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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO Por: RONALDO CUNHA BARRETO Matrícula: k205893 Orientador Prof.: Roberto de Bastos Lellis Rio de Janeiro 2008

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO … · da esfera do poder de tributar da classe dirigente, sendo que tal escolha seria 2 Gianfranco Poggi, A Evolução do Estado Moderno,

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

Por: RONALDO CUNHA BARRETO

Matrícula: k205893

Orientador

Prof.: Roberto de Bastos Lellis

Rio de Janeiro

2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

DIREITO PÚBLICO E TRIBUTÁRIO

AVM – INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de pós-graduado em Direito Público e Tributário. Turma: K091. Por Ronaldo Cunha Barreto

3

AGRADECIMENTOS

À Deus e aos amigos que me

incentivaram e me auxiliaram nos

trabalhos e estudos relacionados com

este curso.

4

DEDICATÓRIA

Dedico a minha esposa e a meus filhos,

que me ajudaram com muito carinho,

paciência e compreensão, sempre

incentivando e apoiando-me.

5

RESUMO

Alguns assuntos, por envolverem questões controversas, polêmicas,

pontos de vistas impregnados ora por preconceitos, ora por extremismos e ora

por práticas desvirtuadas por parte de algumas entidades que se aproveitam

da estrutura jurídica e social da sociedade em que se encontram, são pouco

explorados, discutidos e divulgados pelos estudiosos e doutrinadores,

deixando muitas vezes o mérito de algumas questões, ser discutido

unicamente nos autos de alguns processos.

Notamos que um desses assuntos é exatamente a análise objetiva e

contextualiza da extensão prática das imunidades dos templos de qualquer

culto previstas no art. 150, inciso IV, alínea “b”, da Constituição Federal de

1988.

Com o objetivo de trazer mais luz sobre o assunto, mas consciente de

ser impossível abordar neste trabalho todas as vertentes que o envolvem e

tampouco esgotar as análises e entendimentos possíveis, é que nos propomos

a este trabalho que, após uma abordagem geral sobre a imunidade e sua

evolução histórica, buscará uma analise, norteada pela visão de cidadania das

imunidades, de algumas questões práticas relacionadas principalmente às

hipóteses de incidência do IPTU e do ISS, além de alguma abordagem do

ICMS, de competência dos Estados.

Dentro dos assuntos citados, pretendemos fazer uma análise mais

detalhada de situações práticas encontradas nas entrevistas com

administradores e tesoureiros de algumas igrejas, como por exemplo a

incidência ou não do IPTU quando a igreja é proprietária do imóvel e o utiliza,

quando a igreja é proprietária e aluga a terceiros e quando a igreja é locatária

do imóvel; incidência ou não de ISS sobre atividades da livraria e lanchonete

no interior dos templos e sobre a utilização das vagas de garagem do templo

como estacionamento durante os dias de semana e de ICMS sobre serviços de

fornecimento de água, luz, telefone e gás às igrejas.

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METODOLOGIA

Os métodos utilizados foram leituras de livros e jornais; pesquisa de

pareceres em sites da internet bem como jurisprudência de Tribunais

Superiores e da Prefeitura de São Paulo e São Gonçalo e entrevistas com

administradores, tesoureiros e contadores de igrejas evangélicas no Município

de São Gonçalo – RJ.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

1.1 - Precedente Histórico 10

1.2 - Conceito 15

CAPÍTULO II - IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

2.1 - Precedente Histórico 18

2.2 - Alcance das Imunidades dos Templos de Qualquer Culto 22

CAPÍTULO III – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IPTU 28

CAPÍTULO IV – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ISS 38

CAPÍTULO V – O CASO DO ICMS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 41

CONCLUSÃO 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 47

8

INTRODUÇÃO

As imunidades tributárias têm em seu pano de fundo um interesse social

a ser preservado, um bem jurídico de tão grande valor que foi objeto de

atenção por parte dos constituintes e, segundo alguns doutrinadores, tais

imunidades são consideradas intocáveis pelo Estado, verdadeiras cláusulas

pétreas.

Quando observamos o grande crescimento na quantidade de entidades

abrangidas por estas imunidades e a atuação de algumas delas que se

beneficiam destas imunidades, parece-nos que elas estão sendo injustamente

concedidas, pois algumas destas entidades de ensino, sindicatos de

trabalhadores, partidos políticos, instituições religiosas e outras para-estatais,

agem de forma desonesta, desalinhada com suas finalidades essenciais, com

a ética, com a moral, enfim, desalinhadas com o que a sociedade espera

delas.

Porém, a postura mais adequada não é eliminar ou restringir essa

proteção, esse incentivo para que tais entidades continuem atuando. O que

deve acontecer é uma atuação do Estado e dos indivíduos fiscalizando,

coibindo, dificultando eventuais desvios de finalidades, abusos, fraudes, enfim,

retirando da direção de tais entidades quem assim age.

Esse trabalho se propõe a fazer uma abordagem das imunidades em

geral, para em seguida aprofundar a análise do alcance das imunidades dos

templos de qualquer culto, isto é, das entidades religiosas como um todo.

A proposta é expor os pontos de vistas de diversos doutrinadores,

muitas vezes inseridos nos votos de Ministros do Supremo Tribunal Federal, e

apresentar como aquela Corte tem se posicionado em relação às imunidades

do art. 150 da Constituição Federal.

9

10

CAPÍTULO I

DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

1.1 – Precedente Histórico

Antes mesmo de existir a estrutura de Estado tal como hoje o

conhecemos, já havia a cobrança coativa de valores de toda a sociedade por

parte da classe dirigente. O manejo da capacidade de tributar - e seu corolário,

de não-tributar -, é uma das mais antigas formas de distinguir pessoas e

atividades. É uma maneira de implementar políticas - fiscal ou econômica.

Em Roma existiam várias espécies de impostos, bem como isenções. A

Lex Vicesima Hereditatum et Legatorum impunha a cobrança de um imposto

com alíquota de 5% sobre o valor das heranças ou legados, recaindo,

principalmente, sobre os legados a amigos e as heranças dos celibatários.

Eram isentos os “parentes próximos” e os bens de pequeno valor. Tal

incidência estava de conformidade com a política econômica do Imperador

Augusto, que se caracterizava pela preocupação em “amparar a família

numerosa, proteger os casamentos, punir os adultérios, gravar os celibatários

e os casais sem filhos”1.

Posteriormente, face aos problemas “de caixa” do Império, Antonino

aumentou a alíquota para 10% e estendeu a cidadania romana a todos os

habitantes de seu território através do edito de Caracala (212 a.C.). Pode-se

ver que não são recentes as determinações estatais de aumento de alíquota e

do número de contribuintes. Os atuais copiam os antigos - muitas vezes de

forma imperfeita.

1 Sílvio Meira, Direito Tributário Romano, pág. 23.

11

Na Idade Média existia a Immunitas, através da qual a Igreja e os

nobres ficavam afastados (imunes) do poder do Soberano, inclusive no âmbito

fiscal, porém encarregados de exercê-lo na área determinada de sua atuação2.

Posteriormente o caráter de pessoalidade foi alargado para as cidades,

que passaram a ter Immunitas face ao poder central. Este caráter de

intributabilidade absoluta da nobreza e da Igreja (especificamente Católica)

permaneceu até o advento do liberalismo3, quando os privilégios foram

abolidos.

A Carta Magna (1215, d.C.) foi um marco para o Direito, e, em especial,

para a cidadania e a tributação. Esse evento faz surgir, de forma embrionária,

várias das garantias constitucionais de liberdade presentes nas Constituições

ocidentais, dentre elas o Princípio da Legalidade. Historicamente foi um

avanço, mas ainda longe da situação atual. As garantias eram dos nobres e da

Igreja, e não da sociedade. Configuravam-se, sob o prisma dos excluídos de

tais direitos, muito mais como privilégios de classe do que como garantias

individuais.

Com as revoluções burguesas (século XVIII), os privilégios acima

referidos passaram do colégio de nobres e da Igreja Católica para todos os

cidadãos, se constituindo, então, em verdadeiras garantias individuais. Os

aspectos tributários também seguiram esta mesma linha. A imunidade, que

antes significava um privilégio de nobres e da Igreja Católica frente ao Rei,

passou a significar uma garantia de que certas atividades estariam afastadas

da esfera do poder de tributar da classe dirigente, sendo que tal escolha seria

2 Gianfranco Poggi, A Evolução do Estado Moderno, pág. 34; Fernando Facury Scaff, Responsabilidade do Estado Intervencionista, pág. 8. 3 Ricardo Lobo Torres, Os Direitos Humanos e a Tributação, RJ, Renovar, 1995, capítulo I.

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estabelecida pelo conjunto dos cidadãos. “O mesmo significante - imunidade -

passou a agasalhar um outro significado”4.

Dentro desta nova perspectiva liberal - garantia individual dos cidadãos -

, é que as limitações ao poder de tributar evoluíram. O estudo de tais

limitações encontra-se umbilicalmente ligado ao desenvolvimento de outros

direitos, que posteriormente se configurariam Princípios basilares no

ordenamento jurídico dos povos ocidentais.

Desta época (liberal) é o surgimento da idéia de liberdade e de

igualdade, pois, uma vez conquistadas tais garantias individuais, a ordem

natural se encarregaria de fazer com que o bem estar e a prosperidade

adviessem. Acreditava-se que a ordem natural do mercado possibilitaria fazer

surgir o desenvolvimento. Verificou-se que tal pretensão era uma falácia. A

ordem natural apenas privilegiou os que possuíam poder econômico, fazendo

maior o fosso existente com aqueles que apenas portavam sua força de

trabalho como elemento de troca no mercado. As soluções individuais não

foram suficientes para resolver as questões sociais.

Constatada a insuficiência de implementação desta fórmula de direitos e

garantias fundamentais, foi necessário ampliar o espaço de compreensão

destes Princípios. Passou-se a cogitar da aplicação de direitos coletivos como

direitos fundamentais. Não se trata apenas de direitos da pessoa contra o

Estado, mas da sociedade erga omnes, exercitáveis contra todos que os

violarem. Esta compreensão dos direitos fundamentais como garantia da

sociedade, e não somente do indivíduo, é geratriz de uma nova leva de

direitos. É a preocupação com o coletivo, com o bem estar da população, dos

habitantes de uma determinada sociedade, com o desenvolvimento social e

econômico da coletividade. Da ótica individual passa-se a uma perspectiva

coletiva.

4 Ricardo Lobo Torres, Os Direitos Humanos e a Tributação, pág. 27.

13

Porém, a evolução dos estudos jurídicos constatou ser insuficiente a

preocupação com o coletivo, sendo também necessário que o Direito se

ocupasse dos interesses difusos da sociedade, que são aqueles que atingem

um grupo indeterminado, e indeterminável de pessoas, onde não se pode

estabelecer quem está sendo alcançado por uma específica atitude, mas pode-

se afirmar que vários indivíduos o estão. Não se sabe o CIC e o RG do lesado,

nem a intensidade da lesão para cada qual, mas existe a certeza de sua

existência.

Com o surgimento do Estado Liberal ocorreu certa

democratização das imunidades, deixando esta de ser um privilégio e

passando a representar uma garantia de exoneração fiscal de certas

atividades sociais.

O Princípio da Imunidade Tributária como hoje conhecemos, surgiu

implicitamente com o constitucionalismo norte americano, em julgamento da

Suprema Corte no célebre caso “Mc Culloch versus Estado de Marylan” onde o

Juiz John Marchall, Presidente da Corte, decidiu sustentadamente a não

tributação da União pelos Estados.

A solução individual e a coletiva não conseguiram resolver este tipo de

questão, sendo necessário desenvolver mecanismos adequados para

operacionalizar sua prevenção e repressão.

Some-se à questão dos interesses difusos o conceito de futuras

gerações, e surge uma nova compreensão dos direitos fundamentais. Passam

a ser considerados também os direitos dos que ainda não nasceram. A

dimensão da pessoa humana é projetada no futuro, não mais apenas como a

dimensão civilista do nascituro, mas de toda uma futura (e ainda nem mesmo

encomendada ou gestada) geração de pessoas humanas. O interesse

protegido não é o da atual geração, mas sua preservação para as futuras

gerações. Não é mais um interesse do indivíduo contra o Estado, ou inerente

14

apenas a certa coletividade, mas um interesse difuso e que abrange não

apenas as atuais, mas as futuras gerações.

Logo, a análise de tais Direitos, que se encerram em Princípios - dentre

eles as limitações ao poder de tributar -, deve ser efetuada com os olhos

voltados não apenas para o homem no presente, mas também no futuro,

considerado como um ser integrante de uma espécie que deve ter seus

direitos preservados, por mais difusos que sejam. Somos todos responsáveis

por tal legado às futuras gerações. Contemporaneamente a idéia de imunidade

está vinculada ao Direito das Coisas e aos Direitos Morais.

O fio condutor da análise deve ser o critério de melhor qualidade de vida

para as atuais e futuras gerações segundo parâmetros estabelecidos pela

sociedade, e não o de enriquecimento das instituições mantenedoras de

estabelecimento de educação. Ou de sindicatos obreiros. Ou de partidos

políticos. As hipóteses não têm fim. Interpretar a norma jurídica da Imunidade

Tributária de forma apartada de seu contexto social será esvaziá-la

completamente. Não será implementar o Direito, mas apenas fazer um

exercício de direito positivo - que poderá ser bem ou mal feito. E aí nada será

acrescido à sociedade, mas apenas a uns poucos contrafatores normativos.

Logo, a função da imunidade tributária - bem como a dos demais

Princípios limitadores ao poder de tributar -, é a de permitir que a sociedade

exercite a cidadania, segundo as normas que ela própria estabeleceu, sem

eventuais empecilhos impostos pelo Estado (ou melhor, por eventuais grupos

que se utilizem do aparato do Estado para implementar uma política diversa

daquela estabelecida pela sociedade).

15

1.2 – Conceito

A Constituição Federal atribuiu á União, aos Estados, ao Distrito Federal

e aos Municípios o poder de tributar. No entanto, o seu exercício não se faz de

modo absoluto; atribui-se a cada uma das pessoas jurídicas de direito público,

parcela de competência para dispor sobre determinadas matérias. Essas

restrições chamam-se de limitações do poder de tributar.

A imunidade é, por seus efeitos, uma limitação constitucional ao poder

de tributar. Há, ainda, no texto constitucional, de modo não exaustivo, outras

limitações: princípio da legalidade, da anterioridade, da igualdade, da vedação

do confisco, etc.

Registre-se o ensinamento de Roque Antônio Carrazza:

“A expressão imunidade tributária tem duas acepções.

Uma, ampla, dignificando a incompetência da pessoa política

para tributar: a) pessoas que realizam fatos que estão fora

das fronteiras do seu campo tributário; b) sem a observância

dos princípios constitucionais tributários, que formam o

chamado estatuto do contribuinte; c) com efeito de confisco;

d) de modo a estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou

bens (salvo o hipótese do pedágio); e) afrontando o princípio

da uniformidade geográfica; e) fazendo tábua rasa do

princípio da não-discriminação tributária em razão da origem

ou do destino dos bens.

E, outra, restrita, aplicável às normas constitucionais que, de

modo expresso declararam ser vedado às pessoas políticas

tributárias determinadas pessoas, que pela natureza jurídica

que possuem, quer pelo tipo de atividade que desempenham,

16

quer, finalmente porque coligadas a determinados fatos, bens

ou situações.

Em sua acepção ampla, a expressão “imunidade tributária”

alcança quaisquer tributos: impostos, taxas e contribuição de

melhoria. Em sua acepção restrita, apenas os impostos.5”

Dele não diverge Hugo de Brito Machado:

“Imunidade é o obstáculo decorrente da regra da

Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O

que é imune não pode ser tributado. A imunidade impede

que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo

que é imune. É limitação da competência tributária.

Há quem afirme, é certo, que a imunidade não é uma

limitação da competência tributária porque não é posterior à

outorga desta. Se toda atribuição de competência importa

uma limitação e se a regra que imuniza participa da

demarcação da competência tributária, resulta evidente que

a imunidade é uma limitação dessa competência.

O importante é notar que a regra da imunidade estabelece

exceção. A Constituição define o âmbito do tributo, vale

dizer, o campo dentro do qual pode o legislador definir a

hipótese de incidência da regra de tributação. A regra de

imunidade retira desse âmbito uma parcela, que torna

imune. Opera a regra imunizante, relativamente ao desenho

constitucional do âmbito do tributo, da mesma forma que

5 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 16ª edição revista, ampliada e atualizada até a EC nº 31/2000, Malheiros Editores, 2001, p. 600-601.

17

opera a regra de isenção relativamente à definição da

hipótese de incidência tributária.6”

Em publicação intitulada “Imunidades Tributárias”, Ives Gandra da Silva

Martins leciona:

“A imunidade, portanto, descortina fenômeno de natureza

constitucional que retira do poder tributante o direito de

tributar, sendo, pois, instrumento de política nacional que

transcende os limites fenomênicos da tributação ordinária.

Nas demais hipóteses desonerativas, sua formulação

decorre de mera política tributária de poder público,

utilizando-se de mecanismo ofertados pelo Direito.

Na imunidade, portanto, há um interesse nacional superior a

retirar, do campo de tributação, pessoas, situações, fatos

considerados de relevo, enquanto nas demais formas

desonerativas há apenas a veiculação de uma política

transitória, de índole tributária definida pelo próprio Poder

Público, em sua esfera de atuação.7”

Evidencia, pois, Ives Gandra, que a imunidade, nas hipóteses

constitucionais, “constitui o instrumento que o constituinte considerou

fundamental para, de um lado, manter a democracia, a liberdade de expressão

e a ação dos cidadãos e, por outro lado, atrair os cidadãos a colaborarem com

o Estado, nas suas atividades essenciais, em que, muitas vezes, o próprio

Estado atua mal ou insuficientemente, como na educação, na assistência

social etc.”

6 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 20ª edição revista atualizada e ampliada de acordo com as EC 32 e 33/2001, Malheiros Editores, 2002, p.24l-242.

18

CAPÍTULO II

IMUNIDADE DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

2.1 – Precedente Histórico

Trago para este trabalho as palavras do Prof. Werner Nabiça Coelho8

que tão bem resumiu a evolução histórica das imunidades dos templos de

qualquer culto quando ressaltou que tem sido o fenômeno religioso o que de

mais persistente existe na história da humanidade, havendo quem defenda “a

unidade transcendental das religiões”, expressão que serve de título a uma das

mais importantes obras de Fritjof Shuon, renomado estudioso das religiões

comparadas.

A religião é fenômeno tão primário que todo o conhecimento humano

primeiro surgiu como fruto de revelação divina ou como presente concedido

pelas potências celestes ao homem, assim tem sido desde sempre em todas

as culturas na sua infância.

O Estado é fruto da laicização do poder religioso, pois antes dos reis se

tornarem reis deviam ser consagrados pela autoridade religiosa.

Podemos asseverar que mais importante que as grandes navegações,

para a formação das mentalidades da Idade Moderna em que vivemos, foram

as guerras de religião, que ensangüentaram a Europa a partir do século XVI, e

só atingiram o seu termo em princípios do séc. XIX quando a Revolução

Francesa fez surgirem a era das grandes guerras nacionais, e, com suas

7 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1998. Pesquisas tributárias. Nova Serie, nº 4, pág. 32. 8 Advogado, Professor da Faculdade Ideal - FACI, Especialista em Direito Tributário e Mestrando pela Universidade da Amazônia - UNAMA, Belém, Pará.

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sangrias, que perduraram por um quarto de século (1789-1815), motivaram as

primeiras grandes expropriações contra a Igreja em favor do Estado (As outras

grandes expropriações iriam acontecer durante as revoluções mexicana,

soviética e outras mais, sempre instaurando um Estado Socialista, em maior

ou menor grau de radicalismo anti-religioso.), por motivo de perseguições

políticas tendentes a fundar a religião civil preconizada por Rousseau em sua

obra capital “Do Contrato Sócial”, ou seja, propugnou a instauração do culto ao

Estado, resultando no nacionalismo chauvinista e guerreiro que proliferou pelo

mundo ocidental e culminou nas guerras mundiais verificadas no séc. XX.

A revolução francesa foi um movimento que pretendia instaurar a religião

da razão com a exclusão das demais formas de crença ou culto; sendo que o

positivismo de Augusto Comte é um subproduto pseudo-filosófico deste

processo. Por alguns momentos aquela quadra revolucionária assistiu ao

primeiro movimento socialista, especialmente, nos tempos do Terror

inaugurado pelos jacobinos de Robespierre, os primeiros terroristas da história.

Na outra margem do Atlântico, a intuição dos constitucionalistas

americanos assegurou ao seu povo a liberdade de culto, e consagrou

separação do Estado e da Igreja, já preconizada como princípio social desde

quando Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de

Deus. Tal exemplo de proteção ao culto popular, ao contrário das perseguições

religiosas francesas, estas inovações americanas, consubstanciadas na

primeira Constituição Republicana e Democrática da História,

cronologicamente anteriores (1787) à insanidade revolucionária francesa,

foram se tornando paulatinamente o paradigma de todas as constituições,

inclusive na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, em seu

artigo 18 assim proclama: “Todo homem tem o direito à liberdade de

pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de

religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo

20

ensino, pela prática, pelo culto e pela abservância isolada ou coletivamente,

em público ou em particular”.

No Brasil, guardada a particularidade de a nossa primeira constituição

haver sido monárquica e parlamentarista, e, que havia a religião oficial do

Estado, o catolicismo, nem por isso deixou-se de contemplar especial proteção

às liberdades alheias, pois, conforme noticia o Douto Pinto Ferreira9 "Ninguém

pode ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeite a do Estado

e não ofenda a moral pública"; prática aperfeiçoada e observada

religiosamente por todas as demais constituições posteriores; e, entre as

conseqüências práticas da liberdade religiosa está a imunidade dos templos.

Se realizarmos uma paráfrase do Texto Maior Pátrio, inquirindo quais os

fundamentos da imunidade dos templos, assim resultará:

Nós, representantes do povo brasileiro, instituímos este Estado

Democrático para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais em

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos sob a proteção de Deus.

É uma República constituída como Estado Democrático de Direito e fundada,

entre outras coisas, na dignidade humana, pois todo o poder emana do povo

exercida por meio de representantes eleitos. Neste Estado do Brasil, todos são

iguais perante a lei, por isso que é um Estado de Direito, sendo invioláveis a

vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade dos residentes,

seja nacional ou estrangeiro. Livre é a manifestação do pensamento e

inviolável a liberdade de consciência e crença. Ninguém será privado de

direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.

Tendo em vista tais proteções irrevogáveis, pétreas, existem certas limitações

ao poder de tributar, em particular, aos entes da federação não compete

instituir impostos sobre templos de qualquer culto, e, mais ainda, tal vedação

compreende o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com os fins

9 Comentários à Constituição Brasileira, 1º vol., Saraiva, São Paulo, 1989, p. 69),

21

essenciais relacionados ao templo (Cf. Constituição Federal de 1988:

Preâmbulo e seus artigos 1º, III e parágrafo único, 5º, IV, VI e VIII, 150, VI, b),

§4º).

22

2.2 – Alcance das Imunidades dos Templos de Qualquer

Culto

Importante destacar o julgamento do Recurso Extraordinário 325822-2

pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal por tratar-se de

verdadeira aula e resumo das doutrinas existentes e do entendimento

daquele Corte Superior, quando tratou-se do recurso da Mitra Diocesana de

Jales e Outras (Diocese e Paróquias) contra acórdão do Tribunal de Justiça

de São Paulo que entendeu não ser extensiva aos bens de propriedade da

instituição religiosa, porém em desuso ou locados a terceiros, a imunidade

prevista no art. 150, Inciso VI, letra “b” e § 4º da CF/88.

Trarei para este trabalho, em seqüência diversa dos votos efetivamente

efetuados, trechos julgados por mim mais relevantes para a nossa análise.

Ao proferir o seu voto no Recurso Extraordinário nº 325.822-2 SP, o

eminente Ministro Marco Aurélio ao presidir o Tribunal Pleno do Supremo

Tribunal Federal, assim o fez:

“Peço vênia também ao eminente relator para acompanhar a dissidência, pois acredito piamente no que previsto no Código de Direito Canônico de 1983, editado quando do Papado de João Paulo II. Os bens, no caso, são destinados à finalidade do próprio templo. Não vejo, na espécie, uma pertinência maior, considerada a necessidade de distinguirem-se institutos, do disposto no artigo 19 da Constituição Federal, porque esse artigo, ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios subvencionar cultos, pressupõe um ato positivo, um aporte, uma vantagem que seja outorgada, e, no tocante à imunidade, não há esse aporte. Ressaltou bem o ministro Moreira Alves que a Carta de 1988 trouxe a novidade do §4º do artigo 150, sobre as vedações expressas no inciso VI, e, aí, houve referência explícita à alínea “b”, que cogita da imunidade quanto aos templos de qualquer

23

culto. De acordo com o citado §4º, tais vedações compreendem o patrimônio, a renda e os serviços relacionados de forma direta “com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. Havendo, portanto, o elo, a destinação, como versado nos autos, não se tem como afastar o instituto da imunidade.”

Nesse momento cabe a transcrição de parte do excelente voto do

Ministro Gilmar Mendes no mesmo RE 325822-2:

“E, mais adiante, ao referir-se à expressão “rendas relacionadas com as finalidades essenciais”, constante do § 4º do art. 150 da Constituição Federal, Ives Gandra afirma: “ O § 4º, todavia, ao falar em atividades relacionadas, poderá ensejar a interpretação de que todas elas são relacionadas, na medida em que destinadas a obter receitas para a consecução das atividades essenciais. Como na antiga ordem, considero não ser esta a interpretação melhor na medida em que poderia ensejar concorrência desleal proibida pelo art. 173, § 4º da Lei Suprema. Com efeito, se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência mas livre de impostos. Ora, o Texto Constitucional atual objetivou, na minha opinião, eliminar, definitivamente, tal possibilidade, sendo que a junção do princípio estatuído nos arts. 173, §4º e 150, § 4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciados nos incs. b e c do art. 150, VI, se forem idênticas ou aná1ogas às de outras empresas privadas, não gozariam de proteção imunitória. Exemplificando:se uma entidade imune tem um imóvel e o aluga. Tal locação não constitui atividade econômica desrelacionada de seu objetivo nem fere o mercado ou representa uma concorrência desleal. Tal locação do imóvel não atrai, pois, a incidência do IPTU sobre gozar a entidade de imunidade para não pagar imposto de renda. A mesma entidade, todavia, para obter recursos para suas

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finalidades decide montar uma fábrica de sapatos, porque o mercado da região está sendo explorado por outras fábricas de fins lucrativos, com sucesso. Nessa hipótese, a nova atividade, embora indiretamente referenciada, não é imune, l porque poderia ensejar a dominação de mercado ou eliminação de concorrência sobre gerar lucros não tributáveis exagerados se comparados com os de seu concorrente.” OProfº. Ives assinala que “por esta linha de raciocínio todos os lucros e ganhos de capital obtidos em aplicações financeiras e destinados às finalidades das entidades imunes são rendimentos e ganhos imunes. É de se entender que o §4º é um complemento do § 3º, assim redigido”: “As vedações do inciso VI, a, e, do parágrafo anterior não se aplicam a patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” Ives conclui: “O que vale dizer que apenas se as atividades puderem gerar concorrência desleal ou as finalidades das entidades imunes não forem beneficiadas por tais resultados é que a tributação se justifica, visto que, de rigor, tais atividades refogem ao campo de proteção tributária que o legislador supremo objetivou ofertar a essas finalidades da sociedade” É certo que o texto constitucional circunscreve a imunidade tão somente, ao imposto. Dentro desta hipótese, é evidente, está compreendido todo e qualquer imposto que recaia sobre o patrimônio, a renda ou serviços. Assim, os templos não se apresentam imunes às demais espécies fiscais. Interessa-nos, neste caso, somente a hipótese de imunidade tributária estabelecida pelo art. 150, VI, “b” e “e”, e o § 4º da Constituição Federal de 1988, que, na mesma direção das anteriores, preceituam: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI- instituir impostos sobre:

25

(...) b)templos de qualquer culto; c)patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (...) § 4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” Diversos doutrinadores sustentam que a interpretação da imunidade tributária dos templos é restritiva. O clássico Aliomar Baleeiro escreveu que a produção dos efeitos da imunidade dos “templos de qualquer culto” depende de “interpretação sem distinções sutis nem restrições mesquinhas”. Para ele, o “culto não tem capacidade econômica. Não é fato econômico”. Assim, não se devem considerar templo “apenas a igreja, sinagoga ou edifício principal, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência do pároco ou pastor, desde que não empregados em fins econômicos”. Em obra anterior, “O Direito Tributário da Constituição Financeira”, RJ, 1959, p. 182, Baleeiro enfatiza que “o templo se integra de tudo o que é necessário, compatível ou comp1ementar, sejam outros edifícios anexos, sejam instalações e pertences, para esse fim”. (BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, Forense, RJ, 1977, p. 176) Especificamente, quanto à alínea “b” do inciso VI do art. 150, da Constituição, discorre Carrazza: “São igualmente imunes à tributação por meio de impostos os templos de qualquer culto, conforme estipula o art. 150, VI, 'b”, da CF. Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja. Em razão disso, é o caso de, aqui, perguntarmos: que impostos poderiam alcançar os templos de qualquer culto se inexistisse este dispositivo constitucional? Vários impostos, apressamo-nos em responder.

26

Sobre o imóvel onde o culto se realiza incidiria o imposto predial e territorial urbano (IPTU); sobre o serviço religioso, o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS); sobre as esmolas (dízimos, espórtulas, doações em dinheiro etc.), o imposto sobre a transmissão 'inter vivos', por ato oneroso, de bens imóveis (ITB1); e assim avante. Nenhum destes impostos - nem qualquer outro - pode incidir sobre os templos de qualquer culto, em conseqüência da regra imunizante agora em estudo. É fácil percebermos que esta alínea “b' visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos. A Constituição garante, pois, a liberdade de crença e a igualdade entre as crenças (Sacha Calmon Navarro Coelho). Umas das fórmulas encontradas para isto foi justamente esta: vedar a cobrança de qualquer imposto sobre os templos de qualquer culto.” (CARRAZZA, Roque Antônio, Op. cit., p. 618)

Pois bem. Ao fazer uma leitura compreensiva do texto

constitucional, na linha preconizada, entendo que, de fato, o

dispositivo do art. 150, VI, “b”, há de ser lido com o vetor

interpretativo do §4º deste mesmo artigo da Constituição. Vê-se,

pois, que a letra “'b” se refere apenas à imunidade de “templos de

qualquer culto”; a letra “c', ao “patrimônio, renda ou serviço”.

Portanto, o disposto no § 4º alcança o patrimônio, a renda ou

serviços dos templos de qualquer culto, em razão da equiparação

entre as letras “b” e “c”.

Nestes termos, dou provimento ao recurso extraordinário.”

Tendo em vista esta interpretação teleológica tendendo a maximizar o

potencial de efetividade ponderada com a visão restritiva de alguns

doutrinadores e com a realidade entrada em nossos dias quando encontramos

27

algumas religiões ou algumas pessoas que dizer representar uma religião,

entendemos que a imunidade prevista no texto constitucional para os templos

de qualquer culto abrange os impostos sobre o patrimônio a renda e os

serviços desses entes, porém respeitados outros princípios constitucionais

como a justa concorrência entre os agentes do mercado bem como legislação

complementar e ordinária específica.

Nessa linha de entendimento passamos a analisar, nos capítulos a

seguir, as hipóteses de incidência do IPTU, do ISS e do ICMS de maneira mais

objetiva.

28

CAPÍTULO III

HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IPTU

A análise do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana,

de competência dos Municípios, conforme art. 156 – CF/88, em relação às

igrejas, pode envolver principalmente 03 (três) possibilidades. A primeira seria

a análise de imóvel de propriedade da igreja e sendo usada pela igreja

objetivando suas finalidades assenciais, caso em que é pacifico o

entendimento da aplicação de imunidade. A segunda possibilidade seria a

análise de imóvel de propriedade da igreja, porém em desuso ou locado a

terceiros, que foi a hipótese analisada no RE 325822-2, quando o Supremo

Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, ser aplicável a imunidade

prevista no art. 150, VI, “b” – CF/88. A terceira possibilidade, mais controversa

e ainda não pacificada pela jurisprudência, é quando a igreja é locatária de

imóvel vinculado a suas finalidades essenciais, que passamos a analisar.

A Imunidade Tributária deve ser considerada não apenas em sua

perspectiva individual, mas como uma garantia de cidadania para todos,

considerados coletiva e difusamente, de forma a permitir também o regular

desenvolvimento das futuras gerações.

Portanto, e apenas a título de exemplo, ao ser reconhecida no Brasil

uma imunidade educacional não se pretende privilegiar determinado

estabelecimento. A fase do privilégio já passou, devendo ser apenas

historicamente considerada. Se deve é garantir que a educação seja

ministrada a todos, de forma livre e com o fito de desenvolver plenamente o

indivíduo, prepará-lo para o exercício da cidadania e qualificá-lo para o

29

trabalho (CF/88, art. 205). Caso não sejam acatadas estas diretrizes

constitucionais, a instituição em gozo da imunidade não estará atingindo seus

objetivos e esta deverá ser desconsiderada.

O fio condutor da análise deve ser o critério de melhor qualidade de vida

para as atuais e futuras gerações segundo parâmetros estabelecidos pela

sociedade, e não o de enriquecimento das instituições mantenedoras de

estabelecimento de educação. Ou de sindicatos obreiros. Ou de partidos

políticos. As hipóteses não têm fim.

Interpretar a norma jurídica da Imunidade Tributária de forma apartada

de seu contexto social será esvaziá-la completamente. Não será implementar o

Direito, mas apenas fazer um exercício de direito positivo - que poderá ser bem

ou mal feito. E aí nada será acrescido à sociedade, mas apenas a uns poucos

contrafatores normativos.

Logo, a função da imunidade tributária - bem como a dos demais

Princípios limitadores ao poder de tributar -, é a de permitir que a sociedade

exercite a cidadania, segundo as normas que ela própria estabeleceu, sem

eventuais empecilhos impostos pelo Estado (ou melhor, por eventuais grupos

que se utilizem do aparato do Estado para implementar uma política diversa

daquela estabelecida pela sociedade).

Segundo Alfredo Augusto Becker10, a hipótese de incidência tributária

tem vários aspectos, que a tornam de fato uma previsão legal de tributos, são

múltiplos fatos (atos, fatos, estados de fato, jurídicos e ou não-jurídicos), que

podem estar reunidos na mais diversa combinação de número e espécie.

Segundo Geraldo Ataliba11, os aspectos da hipótese de incidência não

são os vários elementos que a compõem, pois a previsão legal

10 Becker, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário – Ed. Saraiva – pg. 238

30

necessariamente hipotética subsiste por si só. A lei atribui a força jurídica que

determina o nascimento da obrigação tributária. Aliás, os aspectos não vêm

necessariamente arrolados de forma explicita na lei. Pode haver uma lei que

enumere todos os aspectos, sendo isto raro, mas normalmente os aspectos

integrativos da hipótese de incidência estão esparsos na lei, ou diversas leis,

sendo que muitos são implícitos no sistema jurídico.

A multiplicidade de aspectos não prejudica o caráter unitário e indivisível

da hipótese de incidência. A hipótese de incidência não deixa de ser única e

indivisível, pelo fato de possuir muitos aspectos, cuja consideração não implica

sua composição em partes ou elementos.

Como se apresentará os aspectos da hipótese de incidência não são

suas causas, não lhe determinam o ser, mas só o modo, a maneira, de ser.

Integram-na e não originam. São pontos de vista sob os quais a inteligência

considera o objeto – no caso, a hipótese de incidência – segundo suas

relações.

Geraldo Ataliba12 não deixa para o legislador identificar os aspectos da

hipótese de incidência, não lhe sendo sua competência, afirma que o legislador

não é cientista. Cabe então ao intérprete reconhecer e identificar os diversos

aspectos da hipótese de incidência aplicando as noções científicas no seu

trabalho exegético. Com estas considerações, demonstra conforme abaixo o

que considera ser os aspectos essenciais da hipótese de incidência tributária:

1) aspecto pessoal; 2) aspecto material; 3) aspecto temporal e 4)aspecto

espacial;

Não se pode analisar apenas o aspecto material da hipótese de

incidência do IPTU, embasando suas narrativas no art.156 da CF e no art. 32

do CTN, bem como nos variados aspectos do direito de posse, suportada por

decisões Judiciais, entendendo que o possuidor direto e provisório não tem o

11 Hipótese de Incidência Tributária – Geraldo Ataliba – 4a. Ed. Editora Revista dos Tribunais

31

animus domini, logo sem capacidade econômica e não pode figurar como o

sujeito passivo do IPTU.

Devemos analisar também o aspecto pessoal do IPTU, para se

identificar o sujeito passivo, ou o responsável tributário e ou o contribuinte, e

devemos ter como ponto de origem o mencionado no artigo 34 do Código

Tributário Nacional:

O contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel,

o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a

qualquer título.

Se o locatário tem a posse direta, ainda que provisória, ele é possuidor

sob um determinado título, e jurídico. Logo pode ser uma das figuras a serem

eleitas como sujeito passivo, ou contribuinte ou ainda responsável tributário.

Assim na análise do aspecto pessoal da hipótese de incidência do IPTU,

podemos colocar o locatário como provável sujeito passivo, por ser ele

possuidor a qualquer título. Neste mesmo sentido, o grande mestre, Hely

Lopes Meirelles, ensina:

Possuidor é a pessoa que tem, de fato, o exercício, pleno ou não,

de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade

segundo a conceituação do Código Civil brasileiro (art.485). Só é

possuidor, entretanto, quem mantém a posse em seu próprio

nome, sem relação de dependência com o proprietário ou

possuidor indireto, e não exerça em cumprimento de ordens ou

instruções deste (art.487)

O Código Tributário considera contribuinte do IPTU o possuidor

do imóvel a qualquer título (art. 34, in fine) abrangendo assim,

12 Hipótese de Incidência Tributária – Geraldo Ataliba – 4a. Ed. Editora Revista dos Tribunais

32

também, os que exercem apenas temporariamente a posse direta

sem prejuízo da posse indireta daquele de quem a tenham obtido,

por força de obrigação ou direito, como usufrutuário, o credor

pignoratício e o locatário (CC, art. 486).

Daí resulta que, em tese, a lei tributária municipal poderia erigir

em contribuinte o locatário, cujo contrato de locação seja regido

por lei federal específica para as locações urbanas (Lei do

Inquilinato). Todavia, as leis do inquilinato geralmente atribuem os

encargos tributários ao locador e só por consentimento expresso

do inquilino sejam deferidos a este, como ocorre com a Lei 8.245,

de 18.10.91 (art.22, VIII). Qual a norma que deve prevalecer, a do

Código Tributário, que é lei complementar, o a Lei do Inquilinato,

que é ordinária.

Entendemos que, no caso, prevalecerá a lei ordinária, pois o

próprio Código Tributário Nacional declara que “a lei tributária não

pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos,

conceitos e formas de Direito Privado, utilizados, expressa ou

implicitamente, pela Constituição da República, pelas

Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito

Federal ou dos municípios, para definir ou limitar competências

tributárias’(art. 110)”.

Ora, a Constituição da República, para definir a competência

tributária municipal, refere-se expressamente à propriedade

(art.156, I) cujo conceito nos é dado pelo direito privado, que é

também o competente para regular as relações entre as pessoas

que tenham poderes atinentes à propriedade imobiliária e

discriminar os seus direitos e obrigações, tais como o locador,

possuidor indireto, e o inquilino, possuidor direto. Assim sendo, o

disposto no art. 34 do CTN, quanto ao possuidor a qualquer título,

33

deve ser entendido em conformidade com a legislação privada

específica, isto é, o possuidor poderá ser o sujeito passivo do

tributo quando a lei civil o permitir ou não o vedar13.”

Muitas vezes, apesar de não ser oponível ao fisco, a convenção

particular pode identificar o efetivo pagador do imposto, quem de fato suporta o

ônus tributário, é o caso e de muitos outros tributos com as tarifas de água e

de luz, que identificam o efetivo pagador.

Ainda, segundo a Lei do Inquilinato, Lei 8245/1991, nos artigos que

tratam dos deveres do locatário e locador, exatamente no artigo 22, inciso VIII,

havendo disposição expressa, a responsabilidade pelo pagamento do IPTU é

transferida para o locatário.

De qualquer forma, não se trata de opor ao fisco um mero documento

particular, mas, um documento que, com suporte legal, com suporte nas

normas de Direito Civil – Lei do Inquilinato e combinado com os Arts. 110 e

121, II do CTN, pode atribuir ao locatário a condição de responsável pelo

pagamento.

O artigo 121 inciso II do CTN atribui a condição de responsável

tributário para aquele que não sendo o contribuinte, obtenha esta condição por

disposição expressa de Lei. Ora, a Lei do Inquilinato autoriza a transferência

do encargo do IPTU para a responsabilidade do locatário, quando

expressamente contratado, e isto não será uma mera convenção particular.

Por evidente conveniência, o fisco municipal, regulamentando o que lhe

outorga como competência tributária a Constituição Federal, em suas leis, evita

identificar o locatário como responsável direto pelo IPTU, “muito mais fácil

13Hely Lopes Meirelles – Direito Municipal Brasileiro 6a Edição – Editora Malheiros.

34

perseguir o detentor do direito real”. Mas, o fisco pode flexibilizar em razão da

pessoalidade da relação14.

O anseio religioso é o mais primitivo dos desejos da raça humana, é o

que mais os diferencia dos demais animais irracionais, todas as sociedades de

homens e mulheres buscam por seu “deus”, por suas origens e destino final,

buscam algo que lhes falta no íntimo, buscam preencher um vazio, assim vêm

concluindo renomados antropologistas.

A bíblia, respeitada autoridade nos assuntos espirituais, nos informa que

os seres humanos querem se religar do que foram desligados lá no Jardim do

Édem, pois ao desobedecer ao Criador, vieram a ser dispensados, por justa

causa, foram desligados da origem da vida que é Deus, assim, desligados da

fonte divina, os humanos estão sedentos, e para isto criaram as religiões,

palavra cuja origem no latim significa religar – religar o que está desligado.

É este lado mítico e insaciável do homem por sua busca do Deus

JUSTIÇA, para a vingança contra os opressores e pecadores, e do Deus

AMOR para perdoar, salvar e restaurar a raça humana, que a Constituição

preserva. E mais, através da busca em se religar a Deus, o ser humano,

melhora sua convivência social, explode em criatividade, aumenta sua cultura,

estabelece seus folclores, etcetera.

A imunidade objetiva claramente impedir, por motivos que o

constituinte considera de especial relevo, que os poderes

tributantes, pressionados por seus déficits orçamentários,

invadam áreas que no interesse da sociedade devam ser

preservadas.15

14 cf. Sumula do STF 539. É constitucional a lei do município que reduz o imposto predial urbano sobre imóvel pela residência do proprietário, que não possua outro. 15 Ives Gandra Martins – Sist. Tribu. Const. de 1988 – Ed. Saraiva – 1991 – pág 153 e 154.

35

As vedações constitucionais que compreendem o patrimônio, a renda e

os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas

mencionadas (§ 4o do art. 150 da CF), deixaram claro o alcance da sua

pretensão imunizante. Aliás, nesta matéria de imunidade “como um toque de

Midas” o ente imune, naquilo que está diretamente ligado a sua atividade, no

caso o templo para culto, faz com que suas obrigações e direitos também

sejam imunes.

Segundo o Código Civil dos Estados Unidos do Brasil – comentado por

Clovis Beviláqua, volume 1 de 1940 – Ed. Rio Estácio de Sá, traçando os

parâmetros da interpretação do seu art. 57 – nas observações apôs :

PATRIMÔNIO É O COMPLEXO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS

DE UMA PESSÔA QUE TIVEREM VALOR

ECONÔMICO..Assim, compreende-se no patrimônio tanto os

elementos ativos quanto os passivos... É a atividade

econômica de uma pessoa, sob o seu aspecto jurídico, ou a

projeção econômica da personalidade civil.

Raoul de La Grasserie compreende-o como o prolongamento

da personalidade sobre as coisas.16

O patrimônio é formado pelo conjunto de relações ativas e

passivas, e esse vínculo entre os direitos e as obrigações do

titular, constituído por força de lei, infunde ao patrimônio o

caráter de universalidade de direitos17.

O pagamento do IPTU faz parte do elemento passivo do patrimônio do

Templo, nos exatos termos da Lei do Inquilinato, Lei 8245/1991, nos artigos

16 Teoria Geral do Direito Civil –Clóvis Beviláqua – 3a. edi. Ed. Rio

17 Silvio M. Marcondes Machado, Limitações da Responsabilidade do Comerciante Individual , no. 79.

36

que tratam dos deveres do locatário e locador, exatamente no artigo 22, inciso

VIII, já que existe disposição expressa (aliás, mesmo que assim não fosse,

podemos facilmente concluir que ninguém alugaria um imóvel sem a

expectativa de que pudesse se aliviar também dos encargos transferindo-os,

ainda que só no preço, para o locatário).

Quando a Constituição faz referência à vedação de ser cobrado imposto sobre o patrimônio, não está facultando aos Estados, à União, aos municípios e ao DF que lancem, criem exijam ou cobrem impostos sobre as operações, atos, atividades ou sobre os resultados daí obtidos, seja da entidade imune ou sobre o produto imune. Patrimônio não é apenas o conjunto de bens, direitos ou créditos, deduzidos das obrigações; mas o alcance da mensagem constitucional leva-nos ao raciocínio lógico e racional que nenhum imposto deverá suportar a entidade imune subjetivamente, como contribuinte de direito (o que obrigaria a recolher o imposto, se imune não estivesse ela); nem como mera depositária, nos impostos indiretos que gravam a saída e a circulação. O que pretende a Constituição é que o patrimônio mais as rendas e os serviços das entidades, não venham a sofrer qualquer redução ou diminuição, isto é, não venham a ser desfalcados, diminuídos ou reduzidos com o pagamento ou recolhimento de impostos, mesmo daqueles indiretos, pois neste caso, se o contribuinte de fato não saldasse seu débito, v.g., numa saída tributada, a entidade imune subjetivamente estaria suportando o respectivo ônus fiscal cobrado numa nota fiscal. O pagamento de impostos implica numa saída de numerários da caixa social, gerando uma diminuição de disponibilidade financeira e gerando uma despesa, que teria como conseqüência reduzir o patrimônio líquido da entidade... A Constituição, ao conceder o direito-garantia da imunidade às entidades que elenca e especifica, não distinguiu quais os impostos abrangidos, se diretos ou indiretos; nem quais as origens das receitas delas, desde que lícitas e vinculadas às atividades essenciais. O que não pode confundir, é que o patrimônio a que se refere, é elemento dinâmico e mutável dos bens, direitos e créditos da entidade, e não apenas o estático...

37

O conceito de patrimônio não pode ser interpretado obliquamente pelo fisco ou pela Administração Fazendária, para excluir da imunidade quaisquer impostos, a pretexto destes não incidirem diretamente sobre os bens da entidade18.

Ora, vê-se claro que o valor do IPTU, sendo o Templo locatário ou não

proprietário, cumpridos os pressupostos legais, não pode por este ser

suportado. Principalmente quando se trata do IPTU cuja obrigação do

pagamento, por força de Lei, foi transferido para o Templo inquilino.

18 Samuel Monteiro. Tributos e Contribuições –– 2a. Ediç.1991 Hemus Editora Ltda - SP

38

CAPÍTULO IV

HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ISS

Durante o processo de pesquisa, entrevistamos um administrador de

determinada igreja no município de São Gonçalo, que questionava a incidência

ou não de ISS sobre as vendas de gêneros alimentícios na cantina da igreja,

localizada no interior das dependências da mesma, bem como sobre as

vendas de livros e revista na sua livraria, de igual forma localizada no interior

das dependências da mesma e tendo em vista a fase final de construção de

seu templo, a eventual incidência de ISS sobre locação das vagas do

estacionamento nos dias de semana, tendo em vista a igreja estar localizada

no centro do município que tem séria carência de vagas para estacionamento

nos dias de semana.

Na análise de cada caso, deve prevalecer a coexistência de alguns

fatores que podem tornar a atividade imune à tributação. Primeiramente há que

se analisar a vinculação dos serviços com as finalidades essenciais da

entidade ou às delas decorrentes (Art. 150, § 4º), bem como a aplicação dos

recursos derivados dessas prestações de serviços em consonância com o art.

14 do Código Tributário Nacional.

Em seguida devem ser observados os ensinamentos do Prov. Ives

Gandra, no sentido da avaliação do resultado da prestação desses serviços no

mercado local, que trazemos novamente a este trabalho:

“ O § 4º, todavia, ao falar em atividades relacionadas, poderá ensejar a interpretação de que todas elas são relacionadas, na

39

medida em que destinadas a obter receitas para a consecução das atividades essenciais. Como na antiga ordem, considero não ser esta a interpretação melhor na medida em que poderia ensejar concorrência desleal proibida pelo art. 173, § 4º da Lei Suprema. Com efeito, se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência mas livre de impostos.

Além disso, devem ser verificados as circunstância de cada caso

concreto, pois, como caso em tela, tratava-se de igreja com um rol de

membros de aproximadamente 5 mil pessoas, das quais, cerca de 5% se

utilizavam de veículo próprio para se deslocarem ao templo e o projeto de

construção do templo dois andares para o templo propriamente dito, três

andares para salas para as atividades da Escola Bíblica Dominical e para

diversos cursos oferecidos pela igreja durante a semana, como alfabetização

de adultos, pré-vestibular, cursos de estudo bíblico, informática e outros, e o

sub-solo para uma garagem que comportaria cerca de 200 veículos, que

atenderia a aproximadamente 80% da demanda dos membros por vagas nos

cultos dos domingos de manhã e à noite. Neste caso, a utilização do

estacionamento durante a semana, caracteriza-se mais por uma medida de

mordomia com os dízimos e ofertas dos membros, sendo perfeitamente

aplicável a imunidade do ISS. Porém, analisemos se, nas mesmas condições,

a igreja tivesse em seu projeto a construção de quatro andares para vagas de

garagem que comportariam cerca de 800 veículos e apenas um andar para o

templo propriamente dito. Neste caso ficaria caracterizada a intenção de obter

vantagem em relação ao mercado, pois a demanda por vagas para os

membros nos dias de maior movimento seria de cerca de 240 veículos. Neste

caso não parece coerente a não incidência do ISS.

40

Pertinente agregar ao trabalho jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal quando analisou o Recurso Extraordinário 114.900/SP, conforme

ementa a seguir:

“EMENTA: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA, ART. 150, VI, C, DA

CONSTITUIÇÃO. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.

EXIGÊNCIA DE IMPOSTO SOBRE SERVIÇO CALCULADO

SOBRE O PREÇO COBRADO EM ESTACIONAMENTO DE

VEÍCULOS NO PÁTIO DA ENTIDADE.

Ilegitimidade. Eventual renda obtida pela instituição de assistência

social mediante cobrança de estacionamento de veículos em área

interna da entidade, destinada ao custeio das atividades desta,

está abrangida pela imunidade prevista no dispositivo sob

destaques Precedente da Corte: RE 116.188-4. Recurso

conhecido e provido.” (RE nº 144.900/SP, in DJU 26/09/97, pág.

47.494).

41

CAPÍTULO V

O CASO DO ICMS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Nesse capítulo, nos limitaremos a apresentar a íntegra da justificativa

apresentada pelo Deputado Estadual Armando Jose, no Projeto de Lei

69/2003, bem como a legislação em vigor relativa à proibição de cobrança de

ICMS sobre serviços de públicos estaduais de água, luz, telefone e gás.

PROJETO DE LEI Nº 69/2003

EMENTA: "ALTERA A LEI ORDINÁRIA Nº 3266, DE 06 DE OUTUBRO DE 1999"

Autor(es): Deputado ARMANDO JOSÉ A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RESOLVE: Art. 1º - O art. 1º da Lei Ordinária nº 3266, de 06 de outubro de 1999, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 1º- Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de Serviços Públicos Estaduais e Municipais – água, luz, telefone e gás – a templos de qualquer culto, desde que o imóvel esteja comprovadamente na posse da entidade religiosa.

§ 1º- Nos casos em que o imóvel for próprio, o mesmo deve estar devidamente registrado.

§ 2º- Nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá se dar através de contrato de locação ou comodato, ou ainda pela posse.

§ 3º- A imunidade tratada na caput deste artigo, será reconhecida e mantida exclusivamente pelos requisitos previstos nos parágrafos anteriores, abrangendo os imóveis relacionados com as finalidades

42

essenciais das entidades religiosas independentemente de servirem diretamente à realização de celebrações religiosas."

Art. 2º - Fica revogado o art. 2º da Lei Ordinária nº 3266 de 06 de outubro de 1999.

Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando todas as disposições em contrario.

Plenário Barbosa Lima Sobrinho, 19 de Fevereiro de 2003

ARMANDO JOSÉ

DEPUTADO ESTADUAL

JUSTIFICATIVA A imunidade tributária concedida aos templos de qualquer culto prevista no art. 150, VI, b e § 4º, de nossa Constituição da República de 1988, abrange o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das instituições religiosas, “verbis”:

Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

... b) templos de qualquer culto.

... § 4º As vedações expressas no incisos VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas".

Etimologicamente, religião vem de “religare” como uma ligação, um contato ou uma religação do homem com Deus, através da prática religiosa nos referidos templos com a realização de celebrações religiosas e/ou através de atividades que integrem as finalidades e os dogmas religiosos de cada instituição.

De acordo com o entendimento do Dr. MARCIO VIEIRA SANTOS, advogado especializado em direito público e Mestre em Direito do Estado e Evolução Social, acerca da grande importância deste projeto, verifica-se que o mesmo “em nível estadual representa uma garantia à ‘força normativa’ e ao ‘sentimento constitucional’ de nossa ‘Lex Fundamental’ de 1988, parafraseando, respectivamente, konrad Hesse em ‘A Força Normativa da Constituição’ e Pablo Lucas Verdu em ‘El Sentimento Constitucional’, figurando como instrumento protetivo hábil e efetivo do cânone constitucional tributário da IMUNIDADE, atinente,

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de maneira setorial aos templos de qualquer culto, que na verdade garante a liberdade religiosa e o exercício da cidadania em nosso Estado Democrático de Direito”, conforme adiante verifica-se.

Outrossim, como corolário do supradito princípio constitucional setorial tributário, também vem perquirir o projeto em tela a tutela de outros direitos fundamentais que são a liberdade religiosa e de crença, como rezam os incisos VI e VIII do art. 5º da CRFB/88.

Com esse intuito, busca a alteração dos artigos 1º e 2º da Lei nº 3266, de 06 de outubro de 1999, em prol da inserção dos serviços públicos municipais que devem respeitar a supracitada IMUNIDADE, a qual deve prevalecer em todos os níveis da federação, devendo atingir todos os serviços públicos prestados por concessionárias atuantes em nosso Estado do Rio de Janeiro, por tratar-se de cânone constitucional.

Oportuno ressaltar que, o motivo maior que levou este projeto a ressaltar a questão dos serviços públicos municipais, também abarcados pela presente IMUNIDADE, foi o desrespeito à referida Lei nº 3266/99 por muitas concessionárias de serviços públicos que atuam em diversos municípios localizados em nosso Estado do Rio de janeiro, as quais cobram indevidamente tributos em contas de água, luz, telefone e gás dos templos religiosos, apesar da existência da citada Lei Estadual, criada com fulcro em correta competência legiferante desta ALERJ – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de janeiro, que tem abrangência em todo território do Estado do Rio de Janeiro. Inclusive, corroborando com tal argumento, administrativamente a própria fazenda pública e o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro já entendem e orientam tais prestadores de serviços em não efetuar essas cobranças, pois são inconstitucionais.

Ademais, outro ponto importante tratado por este projeto, que inclusive foi recentemente aprovado pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento no dia 18 de dezembro de 2002, atinente ao Recurso Extraordinário nº 325.822-SP cujo relator foi o Exmo. Ministro Ilmar Galvão e o redator para acórdão foi o Exmo. Ministro Gilmar Ferreira Mendes, ora abarcando a IMUNIDADE em análise, é a necessária abrangência de tal determinação principiológica constitucional de que os imóveis relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas independemente de servirem diretamente à realização de celebrações religiosas, também não podem "in casu" sofrerem tributação.

Portanto, com esse entendimento, o STF – Supremo Tribunal Federal, por maioria, conheceu de recurso extraordinário e o proveu para, assentando a imunidade, reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo cuja decisão estadual havia determinado de maneira equivocada que, à exceção dos templos em que são realizadas as celebrações religiosas e das dependências que servem

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diretamente a estes fins, poderia ser cobrado IPTU relativamente a lotes vagos e prédios comerciais de entidade religiosa.

A referida vitória do Recorrente no caso supradito, o qual pleiteou a IMUNIDADE aos imóveis das instituições religiosas que estivessem relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas independemente de servirem diretamente à realização de celebrações religiosas, cujo advogado foi o brilhante DR. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS representa uma especial vitória de nossas instituições democráticas e da liberdade de nosso povo, e da cidadania, por não expor qualquer liame ou ferimento à figura da neutralidade confessional do Estado laico.

Posto isto, peço a especial atenção de meus pares sobre o temário em foco e que, com o apoio e aprovação deste projeto por cada parlamentar, mais uma vez nossos institutos de direito e a cidadania acima de tudo possa ser tutelada em nível normativo nos trabalhos desta Douta Casa Legiferante no amado estado do Rio de Janeiro.

LEI 3266, DE 06 DE OUTUBRO DE 199919.

PROÍBE A COBRANÇA DE ICMS NAS CONTAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS ESTADUAIS A IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CULTO.

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO D E C R E T A: Art. 1º - Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais - “água, luz, telefone e gás” - a igrejas e templos de qualquer culto, desde que sejam próprios. * Nova redação dada pela Lei nº 3627/2001 * Art. 1º - Fica proibida a cobrança de ICMS nas contas de serviços públicos estaduais – água, luz, telefone e gás – de igrejas e templos de qualquer culto, desde que o imóvel esteja comprovadamente na posse das igrejas ou templos. Parágrafo único – Nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá se dar através de contrato de locação ou comodato devidamente registrado, ou ainda, da justificativa de posse judicial. * Nova redação dada pela Lei nº 3863/2002.

19 Portal do Governo do Estado do Rio de Janeiro. www.govervo.rj.gov.br

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Art. 2º - São definidas, para efeito do Artigo 1º, as contas relativas a imóveis ocupados por templos de qualquer culto, devidamente registrados. Art. 3º - Fica o Governo do Estado desobrigado a restituir valores indevidamente pagos até a data da vigência desta Lei. Art. 4º - Os templos deverão requerer, junto às empresas prestadoras de serviços, a imunidade a que têm direito. Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, 06 de outubro de 1999.

DEPUTADO SÉRGIO CABRAL

Presidente

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CONCLUSÃO

A presente monografia buscou abordar as diversas correntes de

doutrinas sobre este tema tão complexo que é o alcance das imunidades

tributárias, ficando demonstrado que a imunidade não é uma benesse, um

privilégio que a sociedade concede, mas um ônus que assume aquela

instituição que se obriga a cumprir os requisitos constitucionalmente

estabelecidos para o exercício daquelas determinadas atividades.

O titular da imunidade não é nem a instituição, nem o Estado, mas a

sociedade, difusamente representada, que estabelece no ordenamento jurídico

as diretrizes a serem seguidas por aqueles que desejam ser desonerados de

impostos.

O interesse das futuras gerações em uma sociedade melhor é que

determina a desoneração tributária atual, sendo que o exercício cotidiano da

cidadania é que permitirá alcançar este objetivo.

O nosso entendimento é de que a jurisprudência deva continuar

caminhando no sentido de imprimir uma visão ampla e uma interpretação

teleológica, isto é, buscando a inter-relação entre meios e fins, buscando

maximizar o potencial de efetividade das imunidades, entendendo que, se o

legislador se preocupou em proteger o patrimônio, este constituído de bens,

direitos e obrigações, a renda e os serviços de alguns entes da sociedade que

o auxiliam no alcance dos objetivos do Estado, como o fez em relação aos

templos de qualquer culto por entender a importância da atuação dessas

entidades no bem estar social, equilíbrio espiritual e emocional da sociedade.

Certo é que o Estado, através dos seus legisladores e julgadores deve

impedir o mau uso, os abusos, os excessos, a má fé de pessoas e se utilizam

das imunidades para obterem benefícios próprios, bem como os indivíduos

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integrantes das entidades imunes, quer sejam fieis, religiosos, associados,

filiados ou sindicalizados, devem exercer um acompanhamento rigoroso na

gestão financeira e patrimonial dessas entidades, evitando também eventuais

desvios das finalidades essenciais e as delas decorrentes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MONTEIRO, Samuel. Tributos e Contribuições. 2ª. Ed. São Paulo: Ed. Hemus, 1991 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário, 10ª ed. SP, Saraiva, 1990. POGGI, Gianfranco . A Evolução do Estado Moderno. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1981 SCAFF, Fernando Facury. Cidadania e Imunidade Tributária. Disponível em <http://www.mp.pr.gov.br> Acesso em: 15 mar. 2008. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 6ª ed. São Paulo: RT, 1990. TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação, Rio de Janeiro:Renovar, 1995. COELHO, Werner Nabiça. A Imunidade Tributária dos Templos – Breves Considerações. Disponível em http://www.uj.com.br. Acesso em: 15 mar. 2008. Portal do Governo do Estado do Rio de Janeiro. www.govervo.rj.gov.br

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

1

0

1.1– Precedente Histórico

1

0

1.2 – Conceito

1

5

CAPÍTULO II - IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

1

8

2.1 – Precedente Histórico

1

8

2.2 – Alcance das Imunidades dos Templos de Qualquer Culto

2

2

CAPÍTULO III – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO IPTU

2

8

CAPÍTULO IV – HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DO ISS

3

8

CAPÍTULO V – O CASO DO ICMS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

4

1

51

CONCLUSÃO

4

6

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

4

8

ÍNDICE

5

0

FOLHA DE AVALIAÇÃO

5

1

52

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Instituto a Vez do Mestre

Título da Monografia: Imunidades dos Templos de Qualquer Culto

Autor: Ronaldo Cunha Barreto

Data da entrega : 03 / ABRIL / 2008

Avaliado por : Conceito :