Vieira - Sermão Do Espírito Santo

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    1/27

    S E R M O D O E S P R I T O S A N T O

    Pregado na Cidade de So Lus do Maranho,na Igreja da Companhia de Jesus, em ocasio que partiaao Rio das Amazonas uma grande Misso dos mesmos Religiosos.

    Ille vos docebit omnia quaecumque dixero vobis[Jo ].

    I .

    A sexta vez hoje, que no ano presente, e nos dois passados me ouvispregar este mesmo mistrio. Mas no ser esta somente a sexta vez, em

    que vs, e eu experimentmos o pouco fruto, com que esta terra respondeao que se devera esperar de to continuada cultura. Se a doutrina, que

    se semeia nela, fora nossa, achada estava a causa na fraqueza de nossasrazes, no desalento de nossos afetos, e na eficcia mal viva de nossaspalavras; mas no assim: Sermonem quem audistis non est meus, sed ejus quimisit me Patris[Jo , ]: O Sermo que ouvistes no meu, seno doEterno Padre, que me mandou ao mundo, diz Cristo neste Evangelho; eo mesmo podem dizer todos os Pregadores, ao menos os que ouvis deste

    lugar. Os Sermes, as verdades, a doutrina, que pregamos, no nossa, de Cristo. Ele a disse, os Evangelistas a escreveram, ns a repetimos.

    Pois se estas repeties so tantas, e to continuadas, e a doutrina, quepregamos, no nossa, seno de Cristo; como fazem to poucos progres-sos nela, e como aprendem to pouco os que a ouvem? Nas palavras, quepropus, temos a verdadeira resposta desta to nova admirao.

    Ille vos docebit omnia quaecumque dixero vobis [Ibidem, ]: O EspritoSanto (diz Cristo) vos ensinar tudo o que Eu vos tenho dito. Notaia diferena dos termos, e vereis quanto vai de dizer, a ensinar. No diz

    Cristo: o Esprito Santo vos dir o que Eu vos tenho dito; nem diz:o Esprito Santo vos ensinar o que Eu vos tenho ensinado; mas diz:o Esprito Santo vos ensinar o que Eu vos tenho dito; porque o

    Pregador, ainda que seja Cristo, diz; O que ensina o Esprito Santo.Cristo diz: Quaecumque dixero vobis; o Esprito Santo ensina: Ille vos docebit

    omnia. O Mestre na cadeira diz para todos, mas no ensina a todos. Dizpara todos, porque todos ouvem; mas no ensina a todos, porque unsaprendem, outros no. E qual a razo desta diversidade, se o Mestre

    Jo , : Ele vos ensinar tudo o que Eu vos disse.

    A palavra que ouvis no minha, mas do Pai, que me enviou. Dixero, id est, dixi. Uti habet Graecum Originale.(NA) Tiver dito, ou, conforme o original grego, que disse. Tudo o que vos disse.

    Ele vos ensinar tudo.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    2/27

    o mesmo, e a doutrina a mesma? Porque para aprender, no basta souvir por fora, necessrio entender por dentro. Se a luz de dentro

    muita, aprende-se muito; se pouca, pouco; se nenhuma, nada. O mesmonos acontece a ns. Dizemos, mas no ensinamos, porque dizemos porfora; s o Esprito Santo ensina, porque alumia por dentro: Ministeriaforinsecus adjutoria sunt, cathedram in Caelo habet, qui corda docet, diz SantoAgostinho. Por isso at o mesmo Cristo pregando tanto converteu topouco. Se o Esprito Santo no alumia por dentro, todo o dizer, pormais divino que seja, dizer: Quaecumque dixero vobis; mas se as vozesexteriores so assistidas dos raios interiores da Sua luz, logo qualquerque seja o dizer, e de quem quer que seja, ensinar; porque s o Esprito

    Santo O que ensina: Ille vos docebit.Porque vos parece que apareceu o Esprito Santo hoje sobre os Apsto-

    los, no s em lnguas, mas em lnguas de fogo? Porque as lnguas falam,o fogo alumia. Para converter Almas, no bastam s palavras; so neces-srias palavras, e luz. Se quando o Pregador fala por fora, o Esprito Santoalumia por dentro; se quando as nossas vozes vo aos ouvidos, os raiosda Sua luz entram ao corao, logo se converte o mundo. Assim sucedeu

    em Jerusalm neste mesmo dia. Sai So Pedro do Cenculo de Jerusalm,

    assistido deste fogo divino, toma um passo do Profeta Joel, declara-oao Povo: e sendo o Povo, a que pregava, aquele mesmo Povo obstinado,

    e cego, que poucos dias antes tinha crucificado a Cristo, foram trs milos que naquela pregao O confessaram por verdadeiro Filho de Deus, ese converteram F. Oh admirvel eficcia da luz do Esprito Santo! Ohnotvel confuso vossa, e minha! Um Pescador com uma s pregao,e com um s passo da Escritura no dia de hoje converte trs mil Infiis; eeu no mesmo dia com cinco, e com seis pregaes, com tantas Escrituras,com tantos argumentos, com tantas razes, com tantas evidncias no

    posso persuadir um Cristo. Mas a causa : porque eu falo, e o EspritoSanto, por falta de disposio nossa, no alumia. Divino Esprito, no seja

    a minha indignidade a que impidaa estas Almas, por amor das quaisdescestes do Cu terra, o fruto de Vossa santssima vinda: Veni SancteSpiritus, et emitte caelitus lucis tuae radium. Vinde, Senhor, e mandai-nosdo Cu um raio eficaz de Vossa luz, no pelos nossos merecimentos, queconhecemos quo indignos so; mas pela infinita bondade Vossa, e pelaintercesso de Vossa Esposa santssima. Ave Maria.

    Aug. (NA) Os ministrios so simples auxlios pois operam exteriormente; s ensina os coraes Aquele que

    tem sua ctedra no Cu. Impea.

    Vinde, Esprito Santo, enviai do cu um raio da Vossa luz.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    3/27

    I I .

    Ille vos docebit omnia. Diz Cristo aos Apstolos que o Esprito Santo os

    ensinar. E ser Cristo, ser o Filho de Deus O que diz estas palavras, fazsegunda dificuldade inteligncia, e razo delas. Ao Filho de Deus, que a segunda Pessoa da Santssima Trindade, atribui-se a sabedoria; ao

    Esprito Santo, que a terceira Pessoa, o amor; e suposto isto parece quea Pessoa do Esprito Santo havia de encomendar o ofcio de ensinar Pessoa do Filho, e no o Filho ao Esprito Santo. Que o amor encomendeo ensinar sabedoria, bem est; mas a sabedoria encomendar o ensinar

    ao amor: Ille vos docebit? Neste caso sim. Porque para ensinar homens

    infiis, e brbaros, ainda que muito necessria a sabedoria, muito

    mais necessrio o amor. Para ensinar sempre necessrio amar, e saber:porque quem no ama no quer, e quem no sabe no pode; mas esta

    necessidade de sabedoria, e amor no sempre com a mesma igualdade.Para ensinar naes fiis, e polticas, necessrio maior sabedoria, queamor: para ensinar naes brbaras, e incultas, necessrio maior amorque sabedoria. A segunda Pessoa, o Filho, e a terceira, o Esprito Santo,

    ambas vieram ao mundo a ensinar, e salvar Almas: mas a misso do Filhofoi a uma nao fiel, e poltica; e a misso do Esprito Santo foi principal-

    mente a todas as naes incultas, e brbaras. A misso do Filho foi s auma nao fiel, e poltica, porque foi s aos filhos de Israel, como o mesmo

    Senhor disse: Non sum missus, nisi ad oves, quae perierunt domus Israel[Mt, ]. A misso do Esprito Santo foi principalmente s naes incultas,e brbaras; porque foi para todas as naes do mundo que por isso des-ceu, e apareceu em tanta diversidade de lnguas: Apparuerunt dispertitaelinguae[At, ]. E como a primeira misso era para uma nao poltica,e a segunda para todas as naes brbaras, por isso foi muito convenienteque primeira viesse uma Pessoa Divina, a quem se atribui no o amor,

    seno a sabedoria; e que segunda viesse outra Pessoa tambm Divina,a quem se atribui, no a sabedoria, seno o amor. Para ensinar homensentendidos, e polticos, pouco amor necessrio, basta muita sabedoria;mas para ensinar homens brbaros, e incultos, ainda que baste poucasabedoria, necessrio muito amor.

    Desceu hoje o Esprito Santo em lnguas, para formar aos ApstolosMestres, e Pregadores; mas Mestres, e Pregadores de quem? O mesmo

    Cristo, que os mandou pregar, o disse: Euntes in mundum universum praedi-cate Evangelium omni creaturae[Mc, ]. Ide por todo o mundo, e pregai

    Civilizadas. No fui enviado seno s ovelhas perdidas da casa de Israel. Apareceram umas lnguas que se repartiram.

    Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    4/27

    a toda a criatura. A toda a criatura, Senhor? ( reparo de So Gregrio

    Papa). Bem sei eu que so criaturas os homens; mas os brutos animais,

    as rvores, e as pedras tambm so criaturas. Pois se os Apstolos ho depregar a todas as criaturas, ho de pregar tambm aos brutos? Ho de pre-gar tambm aos troncos? Ho de pregar tambm s pedras? Tambm,diz Cristo: Omni creaturae; no porque houvessem os Apstolos de pregar

    s pedras, e aos troncos, e aos brutos; mas porque haviam de pregar atodas as naes, e lnguas brbaras, e incultas do mundo, entre as quaishaviam de achar homens to irracionais como brutos, e to insensveiscomo os troncos, e to duros, e estpidos como as pedras. E para umApstolo se pr a ensinar, e abrandar uma pedra, para se pr a ensinar,

    e moldar um tronco, para se pr a ensinar, e meter em juzo um bruto,vede se necessrio muito amor de Deus. Em um deles o veremos.

    Poucos dias antes de Cristo mandar aos Apstolos a pregar pelo

    mundo, fez esta pergunta a So Pedro: Simon Joannis, diligis me plus his?[Jo, ] Pedro, amas-me mais que todos estes? Respondeu o Santo:Etiam Domine, tu scis quia amo te: Senhor, bem sabeis Vs que Vos amo.Ouvida a resposta, torna Cristo a fazer segunda vez a mesma pergunta:

    Simon Joannis, diligis me plus his?: Pedro, amas-Me mais que todos estes?

    Respondeu So Pedro com a mesma submisso, e encolhimento, que bemsabia o Senhor que O amava: Tu scis quia amo te. Ouvida a mesma respostasegunda vez, torna Cristo terceira vez a repetir a mesma pergunta, e

    diz o Texto que se entristeceu So Pedro: Contristatus est Petrus, quia dixitei tertio, amas me?Entristeceu-se Pedro, porque Cristo lhe perguntou aterceira vez se O amava. E verdadeiramente que a matria, e a instnciaera muito para dar cuidado. Quando eu li estas palavras a primeira vez,pareceu-me que seria este exame de amor to repetido para Cristo mandara So Pedro que fosse a Jerusalm, que entrasse pelo Palcio de Caifs, e

    que no mesmo lugar, onde O tinha negado, se desdissesse publicamente,e confessasse a vozes que seu Mestre era o verdadeiro Messias, e Filhode Deus verdadeiro; e que se por isso o quisessem matar, e queimar, quese deixasse tirar a vida, e fazer em cinza. Para isto cuidava eu que eramestas perguntas, e estes exames to repetidos do amor de So Pedro. Masdepois que o Santo respondeu na mesma forma terceira vez, que amava,o que o Senhor lhe disse foi: Pasce oves meas[ Jo, ]: Pois, Pedro, jque me amas tanto, mostra-o em apascentar as minhas ovelhas. Agora

    Gregrio I, (c. -), chamado S. Gregrio Magno, Papa a partir de de Setembro de at sua morte, Doutor da Igreja e Padre Latino.

    Simo, filho de Joo, tu amas-me mais do que estes? Jo , : Senhor, Tu sabes que eu Te amo. Jo , : Pedro ficou triste por Jesus lhe ter perguntado, pela terceira vez: Tu amas-me?

    Apascenta as minhas ovelhas!

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    5/27

    me admiro eu deveras. Pois para apascentar as ovelhas de Cristo tantoaparato de exames de amor de Deus? Uma vez se me amas, e outra vez

    se me amas, e terceira vez se me amas? E no s se me amas, senose me amas mais que todos? Sim. Ora vede.As ovelhas, que So Pedro havia de apascentar, eram as naes de todo

    o mundo, as quais Cristo queria trazer, e ajuntar de todo ele, e fazer detodas um s rebanho, que a Igreja debaixo de um s Pastor, que SoPedro: Et alias oves habeo, quae non sunt ex hoc ovili, et illas opportet me addu-cere, et vocem meam audient, et fiet unum ovile, et unus pastor[Jo, ]. Demaneira que o rebanho, que Cristo encomendou a So Pedro, no era

    rebanho feito, seno que se havia de fazer, e as ovelhas no eram ovelhas

    mansas, seno que se haviam de amansar: eram Lobos, eram Ursos, eramTigres, eram Lees, eram Serpentes, eram Drages, eram spides, eramBasiliscos, que por meio da pregao se haviam de converter em ovelhas.

    Eram naes brbaras, e incultas; eram naes feras, e indmitas; eramnaes cruis, e carniceiras; eram naes sem humanidade, sem razo, emuitas delas sem Lei, que por meio da F, e do Batismo se haviam de fazerCrists: e para apascentar, e amansar semelhante gado, para doutrinar,e cultivar semelhantes gentes, necessrio muito cabedal de amor de

    Deus: necessrio amar a Deus: Diligis me

    ; e mais amar a Deus: Diligisme; e mais amar a Deus: Diligis me;e no s amar a Deus uma, duas, e

    trs vezes, seno am-Lo mais que todos: Diligis me plus his?

    Quando as ovelhas, que Cristo encomendava a So Pedro, foram

    mansas, e domsticas, ainda era necessrio muito amor para suportar otrabalho de as guardar. Exemplo seja Jac, pastor de Labo, e amante deRaquel, de quem diz a Escritura que sofria to levemente o que sofria,

    porque amava to grandemente como amava: Prae amoris magnitudine

    [Gn , ]. E se para guardar ovelhas mansas, necessrio amor, e muito

    amor; que ser para ir tirar das brenhas ovelhas feras, para as amansar,e afeioar aos novos pastos, para as acostumar voz do pastor, e obe-dincia do cajado, e sobretudo para desprezar os perigos de se confiarde suas garras, e dentes, enquanto so ainda feras, e no ovelhas? Se necessrio amor para ser pastor de ovelhas que comem no prado, e bebemno rio; que amor ser necessrio para ser pastor de ovelhas que talvezcomem os pastores, e lhes bebem o sangue? Por isso Cristo examina trs

    Tenho ainda outras ovelhas que no so deste redil; convm que Eu as traga, e ouviro a minhavoz; e haver um s rebanho e um s pastor.

    Serpente fantstica coroada (do gr. basileus, rei) de olhar ou toque mortal (assume frequentementena herldica forma de lagarto ou drago dando lugar ento a coroa a uma pluma escarlate).

    Tu amas-me? Tu amas-me mais do que estes?

    De tal modo ele a amava.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    6/27

    vezes de amor a So Pedro; por isso o Esprito Santo, Deus de amor, vemhoje a formar estes Pastores, e estes Mestres; e por isso o Mestre Divino

    passa hoje os Seus Discpulos da Escola da Sabedoria para a Escola doAmor: Ille vos docebit.

    I I I .

    Aplicando agora esta doutrina universal ao particular da terra, emque vivemos, digo que se em outras terras necessrio aos Apstolos, ouaos sucessores do seu ministrio, muito cabedal de amor de Deus paraensinar; nesta terra, e nestas terras ainda necessrio muito mais amor

    de Deus, que em nenhuma outra. E porqu? Por dois princpios: o pri-meiro, pela qualidade das gentes; o segundo, pela dificuldade das lnguas.

    Primeiramente, pela qualidade da gente: porque a gente destas terras a mais bruta, a mais ingrata, a mais inconstante, a mais avessa, a maistrabalhosa de ensinar de quantas h no mundo. Bastava por prova a daexperincia; mas temos tambm (quem tal cuidara!) a do Evangelho.

    A forma com que Cristo mandou pelo mundo a Seus Discpulos, diz

    o Evangelista So Marcos que foi esta: Exprobavit incredulitatem eorum,

    et duritiam cordis, quia iis, qui viderant eum resurrexisse, non crediderunt, etdixit illis: Euntes in mundum universum praedicate Evangelium omni creaturae

    [Mc, -]. Repreendeu Cristo aos Discpulos da incredulidade, e durezade corao, com que no tinham dado crdito aos que O viram ressusci-tado; e sobre esta repreenso os mandou que fossem pregar por todo omundo. A So Pedro coube-lhe Roma, e Itlia; a So Joo, a sia Menor;a Santiago, Espanha; a So Mateus, Etipia; a So Simo, Mesopotmia;a So Judas Tadeu, o Egito; aos outros, outras Provncias; e finalmentea Santo Tom, esta parte da Amrica, em que estamos, a que vulgar, e

    indignamente chamaram Brasil. Agora pergunto eu: e porque nesta repar-tio coube o Brasil a Santo Tom, e no a outro Apstolo? Ouvi a razo.

    Notam alguns Autores modernos que notificou Cristo aos Apsto-los a pregao da F pelo mundo, depois de os repreender da culpa da

    incredulidade, para que os trabalhos, que haviam de padecer na pregaoda F, fossem tambm em satisfao, e como em penitncia da mesmaincredulidade, e dureza de corao, que tiveram em no quererem crer:

    Exprobavit incredulitatem eorum, et duritiam cordis, et dixit illis: Euntes in mun-

    dum universum. E como Santo Tom entre todos os Apstolos foi o mais

    culpado na incredulidade, por isso a Santo Tom lhe coube na repartio

    Censurou-lhes a incredulidade e a dureza de corao, porque no tinham dado crdito aos queO tinham visto ressuscitado. E disse-lhes: Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda acriatura.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    7/27

    do mundo a misso do Brasil; porque onde fora maior a culpa, era justoque fosse mais pesada a penitncia. Como se dissera o Senhor: os outros

    Apstolos, que foram menos culpados na incredulidade, vo pregar aosGregos, vo pregar aos Romanos, vo pregar aos Etopes, aos rabes, aosArmnios, aos Srmatas, aos Citas; mas Tom, que teve a maior culpa,

    v pregar aos Gentios do Brasil, e pague a dureza de sua incredulidadecom ensinar a gente mais brbara, e mais dura. Bem o mostrou o efeito.Quando os Portugueses descobriram o Brasil, acharam as pegadas de

    Santo Tom estampadas em uma pedra, que hoje se v nas praias da

    Baa; mas rasto, nem memria da F, que pregou Santo Tom, nenhumacharam nos homens. No se podia melhor provar, e encarecer a barba-

    ria da gente. Nas pedras acharam-se rastos do Pregador, na gente no seachou rasto da pregao; as pedras conservaram memrias do Apstolo,

    os coraes no conservaram memria da doutrina.A causa por que as no conservaram, diremos logo; mas necessrio

    satisfazer primeiro a uma grande dvida, que contra o que imos dizendose oferece. No h Gentios no mundo que menos repugnem doutrina

    da F, e mais facilmente a aceitem, e recebam, que os Brasis; como

    dizemos logo que foi pena da incredulidade de Santo Tom o vir pregar a

    esta gente? Assim foi (e quando menos assim pode ser); e no porque osBrasis no creiam com muita facilidade, mas porque essa mesma facili-

    dade, com que creem, faz que o seu crer em certo modo seja como o nocrer. Outros Gentios so incrdulos at crer, os Brasis ainda depois decrer so incrdulos; em outros Gentios a incredulidade incredulidade,e a F F; nos Brasis a mesma F, ou , ou parece incredulidade. Soos Brasis como o pai daquele Luntico do Evangelho, que padecia naF os mesmos acidentes, que o filho no juzo. Disse-lhe Cristo: Omniapossibilia sunt credenti: que tudo possvel a quem cr; e ele respondeu:

    Credo, Domine, adjuva incredulitatem meam[Mc , ]: Creio, Senhor, aju-dai minha incredulidade. Reparam muito os Santos nos termos destaproposio, e verdadeiramente muito para reparar. Quem diz creiocr, e tem f; quem diz ajudai minha incredulidade no cr, e no temf. Pois como era isto? Cria este homem, e no cria, tinha f, e no tinhaf juntamente? Sim, diz o Venervel Beda: Uno, eodemque tempore is, qui

    nondum perfecte crediderat, simul et credebat, et incredulus erat: No mesmotempo cria, e no cria este homem; porque era to imperfeita a F, com

    Os ndios, os povos indgenas do Brasil.

    Referncia ao episdio da cura do epiltico. Bed. (NA) Na medida em que no crera ainda de modo perfeito, ele tanto acreditava, como, ao mesmo tempo,

    era incrdulo.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    8/27

    que cria, que por uma parte parecia, e era f, e por outra parecia, e eraincredulidade: Uno eodemque tempore, et credebat, et incredulus erat. Tal a

    f dos Brasis: f, que parece incredulidade, e incredulidade, que parecef: f, porque creem sem dvida, e confessam sem repugnncia tudoo que lhes ensinam, e parece incredulidade, porque com a mesma faci-

    lidade, com que aprenderam, desaprendem; e com a mesma facilidade,com que creram, descreem.

    Assim lhe aconteceu a Santo Tom com eles. Porque vos parece quepassou Santo Tom to brevemente pelo Brasil, sendo uma regio todilatada, e umas terras to vastas? que receberam os naturais a F, que

    o Santo lhes pregou, com tanta facilidade, e to sem resistncia, nem

    impedimento, que no foi necessrio gastar mais tempo com eles. Mastanto que o Santo Apstolo ps os ps no mar (que este dizem foi o

    caminho por onde passou ndia), tanto que o Santo Apstolo (digamo--lo assim) virou as costas, no mesmo ponto se esqueceram os Brasis

    de tudo quanto lhes tinha ensinado, e comearam a descrer, ou a nofazer caso de quanto tinham crido, que gnero de incredulidade maisirracional, que se nunca creram. Pelo contrrio na ndia pregou SantoTom quelas Gentilidades, como fizera s do Brasil; chegaram tambm

    l os Portugueses dali a mil e quinhentos anos, e que acharam? No sacharam a sepultura, e as relquias do Santo Apstolo, e os instrumentosde seu martrio, mas o seu nome vivo na memria dos naturais, e o que mais, a F de Cristo, que lhes pregara; chamando-se Cristos de Santo

    Tom todos os que se estendem pela grande Costa de Coromandel,

    onde o Santo est sepultado.E qual seria a razo por que nas Gentilidades da ndia se conservou a

    f de Santo Tom, e nas do Brasil no? Se as do Brasil ficaram desassis-tidas do Santo Apstolo pela sua ausncia, as da ndia tambm ficaram

    desassistidas dele pela sua morte. Pois se naquelas naes se conservoua F por tantos centos de anos, nestas porque se no conservou? Porqueesta a diferena que h de umas naes a outras. Nas da ndia muitasso capazes de conservarem a F sem assistncia dos Pregadores; mas nasdo Brasil nenhuma h que tenha esta capacidade. Esta uma das maioresdificuldades que tem aqui a converso. H-se de estar sempre ensinandoo que j est aprendido, e h-se de estar sempre plantando o que j estnascido, sob pena de se perder o trabalho, e mais o fruto. A Estrela, queapareceu no Oriente aos Magos, guiou-os at o Prespio, e no apare-

    ceu mais: porqu? Porque muitos Gentios do Oriente, e doutras partes

    Ao mesmo tempo, acreditava e era incrdulo. Costa de Coromandel o nome dado faixa martima de Tamil Nadu, no sudeste da ndia, banhada

    pelo oceano ndico.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    9/27

    do mundo so capazes de que os Pregadores depois de lhes mostrarema Cristo se apartem deles, e os deixem. Assim o fez So Filipe ao Eunuco

    da Rainha Candaces de Etipia: explicou-lhe a Escritura de Isaas, deu-lhenotcia da F, e Divindade de Cristo, batizou-o no Rio de Gaza, por ondepassavam; e tanto que esteve batizado, diz o Texto que arrebatou um

    Anjo a So Filipe, e que o no viu mais o Eunuco: Cum autem ascendissentde aqua, Spiritus Domini rapuit Philippum, et amplius non vidit eum Eunuchus[At, ]. Desapareceu a Estrela, e permaneceu a F nos Magos; desa-pareceu So Filipe, e permaneceu a F no Eunuco; mas esta capacidade,que se acha nos Gentios do Oriente, e ainda nos de Etipia, no se achanos do Brasil. A Estrela, que os alumiar, no h de desaparecer, sob pena

    de se apagar a luz da doutrina; o Apstolo, que os batizar, no se h deausentar, sob pena de se perder o fruto do Batismo. necessrio nesta

    vinha que esteja sempre a cana da doutrina arrimada ao p da cepa, eatada vide, para que se logre o fruto, e o trabalho.

    Os que andastes pelo mundo, e entrastes em casas de prazer de Prnci-

    pes, vereis naqueles quadros, e naquelas ruas dos jardins dois gneros deEsttuas muito diferentes, umas de mrmore, outras de murta. A Esttuade mrmore custa muito a fazer, pela dureza, e resistncia da matria;

    mas depois de feita uma vez, no necessrio que lhe ponham mais amo, sempre conserva, e sustenta a mesma figura; a Esttua de murta

    mais fcil de formar, pela facilidade com que se dobram os ramos; mas necessrio andar sempre reformando, e trabalhando nela, para que seconserve. Se deixa o jardineiro de assistir, em quatro dias sai um ramo,

    que lhe atravessa os olhos, sai outro, que lhe descompe as orelhas, saemdois, que de cinco dedos lhe fazem sete; e o que pouco antes era homemj uma confuso verde de murtas. Eis aqui a diferena que h entreumas naes, e outras na doutrina da F. H umas naes naturalmente

    duras, tenazes, e constantes, as quais dificultosamente recebem a F, edeixam os erros de seus antepassados; resistem com as armas, duvidamcom o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam,

    argumentam, replicam, do grande trabalho at se renderem; mas umavez rendidos, uma vez que receberam a F, ficam nela firmes, e constantes

    como Esttuas de mrmore, no necessrio trabalhar mais com eles. Houtras naes pelo contrrio (e estas so as do Brasil) que recebem tudo oque lhes ensinam, com grande docilidade, e facilidade, sem argumentar,sem replicar, sem duvidar, sem resistir; mas so Esttuas de murta, que

    em levantando a mo, e a tesoura o jardineiro, logo perdem a nova figura,e tornam bruteza antiga, e natural, e a ser mato como dantes eram.

    Quando subiram da gua, o Esprito do Senhor arrebatou Filipe, e o eunuco no mais o viu.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    10/27

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    11/27

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    12/27

    a pode fazer doce. Assim o aludiu Deus ao mesmo Profeta Ezequiel nestemesmo lugar com termos bem particulares, e bem notveis.

    Vade ad domum Israel, et loqueris verba mea ad eos, non enim ad populumprofundi sermonis, et ignotae linguae tu mitteris, neque ad populos multos

    profundi sermonis, et ignotae linguae, quorum non possis audire sermones

    [Ez, -]: Ide, Ezequiel, pregai o que vos tenho dito aos filhos deIsrael; e para que no repugneis a misso, nem vos parea que vosmando a uma empresa muito dificultosa, adverti aonde ides, e aondeno ides. Adverti que ides pregar a um povo da vossa prpria nao,e de vossa prpria lngua, que o entendeis, e vos entende:Ad domum

    Israel; e adverti que no ides pregar a gente de diferente nao, e

    diferente lngua, nem menos a gentes de muitas, e diferentes naes,e muitas, e diferentes lnguas, que nem vs as entendais, nem elas vosentendam: Non enim ad populum profundis sermonis, et ignotae linguae tumitteris, neque ad populos multos profundi sermonis, et ignotae linguae, quo-

    rum non possis audire sermones. De sorte (se bem advertis) que distingueDeus no ofcio de pregar trs gneros de empresas: uma fcil, outradificultosa, outra dificultosssima. A fcil pregar a gente da prprianao, e da prpria lngua: Vade ad filios Israel; a dificultosa pregar a

    uma gente de diferente lngua, e diferente nao:Ad populum profundisermonis, et ignotae linguae; a dificultosssima pregar a gentes no deuma s nao, e uma s lngua diferente, seno de muitas, e diferentes

    naes, e muitas, e diferentes lnguas, desconhecidas, escuras, brba-ras, e que se no podem entender:Ad populos multos profundi sermonis,et ignotae linguae, quorum non possis audire sermones.

    A primeira destas trs empresas mandou Deus ao Profeta Ezequiel,e a todos os outros Profetas antigos, os quais todos (exceto quando

    muito Jonas, e Jeremias) pregaram gente da sua nao, e da sua lngua.

    A segunda, e a terceira empresa ficou guardada para os Apstolos, e Pre-gadores da Lei da Graa, e entre eles particularmente para os Portugueses;e entre os Portugueses mais em particular ainda para os desta Conquista,em que so tantas, to estranhas, to brbaras, e to nunca ouvidas, nemconhecidas, nem imaginadas as lnguas. Manda Portugal Missionrios

    ao Japo, onde h cinquenta e trs Reinos, ou sessenta, como outros

    escrevem; mas a lngua, ainda que desconhecida, uma s:Ad populumprofundi sermonis, et ignotae linguae. Manda Portugal Missionrios China,Imprio vastssimo, dividido em quinze Provncias, capaz cada uma de

    muitos Reinos; mas a lngua, ainda que desconhecida, tambm uma:

    Dirige-te casa de Israel e transmite-lhe as minhas palavras. No um povo de fala ininteligvelou de lngua desconhecida, cujas palavras no entenderias.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    13/27

    Ad populum profundi sermonis, et ignotae linguae. Manda Portugal Mission-rios ao Mogor, Prsia, ao Preste Joo, Imprios grandes, poderosos,

    dilatados, e dos maiores do mundo; mas cada um de uma s lngua: Adpopulum profundi sermonis, et ignotae linguae. Porm os Missionrios, quePortugal manda ao Maranho, posto que no tenha nome de Imprio,

    nem de Reino, so verdadeiramente aqueles que Deus reservou para aterceira, ltima, e difcultossssima empresa, porque vm pregar a gentesde tantas, to diversas, e to incgnitas lnguas, que s uma coisa se sabedelas, que no terem nmero:Ad populos multos profundi sermonis, et ignotae

    linguae, quorum non possis audire sermones. Pela muita variedade das lnguashouve quem chamou ao Rio das Amazonas Rio Babel, mas vem-lhe to

    curto o nome de Babel, como o de Rio. Vem-lhe curto o nome de Rio,porque verdadeiramente um mar doce, maior que o mar Mediterrneo

    no comprimento, e na boca. O mar Mediterrneo no mais largo da bocatem sete lguas, e o Rio das Amazonas oitenta; o mar Mediterrneo doEstreito de Gilbraltar at as praias da Sria, que a maior longitude, temmil lguas de comprido, e o Rio das Amazonas da Cidade de Belm para

    cima j se lhe tem contado mais de trs mil, e ainda se lhe no sabe prin-cpio. Por isso os naturais lhe chamam Par, e os Portugueses Maranho,

    que tudo quer dizer mar, e mar grande. E vem-lhe curto tambm onome de Babel, porque na Torre de Babel, como diz So Jernimo, houve

    somente setenta e duas lnguas, e as que se falam no Rio das Amazonasso tantas, e to diversas, que se lhes no sabe o nome, nem o nmero.As conhecidas at o ano de no descobrimento do Rio de Quito eramcento e cinquenta. Depois se descobriram muitas mais, e a menor partedo Rio, de seus imensos braos, e das naes, que os habitam, o que

    est descoberto. Tantos so os povos, tantas, e to ocultas as lnguas, e deto nova, e nunca ouvida inteligncia:Ad populos multos profundi sermonis,

    et ignotae linguae, quorum non possis audire sermones.Nesta ltima clusula do Profeta: Quorum non possis audire sermones, a

    palavra ouvir significa entender; porque o que se no entende comose no se ouvira. Mas em muitas das naes desta Conquista se verificaa mesma palavra no sentido natural, assim como soa, porque h lnguasentre elas de to escura, e cerrada pronunciao, que verdadeiramentese pode afirmar que se no ouvem: Quorum non possis audire sermones. Porvezes me aconteceu estar com o ouvido aplicado boca do brbaro, e ainda

    Regio ao norte da ndia.

    Antigo Iro. O Preste Joo (Preste, i.e., Sacerdote, do gr. presbyteros, depois preboste e, por apcope, Preste)

    foi um lendrio soberano cristo do Oriente que detinha funes de patriarca e rei, que veio a seridentificado com o Imperador da Etipia.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    14/27

    do intrprete, sem poder distinguir as slabas, nem perceber as vogais, ouconsoantes, de que se formavam, equivocando-se a mesma letra com duas,

    e trs semelhantes, ou compondo-se (o que mais certo) com misturade todas elas: umas to delgadas, e subtis, outras to duras, e escabrosas,outras to interiores, e escuras, e mais afogadas na garganta, que pro-nunciadas na lngua; outras to curtas, e subidas, outras to estendidas, e

    multiplicadas, que no percebem os ouvidos mais que a confuso; sendocerto em todo rigor que as tais lnguas no se ouvem, pois se no ouvedelas mais que o sonido, e no palavras dearticuladas, e humanas, comodiz o Profeta: Quorum non possis audire sermones.

    De Jos, ou do Povo de Israel no Egito, diz Davi por grande encare-

    cimento de trabalho: Linguam, quam non noverat, audivit[Sl , ]: queouvia a lngua, que no entendia. Se trabalho ouvir a lngua que no

    entendeis, quanto maior trabalho ser haver de entender a lngua queno ouvis? O primeiro trabalho ouvi-la; o segundo perceb-la; o terceiroreduzi-la a gramtica, e a preceitos; o quarto estud-la; o quinto (e noo menor, e que obrigou a So Jernimo a limar os dentes) o pronunci--la. E depois de todos estes trabalhos ainda no comeastes a trabalhar,

    porque so disposies somente para o trabalho. Santo Agostinho inten-

    tou aprender a Lngua Grega, e chegando segunda declinao, em quese declina Ophis, que quer dizer Serpente, no foi mais por diante, e

    disse com galantaria: Ophis me terruit: a Serpente me meteu tal medo,que me fez tornar atrs. Pois se a Santo Agostinho, sendo Santo Agos-tinho, se guia dos entendimentos humanos se lhe fez to dificultosoaprender a Lngua Grega, que est to vulgarizada entre os Latinos, e tofacilitada com Mestres, com Livros, com Artes, com Vocabulrios, e comtodos os outros instrumentos de aprender; que sero as lnguas brbaras,e barbarssimas de umas gentes, onde nunca houve quem soubesse ler,

    nem escrever? Que ser aprender o Nheengaba, o Juruuna, o Tapaj, oTerememb, o Mamaian, que s os nomes parece que fazem horror?

    As letras dos Chinas, e dos Japes muita dificuldade tm, porque soletras hieroglficas, como as dos Egpcios; mas enfim aprender lngua degente poltica, e estudar por letra, e por papel. Mas haver de arrostar com

    uma lngua bruta, e de brutos, sem livro, sem mestre, sem guia, e no meiodaquela escuridade, e dissonncia haver de cavar os primeiros alicerces,e descobrir os primeiros rudimentos dela; distinguir o Nome, o Verbo,o Advrbio, a proposio, o nmero, o caso, o tempo, o modo, e modos

    nunca vistos, nem imaginados, como de homens enfim to diferentes

    Ouviu uma lngua que no conhecia.

    A serpente meteu-me medo.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    15/27

    dos outros nas lnguas, como nos costumes; no h dvida que empresamuito rdua a qualquer entendimento, e muito mais rdua vontade,

    que no estiver muito sacrificada, e muito unida com Deus. Receber aslnguas do Cu milagrosamente em um momento, como as receberamos Apstolos, foi maior felicidade; mas aprend-las, e adquiri-las dico

    por dico, e vocbulo por vocbulo fora de estudo, de diligncia, ede continuao; assim como ser maior merecimento, tambm muitodiferente trabalho: e para um, e outro se requer muita graa do EspritoSanto, e grande cabedal de amor de Deus. Maior rigor usa neste caso oamor de Deus com os Pregadores do Evangelho, do que usou a justia deDeus com os edificadores da Torre de Babel. Aos que edificavam a Torre

    de Babel, condenou-os a justia de Deus a falar diversas lnguas, mas no aaprend-las; aos que pregam a F entre as Gentilidades, condena-os o amorde Deus, no s a que falem as suas lnguas, seno a que as aprendam; quese no fora por amor, era muito maior castigo. E que amor ser necessrio

    para um homem, e tantos homens, se condenarem voluntariamente, nos cada um a uma lngua (como os da Torre) mas muitos a muitas?

    Vejo porm que me perguntais: Pois, se a Deus to fcil infundir acincia das lnguas em um momento, e se antigamente deu aos Apstolos

    o dom das lnguas, para que pregassem a F pelo mundo; agora porqueno d o mesmo dom aos Pregadores da mesma F, principalmente em

    Cristandades, ou Gentilidades novas, como estas nossas? Esta dvida mui antiga, e j lhe respondeu So Gregrio Papa, e Santo Agostinho,posto que variamente. A razo literal : porque Deus regularmente nofaz milagres sem necessidade: quando faltam as foras humanas, ento

    suprem as divinas. E como Cristo queria converter o mundo s com dozehomens; para converter um mundo to grande, tantas Cidades, tantos

    Reinos, tantas Provncias, com to poucos Pregadores, era necessrio que

    milagrosamente se lhes infundissem as lnguas de todas as naes, por-que no tinham tempo, nem lugar para as aprender; porm depois quea F esteve to estendida, e propagada, como est hoje, e houve muitosMinistros, que a pudessem pregar, aprendendo as lnguas de cada nao,cessaram comummente as lnguas milagrosas, porque no foi necessriaa continuao do milagre. Vede-o nas lnguas do Esprito Santo.

    Apparuerunt dispertitae linguae tanquam ignis, seditque supra singulos eorum[At, ]: Apareceram sobre os Apstolos muitas lnguas de fogo, o qualse assentou sobre eles. No sei se reparais na diferena: diz que apare-

    ceram as lnguas, e que o fogo se assentou. E porque se no assentaramas lnguas, seno o fogo? Porque as lnguas no vieram de assento, o fogosim. Os dons, que o Esprito Santo trouxe hoje consigo sobre os Apstolos,foram principalmente dois: o dom das lnguas, e o dom do amor de Deus;

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    16/27

    o dom das lnguas no se assentou, porque no havia de perseverar: acabou

    geralmente com os Apstolos:Apparuerunt dispertitae linguae. Apareceram

    as lnguas, e desapareceram. Porm o dom do fogo, o dom do amor deDeus, esse se assentou: Sedit supra singulos eorum, porque veio de assento,e perseverou no s nos Apstolos, seno em todos os seus sucessores.

    E assim vimos em todas as idades, e vemos tambm hoje tantos varesApostlicos, em que est to vivo este fogo, to fervoroso este esprito,e to manifesto, e to ardente este amor. Aos Apstolos deu-lhes Deuslnguas de fogo, aos seus sucessores deu-lhes fogo de lnguas. As lnguas defogo acabaram, mas o fogo de lnguas no acabou, porque esse fogo, esseEsprito, esse amor de Deus faz aprender, estudar, e saber essas lnguas.

    E quanto a esta cincia das lnguas, muito mais letra se cumpre nosvares Apostlicos de hoje a promessa de Cristo, que nos mesmos Aps-

    tolos antigos; porque Cristo disse Ille vos docebit, que o Esprito Santo osensinaria. E aos Apstolos da Igreja primitiva no lhes ensinou o Esprito

    Santo as lnguas, deu-lhas, e infundiu-lhas; aos Apstolos de hoje nolhes d o Esprito Santo as lnguas, vem-lhas infundir, ensina-lhas: Ille vosdocebit. As primeiras lnguas foram dadas com milagre, as segundas soensinadas sem milagre; mas eu tenho estas por mais milagrosas, porque

    menos maravilha em Deus pod-las dar sem trabalho, que no homemquer-las aprender com tanto trabalho: em Deus argui um poder infinito,

    que em Deus natureza; no homem argui um amor de Deus excessivo,que sobre a natureza do homem. Com razo comete logo Cristo esteofcio de ensinar ao Esprito Santo, e passa os Seus Discpulos da Escolada Sabedoria para a Escola do amor: Ille vos docebit.

    V .

    Est dito, e est provado. Mas que se tira, ou colhe daqui? Parecerporventura aos ouvintes que esta doutrina s para os Pregadores da F,para os Religiosos, para os Missionrios, para os Pastores, e Ministros daIgreja? Assim ser noutras terras: nestas nossas para todos. Nas outrasterras uns so Ministros do Evangelho, e outros no; nas Conquistas dePortugal todos so Ministros do Evangelho. Assim o disse Santo Agos-tinho pregando na frica, que tambm uma das nossas Conquistas.Explicava o Santo aquela sentena de Cristo: Ubi sum ego, illic et ministermeus erit[Jo, ], em que o Senhor promete que onde Ele est, esta-

    ro tambm Seus Ministros. E convertendo-seo grande Doutor para

    Onde Eu estiver, a tambm estar o meu servidor(em lat.minister, de minus, menos). Os ouvintesainda entenderiam o pregador dada a perceo dos ministros como servidores do Rei.

    Voltando-se; pregando.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    17/27

    o povo, disse desta maneira: Cum auditis, fratres, Dominum dicentem, illic

    et minister meus erit, nolite tantummodo bonos Episcopos, et Clericos cogitare;

    etiam vos pro modulo vestro ministrate Christo

    : Quando ouvis os prmios,que Cristo promete a Seus Ministros, no cuideis que s os Bispos, e os

    Clrigos so Ministros Seus: tambm vs por vosso modo no s podeis,mas deveis ser Ministros de Cristo. E por que modo ser Ministro deCristo um homem leigo sem letras, sem ordens, e sem grau algum naIgreja? O mesmo Santo o vai dizendo: Bene vivendo: vivendo bem, e dandobom exemplo; Eleemosynas faciendo: fazendo esmolas, e exercitando asoutras obras de caridade; Nomen doctrinamque ejus, quibus potuerit, praedi-

    cando: e pregando o nome de Cristo, e ensinando a Sua F, e doutrina a

    todos aqueles a quem puder; Unusquisque paterfamilias pro Christo, et pro vitaaeterna suos omnes admoneat, doceat, hortetur, corripiat, impendat benevolentiam,

    exerceat disciplinam: Cada um dos pais de famlias em sua casa por amorde Cristo, e por amor da vida eterna ensine a todos os seus o que devemsaber, encaminhe-os, exorte-os, repreenda-os, castigue-os, tire-os das

    ms ocasies; e j com amor, j com rigor zele, procure, e faa diligncia,porquevivam conforme a Lei de Cristo. Este tal pai de famlias queser? Ouvi, Cristos, para consolao vossa o que conclui Agostinho: Ita in

    domo sua Ecclesiasticum, et quodammodo Episcopale implebit officium, ministransChristo, ut in aeternum sit cum ipso: Por este modo um pai de famlias,

    um homem leigo far em sua casa no s ofcio Eclesistico, mas ofcioEpiscopal, e no s ser qualquer Ministro de Cristo, seno o maior detodos os Ministros, quais so os Bispos, servindo, e ministrando nestavida a Cristo, para reinar eternamente com Ele: Ministrans Christo, ut inaeternum sit cum ipso. Isto dizia Santo Agostinho aos seus povos da frica,e o pudera dizer com muito maior razo aos nossos da Amrica.

    Oh se o Divino Esprito, que hoje desceu sobre os Apstolos, descera

    eficazmente com um raio de Sua divina luz sobre todos os moradoresdeste Estado, para que dentro, e fora de suas casas acudiram s obrigaes,que devem F, que professam; como certo que ficariam todos nestedia no s verdadeiros Ministros, mas Apstolos de Cristo? Que coisa ser Apstolo? Ser Apstolo nenhuma outra coisa seno ensinar a F,

    Aug. (NA) Quando ouvis o Senhor dizer: a estar tambm o meu servidor [minister], no penseis, Irmos,

    somente em bispos e clrigos de grande importncia; na vossa pequenina medida, servi [ministrate]tambm vs, a Cristo.

    Dando esmolas. Pregando, queles a quem puder, o Seu nome e a Sua doutrina. Cada pai de famlia admoeste, ensine, exorte, corrija, use de benevolncia, exera a disciplina, por

    Cristo e pela vida eterna.

    Leia-se para que. Servindo a Cristo qual ministro seu, desempenhar tambm ele em sua casa um ofcio eclesistico,

    a bem dizer episcopal, ficando assim a Seu lado eternamente.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    18/27

    e trazer Almas a Cristo; e nesta Conquista ningum h que o no possa,e ainda que o no deva fazer. Primeiramente nesta Misso do Rio das

    Amazonas, que amanh parte (e que Deus seja servido levar, e trazer tocarregada de despojos do Cu, como esperamos, e com tanto remdio para

    a terra, como se deseja), que Portugus vai de escolta, que no v fazendoofcio de Apstolo? No s so Apstolos os Missionrios, seno tambm

    os Soldados, e Capites; porque todos vo buscar Gentios, e traz-los aolume da F, e ao grmio da Igreja. A Igreja formou-se do lado de Cristo,seu Esposo, como Eva se formou do lado de Ado. E formou-se quandodo lado de Cristo na Cruz saiu sangue, e gua: Exivit sanguis, et aqua[Jo, ]. O sangue significava o preo da Redeno, e a gua a gua do

    Batismo; e saiu o sangue junto com a gua, porque a virtude, que tema gua, recebida do sangue. Mas pergunto agora: este lado de Cristo,

    donde saiu, e se formou a Igreja, quem o abriu? Abriu-o um soldado comuma lana, diz o Texto: Unus militum lancea latus ejus aperuit[Ibidem]. Pois

    tambm os soldados concorrem para a formao da Igreja? Sim; por-

    que muitas vezes necessrio que os soldados com suas armas abram,e franqueiem a porta, para que por essa porta aberta, e franqueada secomunique o sangue da Redeno, e a gua do Batismo: Et continuo exivit

    sanguis, et aqua

    . E quando a F se prega debaixo das armas, e sombradelas, to Apstolos so os que pregam, como os que defendem; porque

    uns, e outros cooperam salvao das Almas.E se eu agora dissesse que nesta Conquista, assim como os homens

    fazem ofcio de Apstolos na campanha, assim o podem fazer as mulhe-

    res em suas casas? Diria o que j disseram grandes Autores: eles na

    campanha trazendo Almas para a Igreja fazem ofcio de Apstolos, eelas em suas casas doutrinando seus escravos, e escravas, fazem ofciode Apstolas. No o nome, nem a gramtica minha; do doutssimo

    Salmeiro, o qual chamou s Marias:Apostolorum Apostolas: Apstolasdos Apstolos: e porqu? Porque lhes anunciaram o mistrio da Ressur-reio de Cristo. Pois se aquelas mulheres, que anunciaram a homensj Cristos, e Discpulos de Cristo um s mistrio, merecem nome deApstolas; aquelas que anunciam, e ensinam a seus escravos Gentios, erudes, todos os mistrios da salvao, quanto mais merecem este nome?Pe-se uma de vs a ensinar por amor de Deus ao seu Tapuia, e suaTapuia o Creio em Deus Padre, e que lhe ensina? Ensina-lhe o mistrio

    altssimo da Santssima Trindade, o mistrio da Encarnao, o da Morte,

    Um dos soldados trespassou-Lhe o lado com a lana.

    E imediatamente saiu sangue e gua. Afonso Salmern, (-), um dos primeiros jesutas, telogo do Conclio de Trento e erudito

    exegeta da Bblia.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    19/27

    o da Ressurreio, o da Ascenso de Cristo, o da vinda do Esprito Santo,o do Juzo, o da Vida eterna, e todos os que cremos, e professamos os

    Cristos. Vede se merece nome de Apstola uma mestra destas.No h dvida que homens, e mulheres todos so capazes destealtssimo nome, e deste divino, ou divinssimo exerccio. Faz duas

    Parbolas Cristo no Evangelho: uma de um Pastor, que perdeu

    uma ovelha, e a foi buscar, e trazer dos matos aos ombros; outra deuma Mulher, que perdeu uma Dracma, ou moeda de prata, e acendeuuma candeia para a buscar, e a buscou, e achou em sua casa. Esta ove-

    lha, e esta moeda perdidas, e achadas, so as Almas desencaminhadas,e erradas, que se convertem, e encaminham a Deus: quem buscou, e

    achou a ovelha na primeira Parbola, e quem buscou, e achou a moedana segunda, so os Ministros Evanglicos, que trazem, e reduzem a

    Deus estas Almas. Pois se em uma, e outra Parbola significam estasduas pessoas os Ministros Evanglicos, que trazem Almas a Deus;

    porque na primeira introduziu Cristo um homem, que o Pastor,

    e na segunda uma mulher, que a que acendeu a candeia? Para nosensinar Cristo que assim homens, como mulheres todos podem salvarAlmas: os homens no campo com o cajado, e as mulheres em casa

    com a candeia; os homens no campo entrando pelos matos com asarmas, e as mulheres em casa alumiando, e ensinando a doutrina. Vedecomo estava isto profetizado pelo Profeta Joel no mesmo Captulo

    segundo, que foi o que hoje declarou So Pedro ao Povo de Jerusalm:Sed et super servos meos, et ancillas in diebus illis effundam spiritum meum, et

    prophetabunt[ Jl, ]: Naqueles dias, diz Deus, derramarei o meuEsprito sobre os meus servos, e sobre as minhas servas, e todos pre-garo. Notai: no diz Deus que derramar o Seu Esprito s sobre osservos, seno sobre os servos, e sobre as servas: Super servos meos, et

    super ancillas. Porque no s os homens, seno os homens, e tambmas mulheres podem, e devem, e ho de pregar, e dilatar a F, cadaum conforme seu estado: Et prophetabunt. Por isso hoje com grandemistrio no Cenculo de Jerusalm, onde desceu o Esprito Santo, nos se acharam homens, seno mulheres: erant perseveran-tes unanimiter in oratione cum mulieribus[At, ]. Estavam homens,

    e estavam mulheres no Cenculo, porque a homens, e a mulheres

    vinha o Esprito Santo fazer Mestres, e Mestras da doutrina do Cu,e ensin-los, para que a ensinassem: Ille vos docebit.

    Princeps: Hi omnesem vez de Homines, cuja restituio claramente exigida pela parfrase de Vieira:no s se acham homens, seno mulheres. (NT)

    Perseveravam os homens unanimemente na orao, juntamente com algumas mulheres.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    20/27

    V I .

    Suposto pois que no s aos Eclesisticos, seno tambm aos secu-

    lares, no s aos homens, seno tambm s mulheres pertence, ou decaridade, ou de justia, ou de ambas estas obrigaes ensinar a F, ea Lei de Cristo aos Gentios, e novos Cristos naturais destas terras,

    em que vivemos, cada um conforme seu estado; no haja de hoje emdiante, com a graa do Esprito Santo, quem se no faa discpulo deste

    divino, e soberano Mestre, para o poder ser ao menos dos seus escravos.Os que sabeis a lngua tereis maior facilidade; os que a no sabeis tereismaior merecimento. E uns, e outros, ou por ns mesmos (que sempreser o melhor) ou por outrem, vos deveis aplicar a este to Cristo,

    e to devido exerccio, com tal diligncia, e cuidado, que nenhum faltecom o pasto necessrio da doutrina s poucas, ou muitas ovelhinhas

    de Cristo, que o Senhor lhes tiver encomendadas, pois todos nesta

    Conquista sois Pastores, ou guardadores deste grande Pastor. Muitoso fazem, assim com grande zelo, Cristandade, e edificao; mas bemque o faam todos.

    E ningum se escuse (como escusam alguns) com a rudeza da gente,e com dizer, como acima dizamos, que so pedras, que so troncos,

    que so brutos animais; porque ainda que verdadeiramente alguns osejam, ou o paream, a indstria, e a graa tudo vence, e de brutos,e de troncos, e de pedras os far homens. Dizei-me, qual mais pode-rosa: a graa, ou a natureza? A graa, ou a arte? Pois o que faz a arte, ea natureza, porque havemos de desconfiar que o faa a graa de Deusacompanhada da vossa indstria? Concedo-vos que esse ndio brbaro,e rude seja uma pedra: vede o que faz em uma pedra a arte. Arranca oEstaturio uma pedra dessas montanhas tosca, bruta, dura, informe,e depois que desbastou o mais grosso, toma o mao, e o cinzel na mo,

    e comea a formar um homem, primeiro membro a membro, e depoisfeio por feio at a mais mida: ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe atesta, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe asfaces, torneia-lhe o pescoo, estende-lhe os braos, espalma-lhe as mos,divide-lhe os dedos, lana-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolrecama: e fica um homem perfeito, e talvez um Santo, que se pode prno Altar. O mesmo ser c, se a vossa indstria no faltar graa divina. uma pedra, como dizeis, esse ndio rude? Pois trabalhai, e continuaicom ele (que nada se faz sem trabalho, e perseverana), aplicai o cinzel

    um dia, e outro dia, dai uma martelada, e outra martelada, e vs vereiscomo dessa pedra tosca, e informe, fazeis no s um homem, seno umCristo, e pode ser que um Santo. No menos que promessa, e profeciado maior de todos os Profetas: Potens est Deus de lapidibus istis suscitare

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    21/27

    filios Abrahae [Lc, ]: Poderoso Deus a fazer destas pedras filhosde Abrao. Abrao o Pai de todos os que tm F; e dizer o Batista

    que Deus faria de pedras filhos de Abrao foi certificar, e profetizar,que de Gentios idlatras, brbaros, e duros como pedras, por meio da

    doutrina do Evangelho havia Deus de fazer no s homens, seno Fiis,e Cristos, e Santos. Santo Ambrsio: Quid aliud quam lapides habebantur,qui lapidibus serviebant, similes utique his, qui fecerant eos? Prophetatur igitur

    saxo gentilium fides infundenda pectoribus, et futuros per fidem Abrahaefilios oraculo pollicetur. Assim o profetizou o Batista; e assim como elefoi o Profeta deste milagre, vs sereis o instrumento dele. Ensinai, edoutrinai estas pedras, e fareis de pedras no esttuas de homens, seno

    verdadeiros homens, e verdadeiros filhos de Abrao por meio da Fverdadeira. O que se faz nas pedras mais facilmente se pode fazer nos

    troncos, onde menor a resistncia, e a bruteza.S para fazer de animais homens, no tem poder, nem habilidade a

    arte, mas a natureza sim; e maravilha, que por ordinria o no parece.Vede-a. Fostes caa por esses bosques, e campinas, matastes o Veado,a Anta, o Porco monts; matou o vosso escravo o Camaleo, o Lagarto, oCrocodilo; comeu ele com os seus parceiros, comestes vs com os vos-

    sos amigos: e que se seguiu? Dali a oito horas, ou menos (se com menosse contentar Galeno), a Anta, o Veado, o Porco monts, o Camaleo,o Lagarto, o Crocodilo, todos esto convertidos em homens: j carnede homem o que pouco antes era carne de feras. Pois se isto pode fazer anatureza por fora do calor natural, porque o no far a graa muito maiseficazmente por fora do calor, e fogo do Esprito Santo? Se a naturezanaturalmente pode converter animais feros em homens, a graa sobre-naturalmente porque no far esta converso? O mesmo Esprito Autorda graa o mostrou assim, e o ensinou a So Pedro. Estava So Pedro em

    orao na cidade de Jope; eis que v abrir-se o Cu, e descer um comogrande lenol (assim lhe chama o Texto) suspendido por quatro pontas,e no fundo dele uma multido confusa de feras, de serpentes, de avesde rapina, e de todos os outros animais silvestres, bravos, asquerosos, epeonhentos, que na Lei Velha se chamavam imundos. Trs vezes namesma hora viu So Pedro esta representao, cada vez mais suspenso,

    e duvidoso do que poderia significar; e trs vezes ouviu juntamente

    At mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abrao. Princeps: sis. Ambros. (NA) Por que outra coisa seno por pedras haviam de ser tidos os que a pedras serviam? pois seme-

    lhantes a eles [sc. os dolos, cf. Sl , ] so decerto os que os fizeram? Por pedra, profetiza-se quea f h de ser um dia infundida nos coraes dos gentios e, na mesma profecia, promete-se que,atravs da f, ho de vir a ser filhos de Abrao.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    22/27

    uma voz, que lhe dizia: Surge Petre, occide, et manduca[At, ]: Eia,Pedro, matai, e comei. As palavras no declaravam o enigma, antes o

    escureciam mais, porque lhe parecia a So Pedro impossvel que Deus,que tinha vedado aqueles animais, lhos mandasse comer. Batem porta

    neste mesmo ponto, e era um recado, ou embaixada de um Senhor

    Gentio, chamado Cornlio, Capito dos presdios Romanos de Cesareia,o qual se mandava oferecer a So Pedro, para que o instrusse na F, eo batizasse. Este Gentio, como diz Santo Ambrsio, foi o primeiro quepediu, e recebeu a F de Cristo: e por este efeito, e pela declarao de umAnjo entendeu ento So Pedro o que significava a viso. Entendeu queaquele lenol to grande era o mundo; que as quatro pontas, por onde

    se suspendia, eram as quatro partes dele; que os animais feros, imun-dos, e reprovados na Lei, eram as diversas naes de Gentios brbaras, e

    indmitas, que at ento estavam fora do conhecimento, e obedincia deDeus, e que o mesmo Senhor queria que viessem a ela. At aqui o Texto,e a inteligncia dele.

    Mas se aqueles animais significavam as naes dos Gentios, e estasnaes queria Deus que So Pedro as ensinasse, e convertesse, como lhemanda que as mate, e que as coma? Por isso mesmo: porque o modo de

    converter feras em homens matando-as, e comendo-as; e no h coisamais parecida ao ensinar, e doutrinar, que o matar, e o comer. Para uma

    fera se converter em homem, h de deixar de ser o que era, e comear aser o que no era; e tudo isto se faz matando-a, e comendo-a: matando-a,

    deixa de ser o que era, porque morta j no fera; comendo-a, comeaa ser o que no era, porque comida, j homem. E porque Deus queria

    que So Pedro convertesse em homens, e homens fiis todas aquelas

    feras, que lhe mostrava, por isso a voz do Cu lhe dizia que as matasse,e as comesse: Occide, et manduca. Querendo-lhe dizer que as ensinasse, e

    doutrinasse; porque o ensinar, e doutrinar havia de fazer nelas os mesmosefeitos que o matar, e o comer. Ouvi a So Gregrio Papa: Primo Pastoridicitur, macta, et manduca: quod mactatur quippe a vita occiditur; id vero quod

    comeditur, in comedentis corpore commutatur: macta ergo, et manduca, dicitur,

    id est, a peccato eos, qui vivunt, interfice, et a se ipsis illos in tua membra con-

    vertere.Querendo Deus que So Pedro ensinasse a F queles Gentios,diz-lhe que os mate, e que os coma; porque o que se mata deixa de ser

    Levanta-te, Pedro, mata e come. Greg. Pap. (NA) Mata e come, foi dito ao Primeiro Pastor [i.e., S. Pedro, primeiro papa]. Ora bem, o que se mata

    certamente algo que se corta e separa da vida. Por sua vez, aquilo que se come converte-se no corpode quem come. Mata e come, pois de entender-se: corta e separa do pecado os que dele viveme converte-os, de si mesmos, em membros teus (i.e., da Igreja, Corpo de Cristo, de quem os fiisso os membros, cf. Ef , ). (NT)

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    23/27

    o que ; e o que se come converte-se na substncia, e nos membros dequem o come. E ambos estes efeitos havia de obrar a doutrina de So

    Pedro naqueles Gentios feros, e brbaros. Primeiro haviam de morrer,porque haviam de deixar de ser Gentios, e logo haviam de ser comidos, e

    convertidos em membros de So Pedro, porque haviam de ficar Cristos,e membros da Igreja, de que So Pedro a cabea. De maneira, que assimcomo a natureza faz de feras homens, matando, e comendo, assim tam-bm a graa faz de feras homens, doutrinando, e ensinando. Ensinasteso Gentio brbaro, e rude; e que cuidais que faz aquela doutrina? Matanele a fereza, e introduz a humanidade; mata a ignorncia, e introduz oconhecimento; mata a bruteza, e introduz a razo; mata a infidelidade, e

    introduz a F: e deste modo por uma converso admirvel o que era ferafica homem; o que era Gentio fica Cristo; o que era despojo do pecado

    fica membro de Cristo, e de So Pedro:Occide, et manduca. E como a graado Esprito Santo por meio da doutrina da F, melhor que a arte, e melhorque a natureza, de pedras, e de animais sabe fazer homens; ainda que osdestas Conquistas fossem verdadeiramente, ou to irracionais como osbrutos, ou to insensveis como as pedras, no era bastante dificuldadeesta, nem para desculpar o descuido, nem para tirar a obrigao de os

    ensinar: Ille vos docebit.

    V I I .

    E para que ningum falte a esta obrigao, e a este cuidado, s vosquero lembrar o grande servio que fareis a Deus, se o fizerdes, e a grandeconta que Deus vos h de pedir, se vos descuidardes. passo, de que melembro, e tremo muitas vezes, o que agora vos direi. Estavam os Apstolosno Monte Olivete em o dia da Ascenso com os olhos pregados no Cu,

    e com os coraes dentro nele, porque j Se lhes escondera da vista oMestre, e o Senhor, que em Si, e aps Si lhos levara. Estavam enlevados,estavam suspensos, estavam arrebatados, e quase no em si de amor, deadmirao, de glria, de jbilos, de saudades; eis que aparecem dois Anjos,

    e lhes dizem estas palavras: Viri Galilaei, quid statis aspicientes in Caelum?

    Hic Jesus, qui assumptus est a vobis in Caelum, sic veniet[At , ]: Vares

    Galileus, que fazeis aqui olhando para o Cu? Este mesmo Senhor, queagora Se apartou de vs, h de vir outra vez, porque h de vir a julgar.Notveis palavras por certo, e ditas a tais pessoas, em tal lugar, e em tal

    ocasio! De maneira, que estranham os Anjos aos Apstolos estarem

    Homens da Galileia, porque estais a a olhar para o cu? Esse Jesus que foi arrebatado dentre vspara o cu assim h de tambm voltar.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    24/27

    no Monte Olivete olhando para o Cu, de saudades de Cristo: e para osobrigarem a que se vo logo dali (como se foram) os ameaam com o dia

    do Juzo, e com a lembrana da conta? Pois estar em um monte apar-tado das gentes, estar com os olhos postos no Cu, estar arrebatado nacontemplao da Glria, estar enlevado no amor, e saudades de Cristo,

    coisa digna de se estranhar, e de a estranharem os Anjos? Em tal casosim: porque se em todos os homens digno de estranhar no deixaremo mal pelo bem, nos Apstolos era digno de estranhar no deixarem obem pelo melhor. O ofcio, e obrigao dos Apstolos era pregar a F, esalvar Almas; a ordem que Cristo lhes tinha dado era que se recolhessem

    a Jerusalm a preparar-se para a pregao com os dons do Esprito Santo,

    que lhes mandaria; e deixar o Monte Olivete pelo Cenculo, deixar acontemplao pela escola das lnguas, deixar de olhar para o Cu para

    acudir s cegueiras da terra, deixar enfim as saudades de Cristo pela sadede Cristo, no era deixar o bem, seno melhor-lo, porque era trocar umbem grande por outro maior: era deixar um servio de Deus por outromaior servio, uma vontade de Deus por outra maior vontade, uma glriade Deus por outra maior glria. O contemplar em Deus obra divina;mas o levar Almas para Deus obra divinssima. Assim lhe chamou So

    Dionsio Areopagita

    : Opus Dei divinissimum

    . E a obrigao dos Apsto-los, e Vares Apostlicos no s buscar o divino, seno o mais divino:

    deixar o divino pelo divinssimo. Por isso lhes estranham os Anjos oestarem parados no Monte, e com os olhos suspensos no Cu; por issolhes dizem: Quid statis?: Que estais aqui fazendo?, como se o que faziamnenhuma comparao tivera com o que haviam de fazer. O que faziam,e o que os ocupava, eram contemplaes, admiraes, xtases, arreba-tamentos; o que haviam de fazer, e o em que se haviam de ocupar, erapregar, ensinar, doutrinar, batizar, converter Almas: e tudo aquilo em

    comparao disto no juzo dos Anjos, que melhor que ns o entendem,que ? Um quid, uma coisa que se pode duvidar se alguma coisa; ummuito menos do que devera ser; um estar parados, um no ir por diante:Quid statis? Vede, vede vs, e vs (com todos, e com todas falo) quo

    grande servio fazeis a Deus, quando ensinais os vossos escravos, quandopara isso aprendeis as lnguas, quando escreveis, e estudais o Catecismo,quando buscais o intrprete, ou o mestre, e quando talvez s para estefim o pagais, e o sustentais. Oh ditoso dispndio! Oh ditoso estudo! Ohditoso trabalho! Oh ditoso merecimento, e sem igual diante de Deus! Em

    Trata-se do Pseudo-Dionsio, o Areopagita, nome pelo qual conhecido o autor de um conjunto detextos (Corpus Areopagiticum) que exerceu, segundo os historiadores da filosofia e da arte, uma forteinfluncia em toda a mstica crist ocidental na Idade Mdia.

    Obra divinssima de Deus.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    25/27

    suma, Cristos, que maior bem, e maior servio de Deus, e maior glriaSua estar ensinando um negrinho da terra, que se estivreis enlevados,

    e arrebatados no Cu: Quid statis aspicientes in Caelum?E se to grande o servio, que fazem a Deus os que tm este cui-dado; os que o no tm, os que to descuidados, e esquecidos vivem da

    doutrina, da Cristandade, e da salvao de seus escravos, que rigorosa,que estreita, e que estreitssima conta vos parece que lhes pedir Deus?Ameaam os Anjos aos Apstolos com o dia do Juzo, e reparam-lhes emmomentos do Monte Olivete. Porqu? Porque eram homens, que tinham sua conta Almas alheias; e quem tem Almas alheias sua conta, at deum momento, que no cuidar muito delas, h de dar muito estreita conta

    a Deus. Oh que terrvel conta h de pedir Deus no dia do Juzo a todosos que vivemos neste Estado, porque todos temos Almas nossa conta!

    Os Pregadores todas; os Pastores as das suas Igrejas; os leigos as das suasfamlias. Se to dificultoso dar boa conta de uma s Alma, que serde tantas? So Jernimo sobre tanto deserto, sobre tantas penitncias,sobre tantos trabalhos em servio de Deus, e da Igreja, estava sempretremendo da trombeta do dia do Juzo, pela conta que havia de dar da suaAlma. A Alma de Santo Hilario Abadedepois de oitenta anos de vida

    eremtica, e de tantas, e to insignes vitrias contra o Demnio, tremiatanto da conta, que no se atrevia a sair do corpo, estando o Santo para

    expirar, e foi necessrio que ele a animasse.Pois se os Jernimos, se os Hilaries, se as maiores colunas da Igreja

    temem de dar conta de uma Alma depois de vidas to santas, vs depoisdas vossas vidas, que certo no foram to ajustadas com a Lei de Deus,como as suas; que conta esperais dar a Deus, no de uma, seno de tan-

    tas Almas? Uns de cinquenta Almas, outros de cem Almas, outros de

    duzentas Almas, outros de trezentas, outros de quatrocentas, e alguns

    de mil. Muitos h que tendes hoje poucas, mas naquele dia haveis de termuitas; porque todas as que morreram para o servio ho de ressuscitarpara a conta. As que tivestes, as que tendes, as que haveis de ter, todasnaquele dia ho de aparecer juntas diante do divino Tribunal a dar contacada uma de si, e vs de todas. Certo que eu antes quisera dar conta pelasua parte, que pela vossa. O escravo escusar-se- com o seu Senhor; maso Senhor com quem se h de escusar? O escravo poder-se- escusar como seu pouco entendimento, com a sua ignorncia; mas o Senhor com quese escusar? Com a sua muita cobia? Com a sua muita cegueira? Com

    faltar piedade? Com faltar humanidade? Com faltar Cristandade?

    Eremita do sculo ( c. d.C.), seguidor e discpulo de S.toAnto no deserto da Tebaida, estevetambm na Siclia, na Dalmcia e em Chipre, onde conviveu com S.toEpifnio.

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    26/27

    Com faltar F? Oh Deus justo, Deus misericordioso, que nem emVossa justia, nem em Vossa misericrdia acho caminho para sarem estas

    Almas de to intrincado labirinto! Se a Justia divina acha por onde con-denar um Gentio, porque no foi batizado, como achar a Misericrdiadivina por onde salvar um Cristo, que foi causa de ele se no batizar?

    Oh que justias pediro sobre vs naquele dia tantas infelizes Almas,de cuja infelicidade eterna vs fostes causa! Abel pedia justia a Deus,e salvou-se Abel, e est no Cu. Se Abel, se um irmo pede justia a

    Deus sobre o irmo, que lhe tirou a vida temporal, um escravo, e tantos

    escravos, que justia pediro a Deus sobre o Senhor, que lhes tirou a

    vida eterna? Se Abel, se uma Alma, que se salvou, e que est hoje vendo

    a Deus, pede justia; uma alma, e tantas Almas, que se condenaram, eesto ardendo no Inferno, e estaro por toda a eternidade, que justias

    pediro, que justias clamaro, que justias bradaro ao Cu, Terra, aoInferno, aos Homens, aos Demnios, aos Anjos, a Deus? Oh que espe-tculo to triste, e to horrendo ser naquele dia ver a um Portugusdestas Conquistas (e muito mais aos maiores, e mais poderosos) cercado

    de tanta multido de ndios, uns livres, outros escravos; uns bem, outrosmal cativos; uns Gentios, outros com nome de Cristos, todos condenados

    ao Inferno, todos ardendo em fogo, e todos pedindo justia a Deus sobreaquele desventurado homem, que neste mundo se chamou seu Senhor!

    Ai de mim, dir um, que me condenei por no ser batizado! Justiasobre meu ingrato Senhor, que me no pagou o servio de tantos anos,nem com o que to pouco lhe custava, como a gua do Batismo! Ai demim, dir outro, que me condenei por no conhecer a Deus, nem saberos mistrios da F! Justia sobre meu infiel Senhor, que mandando-meensinar tudo o que importava a seu servio s do necessrio minhasalvao nunca teve cuidado! Ai de mim, dir outro, que me condenei

    por passar toda a vida torpemente amigado contra a Lei de Deus! Justiasobre meu desumano Senhor, que por suas convenincias particulares me

    consentiu o pecado, e no quis consentir o Matrimnio! Ai de mim, diroutro, que me condenei por no me confessar nas Quaresmas, ou nome confessar a quem me entendesse, e me encaminhasse! Justia sobremeu avarento Senhor, que por no perder dois dias de servio me noquis dar, nem o tempo, nem o lugar, nem o Confessor, que minha Almahavia mister! Ai de mim, dir finalmente o outro, que me condeneipor morrer sem Sacerdote, nem Sacramento! Justia sobre meu tirano

    Senhor, que por me no chamar o remdio, ou no me mandar levar a

    ele, me deixou morrer como um bruto! Co me chamava sempre na

    vida, e como um co me tratou na morte. Isto dir cada um daquelesmiserveis escravos ao Supremo Juiz, Cristo. E todos juntos bradaro a

  • 7/25/2019 Vieira - Sermo Do Esprito Santo

    27/27

    Seu Sangue (de que por vossa culpa se no aproveitaram) Justia, justia,justia. Oh como sem dvida que naquele dia conhecereis quem vos

    dizia, e pregava a verdade! Oh como sem dvida que naquele dia do Juzohaveis de mudar de juzo, e de juzos! Hoje tendes por ditosos os que tmmuitos escravos, e por menos venturosos os que tm poucos; naquele dia

    os que tiveram muitos escravos sero desventurados, e os que tiverampoucos sero os ditosos, e mais ditoso o que no teve nenhum. Tende--os, Cristos, e tende muitos; mas tende-os de modo, que eles ajudema levar a vossa Alma ao Cu, e vs as suas. Isto o que vos desejo, isto o que vos aconselho, isto o que vos procuro, isto o que vos peopor amor de Deus, e por amor de vs, e o que quisera que levreis deste

    Sermo metido na Alma.O Esprito Santo, que hoje desceu sobre os Apstolos, e os ensinou,

    para que eles ensinassem ao mundo, desa sobre todos vs, e vos ensine aquerer ensinar, ou deixar ensinar aqueles a quem deveis a doutrina: paraque eles por vs, e vs com eles conseguindo nesta vida (que to cara voscusta) a Graa mereais gozar na outra com grandes aumentos a Glria.