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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL TECNOLOGIA EM FOTOGRAFIA SAMARA VANZ A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA CONTO CAXIAS DO SUL 2016

UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS … · Durante as aulas de graduação, uma professora de fotografia indicou um livro, A invenção de Hugo Cabret, do autor americano

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

TECNOLOGIA EM FOTOGRAFIA

SAMARA VANZ

A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA CONTO

CAXIAS DO SUL

2016

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SAMARA VANZ

A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA CONTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Tecnólogo em Fotografia do curso de Tecnologia em Fotografia da Universidade de Caxias do Sul. Orientadora: Prof.ª. Me. Myra Adam de Oliveira Gonçalves

CAXIAS DO SUL

2016

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SAMARA VANZ

A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA CONTO

Trabalho de conclusão de curso apresentado

como requisito parcial para obtenção do grau

de Tecnólogo em Fotografia do curso de

Tecnologia em Fotografia da Universidade de

Caxias do Sul.

Orientadora: Prof.ª. Me. Myra Adam de

Oliveira Gonçalves

Aprovado em:

Banca Examinadora:

_________________________________________________________

Prof.ª. Me. Myra Adam de Oliveira Gonçalves

Universidade de Caxias do Sul - UCS

_________________________________________________________

Prof. Me. Edson Luiz Corrêa

Universidade de Caxias do Sul - UCS

_________________________________________________________

Prof.ª. Dra. Ivana Almeida da Silva

Universidade de Caxias do Sul – UCS

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais por sempre estarem ao meu lado e me apoiarem em

minhas decisões, por eles oferecerem todo o suporte e preocupação ao logo de todos

esses anos. Gostaria de agradecer especialmente à minha irmã Samanta e ao meu

namorado Iago, que me aturaram, me auxiliaram e me deram toda a força, incentivo e

apoio. Por quando eu já estava desistindo, eles me convenceram que eu conseguiria.

Agradeço à três pessoas bem especiais que me ajudaram com as fotografias:

meus dois modelos, Carol e João que tiveram a paciência em fazer e refazer as

fotografias e a Mayara que me emprestou um item valioso para a finalização deste

projeto.

A todos os meus professores que me ensinaram e me ajudaram a crescer

academicamente.

Este projeto não se realizaria sem a ajuda de bom coração de vocês.

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“A arte é o único domínio em que a onipotência

das ideias se manteve até nossos dias. Só na

arte ainda acontece que um homem,

atormentado por desejos, realize algo que se

assemelhe a uma satisfação; e, graças a ilusão

artística, este jogo produz os mesmo efeitos

afetivos, como se fosse algo real. É com razão

que se fala da magia da arte e que o artista é

comparado a um mágico”.

(Sigmund Freud)

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RESUMO

O presente trabalho estuda o desenvolvimento de um conto com a fotografia como

forma de narrativa para a contação de uma história mitobiográfica. O objetivo é

descobrir se as imagens fotográficas são capazes de dar uma sequência narrativa a

história, permitindo que as pessoas conheçam uma forma diferente de leitura, que não

utiliza apenas as palavras. Para o desenvolvimento do conto, foi escolhido a canção

Joquim de Vitor Ramil para definir o personagem principal, construindo, juntamente

com a pesquisa bibliográfica do personagem real Joaquim Fonseca, o foco deste

estudo.

Palavras-chaves: Fotografia. Narrativa visual. Arte sequencial. Joaquim Fonseca.

Mitobiografia.

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ABSTRACT

The presente job studies the development of a tale with the photography as narrative

form to the storytelling of a myth biography. The objective is discover if the photography

images are able to give a narrative sequence to the story, by allowing the people to

know a diferente kind of reading, which don’t use just the words. To the tale

development, it was chosen the song “Joquim”, written by Vitor Ramil to define the

main character, building along with the bibliographic research of the real character

Joaquim Fonseca, the focus of this study.

Keywords: Photography. Visual storytelling. Sequential Art. Joaquim Fonseca. Myth

biography.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Estrutura narrativa...................................................................................... 12

Figura 2 - Fragmentos................................................................................................ 22

Figura 3 - Fragmentos 2............................................................................................. 23

Figura 4 - Novela gráfica, Debout les Morts............................................................... 24

Figura 5 - Sequência 1 da novela gráfica, Debout les Morts..................................... 25

Figura 6 - Sequência 2 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 25

Figura 7 - Sequência 3 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 26

Figura 8 - Sequência 4 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 26

Figura 9 - Sequência 5 da novela gráfica, Debout les Morts...................................... 27

Figura 10 - Sequência das páginas 206 e 207............................................................ 28

Figura 11 - Sequência das páginas 208 e 209............................................................ 29

Figura 12 - Sequência das páginas 210 e 211............................................................ 29

Figura 13 - Sequência das páginas 212 e 213............................................................ 30

Figura 14 - Sequência das páginas 214 e 215............................................................ 30

Figura 15 - Sequência das páginas 216 e 217........................................................... 31

Figura 16 - Sequência das páginas 218 e 219........................................................... 31

Figura 17 - Sequência das páginas 220 e 221........................................................... 32

Figura 18 - Estrutura da revenda autorizada pela Ford.............................................. 33

Figura 19 - Ford modelo T, “espichado”...................................................................... 34

Figura 20 - Automóveis da linha São Lourenço-Pelotas............................................ 34

Figura 21 - Joaquim Fonseca recebido em São Lourenço......................................... 35

Figura 22 - Interior da oficina recém instalada........................................................... 36

Figura 23 - Joaquim abastecendo a lancha................................................................ 36

Figura 24 - Joaquim, Elda e amigas, Praia em São Lourenço................................... 37

Figura 25 - O porão da casa de Joaquim................................................................... 38

Figura 26 - F.1............................................................................................................ 38

Figura 27 - F.2 ........................................................................................................... 39

Figura 28 - Joaquim e Elda com a nomeada Cidade de Pelotas............................... 40

Figura 29 - Oficina Fonseca....................................................................................... 41

Figura 30 - Louco com o dom da imaginação............................................................ 52

Figura 31 – Delimitação da personalidade dos irmãos............................................... 53

Figura 32 - Primeira sequência de imagens............................................................... 56

Figura 33 - Storyboard parte 1.................................................................................... 56

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 09

2 NARRATIVA .....................................................................................................….. 11

2.1 NARRATIVA VISUAL ......…........................…..................................................... 17

2.1.1 Texto-Imagem ......…........................…........................…...............…...…....... 20

3 JOAQUIM DA COSTA FONSECA FILHO (1909 -1968) …................................... 33

3.1 JOQUIM ..........................…........................….........................….....................… 41

3.1.1 Mitobiografia .......…........................….......................…........……................... 43

4 METODOLOGIA ...........................……………….……...………….…...…............... 48

4.1 ESCOLHA DO PERSONAGEM ...…………………..……………..…........……..... 51

4.2 PROCEDIMENTOS DO CONTO .................................................……..........…... 52

4.3 PROCEDIMENTO DO STORYBOARD ...................................................….…... 55

4.4 ROTEIRO ............................................................................................................ 57

4.5 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA ............................................................................. 61

4.5.1 Pós produção fotográfica .............................................................................. 61

4.6 DIAGRAMAÇÃO ....................................................................……................…... 62

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 65

APÊNDICE A – CONTO NA ÍNTEGRA DO SUBCAPÍTULO 4.2..............................71

APÊNDICE B – STORYBOARD DO CONTO NO SUBCAPÍTULO 4.3..................... 82

APÊNDICE C – LICENÇA DE USO DAS IMAGENS................................................. 87

APÊNDICE D – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I.................................. 90

ANEXO A – CANÇÃO JOQUIM .................................................................................113

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho procura utilizar a fotografia em conjunto com a escrita

com a finalidade de transformar a imagem em narração dentro do contexto de um

conto. Ao contrário de apenas ilustrar partes específicas do texto, a imagem cria

sequência à produção escrita, em um conceito mais próximo ao da fotografia do que

do desenho.

Este projeto apresenta uma nova dinâmica de leitura, juntando imagens

fotográficas com a escrita, para que o leitor tenha uma compreensão diferente da

história e uma nova experiência de leitura.

Para isto, foi trabalhada a história de Joaquim da Costa Fonseca Filho,

morador da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, que é um dos pioneiros da aviação

civil brasileira – ele tinha o sonho de voar.

Como inspiração para a criação do trabalho autoral, duas fontes de conteúdo

foram utilizadas como base:

a) a música “Joquim”, composta e interpretada pelo músico Vitor Ramil, que

conta de maneira romantizada a história de vida de Joaquim da Costa Fonseca Filho;

b) a mitobiografia1 da música de Vitor Ramil como apoio para a interpretação

do contexto.

A ideia de criar as imagens para o trabalho vem através da noção da arte

sequencial, que por sua vez conta uma história através de imagens interligadas.

Em minha vida sempre estiveram presentes os filmes, livros e a paixão pela

fotografia. Os livros ilustrados sempre foram meus favoritos, aqueles com capas

coloridas, com muitas figuras, com uma diagramação diferente, mostrando os

personagens e a visão do ilustrador sobre o que o autor propôs.

Durante as aulas de graduação, uma professora de fotografia indicou um livro,

A invenção de Hugo Cabret, do autor americano Brian Selznick, que tem uma proposta

de leitura singular: ele possui o diferencial de intercalar imagens narrativas para dar

continuidade ao texto. O autor utiliza outro meio, que não o escrito, para contar a

história, tornando a obra dinâmica sem perder a coerência narrativa. Era muito

1 “Uma categoria que parte da ideia de mito, na Poética, de Aristóteles (1993), fortalecendo o entendimento do significado dessa categoria como imitação de uma vida”, de Sérgio Luiz Peres de PERES, Uma história de invenções: memória e biografia em Joaquim Fonseca, da Revista memória em rede, Pelotas, v.1, n.1, dez. 2009/mar. 2010.

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diferente dos que já conhecia, e foi então que deu o “estopim” para a ideia de um livro

que contém texto e imagens fotográficas, estabelecendo uma sequência, onde uma

imagem depende da outra para que você consiga ler a história. Na época da indicação

do livro citado, não foi possível a produção fotográfica, por isso foi guardada a

inspiração para mais adiante, utilizando a ideia da narrativa a partir da leitura

realizada.

Na metade de dois mil e quatorze, conheci a música famosa do Vitor Ramil,

Joquim, a qual foi inspiração no qual possibilitou de pensar em mil formas para usar

essa história com base para as características de um personagem a ser fotografado.

Mais adiante, com a leitura do livro, O orfanato da Senhora Peregrine para crianças

peculiares, do autor Ransom Riggs, foi vislumbrado a possibilidade de juntar fotografia

com texto.

O trabalho foi organizado de maneira com que seja possível o aprofundamento

do assunto. O capítulo 2, chamado de Narrativa, nos traz uma breve descrição do

termo e seus principais elementos para a estrutura, consta dentro de tal capítulo um

rápido conceito de roteiro e storyboard, que ajudou no desenvolvimento do projeto.

Ainda neste capítulo, estudou-se a parte visual e o poder da imagem e da interpretação

do leitor.

No terceiro capítulo, é abordada a história tanto real de Joaquim da Costa

Fonseca quanto a canção Joquim de Vitor Ramil, além de identificar o conceito

mitobiográfico sobre ambas as obras.

Por fim, no último capítulo, foram conceituadas as metodologias utilizadas

e os procedimentos que irão auxiliar toda a finalização do trabalho prático, que é o

conto completo, composto por texto e imagens.

A execução deste projeto tem como objetivo geral responder se as imagens

fotográficas são capazes de complementar uma sequência narrativa textual.

O projeto tem o conceito de levar novas experiências para os leitores, de poder

expressar uma versão diferente sobre a vida de Joaquim Fonseca, pois, em bases dos

estudos realizados, a obra estimulará o imaginário de quem lê.

.

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2 NARRATIVA

A narração é uma sequência de ocorridos onde os personagens se

movimentam em um determinado espaço e tempo; ela é uma forma de expressão

utilizada para contar algum fato ou acontecimento. Narrar é contar uma história, tanto

real como imaginária. Para Adam; Revaz (1997, p.18) “a narrativa é, em primeiro lugar,

representação de ações”. Os autores ainda declaram que essa representação além

de imitar as ações, produz um efeito de reação no interlocutor.

Barthes (1987), ao citar questões sobre narrativa diz que:

[...] ela está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm as suas narrativas, muitas vezes essas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes, até mesmo opostas: a narrativa zomba da boa e da má literatura: internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está sempre presente, como a vida (BARTHES, 1987, p.103-104).

Desta forma, o texto narrativo é baseado na ação que envolve o personagem,

tempo, espaço e conflito. Contém cinco principais elementos que são: narrador,

enredo, personagem, espaço e tempo.

Para melhor compreensão desenvolve-se a seguir cada item citado:

a) Narrador: é a entidade que expressa os fatos, contudo, o narrador é

diferente do autor; enquanto que o narrador é fictício, o autor está transmitindo de fora

da criação literária.

Genette (apud MAINGUENEAU, 1996) classifica quatro tipos de narrador:

I. Narrador extradiegético: o narrador não faz parte da narrativa;

II. Narrador intradiegético: narra suas experiências como protagonista

principal;

III. Narrador heterodiegético: narra a história de outras pessoas;

IV. Narrador homodiegético: relata fatos que ele vivenciou como

personagem, mas não é o protagonista principal. Relata suas próprias experiências

para contar a história.

b) Enredo: também pode ser chamado de trama, no qual é desenvolvido os

acontecimentos; é uma sequência de ações na qual a história progride.

A estrutura ideal para Adam; Revaz (1997) inicia com uma situação sólida,

onde há um desequilíbrio diante de um conflito de ações, que gera um movimento de

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ação contrária a ação inicial, resultando novamente em um equilíbrio que caracteriza

a situação final.

O esquema abaixo representa as fases da narrativa descritas anteriormente:

Figura 1 - Estrutura narrativa

Fonte: ADAM; REVAZ, 1996

c) Personagens: são os envolvidos na narrativa, vivenciam os fatos

narrados e sua função é simular pessoas, comportamentos, sentimentos, etc.

Comparato (1999, p.111) define personagem como: “vem a ser algo assim

como personalidade e aplica-se às pessoas com um caráter definido que aparecem

na narração”.

Reales; Confortin (2009) ressaltam que um personagem é um signo e, para

fins de análise, é necessário prestar atenção nas características, o modo como se

relaciona com os outros personagens, sua forma de discursar e a sua função dentro

da narrativa. Sendo assim, cada personagem tem sua serventia e podemos dividi-los

em: protagonista (herói ou o anti-herói), antagonista, secundário e figurantes.

O personagem que se classifica como protagonista pode ser qualquer coisa,

pessoa, um grupo de pessoas, ações ou expressões, ele irá ser o principal dentro da

história, Comparato (1999) informa que não se pode confundir o protagonista com os

demais, pois ele será o centro das ações, portanto será o mais definido e elaborado.

O herói tem a função de ser a figura central, para Reis; Lopes (1988, pg. 210)

a figura do herói junto com as demais categorias narrativas (ação, espaço, tempo)

“contribuem para revelar a sua centralidade indiscutível”.

O herói tem uma variável de características, que ao longo do tempo tem

mudado, porém Reales; Confortin (2009) salientam que a característica que

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permaneceu a este protagonista é a sua condição de humano, com defeitos e dádivas,

todavia sempre se destacando do homem comum.

Na Antiguidade grega, o herói vivia entre os deuses e os homens e possuía

inúmeras características. O desenvolvimento do herói mítico acontecia em rituais

durante provas nas quais testavam suas virtudes, no momento que o herói conseguia

finalizar seu trajeto era recompensado com a imortalidade.

No Renascimento, a figura do herói era o homem que se destacava do seu

grupo e se evidenciava pelas suas fortes características de bravura, liderança,

conseguindo lutar nas batalhas tanto contra os deuses, quanto os mortais.

O herói romântico, no período do Romantismo, era um ser solitário e

atormentado, Reales; Confortin (2009, p.24) definem este herói como uma

“representação ideal da nova sociedade burguesa, em processo de industrialização,

e, por outro, o drama do indivíduo voltado ao sofrimento e à perseguição”. O final desta

narrativa por muitas vezes é fatídico.

Com uma forte influência nas características do século XIX, foram

desenvolvidos os heróis realista e naturalistas, com base em pensamentos

positivistas2 e no cientificismo3. Eles buscam provações, tendem muitas vezes superar

conflitos, entretanto seu final pode ser cruel.

Por outro lado, o protagonista pode ser o anti-herói, isto quer dizer que o

personagem principal também poderá ser essa figura que tem características que são

consideradas adversas à do herói.

d) Espaço: não é somente o lugar que ocorre a ação, mas também os

ambientes sociais, psicológicos, morais e culturais. Essa é uma das categorias mais

importantes dentro da narrativa.

e) Tempo: seria a vivência dos personagens, o tempo em que se

desencadeiam as ações.

Metodologicamente existe dois conceitos de tempo; o tempo da história que,

a mesma se é narrada discursivamente, são os acontecimentos em ordem

cronológica. Temos como exemplo o romance, as autobiografias e narrativas

2 Positivismo, é uma corrente filosófica que estabelece o conhecimento científico sendo a única forma de conhecimento verdadeiro. Informações do site <http://www.infoescola.com/sociologia/positivismo/> Acesso em 17 jun. 2016. 3 Cientificismo é voltada para a racionalidade, coerência lógica que a melhor maneira de investigar algo é pelo modo científico. Informações do site <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642015000100001> Acesso em 17 jun. 2016.

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biográficas que poderá ser definido e localizado a temporalidade dos fatos da história.

Este tempo também é psicológico, assim como classifica Reales; Confortin (2009,

p.45): a “forma de experiência narrativa do tempo se dá nas vivências subjetiva dos

personagens por meio de estratégias específicas do discurso vinculadas à capacidade

de recriação da memória”.

O segundo tempo é o discurso, que tem por finalidade a estrutura linguística

do processo narrativo, o qual necessita elaborar pelo tempo da história as estratégias

e perspectiva narrativa, para assim criar peculiaridade de cada peça literária

(REALES; CONFORTIN, 2009).

As estruturas narrativas citadas acima, são base para formar o corpo da

história, dando ordem, limite e sentindo, além de determinar se está correto ou não.

Esta estrutura, para Adam; Revaz (1997) é muito importante, pois colabora para o

funcionamento do texto, como uma estratégia de comunicação. Eles afirmam ainda

que tem a função de produzir efeito no leitor.

Porém, para dar essência à história precisamos identificar o tema, assunto e

a mensagem. A professora Cândida Vilares Gancho (2012) define esses três

conceitos:

Tema é a ideia em torno da qual se desenvolve a história. Pode-se identifica-lo, pois corresponde a um substantivo (ou expressão substantiva) abstrato (a). Assunto é a concretização do tema, isto é, como o tema aparece desenvolvido no enredo. Pode-se identifica-lo nos fatos da história e corresponde geralmente a um substantivo (ou expressão substantiva) concreto (a). Mensagem é um pensamento ou conclusão que se pode depreender da história lida ou ouvida. Configura-se como uma frase (GANCHO, 2012, p.30).

Segundo Leite (2007, p.6): “o narrador pode descrever o que viu, o que viveu,

o que sonhou, o que desejou. Por isso, narração e ficção praticamente nascem juntos”.

As narrativas não valem somente para histórias, o ser humano vive com elas

durante anos, e com diversos meios de transmissão como televisão, filmes, histórias

em quadrinhos, novelas, em volta dos mitos, das lendas e podem ser contadas por

qualquer pessoa.

Barthes (1976) nos ajuda a compreender os tipos de linguagem destas

narrativas:

A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, orla ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas as

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substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantoneima, na pintura […], no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos no fait drivers, na conversação (BARTHES, 1976, p.19).

Esta mesma linguagem que Barthes fala pode ser qualquer uma que narre

algo, destaca-se aqui a literatura que, entre seus termos, existe a ficção.

Segundo Todorov (apud COMPARATO 1983, p.75) “a literatura não é uma

linguagem que possa ou deva ser falsa [...] é uma linguagem que não se deixa

submeter à prova da verdade [...] isto é o que lhe define o próprio estatuto da ficção”.

A forma de escrita que foi utilizada para o trabalho, é o roteiro, no qual se

destaca em trabalhar com o audiovisual.

Roteiro é o esboço, uma pré-escrita do trabalho final, outro exemplo deste

meio é o storyboard que é uma ferramenta utilizada para dinamizar a criatividade,

além de possibilitar que visualize o projeto final.

Storyboard é muito parecido com as histórias em quadrinhos, porém os

quadrinhos é um produto final, enquanto o storyboard tem a finalidade de ilustrar a

ideia do criador do trabalho, para assim facilitar o entendimento do material a ser

executado, ele seria mais como o rascunho de quem está criando.

Esta ferramenta torna possível mostrar detalhes a serem explorados, como

enquadramento, expressões faciais, facilitando o fluxo descritivo de cada cena a ser

trabalhada.

Voltando ao conceito do roteiro, pode-se dizer que se assemelha com o

storyboard, uma vez que ambos têm a mesma finalidade. Conforme Comparato

(1999), “o roteiro é o princípio de um processo visual, e não o final de um processo

literário”.

De acordo com Carrière (apud COMPARATO, 1999, p.20):

Escrever um roteiro é muito mais do que escrever. Em todo caso, é escrever de outra maneira: com olhares e silêncio, com movimentos e imobilidades, com conjuntos incrivelmente complexos de imagens e de sons que podem possuir mil relações entre si, que podem ser nítidos ou ambíguo, violentos para uns e suave para outros, que podem impressionar a inteligência ou alcançar o inconsciente, que se entrelaçam, que se misturam entre si, que por vezes até se repudiam, que fazem surgir as coisas invisíveis (CARRIÈRE apud COMPARATO, 1999, p.20).

Assim como as narrativas, o roteiro também tem seus principais elementos.

Para Comparato (1999) nessa ação são etapas do processo para conseguir finalizar

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o roteiro. Elas são: ideia, conflito, personagens, ação dramática, tempo dramático e

unidade dramática.

A ideia é gerada de um processo mental, está juntamente ligada a criatividade

e como Comparato (1999) descreve ela gera no autor a “necessidade de relatar”.

Após ter a ideia é necessário que haja um conflito essencial, para facilitar o

resumo, é utilizado a ferramenta storyline, que seu significado é “linha da história”, é

um resumo breve, que deverá conter no máximo cinco linhas.

Os personagens serão desenvolvidos dentro da sinopse e argumento, nesta

para a história irá conter mais detalhes. Segundo Comparato (1999) ela é necessária

pois delimita o caráter dos personagens principais. Define-se o lugar onde pertencerá

essa história e quando, na próxima etapa que é a ação dramática, assim será

realizada a estrutura do roteiro, ela formará a sequência das cenas.

Comparato (1999, p.26) explica que “a noção de tempo dramático é muito

complexa [...] Este tempo juntamente com a ação dramática, dar-nos-á o sentido da

função dramática. Esta terminologia ação, tempo, função [...]. Introduzimos a noção

de tempo dramático: quanto, quanto tempo terá cada cena.”.

Na unidade dramática o diretor irá trabalhar com as cenas. O mesmo autor

explica que existe inúmeros formatos de roteiro. Este trabalho será guiado pelos

comics, são escritos em quadrinhos separados. No próximo capítulo aborda-se este

assunto com mais profundidade.

Além disso um roteiro deve conter três aspectos fundamentais, assim como

Comparato (1999) descreve: Logos, Pathos e Ethos.

Logos é essa palavra, o discurso, a forma que daremos. É a organização verbal de um roteiro, sua estrutura geral. Pathos é o drama, o drama humano. Portanto, é a vida, a ação, o conflito do dia-a-dia gerando acontecimentos. Mesmo na comédia temos o pathos do humor. Ethos é a ética, a moral. É o significado da estória, suas implicações morais, políticas, etc. É o conteúdo do trabalho, o que se quer dizer com ele (COMPARATO, 1999, p.21).

Dentre as linguagens apresentadas acima, este trabalho se aprofundará da

narrativa feita através de imagens, a narrativa visual.

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2.1 NARRATIVA VISUAL

Muito antes da escrita, o homem pré-histórico se expressava usando a pintura,

desenhando nas cavernas com sangue de animais, saliva, fragmentos de rocha,

argila, entre outros. Esta arte primitiva foi nomeada como Arte Rupestre.

Os motivos pelos quais eles pintavam ainda é desconhecido, mas uma das

hipóteses seria para manipular o futuro. Para eles, a pintura era um ritual mágico,

desenhavam como seria a caçada e não como realmente ocorreu. Porém, esses

documentos colaboram para que saibamos como era a vida há muito tempo atrás.

Mesmo com o passar dos anos, o homem continua documentando os fatos

que ocorrem em seu cotidiano, sendo na pintura, na fotografia, na escrita. Atenho-me

aqui em como o homem pode documentar uma imagem sendo ela real ou inventada.

Com os avanços tecnológicos ou com muita criatividade, o fotógrafo pode

manipular suas fotografias e fazer o que seu imaginário deseja. Kossoy (1999) acredita

que a realidade fotográfica tem diferentes interpretações, isso se deve a cada

interpretação do leitor.

Ele ainda cita sobre a produção imagética:

Apesar de toda a credibilidade que se atribui à fotografia enquanto “documento fiel” dos fatos, rastro fisioquímico direito do real etc., devemos admitir que a obra fotográfica resulta de um somatório de construção, de montagens. A fotografia se conecta fisicamente ao se referente [...], porém, através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado no imaginário de seu criador. A representação fotográfica é uma recriação do mundo físico ou imaginado (KOSSOY,1999, p. 42).

Com isso, identifica-se que qualquer fotografia é um documento, pois ela

sempre será uma representação, mesmo sendo um resultado de um fato fictício.

Fica inteiramente sob a responsabilidade do fotógrafo usar manipulações,

dependendo de sua cultura, e de sua visão sobre o mundo. Müller (2011) descreve

que a função do fotógrafo é extensa, vai tanto do momento do registro de uma cena,

quanto de sua imaginação, dedução e fantasia perante o mundo.

O mesmo acontece com a leitura da fotografia pela parte das pessoas. O olhar

sobre ela irá mudar variando as etnias; também dependerá do conhecimento prévio

que elas têm das fotografias, assim como cita Nobre (2003).

Kossoy (1999) explica:

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18

A realidade da fotografia não corresponde (necessariamente) a verdade histórica, apenas ao registro expressivo da aparência… A realidade da fotografia reside nas múltiplas interpretações, nas diferentes “leituras” que cada receptor dela faz num dado momento; tratamos, pois, de uma expressão peculiar que suscita inúmeras interpretações (KOSSOY, 1999, p.38).

O mesmo autor classifica que por mais que a fotografia seja vista como um

“documento fiel”, não pode ser identificada como tal, pois ela passa por filtros, como

Kossoy (1999) diz, o olhar de cada pessoa que produz a imagem, sua cultura, sua

imagem do mundo, o imaginário de cada um, as opiniões sobre cada assunto e

desejos. Por isso, as leituras de imagem irão proporcionar diferentes tipos de leituras,

cada um interpretará e lerá de forma singular.

Kossoy (1999), com o qual compartilho a mesma opinião, descreve que a

fotografia sempre será uma representação a partir do real, ela não é um simples

registro, e dependerá de cada fotógrafo e de sua interpretação pessoal e sua etnia.

Müller (2011) tem a mesma convicção, e para ela a imagem vai ser gerada da visão

da realidade que o autor compreende.

A mesma autora cita que a fotografia:

Representa uma cultura e uma ideologia e é resultado da visão de mundo do fotógrafo. Ela tanto possibilita que as pessoas reflitam sobre a realidade e o cotidiano e se perguntem sobre ele, como propõe novos olhares e questionamentos àquilo que lhes é familiar. Pode propagar modelos de vivência, manipular ideias e comportamentos, além de ocultar e criar realidade (MÜLLER, 2011, p.29).

Através das imagens, o fotógrafo consegue se expressar e fazer com que o

leitor seja persuadido. Para Santaella (2001) isso independe da imagem ser irreal, pois

é importante de tal forma quanto as imagens reais.

É de suma importância que o leitor consiga interpretar a imagem, pois cada

imagem tem signos e elementos estruturais que resultará a compreensão do que a

imagem quer passar.

Jardí (2014) explica:

A linguagem visual pertence a uma cultura mais primitivas do que a linguagem escrita e é uma das primeiras que as crianças aprendem. Apesar da importância que tem em nossa vida e da naturalidade com a qual lidamos com ela, a linguagem visual é pouco estudada, sobretudo em comparação à linguagem verbal (JARDÍ, 2014, p.3).

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Com o alfabetismo visual, consegue-se compreender o significado das

imagens, pois cada uma tem uma mensagem visual com diversos signos,

possibilitando uma expressão com valor maior.

Em seu seminário, Kikuchi (2004, p.1) conclui que “é necessário formar

leitores de imagens que saibam ver com inteligência, interpretar de maneira autônoma

e criativa [...]”.

Para Estefani; Villas-Boas (2015, p.1) “a imagem como elemento estrutural da

narrativa, tende a instigar incisivamente o raciocínio e a imaginação do leitor: cabe a

ele enunciadamente interpretar”.

Santaella (2001) diz que cada pessoa consegue fazer uma leitura de imagem

devido as modalidades e as submodalidades da linguagem. Entende-se com isso que

dentro de uma imagem se manifesta vários códigos criando maneiras de representar.

É possível denominar como sendo texto não-verbal, pois nada mais são do que

códigos cheios de signos que criam seus próprios discurso (FERRARA, 1997).

É claramente necessário que cada ser humano saiba como ler imagens, pois

é tão importante quanto a leitura textual.

Cademartori (200-) denomina a linguagem visual sendo de suma importância

e com uma rica gama de ‘potencialidade’. A mesma autora ainda declara:

Pesquisas comprovam que não olhamos as imagens de modo global. Fixamos nelas olhares sucessivos. Projetar vários olhares sobre uma imagem é atividade de busca e exploração mais ou menos consciente. Nem sempre sabemos o que estamos buscando, mas focamos as partes providas de número maior de informação (CADEMARTORI, 200-, p. 4).

Em relação aos livros de imagens, Cademartori (200-, p.4) relata que diante

dos trechos aos quais não há imagens, deverá ser completado pelo leitor. Para a

autora, o “sentido de uma imagem depende das identificações e relações que o

destinatário for capaz de estabelecer”. Com isso cada leitor utilizará de sua

imaginação para dar andamento e sentido ao texto.

A imagem não pode ser delimitada somente como uma ilustração, ela contém

signos que permitem a identificação de inúmeras informações dentro dela. Para Nobre

(2003, p.70), “a fotografia permite ao imaginário transpor códigos lineares, penetrar a

polissemia da narrativa visual”. Aumont (1993, p.81) reforça essa afirmação

declarando que “a imagem tem por função garantir, reforçar, reafirmar, e explicar

nossa relação com o mundo visual: ela desempenha o papel de descoberta do visual”.

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Leite (2007) declara que ao observar as imagens, analisando-as, o leitor se

relaciona com elas, e percebe que talvez sem aquela imagem não conseguiria

diferenciar o que está ocorrendo ao seu redor. Além disso as imagens têm cunho

totalmente cultural, traz consigo informações contidas pela mensagem que o fotógrafo

quer passar. Assim como explica Nobre (2003) que ao ler as imagens:

O interpretante está construindo mais um entendimento a respeito de si mesmo e do outro, de suas formas de agir, viver, relacionar-se de suas práticas, olhando para a fotografia como uma das portas de penetração em um cotidiano social que não é o dele ou como uma estrada por onde ele pode voltar para refazer e reconhecer o seu percurso social (NOBRE, 2003, p.77).

Assim sendo, as imagens possuem um conjunto de códigos que o leitor irá

interpretar, decifrando-os.

Segundo Leite (apud BONI 2014, p.85):

A memória funciona através de imagens fixas, como retratos, ou seja, ela não filma, fotografa. Os indivíduos guardam fotografia mentais dos acontecimentos e não movimentos contínuos, e mesmo quando não muito curtos, os gestos não aparecem em sua duração, mas fixos em uma fração se segundos (LEITE apud BONI, 2014, p.85).

Leite (2007, p.132) classifica que “imagens semelhantes ou associadas

estabelecem um vínculo, que a mensagem mediada pelas palavras ou pelo código

escrito estabelece mais demoradamente”, com isso entende-se que a memória

associa as imagens, daquelas que estamos vivenciando para as que já estão

armazenadas na mente.

2.1.1 Texto-Imagem

Existe um longo dilema entre a leitura imagética com a leitura escrita, pois

para alguns, as imagens são meramente ilustrativas. Pode-se definir aqui, que

imagens são tão importantes como a palavra. Em prol disso, é conceituado o termo

da imagem sequencial, que para Estefani; Villas-Boas (2016, p.1) tem “referência aos

quadros com ilustrações que podem estar distribuídos na unidade da página ou da

página dupla, sem quantidade estipulada”.

Este é o fundamento da arte sequencial, que o termo foi inventado por Will

Eisner (1917-2005) cartunista, desenhista, roteirista, arte-finalista, editor, empresário

e publicitário, e que se refere a uma característica artística, que usa imagens em

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sequência para contar uma história. É um conceito muito utilizado nas histórias em

quadrinhos, e pode ser usada em filmes, animações e livros.

EISNER (1999) afirma:

As imagens sem palavras, embora aparentemente representem uma forma mais primitiva de narrativa gráfica, na verdade exigem certa sofisticação por parte do leitor (ou espectador). A experiência comum e um histórico de observação são necessários para interpretar os sentimentos mais profundos do autor (EISNER, 1999, p.24) .

Eisner (1999) ainda declara que com o uso somente da escrita, damos ao

leitor o poder da imaginação da história contada, quando é usado um artifício como as

histórias em quadrinhos, com texto e imagens, o leitor terá vários módulos de

interpretações, como o “som, diálogo e textos de ligação”.

É importante compreender que nas histórias em quadrinhos usa-se mais

imagens que as palavras. Para Eisner (2005, p.5) “a maior dependência para

descrição e narração está em imagens entendidas universalmente, moldadas com

intenção de imitar ou exagerar a realidade”.

Cirne (2000) define que os quadrinhos são:

Uma narrativa gráfico-visual, impulsionada por sucessivos cortes, cortes estes que agenciam imagens rabiscada, desenhadas e pintadas. O lugar significante do corte - que chamaremos de corte gráfico - será sempre o lugar de um corte espaço-temporal, a ser preenchido pelo imaginário do leitor (CIRNE, 2000, p.23).

Para explicar melhor esse corte que as narrativas sofrem, McCloud (1995)

introduz o pensamento dos fragmentos.

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Figura 2 - Fragmentos

Fonte: MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books,1995.

McCloud (1995) destaca que o fato dos sentidos incompletos dentro dos

quadrinhos, proporciona ao leitor que complete os trechos que não há imagens.

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Figura 3 - Fragmentos 2

Fonte: MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron Books,1995.

Referentes as explicações de McCloud (1995) foi possível entender, que o

leitor será estimulado a fazer as conexões das imagens sequenciais para então

compreender o contexto da história. O leitor tem participação poderosa nos

quadrinhos. Cada um lê e interpreta do seu estilo. Fazendo assim o público usar sua

própria imaginação. Pois o mesmo, colabora consciente e voluntário, e a conclusão é

o agente de mudança, tempo e movimento. A conclusão permite conectar os

movimentos e concluir mentalmente uma realidade contínua e unificada.

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Para Estefani; Villas-Boas (2016, p.1) “contar histórias a partir de imagens é

um exercício de sugestão que estimula o leitor a apreender a expressão do espaço e

a sensação de tempo decorrido a partir de elementos gráficos, recursos estilísticos e

técnica nascida dos estudos da percepção e associação”.

Frans Masereel, nascido em Blankernberge, na Bélgica, em 1889, foi pintor e

artista gráfico; seus trabalhos são compostos de xilogravuras, as quais vários artistas

são influenciados por elas, como Lynd Ward. E suas novelas gráficas, que na época

não utilizavam tal termo, são sequências de imagens que formam toda uma história.

Como podemos ver na novela gráfica que se chama Debout Les Morts, composta de

xilogravuras:

Figura 4 - Novela gráfica, Debout les Morts.

Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.

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Figura 5 – Sequência 1 da novela gráfica, Debout les Morts.

Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.

Figura 6 – Sequência 2 da novela gráfica, Debout les Morts.

Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.

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Figura 7 - Sequência 3 da novela gráfica, Debout les Morts.

Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.

Figura 8 - Sequência 4 da novela gráfica, Debout les Morts.

Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.

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Figura 9 - Sequência 5 da novela gráfica, Debout les Morts.

Fonte: Debout les Morts. Disponível em <http://www.frans-masereel.de/>. Acesso em 03 jun. 2016.

Masereel não utiliza a escrita para contar a história, porém, é possível

compreender através das xilogravuras o que está ocorrendo em cada quadro. Para

compreender cada quadro, Linden (apud ESTEFANI; VILLAS-BOAS, 2016) acreditam

que é preciso retratar os momentos onde a ação é alta.

Eisner (1999) reforça nossos estudos declarando que:

É possível contar uma história através de imagens, sem ajuda de palavras. Em Hoagy the yogi, part 2 (Hoagy, o iogue, parte 2) é uma tentativa de explorar a imagem a serviço da expressão e da narrativa. A ausência de qualquer diálogo para reforçar a ação serve para demonstrar a viabilidade de imagens extraídas da experiência comum (EISNER, 1999, p. 16).

Para a interpretação de tal mensagem, quem deverá fazer isso é o próprio

leitor. Pereira de Araújo (2009) descreve a importância da leitura das imagens:

[...] a construção de práticas de leitura de imagem, isoladas ou em sequência narrativa, assim como a construção de práticas de leitura de textos escritos, ampliam significativamente nossa capacidade de escrita e imaginação, fazendo com que a qualidade da leitura, que se expande a cada passar de olhos, se desenvolva de forma exponencial (PEREIRA DE ARAÚJO, 2009, p. 57).

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Para Kikuchi (2004), a importância ao ler as imagens é de grande valia, pois

quando conseguimos interpretar, conseguimos refletir direito, temos novas ideias,

possibilitando uma visão diferente do mundo.

Um dos livros que mostra tal feito é o livro A invenção de Hugo Cabret, criado

pelo americano Brian Selznick, que conta a história com o auxílio das imagens.

Figura 10- Sequência das páginas 206 e 207

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

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Figura 11- Sequência das páginas 208 e 209

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

Figura 12- Sequência das páginas 210 e 211

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

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Figura 13- Sequência das páginas 212 e 213

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

Figura 14- Sequência das páginas 214 e 215

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

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Figura 15- Sequência das páginas 216 e 217

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

Figura 16- Sequência das páginas 218 e 219

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

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Figura 17- Sequência das páginas 220 e 221

Fonte: SELZNICK, Brian. A invenção de Hugo Cabret. São Paulo: 2007.

Estas imagens acima não estão somente para ilustrar, mas como uma

ferramenta na narrativa da história. As imagens se intercalam com o texto sem a

necessidade de serem explicadas previamente. Por isso, dentro deste estilo narrativo

as imagens são de extrema relevância para que o leitor continue a compreender o

livro.

Autores usam este artificio para deixar a leitura mais breve e divertida,

facilitando também a memorização da história.

O escritor e cineasta americano Ranson Riggs, utiliza fotografias para

intercalar seu livro, porém a diferença entre o livro dele e o de Selznick está que estas

fotografias são usadas para inspirar na narrativa da história, facilitando o leitor na

descrição dos personagens. Selznick utiliza uma sequência de imagens em seu livro.

Manguel (2001, p.28) declara que, as pessoas se inspiram nas diversidades

de material que consomem e que diante disso, “nenhuma narrativa suscita por uma

imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua justeza variam

segundo as mesmas circunstâncias que dão origem à própria narrativa”. Assim é

possível compreender que as imagens podem ser utilizadas de diferentes formas.

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3 JOAQUIM DA COSTA FONSECA FILHO (1909 -1968)

Sem a devida valorização e reconhecimento, Joaquim da Costa Fonseca Filho

foi esquecido por grande parte das pessoas, e toda sua história não pode ser

documentada. Existem muitos motivos pelos quais sua memória caiu no

esquecimento, pode-se supor, que entre elas, seja o fato de ele ser filho de imigrante

e não ter escolaridade, como documenta Peres (2009, p.86): “não pertencia ao círculo

fechado e supostamente nobiliárquico da cidade de Pelotas”. A legislação não

reconhecia o avião, não o deixando-o voar, além disso, seu invento se destacou no

momento que iniciou a II Guerra Mundial.

Porém, sua história ainda é lembrada pelos seus filhos e netos, e assim

repassada.

Joaquim era filho de um português, que veio ao Brasil por volta de 1900 e

casou-se com Norberta, que era brasileira. Deste relacionamento nasceram Mário,

Antônio e Joaquim. Entre seus irmãos, somente Joaquim não trabalhou na agricultura.

Em Pelotas o pai de Joaquim era dono de um armazém, mas depois se transformou

no primeiro revendedor autorizado da empresa Ford, na cidade de São Lourenço, Rio

Grande do Sul.

Figura 18- Estrutura da revenda autorizada pela Ford

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

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Ele nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, em 04 de agosto de 1909. A

formação acadêmica foi até a quinta série do primário, mas isso não o impediu de

aprender mecânica e construção aeronáutica. Quando tinha dezoito anos, Joaquim

aumentou o chassi do Ford modelo T. e com isso beneficiou as pessoas, que até

então, usavam carroças para transportes coletivos. Este invento foi um dos mais

excepcionais entre sua criação até então. Foi um fundamento para começar a linha

de transportes coletivos entre duas cidades: a que ele morava, São Lourenço, e sua

cidade natal, Pelotas.

Figura 19- Ford modelo T, “espichado”

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Com isso os lucros aumentaram significativamente.

Figura 20- Automóveis da linha São Lourenço-Pelotas

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

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Joaquim era um desportista, praticava corridas de automóveis, e entre 1925

e 1930 em Porto Alegre ganhou uma corrida e voltou orgulhoso para São Lourenço.

Assim como relata Joaquim Neto, seu filho, na entrevista da dissertação de Peres

(2009):

Esta fotografia é de uma corrida de automóveis entre Pelotas e Porto Alegre, que ele venceu. Aqui está o pai, que na época corria com co-piloto, o Sr. Olvídio Bork. Isso foi depois da corrida, quando ele voltou de Porto Alegre teve essa recepção, essa festa porque ele ganhou a corrida (PERES 2009, p. 47).

Figura 21- Joaquim Fonseca recebido em São Lourenço

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Em 1925, Joaquim retornou para sua cidade natal, Pelotas, vendeu a linha de

automóveis do falecido pai e montou sua oficina mecânica em 1930.

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Figura 22- Interior da oficina recém instalada

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

E em 1930, mais um invento foi criado, a Magestoza (figura 18 e 19), uma

lancha com motor na frente, a qual Joaquim afirmava que teria um desempenho com

mais eficiência.

Figura 23- Joaquim abastecendo a lancha

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

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Figura 24- Joaquim, Elda e amigas, Praia em São Lourenço

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Foi a partir de 1930, ainda segundo Peres, que Joaquim prestou serviços

militares, na Escola de Aviação Militar do Rio de Janeiro, onde aprendeu engenharia,

com o intuito de voltar para Pelotas e criar sua própria oficina mecânica de aviões. E

assim o fez.

Casou-se pela primeira vez com Elda, em 1935, e tiveram três filhos: Gilberto,

Adalberto e Joaquim. Ele a conheceu em uma viagem em 1935. Somente depois, por

volta de 1950, que conheceu Heloíza Sinott, que na época tinha dezesseis anos.

Desta paixão, nasceram mais dois filhos: Marco Antônio e Eloisa Elena.

Joaquim começou os esboços de seu mais novo invento, um avião. E durante

três anos, no porão de sua casa, trabalhando após o serviço na oficina mecânica e

aos finais de semana (figura 25), fez o tão sonhado F. 1. (figura 26).

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Figura 25- O porão da casa de Joaquim

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Figura 26- F.1

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Peres (2009) relata, conforme o jornal Folha do Povo, sobre o avião:

Seu primeiro vôo, por Waldemar Keller, piloto brevetado pela Varig Aero Esporte, durou vinte minutos a uma altura de trezentos metros, sobre o Aeroporto Municipal, a 100Km/h, com autonomia de 2h, e consumiu 20L/h. Em 1939, assistir ao sobrevôo de um avião produzido em Pelotas deveria mesmo ser motivo de espanto e de algum tipo de orgulho, como relatou a referida reportagem (PERES, 2009, p. 55).

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O avião tinha motor de automóvel, e no trem de pouso, pneus de motocicleta.

Ele era feito de madeira e algodão envernizado. Depois de trinta horas de voo,

Joaquim chegou à conclusão que o avião era pesado demais e o desmanchou.

Na Europa já estavam fabricando aviões com motores de automóvel, porém

no Brasil somente ficou conhecido com a iniciativa de Joaquim Fonseca.

Em 1942, Joaquim já fazia parte da diretoria do Aeroclube de Pelotas como

diretor técnico. Foi então que ficou pronto o F.2. (figura 27).

Figura 27- F.2

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Porém, ele ainda precisava da licença de voo, para poder utilizar o novo

avião.

Segundo Peres (2009):

Em 1942, o então desconhecido construtor quis mostrar seu novo aparelho em Porto Alegre. Joaquim e o presidente do Aeroclube de Pelotas chegaram à capital do estado exibindo o invento – a bordo do F.2. O avião foi testado pela primeira vez com o objetivo de seguir até o Rio de Janeiro, onde deveria ser exibido para a Aeronáutica. A aeronave era destinada a treinamento e turismo, de construção mista de aço e madeira, com dois lugares e com duplo comando, media 10,5m de envergadura e 6,68m de comprimento, pesando 320 quilos, com autonomia de voo de cinco horas e velocidade de 135 quilômetros por hora, atingindo teto de 3.800m. Além dessas diferenças em relação ao primeiro protótipo, tinha motor aéreo, do tipo Franklin – o grande motor americano da época, feito para aviões -, e rodas de avião. Nada parecia mais promissor. Jornais de circulação nacional passaram a noticiar as vantagens do novo aparelho. Dizia-se que Salgado Filho (1888-1950), ministro da Aeronáutica e também rio-grandense, poderia aproveitar Joaquim no novo ministério (PERES, 2009, p. 57).

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Depois dos testes feitos, Joaquim e sua mulher Elda, voltaram para Pelotas

voando na nomeada Cidade de Pelotas (figura 23).

Figura 28- Joaquim e Elda com a nomeada Cidade de Pelotas

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Joaquim motivou-se pela repercussão e sucesso que o F.2 fez. Seus projetos

estavam voltados para uma fábrica de aeronaves na qual ele faria um novo protótipo,

a sequência do F.2, o F.3. Porém, a homologação foi negada pelo Ministério da

Aeronáutica, que alegou que os materiais usados eram de baixa qualidade, e também

havia sido negado a licença e o financiamento para a instalação da Sociedade

Industrial de Aviões Pelotense.

Em entrevista ao Jornal Diário de Notícias, Porto Alegre em 1941, Joaquim

declara:

Tenho lá em Pelotas um grupo de amigos que trabalham diariamente na minha oficina. São uns abnegados que visam a grandeza da aviação brasileira. Temos trabalhado, por assim dizer, à força de carvão de pedra. Esses aviões que estão saindo de nossas mãos, indicam que nós podemos construir. É, porém, preciso que terminemos com essa mentalidade de que o que é nacional não é bom...na maioria das vezes as iniciativas morrem porque

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tais empreendimentos tem de nascer pequenos, e não temos paciência. Preferimos plantar arroz e batatas e trocar por aquilo que podemos construir aqui (PERES, 2009, p. 59).

Com esta entrevista, é possível afirmar que o interesse no dado momento era

a agricultura, visto que era a principal forma de movimento econômico do local.

Ainda na entrevista, Peres (2009), relata que entre o período 1930 e 1940 a

indústria aeronáutica brasileira não evoluiu, usando motores estrangeiros e

financiamentos para aeroportos com dinheiros francês e inglês.

Isso não o desmotivou: Joaquim ampliou sua oficina mecânica (Oficina

Fonseca) (figura 24) que concentrava automóveis e também aviões.

Figura 29- Oficina Fonseca

Fonte: Dissertação PERES. Disponível em: <http://portal.ufpel.edu.br/>. Acesso: 25 maio 2016.

Joaquim veio a faleceu em 12 de julho de 1968. O sonho de construir aviões

inteiramente brasileiros foi feito depois de um ano da morte de sua morte, com o

governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976).

3.1 JOQUIM

O cantor e compositor Bob Dylan criou uma canção chamada “Joey” (1976)

na qual ele defende o ponto de vista de um bandido nova-iorquino chamado Joey

Gallo (1929- 1972).

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Dez anos depois, em 1986, a melodia desta canção foi adaptada pelo

compositor e cantor Vitor Ramil. Em sua obra Ramil criou uma mítica em torno da vida

de Joaquim da Costa Fonseca Filho (1909 -1968). A canção criada tem a atmosfera

de mito, pois engloba não somente a vida de Joaquim Fonseca como de outros

personagens que viveram as situações expostas na música. Para isso, Vitor Ramil

utiliza uma maneira poética e cria uma estratégia discursiva.

O Joquim, personagem criado na canção, tem espírito político-revolucionário,

porém, Joaquim era um inventor interessado na construção de aviões e a criação de

sua fábrica. Um exemplo que mostra a diferença que existe entre eles é que o

personagem passa um tempo na cadeia, porém Joaquim não. Esta inspiração de

Ramil ao definir alguns fatos da vida de Joquim, vem das experiências do escritor

Graciliano Ramos, assim como Peres (2009) relata em sua dissertação:

Durante o Estado Novo, Graciliano, já um escritor reconhecido, filiado ao Partido comunista Brasileiro, escreve ao presidente fazendo duras críticas ao governo. Graciliano é preso, e dessa experiência nasce o romance Memórias do Cárcere, cuja temática está presente também em outros versos da canção (PERES, 2009, p.30).

Para tornar Joaquim um herói, Vitor Ramil coloca em sua canção um

tiroteio no qual o personagem é atingido e morre. No entanto no Cartório de Registro

Civil da cidade de Pelotas, a informação é que Joaquim da Costa Fonseca Filho teve

uma morte natural.

Alterando a realidade, Vitor Ramil faz da vida de Joaquim uma ficção,

transformando-o em uma pessoa que tentou realizar seu sonho, porém foi

interrompido devido a uma brutalidade: assim, nasce o personagem Joquim.

Quem ouve a canção está vivenciando algo ilusório, pois para Peres (2009),

a canção é criada para reunir diversos mitos, dando força no contexto e criando uma

memória diferente do que foi a de Joaquim Fonseca, resultando assim em uma

memória inventada de acesso público.

O mesmo autor declara:

A canção agrega a ele uma identidade postiça de herói, o herói da trajetória interceptada pela fúria irracional, o herói do trabalho interrompido, figura presente na história da humanidade desde a mitologia clássica – em Ícaro no frustrado sobrevôo sobre o mar da Grécia – até a pós-modernidade – em Guevara, capturado e morto antes que revolucionasse a América. A criação desse mito atravessado por elementos culturais tem início a partir da ação da canção sobre o ouvinte. Acredito que a divulgação e a execução da canção a tenham levado, ao ser (re)cantada e (re)contada milhares de

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vezes, a constituírem a memória coletiva de muitas gerações que, assim, imaginaram uma outra história acerca de Joaquim Fonseca, reinventando a história que pretendo contar (PERES, 2009, p.32).

Peres (2009) declara que há elementos na canção que a transformam em

mitobiográfica. Ele explica que esses mesmos elementos elaboram uma memória

coletiva, mesmo que sejam lembranças do que não foi vivido.

Peres (2009) destaca que:

Falsa lembrança, falso histórico, mas revelação de uma camada social que seleciona o que quer lembrar e o que quer esquecer, que interpreta e explica o passado segundo imagens dadas nessa canção do mito (PERES, 2009, p.32).

A canção de Vitor Ramil esconde todos os feitos de Joaquim Fonseca, não

mostra que ele foi um dos pioneiros da aviação brasileira e nem os projetos que ele

desenvolveu. A canção segundo Peres (2009), não valoriza os reais feitos de Joaquim

Fonseca, mas sim destaca uma falsa aura de herói, como ele classifica de “realidade

imaginada”. (Ver ANEXO 1)

Para a melhor compreensão sobre a dinâmica que acontece na canção

Joaquim, será conceituado o termo que Peres (2009) classifica como mitobiografia.

3.1.1 Mitobiografia

O mito tem vários significados e interpretações, porém sua principal função é

ligar o homem ao mundo simbólico. Assim como explica Garcez (2008): “sem esta

vivência espiritual a sociedade sofreria de graves distúrbios emocionais”.

O significado encontrado no dicionário sobre a palavra “mi.to sm (gr mythos)

é: 1 Fábula que relata a história dos deuses, semideuses e heróis da 2 Antiguidade

pagã. 3 Interpretação primitiva e ingênua do mundo e de sua origem. 4 Tradição que,

sob forma alegórica, deixa entrever um fato natural, histórico ou filosófico. 5 Exposição

simbólica de um fato. 6 Coisa inacreditável. 7 Enigma. 8 Utopia. 9 Pessoa ou coisa

incompreensível”.<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=

portugues-portugues&palavra=mito>.

Porém, as definições de mitologia são amplas, envolvendo todas as formas

míticas ou que enfeite a realidade.

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Broch (apud FISCHER, 1966, p.111) define o mito como:

O naïveté4 do começo, é a linguagem das primeiras palavras, dos símbolos originais, que cada época precisa redescobrir por si mesma. É o irracional, a visão direta do mundo; é a imagem súbita que se vê pela primeira vez e jamais se esquece; é o mundo todo tornando-se uma imagem indivisível (BROCH apud FISCHER, 1966, p.111)

Müller (apud CASSIRER, 2000, p.17) afirma que “mitologia no mais elevado

sentido da palavra, significa o poder que a língua exerce sobre o pensamento, e isto

em todas as esferas possíveis da atividade espiritual”. Para o mesmo autor, o “mundo

mítico é essencialmente um mundo de ilusão”.

Barthes (apud RANDAZZO, 1997, p. 57) descreve que mito é “uma forma de

discurso”, “uma modalidade de significações”.

Barthes (2001) ainda declara que mito não é uma fala comum. Ela é uma

narrativa carregada de significados, porém quando se tenta explicar, ela deixa de ser

mito tornando-se uma fábula ou lenda.

Os mitos que se formaram na antiga Grécia e em Roma, não se denominam

apenas como simples histórias, nelas consistem tentativas de saber os significados

do começo do universo, além de vários arquétipos5.

Conforme Randazzo (1997):

Os mitos da antiga Grécia não são apenas historinhas interessantes; eles representam padrões arquetípicos de experiência humana que existem desde o começo dos tempos e atravessam todas as culturas. A aparente simplicidade disfarça sua profundidade. Na sua mitologia e nos seus panteões de Deuses, os gregos projetam os seus próprios sonhos e temores, ao fazerem isto, ofereciam-nos um vislumbre da alma humana (RANDAZZO, 1997, p. 63).

No momento que a ciência evoluiu, as pessoas cada vez mais se afastaram

das mitologias, estas mesmas que ajudavam o homem a compreender o mundo e a

dar alguma explicação para os fenômenos da natureza. Agora, já possuem o

entendimento dos mesmos, com a ajuda da ciência.

Com isso, ficou cada vez mais complicado para as pessoas modernas

saberem o devido significado e importância das mitologias.

4 Naïveté palavra francesa que contém seu significado como ingenuidade. (FISCHER, 1966) 5 Arquétipos: para Jung são como um conjunto de imagens psíquicas presentes no inconsciente

coletivo que seria a parte mais profunda do inconsciente humano. O mesmo autor declara que o inconsciente coletivo é herdado. Eles guiam e moldam nosso comportamento. (FISCHER, 1966)

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Como citado acima, a mitologia ajudava as pessoas, assim como descreve

Randazzo (1997) com elas é possível entender o universo, o interior do ser humano,

as pessoas seguem as histórias mitológicas como se fossem um tipo de guia para

suas vidas. Adquirindo sentido a vida, com isso ficam mais centrados e entrelaçados

com o mundo.

O mesmo autor declara que as mitologias também ajudam a formar a

identidade, a forma com que pensam e veem o mundo e a conduta de cada um. Assim

ele descreve:

As mitologias não só ajudam os seres humanos dando-lhes um sentido de identidade, elas também ajudam as pessoas a entenderem o que é importante e como deveriam portar-se na vida. Mostrando padrões de comportamento humano arquetípicos ou universais, as mitologias são verdadeiras cartilhas para a vida inteira (RANDAZZO, 1997, p. 83).

Eliade (2002, p.8) apoia este pensamento sobre o comportamento declarando

que: “mito é vivo no sentido de que fornece os modelos para a conduta humana,

conferindo, por isso mesmo, significação e valor à existência”.

Randazzo (1996) ressalta que as mitologias possibilitam as pessoas a terem

ética, definem também as diversas culturas, pois passam valores e crenças, com

essas definições o ser humano consegue engajar em sua cultura, fazendo assim as

pessoas se conscientizarem de suas atitudes, dar um sentido em suas vidas.

Ford (In: YEFFETH (org), 2003) enfatiza o real significado e de onde surge:

“Os humanos são criaturas mitificadoras e, pode-se dizer, “construtoras de mundos”. Criamos narrativas épicas para demonstrar autoconhecimento e tentar dar sentido à vida. Nessa acepção, mito não é “conto de fadas” nem história inventada -antes, é a mais profunda expressão dos nossos medos, das nossas aspirações e da nossa compreensão simbólica da vida e do mundo que nos cerca”. (FORD In: YEFFETH (org), 2003. p. 139)

Sabendo agora o significado, é de suma importância compreender de onde

veem os mitos. Entre todas as teorias e suas justificativas sobre a origem dos mitos;

a mais utilizada é a de que eles se originam na mente humana.

Campbell (apud RANDAZZO, 1997) afirma que a mitologia tem origem dos

nossos sonhos: “os mitos e os sonhos vêm do mesmo lugar … os mitos são os sonhos

do mundo a canção do universo”. Já Jung (apud RANDAZZO, 1997) frisa que mitos

são projeções de nosso inconsciente, fazendo assim, revelar nossa verdadeira alma.

Relativo a isso, Randazzo (1997) declara que a mitologia vem do inconsciente

e é possível ver a verdadeira alma humana, a espontaneidade que fica invisível aos

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olhos da sociedade. O ser humano fica com os “pés no chão”, na psique inconsciente

é liberado a mente para os desejos e pesadelos. Randazzo (1997) cita Campbel,

quando o mesmo denomina que, o autor se entrega ao fazer sua obra, pois a

inspiração vem do inconsciente e este mesmo processo possibilita conectar o elo

inconsciente.

Hollis (1997) diz:

O mito nos leva até o fundo das reservas psíquicas da humanidade. Sejam quais forem nossas raízes culturais e religiosas, ou nossa psicologia pessoal, a familiaridade com os mitos proporciona um elo vital de ligação com o significado, cuja ausência está, frequentemente, por trás das neuroses individuais e coletivas do nosso tempo (HOLLIS,1997 p.4).

Kerenyi (apud RANDAZZO, 1997, p.81) afirma que “a experiência mitológica

é em resumo uma experiência espiritual, alguma coisa que experimentamos na

interioridade mais profunda da nossa alma, um encontro com o divino”.

Concluindo então, que os mitos executados pelas pessoas, necessitam do

uso do inconsciente, produzindo uma exclusiva interpretação do mundo. Ford (In:

YEFFETH (org), 2003, p. 139) destaca que “o autor de um mito geralmente não cria

uma narrativa do nada: sempre se inspira em símbolos ou narrativas do meio

circundante e transforma o seu significado de modo novo e criativo”.

Afirmando o papel do autor, Campbell (apud RANDAZZO,1997, p.84)

descreve que “o papel do artista é a mitologização do ambiente e do mundo”.

Com isso, é possível compreender que o mito é criado pelo nosso interior,

pela nossa alma. Identifica-se que a mitobiografia é uma forma de expressão de nosso

inconsciente sobre a vida de determinada pessoa.

Peres (2009, p.12) descreve que a mitobiografia tem vários gêneros, partindo

assim do mito, “imitação de uma ação” ele denomina então que a mitobiografia “pode

ser entendida como a imitação de uma vida, como encenação adaptada ou inspirada

no vivido”. No presente trabalho, seria sobre a vida de Joaquim Fonseca.

Para a historiadora Passerini (1993, p.39), o termo mitobiografia foi inventado

por Ernst Bernhard (1896-1965), um pediatra alemão que foi impedido de prosseguir

com o seu trabalho como psicanalista. A palavra mitobiografia, em sua origem, queria

dizer “mitologema”, que é a base do destino de um indivíduo.

Cardoso de Jesus (2000) descreve:

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Na construção da identidade pessoal, o indivíduo utiliza os referentes comunitários como matéria-prima que transformará artisticamente, criando uma obra verdadeiramente sua, com uma marca estilística única. Se concebermos o trabalho identitário como a escrita de uma estória de vida, a prevalência do individual sobre o colectivo entender-se-á como uma relação dialéctica entre mito e biografia – mitobiografia –, sendo a estória de vida a reinterpretação pessoal de mitos colectivos. O sujeito re-cria uma mitologia pessoal, uma galeria de heróis (CARDOSO DE JESUS, 2000, p.2).

Para Peres (2009, p.16), a mitobiografia está introduzida junto com a biografia,

“pois tudo o que se diz ou se escreve a respeito de um indivíduo e que dá origem a

um mito acaba sendo material biográfico”, porém, são diferentes uma da outra, visto

que o gênero biográfico está na memória social.

Segundo Markendorf (2006), as biografias consistem de uma aura mítica na

qual tudo depende do biografo, ele acredita que diante disso nasce um novo conceito

de biografia, a mitobiografia, sendo a vida encenando um mito.

Passerini (1993, p.30) declara que dentro das estórias biográficas, poderá

ocorrer de conter a mitobiografia, assim fazendo a junção de expressões novas e

antigas. “Não se trata de usar mitos do passado para ler o presente, mas de usar o

presente para reinterpretar os mitos”. Diante disso é possível perceber que ela pode

se estruturar com o passar do tempo.

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4 METODOLOGIA

Ao começar o projeto foram realizadas pesquisas com as quais será possível

dar andamento aos conceitos e pensamentos sobre o assunto em questão. Além disso

a pesquisa tem como objetivo fornecer soluções aos problemas que são propostos. A

pesquisa é uma ferramenta que é utilizado para delimitar o processo de busca.

Zamboni (2012) nos diz que a pesquisa sempre necessitará de métodos, pois

ela está ligada a lógica de pensamentos; porém quando denomina-se pesquisa

enquanto o processo, ela não fica delimitada em uma sequência lógica, ela mudará

dependendo da vontade de executar tal atividade. O mesmo autor ainda exemplifica

que independe de qual área for a pesquisa, ela sempre seguira o mesmo conceito.

Esta pesquisa, será desenvolvida em várias fases, assim como declara Gil

(2002, p.17) que “a pesquisa desenvolve-se ao longo de um processo que envolve

inúmeras fases, desde a adequada formulação do problema até a satisfatória

apresentação dos resultados”.

Portanto, foi iniciado uma pesquisa bibliográfica com a qual foi possível criar

a base inicial do projeto.

Esta pesquisa proporcionou a organização das ideias sobre o tema,

possibilitando soluções para os questionamentos. Com estudos e leituras de autores

sobre o assunto abordado, “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em

material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”, para

que seja possível explicar e interpretar melhor as ideias e assim criar vínculos com

próprios conceitos e com os conceitos dos autores. Gil (2002, p.44).

A necessidade da pesquisa bibliográfica é ampla, de acordo com Stumpf (In:

DUARTE; BARROS (org), 2005):

Ela é o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento dos autores, acrescido de suas próprias ideias e opiniões (STUMPF In: DUARTE; BARROS (org), 2005, p. 51).

Partindo desta mesma importância, Gil (2002) descreve que as vantagens

bibliográficas têm uma ampla gama de fenômenos, sendo adequada quando a

pesquisa exige dados perdidos ou de difícil acesso.

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Assim, as pesquisas bibliográficas facilitam e desencadeiam o processo de

pesquisa. No entanto, deve-se ter cuidado com os conteúdos que são fornecidos, pois

outros autores podem interpretar de forma erroneamente fazendo seu trabalho ser

guiado com fundamentos inexistentes. Gil (2002, p.45) confirma dizendo que “muitas

vezes, as fontes secundárias apresentam dados coletados ou processados de forma

equivocada. Assim, um trabalho fundamentado nessas fontes tenderá a reproduzir ou

mesmo a ampliar esses erros”. E, para evitar essa possibilidade ele afirma que é

necessário estudar e examinar com veemência as informações obtidas.

Para complementar a pesquisa bibliográfica que é realizada em livros, artigos,

teses e catálogos, há a Internet, que pode ser tanto benéfica para o projeto como

também pode afetar o processo de informações coletadas, mais facilmente do que as

pesquisas bibliográficas.

Gil (2002) explica que a Internet é um meio de informação muito amplo, e não

pode ser esquecido, ele ainda alega, como uma problemática, que há uma quantidade

demasiado de informações.

Para reforçar, Yamaoka (In: DUARTE, BARROS (org), 2005) descreve que, a

característica que sobressalta a internet é devido a sua sobrecarga de informações.

Isto acontece porque qualquer pessoa com acesso a este meio pode escrever e

publicar informações sobre todo o tipo de assunto. Por isso, para não prejudicar o

resultado, deve-se pesquisar em sites confiáveis.

Além de todas as pesquisas, que servem como a procura por soluções, e

constituem a base teórica, existe um ponto crucial, que é a afirmação de nossa

imaginação: a parte prática do projeto, onde as ideias são projetadas, testando-as e

criando algo novo a partir dos conceitos vistos. Para isso usa-se a capacidade de criar,

usando a arte.

Sobre a origem da arte, Fischer (1996) informa:

A estimulante descoberta de que os objetos naturais poderiam ser transformados em instrumentos capazes de agir sobre o mundo exterior e alterá-lo levou a mente do homem primitivo, sempre tateando experimentalmente e despertando aos poucos para o pensamento, a outra ideia: a ideia de que o impossível também poderia ser conseguido com instrumentos mágicos, isto é, a ideia de que a natureza poderia ser magicamente transformada sem o esforço do trabalho. Deslumbrado pela imensa importância da semelhança e da imitação, ele deduziu que, desde que todas as coisas semelhantes eram idênticas, o poder sobre a natureza que lhe podia ser proporcionado peço “tornar semelhante” poderia ser ilimitado. O poder recentemente adquirido de individualizar e dominar objetos, de desenvolver uma atividade social e de dar conta de acontecimentos por

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meio de signos, imagens e palavras, conduziu-o a esperar que o poder mágico da linguagem fosse infinito. Fascinado pela força deliberação, da vontade, do propósito capaz de antecipar coisas, de fazer com que coisas existentes como ideias na mente viessem a ter existência material, ele foi levado a acreditar numa força avassaladora sem limites, que existiria nos atos de manifestação da vontade. A mágica de fazer instrumentos levou-o inevitavelmente à tentativa de estender a magia ao infinito (FISCHER 1966, p. 42).

O mesmo autor denomina que não se deve classificar somente o poder da

magia para explicar a origem da arte. Esta magia, para o autor, se transformou em

ciência, religião e arte. Assim, confirma a separação da arte e da ciência, onde

Zamboni (2012) afirma que ambas têm características de experimento, busca e

pesquisa, porém a ciência busca as explicações em leis universais e a arte é

extremamente particular.

Comparando estas duas áreas no quesito pesquisa, Rey (1996) alega que são

muito diferentes entre si: a arte propende-se ao mundo dos valores e a ciência dos

seus feitos.

A arte é necessária, e para Fischer (1966) a arte capacita o ser humano a

conhecer e mudar o mundo, ele ainda declara que a arte manifesta as ideias, do autor,

da sociedade e com isso mostra a necessidade coletiva.

Deste muitos anos atrás, o homem tem a necessidade de procurar

significados e soluções; o homem tanto é um ser fazedor quanto um formador, assim

como Ostrower (1987) cita: “tudo ao nosso redor é estímulo para nossa criatividade”.

Comparato (1983, p.37) contribui declarando que “o homem é um ser que

indaga. É um curioso, um perguntador jamais satisfeito com as respostas”.

Ostrower (1987) diz que os processos de criação são intuitivos, porém no

momento que são expressos ganham formas e viram conscientes. Assim tudo ao

nosso redor ajuda a formular nossa criação, nossa imaginação. Quando o ser humano

estuda e pesquisa mais, consegue gerar conceitos conscientes sobre o trabalho, e

ampliando a rede de associações.

Comparato (1983, p. 75) descreve que “arte não é cópia nem imitação, mas

sim uma invenção que expressa de modo sensível, estético, o universo particular de

cada artista”.

A pesquisa em arte é denominada para o auxílio de um produto final, assim

como enfatiza Zamboni (2012), reafirmando que qualquer pesquisa, independente da

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área, necessita de um método a ser utilizado para dar andamento ao processo e

chegar ao resultado final do qual era o seu objetivo.

Cattani (2002 In: BRITES; TESSLER (org), 2002, p. 37) declara que “o próprio

artista poderá falar de seu processo, analisar suas intenções, descrever os materiais

e técnicas que empregou, sem, todavia, expor a totalidade da sua própria obra”.

Por isso opta-se, em nosso processo metodológico, pela criação de um tipo

de “diário de campo”, pois ele é um instrumento de comentários e auxilia como registro

das atividades. Caracterizado também pela criação de um roteiro e de um storyboard

encadeados com outras estratégias criativas que foram importantes para o trabalho.

4.1 ESCOLHA DO PERSONAGEM

Apresentaremos os procedimentos, pois como declarado anteriormente, o

instrumento de registro foi algo parecido com um diário de campo.

Ao escutar a música do Vitor Ramil, Joquim, logo me inspirei. No refrão (Ver

ANEXO A):

“Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das ideias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo? ”

Este trecho apresenta o personagem Joquim, absorto nas ideias loucas, me

impressiona o poder que ecoa sobre mim ao querer saber o motivo de sua morte,

quem são estes canalhas? Foi então que comecei a procurar sobre sua vida, com

base na dissertação feita por Peres (2009) me possibilitou saber sobre a vida de

Joaquim Fonseca.

Com a pesquisa bibliográfica consegui identificar características com as quais

eu fundamento meu próprio trabalho final. Ao estudar sobre a vida de Joaquim,

consegui fazer uma linha tênue entre o Joquim da canção e o da vida real, incluindo

características no meu próprio personagem, retiradas do Joquim, o personagem, e do

Joaquim, o ser humano.

Já sabia o que seria meu projeto final, por isso me inspirei em todas as

referências que já adquiri ao longo dos anos de leituras e experiências com filmes.

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4.2 PROCEDIMENTOS DO CONTO

Já delimitado todos os elementos principais dentro de uma narrativa, como

estudado no capítulo 2, consegui dar andamento na parte do conto. Ficou delimitado

do seguinte modo:

a) A escolha do narrador foi o intradiegético, pois é o personagem que está

contando a sua própria história. Essa definição de narração foi utilizada por escolhas

do meu gosto. Creio que defino melhor usando a primeira pessoa.

b) O seguinte passo foi o enredo, já definido no momento que ouvi a

canção, depois estudado com a história de Joaquim. A partir disso consegui estruturar

de maneira própria uma sequência de ações que ocorre durante a trama.

c) Todos os personagens envolvidos são criados cada um tendo sua

própria personalidade. Tive inspiração para definir o grupo familiar a partir da canção

de Ramil (Ver ANEXO A)

“Joquim era o mais novo

Antes dele havia seis irmãos

Cresceu o filho bizarro”

Perante a isso, fiz um desenho utilizando como inspiração a canção.

Figura 30 - Louco com o dom da imaginação

Fonte: Autoria Própria

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O núcleo do personagem ficou delimitado da seguinte maneira:

Figura 31 – Delimitação da personalidade dos irmãos

Fonte: Autoria Própria

Os outros personagens ficam caracterizados pelo decorrer do conto. O mais

complexo e árduo foi o personagem principal, Joquim.

Caracterizo ele com alguns elementos que a canção propõe, porém, seu

espírito é definitivamente outro: ele busca por um propósito no qual é chegar o mais

perto do que ele já sentiu por sua irmã Carmen. Delimito ele com a doença da

esquizofrenia, tão sutilmente abordada no conto, pois é a visão que o personagem

tem, e não uma narrativa visando todas as perspectivas de fora para dentro da vida

do personagem.

Utilizo personagem, assim como Carmen (retiradas da imaginação de Joquim)

para que o leitor compreenda que Carmen também é fruto da imaginação, porém, não

quero mostrar tão descaradamente isso para o leitor.

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Também usei a mesma denominação que Ramil usa para definir a localidade

em que o enredo é estruturado. Satolep de trás para frente se refere à Pelotas, a qual

o real Joaquim viveu. Utilizo o mesmo nome para reforçar a ideia de fantasia.

A primeira escrita que desenvolvo é um pequeno prefácio, porém, ele está

destinado ao meu personagem, dou crédito a ele para delimitar seu pensamento sobre

um sentimento que apreciou no decorrer da jornada.

No momento no qual escrevi o prefácio, utilizei a fonte Times New Roman,

tamanho 12 em itálico, depois na escrita do conto ‘corrido’, utilizei Alegreya, tamanho

14 em itálico.

PREFÁCIO

“Olhar para você, com suas cores tão bem pensadas por mim e saber que cada pedacinho seu foi com tanto esforço e suor que caía a toda hora, além de muitas noites sem dormir.

Agora você está ali, de pé, e quando não está com seus ‘pés’ na terra, está como eu, nos céus, cortando-o, perfurando as nuvens e viajando com os pássaros.

Isto seria apenas mais um sonho se eu não tivesse colocado minhas mãos e o meu coração em você”

Porém na finalização do conto transformei para Baskerville Old Face, tamanho

12. Não somente o prefácio, mas todo o conto foi escrito com a mesma fonte. Esta

escolha foi de total responsabilidade minha, e por passar um ar intimidade, pois parece

que foi escrito a mão.

No momento que escrevia o conto coloquei capítulos em todas as partes para

conseguir me situar melhor, pois ao criar o conto, compus as partes visuais sem a

utilização da palavra contada, já estava em minha mente todas as cenas que iria

fotografar. Utilizei nestas partes do texto a formatação em itálico para distingui- las de

forma especial.

Então ficou desta forma:

Me doí dizer que não estava nem preocupado e muito menos triste por sua partida. Depois

de semanas procurando por ele, recebemos a notícia de um amigo da família. Soube da notícia

quando estava descendo os degraus da escada e chegando até a mesa.

(Carta em cima da mesa, plano médio, pegando a carta com a mão, a vista sendo do

joquim. Escrita:

Caros Fonseca,

É com pesar em meu coração que envio está simples carta para lhes informar que avistei

vosso filho Bartolomeu. Infelizmente cheguei atrasado e não consegui impedir que ele partisse.

Ele estava saindo da estação de trem, perguntei para a moça da bilheteria onde seria o destino

de Bartolomeu, infelizmente ela não pode fornecer.

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Caso tenha alguma informação entrarei em contato com vocês, e peço que se precisarem

de minha ajuda não hesitem.

Aguardando, Cícero

Colocar a carta na mesa)

Assim, com as definições dos capítulos e as orientações das cenas a serem

fotografadas, consegui utilizar a ferramenta do roteiro para me situar em minhas

fotografias.

Senti muita dificuldade ao criar o conto, pois este foi meu primeiro contato em

escrever algo complexo. Esta não foi somente a única dificuldade: foi complicado

definir os inventos que o Joaquim Fonseca fez que eu poderia utilizar dentro do conto,

em definir uma estratégia com motivos e conflitos para que o enredo funcionasse.

Fiquei durante muitos meses ocupada com a formulação do conto e fazer com

que dê algum significado.

Produzir algo no qual você somente ouviu falar, se interessa, mas nunca

estudou sobre o assunto é muito complicado, e foi neste instante que me deparei com

mais uma dificuldade, que foi demonstrar a doença que meu personagem iria ter. Com

isso procurei, li e assisti obras voltadas para a esquizofrenia, para conseguir

desenvolve-lo de forma mais real, capaz de sincronizar com o que eu queria passar

para o leitor.

4.3 PROCEDIMENTO DO STORYBOARD

Utilizei o storyboard para a melhor visualização das minhas imagens, para

definir posições da câmera e o que eu gostaria de mostrar em cada imagem

sequencial.

A minha primeira arte sequencial foi incluída após a parte do prefácio, também

foi uma das primeiras imagens que desenvolvi. Por isso, coloquei em escrito os

detalhes das sequências e logo depois me permiti instigar sobre o invento do

personagem.

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Figura 32- Primeira sequência de imagens

Fonte: Autoria Própria

Logo depois produzi mais storyboards das partes imagéticas do conto (Ver

APENDICÊ B).

Figura 33- Storyboard parte 1

Fonte: Autoria Própria

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4.4 ROTEIRO

Logo após o desenvolvimento do storyboard, fiz um pequeno roteiro das

partes imagéticas do conto, já com o desenvolvido da história na íntegra, para

contribuir na hora da produção fotográfica.

Assim, defini o que cada cena necessitava, colocando em um breve roteiro o

figurino, cenário, personagens que iriam estar na cena. Também reproduzi este

roteiro, de cada frame que necessitaria para dar sequência visual e por fim, a

observação se caso eu gostaria de colocar algo mais detalhado que seria utilizado.

Utilizei a fonte Courier New, tamanho 12, pois esta forma é uma característica

de roteiros. Então ficou da seguinte maneira:

ROTEIRO

PARTE 1 -CAPÍTULO 1

Figurino: chapéu,

Cenário: ar livre, folhas de papel dobradas, árvore

Personagens: joquim pequeno (joão)

Frames: (primeira cena: close-up do rosto de joquim)(segunda

cena: se afastando do corpo de joquim)(terceira cena: ele olha

para o lado)(quarta cena: sentado com as pernas

encolhidas)(quinta cena: estica o braço para pegar o

chapéu)(sexta cena: coloca o chapéu na cabeça)(sétima: rosto

para baixo triste)

OBS: (Deitado na grama de barriga para cima, olhando o céu, o

sol iluminando o meu rosto ao meu lado várias folhas dobradas e

o chapéu ao lado)

PARTE 2 -CAPÍTULO 1

Figurino: cores claras

Cenário: quarto, livro

Personagens: joquim pequeno (joão) e carmen (carol)

Frames: (primeira cena: rosto sorrindo da Carmen, (close-up, luz

da manhã))(segunda cena: franzindo o rosto (parecendo que está

braba) (terceira cena: rindo novamente)(quarta cena: jogando o

rosto dentro de um livro aberto)(quinta cena: tira o livro do

rosto) (sexta cena: imagem com o livro aberto, as mão

perto(plongée))

OBS: (cenário: quarto, deitados)

PARTE 3 -CAPÍTULO 2

Figurino: camiseta manga curta, calção, chapéu

Cenário: deque

Personagens: joquim pequeno (joão)

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Frames: (primeira cena: joquim de costas para a câmera no deque,

câmera fixa no começo do deque)(segunda cena: joquim se afastando

(3X) (quinta cena: ele senta)(sexta cena: câmera no rosto de

joquim(olhos abertos))(sétima cena: ele fecha os olhos)(oitava

cena: abre os olhos e esta dia)

OBS: (noite)(último frame dia)

PARTE 4 -CAPÍTULO 2

Figurino: camiseta preta, calção, chapéu

Cenário: deque

Personagens: joquim pequeno (joão)

Frames: (primeira cena: joquim sentado no deque, olhos fechados,

sorrindo)(segunda cena: pés na água balançando

(plongée)(terceira cena: olhos abertos, com a cara

triste)(quarta cena: olha para trás)

OBS:

PARTE 5 -CAPÍTULO 3

Figurino: cabelo molhado, camiseta azul, calça, chapéu

Cenário: casa, mesa, luz matinal

Personagens: joquim pequeno (joão)

Frames: (primeira cena: carta em cima da mesa, plano médio)

(segunda cena: pegando a carta com a mão)(terceira cena: plongée

da carta sendo lida)(quarta cena: carta em cima da mesa, joquim

sentado desfocado)(contra-plogéé)

OBS:

Caros Fonseca,

É com pesar em meu coração que envio está simples carta para

lhes informar que avistei vosso filho Bartolomeu. Infelizmente

cheguei atrasado e não consegui impedir que ele partisse. Ele

estava saindo da estação de trem, perguntei para a moça da

bilheteria onde seria o destino de Bartolomeu, infelizmente ela

não pode fornecer.

Caso tenha alguma informação entrarei em contato com vocês, e

peço que se precisarem de minha ajuda não hesitem.

Aguardando, Cícero

PARTE 6 -CAPÍTULO 4

Figurino: camiseta preta, chapéu

Cenário: deque

Personagens: joquim pequeno (joão)

Frames: (primeira cena: joquim com os pés na água com a cabeça

baixa) (segunda cena: cabeça levantada olheiras profundas)

(terceira cena: close-up dos pés mexendo na agua) (quarta cena:

close-up dos dedos na agua) (quinta cena: close-up dedos na

grama) (sexta cena: close-up dedos na areia) (sétima cena: close-

up dedos no ar

OBS: (imagem meia transparente)

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PARTE 7 -CAPÍTULO 4

Figurino: camiseta branca

Cenário: dentro da agua

Personagens: joquim pequeno (joão

Frames: (primeira cena: cabeça dentro a água) (segunda cena:

mexe a cabeça para um lado) (terceira cena: mexe a cabeça para

o outro agonizado) (quarta cena: sobe à cabeça da agua com a

boca aberta) (quinta cena: rosto se aproxima da câmera boca

aberta em um grito silencioso)

OBS:

PARTE 8 -CAPÍTULO 7

Figurino: camiseta de manhã curta, chapéu

Cenário: ar livre, bicicleta

Personagens: joquim jovem (iago)

Frames: (primeira cena: contra-plongée do joquim na bicicleta e

o céu aparecendo)(segunda cena: close-up o rosto de

joquim)(terceira cena: o céu com os pássaros,) (quarta cena:

close dos lábios, sorriso de canto dos lábios)(quinta cena: close

da mão da bicicleta)(sexta: close do cabelo e chapéu)(sétima

cena: joquim andando de bicicleta sorrindo(câmera

frontal))(oitava cena: costas de joquim na bicicleta)(nona cena:

chapéu o ar)(décima cena: câmera no chão, close do chapéu no

chão e o joquim ofuscado(na lenta) atrás).

OBS:

PARTE 9 -CAPÍTULO 8

Figurino: camiseta branca,

Cenário: mesa, relógio, papéis

Personagens: joquim jovem (iago)

Frames: (primeira cena: câmera frontal estagnada, joquim sentado

na mesa com os papeis ao seu redor, luz acima de sua cabeça,

joquim de chapéu.uma luz no joquim e outra no relógio de parede)

(cenas: das horas passando e joquim se mexendo e modificando os

papeis de lugar)

OBS:

PARTE 10 -CAPÍTULO 8

Figurino:

Cenário:

Personagens:

Frames: (parte inicial dele olhando para o avião)

OBS:

PARTE 11 -CAPÍTULO 9

Figurino:

Cenário: remédios, caixa de madeira, duas cadeiras. casa

Personagens: joquim jovem (iago)

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Frames: (primeira cena: joquim sentado no chão) (segunda cena:

abre caixa com remédios) (terceira cena: olhando os remédios na

palma da mão) (quarta cena: com os olhos fechados e a mão na

boca) (quinta cena: sentado com os olhos fechados, a luz apagar)

(sexta cena: a luz volta a acender) (sétima cena: joquim deitado

em uma maca de hospital (deitar ele em cadeiras altas e desfocar

o fundo))

OBS: na segunda cena alguns remédios caem no chão

PARTE 12 – CAPÍTULO 9

Figurino: chapéu, camiseta preta

Cenário: papéis, mesa, arma,

Personagens: joquim jovem (iago)

Frames: (primeira cena: joquim de pé, rosto para baixo - chapéu

o escondendo) (segunda cena: rasgada a carta) (terceira cena:

jogando em direção da câmera) (quarta cena: colocando as mãos na

cabeça) (quinta cena: se encurvando)

OBS: Cena aparecendo a mesa joquim e atrás a porta fechada, em

cima da mesa tem a arma usada em sua morte (noite)

PARTE 13 -CAPÍTULO 9

Figurino: chapéu, camiseta preta/ capa grande tipo capote

Cenário: rua, em baixo de um poste-chácara

Personagens: joquim jovem (iago), homem misterioso

Frames: (primeira cena: câmera frontal no joquim, mostrando

atrás, uma sombra preta na escuridão) (segunda cena: Joquim

caminha até a luz) (terceira cena: para, Joquim com os olhos

fechados) (quarta cena: câmera muda para o lado. Joquim na luz

de costas e a sombra na escuridão) (quinta cena: Joquim se vira)

(sexta cena: homem com o capote aparece na luz) (sétima cena:

saca a arma do capote) (oitava cena: aponta a arma para joquim)

(nona cena: bala indo em camera lenta até joquim) (décima cena:

tela preta)

OBS:(camera na frente do joquim, mostrando atras, uma sombra

preta na escuridão. Joquim caminha até a luz e para. Joquim fecha

os olhos. Camera muda para o lado. Joquim na luz de costas e a

sombra na escuridão. Joquim se vira, (dois quadros) sombra

aparece na luz, saca a arma do capote, aponta e atira. Bala indo

em camera lenta até joquim. Não deixando ela atingir e fica preta

a cena).

Criei meu roteiro de uma forma com que me lembrasse do que seria

necessário para os dias da produção fotográfica. E esta se mostrou uma ferramenta

de muita ajuda, pois facilitou para relembrar o que eu queria expressar com cada

imagem.

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4.5 PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA

Ao realizar as produções fotográficas, deparei-me com o auxílio que o roteiro

me proporcionou, pois me possibilitou guiar as cenas, juntamente beneficiando os

modelos.

Cada sequência fotográfica foi realizada no mesmo dia, para a facilitação dos

modelos ao saberem o contexto das cenas, e a minha ao definir melhores os ângulos.

A imagem da primeira sequência encontrada no conto foi pega da internet e

modificada. Seria muito complicado ter uma fotografia autoral de um avião antigo. Por

isso necessitei de outros meios para obtê-la.

Vários locais foram utilizados para fotografas as cenas, como: Jardim

Botânico, Sesi, minha casa, casa de um dos modelos, casa de uma amiga que

emprestou a banheira, chácara dos meus pais e uma rua deserta.

Para realizar as imagens, utilizei minha câmera fotográfica Nikon 5100, com

a lente 35mm f/ 1,8.

A maioria das fotografias foram realizadas ao ar livre; não utilizei nenhuma

iluminação especial, além da iluminação natural. Na última sequência fotográfica, os

postes de luz me ajudaram a conseguir mais iluminação. Esta cena já havia sido

pensada justamente para que a iluminação fosse mais escura.

Nas imagens feitas dentro de ambientes, foi utilizado o fresnel para ter uma

iluminação adequada.

Além de realizar as imagens previstas no roteiro, modifiquei alguns ângulos e

fiz algumas imagens que não estavam previstas no storyboard inicial.

4.5.1 PÓS PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA

Depois das fotografias prontas, selecionei aquelas que funcionam na

sequência que eu desejava. Todas as fotografias selecionadas foram ajustadas no

programa do Adobe Photoshop. Em algumas foram feitas apenas mudanças de cores,

como as da infância do personagem, em outras me atrevi a fazer montagens com

outras fotografias produzidas.

Inicialmente fiz as imagens da infância do personagem em preto e branco,

porém, após conversas e orientações com a Prof. Me. Myra, foi definido que seria

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melhor as imagens serem descoloridas, dando assim, um aspecto de tristeza que eu

gostaria de passar naquelas fotografias.

Como citado anteriormente, somente uma cena ao ar livre foi realizada de

noite. A cena da parte 3, onde o Joquim criança está no deque e vai se afastando da

câmera, foi realizada de manhã, depois modificada no programa Adobe Photoshop

para ficar mais escura, tirando as sombras. Isto foi necessário, devido ao fato do local

(Sesi) fechar a noite e por motivos que não possibilitavam o modelo posar naquele

horário.

Nas últimas cenas de sequência, foi utilizado uma arma imagética para

contribuir com a narrativa visual.

4.6 DIAGRAMAÇÃO

Com o desejo de criar um conto, composto de texto e imagem, para o projeto

final, achei mais viável apresentar meu trabalho em formato de um livro. Desta forma,

escolhi o tamanho A4, paisagem, pois defini que todas a minhas fotografias fossem

compostas deste formato desejado, para facilitar no momento da sangria.

Utilizei o programa Adobe InDesing para montar as imagens junto com o texto

escrito.

Depois de organizado a montagem do conto, procurei lugares para a

impressão. Como eu estava visando um livro, foquei em gráficas onde o material fosse

composto visando uma finalização parecida com o esperado.

Escolhi o papel couche 210g para ser utilizado para a impressão. Desde o

começo imaginei o livro com a capa dura, e por motivos técnicos, elaborei uma

sobrecapa para compor a parte externa, deixando-a com o nome do livro.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do trabalho estudado, utilizou-se a fotografia em conjunto com a escrita

para auxiliar a narração dentro de um conto. Foi estudado que a imagem pode

trabalhar sozinha, isto significa que ela tem autonomia para mostrar o que o fotógrafo

quer transmitir.

A linguagem, tanto escrita como imagética permite a compreensão do que

está sendo mostrado para o leitor.

A partir do que foi mostrado no capítulo 2, onde abordou-se os conceitos da

narrativa com seus elementos principais aos quais dão o corpo da narração,

entendeu-se que a mesma pode ser elaborada de diferentes formas e com diversos

objetivos. Entre todas as linguagens, o trabalho estudou a narração fotográfica, e as

diversas ferramenta para que podem ser utilizadas para facilitar a narração. A partir

disso, escolheu-se o roteiro e o storyboard.

Foi possível perceber também, que cada imagem tem signos e seus vários

códigos que são expostos para o leitor, que com suas experiências de vida e sua

carga de cultura, consiga interpretar o que está sendo exposto para ele. Para trabalhar

em conjunto texto-imagem, estudou-se a arte sequencial, que é utilizada nas histórias

em quadrinhos, o qual é um exemplo que usufrui da escrita e da imagem para dar

andamento a narração. Foi utilizado vários exemplos, sendo que um deles é uma

narração de xilogravuras, feita por Frans Maserell, para reafirmar que as imagens têm

total possibilidade de contar uma história. Ao longo deste capítulo, reafirmou-se o

poder que o leitor tem ao interpretar as imagens e a responsabilidade que o fotógrafo

tem ao guiar o olhar do seu leitor.

Sendo assim, baseando-se no fato que a escolha é do fotógrafo ao manipular

e ao escolher se prefere relatar algo fictício ou real.

O trabalho abordou no terceiro capítulo sobre a vida de Joaquim da Costa

Fonseca e a relação ao Joquim de Ramil, com este estudo, possibilitou o

entendimento do conceito da mitobiografia, aos quais se intercalam ao relatar a vida

de um indivíduo, transformando-o em um mito.

O presente trabalho possibilitou colocar em prática a minha escrita e minha

fotografia, desenvolvi meu próprio Joquim, juntando o conhecimento que tive da

canção e a pesquisa bibliográfica da vida real de Joaquim Fonseca. Porém minha

cultura, meus desejos, meu modo de pensar, me possibilitaram mostrar o Joquim da

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forma como foi imaginado e planejado. Um personagem tirado da imaginação, com

todas referências que obtidas ao longo dos anos.

Deparei-me com uma incrível dificuldade na parte escrita do conto, pois não

tenho nenhuma formação ou experiência nesta parte. Por isso, a constituição dos

personagens e o desenvolvimento da história demandavam um grande tempo deste

projeto. Porém, ao produzir fotograficamente o conto, me deparei com a ajuda do

roteiro e dos storyboards que havia feito.

Este estudo propôs responder se as imagens fotográficas são capazes de dar

uma sequência narrativa a história, e creio que a pesquisa realizada pode responder

a questão de forma positiva, pois os objetivos foram alcançados e estudados ao longo

do trabalho. Deseja-se que outras pessoas se interessem por esta narrativa e que

possibilite uma publicação para que, este tipo de conto fique cada vez mais

reconhecido e que cada vez mais as pessoas identifiquem que as imagens não estão

ali apenas para ilustrar contos, mas estão também para contar as histórias.

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APÊNDICE A – CONTO NA ÍNTEGRA DO SUBCAPÍTULO 4.2

PREFÁCIO

“Olhar para você, com suas cores tão bem pensadas por mim e

saber que cada pedacinho seu foi com tanto esforço e suor que caía a

toda hora, além de muitas noites sem dormir.

Agora você está ali, de pé, e quando não está com seus ‘pés’ na

terra, está como eu, nos céus, cortando-o, perfurando as nuvens e

viajando com os pássaros.

Isto seria apenas mais um sonho se eu não tivesse colocado

minhas mãos e o meu coração em você”.

CAPÍTUL 1 - CARTA À CARMEN

Choro por ti... Todas aquelas flores... Sendo que aquelas pessoas mal sabiam quem

você era realmente. Desço meus olhos até o objeto que estou segurando, o qual peguei de suas

tão pequenas e tão geladas mãos. Tento não me lembrar de seus olhos moribundos, do sangue

que se misturava com a cor do seu vestido, aquele mesmo que mamãe comprou para você no

Natal passado.

Mamãe não fala nada, não chora, parece que não aconteceu nada. E se era difícil ver

nosso pai, imagina agora. É difícil sem você nessa casa, minha irmã!

(Deitado na grama de barriga para cima, olhando o céu, o sol iluminando o meu rosto

ao meu lado várias folhas dobradas e o chapéu ao lado) (close-up ) (cena se afastando do

corpo de joquim pequeno) (na terceira cena: ele olha para o lado) (quarta cena: vai se

levantando)(quinta cena: coloca o chapéu na cabeça )(sexta: rosto para baixo triste)

Gostaria de você por perto, pois agora estou com alguns planos, parece que irão dar

certo, tenho esse pressentimento. Sempre paro em frente ao lago, onde vi seu corpo sem vida.

As coisas em casa não mudaram muito, a mãe continua reclamando que nada eu tenho

dos meus irmãos, aquele mesmo blábláblá de que devo tentar ser igual ao Timótio, o exemplo

da família. Mas você sabe que ele só segue as ordens de nosso pai e da nossa mãe. Sim, nosso

pai continua sem mostrar sequer os dentes para nós.

“Homem muito trabalhador”, diz a mãe para as nossas queixas em relação à ausência

dele. Porém, me lembro o dia que você contou o porquê dele agir de tal maneira, e nada tem

em relação ao quanto ele trabalha, e sim a visão dele perante a sociedade e mais alguns goles

de álcool.

Carmen, você de longe é minha irmã favorita, com você eu podia contar minhas ideias

e confiar meus segredos. E pensando bem, foi o único tipo de amor que recebi por parte da

minha família. Agora a única coisa que me restou de você foi este chapéu e a saudade.

Quando comento ao seu respeito, por algumas vezes todos me apontam seus olhares

como se eu estivesse louco, por outras, simplesmente me ignoram.

No começo, ao pedir à Bartolomeu como ele se sentia, ele me deu aquele olhar e disse

que contaria tudo para nossa mãe. Talvez ele não esteja aceitando, assim como eu. Mas acredite,

não mais do que eu!

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Por mais que o lugar seja perfeito, as coisas não se encaixam. Parece que você

modificou tudo ao partir, esse sentimento que não consigo descrever, que somente dói. Aquele

adeus que não te dei me corrói. Agora vejo você, sutilmente sorrindo para mim.

(rosto sorrindo da Carmen, (close-up, luz da manhã))(franzindo o rosto (parecendo

que esta braba) (rindo novamente)(jogando o rosto dentro de um livro aberto)(tira o

livro do rosto) (cena como se ele estivesse com a cabeça para baixo, olhando o livro as mãos

perto) (foco nas mãos) (cenário: quarto, deitados).

São essas lembranças que me permitem continuar, embora quando abro os olhos, tenho

a sensação de que tudo no mundo vira cinzas com sua ausência.

Mamãe pediu para que eu seguisse a minha vida, que todos estavam fazendo tal coisa.

Ficar comentando seu nome e pensando em você, somente faria com que os problemas já

enfrentados retornem.

Foi então que minhas lembranças junto de ti começaram a se apagar.

CAPÍTULO 2

Aquela noite em Satolep estava muito quente, e mesmo vestindo apenas um calção, o

meu corpo suava. Coberta sobre o corpo? Nem pensar!

Tanto com os olhos abertos ou fechados era igual, o quarto estava em um breu. Minha

mente fazia um esforço enorme para que meu corpo conseguisse relaxar na cama, até o momento

em que escutei aquele barulho. Era assustador, horrível, um guinchar de ferro em dueto com

gritos femininos; um guinchar sobrenatural com aquela voz que eu conhecia… com certeza

conhecia! Aquilo fez com que meu corpo todo estremesse e suasse. Voltar a tentar dormir seria

um convite para pesadelos. Comecei a me sentir mal, algo naquele barulho me deixou assim.

Meu suor era frio e o que me cobria naquela noite era o medo.

A noite e o barulho perduravam, tentei olhar para a cama da frente, procurando algum

sinal se Bartolomeu estava acordado, porém enxergar seu rosto era uma tarefa irreal no meio

daquele breu.

Saí da cama, vesti uma camiseta e desci até a sala, o ambiente estava bem mais claro,

então abri a porta e fiquei parado sobre a soleira. O barulho se tornou mais estridente. Olhei em

direção ao galpão, alguma coisa estava diferente por lá, pisquei meus olhos diversas vezes para

ter certeza, mas a imagem continuava. Respirei fundo, até que o medo diminuísse e então

prossegui em direção ao galpão. A porta estava entreaberta. Resolvi não entrar, em vez disso

dei a volta, parando em frente ao deque do lago. Neste momento o barulho havia silenciado,

tudo estava calmo... bom, quase tudo. Meus pensamentos continuavam inquietos.

(cena noite: Joquim de costas para a câmera no deque, câmera fixa no começo do

deque, joquim se afastando, ele senta. Câmera no rosto de joquim(olhos abertos) ele

fecha os olhos e quando abre esta de dia seus pés balançando na água)

― Hey Joquim, Terra falando. Faz meia hora que estou tentando fazer com que você

dê atenção ao que eu estou falando, parece que vive no mundo da Lua.

Apenas no momento que Cecília chegou perto de mim e falou alto no meu ouvido que

percebi a sua presença.

― Me perdoe Cecília, não havia escutado você. - minha voz soa calma, e eu tento não

encarar seu rosto.

― Tanto faz, na próxima faço Bartolomeu correr atrás de você. Vamos, já fez Antonio

esperar demais.

Dou um longo suspiro enquanto acompanho com o olhar os pés de Cecília. Finjo

sempre não notar a repugnância na voz dela quando se dirige a mim. Gostaria apenas de me

sentir aceito pelos meus irmãos. Mas sempre sou o problema.

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Chegando em casa, tudo que minha mãe repara é que ainda estou com a mesma roupa,

e me manda vestir algo mais adequado para sair.

É mais um dia muito quente de verão e o Antonio, como um irmão exemplar irá nos

levar para comprar tecidos para as nossas roupas de ir a escola.

Não estou com nenhuma vontade de ir a lugar algum. E durante a viajem até o centro

de Satolep, reproduzo na minha mente os acontecimentos da noite anterior.

Chegando até a loja, prefiro permanecer do lado de fora da loja, esperando Antonio e

Cecília. A rua já estava quente demais, não gostaria de descobrir a temperatura lá dentro.

Foi então que senti um longo arrependimento ao notar quem estava vindo em minha

direção. Droga, preferia ter morrido de calor lá dentro.

― Olha quem está ai, se não é o “minha irmã está morta”. - gargalhou Artur, fazendo

pouco da minha voz. Imediatamente desviei o olhar de seu rosto, me concentrando apenas no

chão.

Ele tinha os mesmos dez anos que eu, e essa era a única semelhança entre nós. Seu

tamanho era o dobro do meu, seu temperamento: agressivo e doentio. Adorava lançar objetos,

com pouco menos de sorte ano passado Artur teria me cegado com sua tesoura na sala de aula.

Havia um garoto ao seu lado, porém não me atrevi à encará-lo. Ele simplesmente

gargalhava com tudo o que Artur dizia. E durante o espetáculo de Artur, permaneci cabisbaixo

e tentando não o ouvir, até que consegui afastar minha mente do lugar onde estava, e em alguns

instantes, eu não estava mais lá.

(joquim no deque (olhos fechados, sorrindo), pés na água balançando, joquim

sorrindo, borbulhas nos pés. Joquim com olhos abertos, joquim com a cara triste, olha

tras)

‒ Céus, o que há de errado com você? Onde você estava esse tempo todo? - a voz seca

de Antonio chegou aos meus ouvidos e então voltei de transe.

‒ Eu estava aqui o tempo todo. - Respondi, confuso.

‒ Que droga Joquim, fez a gente perder a janta e ainda deixou a mãe furiosa conosco,

tudo por sua culpa! - Cecília gritava enquanto me socava.

‒ Mas... – tentei me justificar de algo que nem eu mesmo consegui entender. Olhei ao

meu redor e o céu estrelado estava sob nossas cabeças.

‒ Vamos para casa Joquim, preciso contar para nossa mãe que te achamos.

CAPÍTULO 3

No momento em que chegamos em casa, mamãe quis saber tudo, onde estávamos e

por que

eu havia desaparecido. Tantas perguntas que nem eu mesmo conseguiria responder.

Até me perguntou sobre o café da manhã, ela queria saber se eu estava tomando o que ela

preparava para mim. Definitivamente estranhei essa parte, tentei procurar com os olhos onde

estava Bartolomeu, ou Cecília, até mesmo Antonio para ver se conseguia entender algo do que

ela me questionava. Porém, novamente sem entender nada, estávamos só nos dois.

No meu quarto à noite fiquei sentado na cama, pensando sobre o porquê de não me

recordar de nada que ocorreu. Ouço de madrugada o cambalear dos passos de Antonio que

provavelmente estava em algum prostíbulo.

Saí do meu quarto e fui ao da frente onde estava Lucila. Ela estava mais pálida e

mórbida que da última vez que a encontrei.

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Não gosto de ver a imagem dela, de como a sua doença a está matando lentamente,

não gosto do sentimento triste que ela me passa. Por mais que seja a minha irmã, fico com dó

de estar com ela.

Seus olhos correm o quarto todo até chegar em mim.

- Boa noite Lucila. - digo chegando perto da cama onde ela se encontrava. - A noite

não está nada agradável hoje.

Seus olhos de tristeza profunda me olharam com decepção.

- Me desculpe, deveria ter vindo antes. – ela fecha os olhos e simplesmente me deixa

lá, no seu quarto sem vidro, sem espelho, sem nenhum brinquedo ou objeto pessoal.

Sai do quarto tentando não fazer barulho. Desci as escadas e encontrei Bartolomeu

sentado na cadeira olhando para fora da janela.

Percebi de imediato que ele estava infeliz, algo o estava perturbando. Não consegui

pedir sobre o que era, se eu poderia fazer algo ou se ele simplesmente queria falar. Achei

apropriada tentar descobrir sobre o meu café da manhã, com certeza ele tinha a resposta, e com

certeza não seria dificil conseguir.

A luz discreta da noite iluminava seu rosto, enquanto ele começou a falar das pequenas

pílulas que mamãe diluía em nossas comidas, e que descobriu há algum tempo enquanto

observava pela janela da cozinha. Mas nunca teve coragem de perguntar, pois ela descobriria

que ele a observou em segredo, e poderia o comprometer.

Perguntei o porquê de ninguém comentar sobre Carmem, por que todos pareciam

querer esquecê-la. - Estou aos poucos esquecendo como ela era Bartolomeu. -ele finalmente

tirou os olhos da janela e virou seu rosto para mim.

- Gostaria de poder te contar sobre tudo meu irmão. Mas sinto que já é tarde e temos

fazeres amanhã.

Tentei relutar, questionar, mas seu rosto estava voltado para a janela com o mesmo

semblante que o encontrei. Minha sessão de perguntas havia acabado.

Mal sabia que seria a ultima vez que veria ele. Eu seria a ultima pessoa da família a

falar com ele. Mesmo não nos dando muito bem, ele era meu irmão, colega de quarto. Porém

sempre tão distante, talvez pela idade, por ser mais velho que eu, ou pelos pensamentos

diferentes.

Como eu tinha Carmen, nunca tentei me aproximar, mas naqueles últimos meses ele

tinha conversado comigo, agindo de um modo totalmente educado, diferente de como ele era.

Na manhã do dia seguinte acordei ouvindo os gritos de minha mãe chamando Bartolomeu. Ele

havia sumido.

A única coisa que não compreendi foi o porquê dela ter chorado tanto com o

Bartolomeu e quando foi a morte de Carmen ela não esboçou nenhuma tristeza.

Me doí dizer que não estava nem preocupado e muito menos triste por sua partida.

Depois de semanas procurando por ele, recebemos a notícia de um amigo da família. Soube da

notícia quando estava descendo os degraus da escada e chegando até a mesa.

(carta em cima da mesa, plano médio, pegando a carta com a mão, a vista sendo do

joquim. Escrita:

Caros Fonseca,

É com pesar em meu coração que envio esta simples carta para lhes informar que

avistei vosso filho Bartolomeu. Infelizmente cheguei atrasado e não consegui impedir que ele

partisse. Ele estava saindo da estação de trem, perguntei para a moça da bilheteria onde seria

o destino de Bartolomeu, infelizmente ela não pode fornecer.

Caso tenha alguma informação entrarei em contato com vocês, e peço que se

precisarem de minha ajuda não hesitem.

Aguardando, Cícero

coloca a carta na mesa)

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CAPÍTULO 4

Durante a primeira semana de aula, nenhuma surpresa. Ofensas, brigas, deboches eram

vistos como uma apresentação do que seria o ano no colégio. Evitava sempre ir ao colégio,

porém meus motivos estavam repetitivos e menos convincentes.

Em uma tarde da quinta semana de aula, papai me pediu para levar algumas papeladas

para a sua oficina. Ela não ficava muito longe de casa, e nem muito longe do local no qual

encontrei Carmen naquele dia fatídico. Já havia ido até a oficina, mas nunca havia passado pela

porta, e mesmo em dias claros, o local sempre estava escuro, protegendo o que estava lá dentro

dos olhares de quem passava. Tínhamos em casa uma regra de nunca ir até a oficina, apenas em

caso de urgência a pedido do pai ou da mãe.

Naquele dia, parei diante da porta, e esperei ver um sinal de alguém que pudesse vir

até a entrada e receber os papéis. Porém ninguem veio, então dei uns passos adentro do local.

A cada passo, maior era minha curiosidade. Havia peças para todos os lados, e uma diferente

da outra, o que me instigava a pensar para o que elas serviam. Fui levado pela curiosidade até

debaixo de um veículo suspenso com gotas de óleo pingando sobre papelão. Estava

praticamente em uma hipnose, quando um homem chamou minha atenção dizendo que não

poderia estar tão perto do elevador. Virei e olhei para o homem que estava ao meu lado, com

seu macacão manchado e sujo com graxa. Entreguei os papeis que estavam em minha mão.

- Você não deveria estar na aula agora rapazinho? - perguntou sorrindo. Então foi até

a mesa que deveria ser do meu pai e depositou os documentos com cuidado sobre ela.

- Deveria. - respondi baixinho com a cabeça voltada para o carro.

- Você gosta? – ele perguntou novamente, olhando para o mesmo lado que eu.

Não falei nada, apenas fiquei olhando para ele. Aquele homem nunca tinha me visto

até então, e estava interessado em saber se eu gostava de algo que até eu então nunca tinha visto

tão de perto. Como poderia ser?

Então ele desistiu da minha resposta, me pediu para segui-lo e começou a abrir uma

caixa de ferramentas, e conforme ia tirando uma por uma, ia dizendo seu nome e para o que

servia. Depois ele me ensinou algumas coisas que sabia, e respondeu algumas perguntas sobre

aquelas peças que chamaram minha atenção. E a cada resposta, aperfeiçõava um modelo criado

na minha imaginação. Depois de passar algumas horas conversando com ele, voltei para casa.

Era quase noite, quando um empregado da oficina bateu em nossa porta. Eu, Cecília,

Antonio e Timótio estávamos na cozinha fazendo nossa refeição.

- Desculpa Sr e Sra Fonseca pelo horário, mas eu recebi o recado de vocês há alguns

minutos. - Conseguia escutar o funcionário falando baixinho com sua voz rouca.

- Claro Cardoso, minha esposa e eu ficamos preocupados com a demora de Joquim, e

gostaríamos de confirmar a versão dele Ele disse que falou com um senhor que foi muito afável

com ele. Pensamos que fosse você.

Ocorreu uma pausa na conversa depois que meu pai falou. Com um pigarro Cardoso

falou, ainda com sua voz rouca, porém percebi que havia preocupação nela.

- Ahh, Joquim não conversou comigo senhor Fonseca, nem com o outro homem que

estava trabalhando hoje. Vi Joquim entrar na oficina, porém, quando fui falar, ele atravessou a

oficina e foi até sua mesa, colocou as folhas que carregava dentro da gaveta. Tentei novamente

falar com ele, ele não respondeu, apenas ficou parado observando o carro que estava

desmontado. Então segui com meu trabalho. - SILÊNCIO.

-Muito obrigada Cardoso.

Nenhuma explicação, nenhum sentido naquelas palavras. Por que Cardoso mentiria?

É claro que eu passei a tarde falando com o homem que trabalhava lá, certo?!

Minha mente estava inquieta, na cama à noite somente conseguia pensar em Carmen,

e olhar para a cama vazia de Bartolomeu. Até a luz do sol iluminar o meu quarto parecia uma

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eternidade, e quando me levantei ouvi algum tipo de sussurro vindo da janela que parecia me

chamar para olhar para o lago.

- Olhe que belo o lago Joquim, poderíamos estar mergulhando e entrelaçando nossos

corpos na água. - e eu apenas fiquei observando o que aquela voz me pedia.

Logo consegui desafixar aquela imagem do lago e descer até a cozinha. Mamãe falava

sem parar, papai apenas me observava enquanto tomava sua grande xícara de café.

O que aconteceu em seguida foi tudo muito rápido, muito confuso. Me fizeram

perguntas, doutor Jasper questionou se eu estava tomando ainda os remédios receitados

anteriormente. Eu estava incapaz de falar, de compreender, apenas fiquei observando minha

mãe enquanto ela respondia por mim. Ele me explicou que se eu não tomasse esses remédios,

passaria novamente pelo tratamento de choque. Depois da sessão, voltamos para casa.

Eu não ia mais a escola, não tinha mais vontade de brincar, passava os meus dias no

deque, observando o lago, sentindo.

(imagem meia transparente, joquim com os pés na agua, balançando, usando o

chapéu, olheiras profundas, imagem dos pés mexendo na agua, dos dedos na agua,

dedos na grama, dedos na areia, dedos no ar)

Não conseguia mais me sentir livre, não conseguia mais sorrir. E por ingenuidade,

continuei o tratamento com remédios por mais um ano. E dentro desse ano, tudo que tinha

passado anteriormente retornou a minha memória.

(cabeça dentro a água, mexe para um lado, para o outro, agonizado, sobe a cabeça

da agua, com a boca aberta em um grito silencioso)

Aquelas imagens não saiam de minha cabeça. Eu necessitava parar.

CAPÍTULO 5

Aos treze anos comecei a trabalhar na oficina do meu pai, e o homem que me ajudou

na primeira vez já não estava mais lá. O trabalho me permitiu ficar longe de casa e da escola,

meus pais achavam que eu tinha melhorado por causa dos remédios, mal eles sabiam que eu

havia deixado o tratamento. Não podia deixar que eles descobrissem, por isso, tinha que tomar

muito cuidado ao descartar os remédios e cuidar com minhas palavras. Sem os remédios, eu

consegui voltar a me interessar pelas coisas, e a oficina era o melhor local para estar.

Com o passar dos dias, ia me acostumando com a rotina, com os funcionários e com

os veículos. Depois de duas semanas, comecei a ouvir novamente aquela voz que noutro dia me

convidava para o lago, que era a mesma daquela que gritava à noite, e que eu conhecia de algum

outro lugar, porém ainda não conseguia me recordar de onde.

Em uma sexta-feira, encontrei um jeito de ficar na oficina até mais tarde, esperando o

silenciar das máquinas e dos homens, para tentar ouvir apenas a voz, tentar me comunicar e

entender o que ela queria de mim. Às onze horas da noite, eu estava na oficina sozinho,

atordoado e angustiado, esperando que ela viesse e conversasse comigo. Mas ela não veio.

Comecei a me odiar, achar que ela tinha ficado triste comigo, porque não fui ao lago

como ela tinha me dito. E eu precisava escutar aquela voz novamente, me lembrar de quem era.

Caminhei de um lado para o outro da oficina, resmungando sozinho, tentando dispersar meus

pensamentos e ser surpreendido pela voz. Mas nada aconteceu.

Minhas mãos começaram a ficar inquietas, minha mente começou a girar. Se eu fosse

passar a noite ali, deveria encontrar um entretenimento. Fui até a mesa do meu pai, e acendi um

pequeno lampião. Na gaveta encontrei papel e um pedaço de lápis. Deixei minha mente limpa

e minhas mãos livres, e, como quem não se preocupasse com mais nada, deixei minha

imaginação me guiar e desenhei tudo que vinha até a mente. Após muitas folhas desperdiçadas,

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encontrei a forma de um automóvel, e repeti diversas vezes a figura, cada vez alterando um

pouco seu formato original.

O sol agora entrava pelos vidros e seus raios sentavam nos objetos que haviam dentro

da oficina. Meu coração estava acelerado de tantas ideias que passavam pela minha cabeça.

Aproveitando que naquele sábado não haveria expediente, decidi colocar minhas ideias na

prática. Arrastei algumas carcaças de automovéis para os fundos da oficina, onde de uma

maneira bizarra uni dois veículos em um só, com capacidade maior e duas rodas a mais. Em

um dia, havia cansado mais do que na semana inteira, e depois de duas noites resolvi voltar para

casa, para dar alguma satisfação.

Quando voltei domingo de manhã, minha mãe estava com as perguntas já engatilhadas,

então começou o repertório que eu já sabia que ela faria. Depois de afirmar, jurar e confirmar,

que eu estava na oficina e que tinha passado o final de semana inteiro nele, ela ainda não me

achou convincente, só acreditaria mesmo no dia seguinte, quando meu pai falaria sobre o meu

invento nos fundos da oficina, e também da bagunça que eu havia feito sobre sua mesa.

Eu estava exausto, depois do banho subi ao meu quarto e fiquei pensando de onde

todas aquelas ideias estavam brotando. Logo poderia aumentar o chassi de mais automóveis e

ganhar mais dinheiro.

No meio daquele reboliço de ideias, minha mente desconcentrou e comecei a pensar

naquela voz. Por que ela não veio conversar comigo? Ela havia me deixado só. Fiquei

observando o teto de meu quarto no escuro, quando o barulho novamente apareceu. Dessa vez

o quarto estava iluminado dando para ver a cama de Bartolomeu vazia. Várias coisas passavam

em minha cabeça, e uma delas seria que a voz iria aparecer. Porém não apareceu.

Demorou anos para que ela conversasse comigo novamente.

CAPÍTULO 6

Foi quando completei os meus vinte e cinco anos que Lucila faleceu, ela já não estava

mais comendo e seu estado só havia piorado. Minha mãe e Cecília choravam dolorasamente.

Bartolomeu nunca mais apareceu e meu pai exclamava para quem quisesse ouvir que ele já não

era mais o seu filho, que alguém que foge de suas responsabilidades e da família não carregaria

seu sobrenome.

Timotio ficou todo o enterro com o mesmo semblante que nosso pai, Antonio já

tentava se conter o máximo que conseguia, mas eu podia notar que estava derrotado. Mais uma

morte, penso comigo, mesmo que Bartolomeu não tenha morrido, era certo que ele não voltaria.

Entre os sete filhos de meus pais, ainda restavam quatro. E o filho mais louco era eu.

Mamãe não abria mais as janelas, tudo era escuro e os únicos raios de sol eram os que

passavam nas frestas das madeiras. Eu não conseguia aguentar aquele odor de morte. Com o

tempo, minha mãe havia adoecido, seu cristal interior já não estava aguentando mais nada. Meu

pai sumia, dizendo que tinha muito trabalho na oficina.

A boa notícia é que nos últimos anos meu invento deu certo, papai conseguiu muitos

clientes interessados em alongarem seus veículos, e com seu bom trabalho foi reconhecido pela

montadora. As únicas palavras que ouvi do meu pai a esse respeito, foi para que nunca mais

bagunçasse sua mesa. Eu era uma criança, e ele ficou com os méritos. Mas agora já estava

pronto para criar mais e ser reconhecido.

Enquanto morava com eles, ficava pouco em casa, quando não estava na oficina, estava

no deque, desfrutando da paz que somente o rio poderia provir. Com a mudança para a fase

adulta, meu comportamento de evitar conversas passou a chamar a atenção das pessoas, e por

algum motivo elas me evitavam também. Talvez fosse fruto de minha mente.

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Somente quando fiquei mais velho que entendi melhor o meu problema. Continuei sem

tomar minhas medicações, e agora com minha mãe adoecida, ninguém mais prestava atenção

em mim. Cada vez mais me esquecia do rosto da Carmen, do seu cheiro, da risada quando

estava feliz e dos seus lindos olhos.

Até que em um momento já tinha esquecido completamente dela.

CAPÍTULO 7

Em uma manhã de 1930, enquanto lia o jornal a voz me rondou novamente. Aquela

voz amigável e familiar, que por tanto tempo aguardei, agora me fazia companhia enquanto lia

um anúncio de curso de aviação. Uma oportunidade que tambem a tanto tempo aguardei. Já era

hora de deixar aquela casa para trás, esquecer toda angústia que a partida de meus irmãos

causaram.

Depois de todos aqueles anos, ela finalmente volta e me direciona à uma nova vida.

Naquele momento, estava mais apto a reconhecer quem me falava. A voz não era exatamente a

mesma, porém a entonação e a firmeza de como chamava meu nome, me fez entender que

Carmen, mesmo depois de sua morte, ficou ao meu lado. Ela me cuidou, e me deu forças para

partir.

Naquele dia, anunciei que iria embora, que meu lugar não era mais ali. Minha mãe

ficou desolada, sem compreender o motivo. Embora estivesse seguindo meu sonho, para ela eu

seria mais um de seus filhos correndo para os braços da morte. Para meu pai, eu havia virado

um homem. Prometi a eles que retornaria a Satolep e mandaria cartas informando minha

situação. Dias depois, estava de malas prontas para a cidade grande, tudo estava bem, eu

aprenderia mais sobre e mecânica e Carmen estaria comigo.

Quanto mais conhecia sobre aviões, mais conhecia de mim mesmo. Nunca havia me

identificado tanto com alguma coisa, tinha certeza que aquilo seria minha vida, e minha mente

trabalhava dia e noite com ambição de novas ideias.

Apesar dos problemas de relacionamento, tinha uma relação boa com meu colega de

quarto, até mesmo sua bicicleta ele já havia oferecido. E certo dia fui até o parque da cidade

com sua bicicleta, estava um dia convidativo para um passeio fora do campus. Fui tomado por

um sentimento de felicidade, pela liberdade que eu tinha, tudo estava bem, exceto pelo fato de

Carmen não falar mais comigo. Foi então que eu senti...

(rosto do joquim jovem com o chapéu olhando para o céu)(foto da visão do joquim, o

céu com os pássaros,) (joquim sorri de canto dos lábios)(close da mão da bicicleta)(cena média

ele na bicicleta)(joquim andando de bicicleta sorrindo(câmera frontal)(chapéu o ar)( câmera

no chão,close do chapéu e o joquim ofuscado(pela lenta) la tras).

E com isso percebi que este sentimento era único e verdadeiro, e era o mesmo que

sentia por Carmen. Pude me lembrar dela, de seu sorriso que até então estava esquecido. Pensei

na sucessão de acontecimentos tristes que ocorreram em Satolep. Logo, em questão de instantes,

aquele sentimento que havia experimentado momentos antes estava escapando, e nada mais

naquele passeio pode amenizar a tristeza que estava sentindo. Voltei para o dormitório

desolado, e não sairia tão cedo de lá.

Conforme prometido, sempre mantive comunicação por cartas com minha família. E

em uma segunda feira, depois de um longo tempo sem receber cartas de Satolep, encontrei uma

carta assinada pelo meu pai. Foi a primeira carta assinada pelo meu pai, o que me já me

presumia algo sobre minha mãe. E meu pai confirmou nas primeiras linhas, mamãe havia

falecido. Que diabos! A esta altura mamãe já havia sido enterrada, e eu quem prometi não

abandoná-la não estava lá.

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Não havia nada que eu pudesse fazer naquele momento em Satolep, então lidei com o

luto em silêncio até terminar o ano de estudos e só então retornei para casa.

CAPÍTULO 8

Voltando para Satolep, resolvi encontrar uma nova casa para viver. O convívio com

meu pai estava ainda mais complicado após o falecimento da mãe, ele blindava seus

sentimentos, e seu comportamento mudava da noite para o dia. Senti que uma vez que saí de lá,

aquela casa não era mais minha casa.

Voltei a trabalhar na oficina do meu pai, onde cumpria com minhas funções e contava

os minutos para chegar em casa e planejar meu novo projeto. Chegando em casa, caminhava de

um lado até o outro entre os comôdos vazios antes de escurecer, enquanto pensava em novas

ideias. No silêncio da noite era quando colocava no papel tudo que eu havia pensado. Do porão

de casa fiz o meu templo, era lá que as invenções eram trabalhadas para serem criações.

Em um certo dia, voltei do trabalho correndo e me enfurnei no porão, onde fixei toda

minha concentração em minha mais nova e brilhante ideia.

(camera frontal, joquim sentado na mesa com os papeis ao seu redor, luz acima de

sua

cabeça, joquim de chapéu.uma luz no joquim e outra no relógio de parede. Camera

estagnada frontalmente frames das horas passando e joquim se mechendo e modificando os

papeis de lugar)

Passei a noite desenhando, e após terminar o trabalho a noite já tinha se ido, e era hora

de voltar a oficina. Passei anos dando asas à minha imaginação, e desta vez estaria dando asas

ao meu projeto. A emoção de estar prestes a criar meu próprio avião era maior do que o sono e

o cansaço, e passei dias e noites trabalhando, e durante intervalos no dia, comprava material,

que consistia praticamente de madeira, algum aço, peças e um pouco de algodão envernizado.

Todo o esforço valeria a pena, aquele avião me permitiria subir mais alto, chegar mais

perto de Carmen. E ao decorrer do tempo, minha ânsia de vê-lo pronto aumentava, e eu também

aumentava meus esforços, chegando muitas vezes a exaustâo. E como quem não vê o tempo

passar, em um piscar de olhos já haviam se passado 3 anos, e meu projeto estava pronto.

(parte inicial dele olhando para o avião)

Sonho e realidade se difundiram naquele domingo, quando dei a primeira partida com

êxito no motor Ford. Passei o último ano fazendo diversos ajustes para ter certeza de que

funcionaria perfeitamente. Só faltava um último teste, e sem nenhum receio me pus atrás do

manche, e após alguns saltos desajeitados, o pássaro de madeira estava aprendendo a voar. Não

contive a emoção e durante o delírio passei a soltar gritos cada vez mais altos, naquele momento

eu descobria o meu motivo de viver, de todos aqueles anos desastrosos da minha vida, e agora

tinha algo para me orgulhar.

Enquanto margeava a praia do laranjal, percebia uma pequena aglomeração de

curiosos, com um olhar que jamais havia recebido: o de admiração. Aquele era meu grande

momento, no dia seguinte o jornal local destacava meu bem sucedido voô sobre Satolep. Mas

uma notícia trágica impediu do meu invento em ser a notícia mais importante do dia. Reino

Unido e França haviam declarado guerra à Alemanha, dando ínicio à Segunda Guerra Mundial.

CAPÍTULO 9

Apesar de ter tido trinta horas de voô bem sucedidas, percebi que o F1 era pesado

demais, e por tanto deveria ser aprimorado. Então voltei as minhas atenções a um novo modelo

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no qual trabalharia nos próximos meses, e que se intitularia F2, com um peso menor e uma

capacidade de voô muito maior, podendo realizar viagens mais longas, inclusive até a capital,

onde receberia a homologação do ministro.

Com a crise financeira que a guerra estava causando, e pelo fato de todas as

fornecedoras de peças estarem trabalhando em prol de suprir a guerra, necessitei utilizar grande

parte das peças do F1. Mas valeria a pena, o segundo modelo agora tinha um protótipo e um

construtor mais experiente. Conseguindo sanar mais alguns defeitos apresentados pelo F1, não

haveriam impercílios na homologação.

Mais noites em claro, olheiras ainda maiores. Novamente estava fornecendo o melhor

de mim para um projeto, me doando com todas as forças para conseguir o que eu queria. Mandei

as cartas requisitando a homologação ainda durante a construção do F2, e juntamente à ela pedi

aos homens poderosos do governo a construção de um aeroporto e do clube de aeronáutica. Mas

a resposta dessa carta nunca viria.

A construção do F2 foi mais rápida do que imaginei, a esta altura já tinha muito mais

conhecimento e prática com ferramentas do aquele garoto que aumentava chassis no fundo da

oficina do pai. O segundo modelo com incríveis dez metros e meio de envergadura, quase sete

de comprimento, pesava agora pouco mais de trezentos quilos, era capaz de voar a mais de 130

quilômetros por hora à mais de três mil e oitocentos metros de altitude. Era o sonho de qualquer

fantasiador que gostasse de voar, ou como Carmen diria, cair em mãos de Deus. Finalmente

havia realizado meu sonho, agora necessitava que as autoridades o reconhecessem.

Alguns dias após terminar a constução, dei início à minha jornada com o F2. Primeiro

apresentaria o F2 ao aeroclube da capital, depois a cidade grande, onde realizaria os devidos

testes para a aprovação. Ao chegar na cidade grande pilotando o F2, conversei com o ministro,

que aparentava simpático e interessado no que eu tinha a dizer. Só restava esperar.

A angustia de esperar começou a me perturbar, e uma nova voz, desta vez mais rouca,

preenchia o vazio dos meus pensamentos, me denegrindo constantemente e por muitas vezes

me deixando embaraçado em não conseguir responder aos engravatados. Estava em um

verdadeiro inferno em minha mente, relutando para calar essa maldita voz, tentando encontrar

um lugar seguro para me esconder, mas ela sempre estava lá. “Havia ido longe demais com esse

sonho. Fui levado pela conversa de um homem com boa lábia, e fui tolo o suficiente para

acreditar!”. Certo dia, tentei calar essa voz.

(joquim sentado no chão, abre caixa com remédios, os coloca na boca, alguns caem

no chão, a luz começa a apagar e a acender, maca de hospital ( deitar ele em cadeiras altas e

desfocar o fundo)

Quando acordei dois dias depois, me contaram que um dos engravatados havia ido até

meu dormitório e teria me encontrado inconsciente. Não falei o real motivo dos remédios,

apenas menti para poder sair do hospital e encontrar novamente com o F.2. Os testes já haviam

acabado e eu pude voltar com ele à Satolep.

CAPÍTULO 10

Agora em Satolep, estava aguardando pela carta de resposta sobre a homologação, e o

fato de estar novamente esperando alguma coisa abriu uma brecha para que novas vozes

atormentem minha cabeça, aonde quer que eu fosse, ouvia gritos de incontáveis vozes. Durante

as caminhadas diárias até o correio da cidade para conferir se a carta havia chegado, ouvia das

vozes que era inútil todo aquele trabalho, que o avião era inútil, eu seria inútil.

Três semanas depois, a carta havia chegado, finalmente. Segurei o envelope com

minhas mãos trêmulas e caminhei para casa, na companhia dos sussurros, ouvindo as diversas

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possibilidades frustrantes que viriam a acontecer, como a queda do avião. Seria como matar

Carmen denovo.

Ao entrar em casa, fechei rapidamente a porta, e antes de me sentar à mesa rasguei as

bordas do envelope, e ao sacar a carta me desestruturado e desabei no não. Aquilo já era

suficiente, mas segui lento o restante da carta. Simplesmente gostaria de não ter o feito.

Esclarecia que minha homologação havia sido negada. Então as vozes retornaram, desta vez

gargalhando com um prazer sádico. Meu rosto estava cheio de lágrimas, meu coração estava

acelerado demais, e eu não conseguia me acalmar.

(joquim de pé, rosto para baixo - chapéu o escondendo-, rasgada a carta, jogando

em direção da câmera, colocando as maos na cabeça, se encurvando. Cena

aparecendo a mesa, joquim e atrás a porta fechada, em cima da mesa tem a arma usada em

sua morte(noite))

Ficar em casa era insuportável, então abri a porta de casa e fugi das vozes, buscando

paz. Quando percebi, era noite e eu estava em uma estrada sob uma luz escandecente. Eu não

estava sozinho, havia um vulto atrás de mim. Estava fraco, reduzi o ritmo tentando controlar

minha respiração ofegante. As batidas do meu coração aumentavam, a dor no peito se tornou

insuportável.

(camera na frente do joquim, mostrando atras, uma sombra preta na escuridão.

Joquim

caminha ate a luz e para. Joquim fecha os olhos. Camera muda pro lado. Joquim na

luz de costas e a sombra na escuridão. Joquim se vira, (dois quadros) sombra aparece na luz,

saca a arma do capote, aponta e atira. Bala indo em camera lenta ate joquim. (4 quatro) não

deixando ela atingir e fica preta a cena).

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APÊNDICE B – STORYBOARD DO CONTO NO SUBCAPÍTULO 4.3

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APÊNDICE C – LICENÇA DE USO DAS IMAGENS

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APÊNDICE D – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I

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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL

SAMARA VANZ

A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA LIVROS

CAXIAS DO SUL JULHO DE 2015

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SAMARA VANZ

A FOTOGRAFIA COMO FORMA DE NARRATIVA PARA LIVROS

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como requisito para aprovação

na disciplina de Monografia I. Orientadora:

Myra Gonçalves.

CAXIAS DO SUL JULHO DE 2015

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 04

1. TEMA ..................................................................................................... 11

2.JUSTIFICATIVA .................................................................................... 06

3. QUESTÃO NORTEADORA ................................................................... 07

4. OBJETIVOS ............................................................................................ 08

4.1 OBJETIVO GERAL .............................................................................. 08

5. METODOLOGIA ..................................................................................... 09

6. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................ 100

7. IMAGEM .............................................................................................. 103

8. JOAQUIM (1909 – 1968)....................................................................... 105

8.1 JOQUIM ............................................................................................. 107

9. STORYBOARD .................................................................................. 1099

10. CRONOGRAMA ................................................................................... 20

REFERÊNCIAS ........................................................................................... 21

ANEXOS ..................................................................................................... 22

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho procura utilizar a fotografia em conjunto com a escrita com a

finalidade de transformar a imagem em narração dentro do contexto de um livro. Ao

contrário de apenas ilustrar partes específicas do texto, a imagem cria sequência à

produção escrita, em um conceito mais próximo ao da fotografia do que do desenho.

Para isto, será trabalhada a história de Joaquim da Costa Fonseca Filho, morador

da cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, que por sua vez foi um dos pioneiros da

aviação civil brasileira – ele tinha o sonho de voar.

Como inspiração para a criação do meu próprio trabalho autoral, duas fontes

de conteúdo foram utilizadas como base:

a) a música “Joquim”, composta e interpretada pelo músico Vitor Ramil, que conta de

maneira romantizada a história de vida de Joaquim da Costa Fonseca Filho;

b) a mitobiografia1 da música de Vitor Ramil como apoio para a interpretação do

contexto.

A ideia de criar as imagens para o trabalho, vem através da noção da arte

sequêncial, que por sua vez conta uma história através de imagens interligadas.

Tenho como inspiração a obra do autor americano Brian Selznick, o livro “A

Invenção de Hugo Cabret, que possui o diferencial de intercalar imagens narrativas

para dar continuidade ao texto. O autor utiliza outro meio, que não o escrito, para

contar a história, tornando a obra dinâmica sem perder a coerência narrativa.

¹Uma categoria que parte da ideia de mito, na Poética, de Aristóteles (1993), fortalecendo o entendimento

do significado dessa categoria como imitação de uma vida”, de Sérgio Luiz Peres de PERES, Uma história

de invenções: memória e biografia em Joaquim Fonseca, da Revista memória em rede, Pelotas, v.1, n.1,

dez. 2009/mar. 2010

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1. TEMA

A fotografia como forma de narrativa.

1.1 Delimitação do tema

A fotografia como forma de narrativa para a contação de uma história

mitobiográfica na produção de um livro.

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2. JUSTIFICATIVA

Este projeto existe com a finalidade de apresentar uma nova leitura, juntando

imagens fotográficas com a escrita, para que o leitor tenha uma compreensão melhor

da história e uma experiência diferente.

Na minha vida sempre esteve presente os filmes, livros e a paixão pela

fotografia. Os livros ilustrados sempre foram meus favoritos, aqueles com capas

coloridas, com muitas figuras, com uma diagramação diferente, mostrando os

personagens e a visão do ilustrador sobre o que o autor propôs.

Por indicação de uma professora de fotografia, li um livro excelente, A

invenção de Hugo Cabret, do autor Brian Selznick, que tem uma proposta de leitura

singular, diferente dos que eu já tinha lido, foi o que deu o “estopim” para a ideia de

um livro que contém texto e imagens fotográficas, com as quais estabelece uma

sequência. Uma imagem depende da outra para que você consiga ler a história. Na

época da indicação do livro citado, não foi possível a produção fotográfica, por isso

guardei a inspiração para mais adiante, utilizando a ideia da narrativa a partir da leitura

realizada.

Na metade de dois mil e quatorze, meu namorado me mostrou uma música

famosa do Vitor Ramil, Joquim, a qual logo gostei, achei interessante. Fiquei

imaginando mil formas de usar essa história para uma nova característica de um

personagem para fotografar. Mais adiante, com a leitura do livro, O orfanato da

Senhora Peregrine para crianças peculiares, do autor Ransom Riggs, vislumbrei a

possibilidade de juntar fotografia com texto.

O projeto tem o conceito de levar novas experiências para os leitores, de

poder expressar uma versão diferente sobre a vida de Joaquim Fonseca, pois em

bases dos estudos realizados poderá ser uma obra que estimulará o imaginário dos

leitores.

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3. QUESTÃO NORTEADORA

As imagens fotográficas são capazes de dar uma sequência narrativa a uma

história?

As imagens fotográficas são capazes de complementar uma sequência

narrativa textual? Como imagens fotográficas podem criar uma sequência narrativa

capaz de complementar uma história?

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4. OBJETIVOS

Possibilitar que outras pessoas conheçam uma forma diferente de leitura

Estimular o imaginário das pessoas, através do livro, fazendo com que elas

viagem e desfrutem da história.

Proporcionar facilidade na memorização do conteúdo do livro.

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5. METODOLOGIA

Ao começar o projeto realizamos pesquisas com as quais podemos dar

andamento aos nossos conceitos e pensamentos sobre o assunto em questão.

Portanto, iniciei uma pesquisa bibliográfica com a qual foi possível criar a base inicial

do projeto; Esta pesquisa proporcionou a organização de minhas ideias sobre o tema,

possibilitando soluções para os questionamentos. Com estudos e leituras de autores

sobre o assunto abordado, consegui explicar e interpretar melhor minhas ideias e

assim criar vínculos com meus conceitos e com os conceitos dos autores.

A necessidade da pesquisa bibliográfica é ampla, e para Stumf (in: DUARTE,

BARROS (2005)) ela é o planejamento global inicial de qualquer trabalho de pesquisa

que vai desde a identificação, localização e obtenção da bibliografia pertinente sobre

o assunto, até a apresentação de um texto sistematizado, onde é apresentada toda a

literatura que o aluno examinou, de forma a evidenciar o entendimento do pensamento

dos autores, acrescido de suas próprias ideias e opiniões.

Assim, as pesquisas bibliográficas facilitam e desencadeiam o processo de

pesquisa; para complementar a pesquisa realizada em livros, artigos, teses e

catálogos, há a Internet, que pode ser tanto benéfica para o projeto como também

pode afetar o processo de informações coletadas.

Yamaska (in: DUARTE, BARROS (2005)) descreve que, “a internet

materializa alguma das marcantes características da nossa era, como a sobrecarga

de informações”. Isto acontece porque qualquer pessoa com acesso a este meio pode

escrever e publicar informações sobre todo o tipo de assunto. Por isso, para não

prejudicar o resultado, devemos pesquisar em sites confiáveis.

Além de todas as pesquisas, que são a base teórica, temos um ponto crucial,

que é a afirmação de nossa imaginação: a parte prática do projeto, onde projetamos

nossas ideias, testando-as e criando algo novo a partir dos conceitos vistos. Para isso

usamos nossa capacidade de criar.

Deste muitos anos atrás, o homem tem a necessidade de procurar

significados e soluções; o homem tanto é um ser fazedor quanto um formador, assim

como Ostrower (1987) cita: “Tudo ao nosso redor é estímulo para nossa criatividade”.

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Ostrower (1987) diz que os processos de criação são intuitivos, porém no

momento que são expressos ganham formas e viram conscientes. Assim tudo ao

nosso redor nos ajuda a formular nossa criação, imaginação. Quando estudamos e

procuramos mais, formamos conceitos conscientes ao nosso trabalho e ampliamos

nossa rede de associações.

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6. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A imagem narrativa é um gênero textual que se comunica com imagens em

sequência onde o leitor lê a partir da imagem e constrói o significado relacionando

com o seu conhecimento prévio.

Este estilo textual permite com que o leitor tenha uma melhor interpretação

com o que o autor descreve.

Para uma melhor compressão desde gênero textual, analisaremos de forma

separada cada uma de suas constituintes: a imagem e a narrativa.

Para Santaella e Nöth (apud: LIMA, FERNANDES (2008)) a imagem, no geral,

se divide em dois principais segmentos: o primeiro é o domínio das imagens como

representação visual (desenho, pintura, gravuras, fotografias, imagens

cinematográficas, televisivas, holo e infográficas). O segundo é ligado ao domínio

imaterial das imagens na nossa mente (visões, fantasias, imaginações, esquemas,

representações mentais). O primeiro segmento é a representação física das imagens,

e o segundo, a representação mental. Estes dois segmentos da imagem não podem

ser separados.

Segundo Calvino (1990, p. 71): “a evocação de imagens visuais nítidas,

incisivas, memoráveis, […] uma linguagem que seja a mais precisa possível como

léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação”.

Percebemos, diante dos autores citados acima, que a imagem faz de si uma

expressão única impregnada de significados, e não somente um complemento a

narrativa.

Para BARTHES (1972):

“[a narrativa] pode ser sustentada pela linguagem articulada, orla ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas as substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantoneima, na pintura […], no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos no fait drivers, na conversação”. (Barthes, 1972, p. 78)

Assim, Barthes (1972) nos ajuda a compreender que a linguagem pode ser

verbal ou não.

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Um exemplo que se utiliza desta premissa é a arte sequencial. Este termo foi

inventado por Einsner (1999), nascido em 1917, que era cartunista, desenhista,

roteirista, arte-finalista, editor, empresário e publicitário, e que se refere a uma

característica artística, que usa imagens em sequência para contar uma história. É um

conceito muito utilizado nas histórias em quadrinhos, e pode ser usada em filmes,

animações e livros.

Einsner (1999) afirma: “as imagens sem palavras, embora aparentemente

representem uma forma mais primitiva de narrativa gráfica, na verdade exigem certa

sofisticação por parte do leitor (ou espectador). A experiência comum e um histórico

de observação são necessários para interpretar os sentimentos mais profundos do

autor”.

Um artifício para “seduzir” o leitor nas histórias, tanto em quadrinhos como em

filmes e livros é transformar o personagem principal em herói, criando assim um mito.

Barthes (1978) nos descreve que: “mito não é uma fala comum. Ela é uma

narrativa carregada de significados, porém quando tentamos explica –lá ela deixa de

ser mito tornando- se uma fábula ou lenda”.

O mito tem vários significados e interpretações, porém sua principal função é

ligar o homem ao mundo simbólico. Assim como explica Garcez (2008): “Uma das

principais funções do mito é ligar o homem ao mundo simbólico, transcedental, sem

esta vivência espiritual a sociedade sofreria de graves distúrbios emocionais”.

Esta ligação do homem ao seu mundo simbólico pode ser concedida através

de lendas e mitos, em um método mais abrangente por meio da Mitbiografia.

Assim como descreve Cardoso (2000):

Mitobriografia- O termo criado pelo psicanalista alemão Ernst Bermhard (1896- 1965), a palavra queria dizer “mitologema”, que é a base do destino de um indivíduo. Com relação a isso a mitobiografia está relacionada a história de uma vida que reflete mitos e lendas de povos antigos. A palavra mitobiografia é procedente de uma “ relação dialética entre mito e biografia” (CARDOSO DE JESUS,2000,p2)

Segundo MARKENDORF (2006), as biografias consistem de uma aura mítica

na qual tudo depende do biografo, ele acredita que diante disso nasce um novo

conceito de biografia, a mitobiografia, sendo a vida encenando um mito.

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7. IMAGEM

Muito antes da escrita, o homem pré-histórico se expressava usando a

pintura, desenhando nas cavernas com sangue de animais, saliva, fragmentos de

rocha, argila, entre outros. Esta arte primitiva foi nomeada como Arte Rupestre.

Os motivos pelos quais eles pintavam ainda é desconhecido, porém uma das

hipóteses seria para manipular o futuro. Para eles, a pintura era um ritual mágico,

desenhavam como seria a caçada e não como realmente ocorreu. Porém, esses

documentos colaboram para que saibamos como era a vida há muito tempo atrás.

Mesmo com o passar dos anos, o homem continua documentando os fatos

que ocorrem em seu cotidiano, sendo na pintura, na fotografia, na escrita. Atenho-me

aqui em como o homem pode documentar uma imagem sendo ela real ou inventada.

Com os avanços tecnológicos ou com muita criatividade, conseguimos

manipular as fotografias e fazer o que nosso imaginário deseja. Kossoy (1999)

acredita que a realidade fotográfica tem diferentes interpretações, isso de deve a cada

interpretação do leitor.

Ele ainda cita sobre a produção imagética:

“Apesar de toda a credibilidade que se atribui à fotografia enquanto “documento fiel” dos fatos, rastro fisioquímico direito do real etc., devemos admitir que a obra fotográfica resulta de um somatório de construção, de montagens. A fotografia se conecta fisicamente ao se referente (...) porém, através de um filtro cultural, estético e técnico, articulado no imaginário de seu criador. A representação fotográfica é uma recriação do mundo físico ou imaginado.” (KOSSOY,1999, p. 42)

Com isso, identificamos que qualquer fotografia é um documento, pois ela

sempre será uma representação do real, mesmo sendo um resultado de um fato fictício.

Fica inteiramente sob a responsabilidade do fotógrafo usar manipulações,

dependendo de sua cultura, e de sua visão sobre o mundo. Müller (2011) descreve que

a função do fotógrafo é extensa, vai tanto do momento do registro de uma cena, quanto

de sua imaginação, dedução e fantasia perante o mundo.

Um dos livros que tenho me inspirado na produção do trabalho é A invenção

de Hugo Cabret, criado pelo Brian Selznick, que conta o texto com o auxílio das

imagens, estas não estão somente para ilustrar, mas como uma ferramenta na

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narrativa da história. As imagens são de extrema relevância para que o leitor continue

a compreender o livro.

Autores usam este artificio para deixar a leitura mais breve e divertida,

facilitando também a memorização da história.

Segundo LEITE (2005, p.35) a memória funciona através de imagens fixas,

como retratos, ou seja, ela não filma, fotografa. Os indivíduos guardam fotografia

mentais dos acontecimentos e não movimentos contínuos, e mesmo quando não

muito curtos, os gestos não aparecem em sua duração, mas fixos em uma fração se

segundos.

O escritor e cineasta americano Ranson Riggs, utiliza fotografias para

intercalar seu livro, porém a diferença entre o livro dele e o de Selznick está que estas

fotografias são usadas para inspirar na narrativa da história, facilitando o leitor na

descrição dos personagens. Selznick utiliza uma sequência de imagens em seu livro.

Assim compreendemos que as imagens podem ser utilizadas de diferentes

formas.

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8. JOAQUIM (1909-1968)

Sem a devida valorização e reconhecimento, Joaquim da Costa Fonseca Filho

foi esquecido por grande parte das pessoas, e toda sua história não pode ser

documentada. Existem muitos motivos pelos quais sua memória caiu no

esquecimento, uma seria por ele ser filho de imigrante e não ter escolaridade, como

documenta Peres (2001): “não pertencia ao círculo fechado e supostamente

nobiliárquico da cidade de Pelota”. Além disso, seu invento se destacou no momento

que iniciou a II Guerra Mundial.

Porém, sua história ainda é lembrada pelos seus filhos e netos, e assim

repassada. Com isso conseguimos o essencial para entendermos a vida dele.

Joaquim era filho de português com uma brasileira e sua formação acadêmica

foi até a quinta série do primário, mas isso não o impediu de aprender mecânica e

construção aeronáutica.

Ele nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, no ano de 1909. Dezessete anos

depois ajudou seu pai na mecânica de automóveis, pois a família começou uma linha

de transporte coletivo. Foi então que Joaquim Fonseca teve a sua primeira invenção,

aumentou o chassi do Ford modelo T, tornando-o maior e mais lucrativo.

Joaquim era um desportista, praticava corridas de automóveis e velejava

muito, e com esta paixão mais um novo invento foi criado, uma lancha.

Em tempos de guerra teve que se alistar, na Escola de Aviação Militar no Rio

de Janeiro, onde aprendeu engenharia, com o intuito de voltar para Pelotas e criar sua

própria oficina mecânica. E assim o fez.

Sua primeira esposa foi a Elda com quem teve três filhos. Ele a conheceu em

uma viagem em 1935. Somente depois por volta de 1950 que conheceu Heloíza

Sinott, que na época tinha dezesseis anos. Desta paixão nasceram mais dois filhos.

Joaquim começou os esboços de seu mais novo invento, um avião. E durante

três anos, no porão de sua casa, fez o tão sonhado F. 1.

O avião tinha motor de automóvel, e no trem de pouso, pneus de motocicleta.

Ele era feito de madeira e algodão envernizado. Com o F.1, Joaquim percorreu os

céus sobre o Aeroporto Municipal.

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Depois de trinta horas de voo, Joaquim chegou a conclusão que o avião era

pesado demais e o desmanchou.

Na Europa já estavam fabricando aviões com motores de automóvel, porém

no Brasil somente ficou conhecido com a iniciativa de Joaquim Fonseca.

Segundo o estudo feito por PERES (2001):

“Quando ficou pronto o segundo aparelho, o F.2, Joaquim já integrava a diretoria do Aeroclube de Pelotas como diretor técnico. Em 1942, o então desconhecido construtor quis mostrar seu novo aparelho em Porto Alegre. Joaquim e o presidente do Aeroclube de Pelotas chegaram à capital do estado exibindo o invento – a bordo do F.2. O avião foi testado pela primeira vez com o objetivo de seguir até o Rio de Janeiro, onde deveria ser exibido para a Aeronáutica. A aeronava era destinada a treinamento e turismo, de construção mista de aço e madeira, com dois lugares e com duplo comando, media 10,5m de envergadura e 6,68m de comprimento, pesando 320 quilos, com autonomia de voo de cinco horas e velocidade de 135 quilômetros por hora, atingindo teto de 3.800m. Além dessas diferenças em relação ao primeiro protótipo, tinha motor aéreo, do tipo Franklin – o grande motor americano da época, feito para aviões -, e rodas de avião. Nada parecia mais promissor. Jornais de circulação nacional passaram a noticiar as vantagens do novo aparelho. Dizia-se que Salgado Filho ( 1888-1950), ministro da Aeronáutica e também rio-grandense, poderia aproveitar Joaquim no novo ministério.” (PERES, 2001).

E em 1943 o F. 2 foi ao Rio de Janeiro para ser testado e aprovado na

Aeronáutica, e recebeu o nome de Cidade de Pelotas.

Figura 1: Cidade de Pelotas

Fonte: PERES (2001)

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Joaquim motivou-se pela repercussão e sucesso que o F.2 fez, e decidiu fazer

um novo protótipo, a sequência do F.2 o F.3.

Porém, a homologação foi negada pelo Ministério, que alegou que os

materiais usados eram de baixa qualidade, e também havia sido negado a licença e

o financiamento para a instalação da Sociedade Industrial de Aviões Pelotense. Isso

não o desmotivou, Joaquim ampliou sua oficina mecânica que concentrava

automóveis e também aviões.

O sonho de construir aviões inteiramente brasileiros foi feito depois de um ano

da morte de Joaquim, com o governo de Juscelino Kubitschek (1902-1976).

8.1 Joquim

O cantor e compositor Bob Dylan criou uma canção chamada “Joey” (1976)

na qual ele defende o ponto de vista de um bandido nova-iorquino chamado Joey

Gallo (1929- 1972).

Por sua vez, a canção foi adaptada pelo compositor e cantor Vitor Ramil em

1986, modificando e mistificando a vida de Joaquim Fonseca (1909 -1968). A canção

cria a atmosfera de mito, pois engloba não somente a vida de Joaquim Fonseca como

de outros personagens que viveram tais situações na música. Para isso, Vitor Ramil

utiliza uma maneira poética cria uma estratégia discursiva.

O Joquim tem espírito político- revolucionário, porém Joaquim era somente

um inventor interessado na construção de aviões e a criação de sua fábrica. O mesmo

também nunca foi preso. Esta inspiração da vida vem do escritor Graciliano Ramos,

assim como Peres (2001) relata em sua dissertação:

“Durante o Estado Novo, Graciliano, já um escritor reconhecido, filiado ao Partido

comunista Brasileiro, escreve ao presidente fazendo duras críticas ao governo.

Graciliano é preso, e dessa experiência nasce o romance Memórias do Cárcere, cuja temática está presente também em outros versos da canção”. (PERES, 2001,

p.30)

Para tornar Joaquim um herói, Vitor Ramil coloca em sua canção que ele leva

tiros, porém, no Cartório de Registro Civil, a informação é que que Joaquim Fonseca

teve uma morte natural. Alterando a realidade, Vitor Ramil faz da vida de Joaquim

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uma ficção, transformando-o em uma pessoa que tentou realizar seu sonho, porém

foi interrompido devido a uma brutalidade: assim, nasce o personagem Joquim.

Quem ouve a canção está vivenciando algo ilusório, pois para Peres (2001) a

canção é mitificada e reúne diversos mitos, dando força no contexto e criando uma

memória diferente do que foi a de Joaquim Fonseca, resultando assim em uma

memória inventada de acesso público.

A canção não valoriza os reais feitos de Joaquim Fonseca, mas sim destaca

uma falsa aura de herói. (ANEXO 1)

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9. STORYBOARD

Na busca para me auxiliar na produção fotográfica, pesquisei diferentes

formas para a dinamização do trabalho e para que minha criatividade se desenvolva,

além de me possibilitar visualizar o projeto final. A ferramenta escolhida foi o

storyboard; muito usado nas histórias em quadrinhos, ele tem a finalidade de ilustrar

a ideia do criador do trabalho, para assim facilitar o entendimento do material a ser

executado.

Diniz (2008) explica: “os storyboard surgiu para substituir roteiros de desenho

animados uma vez que era impossível dar uma ideia exata de algo”.

Esta ferramenta torna possível mostrar detalhes a serem explorados no livro,

como enquadramentos e expressões faciais, facilitando o fluxo descritivo de cada

cena a ser trabalhada.

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10. CRONOGRAMA

1º/

201

5

Agos

to Setemb

ro Outub

ro Novemb

ro Dezemb

ro

Justificativa/Conceito/Obj

etivo

X

Introdução/ Tema X

Questão Norteadora X

Metodologia/ Referências X X X X

Início da redação do texto X

Produção plástica X X X

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111

REFERÊNCIAS

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Paulo: Cia. Das Letras, 1990.

CARDOSO DE JESUS, Paulo Renato. Drama, Mythos e Poisis: para uma

etmografia psico-social da vocação religiosa. In: CONGRESSO PORTUGUÊS DE

SOCIOLOGIA: Sociedade Portuguesa.: Passados Recentes, Futuros Pr[oximos, 4.,

Coimbra, 2000. Anais eletrônicos….Coimbra: Universidade de Coimbra, 2000.

Disponível em : http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR 462w082777a32_1.pdf.

Acesso em: 23 jun. 2015.

DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio (org). Métodos e técnicas de pesquisa em

comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.

EISNER, Will. Narrativas gráficas. São Paulo: Devir, 1999.

EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. 3. Ed. São Paulo: M. Fontes, 1999.

FREITAS, Ana. As primeiras artistas: Pinturas Rupestres foram feitas por mulheres.

Revista Galileu. Disponível em:

http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI34448417770,00AS+PRIMEI

RAS+ARTISTAS+PINTURAS+RUPESTRES+FORAM+FEITAS+PO

R+MULHERES.html Acesso em 30 jun. 2015.

KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê,

1999.

FURASTÉ, Pedro Augusto. Norma técnica para o Trabalho Científico: Elaboração

e Formatação. Explicitação das Normas da ABNT. 14. ED. Porto Alegre: s.n., 2007.

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112

GARCEZ, N.R.L. O mito, o herói, o artista. O mito na Imagem do Artista. Revista

Ohun, ano 4, n.4,p.84-99, dez 2008.

LIMA, Cleverson de; FERNANDES, Mônica Luiza Socio. Um estudo da imagem na

narrativa de Neil Gaiman. NUPEM, Campo Mourão, v. 4, n. 6, jan/jul 2012.

MARKENDORF, Marcio. Mitobiografia e lógica de gênero. In: SEMINÁRIO FAZENDO

GÊNERO: Gênero, memória e narrativas, 7., Florianópolis, 2006. Anais

eletrônicos...Florianópolis: UFSC, 2006. Disponível em: <http://

http://www.fazendogenero.ufsc.br/7/artigos/M/Marcio_Markendorf_41_B.pdf>.

Acesso em: 23 maio 2015.

MÜLLER, Tânia Mara Pedroso. As aparências enganam? Fotografia e pesquisa.

Rio de Janeiro: FAPERJ, 2011.

OLIVEIRA, Ieda de (org). O que é qualidade em ilustração no livro infantil e

juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. 6. Ed. Petrópolis: Vozes,

1987.

RIGGS, Ransom. O Orfanato da Srta. Peregrine para crianças peculiares.

SELZNICK, Brian. A imaginação de Hugo Cabret. São Paulo: SM, 2007.

ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre arte e ciência. 4. Ed.

Revista. São Paulo: Autores Associados, 2012.

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ANEXO

JOQUIM ²

Por Vitor Ramil

Satolep

Noite

No meio de uma guerra civil

O luar na janela

Não deixava a baronesa dormir

A voz da voz de Caruso

Ecoava no teatro vazio

Aqui nessa hora é que ele nasceu

Segundo o que contaram pra mim

Joquim era o mais novo

Antes dele havia seis irmãos

Cresceu o filho bizarro

Com o bizarro dom da invenção

Louco, Joquim louco

O louco do chapéu azul

Todos falavam e todos sabiam

Quando o cara aprontava mais uma

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

Muito cedo

Ele foi expulso de alguns colégios

E jurou: "Nessa lama eu não me afundo mais"

Reformou uma pequena oficina

Com a grana que ganhara

Vendendo velhas invenções

Levou pra lá seus livros, seus projetos

Sua cama e muitas roupas de lã

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Sempre com frio, fazia de tudo

Pra matar esse inimigo invisível

A vida ia veloz nessa casa

No fim do fundo da América do Sul

O gênio e suas máquinas incríveis

Que nem mesmo Julio Verne sonhou

Os olhos do jovem profeta

Vendo coisas que só ontem fui ver

Uma eterna inquietude e virtuosa revolta

Conduziam o libertário

Dezembro de 1937

Uma noite antes de sair

Chamou a mulher e os filhos e disse:

"Se eu sumir procurem logo por mim"

E não sei bem onde foi

Só sei que teria gritado

A uma pequena multidão

"Ao porco tirano e sua lei hedionda

Nosso cuspe e o nosso desprezo!"

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

No meio da madrugada, sozinho

Ele foi preso por homens estranhos

Embarcaram num navio escuro

E de manhã foram pra capital

Uns dias mais tarde, cansado e com frio

Joquim queria saber onde estava

E num ar de cigarros

De uns lábios de cobra, ele ouviu:

"Estás onde vais morrer"

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Jogado numa cela obscura

Entre o começo do inferno e o fim do céu

Foi assim que depois de muitas histórias

A mulher enfim o encontrou

E ele ainda ficou ali por mais dois anos

Sempre um homem livre apesar da escravidão

As grades, o frio, mas novos projetos

Entre eles um avião

O mundo ardia na guerra

Quando Joquim louco saiu da prisão

Os guardas queimaram

Os projetos e os livros

E ele apenas riu, e se foi

Em Satolep alternou o trabalho

Com longas horas sob o sol

Num quarto de vidro no terraço da casa

Lendo Artaud, Rimbaud, Breton

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

No início dos anos 50

Ele sobrevoava o Laranjal

Num avião construido apenas das lembranças

Do que escrevera na prisão

E decidido a fazer outros, outros e outros

Joquim foi ao Rio de Janeiro

Aos orgãos certos,

Os competentes de coisa nenhuma

Tirar uma licença

O sujeito lá

Responsável por essas coisas, lhe disse:

"Está tudo certo, tudo muito bem

O avião é surpreendente, eu já vi

Mas a licença não depende só de mim"

E a coisa assim ficou por vários meses

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O grande tolo lambendo o mofo das gravatas

Na luz esquecida das salas de espera

O louco e seu chapéu

Um dia

Alguém lhe mandou um bilhete decisivo

E, claro, não assinou embaixo

"Desiste", estava escrito

"Muitos outros já tentaram

E deram com os burros n'água

É muito dinheiro, muita pressão

Nem Deus conseguiria"

E o louco cansado o gênio humilhado

Voou de volta pra casa

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

No final de longa crise depressiva

Ele raspou completamente a cabeça

E voltou à velha forma

Com a força triplicada

Por tudo o que passou

Louco, Joquim louco

O louco do chapéu azul

Todos falavam e todos sabiam

Que o cara não se entregava

Deflagrou uma furiosa campanha

De denúncias e protestos

Contra os poderosos

Jogou livros e panfletos do avião

Foi implacável em discursos notáveis

Uma noite incendiaram sua casa

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E lhe deram quatro tiros

Do meio da rua ele viu as balas

Chegando lentamente

Os assassinos fugiram num carro

Que como eles nunca se encontrou

Joquim cambaleou ferido alguns instantes

E acabou caído no meio-fio

Ao amigo que veio ajudá-lo, falou:

"Me dê apenas mais um tiro por favor

Olha pra mim, não há nada mais triste

Que um homem morrendo de frio”

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

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ANEXO A – CANÇÃO JOQUIM

JOQUIM

Por Vitor Ramil

Satolep

Noite

No meio de uma guerra civil

O luar na janela

Não deixava a baronesa dormir

A voz da voz de Caruso

Ecoava no teatro vazio

Aqui nessa hora é que ele nasceu

Segundo o que contaram pra mim

Joquim era o mais novo

Antes dele havia seis irmãos

Cresceu o filho bizarro

Com o bizarro dom da invenção

Louco, Joquim louco

O louco do chapéu azul

Todos falavam e todos sabiam

Quando o cara aprontava mais uma

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

Muito cedo

Ele foi expulso de alguns colégios

E jurou: "Nessa lama eu não me afundo mais"

Reformou uma pequena oficina

Com a grana que ganhara

Vendendo velhas invenções

Levou pra lá seus livros, seus projetos

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Sua cama e muitas roupas de lã

Sempre com frio, fazia de tudo

Pra matar esse inimigo invisível

A vida ia veloz nessa casa

No fim do fundo da América do Sul

O gênio e suas máquinas incríveis

Que nem mesmo Julio Verne sonhou

Os olhos do jovem profeta

Vendo coisas que só ontem fui ver

Uma eterna inquietude e virtuosa revolta

Conduziam o libertário

Dezembro de 1937

Uma noite antes de sair

Chamou a mulher e os filhos e disse:

"Se eu sumir procurem logo por mim"

E não sei bem onde foi

Só sei que teria gritado

A uma pequena multidão

"Ao porco tirano e sua lei hedionda

Nosso cuspe e o nosso desprezo!"

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

No meio da madrugada, sozinho

Ele foi preso por homens estranhos

Embarcaram num navio escuro

E de manhã foram pra capital

Uns dias mais tarde, cansado e com frio

Joquim queria saber onde estava

E num ar de cigarros

De uns lábios de cobra, ele ouviu:

"Estás onde vais morrer"

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Jogado numa cela obscura

Entre o começo do inferno e o fim do céu

Foi assim que depois de muitas histórias

A mulher enfim o encontrou

E ele ainda ficou ali por mais dois anos

Sempre um homem livre apesar da escravidão

As grades, o frio, mas novos projetos

Entre eles um avião

O mundo ardia na guerra

Quando Joquim louco saiu da prisão

Os guardas queimaram

Os projetos e os livros

E ele apenas riu, e se foi

Em Satolep alternou o trabalho

Com longas horas sob o sol

Num quarto de vidro no terraço da casa

Lendo Artaud, Rimbaud, Breton

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

No início dos anos 50

Ele sobrevoava o Laranjal

Num avião construido apenas das lembranças

Do que escrevera na prisão

E decidido a fazer outros, outros e outros

Joquim foi ao Rio de Janeiro

Aos orgãos certos,

Os competentes de coisa nenhuma

Tirar uma licença

O sujeito lá

Responsável por essas coisas, lhe disse:

"Está tudo certo, tudo muito bem

O avião é surpreendente, eu já vi

Mas a licença não depende só de mim"

E a coisa assim ficou por vários meses

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O grande tolo lambendo o mofo das gravatas

Na luz esquecida das salas de espera

O louco e seu chapéu

Um dia

Alguém lhe mandou um bilhete decisivo

E, claro, não assinou embaixo

"Desiste", estava escrito

"Muitos outros já tentaram

E deram com os burros n'água

É muito dinheiro, muita pressão

Nem Deus conseguiria"

E o louco cansado o gênio humilhado

Voou de volta pra casa

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?

No final de longa crise depressiva

Ele raspou completamente a cabeça

E voltou à velha forma

Com a força triplicada

Por tudo o que passou

Louco, Joquim louco

O louco do chapéu azul

Todos falavam e todos sabiam

Que o cara não se entregava

Deflagrou uma furiosa campanha

De denúncias e protestos

Contra os poderosos

Jogou livros e panfletos do avião

Foi implacável em discursos notáveis

Uma noite incendiaram sua casa

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E lhe deram quatro tiros

Do meio da rua ele viu as balas

Chegando lentamente

Os assassinos fugiram num carro

Que como eles nunca se encontrou

Joquim cambaleou ferido alguns instantes

E acabou caído no meio-fio

Ao amigo que veio ajudá-lo, falou:

"Me dê apenas mais um tiro por favor

Olha pra mim, não há nada mais triste

Que um homem morrendo de frio”

Joquim, Joquim

Nau da loucura no mar das idéias

Joquim, Joquim

Quem eram esses canalhas

Que vieram acabar contigo?