este direito, e o costume de estar manipulando

este material, permite os primeiros ensaios de emitir suas idéias. Isto é um

sinal de maturidade porque deixa de só receber informação, mas, emitindo sua

compreensão a respeito de algum assunto passa a produzir conhecimento.

Toda proposta de texto oferecida em sala de aula tem por objetivo

expressar o ponto de vista do autor em relação ao tema. Quando o aluno

26

desenvolve uma boa interpretação e apresenta alguma idéia original ele

demonstra que as coisas não são tão simplórias quanto podem aparentar em

um primeiro momento. Na construção do seu pensamento apresenta o lado

complexo do texto, que pode ter passado despercebido por inúmeros leitores.

No entanto a formação do aluno leitor em produtor de texto requer observação

e argúcia do indivíduo. O texto produzido é feito não apenas de seu

conhecimento literário, mas é influenciado por sua vida social, por sua cultura.

Não fosse assim a inexperiência, a baixa faixa etária seriam impedimentos para

que o texto apresentasse alguma qualidade. O aluno, enquanto escritor, não

percebe a reflexão que faz a respeito de sua cultura, mas ela se encontra ali

presente em seu texto. “Trata-se de vocábulos ligados a sua vivência

existencial” (FREIRE, 1981), de onde tira argumentos para complementar o

que é aprendido nos livros. Pode parecer uma surpresa para ele mesmo

quando desperta para a qualidade do seu texto isto porque não se dá conta

que sua leitura de mundo já começou. E, na leitura de mundo que faz, ao

produzir o texto é porque tem algo a dizer. Seu letramento superou a fase de

ler, escrever e compreender um texto simples. Sua vivência cultural começa a

ter outras necessidades, ir além do espaço social em que foi formado porque

sabe que o mundo é maior do que os órgãos dos sentidos apresentam. Seu

diálogo já não é mais só com as pessoas com quem sempre conviveu, mas

com autores/escritores que lhe apresentam um novo mundo do qual pode

partilhar, contribuir e crescer. Nele, aluno leitor escritor, está presente um

pouco de cada autor lido. Um pouco de cada idéia contida em teorias propostas

por outros. A partir de sua experiência de vida, termos usados por outros

escritores ganham conotações diferentes. Sua cultura o ajuda a traduzir para

determinada realidade sem que perca a essência do que dizia primeiramente.

“Descubro agora que tenho mesmo valor do doutor que faz livros” (FREIRE,

1981).

3.3 Letramento e cidadania

As críticas as mazelas da sociedade estão presentes na boca de todos

e, especialmente, de políticos em período eleitoral. Em todo tempo se fala da

escola avaliando a qualidade da educação. Ao falar de letramento fala-se

também de um instrumento político para contribuir com mudanças na

sociedade. Em um primeiro momento falar de letramento aparenta tão somente

27

um discurso preocupado com a qualidade da educação e, em especial com o

ler e escrever. Mas quando se fala disso é porque o objetivo é justamente sair

de um discurso de sala de aula e partir para a prática. Se o professorado e os

pais tiveram deficiências em sua formação escolar eis um momento propício

para superá-las pensando naqueles que estão sendo educados. É um

momento de riqueza política e educativa. “A própria essência da democracia

envolve uma nota fundamental, que lhe é intrínseca – a mudança.” (FREIRE,

1987)

A leitura e escrita está muito mais presente na sociedade

contemporânea através de uma variedade de textos do que dentro da escola

com seus textos limitados. A questão não é a produção de novos livros com

novos textos pensando em motivar os alunos, mas criar um diálogo usando dos

próprios textos presentes na cultura dos estudantes. Estes textos expressam

no mínimo que existe outra forma de diálogo em tempos de tecnologia. Pode

ser Orkut, MSN, torpedos via telefone celular ou as letras de músicas com

ritmos diferenciados. O importante é que se consiga ler a mensagem aí

presente e perceber o que está sendo criticado. Não adianta só pensar em

choque cultural ou em conflito de gerações, pois em alguns momentos isto é

superado em prol de algo que se reconhece como útil ou necessário a

sociedade.

A juventude tem como característica o dinamismo peculiar a idade. Para

trabalhar com estas pessoas em formação ainda é difícil encontrar professores

que consigam dialogar de tal forma que use seus instrumentos sociais como

material didático. Se não existe este diálogo é questionável que esteja

acontecendo educação. A educação bancária estaria se fazendo presente

ainda em pleno século XXI. O diálogo é o que permite conhecer, questionar e

chegar a um ponto de vista comum. O distanciamento, devido a interferências

no diálogo, impede o crescimento de todos os que estão inseridos no contexto

escolar. Sabendo que o letramento não é algo intrínseco a escola, mas que

esta é uma referência importante para que ele aconteça, podar o crescimento

justamente neste espaço é garantir o engessamento da sociedade. “A falta

desta permeabilidade parece vir sendo dos mais sérios descompassos dos

regimes democráticos atuais” (FREIRE, 1987). A queixa que é feita a si própria,

de que nada está bom, a sociedade se deixa manipular permitindo massificar-

28

se através dos meios de comunicação. “É comandada pelos meios de

publicidade a tal ponto que, em nada confia ou acredita, se não ouviu no rádio,

na televisão ou se não leu nos jornais.” (FREIRE, 1987) Ora, podemos

considerar esta sociedade letrada se seu conhecimento da realidade depende

do que outros lhe dizem, se não é capaz de formular opinião própria? Esta

citação de Paulo Freire demonstra que, enquanto a sociedade puder ser

manipulada, não está havendo letramento. Entretanto, o fato do letramento

apresentar-se como algo complementar a alfabetização indica que algo pode

melhorar. Este algo não pode ser fruto de exercício de profecia, mas de análise

profunda do cotidiano. A sociedade vive em constante mudança, por isso

desenvolver esta análise requer abertura para com o novo tendo, para com

este novo, critérios específicos onde se possa pautar suas ações.

Quando se fala em benefícios do letramento em relação à cidadania a

referência disso são as camadas mais pobres da população usuário de

serviços públicos e, em especial, a escola pública. As mudanças que ocorrem

neste lugar social dependem do andamento da economia e da opção política

que os governos têm. É certo que toda a sociedade vai junto com estas

opções, mas uma coisa é ter como se resguardar, outra é depender do salário

para satisfazer necessidades básicas como alimentação, educação, saúde e

lazer. O cidadão letrado não aceita passivamente tais decisões. Sabendo que o

letramento percebe o nível de leitura do indivíduo a partir de sua prática social,

esta não deve ser apenas em colaboração com a produção. A pessoa será

letrada não só aí, mas em todos os espaços que estiver por isso suas

habilidades de letramento o acompanham em cada intervenção possível de ser

feita, seja em uma reunião de associação de moradores, reunião de pais na

escola, algum conselho municipal, na igreja, não importa onde, mas que sua

consciência o motive a participar socialmente de momentos de decisão para a

melhoria do meio em que vive e, por extensão, de toda a sociedade.

A participação social que se quer da pessoa letrada é direcionada a ela

porque o cidadão formado pela educação bancária, pela própria formação que

teve, atém-se mais as necessidades individuais que as coletivas. A questão

não é esquecer-se de si privilegiando o coletivismo, mas dar sua parcela de

contribuição a sociedade sendo critico, atuando onde tem possibilidade de

contribuir de forma eficaz. Isto porque a construção do seu pensamento não foi

29

unilateral, não foi formado para ser apenas mão de obra, mas por ser capaz de

refletir, de abstrair a situação distanciando-se do problema, observando as

várias possibilidades, tem uma contribuição importante a dar. Esta capacidade,

entretanto, não é para ser privilégio de uns poucos. É direito de todo ser

humano, de todo cidadão, e, na história deste país, poucos já foram muito

privilegiados inclusive no campo da educação.

A educação vivenciada, durante as poucas centenas de anos do Brasil,

foi vivenciada de forma elitista. A elite do país recebeu uma educação de

qualidade e, quando achou necessário, até mesmo fora do país. A classe

trabalhadora restou às escolas públicas distantes da residência, sem

manutenção, sem investimentos. As elites uma educação de qualidade onde o

termo letrado, durante muito tempo, foi usado como sinônimo de

intelectualidade. Estes não eram filho da classe operária. A estes coube a

mentira, durante um bom tempo, que saber escrever o nome era ser

alfabetizado. O analfabetismo funcional, porém, não é sinônimo de cidadania

enquanto o direito de votar não dá a consciência do papel de cidadão. A

educação oferecida à população mais pobre correspondeu ao que Paulo Freire

chamou de educação bancária. Nela “a única margem de ação que se oferece

aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.”

(FREIRE, 1987) O professor, por se achar dono da verdade, incute sua

pretensa verdade no aluno dando a entender que isto é educar. O educando,

por sua vez, detentor de uma consciência ingênua, acredita em verdades

absolutas, e o que o professor fala torna-se mais uma destas verdades

independente de sua consciência social.

O letramento pode contribuir na superação da educação bancária na

medida em que, o professor tendo consciência desta proposta, sua ação para

com o aluno é dialógica. Nisto o conhecimento mútuo propicia a confiança, “a

colaboração, a união, a organização e a síntese cultural.” (GADOTTI, 1990).

Nisto consiste a máxima de Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém

educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.”

(FREIRE, 1987)

30

CONCLUSÃO

Foi visto no capítulo 01 que o letramento é um instrumento que deve

atingir todas as classes sociais, mas, especialmente aquelas que têm

dificuldade de acesso a material de leitura de qualidade. Com exceção das

áreas rurais uma diversidade de informações por escrito é oferecida as

pessoas. Nem sempre são informações de qualidade. O melhor exemplo disso

são os diversos tablóides com conteúdo dirigido ao ganho financeiro do leitor

compreendendo, com isso, que aquele é o tipo de leitura que melhor se adéqua

aquela classe social.

A pesquisa aqui apresentada vai de encontro a um dos objetos de

pesquisa do letramento, a escola pública. É nela onde se encontra o maior

percentual de analfabetos funcionais devido a vários problemas: “o discurso

oficial fala de quantidades de crianças matriculadas, a denúncia fala de classes

superlotadas, professores mal pagos e poucas horas de permanência na

escola.” (FERREIRO, 2007) Sendo assim, o letramento pode e deve ser usado

nas escolas privadas, pois os países de primeiro mundo, ao demonstrar

preocupação com o letramento de seus cidadãos, também o fizeram, mas

inquietação semelhante deve existir em ralação as comunidades mais pobres.

É de lá que tem vindo uma grande parcela de pessoas que enveredam pela

vida do crime. E estas pessoas têm, como uma de suas características,

dificuldade de acesso a educação. Obteve-se este acesso, entretanto, seu

nível de letramento pode ser questionado.

Mediante inúmeras campanhas de alfabetização, de toda criança dentro

da escola, que vem acontecendo desde a década de 1980, fica difícil encontrar

jovem que não tenha algum nível de letramento, que seja totalmente

analfabeto, mas uma coisa é o conhecimento rudimentar necessário a leitura e

a escrita, outra coisa é o domínio destas habilidades. Tal domínio passa por

atividades que mostrem e motivem o significado da leitura. Para isso tanto deve

ser oferecido aos estudantes literatura de qualidade contextualizando o papel e

o significado da obra como também valorizar o que ele produz de acordo com

seu letramento.

31

Diante das mudanças que vem ocorrendo nas sociedades, por fatores

econômicos e tecnológicos, o linguajar dos estudantes também vem se

modificando. O papel do educador não é o de negar sua expressão oral, mas

ajudá-lo a perceber a necessidade de se adequar ao meio social em que se

encontrar. Isto não se dará tão somente pela vontade do educador, mas

através da posse de instrumento eficaz para questionar e oferecer ao

educando valores que ele pode alcançar, e o letramento é um instrumento

assim. A partir do gosto pela leitura nasce a possibilidade de conhecer, através

da variedade de textos, sua vocação para que tipo de texto tem maior aptidão:

informativo, científico, infantil, literatura clássica, lazer. Compreendendo o tipo

de leitura que mais aprecia pode desencadear sua relação com a sociedade,

viver o que gosta e gostar do que faz.

Falar do compromisso do professor com o letramento do aluno não é se

esquecer da obrigação da própria sociedade em dar condições para que isto

ocorra: biblioteca nas comunidades carentes, espaço para desenvolvimento da

cultura, a transformação da cultura em lazer, pessoas capacitadas para dar

esta contribuição. Isto tudo sem esquecer o investimento em novas tecnologias

de forma que o aluno tenha um mínimo de relacionamento com novos meios de

comunicação.

A sociedade tem, a cada dia, menor espaço para analfabetos funcionais.

O avanço tecnológico e a globalização cobram maior participação, maior

adaptabilidade as suas inovações, compreensão rápida das mudanças que

ocorrem. Não há tempo para ficar admirando os avanços científicos. A questão

é conhecê-los, compreendê-los e aplicá-los.

A utilização da palavra letramento no contexto educacional não nega a

palavra alfabetização, mas a confirma e busca aproximar-se para superar um

início de processo problemático onde as habilidades apresentam mais

deficiências que potencialidades. O mal comum, tanto para a alfabetização

quanto para o letramento, é o analfabetismo. O problema aqui presente é, se

os alunos estão na escola, sem esconder as deficiências do sistema

educacional, porque persiste o analfabetismo funcional? A questão não admite

apenas uma resposta, mas dentre aquelas possíveis pode-se constatar a

distância entre a realidade social do aluno e do professor. O linguajar é

diferente, a estética é diferente, os valores e necessidades sociais são

32

diferentes. Com isso, a possibilidade de fracasso escolar é algo real e

constantemente próximo da vida do estudante.

No capítulo II foi visto que o uso do termo alfabetização foi manipulado

de acordo com visões políticas. A noção de alfabetização que imperou durante

um bom tempo referia-se a um sujeito analfabeto funcional que mal conhecia o

alfabeto, mas sabia escrever seu nome e isso legitimava a permanência de

políticos mal intencionados no poder. A escola, por sua vez, dependendo de

sua localização, correspondia a esta situação ao apresentar deficiências que

iam da evasão a repetência. A noção de letramento presente nesta pesquisa

questiona o que se pode chamar de alfabetizado a partir desta prática político-

social do indivíduo porque este se submete ao que lhe é imposto. A escola

estando em espaços chamados de curral eleitoral acabava também ficando a

mercê de determinados políticos. Era um instrumento que legitimava tal ação

antiética e não contribuía com a autonomia do educando.

No Brasil esta preocupação com o letramento começou com os

trabalhos de Paulo Freire ao propor uma pedagogia em que o diálogo é a

referência para conhecer a realidade. Mais do que conhecer a realidade a

possibilidade desta pedagogia é interferir na sociedade possibilitando ao

educando atuar de forma a ser agente de transformação em seu meio social.

Porém, o que transpareceu foi mais seu forte teor político, que pode ser usado

em uma diversidade de outros momentos, que seu conteúdo dentro da escola.

Entretanto, isto também faz parte da compreensão de letramento, pois a

preocupação com a inserção social do indivíduo é uma tônica constante na

definição de letramento. Isto, porém, não nega a perspectiva pessoal do

letramento. As necessidades pessoais do indivíduo em formação

correspondem a necessidades geradas pela sociedade em que se encontra.

Desta forma o sujeito letrado é o que a sociedade tem de demanda para que

ele seja. Ele é enquanto percebe na sociedade a necessidade de ocupar algum

espaço ao qual se prontifica para fazê-lo.

O que a sociedade espera do indivíduo é que ele desenvolva a

completude do que se compreende como letramento, expressar a ação de ler e

escrever com desenvoltura. A complexidade deste ato não é percebida para

quem já é letrado, pois “as crianças conceitualizam a escrita como um conjunto

de formas arbitrárias, dispostas linearmente, que não representam os aspectos

33

figurais do objeto.” (FERREIRO, 2007) Ou seja, para o aprendiz a

aprendizagem da língua escrita passa pela necessidade de compreensão de

outro código, enquanto para quem já o conhece o faz com naturalidade devido

anos de prática como leitor e escritor. Isto porque o meio em que está inserido

o faz constantemente. Uns com maior qualidade, outros usando mais a escrita

que a leitura ou vice-verso, outros usufruindo de ambos de forma equilibrada,

mas sempre fazendo uso determinando a sociedade como um espaço

grafocêntrico, ou seja, que tem a escrita como referência.

Mesmo no uso do conceito de letramento como algo trabalhado tendo

alguma relação com a pedagogia libertadora de Paulo Freire, ela também pode

ser manipulada de forma que venha a atender interesses que não

correspondam ao pleno potencial do letramento. A isto se pode chamar

letramento funcional, o que se preocupa com a formação do indivíduo para que

corresponda as necessidades do capitalismo, para que haja como consumidor.

Este letramento funcional se assemelha a prática da educação bancária, o que

demonstra um forte viés classista atuando na educação. Para contrapor a isso

tanto a pedagogia freireana quanto o letramento apresentam possibilidades: o

dialogo constante entre alunos e professores através de uma prática que

aprofunde o conhecimento da realidade em que está inserida a escola, e,

ampliando esta leitura de mundo com exercícios de leitura e compreensão de

textos cujos autores partilhem visão de mundo semelhante a da comunidade.

Assim como a sociedade se expressa em classes e culturas diferentes,

também o letramento, por sua característica social, apresenta-se tal como a

demanda dessas realidades lhe possibilita. Falar do letramento é restringir a

possibilidade de reflexão a respeito dele mesmo. Pode-se pensar em

letramentos, desde que identifique qual e como é deve ser sua prática no

espaço em questão.

Desde o século XIX existe alguma discussão a respeito do letramento.

Percebe-se, com isso, que esta preocupação não é nova. Pouco depois de a

escola afirmar-se como instituição nos moldes atuais a aprendizagem de

qualidade passou a ser discutida.

O que se entende por um mínimo de qualidade em educação é o

domínio da habilidade de ler e escrever. Pode-se questionar quais são os

parâmetros de avaliação, e, para isto tem-se minimamente como referência a

34

leitura em voz alta publicamente. Segue-se a isso a compreensão do que se lê

o desenvolvimento da escrita em um momento necessário de forma que o texto

seja fiel a discussão. A aprendizagem da leitura e da escrita ocorre conforme

sua utilização vai se tornando algo constante. A prática social destas

habilidades concede ao sujeito a preocupação de estar fazendo sempre bem e

com qualidade, por isso se familiariza com as regras gramaticais e ortográficas

que auxiliam na melhoria deste exercício.

O letramento não tem um tempo específico para começar, mas o quanto

antes melhor. Ter início paralelo ao momento da alfabetização é investir na

autonomia da pessoa. A infância oferece inúmeras possibilidades de letrar, pois

o encanto com as histórias infantis pode garantir a curiosidade de buscar por si

só o mundo da literatura. Este momento inicial da leitura é sem compromisso

com coisas sérias. É puro prazer, por isso é tão importante no processo de

formação. Bem trabalhado este momento cada um descobre o seu próprio

ritmo de leitura. Ele é vivenciado junto com as primeiras leituras de mundo:

superam-se os limites da casa, descobrem-se novos amigos, conhecem-se

lugares próximos que ficarão marcados na memória. Ao mesmo tempo em que

este convívio vai se intensificando compreende-se que o mundo não é só até

onde os sentidos alcançam. O mundo dos sentidos é o que se conhece, mas

há um mundo de idas e vindas, de vir a ser presente nas relações que

contextualizam o que se vive. Observando as mudanças, relacionando a leitura

de mundo com a leitura ortográfica o estudante torna-se uma pessoa crítica.

Eis a identidade em formação. Esta mudança de visão de mundo ocorre graças

a esta síntese onde recebe elementos para comparar a cultura em que vive

com outras que descobre a partir da aprendizagem.

A identidade não é definida imediatamente, mas na prática constante do

letramento onde o estudante tanto consome quanto também passa a produzir.

Pode ser poesia, cartas, atividades artísticas, trabalhos escolares ou o que for

necessário conforme a prática de letramento da comunidade. Nesta produção

busca deixar a sua marca, pois produz conforme sua consciência lê o mundo e

suas experiências. Esta leitura de mundo aliada à prática de escrever traduz

sua visão de mundo, a visão que tem de sua própria cultura. A qualidade

presente no texto não é fruto só de sua autonomia como aprendiz, mas da

diversidade de leituras feitas às quais alimentam o diálogo entre leitor e

35

escritor, até que o leitor sinta necessidade de, também, expressar sua visão da

vida. Enquanto valoriza o que aprendeu, pois é o que demonstra neste

momento, valoriza a si próprio adentrando na sociedade como pessoa letrada,

ou seja, como alguém capaz de contribuir de alguma forma com meio em que

vive.

Esta presença no âmbito da sociedade é à saída do simples discurso

para a prática, onde o próprio discurso ganha vivacidade porque deixa de ser

palavra distante da realidade, mas nasce da experiência vivenciada. Quem

expõe o discurso é uma pessoa letrada e o faz consciente do instrumento que

tem em mão. É uma participação política porque tem consciência que seu meio

social precisa de melhorias que só serão encaminhadas mediante a busca de

pessoas preparadas para tal. Os serviços públicos oferecidos existem para

beneficiar a quem não tem renda suficiente para usufruir do que gostaria. Por

isso, o mínimo de dignidade a que tem direito deve ser conquistado com sua

participação política.

Mediante a pesquisa desenvolvida pode-se considerar como sendo

letrado aquele que faz uso social da habilidade de leitura e escrita. Com isso se

percebe que o conceito de letramento não faz oposição ao de alfabetização,

mas é um complemento que busca dar maior qualidade ao conhecimento

adquirido no processo de alfabetização. Observando a alfabetização a partir do

letramento não se pode dizer que alguém está alfabetizado, pois, por

compreendê-lo como um processo, não há um momento em que possa ser

considerado como finalizado. O que se possui de alfabetização vai sendo

complementado com outros conhecimentos, o que faz com que a pessoa vá

aperfeiçoando o letramento que possui.

Ser letrado, então, não é apenas conhecer o alfabeto. Na medida em

que lê e compreende o que lê e escreve algum texto de forma compreensível

pode ser considerado letrado. Entretanto esta é uma maneira simplória de

definir o letramento, uma vez que, enquanto cidadão, o sujeito pode contribuir

de forma muito mais eficaz com a sociedade. Isto mostra que deve-se falar não

de letramento, mas letramentos. A diferença esta nas possibilidades, nos níveis

possíveis de dominar as habilidades de ler e escrever fazendo uso pessoal e

social delas.

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Observar o letramento em ação conjunta com a alfabetização só tem a

trazer benefícios para a escola. Pensar a criança como estando alfabetizada a

partir dos critérios do letramento é a certeza da autonomia para a continuidade

dos estudos. Existindo o distanciamento professor/aluno este processo

enriquece as relações porque o estudante terá segurança para conversar com

professor, tirar suas dúvidas e propor sua teoria de construção do

conhecimento. A nível social os custos serão diminuídos visto que a repetência

e a evasão também tendem a abaixar porque o sentido da existência da escola

estará mais claro para aqueles que participam deste momento tão importante

para suas vidas.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERREIRO, Emília. Com Todas as Letras. São Paulo: Cortez, 2007. Biblioteca da

Educação – Série 8 - Atualidades em educação – v.8.

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: Em três artigos que se completam. São

Paulo: Câmara Brasileira do Livro, Autores Associados, Cortez, 1989.

______ Educação Como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

______ Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

______ Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GADOTTI, Moacir. Pensamento Pedagógico Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1990.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,

2004.