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C AD . S AÚDE C OLET ., R IO DE J ANEIRO , 15 (2): 231 - 240, 2007 – 231 VIGILÂNCIA ENTOMOLÓGICA DOS VETORES DA DOENÇA DE CHAGAS NO MUNICÍPIO DE FARIAS BRITO, ESTADO DO CEARÁ – BRASIL Entomological surveillance of Chagas’ disease vectors in Farias Brito city, State of Ceará – Brazil Assilon Lindoval Carneiro Freitas 1 , Simone Patrícia Carneiro Freitas 2 , Teresa Cristina Monte Gonçalves 3 , Antônio Silva Lima Neto 4 RESUMO Este artigo tem por finalidade descrever a situação entomológica do Programa de Controle da Doença de Chagas Humana no município de Farias Brito, Estado do Ceará, no período 2001-2002. Dados secundários referentes à captura triatomínica de sete áreas do Programa Saúde da Família: Barreiro do Jorge, Carás dos Alcântaras, Cariutaba, Carnaúba dos Ribeiros, Monte Pio, Nova Betânia e Quincuncá são apresentados. Os resultados obtidos referentes à taxa de infestação, a dispersão e a distribuição geográfica das espécies possibilitaram avaliar a capacidade de colonização. Paralelamente, foi feita uma estimativa da prevalência dos índices de infecção natural dos triatomíneos pelo Trypanosoma cruzi. Das cinco espécies vetoras autóctones, Triatoma brasiliensis, Triatoma pseudomaculata, Panstrongylus megistus, Panstrongylus lutzi e Rhodnius nasutus, as duas primeiras são nativas, ubiqüistas, predominantemente peridomiciliares e de difícil controle. Um trabalho de vigilância epidemiológica de caráter contínuo se faz necessário, uma vez que a desativação regional da Fundação Nacional de Saúde impõe a absorção das atividades pelo município. PALAVRAS-CHAVE Hemíptera, Triatominae, saúde pública, doença de Chagas ABSTRACT The purpose of this article was to describe the entomological situation of the Human Chagas’ disease Control Program in the city of Farias Brito, State of Ceará, Brazil, in the period of 2001-2002. Data concerning the captures of triatomines in seven areas of the Family Health Program: Barreiro do Jorge, Carás dos Alcântaras, Cariutaba, Carnaúba dos Ribeiros, Monte Pio, Nova Betânia and Quincuncá are presented. The results concerning the infestation rates, dispersion and geographic distribution of the vectors make it possible to evaluate the level of settling capacity. Besides, an estimate of the prevalence of natural infection index of the triatomines for the Trypanosoma cruzi 1 Especialista em Gestão de Vigilância Ambiental em Saúde. 20 a Célula Regional de Saúde, Crato/CE. Endereço: Rua Professor Filgueira Sampaio, 310 – Crato – CE - CEP: 63.125-060 – E-mail: [email protected] 2 Doutora em Entomologia. Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal de Viçosa. 3 Doutora em Biologia Parasitária. Pesquisadora Titular do Setor de Morfologia e Ultra-estrutura de Artrópodes do Departamento de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz. 4 Mestre em Saúde Pública. Professor da Universidade de Fortaleza - UNIFOR.

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VIGILÂNCIA ENTOMOLÓGICA DOS VETORES DA DOENÇA DE CHAGAS NO MUNICÍPIO DE

FARIAS BRITO, ESTADO DO CEARÁ – BRASIL

Entomological surveillance of Chagas’ disease vectors in Farias Brito city,State of Ceará – Brazil

Assilon Lindoval Carneiro Freitas1, Simone Patrícia Carneiro Freitas2, TeresaCristina Monte Gonçalves3, Antônio Silva Lima Neto4

RESUMO

Este artigo tem por finalidade descrever a situação entomológica do Programa deControle da Doença de Chagas Humana no município de Farias Brito, Estado doCeará, no período 2001-2002. Dados secundários referentes à captura triatomínica desete áreas do Programa Saúde da Família: Barreiro do Jorge, Carás dos Alcântaras,Cariutaba, Carnaúba dos Ribeiros, Monte Pio, Nova Betânia e Quincuncá sãoapresentados. Os resultados obtidos referentes à taxa de infestação, a dispersão e adistribuição geográfica das espécies possibilitaram avaliar a capacidade de colonização.Paralelamente, foi feita uma estimativa da prevalência dos índices de infecção naturaldos triatomíneos pelo Trypanosoma cruzi. Das cinco espécies vetoras autóctones, Triatoma

brasiliensis, Triatoma pseudomaculata, Panstrongylus megistus, Panstrongylus lutzi e Rhodnius

nasutus, as duas primeiras são nativas, ubiqüistas, predominantemente peridomiciliarese de difícil controle. Um trabalho de vigilância epidemiológica de caráter contínuo sefaz necessário, uma vez que a desativação regional da Fundação Nacional de Saúdeimpõe a absorção das atividades pelo município.

PALAVRAS-CHAVE

Hemíptera, Triatominae, saúde pública, doença de Chagas

ABSTRACT

The purpose of this article was to describe the entomological situation of the HumanChagas’ disease Control Program in the city of Farias Brito, State of Ceará, Brazil, inthe period of 2001-2002. Data concerning the captures of triatomines in seven areas ofthe Family Health Program: Barreiro do Jorge, Carás dos Alcântaras, Cariutaba,Carnaúba dos Ribeiros, Monte Pio, Nova Betânia and Quincuncá are presented. Theresults concerning the infestation rates, dispersion and geographic distribution of thevectors make it possible to evaluate the level of settling capacity. Besides, an estimateof the prevalence of natural infection index of the triatomines for the Trypanosoma cruzi

1 Especialista em Gestão de Vigilância Ambiental em Saúde. 20a Célula Regional de Saúde, Crato/CE.Endereço: Rua Pro fessor F i lgue i ra Sampaio, 310 – Cra to – CE - CEP: 63.125-060 – E-mai l :ass i [email protected]

2 Doutora em Entomologia. Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal de Viçosa.

3 Doutora em Biologia Parasitár ia. Pesquisadora Titular do Setor de Morfologia e Ultra-estrutura deArtrópodes do Departamento de Entomologia do Instituto Oswaldo Cruz.

4 Mestre em Saúde Pública. Professor da Universidade de Fortaleza - UNIFOR.

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was obtained. Five species are considered autochthonous, Triatoma brasiliensis, Triatoma

pseudomaculata, Panstrongylus megistus, Panstrongylus lutzi and Rhodnius nasutus. The firsttwo are native, ubiquitous, mostly peridomiciliary and difficult to control. A continuousepidemiological surveillance becomes necessary as the regional deactivation of theNational Foundation of Health imposes the absorption of the activities by cityhealth department.

KEY WORDS

Hemiptera, Triatominae, public health, Chagas’ disease

1. INTRODUÇÃO

O Nordeste brasileiro é tido como uma macrorregião onde a doença deChagas ocorre endemicamente. Nele, diferentes sub-regiões fisiográficas comportamdiversas espécies de triatomíneos. O Estado do Ceará, com cobertura vegetalpredominante de caatinga, possui uma vasta área rural, com habitações humanasprecárias, propiciando abrigo a várias espécies de triatomíneos de importância nasaúde pública: Triatoma brasiliensis, Triatoma pseudomaculata, Panstrongylus megistus,Panstrongylus lutzi e Rhodnius nasutus.

Há muitos destaques históricos pertinentes à doença de Chagas no Nordeste.Segundo Alencar (1977), o conhecimento da existência no Ceará de condiçõesepidemiológicas adequadas ao desenvolvimento da doença de Chagas data de1921, quando Gavião Gonzaga verificou triatomíneos infectados no Cariri,Quixadá e Baturité. Entretanto, somente 21 anos depois foram diagnosticadas asprimeiras infecções humanas, quando realizadas no Cariri investigaçõesepidemiológicas por Albuquerque, Brito e Morais, e, no mesmo ano, por Pondé,Mangabeira e Jansen, com o encontro de seis casos todos comprovados porxenodiagnóstico. Neiva e Pinto, em 1923, registraram o Panstrongylus megistus naIbiapaba e, em 1922, o Triatoma brasiliensis, espécie também registrada por EvandroChagas, em 1932, no sertão jaguaribano (Alencar & Sherlock, 1962).

A partir do ano 2000, a vigilância epidemiológica foi mantida nas áreasassimiladas pelo processo de descentralização dos serviços de saúde, quando osestados e municípios então passaram a realizar as ações do programa. O municípiode Farias Brito logo que assumiu o programa de controle da doença de Chagaspassou a executá-lo com pleno êxito, alcançando, no período 2001 - 2002, semnenhuma interrupção, 100% de cobertura das localidades rurais, áreas ondeocorrem o ciclo parasitário doméstico na transmissão de Trypanosoma cruzi.

O presente trabalho visa analisar os índices de infestação predial, distribuiçãoe infecção natural por T. cruzi, das espécies de triatomíneos que ocorrem nomunicípio de Farias Brito – CE, bem como a sua importância epidemiológica natransmissão da doença de Chagas no município. Tais dados podem vir a estabelecer

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um perfil do quadro atual do programa de controle da doença de Chagasnesse município.

2. METODOLOGIA

Farias Brito, município do Estado do Ceará, está localizado na Região doCariri, mais precisamente na Microrregião 75, denominada Serra do Caririaçu,ocupando uma área geográfica de 476,8 km², distante cerca de 479 km deFortaleza (latitude: 6º55’50"S e longitude: 39º33’56"W) (Figura 1). Esse municípioapresenta clima seco, caracterizado por temperaturas que variam entre 22ºC e32ºC, sendo a média 28ºC. O relevo é constituído por vales (planícies) e serras(planaltos), sendo a serra do Quincuncá a de maior altitude, formada por umchapadão de terra roxa situado a leste em sentido sul-norte, de indiscutívelimportância para a agricultura local. O Vale do Cariús, banhado pelo rio queleva o mesmo nome, e principal afluente do rio Jaguaribe, corta o município nosentido sul-norte. A última faixa territorial, de altitude intermediária, é constituídade terras relativamente férteis e clima árido. A vegetação predominante é acaatinga arbórea, embora haja introdução de serrado e arbustos de pequenoporte (Farias Brito, 2000). Segundo o censo (IBGE, 2000), o município de FariasBrito possui uma população de 20.315 habitantes, e, destes, 8.726 residem nazona urbana e 11.589 residem na zona rural, dado este relevante no que dizrespeito à doença de Chagas, uma vez que a transmissão vetorial se dá, predomi-nantemente, nas áreas rurais.

Figura 1Município de Farias Brito e as sete áreas de PSF estudadas.

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Para o atual trabalho, basicamente, compulsaram-se os dados secundáriosdisponíveis na Coordenadoria Técnica de Endemias da 20ª Célula Regional deSaúde – SESA/CE e Coordenação Técnica de Endemias da Secretaria Municipalde Saúde de Farias Brito, seguindo roteiro de avaliação do Programa de Controleda Doença de Chagas Humana – PCDCh – de acordo com os critérios do Manualde Normas Técnicas da SUCAM (Brasil, 1980), como também obedecendo aospreceitos éticos da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Oenfoque básico foi, naturalmente, o conjunto de dados entomológicos e decontrole, sistematizados em tabela comparativa por localidades e período doestudo, quando as atividades foram absorvidas pelo município. As capturas foramrealizadas nos ambientes domiciliares e peridomiciliares em sete localidades ruraisdo município: Barreiro do Jorge, Carás dos Alcântaras, Cariutaba, Carnaúba dosRibeiros, Monte Pio, Nova Betânia e Quincuncá (Figura 1). Os dados apresentadossão referentes às capturas triatomínica das áreas rurais do Programa Saúde daFamília existentes no município de Farias Brito, Estado do Ceará. Entre aslocalidades, foram observadas as espécies capturadas nos anos de 2001 e 2002.A forma de seleção destas localidades compreendeu a abrangência de cada unidadedo Programa Saúde da Família, com representatividade de aproximadamente 80%de cobertura do território municipal. Uma série de trabalhos pioneiros sobre adoença de Chagas no Nordeste foram consultados, sendo os principais referidosna bibliografia do texto.

Os indicadores triatomínicos-tripanossômicos e operacionais utilizadosforam: a prevalência da infestação triatomínica nos domicílios, a prevalência dadistribuição e dispersão das espécies vetoras e a ocorrência de infecção naturalnos triatomíneos por T. cruzi. A partir dessas prevalências, foi calculado o teste t,a fim de ser definida a significância da diferença entre as prevalências nos dois anos,verificando-se até que ponto são significativas estatisticamente na populaçãodo estudo.

É sabido que na região nordestina ocorrem todas as principais formas clínicasda doença de Chagas (Dias et al., 2000). Com o apoio dos Agentes Comunitáriosde Saúde – ACS – e das Equipes do Programa Saúde da Família – PSF, realizamosuma pesquisa de campo com o objetivo de identificar o número de indivíduoschagásicos residentes nas respectivas localidades em estudo, e, então, conhecermosa evolução da transmissão da doença e seu impacto de morbidade no município.

Foram encontrados seis casos humanos soropositivos do mal de Chagas, ondetodos apresentam o quadro clínico na fase crônica cardíaca da doença. Essesportadores encontram-se distribuídos nas seguintes localidades: Barreiro do Jorge(1), Carás dos Alcântaras (2), Quincuncá (1), Clemente (1), área próxima a Carásdos Alcântaras e em Juá (1), área próxima a Cariutaba.

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3. RESULTADOS

No Nordeste do Brasil, já foram identificadas mais de 27 espécies ou subespéciesde triatomíneos transmissores da T. cruzi, o que corresponde a mais da metadedas espécies detectadas no Brasil (Dias et al., 2000). Os dados apresentados sãoreferentes às capturas triatomínica das áreas rurais do Programa Saúde da Famíliaexistentes no município de Farias Brito, Estado do Ceará.

Os dados entomológicos registraram a presença das cinco principais espéciesde triatomíneos reconhecidas como ocorrentes no Estado do Ceará: T. brasiliensis,T. pseudomaculata, P. megistus, P. lutzi e R. nasutus. Nas sete localidades trabalhadas,foram capturados 1.757 triatomíneos em 2001 e 1.830 no ano de 2002, sendo osCarás dos Alcântaras a que apresentou o maior número de triatomíneos capturadosnos dois anos, 472 espécimes, e Carnaúba dos Ribeiros a que registrou o menornúmero, com 47 espécimes (Tabela 1).

Pôde-se observar que o índice de infestação predial diminuiu de 12,80% em2001 para 10,54% em 2002. A localidade de Carás dos Alcântaras apresentou omaior índice de infestação predial nos dois anos do programa, com 21,6% em2001 e 20,93% em 2002, enquanto que Barreiro do Jorge obteve o menoríndice, mostrando 6,0% em 2001 e 6,1% em 2002.

Chama a atenção a grande dispersão de T. pseudomaculata e do T. brasiliensis.

Na localidade de Barreiro do Jorge, foram capturados 81 espécimes de T.

pseudomaculata, uma de P. megistus e seis de R. nasutus; em Carás dos Alcântaras, 134espécimes de T. brasiliensis e 338 de T. pseudomaculat; em Cariutaba, 57 espécimesde T. brasiliensis e 30 de T. pseudomaculata; em Carnaúba dos Ribeiros, 13espécimes de T. brasiliensis, 27 de T. pseudomaculata, e sete de R. nasutus; emMonte Pio, 36 espécimes de T. brasiliensis e 63 de T. pseudomaculata; em NovaBetânia, 22 espécimes de T. brasiliensis e 54 de T. pseudomaculata; em Quincuncá,17 espécimes de T. brasiliensis, 168 de T. pseudomaculata, seis de P. megistus e apenas umespécime de P. lutzi.

Na Tabela 1, observa-se uma pequena redução no total da populaçãotriatomínica domiciliada (54,22% – 45,8%) e peridomiciliada (52,96% – 47,4%)capturada em 2001 e 2002. A espécie T. brasiliensis apresentou taxa de infestaçãoreduzida de 79,22% (2001) para 70,77% (2002) no domicílio, e de 20,07% (2001)para 15,15% (2002) no peridomicílio. Ao contrário, T. pseudomaculata apresentouelevação da taxa de infestação de 20,78% (2001) para 29,2% (2002) no domicílioe 76,81% (2001) para 82,8% (2002) no peridomicílio. P. megistus, P. lutzi e R.

nasutus foram capturados apenas no peridomicílio, havendo uma redução deespécimes de P. megistus capturados em 2002 (0,23%) e um aumento para R.

nasutus (1,9%), não sendo capturado nenhum espécime de P. lutzi. O teste t nãomostrou uma diferença significativa da prevalência (p = 0,271) entre os dois anos.

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A tabela ressalta, ainda, que a taxa de infecção natural por T. cruzi é muitobaixa, apenas três espécimes de T. pseudomaculata, capturados no peridomicílio,foram positivos, dois no Sítio Fazenda e um em Tabuleiro dos Mendes, ambas naárea de Quincuncá.

É certo que a transmissão natural da doença de Chagas no país foi grandementedifundida e que há tecnologia bastante para sustentar os níveis de controlealcançados (Vinhaes, 2000). O Brasil e outros países do Cone Sul estão comemo-rando a eliminação do T. infestans, o que representa um enorme avanço nosíndices de incidência e de impacto da doença humana.

4. DISCUSSÃO

Segundo Dias et al. (2000), no Nordeste, o grande número de espécies chamaa atenção, indicando diversidade ambiental e ação antrópica. A transmissão dadoença de Chagas no Nordeste ocorreu basicamente por meio de P. megistus,

T. brasiliensis e T. infestans (espécies básicas) em suas áreas próprias de ocorrência,tendo P. megistus diminuído sua densidade em praticamente todo o Nordeste,restando como espécie mais importante T. brasiliensis, sendo os T. pseudomaculata

imediatamente como espécies secundárias.As diferenças fundamentais de comportamento e distribuição das espécies

triatomínicas se explicam pela ecologia de cada microrregião, pelo tipo e intensidadeda ação antrópica, pela capacidade de domiciliação e colonização de cada espécie.

Em alguns casos, as associações dos triatomíneos, em relação ao habitat e aohospedeiro, parecem ser cada vez mais especializadas, ou seja, as espécies se adaptama habitats particulares, devido à procura pela fonte vertebrada de alimentação.No presente estudo, a presença de espécimes de P. megistus em Barreiro do Jorgee Quincuncá pode ser devido ao fato dessas localidades estarem entre 720 a760m de altitude, ambientes ideais para esta espécie que se restringe a microrregiõese microambientes umbrosos e mais úmidos. o R. nasutus em Barreiro do Jorge,encontra-se associado a ninhos de aves em palmáceas, como a macaúba (acrocomia

sderocarpa), bastante comum na região, que se tornam habitats naturais da espécie.Apesar de terem sido capturados apenas indivíduos adultos de P. megistus, apresença desses no peridomicílio os torna importantes para a vigilânciaepidemiológica, uma vez que podem formar colônias e manterem o ciclo detransmissão do parasito entre o homem e os animais domésticos nas áreas citadas.

O T. pseudomaculata foi encontrado no peridomicílio de todas as localidades, oque está de acordo com as observações feitas por Alencar e Sherlock (Bento et al.,1989). É provável que o baixo grau de domiciliação observado seja, em parte,devido à presença de T. brasiliensis no interior do domicílio, por encontraremcondições adequadas, como abrigo e alimentação no peridomicílio (anexos) e

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ao uso constante de inseticidas aplicado no interior das residências comoforma de controle vetorial, mantendo-os livres de infestações triatomínicas(Oliveira-Filho et al., 2000).

A tabela mostra o T. pseudomaculata como sendo a espécie com o maior númerode indivíduos capturados (387 em 2001 e 374 em 2002), em relação às demaisespécies no mesmo período, destes foram identificados três exemplares positivospara T. cruzi, demonstrando taxas de infecção natural baixa (0,61%), enquantoque todas as outras espécies capturadas foram negativas para T. cruzi.

A espécie T. brasiliensis é considerada a principal transmissora da doença deChagas no Estado do Ceará, podendo, em algumas regiões, outras espéciesapresentarem taxas de infecção mais elevada (Alencar et al., 1976). A tabelamostra que o T. brasiliensis é uma espécie dispersa e abundante, encontrada naslocalidades mais áridas e quentes do município, justamente por suas característicaseuritrópicas, pouco higrófila e capaz de suportar temperaturas muito elevadas.

Os dados esboçados na tabela mostram que, no município de Farias Britoespécies como T. brasiliensis e T. pseudomaculata vem mantendo altos níveis deinfestação e de colonização tanto no domicílio quanto no peridomicílio (anexos).Verifica-se ainda, que o número de espécimes de T. pseudomaculata capturados éconsideravelmente maior que T. brasiliensis, podendo assim indicar T. pseudomaculata

como sendo a espécie mais importante no município de Farias Brito, o que preocupajustamente por ser espécies nativas com potencial invasivo e de difícil controle.

A tabela mostra ainda que foram capturados apenas 13 exemplares deR. nasutus, seis exemplares na localidade do Barreiro do Jorge nos dois períodosdo estudo, e sete exemplares na Carnaúba dos Ribeiros em 2002, todos capturadosno peridomicílio (anexos), caracterizando-os como espécie silvestre, semimportância epidemiológica na transmissão da doença de Chagas no município.Da espécie P. lutzi, foi capturado apenas um exemplar na localidade de Quincuncáem 2001. Da espécie P. megistus, foi capturado um exemplar na localidade deBarreiro do Jorge em 2001 e seis exemplares em 2002, na localidade de Quincuncános dois períodos. Embora capturados no peridomicílio, merece maior atençãopor terem facilidade de formar colônias no intradomicílio.

Embora os níveis de infecção sejam incompatíveis com a transmissão, é neces-sário um trabalho de vigilância de caráter contínuo, com pronta intervenção porparte da Secretaria Municipal da Saúde, uma vez que a presença dos triatomíneosnesses ambientes pode manter o ciclo do parasito T. cruzi entre homens e animais.

A presença de triatomíneos no peridomicílio, na região do Cariri, tambémpode estar associada ao fato das pessoas estarem levando para casa e para áreasem torno da mesma, madeira do ambiente silvestre, que poderão contertriatomíneos, principalmente, nas formas jovens, conseqüentemente, ocasionando

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uma forma de dispersão passiva dos vetores (Freitas et al., 2004). Esses dados podemser considerados, uma vez que o município de Farias Brito possui uma coberturavegetal predominante de caatinga hiper-xerófila onde predominam as famílias dasEufortbiceae, representadas principalmente pelos marmeleiros (Cróton sap) e a jura-preta (Mimosa tenunuiflora – willdenow), utilizada pela população rural como principalfonte energética doméstica, como também na construção de abrigo para animais.

5. CONCLUSÃO

A grosso modo, o perfil esboçado mostra que no município de Farias Britoocorrem as principais espécies vetoras na transmissão da doença de Chagas noEstado do Ceará, dentre elas se destacam duas espécies: o T. pseudomaculata e o

T. brasiliensis; principalmente por terem um comportamento vetorial de colonizaçãoperidomiciliar, as demais espécies registradas não têm apresentado tendênciasfortes à domiciliação; portanto, ocorrem em densidades relativamente menores ecomportamento vetorial mais domiciliado, o que favorece o sua eliminaçãoprincipalmente mediante o controle químico continuado pelo município.

A doença de Chagas ainda é um importante problema de saúde pública noNordeste e torna-se importante para as autoridades sanitárias do município manter acontinuidade do PCDCh, principalmente no que diz respeito às duas espécies(T. pseudomaculata e o T. brasiliensis) nativas, que têm o potencial invasivo e de difícil controle.

A comprovada eficácia das campanhas de controle, utilizando produtosquímicos e inseticidas de ação residual na dedetização das residências infestadas,ação até então recomendada como primeira alternativa no controle dos vetores,não implica em subestimar a importância de outras medidas relevantes, tais comomelhoramento das habitações, a higiene dos anexos, o envolvimento e a partici-pação comunitária da educação para saúde das populações que vivem nas áreasonde ocorrem as infestações dos triatomíneos.

As ações profiláticas da doença de Chagas abrangem vários aspectos, quevão desde o controle ao vetor e às formas de transmissão da doença, passandopela prevenção da morbi-mortalidade com a assistência médica de qualidade,que deveria ser acessível a toda população chagásica e terminando com açõesque visam à reintegração dos indivíduos à sociedade.

* Agradecimentos: Ao Dr. José Leiva Cabral, gerente da 20ª Célula Regional de Saúde,e à Dra. Sheyla Martins Alves, Secretária Municipal de Saúde de Farias Brito, peloapoio na realização deste trabalho. Aos Agentes Comunitários de Saúde e aos profissionaismédicos e enfermeiros do Programa Saúde da Família, pela colaboração e apoio nabusca e identificação de portadores chagásicos no município de Farias Brito, e aoSr. Vicente de Paula Pereira Matos, Coordenador de Endemias da 20ª Célula Regionalde Saúde, pelo aporte e fornecimento dos dados entomológicos.

Page 10: V ENTOMOLÓGICA DOS VETORES DA DOENÇA DE CHAGAS … · um perfil do quadro atual do programa de controle da doença de Chagas nesse município. 2. M ETODOLOGIA Farias Brito, município

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A S S I L O N L I N D O V A L C A R N E I R O F R E I T A S , S I M O N E P A T R Í C I A C A R N E I R O F R E I T A S ,T E R E S A C R I S T I N A M O N T E G O N Ç A L V E S , A N T Ô N I O S I L V A L I M A N E T O

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