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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) Departamento de Geografia O Verbo, o Espaço e o Poder no Complexo do Alemão - RJ Ricardo Freitas de Oliveira São Paulo 2015

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Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH)

Departamento de Geografia

O Verbo, o Espaço e o Poder no Complexo do Alemão - RJ

Ricardo Freitas de Oliveira

São Paulo 2015

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RICARDO FREITAS DE OLIVEIRA

O Verbo, o Espaço e o Poder no Complexo do Alemão – RJ

Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção da aprovação na graduação

Área de Concentração: Geografia Urbana

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Antas Mendes Júnior

São Paulo 2015

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E A DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNIO, PARA FINS DE

ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

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Nome: OLIVEIRA, Ricardo Freitas

Título: O Verbo, o Espaço e o Poder no Complexo do Alemão – RJ

Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção da aprovação no mestrado

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. Ricardo Mendes Antas Júnior Instituição: Universidade de São Paulo

Julgamento: ___________ Assinatura: ____________________

Profa. Dra. Amélia Luísa Damiani Instituição: Universidade de São Paulo

Julgamento: ___________ Assinatura: _____________________

Prof. Dr. Rodrigo Ramos H. F. Valverde Instituição: Universidade de São Paulo

Julgamento: ___________ Assinatura: ____________________

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Dedico este trabalho ao primeiro livro que li em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Entre todas as pessoas as quais devo agradecer por este momento, uma certamente merece ser destacada; esta pessoa é a minha mãe, Josefa. Sou profundamente grato pela educação que recebi, pois ela me educou com o que há de mais rico para o crescimento de um ser humano: o amor.

Também não tenho palavras para expressar meus agradecimentos ao meu verdadeiro companheiro, no sentido mais completo que essa palavra possa ter, Sidnei Muniz.

Ainda acresço a esta lista meus amigos de graduação Felipe Suenaga, Aline Pazzotti, Emerson Xavier e Camila de Paulo. Cada um, à sua maneira, enriqueceu muito minha vida intelectual e pessoal.

Não poderia deixar de incluir os moradores do Complexo do Alemão, tanto pela hospitalidade como pela disponibilidade em participar das entrevistas. Agradeço também ao Comandante Sd. Volotão, da Base Complexo do Alemão, pelas informações fornecidas e pelo acompanhamento no trabalho de campo. Sem este convívio, a pesquisa não seria a mesma.

Agradeço também aos professores Amélia Damiani e Rodrigo Valverde por fazerem parte desta banca, bem como pela gentileza em confirmarem tão prontamente e de bom grado o convite, além de suas contribuições ao meu trabalho.

E, certamente, sou muito grato ao meu orientador: Ricardo Mendes. Sua orientação foi um diferencial dentro do meu desenvolvimento acadêmico. Parafraseando suas palavras, somos um, antes da pesquisa, e ao sairmos: outro.

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Über allen Gipfeln

Ist Ruh,

In allen Wipfeln

Spürest du

Kaum einen Hauch;

Die Vögelein schweigen im Walde.

Warte nur, balde

Ruhest du auch.

Goethe, Über allen Gipfeln ist Ruh

O segredo da Verdade é o seguinte: não existem fatos, só

existem histórias.

João Ubaldo Ribeiro, Viva o povo brasileiro

cegueira é transmitida nas mesmas proporções

que o mal se espalha. Todos pretendem se

salvar, mas como cegos, pisam uns sobre os

outros. Todavia neste caso há uma “desculpa”:

quem pisa é cego. O ego cego o cega.

José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 11

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 15

1. O VERBO, O ESPAÇO E O PODER ........................................................ 20

1.1. As palavras e as coisas ....................................................................... 20

1.2. Etimologia ........................................................................................... 24

1.3. A identidade ........................................................................................ 25

2. COMPLEXO DO ALEMÃO ....................................................................... 44

2.1. O espaço do poder e o poder do espaço ............................................. 34

2.2. A caverna e suas sombras ................................................................... 50

3. RIO DE JANEIRO: PROMESSA (IN)CONSTANTE DE VIDA URBANA OUCONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 60

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 66

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APRESENTAÇÃO

O Rio de antes, (...) Quando pensou a cidade que havia, com efeito, por trás daquela sinistra fachada do Gás, homens a suar, a sofrer, a morrer para lhe dar luz que é civilização e conforto? Quando esses homens, desesperados, largaram as pás, enxugaram o suor da fronte e não quiseram mais continuar a morrer, que ideia fazia a cidade – aquela elegante menina, este rapazola de passo inglês, o negociante grave, o conselheiro, o empregado público, os apaniguados da Sorte, daquele bando de homens, negros de lama do carvão e do suor, torcionados pelo Peso e pelo Fogo? Nenhuma. Esses pobres diabos, homens como nós, com família, com filhos, com ideais talvez, não existiam propriamente (RIO, 2009, p. 27).

A mudança1! Nada mais inquietante do que a mudança – porque leva a gente amarrada a essa esperança, essa tortura vaga que é a saudade. Aquela mudança (O Velho Mercado) era, entretanto, maior do que todas, era uma operação da cirurgia urbana, era para modificar inteiramente o Rio de outrora, a mobilização do próprio estômago da cidade para outro local. Que nos resta mais do velho Rio antigo, tão curioso e tão característico? Uma cidade moderna é como todas as cidades modernas. O progresso, a higiene, o confortável, nivelam almas, gostos, costumes, a civilização é a igualdade num certo poste, que de comum acordo se julga admirável, e, assim como as damas ocidentais usam os mesmos chapéus, os mesmos tecidos, o mesmo andar, assim como dois homens bem vestidos hão de fatalmente ter o mesmo feitio da gola do casaco e do chapéu, todas as cidades modernas têm avenidas largas, squares, mercados e palácios de ferro, vidro e cerâmica (RIO, 2009, p. 36).

Os excertos acima foram extraídos da coletânea de textos do João do Rio,

da Série Essencial, organizada pela Academia Brasileira de Letras (RIO, 2009).

João do Rio, como ficou mais conhecido (Lêdo Ivo), era repórter e flâneur à la

Baudelaire, frequentava os mais diversos círculos da sociedade carioca,

acompanhando com contemplação e angústia as transformações ocorridas na

cidade no século passado. Foi uma figura contraditória, amante das ruas;

sabendo captar muito bem o espírito da vida urbana carioca, expondo com

riqueza de detalhes as contradições de sua cidade, que conseguia ao mesmo

1 A Reforma Passos, no início do século XX, ficou conhecida com uma das maiores mudanças e reestruturação urbana que ocorreram no Rio de Janeiro, marcando o início de outro momento importante de desenvolvimento da cidade, um momento de “resolução” de contradições antigas e de aparecimento de novas (ABREU, 1997).

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tempo ser um dos polos de modernidade da época, sendo a primeira cidade na

América Latina a fazer uso de telefones, tecnologia resumida a pouquíssimos

países da Europa e Estados Unidos (QUEIROZ, 2008), e, no entanto, tendo uma

população extremamente pobre com sérios problemas habitacionais, de

saneamento básico, emprego e educação.

Este era o Rio de João do Rio. Entretanto, um século após a publicação das

crônicas “Os Humildes” e “Velho Mercado”, o que mudou?

Se caminharmos pelas ruas de Ipanema e Leblon veremos que estes

bairros têm uma infraestrutura e uma rede de serviços que se equiparam ao de

países europeus; contudo, o mesmo olhar que acompanha a disposição de

restaurantes de alto padrão e lojas de luxo é capaz também de ver, ao fundo, nos

morros, aglomerados de casas e barracos se empilharem uns sobre os outros

como numa pintura de Escher, não sabendo onde termina um e onde começa o

outro. Então, algo realmente se alterou nestes últimos cem anos? Sim. Mas

também permaneceu.

Em a “Evolução urbana do Rio de Janeiro” (1997), Maurício de A. Abreu

analisava as mudanças que ocorreram na cidade carioca no último século,

expondo as transformações do espaço urbano, suas consequências e

motivações, avaliando, ainda, que os resultados positivos e negativos destas

transformações se distribuem de forma diferenciada tanto no espaço como entre

a população. Em suas palavras Se a estrutura atual da Área Metropolitana do Rio de Janeiro se caracteriza pela tendência a um modelo dicotômico do tipo núcleo-periferia, onde a cidade dos ricos se contrapõe àquela dos pobres, isto não se deve apenas às forças de mercado. Tal estrutura, também seria função do papel desempenhado pelo Estado no decorrer do tempo, seja através da criação de condições materiais que favoreceram o aparecimento desse modelo dicotômico, seja mediante o estabelecimento de políticas que, embora objetivando muitas vezes regular os conflitos entre o capital e o trabalho, sempre acabaram sendo benéficas àquele em detrimento deste (ABREU, 1997, p.6).

Antes da vinda da Família Real, as classes mais abastadas e os escravos

coexistiam no mesmo espaço. A cidade tipicamente colonial constrangia-se ainda

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aos limites geográficos dos morros do Castelo2, de São Bento, Santo Antônio e

de Conceição (ABREU, 1997). No entanto, este espaço urbano modifica-se

intensa e rapidamente com as “cirurgias urbanas” que João do Rio havia

registrado em suas crônicas. Os bondes e trens representam não apenas a

primeira fase de expansão da malha urbana (ABREU, 1997), mas também “a

etapa inicial de um processo em que esta expansão passa a ser determinada,

principalmente, pelas necessidades de reprodução de certas unidades do capital,

tanto nacional como estrangeiro” (ABREU, 1997, p.36).

O aterramento de brejos e pântanos (Botafogo e Flamengo) possibilitou o

avanço e a expansão do centro da cidade – e a zonal sul, por sua vez,

gradativamente torna-se uma área de altos investimentos. Entretanto, os

subúrbios permanecem aquém destes investimentos, limitando-se, em muitas

áreas, a cidades-dormitórios, locais que a população de trabalhadores tinha

(ainda) acesso ao solo urbano não tão valorizado como em outras áreas do Rio

de Janeiro e podia utilizar dos trens para locomoção ao trabalho/cidade. Dito de

outra forma, “centro e zona sul, de um lado, e subúrbios, de outro, passam então

a se desenvolver impulsionados por forças divergentes” (ABREU, 1997, p.66).

Todavia, estas forças são “emanadas da mesma necessidade de acumulação do

capital” (ABREU, 1997, p.66).

Dentro deste crescimento diferenciado, e desigual, temos, nitidamente, que

a evolução das formas não é uma exclusividade da “cidade formal”. As formas

das áreas pobres evoluem também, e esta mudança registra-se na paisagem3.

Por outro lado, não estabelecemos com isto uma “genealogia” entre os cortiços e

os barracos, como se estes fossem a evolução direta daqueles; no entanto,

ambos surgem do mesmo processo: a exclusão da apropriação do solo urbano.

2 O Morro do Castelo foi o local que deu origem a urbe carioca no século XVI. Entretanto, a administração Carlos Sampaio tinha como objetivo principal apresentar um Rio de Janeiro “novo” às comemorações do 1° Centenário da Independência do Brasil (ABREU, 1997). Necessitava-se, então, lutar contra o morro que “havia se transformado em local de residência de inúmeras famílias pobres, que se beneficiavam dos aluguéis baratos das antigas construções aí existentes” (ABREU, 1997, p.70). E, para desespero da administração Sampaio, o morro situava-se na área de maior valorização do solo da cidade: a Avenida Rio Branco. Dessa forma, “era preciso eliminá-lo não apenas em nome da higiene e da estética, mas também da reprodução do capital” (ABREU, 1997, p.70). 3 Não utilizamos paisagem como sinônimo ou metáfora para espaço. A paisagem é dotada de conteúdo próprio. “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima” (SANTOS, 2009, p.103).

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As favelas, dessa forma, são a representação deste processo, são a forma do

conteúdo da exclusão social.

O Plano Diretor Decenal de 2009 do Rio de Janeiro nos traz o seguinte

histórico do desenvolvimento das favelas na cidade, bem como o início de seu

levantamento oficial:

As favelas estão presentes na paisagem carioca há mais de 110 anos. Elas surgiram no final do século XIX, como resposta tanto aos ataques maciços empreendidos pelos governos daquela época contra os “cortiços”, habitação coletiva típica do Rio oitocentista, quanto em decorrência da reforma urbanística de 1902-1906 que acabou expulsando um grande número de pessoas pobres da área central. As levas imigratórias ocorridas nas décadas de 1940 e 1950 difundiram ainda mais esses assentamentos informais pela Cidade que continuaram crescendo nas décadas seguintes. Somente a partir do censo demográfico de 1950, quando já abrigavam 169.305 pessoas, as favelas passaram a integrar os levantamentos oficiais, e apenas na década seguinte passaram a ser representadas na documentação cartográfica oficial da Cidade. Na década de 1960, foi adotado um amplo programa de erradicação de favelas que perdurou até meados dos anos 1974. No bojo do processo de “abertura política” no país, as favelas passaram a ser reconhecidas como partes integrantes do tecido social carioca, sendo iniciado um período de execução de melhorias urbanísticas nos assentamentos informais, ao mesmo tempo que se tornam objetos de estudos mais acurados. O Plano Diretor Decenal de 1992, ao encarar a cidade real e a gravidade da situação habitacional das camadas de mais baixa renda do Município, reconhece como direito a permanência das moradias nas favelas, exceto em situação de risco ambiental e geotécnico. Nos anos 1980, surgiu o primeiro “cadastro de favela” da Cidade, de início, sob a forma de um simples arquivo em papel, que guardava mapas e informações qualitativas e quantitativas sobre as favelas, muitas delas obtidas por meio de entrevistas realizadas com antigos residentes e líderes comunitários. Em 1990, o cadastro tornou-se mais complexo e, a partir da compreensão de que os processos de ocupação das favelas demandavam um sistema próprio de acompanhamento e avaliação, o governo municipal, através do IPLANRIO – Atual Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, IPP – decidiu criar o Sistema de Assentamentos de Baixa Renda – SABREN (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Além dos problemas sociais inerentes a esta forma de ocupação do solo

4 ABREU, M.A. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão inicial das favelas do Rio de Janeiro. Espaços e Debates, 14 (37), 1994, 34-46; PEREIRA DA SILVA, M.L. Favelas cariocas (1930-1964).

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urbano apresentados acima, há, a partir de meados da década de 1980, uma

apropriação progressiva do espaço físico e da estrutura social das favelas pelo

tráfico de drogas, O avanço do comércio de cocaína nas redes de criminosos existentes transformou as bocas e suas relações de poder, à medida que uma nova geração de homens fortemente armados, cada vez mais jovens, até mesmo adolescentes, começou a administrar um negócio altamente rentável (BANCO MUNDIAL, 2012, p. 30).

Não obstante, antes da década de 1980, as bocas5 eram pequenos

negócios, com lucros irrisórios se comparados com o da fase da cocaína. Eram

geralmente comandadas por velhos moradores da comunidade onde residiam.

Portanto, tinham laços familiares e de vínculo com o local, fato que garantia uma

relação de respeito com a população geral da favela. Essa forma de “respeito”

por parte dos traficantes “se evidenciava em relação aos moradores, na

disposição em esconder as armas, na proibição do consumo de drogas nos

espaços públicos das favelas e no papel de benfeitores da comunidade” (BANCO

MUNDIAL, 2012, p.30). As bocas principiavam um poder de organização

daqueles espaços, ditando um código moral, facilmente apreendido e aceito pelos

moradores.

A inserção da cocaína no tráfico de drogas altera estas relações, impondo

uma nova organização do espaço na favela para atender uma logística de uma

nova mercadoria comercializada doravante em outra escala. Deste momento em

diante, em busca de novos “mercados” e poder, muitos traficantes entraram em

conflito direto, invadindo territórios inimigos, subjugando a população local e,

consequentemente, desfazendo aquela relação de “camaradagem” outrora

estabelecida com o traficante local. Dessa forma, a relação com as “comunidades” foi-se modificando em muitos casos; e em não poucas favelas elementos de coerção e uso arbitrário e tirânico do poder foram fazendo sombra, ao menos em grande parte, aos elementos de sedução (SOUZA, 2009, p. 126).

A favela, que então já não pertencia a “cidade formal”, fecha-se como “outro

território”, dotado de suas próprias leis. O conflito entre o Estado e o narcotráfico

5 Boca é uma gíria usada para o local de comércio de drogas. Originariamente, se referia ao local de venda de maconha, “as bocas”.

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se intensifica e se enrijece.

Este embate potencializa ainda mais a violência urbana em um país com

sérios problemas sociais. Tal cenário tornou-se uma das principais preocupações

da segurança pública; aliás, desde meados do século passado já eram discutidas

como questões prioritárias pelo Estado (SOUZA, 2008), geralmente associadas,

principalmente pela mídia, a um estado de “guerra civil”: a “Guerra do Rio.

Tragédias como as chacinas da Candelária e de Vigário Geral6 marcaram a

década de 1990 não apenas por sua brutalidade – evidenciaram, também, novos

patamares da violência urbana. Entretanto, observamos que este aumento da

violência não foi uma exclusividade do Rio de Janeiro7. Presenciava-se, de um

lado, uma quantidade cada vez maior de jovens, até mesmo crianças, fortemente

armados, ingressando no tráfico de drogas; de outro, grupos de extermínios,

geralmente compostos de policiais (espécie de protótipo das atuais milícias), em

busca de vingança.

Desta época, termos, como “Dois Rios”; “Asfalto versus morro”; “Cidade

Partida”, tornaram-se parte do vocabulário carioca, da mídia e de muitos

intelectuais, fomentando os debates sobre os índices de criminalidade e os

problemas sociais da cidade. Inclusive, temos, no ano de 1994, a publicação do

livro Cidade Partida, do jornalista Zuenir Ventura. Retomando antigas narrativas

da população carioca, o autor, (des)constrói o período tido como os “anos

dourados” do Rio (Bossa Nova) até a tragédia ocorrida no Vigário Geral. O livro

desenvolve sua narrativa a partir do plano do vivido, trazendo diversas entrevistas

que transitam de traficantes do Vigário Geral a Roberto Marinho, Hélio Oiticica e

6 A Chacina da Candelária ocorreu em 23 de junho 1993, próximo à Igreja da Candelária, onde oito jovens moradores de rua (sendo seis menores de idade) foram assassinados por policiais militares. O crime teve repercussão mundial diante da brutalidade do ocorrido. Um mês depois, no entanto, no morro do Vigário Geral, 20 pessoas foram assassinadas (todas comprovadamente inocentes) por um grupo de extermínio; o julgamento foi avaliado na Organização dos Estados Americanos (OEA) como crime contra os direitos humanos (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2013).

7 Uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais revela que “Recife, e não Rio de Janeiro ou São Paulo, é o que apresentou, ao longo das décadas de 80 e 90, as taxas de homicídio mais altas entre todas as capitais brasileiras. De 1980 a 2000, somente em um ano (1996) a taxa de homicídio de Recife (79,98) foi superada pela de São Paulo (127,86), embora não pela do Rio Janeiro (69,20)” (SOUZA, 2008, p.53). Além disso, “outras capitais viram, ao longo do período 1980-2000, suas taxas de homicídio crescerem muito mais expressivamente que as de São Paulo e Rio de Janeiro: em Vitória essa taxa saltou de 15,72 em 1980 para 55,58 em 1990 e 78,90 em 2000” (SOUZA, 2008, p.53).

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Rubem César Fernandes. A obra visa um entendimento sobre o surgimento do

“segundo Rio”, situado nos morros. Desta época data também surge a criação de

organizações como o VivaRio, uma das pioneiras no diálogo entre “asfalto” e

“morro” (VENTURA, 1994).

Assim, com o passar do tempo, o medo generalizado se apossou do Rio de

Janeiro (bem como de muitas cidades brasileiras), transformando-se naquilo que

Marcelo Lopes de Souza denominou de “Fobópole”: “uma cidade mediada pelo

medo da criminalidade violenta” (SOUZA, 2008, p. 9). E, em uma fobópole, as

ruas já não são tão convidativas como foram na época de João do Rio e o flanar

pela cidade foi substituído pelo medo de ser assaltado e da bala perdida, pela

sensação de insegurança e pelo pânico. Outrossim, retomando as palavras de

Maurício de A. de Abreu (1997), tal cenário está diretamente

relacionado/interligado à forma do desenvolvimento desigual da cidade.

Em 2008, entretanto, tivemos o que tem sido avaliado como um “novo

paradigma8” de combate ao crime: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP9),

cujo objetivo é recuperar o controle dos territórios do crime organizado,

desarmando os traficantes de drogas e possibilitando novas condições para a

integração social, econômica e política das favelas na cidade (BANCO MUNDIAL,

2012).

Portanto, tendo este Rio de Janeiro como cenário, iniciamos nossa

pesquisa.

8 “Em 2008, o Brasil rompeu com essas tentativas do passado e lançou um ambicioso programa de proximidade policial e de desarmamento, chamado Unidades de Polícia Pacificadora (UPP)” (BANCO MUNDIAL, 2012, p.22). 9 A regulamentação e definição das UPPs, bem como seus objetivos e metas estão definidos brevemente nos seguintes documentos: • Decreto-lei nº 41.650, de 21 de janeiro de 2009, promulgado pelo governador Sérgio Cabral; • Decreto-lei nº 41.653, de 22 de janeiro de 2009, promulgado pelo governador; • Nota nº 0202 do Boletim da Polícia Militar, de 5 de fevereiro de 2009, emitida pelo

Comandante Geral; • Nota 0042, de 31 de julho de 2009; • Decreto-lei nº 42.787, de 6 de janeiro de 2011, promulgado pelo governador (IPS, 2014).

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INTRODUÇÃO

Iniciado em 2008, no morro de Santa Marta, na zona sul do Rio de Janeiro,

através da ação governamental e suas extensões, notadamente, a Secretaria de

Estado de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG), em uma ação ímpar entre as

esferas federal, estadual e municipal, e tendo também suporte de investimentos

do setor privado (nacional e internacional), o processo de pacificação foi

qualificado como o novo paradigma de combate ao crime, conforme o Secretário

de Segurança do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame: As UPPs vieram para ficar. Vamos chegar a 40 Unidades até 2014. Não é só um projeto de segurança, é uma política de Estado, de valorização da vida e de geração de esperança para o povo carioca e fluminense (UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA, 2014).

Além disso, este processo, rapidamente, foi tomado com entusiasmo pela

população carioca e pela mídia. O processo de pacificação manifestou-se, desde

a primeira ação, como uma forma eficaz de combate ao crime e à violência,

tendo, inclusive, entusiastas que até julgaram que as UPPs poderiam ser um

modelo nacional de combate ao crime.

Atualmente, conforme o site oficial da UPP10, há 38 unidades implantadas

pela cidade do Rio de Janeiro. Através delas, o Estado pôde retomar antigas

áreas, que até então estavam sob domínio do narcotráfico, e com essa abertura

diversas ações puderam ser desenvolvidas, desde saneamento básico até

programas sociais.

Contudo, certamente, não se trata da primeira tentativa de “pacificação” das

favelas; “durante várias décadas, o Estado brasileiro procurou – sem sucesso –

exercer sua presença nas favelas por meio de incursões policiais periódicas”

(BANCO MUNDIAL, 2012, p.22). Entretanto, estas incursões sempre resultaram

em ações efêmeras, além de fortalecerem a imagem de repressão por parte do

Estado através da polícia.

10 http://www.upprj.com/index.php/as_upps. 16

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Ao longo do processo de urbanização e expansão da cidade do Rio de

Janeiro, o Estado sempre desempenhou papel ambivalente no desenvolvimento

das favelas e suas condições precárias de vida. Por outro lado, temos ciência de

que o Estado não é o único agente modelador do espaço e muitas vezes suas

ações são profundamente condicionadas (e até mesmo constrangidas) por outros

agentes (ABREU, 1997).

Esta contradição, todavia, no comportamento estatal, revela um aspecto

importante das relações de poder que o Estado exerce na sociedade, pois o

poder não seria capaz de se manter somente através da repressão; é necessário

que ele permita, também, que se criem novas relações (FOCAULT, 2010).

Dessa forma, temos tanto o recrudescimento e o preconceito à expansão

das favelas, tidas como “aberrações”, como foi expresso no Código de Obras de

1937, como sua “inclusão”, através da reforma da Constituição Brasileira de

1988, lei de usucapião, e mais notadamente nos artigos 148 e 151 do Plano

Diretor de 1992, onde previa “integrar as favelas à cidade formal”, além de

“preservar o caráter local” (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2014).

Entre estas práticas de integração, devemos citar o Programa Favela-Bairro

(ainda vigente), que foi reconhecido, inclusive, pela Organização das Nações

Unidas (ONU) como best practice. O Programa recebeu destaque nacional e

internacionalmente por alterar a ação excludente por uma ação integrante, além

de se pautar, na medida do possível, a um novo tipo de planejamento, sendo

sensível às tradições vernáculas, às histórias locais, aos desejos, necessidades e fantasias particulares, gerando formas especializadas, variando dos espaços íntimos e personalizados ao esplendor do espetáculo (HARVEY, 2000, p.69).

Não obstante, a urbanização que está ocorrendo mediante o processo de

pacificação das favelas difere das ações anteriores, não tanto pelo conteúdo dos

programas, mas pelas medidas que estão sendo tomadas para sua implantação;

ou seja, este “novo” processo de pacificação dos morros tem como inovação uma

análise geopolítica destes espaços e uma ação ostensiva da polícia com amplas

estratégias militares. De fato, temos um nítido conflito entre o poder estatal e

aquele imposto pelo tráfico de drogas, um embate de “territórios”.

Como será desenvolvido mais detalhadamente nos próximos capítulos, o

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governo, mais a força policial do estado do Rio de Janeiro, arquitetaram uma

gama de estratégias de intervenções nas favelas identificadas como alvos de

pacificação. Conforme o Decreto-lei nº 41.650, de janeiro de 2009, temos a

enumeração de quatro etapas principais destas estratégias:

a) Intervenção Tática – desenvolvida geralmente por grupos de operações

especiais;

b) Estabilização – que contempla ações táticas e de cerco para preparar o terreno

para a implantação;

c) Implantação da UPP – policiais especificamente designados e treinados11 para

função ocupam o local;

d) Avaliação e monitoramento – fase em desenvolvimento (CANO, 2010, p.20).

Em muitos casos, tais estratégias se iniciaram meses antes da ocupação,

tendo a infiltração de policiais nas favelas, o mapeamento das principais vias de

acesso, dos pontos de observação, e, finalmente, a ação de ocupação. Aliás, não

apenas isto, conforme Marcelo Lopes havia ilustrado no artigo “A Militarização da

questão urbana”, muitas destas estratégias foram arquitetadas e testadas anos

antes – e não apenas no Brasil, O ministro da Defesa, Nelson Jobim, já havia, em 2007, após inspecionar tropas brasileiras estacionadas no Haiti, em “missão de paz” sob mandato da ONU, dado a entender que aquela experiência serviria de base para futuras operações das Forças Armadas em solo brasileiro, desempenhando missões de preservação da “ordem pública”, ou seja, de polícia. E, com efeito, os homens da Brigada Paraquedista que apoiaram a “reconquista” do Complexo do Alemão serviram, precisamente, no Haiti. De Cité Soleil, maior favela de Porto Príncipe, para o Complexo do Alemão: realiza-se, gradualmente, um plano tecido de longa data (LOPES, 2010, p.10).

Uma vez realizada e efetivada (a pacificação), as bases de observação das

UPPs são instaladas nos morros, geralmente antigos pontos de venda de drogas

ou de vigilância dos traficantes. Em seguida, o processo de urbanização passa a

11 O artigo 6 do Decreto-lei nº 41.650 estabelece que os policiais lotados nas UPPs deverão ser recém formados, favorecendo a introdução de uma nova doutrina (mais humanitária e de aproximação com a população), o que seria mais difícil com policiais habituados ao antigo regimento.

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ser implantado, tendo como apoio outra forma de UPP, a UPP Social12.

Portanto, diferentemente dos outros planejamentos, que muitas vezes

tinham de negociar diretamente com os traficantes para implantação dos

programas, o processo de pacificação retoma estes lugares à tutela do Estado.

Entretanto, após quase sete anos de seu início, diversos problemas

surgiram e/ou persistiram no processo de pacificação das favelas e,

consequentemente, as fragilidades deste processo ficaram expostas.

Nosso trabalho visa analisar estas fragilidades. No entanto, não cederemos

ao intento de qualificar as UPPs como benéficas ou prejudiciais. Qualquer

conclusão deste tipo seria prematura, ou pior, irresponsável. Trata-se de um

fenômeno relativamente jovem e os seus resultados ainda são imensuráveis.

Além disso, a quantidade de dados oficiais disponíveis sobre as UPPs é

relativamente escassa, principalmente no que se refere ao nosso objeto: o

Complexo do Alemão (Foto 1).

Dessa forma, nos lançamos à análise deste objeto não para finalizá-la, mas

para que possamos extrair dela algumas reflexões ao debate geográfico, isto é, o

uso do espaço, a militarização urbana ascendente no Brasil, o embate de

12 A UPP Social surgiu com base no reconhecimento de que o sucesso imediato da UPP, desarmando os traficantes de drogas nas favelas e dando às pessoas a liberdade de ir e vir em segurança, não garante a criação de condições para novas oportunidades econômicas, sociais e políticas para melhorar a vida dos moradores das favelas (BANCO MUNDIAL, 2012).

FOTO 1 - Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro. Fonte: Ricardo Freitas.

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territórios no conflito entre Estado e narcotráfico e qual cidade estamos

construindo neste processo.

A escolha do Complexo do Alemão se deu pela sua magnitude; ademais,

nos últimos anos, o Alemão tem sido destaque nas principais mídias do país.

Outro ponto importante sobre sua escolha é que, ao contrário de outros morros,

como Pavão-Pavãozinho e Cantagalo (FOTO 2), que estão intimamente ligados

aos bairros de Ipanema e Copacabana, respectivamente – uma das áreas mais

ricas do Rio de Janeiro e com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) como de

alguns países europeus (RIOTOUR, 2010) –, o Complexo do Alemão encontra-se

no outro extremo da cidade, na zona norte, com suas deficiências de

infraestrutura, transporte e equipamentos sociais. Foto 2 – Mirante da Paz localizado no Morro Cantagalo em Ipanema – RJ. Fonte: Ricardo Freitas

Diante deste cenário, nos deparamos com novas formas de reestruturação

do espaço e generalização do medo como moeda: econômica e ideológica.

No que se refere à metodologia, iniciamos o desenvolvimento do trabalho

através de um conhecimento já desenvolvido e reconhecido. Nosso levantamento

bibliográfico percorreu a Geografia e as outras ciências sociais, pois a elaboração

de uma pesquisa não deve se limitar estritamente ao seu domínio (SANTOS,

2012), sendo quase que obrigatória a intertextualidade com outras ciências, visto

que tal procedimento reflete apenas a própria complexidade da realidade.

Considerando a problemática do nosso objeto, alguns autores foram de

suma importância ao desenvolvimento da crítica. No campo da Geografia,

utilizamos intensivamente o trabalho de Marcelo Lopes de Sousa, aproveitando

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seus anos de experiência sobre a temática da violência urbana; através de sua

obra, pudemos aprofundar a reflexão sobre o processo de securização urbana que

tem se intensificado nos últimos anos no Brasil.

Milton Santos e Rogério Haesbaert trouxeram valiosas contribuições sobre

o conceito de território, nos fornecendo uma conceituação ampla e atualizada

sobre “território”, o investigando muito além da figura do Estado, inclusive, em

seus “opositores”, tais como o narcotráfico.

Além da plêiade geográfica, usamos a conceituação de Michel Foucault

sobre o poder e suas extensões, mais suas análises sobre os sistemas de

vigilância como forma de combate à violência, assim como sua análise dos

discursos através do conceito da “tecnologia de si” (1968). Recorremos também às

reflexões de Giorgio Agamben, sobre biopolítica e estado de exceção nas

democracias modernas, para contextualizarmos o debate sobre os direitos civis no

processo de pacificação do Complexo do Alemão.

Acrescemos à reflexão, ainda, os textos sobre psicologia social de Sigmund

Freud. Os métodos de investigação da psicanálise vieram ao nosso socorro para

os temas que estão além da violência física, além dos números de óbitos, usuários

de drogas e roubos. A psicanálise nos possibilitou também analisar com mais

proximidade/profundidade as narrativas dos moradores do Complexo do Alemão,

reconstruindo seus referenciais e concepção de mundo, seus traumas, assim

como sua resistência perante a realidade e, sobretudo, sua identidade.

A sociologia também contribuiu muito à nossa pesquisa. Zigmunt Bauman,

Stuart Hall e Ignácio Cano são alguns dos nomes das ciências sociais que

devemos destacar, pela importância e contribuição ao desenvolvimento deste

trabalho, sendo, os dois primeiros, no desenvolvimento das reflexões acerca do

conceito de identidade, e o último sobre a problemática da violência urbana.

Além disso, recorremos aos dados disponibilizados por diversas entidades:

Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG), Ministério da

Saúde, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Organização Mundial

de Saúde (OMS), Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), Organizações Não

Governamentais (ONG), Banco Mundial, Instituto de Segurança Pública (ISP),

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Nações Unidades sobre Drogas

e Crimes (UNODC/ONU), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS), 21

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entre outras.

Como complemento aos dados secundários disponíveis nestas entidades,

realizamos pesquisas de campo, a fim de obter, não apenas novas informações,

mas o convívio com a população diretamente afetada pelo processo de

pacificação, registrando, através de suas narrativas, seus anseios e suas

perspectivas.

Por fim, assim como a semente é a virtualidade do fruto, esta pesquisa é

uma virtualidade de alguns debates dentro da análise geográfica. Dar-nos-emos

por satisfeitos não em desenvolvermos uma afirmação, mas se, ao final dela,

pudermos esboçar uma pergunta.

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1. O Verbo, O Espaço e o Poder

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1.1. As palavras e as coisas

Em “Através do Espelho”, havia um bosque em que as coisas não tinham

nomes. Alice, ao adentrá-lo, passando pelas árvores, pensou “depois de sentir

tanto calor, entrar sob... o quê?” (CARROL, 2009, p.199). E continuou Quero dizer entrar sob... Sob as.... Sob isto, entende! pondo a mão no tronco da árvore. Como é que isto se chama, afinal? Acredito que não tem nome... Ora, com certeza não tem! Ela não conseguia lembrar as palavras. Então, no fim das contas a coisa realmente aconteceu! E agora, quem sou eu13? (IDEM, 2009, p.199).

A cena, caracterizada acima por Lewis Carrol, retrata uma temática

comumente abordada na semiótica: a importância das palavras e as atribuições de

seus significados. No entanto, este debate acerca de significados e potencialidades

das palavras emerge também em outras ciências humanas. É comum em muitos

autores, a fim de explicitarem e especificarem sua análise, termos a “redefinição”

de palavras (conceitos). Visam, para além de um preciosismo com a língua, um

momento ímpar em que estas ainda não tinham diversos significados, quando a

pluralidade semântica era quase inexistente, algo que ironicamente Friedrich

Nietzsche chamava de busca da “origem pura das coisas” (NIETZSCHE, 2009).

Entretanto, o porquê desta preocupação com o uso e o significado das

palavras não ser considerado em outras áreas, por exemplo, o urbanismo, “até

mesmo entre os autores críticos do planejamento urbano, ainda é um mistério”

(LOPES, 2011, p.148). As palavras surgem quase que isentas de significados,

como se fossem simplesmente neutras. “Favela”, “comunidade”, “cidade”, “cidade

formal”, “reforma urbana”, apenas para citarmos algumas, são raramente

discutidas, são tomadas como “ferramentas” sem qualquer significado sociopolítico

(LOPES, 2011). Não se trata de tomar as palavras numa luta pessoal, extorquindo

de suas possibilidades de significado uma retórica à semelhança dos discursos

13 O excerto apresentado acima é uma das passagens mais icônicas de “Alice através do espelho”. Com ele, Lewis Carrol retoma um antigo debate dentro da literatura sobre a potencialidade das palavras, que sem elas perderíamos o referencial com as coisas, não saberíamos nos situar, não haveria identidade. A literatura, sob este aspecto, tem muito a contribuir às ciências sociais.

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políticos, ou mero preciosismo lexical. Todavia, não refletir sobre seus efeitos é, no

mínimo, uma deficiência crítica, quando não oportunismo.

A importância das palavras não passou despercebida por Michel Foucault –

é uma análise constante seu trabalho14. O filósofo francês já questionava, em 1966,

em “As palavras e as coisas”, sobre “que relação existe entre a linguagem e o ser

do homem?” (FOUCAULT, 2007, p. 468). Ela é produção de um conhecimento? De

um discurso? Certamente. Foucault empreende um projeto com a finalidade de

investigar a relação existente “entre linguagem e sujeito, entre ontologia e

linguagem, entre as palavras e as coisas” (PEREIRA, 2011, p.95). Tal discurso

está estritamente ligado à concepção de realidade do seu autor; seria o que

Foucault denominou de “tecnologia de si” (FOUCAULT, 1990, p.48).

A análise da dinâmica socioespacial do Complexo do Alemão nos revelou

que as palavras, esta simples expressão humana, detinham um poder e de forma

alguma eram isentas de conteúdo (sociopolítico). No entanto, reconhecemos, não

são as palavras em si que possuem poder, mas sim os indivíduos e os grupos que

agem por meio delas (LOPES, 2011). Entretanto, como decifrar estes símbolos?

Nesta gama de expressões, “o papel da grande mídia tem se revelado

crucial e, pode-se dizer, estratégico” (LOPES, 2010, p.5). Expressões e metáforas,

tais como “estado de guerra civil”; “morro versus asfalto”; “as forças do bem contra

as forças do mal”; “retomada e/ou reconquista do território”; “o outro território”;

“pacificação” (LOPES 2010), são palavras habitualmente utilizadas e assimiladas

sem qualquer grande debate aprofundado, conforme Lopes: As metáforas bélicas também passaram a ser ainda mais abundantemente empregadas. “A Guerra do Rio” é uma expressão consolidada há anos no jornal O Globo e em vários outros grandes jornais, como Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo. “Guerra”, “batalha”, “soldados do tráfico” e outras expressões corriqueiras, passaram a conviver com outras, mais desabridas, entre as quais se destacam “Dia D”. Ironia das ironias: o complexo de favelas que, a partir do “Dia D”, se buscava “reconquistar”, se chama, precisamente, Complexo do Alemão. À diferença da Normandia ocupada pelas tropas do Terceiro Reich, contudo, os “inimigos”, agora, são pessoas nascidas no mesmo país que os “libertadores” – “libertação”, aliás, tem sido outra expressão muito empregada –; na sua esmagadora maioria, esses “inimigos” são jovens negros e

14 As palavras e as coisas (1966); Vigiar e Punir (1975); A história da Sexualidade (1976); A Microfísica do Poder (1979) são alguns trabalhos de Michel Foucault onde encontramos uma nítida relação da produção de discursos e as relações de poder que estes exercem, e qual a configuração do sujeito neste processo.

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mulatos, muitas vezes franzinos, armados com enormes fuzis, mas calçados com chinelos de borracha. A juventude pobre dos espaços segregados é, em última análise, o grande “inimigo” a se temer, real ou potencialmente, no imaginário das elites e da classe média (LOPES, 2010, p.2).

Rodrigo Valverde (2003) nos mostrou, por sua vez, que estas metáforas não

se circunscreveram somente ao domínio da mídia; tais expressões também

povoam a linguagem e ajudam modelar a conduta de grupos de funkeiros, torcidas

organizadas de times de futebol e outras “tribos”. São ideológicas e identitárias.

É fundamental trazermos, à pesquisa, esta reflexão, pois este jogo de

palavras e significados não encobre apenas conteúdos díspares do que indicam;

estamos diante de expressões que não são como os axiomas da matemática, mas

de construções sociais, e, sobretudo, de discursos. Presenciamos o

desenvolvimento de uma luta de significados e isto é extremamente importante,

pois, em uma época onde as ideologias parecem ter perdido seu papel de destaque

(aparentemente, apenas), num mundo cada vez mais “vazio15” (LIPOVETSKY,

2005), o verbo se anuncia como resistência.

Portanto, se as palavras possuem uma etimologia, podemos dizer, sem

extrapolarmos em nossa argumentação, que elas também possuem uma geografia,

uma localização. Classes sociais distintas se comunicam de forma diferente, o

mesmo raciocínio se aplica aos lugares. Tais expressões revelam inexoravelmente

diversos posicionamentos políticos e ideológicos, desde uma letra de funk que

expõe sua simpatia/apologia ao narcotráfico até o discurso, carregado de metáforas

bélicas, do secretário de segurança pública do Rio de Janeiro.

Porém, as consequências deste embate geralmente são negligenciadas, as

expressões demarcadas acima revelam este aspecto. Além disso, para

enriquecermos a análise destes vocábulos selecionados, o próprio acrônimo UPP,

por exemplo, já nos traz diversas questões a serem analisadas. Na miscelânea

social existente nos morros, qual a real competência da polícia para diferenciar

15 Gilles Lipovetsky analisa que os movimentos sociais se esvaziaram diante da sociedade do self-service. O desinteresse e até mesmo a desconfiança da massa em relação às grandes ideologias se deu pela sedução da era do vazio (LIPOVESTKY, 2005). Na lógica do vazio, temos o comunicar pelo comunicar. “Expressar-se sem qualquer outra finalidade a não ser expressar-se e ser ouvido por um micropúblico, o narcísico (vigente e em crescimento) revela, tanto aqui quanto em outros aspectos, a sua conivência com a ausência de substância” (LIPOVESTSKY, 2005, p. 24).

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bandidos de cidadãos comuns? Mais do que isso, se a Unidade de Polícia

Pacificadora tem como novo paradigma uma ação de aproximação e comunicação

ao invés da repressão, seu nome não seria um equívoco? Na busca por resultados

“rápidos” e direcionados a determinados grupos, vamos em direção ao perigo

sinalizado por Rogério Haesbaert, isto é, “numa sociedade em que tudo é feito em

nome da segurança e do risco, vamos simplesmente tentar evitar que algo

aconteça, atacando seus efeitos, e não, efetivamente, enfrentando suas causas”

(HAESBAERT, 2010, p.3).

A “pacificação” da “Guerra do Rio”, dessa forma, nos fornece o espetáculo

do confronto de dois territórios – ou, se usarmos as expressões de cada um destes

lados –, os “cu azuis” (policiais) versus a delinquência e a bandidagem.

Dentro deste contexto, devemos trazer também outra luta semântica (social)

de um grupo diretamente exposto a este conflito: os moradores das favelas,

geralmente situados nas trincheiras deste embate. Analisamos, em nosso trabalho

de campo, por meio de entrevistas com a população e com os líderes locais, que

um morador do morro afirmar viver em uma comunidade, e não em uma favela,

trata-se de posicionamento político e de uma resistência, por mais ressalvas que

possamos fazer a respeito da qualidade deste “posicionamento político”. O

vocábulo “comunidade” em detrimento de “favela”, pontuamos, muitas vezes limita-

se a um discurso politicamente correto, principalmente quando utilizado como

promoção eleitoral; no entanto, quando apropriado pelos moradores da favela,

outro significado emerge de suas possibilidades, pois “a linguagem tem um papel

fundamental na vida do homem, por ser a forma pela qual se identifica e reconhece

a objetividade em seu derredor” (SANTOS, 2009, p.16); ou seja, torna-se uma

forma de resistência. Organizações, como a Central Única das Favela (CUFA) e a

AfroReggae, levantam esta bandeira: os pilares norteadores destas duas

organizações encontram-se na identificação e na união dos moradores por meio do

conceito de comunidade (CUFA, 2014).

Por outro lado, tal afirmação pode parecer inocente e até de uma trivialidade;

geralmente, na perspectiva da classe média,16 temos que este jogo de palavras,

16 Senso comum entre os moradores de Ipanema e Copacabana. Muitos dos entrevistados expressaram esta opinião quando questionados sobre o que achavam das mudanças ocorridas nas favelas, nos últimos tempos, e o posicionamento dos moradores sobre essas mudanças

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este “politicamente correto”, não existiria no Brasil, pois ainda encontram-se, nestes

locais, todos os problemas relacionados à pobreza e à violência – ou seja, a

configuração basilar de uma favela. Porém, como Foucault havia sinalizado (1990),

a produção de discursos se baliza no poder de seus agentes, visto que não é

qualquer discurso que recebe o aparato de verdade: este é um privilégio

comumente reservado aos grupos hegemônicos.

Apenas para estabelecermos um paralelo sobre a importância deste

posicionamento através de uma (auto)identidade, nos anos 1960, quando os

homossexuais deixaram o termo homossexualidade de lado e passaram a adotar a

palavra gay, não foi apenas uma troca de palavras, mas uma revolução semântica

que lhes davam uma identidade17. O termo clínico, homossexual, os condicionava

em uma posição de pacientes, onde precisavam ser “curados”, seja através da

internação ou da lobotomia, como se verificou no século passado, ou da regulação

de comportamento, como ainda se verifica. Assumir-se gay revela que não há

doença a ser sanada; através desta palavra, adquire-se uma identidade que ganha

conteúdo por lutas, reflexões e direitos conquistados. Algo de semelhante se aplica

também aos negros, às mulheres, aos pobres e aos estrangeiros. Em suma, a

todos aqueles que estão numa posição marginalizada na sociedade e, por isso, se

deparam mais nitidamente com a questão de sua identidade – ou do limite dela, já

que “afinal de contas, perguntar ‘quem é você’ só faz sentido se você acredita que

17 Em “A História da Sexualidade” (1976), de Michel Foucault, especificamente no capítulo “Ditos e Escritos”, temos a advertência do filósofo francês sobre a aceitação/imposição naturalista ou biológica da orientação gay, seja pelos homofóbicos ou pelos militantes da questão gay (FOUCAULT, 1976). Tal argumento levaria a um determinismo biológico que impossibilitaria maiores manobras de uma ação filosófica e social sobre o modo de vida gay. Portanto, assim como a miopia é uma deficiência visual que pode ser corrigida através de certos procedimentos, o mesmo poderia se dar com a homossexualidade, que surge, aliás, como um termo clínico (VON KRAFFT-EBING, 2005), associada, então, como anormalidade. Libertar-se deste estigma seria se reconhecer como sujeito, o desenvolvimento de uma tecnologia de si (FOUCAULT, 1976). O paralelo, portanto, com o estigma “imposto” pela favela não é tão inócuo como pode parecer à primeira vista. A posição de marginalização de certos grupos é essencialmente reforçada e alimentada por preconceitos, quase sempre vinculados a argumentos falaciosos e deterministas. Esta carga negativa psicossocial age sobre o indivíduo, condicionando suas ações (FREUD, 2012). Além disso, esta carga negativa psicossocial impõe, muitas vezes, um comportamento de culpa, como se a vítima deste processo fosse o responsável pela sua própria miséria, levando um comportamento de autoexclusão. Não é raro ouvirmos que muitos moradores, principalmente os jovens, preferem permanecer na favela a transitarem pela cidade. A favela, por mais riscos e problemas que possa ter, é um lugar conhecido, sabem como funciona aquela realidade, enquanto que a cidade surge como labirinto. Em outras palavras, dentro de seu “gueto” se reconhecem e possuem uma identidade, estão vinculados a aquele espaço, enquanto a exterioridade da cidade é confusa e perturbadora.

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possa ser outra coisa além de você mesmo” (BAUMAN, 2005, p.25) ou quando

confrontado com algo diverso de si. Para Zygmunt Bauman, é muito mais comum a

um estrangeiro questionar a si mesmo sobre sua identidade do que um típico

cidadão local (BAUMAN, 2005) – é a partir do contraste que temos a noção do

diferente.

Seguindo neste raciocínio, a sensação de pertencimento ao morro e não

pertencimento à cidade cria uma identidade em comum àquelas pessoas, um dos

produtos das relações socioespaciais conflituosas entre favela e cidade, mas não

apenas isto, a força simbólica do território é tamanha que talvez ele seja o elemento

mais eficaz na construção de uma identidade (HAESBAERT, 1996).

As palavras não são isentas de significados sociopolíticos, desde as mais

corriqueiras, como favela, até as expressões bélicas no contexto urbano (“Guerra

do Rio”; “retomada do território”; soldados do tráfico”, etc.). Assim, seja no

planejamento urbano ou no posicionamento político (invariavelmente ambos estão

associados), cada agente se apropria das palavras conforme a intencionalidade de

seu discurso (tecnologia de si) e vontade de potência.

Dessa forma, se Alice de Lewis Carrol se vê perdida diante de um mundo

onde é incapaz de nomear e, consequentemente, qualificar as coisas – para que

assim surja um esclarecimento frente à realidade –, percebemos algo de

semelhante nas lutas sociais.

A fim de desenvolvermos melhor as ideias aqui apresentadas, traremos, nos

dois próximos subcapítulos (A Etimologia e A Identidade), uma discussão mais

aprofundada acerca da origem da palavra favela e sua evolução, bem como uma

reflexão sobre o conceito de identidade e sua relação com o território.

1.1. A Etimologia

Ao que parece, a palavra “favela” teve seu primeiro uso com o escritor Euclides

da Cunha, em sua obra “Os Sertões”, na qual retrata a Guerra de Canudos, à qual

foi enviado como jornalista para relatar as ações da resistência que supostamente

planejava um golpe de estado contra a jovem e frágil República. No entanto, o

conteúdo da palavra favela registrado na obra do escritor foi completamente

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alterado no decorrer dos anos. Inicialmente, empregava-se a palavra “favela” em

uma acepção meramente geográfica, como exposto nas páginas iniciais de Os

Sertões Todas traçam, afinal, elíptica curva, fechada ao sul por um morro, o da Favela, em torno de larga planura ondeante onde se erigia o arraial de Canudos – e daí, para o norte, de novo se dispersam e decaem até acabarem em chapadas altas à borda do S. Francisco (CUNHA, 1954, p. 19).

Ou ainda “Monte ao sul de Canudos” (CUNHA, 1954). O significado de

Euclides da Cunha para favela é completamente distinto do conjunto de casebres

toscos e miseráveis, geralmente em morros, onde habitam marginais (DICIONÁRIO

CONTEMPORÂNEO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1958).

Numa abordagem estritamente etimológica, favela é um termo latino que

significa pequena fava. Historicamente, é o nome de uma pequena colina de uma

região da Bahia, de onde provieram os migrantes que se instalaram, pela primeira

vez, no Rio de Janeiro, nas imediações da Estação Pedro II da Central do Brasil

(PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2014). Estes, atraídos pela oferta de

emprego e crescimento da capital de então, passaram a ocupar uma pequena

elevação, que, pela semelhança com a colina baiana, chamaram de favela.

Todavia, o nome não se restringiu somente a este morro, se estendendo

(inclusive a outras formas de relevo) a todas as aglomerações de barracos

construídos na cidade do Rio de Janeiro. Seu conteúdo não se daria mais pelo

aspecto geomorfológico – como outrora o autor de Os Sertões havia usado. Deste

momento em diante, ela se caracterizaria pelos seguintes aspectos:

a) Ocupação efetiva do terreno, sem título jurídico que dê aos ocupantes

a posse legal do mesmo;

b) Carência de serviços básicos de qualquer aglomeração urbana,

principalmente saneamento básico;

c) Precariedade das construções dos barracos, feitos pelos próprios

moradores, sem quaisquer garantias de estabilidade contra a ação

das intempéries, especialmente das chuvas torrenciais;

d) Condições subumanas de vida;

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e) Preconceito de classe.

Como bem retratou Maurício A. de Abreu Não há como dissociarmos a estrutura espacial de uma cidade capitalista das práticas sociais e dos conflitos existentes entre as classes urbanas, a luta de classes também se reflete na luta pelo domínio do espaço, marcando a forma de ocupação do solo urbano. Por outro lado, a recíproca é verdadeira: nas cidades capitalistas, a forma de organização do espaço tende a condicionar e assegurar a concentração de renda e de poder na mão de poucos, realimentando assim os conflitos de classe (ABREU, 1997, pg. 9).

O IBGE, por sua vez, faz uso da nomenclatura “assentamentos subnormais”,

referindo-se às ocupações urbanas que se caracterizam pela informalidade no

processo de ocupação e pela precariedade tantos das construções como da

infraestrutura (IBGE, 2014). No Plano Diretor de 1992, favela é definida como: Área predominantemente habitacional, caracterizada por ocupação da terra por população de baixa renda, precariedade de infraestrutura urbana e serviços público, vias estreitas e de alinhamento irregular, lotes de forma e tamanho irregulares e construções não licenciadas, em desconformidade com padrões legais (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2014).

No entanto, como já havíamos indicado anteriormente no presente trabalho,

somente a partir do censo demográfico de 1950, as favelas foram integradas aos

levantamentos oficiais – e somente na década posterior passaram ser

representadas na documentação cartográfica oficial da cidade. As mudanças mais

significativas no que se refere ao reconhecimento das favelas como parte

integrante da cidade carioca se deram através do processo de “abertura política” no

país (PREFEITURA DO RIO JANEIRO, 2014). O Plano Diretor Decenal de 1992

encontra-se entre os marcos mais significativos na esfera do planejamento urbano

de reconhecimento das favelas e seus direitos.

Entretanto, este processo não se deu espontaneamente. Diversas pressões

sociais, produtos diretos dos altos índices de violência e precariedade das

condições de existência dos morros, tornaram-se o estopim para este

“reconhecimento”. Neste processo de reconhecimento e valorização dos direitos

das favelas, os movimentos sociais representam papel de destaque. Além da 31

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organização dos moradores, em diversas situações, os movimentos sociais

representaram a ponte de comunicação entre o Estado e os traficantes.

Com efeito, apesar dos avanços obtidos, a favela ainda traz em seu

significado preconceitos e marginalização, pois uma questão histórica não se

desfaz instantaneamente, por mais que nossa história seja constantemente negada

ou esquecida. Os estigmas da escravidão estão presente em nossa sociedade, o

mesmo é válido aos “favelados”, ou ainda estariam conectados em diversas

situações, visto que os escravos, quando libertos do status de posse, não se

tornaram cidadãos, mas mera mão de obra descartável.

A favela pode significar uma forma de resistência à cidade altamente

excludente, outra organização social, mas também precarização da vida,

demarcação da pobreza e violência e degradação ambiental. É uma palavra

complexa e ambivalente.

1.2. Identidade

A identidade é uma questão extremamente ampla e envolve diversas

abordagens, transitando por diversos campos das ciências humanas. Neste

subcapítulo, não iremos adotar uma conceituação e usá-la como norteadora da

reflexão, ao contrário, traremos diversas conceituações a fim de explanarmos suas

possibilidades.

Em Stuart Hall, temos a ênfase na identidade cultural, relacionada a nossa

cultura étnica, religiosa, regional e/ou nacional (HALL, 2014). Já em Bauman,

temos que, na atualidade, onde tudo é transitório, num mundo líquido (2009), as

identidades fixas e bem definidas já não são um atrativo; segundo o sociólogo

O mundo construído de objetos duráveis foi substituído pelo de produtos disponíveis projetados para imediata obsolescência. Num mundo como esse, as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupa. O horror da nova situação é que todo diligente trabalho de construção pode mostrar-se inútil; e o fascínio da nova situação, por outro lado, se acha no fato de não estar comprometida por experiências passadas, de nunca ser irrevogavelmente anulada, sempre “mantendo as opções abertas” (1998, p.112-113).

Milton Santos (2011) analisava que, no princípio da história humana, no que

foi denominado pelos antropólogos europeus e norte-americanos de povos 32

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primitivos, “os laços entre território, política, economia, cultura e linguagem eram

transparentes” (SANTOS, 2011, p.30). Estes povos estavam estritamente ligados

ao seu território, vínculo este que lhes davam uma identidade; conforme Santos

Poder-se-ia considerar que existia uma territorialidade genuína. A economia e a cultura dependiam do território, a linguagem era uma emanação do uso do território pela economia e pela cultura, e a política também estava com ele intimamente relacionada. Havia, por conseguinte, uma territorialidade absoluta, no sentido que, em todas as manifestações essenciais de sua existência, os moradores pertenciam àquilo que lhes pertencia, isto é, o território. Isso criava um sentido de identidade entre as pessoas e o seu espaço geográfico, que lhes atribuía, em função da produção necessária à sobrevivência do grupo, uma noção particular de limites, acarretando, paralelamente, uma compartimentação do espaço, o que também produzia uma ideia de domínio. Para manter a identidade e os limites, era preciso ter clara essa ideia de domínio, de poder. A política do território tinha as mesmas bases que a política da economia, da cultura, da linguagem, formando um conjunto indissociável (2011, p.30-31, grifo nosso).

Não obstante, atualmente, este vínculo parece esgarçar-se diante da

globalização, tendo uma forte tendência à homogeneização dos espaços,

destruindo, então, as particularidades locais. Seria o que Santos havia nos alertado

em seu texto de 1999, publicado na Folha de São Paulo,

Como as situações se alteram rápida, repentinamente e de forma inesperada, o território, sobretudo nas áreas mais afetadas pela modernidade globalizadora, torna-se instável, nervoso e, também, ingovernável. As crises territoriais revelam, brutalmente, as crises da economia, da sociedade e da política (FOLHA DE SÃO PAULO,1999.)

Mas devemos ressaltar que o processo de globalização, ou mundialização,

não se dá de uma única forma (SANTOS, 2008), sendo um erro afirmarmos que

este processo apenas enfraquece as relações locais em detrimento das globais.

Resumidamente, Stuart Hall expõe três consequências da globalização sobre as

identidades (culturais):

1. As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do “pós-moderno global”.

2. As identidades nacionais e outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à

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globalização.

3. As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas – estão tomando seu lugar (HALL, 2014, p.40).

Dessa forma, por mais diferenças de enfoque que possa haver entre Hall,

Bauman e Santos, há uma relação de proximidade entre eles: a crise da identidade

diante das transformações cada vez mais rápidas no mundo e como estas

mudanças influenciam os lugares e as pessoas. Temos, portanto, tanto uma

reafirmação das identidades nacionais baseadas no projeto do Estado moderno,

pelo qual nascimento e nacionalidade configuravam uma única coisa (BAUMAN,

2009), isto é, a “pessoa nasce, por assim dizer, na cidadania do Estado” (Bauman,

2009, pg. 152, apud Agamben), quanto um processo de mundialização pelo qual as

relações e as influências econômicas e culturais atingem os lugares mais remotos

do planeta.

A respeito disto, há uma observação feita por Kant, há mais de dois séculos,

sobre o avanço do ser humano no planeta, que devemos mencionar. Numa análise

aparentemente banal, Kant havia refletido que a Terra é uma esfera e isto implicaria

que, a longo prazo, seria impossível manter a distância; este avanço do homem,

portanto, nos levaria à ocupação até dos menores espaços do planeta (BAUMAN,

2009). Assim, indubitavelmente, haveria de ocorrer, em algum momento da história,

“die volkommende bürgeliche Vereinnigung in der Menschengattung” (a perfeita

unificação da espécie humana por meio de uma cidadania comum) (KANT, 2009).

No entanto, esta “perfeita unificação” é seletiva e restritiva – e Kant o sabia, aliás,

via que esta etapa da evolução demográfica se daria mais como um desafio à

humanidade do que como um objetivo.

David Harvey também nos advertiu sobre estes aspectos,

À medida que o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia “global” de telecomunicações e uma “espaçonave planetária” de interdependências econômicas e ecológicas – para usar apenas duas imagens familiares e cotidianas – e à medida que os horizontes se encurtam até o ponto em que o presente é tudo que existe, temos que aprender a lidar com um sentimento avassalador de compressão de nossos mundos espaciais e temporais (HARVEY, 2000, p.240).

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De fato, estamos vivenciando cada vez mais este processo: a ideia de

lugares “puros”, “fechados”, e/ou “tradicionais” tornou-se praticamente um mito. A

diversidade de culturas e identidades é um fenômeno que acompanha a

mundialização da mercadoria. Dito de outra forma, vivemos num mundo onde, por

exemplo,

Existem pessoas que vivem nas favelas do Rio, que conhecem o futebol internacional como as palmas de suas mãos, que criaram alguns de seus jogadores, que contribuíram fortemente para a música internacional, que nos deram o samba dançado em Paris e Londres, e que nunca, ou quase nunca, foram ao centro do Rio de Janeiro (Idem, 2014, p.46).

Ou ainda,

Jeans e tênis – o “uniforme” do jovem na cultura juvenil ocidental – são tão onipresentes no sudeste da Ásia quanto na Europa ou nos Estados Unidos, não só devido ao crescimento da mercantilização em escala mundial da imagem do jovem consumidor, mas por que, com frequência, esses itens estão sendo realmente produzidos em Taiwan ou em Hong Kong ou na Coreia do Sul, para as lojas em Nova York, Los Angeles, Londres ou Roma (IDEM, 2014, p. 52).

Mas, não pretendemos tratar aqui cada uma destas três consequências

indicadas por Hall, pois foge ao nosso objetivo e nem seria a competência deste

trabalho. Por outro lado, tendo em mente a complexidade que envolve o conceito

de identidade, devemos trazer mais uma reflexão suscitada por Stuart Hall. Na

busca de uma conceituação que abarcasse toda a amplitude deste conceito, Hall

recorreu a “origem” do sujeito moderno (2014). Ele nos diz que entre as variáveis e

constituintes do indivíduo, a racionalidade não seria o norte máximo, ao contrário, a

noção consciente do sujeito seria somente uma sombra de quem ele é realmente

(FREUD, 2009). Neste sentido, Nietzsche nos legou um importante debate com

suas obras “Humano, demasiadamente humano” (2005); “A Genealogia da Moral”

(2009); “Vontade de Potência” (2011), entre outras. Em Nietzsche, temos um

ataque dilacerante ao homem racional (2011).

Mesmo que não se refira diretamente, Sigmund Freud retoma o debate

suscitado por Nietzsche (ENDO & SOUZA, 2012), acrescentando ainda as

influências do “habitat” à constituição do indivíduo. Freud refletiu minuciosamente

os impactos da cultura (kultur) em seus pacientes, de como ela influenciava e

conduzia seus comportamentos, mas também como os homens a influenciavam 35

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(2012). Estas “trocas”, todavia, podem ser tão desesperadoras e aniquiladoras ao

indivíduo que muitas vezes ele precisa recorrer a alguma espécie de “fuga” para

que possa (re)equilibrar seu aparelho psíquico (FREUD, 2012).

Considerando os diversos níveis de influência e dependência em relação ao

ambiente, o pai da psicanálise rompe de vez com a ideia de identidade como algo

uno e dotado, exclusivamente, de racionalidade; daquela imagem representada no

Iluminismo, isto é,

O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado de capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia, ainda que permanecendo o mesmo – contínuo ou “idêntico” a ele – ao longo da existência. O centro do “eu” era a identidade de uma pessoa (HALL, 2014, p.10-11).

Para ilustrarmos melhor nosso argumento, em o “Mal-estar na cultura”

(1930), Freud apresenta uma série de ataques à cultura (europeia), bem como os

efeitos desta no indivíduo; ambos se alimentam e se aniquilam. E sua concepção

de cultura consiste em:

Tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de suas condições animais e se distingue da vida dos bichos; e eu me nego a separar cultura (kultur) e civilização (zivilisation) – pois mostra dois lados ao observador. Ela abrange, por um lado, todo o saber e toda a capacidade adquiridos pelo homem com o fim de dominar as forças da natureza e obter seus bens para a satisfação das necessidades e, por outro, todas as instituições necessárias para regular as relações dos homens entre si e, em especial, a divisão dos bens acessíveis (FREUD, 1974, p.140, tradução nossa).

O livro é o que poderíamos grosseiramente chamar de psicologia social.

Advindo do intervalo entre as duas Guerras Mundiais, num cenário de crise

econômica e política na Europa (e mundo) e no recrudescimento à perseguição dos

judeus, representa, em suma, um ataque inexorável ao progresso científico e

cultural da época.

Freud observara os problemas sociais de sua época através da psicanálise,

por exemplo: a melancolia que abateu a população europeia no século XX. Ele

percebe que ela não surge simplesmente como causa interna, mas altamente 36

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reforçada por um cenário de desilusão e pessimismo em relação ao futuro (FREUD,

2011); utilizando o divã como campo de pesquisa, teve uma quantidade suficiente

de discursos para realizar uma amostragem dos malefícios de sua época na psique

coletiva. Baudelaire foi vanguarda neste sentido em suas poesias, assim como,

posteriormente, Gustav Klimt plastificou com perfeição em suas telas a sensação

de aniquilamento que cerceava sua época, o niilismo vigente.

Se extrairmos esta perspectiva à análise da violência urbana, teremos um

paralelo valioso. A sensação de perseguição, de desproteção, de fragilidade, de

medo e agressividade, são questões subjetivas de difícil apreensão e mensuração,

entretanto, os resultados deste sentimento de “desproteção” e “fragilidade” são

inteiramente inteligíveis – e o espaço urbano nos fornece um excelente testemunho

deste “sentimento”,

São Paulo é hoje uma cidade de muros. Barreiras físicas foram construídas em toda parte, em torno de casas, prédios, parques, praças, escolas e complexos empresariais... Uma nova estética da segurança modela todos os tipos de construções e impõe uma nova lógica de vigilância e distância (CALDEIRA, 1996, p.303)

Bauman resumiu este sentimento numa palavra: mixofobia. Esta, ao

contrário, die volkommende bürgeliche Vereinnigung in der Menschengattung

sinalizada por Kant, expõe um processo em ascensão no mundo, onde, através do

clima de insegurança, cada um se arma contra seu vizinho, numa espécie de

guerra civil molecular (SOUZA, 2008). Na Europa, por exemplo, o perigo foi

identificado como “estrangeiros” (BAUMAN, 2004). No Brasil, por sua vez, o perigo,

há um bom tempo, tem sido a própria população do país, mas não qualquer

população: geralmente se trata daquela social e economicamente segregada. Não

é de se estranhar, portanto, que empresas, como a Alphaville Urbanismo, tenham

conquistado, desde a década de 1970, a população paulista (bem como de outros

Estados) com a promessa de espaços exclusivos e diferenciados, pois “a paranoia

mixofóbica alimenta-se e atua como uma profecia autorrealizadora” (BAUMAN,

2009, p. 137). A promessa, portanto, de empresas, tais como a Alphaville

Urbanismo, é a heterotopia além da morte, violência e feiura; seria como o castelo

dos pais de Sidarta.

Neste contexto, o medo torna-se tanto uma moeda quanto uma ideologia.

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Para Marcelo Lopes Em uma fobópole, o medo encontra, em um contexto em que o ser humano se mostra particularmente vulnerável a irrupções de tal sentimento, sob efeito do ‘clima de guerra civil’, um terreno fértil para continuar prosperando (SOUZA, 2008, p.30).

Este clima de

‘Guerra civil molecular’ inclui desde um estado crônico de low intensity urban warfare até um incremento de discursos conservadores, de tipo repressivo e policialesco, passando pelo aquecimento do “mercado da segurança”, com a disseminação e a solicitação e a sofisticação de estratégias e dispositivos de autoproteção dos mais privilegiados (SOUZA, 2008, p.32).

No entanto, é a população mais carente que está mais exposta à maior taxa

de homicídios e violência do país (SOUZA, 2008). Conforme o “Global Study on

Homicide”, de 2013, divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e

Crimes (UNODC), 50 mil pessoas foram mortas no Brasil em 2012, isto equivale a

10% dos homicídios no mundo (UNODC, 2014) e, destes números,

aproximadamente 70% das vítimas são negros.

A Secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e a

Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) apresentaram no livro “O

Impacto da Violência na Saúde dos Brasileiros18”, além dos traumas físicos

advindos da violência, os danos psicológicos, na classificação e intervenção dos

problemas de saúde da população, visto que a vida regida sob pressão da violência

impõe ao indivíduo um estado constante de estresse crônico, assim como de outras

síndromes fóbico-ansiosas, inclusive estresse pós-traumático (LOPES, 2008).

O trabalho “A violência no coração da cidade: um estudo psicanalítico”, de

Paulo César Endo, lida com os conflitos psicológicos e traumáticos das pessoas

expostas à violência urbana. Endo, em seu livro, aborda estes impactos na cidade

de São Paulo:

A violência letal é sempre traumática para o psiquismo e o obriga a uma contração que expulse do corpo e do psiquismo sua presença

18 O livro é o reflexo de um trabalho que visa uma organização das informações sobre os acidentes e as violências, baseando-se em bancos de dados existentes, o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e o de Sistema de Informações Hospitalares (SIH), refletindo mais amplamente sobre o contexto no qual a violência pode se desenvolver. As análises apresentadas neste trabalho mostram a relevância do problema no Brasil, uma vez que a maior ameaça à vida dos jovens em nosso país, atualmente, não são as doenças, mas sim a violência (Ministério da Saúde, 2005).

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indelével. Isso não só para aquele que foi atingido diretamente por um ato violento, mas muitas vezes para um número imenso de pessoas que gravitam em torno do acontecimento e da vítima (2005, p.230).

Não podemos afirmar ou concluir que o medo e a violência sejam

modeladores de uma identidade, embora possam conduzir ou mesmo reprimir o

indivíduo. Os moradores de morros dominados pelo narcotráfico conhecem bem a

lei do silêncio imposta através das mais variadas formas de violência; sabem,

desde a infância, como as “regras” funcionam. No entanto, paradoxalmente, a

violência nem sempre age como instrumento ou objetivo de algo (ARENDT, 2013),

sendo completamente arbitrários o comportamento e o “julgamento” impostos pelos

traficantes. Acrescente-se a este cenário a repressão policial, que também exerce

papel semelhante. Os moradores da favela vivem em meio a duas leis de

segurança: a do tráfico de drogas e a da polícia. Para sobreviver, aprendem a

reconhecê-las e as adotam de acordo com as diferentes situações da vida

cotidiana19.

Todavia, apesar deste cenário, a pesquisa “Sociabilidades Subterrâneas”

(2012) divulgou que a maioria dos moradores da favela temem a vida fora dela,

mesmo com a violência destes lugares; o lado de fora é desconhecido, a

discriminação e o preconceito estão muito presentes e as regras da cidade são

vistas como estranhas e duvidosas (SOCIABILIDADES SUBTERRÂNEAS, 2012).

Mesmo com os conflitos existentes, há uma coesão social entre essas pessoas na

favela, partilham da mesma dor e estigma social, um fator que lhes dá uma

identidade em comum, elas mantêm um vínculo afetivo com seu território e

apresentam forte capital social.

A minha infância foi conflito, guerras urbanas, perdi muitos amigos na vida errada. O mundo das drogas, do tráfico é uma ferida que ainda não cicatrizou. A parte boa é que me considero um sobrevivente, porque os que foram embora são os desistentes. A gente continua aqui, resistimos, somos resistentes por gostar muito da comunidade (SOCIABILIDADES SUBTERRÂNEAS, 2012).

19 O AfroReggae e a CUFA são ONGs multifacetadas que combinam funções de movimentos sociais, produtores culturais, empresários, artistas e trabalhadores sociais. São produtos da favela e estão profundamente enraizadas em seu mundo, analisando seu modo de vida e suas dificuldades. Aliás, as trajetórias de vida de seus líderes e ativistas são análogas às dos moradores das favelas – e esse fato define sua identidade: são histórias que contam a experiência do fracasso, da perda, do sofrimento, mas também a capacidade de levantar-se e seguir em frente (Sociabilidade Subterrâneas, 2012).

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Diante de um histórico de intervenções policiais violentas, que nem sempre

respeitavam os moradores, discriminando-os como bandidos ou traficantes, muitos

moradores dos morros afirmaram que, em muitas situações, preferiam o

narcotráfico ao Estado. Com essas constantes intervenções policiais, o Estado

ajudou a reforçar a identidade dos moradores de favelas como supostos

criminosos. “Essas ações policiais afastam os moradores do Estado e contribuem

para minar o exercício da cidadania como um constituinte da identidade”

(SOCIABILIDADES SUBTERRÂNEAS, 2012, p.11). Além disso, ressalta-se que há

favelas que são controladas por milícias, não raro compostas por policiais,

bombeiros, militares vigilantes e agentes carcerários.

Portanto, com instituições frágeis e a presença do tráfico de drogas, mais a

ausência do Estado, os moradores da favela vivem num mundo à parte. Mundo

este ignorado pelo restante da sociedade, caindo na invisibilidade e na indiferença

social. Neste contexto, as relações socioespaciais são esgarçadas e cada lado, a

favela e a cidade, se mune um contra o outro.

Mediante o conflito social expresso na fragmentação das relações

socioespaciais, onde o narcotráfico se impõe como regulador de territórios, na

ambivalência do papel do Estado e numa sociedade ausente e mesmo indiferente

aos seus problemas sociais, que tipo de identidade cria-se no Brasil nesta

contraposição da população, nas “forças do bem” contra “as forças do mal”? Este

cenário é mais um entre tantos outros que levaram à descrença nas

potencialidades de real transformação do Estado, na integração de sua população?

Ou antes, esta é a situação sinalizada por Stuart Hall (2014), um Estado incapaz de

prover os direitos de seus cidadãos, justificando, dessa forma, o surgimento das

identidades híbridas e o fortalecimento de movimentos regionais, culturais e étnicos

diante das deficiências sociais do país?

Anteriormente, havíamos refletido sobre a importância da autoidentidade,

como o reconhecimento (tecnologia de si) e o engajamento do indivíduo

possibilitam um posicionamento frente à sua realidade. Todavia, há um risco

inerente neste processo, pois a “identidade é uma luta simultânea contra a

dissolução e a fragmentação; uma intenção de devorar e ao mesmo tempo uma

recusa resoluta a ser devorado” (BAUMAN, 2005, p. 84). 40

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Por fim,

Não importa o quanto tentemos estender a nossa imaginação, a luta da humanidade por autoafirmação não parece fácil, muito menos uma conclusão inevitável. Sua tarefa não é apenas repetir mais uma vez o realizado muitas vezes ao longo da história da espécie humana: substituir uma identidade mais estrita por outra, mais inclusiva, e afastar a fronteira da exclusão. O tipo de desafio enfrentado pelo ideal de “humanidade” não foi confrontado anteriormente, pois uma “comunidade plenamente inclusiva” jamais esteve na ordem do dia. Esse desafio deve ser enfrentado hoje por uma espécie humana fragmentada, profundamente dividida, desprovida de todas as armas, exceto o entusiasmo e a dedicação de seus militantes (BAUMAN, 2005, p.86).

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2. O Complexo do Alemão

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2.1. O espaço do poder e o poder do espaço

Nós mete bala, nunca corre/ Joga a bomba e não se esconde/ E se o bagulho fica doido geral fica e ninguém some/ Nós mete bala, nunca corre/ Joga a bomba e não se esconde/ E se o bagulho fica doido geral fica e ninguém some/ Dia 1° de maio/ começou uma operação aqui no complexo da penha e no complexo do Alemão/ Caverão, blazer do BOPE, e da força nacional/ Vai um toque pros amigos desintoca o arsenal/ Ponto 30 e meiota, fap sig e g3/ A reserva dos m.m é guerra pra mais de um mês/ Cu azul meu papo é reto/ Ouça bem o que eu te digo/ Olha nem dentro do blindado vocês ficam protegidos/ Vocês leram no jornal/ Também viram na TV.../ Os amigos aqui dá Penha botando os verme pra correr/ Na grota o bagulho é doido/ Porra é fora do normal/ Passaram mais de 5 anos pra pisar lá no areal/ Mais se liga seu três cu e também seus a.d.a/ Tamô trocando aqui com a BOPE para depois te caçar/ Nós mete bala, nunca corre/ Joga a bomba e não se esconde/ E se o bagulho fica doido geral fica e ninguém some/ 157 vai na pista só para trazer os carros/ Quando chega na chatuba/ Joga os carro atravessado/ Isso é guerra civil e eu não tô de bobeira/ Pra dificulta a entrada eu jogo óleo na ladeira/ Bateu no trilho, escorrega é melhor voltar de ré/ Porque os manos tão na laje com a 30 no tripé/ Mais se liga cú azul você tá na minha visão/ Se tentar tirar o trilho eu vou dá tiro no bujão/ Só quem é cria do bagulho, sabe o que que aconteceu?/ E todos os manos que morreram com certeza estão com Deus/ Nós mete bala, nunca corre/ Joga a bomba e não se esconde/ E se o bagulho fica doido geral fica e ninguém some/ Nós mete bala, nunca corre/ Joga a bomba e não se esconde/ E se o bagulho fica doido geral fica e ninguém some”.

Mc Smith, Mega Operação

Michel Foucault (1984) foi muito preciso em suas observações, proferidas no

Cercle d'Études architecturales, em 14 de março de 1967, ao indicar que a

obsessão do século XX (e ainda hoje) seria o espaço. Na atual etapa do

desenvolvimento humano, onde o globo terrestre foi completamente mapeado e

satélites investigam e registram diariamente os cantos mais longínquos do planeta,

a menor das parcelas do espaço é objeto de uma intenção. No entanto, cada uma

destas parcelas, naturalmente, possui um valor diferente, pois há no espaço uma

hierarquia de importância.

Seguramente, se trouxermos a ideia de hierarquização dos espaços para a

cidade do Rio de Janeiro, verificaremos, sem nenhuma surpresa, que as Unidades

de Pacificação estão concentradas nas áreas centrais e de maior valor econômico

da cidade, algo que de fato se constata (MAPA 1).

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MAPA 1 – Localização das UPP. Fonte: Unidade de Polícia Pacificadora – UPP. Organização:

Ricardo Freitas

Através deste mapa, podemos verificar que a localização das UPPs é

nitidamente seletiva (FIGURA 1). Elas contemplam as seguintes regiões:

a) Zona Sul, área turística e bairros de classe média-alta;

b) O Centro da cidade, com intensa atividade comercial e de serviços, além de

uma elevada população flutuante;

c) Uma região específica na Zona Norte que se conhece como “Cinturão da

Tijuca” (CANO, 2012).

FIGURA 1 – Unidades de Polícia Pacificadora no entorno do Maracanã. Fonte: Ignácio Cano.

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Segundo o sociólogo Ignácio Cano, responsável pelo Laboratório de Análise da

Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Na Zona Oeste, existem apenas duas unidades. A UPP da Cidade de Deus foi criada em fevereiro de 2009, a segunda unidade em ordem cronológica, aparentemente aproveitando a iniciativa de um comandante local. A UPP do Jardim Batam foi criada pelo estado como resposta ao impacto público da atuação de milícias nesse local, que chegaram a torturar jornalistas que estavam fazendo uma matéria para o jornal ‘O Dia’ em 2008. Fora estas duas UPPs da Zona Oeste, que respondem a circunstâncias particulares, o resto das unidades parece seguir uma estratégia de pacificação de amplos territórios contíguos no Sul, no Centro e na Tijuca. Dessa forma, parece evidente que a seleção dos locais foi fortemente influenciada pela celebração dos grandes eventos na cidade, marcadamente a Copa do Mundo de 2014, incluindo a área em torno do estádio e as zonas turísticas e de grande circulação (CANO, 2012, p.25).

A valorização imobiliária é outro fator ao qual devemos ressaltar, se

tomarmos, por exemplo, como referência, o período de 2006 a 2011, nos bairros

Copacabana, Leme, Botafogo, Jacarepaguá e Ipanema, teremos variações nos

preços dos imóveis, que chegam até 139,17% (Quadro 1), cifras que seguramente

expressam o valor do uso do solo e sua hierarquia.

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Quadro 1 – Variação no valor das vendas de imóveis nos bairros Copacabana/Leme, Botafogo,

Jacarepaguá e Ipanema, período de 2006 a 2011. Fonte: Secovi Rio. Todavia, se, ao invés dos índices econômicos, os de criminalidade fossem

utilizados como critério para implantação das UPPs, uma mensagem muito

diferente seria redigida pelo governo. Teríamos, então, que quanto maior fosse o

índice de violência, mais o narcotráfico estaria ameaçado de perder seus territórios

(CANO, 2012). Dessa forma, conforme os dados apresentados nos mapas abaixo,

seguramente teríamos uma outra localização das UPPs (Mapas 2 e 3).

MAPA 2 – Número Total de Homicídios (2004-2008). Fonte: IBGE.

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MAPA 2 – Taxa de Homicídios por 100.000 habitantes (2004-2008). Fonte: IBGE

Lançada a problemática exposta acima, iremos, neste capítulo, nos

aprofundar na análise sobre as UPPs e os impactos inerentes à sua instalação,

principalmente no que se refere ao Complexo do Alemão (FIGURA 2), objeto desta

pesquisa. No capítulo anterior, havíamos enfatizado, em diversos momentos, a

relação existente entre território e identidade. Neste, por sua vez, traremos à

discussão a relação simbiótica entre o território e o poder.

Mas, inicialmente, antes de tratarmos especificamente das UPPs, traremos

algumas informações sobre a origem do Complexo do Alemão e seu

desenvolvimento. Conforme o site oficial da UPP Social (2014), o Complexo do

Alemão é composto por 15 comunidades, sendo elas:

• Itararé;

• Joaquim de Queiróz; Mourão Filho;

• Nova Brasília;

• Morro das Palmeiras;

• Parque Alvorada;

• Relicário;

• Ademas;

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• Vila Matinha;

• Morro do Piancó;

• Morro do Adeus;

• Morro da Baiana;

• Estrada do Itararé;

• Morro do Alemão;

• Armando Sodré.

FIGURA 2 – Delimitação do Complexo do Alemão. Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro.

Organização: Instituto Pereira Passos.

O nome do Morro do Alemão ou Complexo do Alemão, conforme o Instituto

Pereira Passos (2014), é um resquício da história de seu antigo dono, o fazendeiro

e polonês Leonard Kaczmarkiewicz. Suas terras iam da Travessa Laurinda ao

Largo do Itararé. O fazendeiro ganhou o apelido na década de 1920, ao chegar na

Serra da Misericórdia, na Zona da Leopoldina, então zona rural da cidade. Após a

abertura da Avenida Brasil, em 1946, e a gradual transformação da região em polo

industrial, trabalhadores e imigrantes nordestinos foram atraídos para o local. Em 48

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1951, Leonard Kaczmarkiewicz se desfez de sua fazenda e esta passou a ser

ocupada imediatamente por trabalhadores da Companhia Algodoeira Fernandes

S/A. O povoamento foi acelerado principalmente nas comunidades de Joaquim de

Queiroz e Nova Brasília, tendo um dos seus ápices na década de 1950

(INSTITUTO PEREIRA PASSOS, 2014). Sobre o Parque Alvorada, situado no

Morro das Palmeiras e no Morro da Baiana, também integrantes do Complexo, este

crescimento vertiginoso só ocorreu no final da década de 1970 e início da década

de 1980 (UPP, 2014).

No entanto, somente em 1993 o Complexo do Alemão foi reconhecido como

bairro (IPEA, 2013), ocupando uma área de 186 hectares, habitada por 56 mil

pessoas e com densidade de 302 habitantes por hectare, isto é, quase seis vezes

superior à densidade média do município do Rio de Janeiro, de 49 habitantes por

hectare. Dados do Censo das Favelas (2008/2009), realizado pelo Escritório de

Gerenciamento de Projetos do Governo do Estado do Rio de Janeiro (EGP-Rio),

estimam que a população do Complexo do Alemão supere as 85 mil pessoas,

número que superaria o da Favela da Rocinha, a maior do Rio de Janeiro (IBGE,

2010). Todavia, segundo o Censo Demográfico de 2010 (TABELA 01), este número

seria em torno de 60 mil pessoas.

TABELA 01 – População, Domicílios, Habitantes por Domicílio, Área e Densidade

Demográfica segundo as Comunidades do Complexo do Alemão e Município do

Rio de Janeiro.

Comunidades População (1) Domicílios (1)

Habitantes por

Domicílio Área (m²) (2)

Densidade demográfica

(hab/ha) Estrada do Itararé 75 22 3,41 2.370 316,5 Itararé 1.568 505 3,10 43.759 358,3 Joaquim de Queiróz 6.995 2.090 3,35 157.628 443,8 Morro da Baiana 2.086 669 3,12 40.459 506,2 Morro das Palmeiras 2.138 688 3,11 105.361 202,9 Morro do Adeus 1.102 345 3,19 49.413 224,2 Morro do Alemão 14.413 4.138 3,48 545.960 280,3 Rua Armando Sodré 676 194 3,48 17.373 389,1 Morro do Piancó 1.166 344 3,39 55.423 242,4 Mourão Filho 1.336 443 3,02 18.082 738,8 Nova Brasília (RA - Alemão) 18.744 5.750 3,26 344.813 561,5

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Parque Alvorada 8.912 2.641 3,37 322.729 276,7 Relicário 83 24 3,46 43.932 18,7 Rua 1 pela Ademas 40 14 2,86 4.857 82,4 Vila Matinha 1.221 359 3,40 68.980 176,6 Total 60.555 18.226 3,32 1.771.563 341,8 Rio de Janeiro (3) 6.320.446 2.146.340 2,94 570.917.463 110,7

Fonte: (1) Instituto Pereira Passos, com base em IBGE, Censo Demográfico (2010). (2) Instituto

Pereira Passos. (3) Censo Demográfico IBGE (2010).

O Complexo do Alemão, assim como grande parte das favelas do Rio de

Janeiro, também teve uma apropriação progressiva do seu espaço físico e

estrutura social pelo tráfico de drogas. Dessa forma, a mercantilização da cocaína

no circuito do tráfico de drogas altera tantos as relações sociais existentes no

morro como a rentabilidade e, consequentemente, o armamento para proteção

deste mercado (território).

Em suma, a partir do momento que o tráfico de drogas se impõe como

regulador destes espaços, controlando acessos e delimitando “fronteiras”,

regulando comportamentos, ele se contrapõe ao Estado, gerando inerentemente

o conflito. Contudo, não é qualquer favela que adquire o status de “território”; é

necessária uma condição: o choque de poderes, que o território legitimado seja

contestado por outro tipo de “poder”. Segundo Marcelo Lopes de Souza, “todo

espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do

quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até os blocos constituídos

pelos países da OTAN” (Souza, 2001, p.11). Além do mais, Rogério Haesbaert

também enfatiza este ponto: o conceito de território e territorialidade está associado ao controle de acessibilidade, ou seja, de maneira muito simples, qualquer parcela do espaço que tenha seu acesso controlado se transforma em um território (HAESBAERT, 1986, p. apud Robert Sack).

E nos adverte,

O território não deve ser entendido, como ainda hoje muitas vezes o é, como sinônimo de “espaço geográfico” em geral. Um território é um espaço social qualificado, em primeiro lugar e acima de tudo, pela dimensão de poder. Ele constitui uma espécie de “campo de força”, que corresponde às relações de poder (exercícios de poder estatal ou não, duradouro ou efêmero, heterônomano ou autônomo) referidas a um espaço material (e a identidades e ideologias socioespaciais) específico (HAESBAERT, 2010, p.124).

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Entretanto, no que se refere ao poder, como abordá-lo? Conforme Michel

Foucault, o poder é um conjunto de ações sobre ações possíveis, ele opera sobre o campo de possibilidades aonde se vêm inscrever o comportamento dos sujeitos atuantes: ele incita, ele induz, ele alarga ou limita, ele torna mais ou menos provável; no limite ele constrange ou impede completamente; mas ele é sempre uma maneira de agir sobre um/ou sobre sujeitos atuantes, enquanto eles agem ou são susceptíveis de agir. Uma ação sobre ações (Foucault, 1967, p.3).

Foucault nos chama a atenção, assim, para um aspecto importante das

relações de poder, que o mesmo não seria capaz de se manter somente através

da repressão: é necessário que ele permita também, que crie novas relações

(FOCAULT, 2010), isto é, mesmo no uso arbitrário da violência pelos traficantes e

até policiais, outras relações são permitidas; mais do que isso, estimuladas. A

corrupção praticada por muitos policiais, os elementos de sedução dos traficantes

à população das favelas e a ambivalência do Estado, na precarização das

condições de vida dos morros, constituem bons exemplos das relações

contraditórias do poder.

Todavia, a análise de Foucault sobre os artifícios do poder não se limita

apenas ao binômio permissão/repressão. O autor destaca, de maneira quase

ímpar, para a compreensão da “microfísica do poder” e da importância de se

enxergar o poder (e a ideia de poder) para muito além do Estado, por exemplo, o

controle do cotidiano e do espaço (FOUCAULT, 2012).

A fim de analisarmos esta característica do poder, consideremos a rotina

das unidades de pacificação instaladas no Complexo. Em entrevista com o

Comandante S. D. Volotão, responsável pela área de Mediação de Conflitos, da

UPP Fazendinha, localizada no Complexo do Alemão, temos que situações

tipicamente cotidianas passaram a ser resguardadas às ações da UPP:

O que não é crime, a polícia militar tenta resolver de forma pacífica, numa sala, conversando, sem ter que ir para delegacia. Por exemplo: conflito entre moradores. Um vizinho jogou lixo no quintal do outro, a UPP entra em ação e conversa com estas pessoas, como se fossem um síndico que preza pela boa convivência. Do acordo entre as partes envolvidas é gerado um documento por escrito descriminando o ocorrido e os mesmos assinam comprovando a aceitação de “trégua”. Depois, este acordo é enviado ao Ministério Público que irá homologar este acordo. Tendo

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valor judicial (Comunicação pessoal, 2013).

A vigilância é o governo da espécie humana (História da Loucura, 1987; O

Nascimento da Clínica, 1973; Vigiar e Punir, 1975), isto é, o poder disciplinar visa a

“construção de um ser humano que possa ser tratado como um corpo dócil”

(DREYFUS & RABINOW, 1982, p.135 apud FOUCAULT). A vigilância ou o

policiamento ostensivo tornam-se um mecanismo central das ações da UPP. Nas

palavras do próprio Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José

Mariano Beltrame, a pacificação se divide em duas ações: a segurança pública da

cidade e o policiamento dos morros (UPP, 2014).

Michel Foucault observara também que o poder disciplinar, mesmo aplicado

às coletividades, tinha a capacidade de “individualizar” o sujeito:

Num regime disciplinar, a individualização é descendente. Através da vigilância, da observação constante, todas aquelas pessoas sujeitas ao controle são individualizadas... O poder não apenas traz a individualidade para o campo da observação, mas também fixa aquela individualidade objetiva no campo da escrita. Um imenso e meticuloso aparato documentário torna-se um componente essencial do crescimento do poder. Essa acumulação de documentos individual num ordenamento sistemático torna “possível a medição de fenômenos globais, a descrição de grupos, a caracterização de fatos coletivos, o cálculo de distâncias entre os indivíduos, sua distribuição numa dada população (DREYFUS & RABINOW, 1982, p.159, apud FOUCAULT).

As preocupações com a segurança pública são tão vitais à sociedade quanto

a educação, a saúde, o emprego, etc. No entanto, o que questionamos, através da

reflexão desenvolvida até o momento, não é simplesmente o combate ao crime,

mas sim a forma que as medidas de segurança estão sendo executadas. Marcelo

Lopes de Souza, em diversos de seus trabalhos (2008; 2009; 2010), tem enfatizado

que “está em curso uma verdadeira ‘militarização do quotidiano’, ou, mais

precisamente, uma ‘militarização da questão urbana” (SOUZA, 1993, p.339).

Condomínios fechados; grades e muros; equipamentos de alta tecnologia aplicadas

à segurança; uma polução ávida por mais e mais policiamento, tornaram-se, ao que

parece, o único paradigma da segurança pública.

A curto prazo, tais medidas somente mascarariam os reais problemas de um

país semiperiférico como o Brasil, imerso numa série de entraves sociais históricos.

A médio e longo prazos, teríamos cada vez mais o esgarçamento das relações

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socioespaciais, onde o espaço dos ricos se contrapõe ao dos pobres, com cidades

e seus espaços públicos esvaziados, restando que o convívio social se resuma a

lugares específicos (LOPES, 2008), geralmente mediados pelo valor de troca.

Novamente retomando as palavras do Secretário de Segurança Pública do

Rio de Janeiro, se a pacificação se resume à segurança pública da cidade e ao

policiamento dos morros, corremos um sério risco de perpetuarmos ainda mais a

cisão entre a cidade e a favela. A favela não pode ser vista como uma “fronteira” a

ser vigiada e controlada, ela não é uma heterotopia que se contrapõe à cidade, mas

o contrário: é seu produto. Portanto, a militarização da questão urbana deveria

suscitar outros debates num país democrático como o Brasil. A segurança pública,

certamente, nunca será uma questão meramente policial (ou econômica).

Entre estes debates, quase sempre sublimados, há algo que poderíamos

aprender com a obra de Giorgio Agamben. O livro “Estado de Exceção” (2004), do

filósofo e advogado italiano, se dedica à análise do estado de exceção nos países

europeus e nos Estados Unidos, contudo, mesmo em suas particularidades,

podemos estabelecer alguns paralelos com a realidade vivida nos morros através

do processo de pacificação. Agamben verifica que o estado de exceção se tornou

um paradigma de governo nas sociedades democráticas ocidentais (2004). Quando

dos Atentados de 11 de Setembro, nos Estados Unidos, e das suas consequências

na política interna e externa deste país, Agamben analisa:

O significado mediamente biopolítico do estado de exceção como estrutura original em que o direito inclui em si o vivente por meio de sua própria suspensão aparece claramente na “military order”, promulgada pelo presidente dos Estados Unidos, no dia 13 de novembro de 2001, e que autoriza a “indefinite detention” e o processo perante as “militarey commisions” (não confundir com os tribunais militares previstos pelo direito de guerra) dos não cidadãos suspeitos de envolvimento em atividades terroristas. Já o USA Patriot Act, promulgado pelo Senado no dia 26 de outubro de 2001, permite ao Attorney general “manter preso” o estrangeiro (alien) suspeito de atividades que ponham em perigo “a segurança nacional dos Estados Unidos”; mas, no prazo de sete dias, o estrangeiro dever ser expulso ou acusado de violação da lei sobre a imigração ou de algum outro delito. A novidade da “ordem” do presidente Bush está em anular radicalmente todo estatuto jurídico do indivíduo, produzindo, dessa forma, um ser juridicamente inominável e inclassificável. Os talibãs capturados no Afeganistão, além de não gozarem do estatuto de POW (prisioneiro de guerra) de acordo com a Convenção de Genebra, tampouco gozam daquele de acusado segundo as leis norte-americanas. Nem prisioneiros nem acusados,

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mas apenas detainees, são objeto de uma pura dominação de fato, de uma detenção determinada não só no sentido temporal mas também quanto à sua própria natureza, porque totalmente fora da lei e do controle judiciário (2004, p.14).

Certamente, não queremos concluir/induzir que as situações indicadas por

Agamben seriam as mesmas do Complexo do Alemão após a pacificação.

Entretanto, o estado contínuo de vigilância e os excessos dos policiais, que, muitas

vezes, exercem também o “papel de judiciário”, tomam proporções onde o sujeito (e

suspeito) exposto a este ambiente se reduz ao objeto de uma pura dominação, não

só no sentido temporal, mas também quanto a sua própria natureza (AGAMBEN,

2004). Além disso, outro aspecto importante da reflexão de Giorgio Agamben é o

surgimento de medidas que, em outras situações, jamais seriam aplicadas – ou não

tão facilmente. Sem os atentados de 11 de setembro, o USA Patriot Act não seria

uma realidade. A crise é um campo fértil para ações extremas.

Contudo, os discursos oficiais ressaltam que as UPPs representam tanto

uma forma de combate ao crime como uma ação de aproximação com a

população. A nova formação de policiais atuantes nos morros tem como princípio

uma ação pautada na comunicação e no bom relacionamento com a população

(UPP, 2012). Além do mais, segundo o Comandante Geral da Polícia Militar,

Coronel José Luís Castro,

a UPP é hoje a principal ferramenta que a PM tem para se aproximar da sociedade. Estamos conseguindo reverter um quadro histórico de muitos anos e o policial que ali atua tem um papel fundamental. Queremos isso: um policial atuante, próximo da comunidade (UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA, 2014).

Por outro lado, no que se refere à formação desta nova força policial, ainda

encontramos muitas questões em aberto, inclusive a própria definição-delimitação

das UPPs é vaga. A regulamentação e as metas das UPPs estão brevemente

definidas nos seguintes documentos:

• Decreto-lei nº 41.650, de 21 de janeiro de 2009;

• Decreto-lei nº 41.653, de 22 de janeiro de 2009,

• Nota nº 202 do Boletim da Polícia Militar, de 5 de fevereiro de 2009;

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• Nota 0042, de 31 de julho de 2009;

• Decreto-lei nº 42.787, de 6 de janeiro de 2011, promulgado pelo

governador .

O Decreto-lei nº 41.650, de janeiro de 2009, estabelece, como as principais

etapas da pacificação:

a) Intervenção Tática;

b) Estabilização;

c) Implantação da UPP;

d) Avaliação e monitoramento.

No entanto, para além destas etapas, o que se tem verificado é que as ações

das UPPs estão se construindo no dia a dia, visto que a realidade das favelas se

apresentou muito mais complexa do que foi prévia e genericamente prevista. Não

obstante, cabe salientar, as favelas do Rio de Janeiro são bem diversas uma das

outras. Homogeneizá-las é um grave erro. As UPPs da Zona Sul tiveram mais

resistência em sua implantação, motivo este que podemos compreender na

presença mais violenta da polícia. O morro de Santa Marta é um caso emblemático

(UPP, 2014): devido sua proximidade com a cidade e localização estratégica, o

histórico de intervenções policiais se fez muito mais presente do que na Zona

Norte.

Acrescente-se a este cenário o treinamento bastante deficiente dos policiais

que atuam nos morros. Em entrevistas com os policiais das unidades do Complexo

do Alemão, eles nos informaram que houve algumas tentativas de modificação,

mas o treinamento para a UPP tem duração, no máximo, de uma ou duas

semanas. As condições para os policiais são muito precárias: em muitas

comunidades, eles ainda estão em contêineres, com condições muito ruins.

Também nos informaram que nem sempre há equipamentos ou armamento

adequados para todos; entretanto, mesmo que não haja colete à prova de balas em

número suficiente para todos, eles são obrigados a sair das unidades para

vigilância dos morros. As metas e as bonificações foram avaliadas pelos policiais

entrevistados como insuficientes ou irrisórias.

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Assim, considerando a falta de sustentabilidade de escala da pacificação,

uma lógica de implementação baseada em critérios de especulação imobiliária e

critérios econômicos, além da rearticulação do crime em comunidades mais

afastadas, o projeto das UPPs não teria se limitado a uma forma de jogar a “sujeira

para debaixo do tapete”?

Frisamos, a questão das UPPs vai além de um aspecto meramente de

segurança pública: está relacionada ao tipo de projeto de cidade que o governo

tem; de um lado, tornar o Rio de Janeiro um centro internacional de turismo e, do

outro, de negócios e comércio. Todavia, este projeto de cidade “esqueceu”

justamente as áreas mais violentas, restando que as populações mais afastadas

convivam com altos índices de violência e precariedade de infraestrutura.

No entanto, em algum momento, estes espaços emergirão, sejam como

espaços reservas à especulação imobiliárias ou como territórios controlados pelo

crime.

2.2. A caverna e suas sombras I

Será a cidade apenas a periferia de si mesma? Fora da cidade existe de fato um lado de fora?

Ítalo Calvino, Cidade Invisíveis.

Ao visitarmos a base fixa da UPP Fazendinha no Complexo do Alemão,

temos uma ampla visão do conjunto de morros que compõe o mesmo e as

estações do sistema de teleféricos (FIGURA 2). Do topo, visualizamos moradores e

transeuntes, casas e barracos, ruas e vielas, policiais e turistas; neste extremo, o

olhar captura a paisagem em quase sua plenitude.

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Figura 2 – Complexo do Alemão mais as estações que compõem o sistema teleférico. Fonte:

SUPERVIA (2014.

Jeremy Bentham e Michel Foucault eram unânimes num ponto: o

reconhecimento da potencialidade do olhar. Para eles, a visão e o vigiar são

processos simbióticos, o jogo do olhar se constitui “num aparelho onde as técnicas

que permitam ver induzam a efeitos de poder” (FOUCAULT, 2012, p.165). Embora

possa se constatar diferenças entre o Panóptico, desenvolvido por Bentham e

posteriormente estudado por Foucault nas prisões e demais espaços disciplinares,

encontramos algumas similaridades nas bases das UPPs: a vigilância.

A descrição de Jeremy Bentham sobre o Panóptico pode ser assim

resumida:

Panóptico ou a casa de inspeção

Aplicação:

A qualquer sorte de estabelecimento, no qual pessoas de qualquer tipo

necessitem ser mantidas sob inspeção: em particular às casas penitenciárias,

prisões, casas de indústria, casas de trabalho, casas para pobres, manufaturas,

hospícios, lazaretos, hospitais e escolas (BENTHAM, 2008).

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Dessa forma, o Panóptico era, conforme Foucault, uma descoberta

tecnológica do poder própria para resolver os problemas de vigilância (FOUCAULT,

2012). Mas, o pensador francês ressaltava que os procedimentos de poder

colocados em práticas nas sociedades modernas são bem mais numerosos,

diversos e ricos (FOUCAULT, 2012). Para Foucault (2012), desde o século XVIII,

uma nova forma (racionalidade) de arquitetura se apropria do espaço. A arquitetura

não se resume mais a ser vista (obras monumentais) ou para vigiar espaços

exteriores (fronteira e limites), mas para permitir um controle interior, articulado e

detalhado (FOUCAULT, 2012).

Previamente, havíamos discutido que o processo de pacificação,

diferentemente de outras investidas do Estado, teve como inovação uma análise

geopolítica destes espaços e uma ação ostensiva da polícia com amplas

estratégias militares. Estas estratégias se iniciaram meses antes da ocupação,

tendo a infiltração de policiais nas favelas, o mapeamento das principais vias de

acesso, os pontos de observação, e, finalmente, a ação de ocupação.

Este novo item, a ocupação, associada a um estado permanente de

vigilância, possibilitou uma nova forma de organização das favelas. Com o

narcotráfico, diversos morros tornaram-se “espaços desconhecidos”. Os morros

Pavão-Pavãozinho e Cantagalo são emblemáticos neste ponto: antes da

pacificação, não possuíam CEP e a população residente era uma mera estimativa

dos órgãos oficiais, visto que não havia nenhum censo quantificando-a (RIOTOUR,

2013). Outro ponto importante que temos de destacar é que a ocupação policial

viabilizou a construção de obras de infraestrutura e transporte, gerando uma

“abertura das favelas”. Nos morros acima, temos a criação da estação de metrô

General Osório, integrante da expansão das linhas da zona sul (SUPERVIA, 2013)

e ao mesmo conectada com o Mirante da Paz (ponto turístico e observatório da

UPP), a partir do qual podemos visualizar tanto a Lagoa Rodrigo de Freitas como a

praia de Ipanema.

No Complexo do Alemão, a maior obra de infraestrutura desenvolvida foi o

sistema de teleférico, que contempla seis estações. A obra foi executada com

recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (PAC, 2014), sendo a

responsabilidade de construção do consórcio Rio Melhor, liderado pela construtora

Norberto Odebrecht e que inclui ainda as empresas OAS e Delta. O sistema é 58

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operado pela Supervia (SUPERVIA, 2014), concessionária dos trens metropolitanos

do Rio de Janeiro. Conforme o site oficial da operadora, as estações são:

• Bonsucesso/Tim Uma estação intermodal é situada no centro do bairro, sendo integrada com o meio de transporte ferroviário, além de servir de instrumento de revitalização urbanística para a localidade. Essa estação abriga um posto da RioCard, para que os moradores do Complexo do Alemão possam se cadastrar e ter o direito às duas gratuidades por dia no Teleférico. • Adeus Localizada em uma das comunidades mais importantes do complexo, onde antes só havia acesso por intermédio de escadarias. Esta estação conta com uma agência do Banco do Brasil e caixas eletrônicos da Caixa Econômica Federal e do Banco Bradesco. • Baiana Trata-se da estação motriz de todo o sistema. Localizada no bairro de Ramos, é o “coração” motor do teleférico. Abriga um posto de orientação urbanística e social da prefeitura (Pouso) e um caixa eletrônico da Caixa Econômica Federal. • Alemão/Kibon Situada na comunidade que batiza o complexo, essa estação abriga vários equipamentos sociais: o centro de referência da juventude (CRJ), o centro de referência da assistência social (CRAS), um posto de atendimento do INSS e uma agência dos Correios. • Itararé Mais uma das estações intermediárias inseridas no cerne da comunidade. Esta estação promove a integração com o conjunto habitacional da Poesi, na Estrada do Itararé, bem como o Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes, além de ceder espaço a um posto do Educamais, do SESI, em ação que oferece diversos cursos para a comunidade. • Palmeiras Estação final ou de retorno do teleférico, localizada no bairro de Inhaúma; possui uma visão fascinante do Complexo do Alemão. Nela há um grande espaço destinado à formação de um centro cultural, com auditório, biblioteca, entre outros (SUPERVIA, 2014).

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Conforme dados disponibilizados no portal da Supervia (2014), temos que,

desde a inauguração das estações, 9 milhões de pessoas transitaram pelo

Complexo do Alemão. Um número ao qual não podemos estabelecer nenhuma

comparação com dados anteriores à pacificação, visto que não há informações ou

levantamentos disponíveis para este período. No entanto, seguramente, trata-se de

um contingente considerável de pessoas circulando em um espaço até pouco

tempo evitado – ou mesmo descartado do restante da cidade. A nova estratégia

para ocupação dos morros se consolida, portanto, através da circulação de

pessoas e da vigilância.

Por outro lado, esta ocupação não se mantém sem conflitos, seja mediante

as questões cotidianas de coexistência entre policiais e a população ou por meio de

trocas de tiros recorrentes com os traficantes que perderam seu território. Assim,

mesmo “pacificado”, a pressão ainda é constante. Apesar de muitos moradores não

acreditarem que o narcotráfico retome o Complexo, eles julgam que ainda haverá

muitos conflitos: “a paz não virá sem muito sangue, o nosso sangue”.

Além disso, a abertura do Complexo não foi apenas à circulação de pessoas.

Diversos serviços estão sendo aplicados, ou regularizados, no morro. Quando do

desenvolvimento desta pesquisa, os dados oficiais sobre a regularização de

saneamento básico e energia elétrica ainda não estavam concluídos, bem como as

taxas de investimentos de entidades como SEBRAE, FGV, SENAC, entre outras.

Mas, seguindo o modelo de outras UPPs mais antigas, o Complexo do Alemão

também tem recebido investimentos similares. Entretanto, os moradores,

principalmente os pequenos comerciantes, têm visto com desconfiança estes

investimentos.

Se usarmos o caso do morro de Santa Marta, temos que, desde sua

pacificação, diversos suportes sociais econômicos (mais intensamente) foram

providenciados por ONGs, empresas privadas e o próprio Estado. Diversos

estabelecimentos locais, tais como salão de cabelereiro, mercearias e padarias,

foram regularizados e receberam treinamento visando a qualificação e a

produtividade (FGV, 2014). No entanto, muitos dos serviços locais, ao serem

inseridos num mercado mais amplo e na tributação, não puderam se manter, pois,

mesmo com baixos lucros e pouca rentabilidade podiam ser compensados pelo

baixo custo de operação; contudo, inseridos na lógica formal, muitos não tiveram 60

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outra alternativa a não ser fechar as portas. E este é um receio de muitos pequenos

comerciários do Complexo. Outro ponto importante: com uma infraestrutura

melhorada, meios de transporte, além da pacificação, os preços dos imóveis

aumentaram, seja para compra ou aluguel. Esta valorização, irrisória se comparada

ao restante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, tem se tornado um entrave

para muitas famílias pobres, que, como sabemos, recorreram a esses lugares pelo

preço do solo urbano ainda acessível.

Em contato com membros da Central Única das Favelas (CUFA), eles

disseram que em muitas favelas está ocorrendo uma “expulsão branca”. Antigos

moradores, em sua maioria famílias pobres, estão perdendo espaço para uma

população de classe média baixa à procura de espaços mais baratos na cidade ou

uma bela vista. Este processo, guardadas as devidas proporções, se assemelha ao

que está ocorrendo na região do Brooklyn nos Estados Unidos: a gentrificação. A

palavra gentrificação (do inglês gentrification) pode ser entendida como o processo

de mudança imobiliária, nos perfis residenciais e nos padrões culturais, seja de um

bairro, de uma região ou de uma cidade. Esse processo envolve necessariamente a

troca de um grupo por outro com maior poder aquisitivo em um determinado espaço

e que passa a ser visto como mais qualificado que o outro. O termo foi criado e

popularizado por Ruth Glass, em 1963, (THE GUARDIAN, 2014) ao analisar

mudanças urbanas em Londres. Um termo pertinente à nossa análise, ilustrando

que, num modelo de cidade turística, voltada a grandes eventos mundiais (Copa e

Olimpíadas), o acesso ao solo transforma-se numa mercadoria de luxo,

consequentemente restrita a poucos.

Temos ciência de que o Complexo do Alemão localiza-se na zona norte e, ao

contrário das favelas da zona sul, suas áreas (ainda) não são tão visadas. No

entanto, com uma população historicamente segregada, mantida em constante

vigilância, situada no conflito, mesmo que intermitente na atualidade, entre polícias

e traficantes, uma outra forma ou possibilidade de cidade precisa ser posta em

ação, do contrário, estaremos presos aos resultados obtidos na Reforma Passos,

na Revolta da Vacina, na destruição do Morro do Castelo, isto é, estaremos

atacando os efeitos e não a causa do problema.

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3. Rio de Janeiro – Promessa (in)constante de vida urbana

Ou considerações finais

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Toda pessoa traz na imaginação uma cidade sem rosto e sem forma e cada cidade preenche esse vazio.

Ítalo Calvino, Cidade Invisíveis.

No portal da Unidade de Polícia Pacificadora (2014), há o depoimento do

Coordenador de Polícia Pacificadora, Coronel Luís Cláudio Laviano, que diz: "As

UPPs significam a esperança de um futuro melhor para a população do Rio de

Janeiro. É a certeza que estamos no caminho certo". Todavia, as UPPs são um

fenômeno relativamente jovem e seus impactos ainda são difíceis de serem

mensurados.

Além disso, as UPP não são um programa social, mas de segurança pública.

Não restam dúvidas, por outro lado, de que o crime e a violência devem ser

combatidos. Entretanto, se questiona a forma como estão sendo combatidos e

quais recursos a cidade terá, aliás, fornecerá à integração das favelas à vida

urbana.

A bandeira do Estado encontra-se hasteada nos morros, mas o

reconhecimento de sua presença e legitimidade necessitará de mais tempo. Mesmo

quando o estigma da criminalidade e da violência for solucionado, teremos de nos

preocupar com o estigma das diferenças sociais, ou antes de tudo, o primeiro só

poderá realmente ser concretizado quando este for resolvido, visto que não há

como desassociá-los: ambos se alimentam de uma única fonte.

No imaginário popular nacional, e até internacional, o Rio de Janeiro se

perpetuou como cidade maravilhosa e sua paisagem ressalta o adjetivo tão bem

empregado. No entanto, perguntamos: em que momento a bela cidade se

transformará também numa cidade justa?

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