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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CAMPUS NATAL CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO DEPARTAMENTO DE ARTES ALLAN PHYLLIPE GOMES CASSEMIRO DE ARAÚJO A EXCITAÇÃO DO CORPO SENSÍVEL: O voo da liberdade e a cura

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTECAMPUS NATAL

CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRODEPARTAMENTO DE ARTES

ALLAN PHYLLIPE GOMES CASSEMIRO DE ARAÚJO

A EXCITAÇÃO DO CORPO SENSÍVEL:O voo da liberdade e a cura

NATAL-RN2015

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ALLAN PHYLLIPE GOMES CASSEMIRO DE ARAÚJO

A EXCITAÇÃO DO CORPO SENSÍVEL:O voo da liberdade e a cura

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Licenciatura em Teatro, vinculada a Universidade Federal do Rio Grande do Norte submetido à apreciação dos professores Examinadores com vista à qualificação junto ao Curso.

Orientador: Prof. Dr. Robson Haderchpek

NATAL-RN2015

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DEDICATÓRIA

A todos e a todas que de alguma forma lutam para

que os sentimentos mais verdadeiros e profundos

nunca se percam frente aos desdobramentos e

desesperos do nosso mundo atual. Que esse

sentimento seja pleno, fértil e limpo; pleno de

excitações, fértil de igualdade e limpo de

preconceitos. Vibrações inteligentes beneficiando a

existência.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por ter me dado forças para seguir em frente nesse trabalho

que marca mais uma etapa em minha vida.

A minha Mãe, graça da minha existência como pessoa humana e graça da minha

luta frente às barreiras da vida.

Aos amigos e colegas de luta, que me acompanharam nesse sonho; principalmente

ao amigo Sebastião de Sales Silva que deu toda a força para concluir esse trabalho.

Ao professor e orientador Robson Carlos Haderchpek que me mostrou a

possibilidade de um caminho a ser percorrido.

A todos os atores do Curso de Licenciatura em Teatro, amigos e colegas presentes

em minha vida acadêmica.

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“Se eu falar, a minha dor não cessa e, calando-me, qual é o meu alívio?”

Jó 16.6v

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RESUMO

O presente trabalho busca compreender a construção de um corpo sensível a partir

de uma prática laboratorial desenvolvida através das minhas vivências no

Arkhétypos Grupo de Teatro e na disciplina de Atuação III. É feito um breve

levantamento histórico acerca das transformações que o Arkhétypos viveu ao longo

sua existência e são analisadas as diferenças e similaridades entre os quatro

espetáculos elementares: água, terra, ar e fogo. Através de uma pesquisa sobre as

minhas vivências no Grupo e através de uma investigação sobre o meu próprio

corpo reflito sobre minha descoberta pessoal.Tais reflexões foram fundamentadas a

partir da busca de um corpo sensível e ancoradas nos autores João Francisco

Duarte Junior; Jerzy Grotowski e Robson Haderchpek. Utilizo também ao longo

desta reflexão os meus diários de bordo e discorro sobre as três principais técnicas

que me levaram a compreender este estado sensível do corpo.O estudo foi pensado

numa perspectiva que dialoga a teoria e a prática chegando-se a uma definição de

corpo sensível que se expressa através da libertação do ser enclausurado, um ser

que usa suas excitações para fazer vibrar neste corpo cênico uma emoção memorial

libertaria mundo.

Palavras-chave: Corpo Sensível; Excitação; Teatro-Laboratorial; Arquétipo.

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ABSTRACT

This paper seeks to understand the construction of a sensitive body from a laboratory

practice developed through my experiences in Arkhétypos Theater Group and in the

class of Atuação III. It is made a brief historical survey about the transformations that

Arkhétypos lived throughout their existence and the differences and similarities are

analyzed between the four elementary performances: water, earth, air and fire.

Through a survey about my experiences in the Group and through an investigation of

my own body I reflect on my personal discovery. Such reflections were based from

the search for a sensitive body and anchored the authors João Francisco Duarte

Junior; Jerzy Grotowski and Robson Haderchpek. I use also throughout this

reflection my logbooks and I write about the three main techniques that led me to

understand this sensitive state of the body. The study was designed with a view that

dialogues theory and practice for coming to a definition of the sensible body that is

expressed through the liberation of the be human enclosed, a being who uses his

excitement to vibrate in this body scenic one memorial emotion deliver world.

Key-words: Sensitive body; Excitement; Theater-Lab; Archetype.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................09

CAPÍTULO 1 – ARKHÉTYPOS EM POUCAS PALAVRAS.................................14

1.1– REVO-AR: UMA HISTÓRIA DE DESCOBERTAS .......................................22

CAPÍTULO 2 – O CAMINHO PARA UM CORPO SENSÍVEL..............................28CAPÍTULO 3 – O “SOFRIMENTO” E A CURA ...................................................37

CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 46

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INTRODUÇÃO

Cada autor/pesquisador/artista do séc. XXI tenta a todo tempo se transformar

e se reinventar buscando uma identidade própria para a sua Arte. A procura por uma

arte que traduza um novo olhar sobre nossa sociedade e a cultura de um

determinado tempo faz também com que estes novos olhares (definições e

conceitos) se encontrem dentro dela mesma: da Arte.

No teatro deste novo século, segundo MARIZ (2008), são definidos dois tipos

de tendências opostas que se encontram em vigor fortemente no Ocidente: a

primeira caracterizada pela ligação com o mercado e seus meios de produção em

massa; um teatro “rico”, espetacularizado, onde se cruzam a atuação dos atores

com os grandes efeitos cênicos, figurinos ornamentados e uma luz privilegiada que

tenta a todo custo mostrar a “modernidade” de um século evolucionista. Já o

segundo, diferentemente do primeiro, tenta uma retomada das origens teatrais. O

ator é assim como o encenador, autor do seu próprio teatro; profano e ao mesmo

tempo sagrado: um teatro pobre e ritualístico feito para ser sentido.

A minha porta para o teatro foi aberta quando entrei para o curso de

licenciatura em teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte em 2010.

Disciplinas como Atuação I, II e III (respectivamente estudamos teatro naturalista-

realista, épico e o teatro embasado nos princípios antropológicos) fizeram com que a

minha visão para esse mundo teatral dualista1 fosse ampliada, identificando-me

assim, com um dos dois tipos estudados.

A vontade de estudar este teatro antropológico e ritualístico cresceu com o

tempo. Meu corpo pedia sempre mais deste teatro que dança ao mesmo tempo em

que representa. Minha passagem pela Cia de Dança do Teatro Alberto Maranhão2 –

CDTAM por três anos e pelo Uyrandê Cia de Dança3 por dois anos também foram

1 Como explicado anteriormente, tomando como base Mariz (2008), existem duas linhas de teatro vigentes no Ocidente.2Cia de Dança do teatro Alberto Maranhão é um grupo presente na Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (EDTAM) sob a direção de Wanie Rose. O grupo tem como base principal a dança contemporânea e o Ballet.3O Uyrande – de origem indígena que significa “O amanhecer” – foi criado em 28 de fevereiro de 2009 e tem como diretores gerais os professores e coreógrafos Djalma Júnior e Angélica Oliveira. O grupo tem como base os princípios da dança de salão, folclórico e para-folclórico; além de sempre utilizarem outras formas de Arte dentro de seus espetáculos.

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fundamentais para abrir-me para essa dança representativa ou podemos dizer: uma

representação dançada.

Foi então, que fui chamado pelo professor e diretor Robson Haderchpek 4 (o

qual foi meu professor durante um tempo de quatro anos) para participar do

Arkhétypos Grupo de Teatro como pesquisador e ator. Neste momento fui

contaminado pela magia do grupo e principalmente pela forma de fazer esse teatro.

Em 2014 montamos um espetáculo teatral chamado “Revoada” tomando

como base o texto persa de Farid Ud-Din Attar: “A Conferência dos Pássaros”. A

história gira em tornos de um grupo de pássaros que partem na busca de um rei

chamado Simorgh para a obtenção de respostas sobre a vida. Para tanto, os

pássaros tem que passar por sete vales sagrados: da busca; do amor; da

compreensão; do desapego; da unidade; do deslumbramento e da morte. Ao

chegarem ao final do percurso, os poucos pássaros que conseguiram passar pelos

vales descobrem que o grande rei se encontra dentro de cada um deles e que

somente eles poderiam dar a resposta para cada dúvida sobre a vida.

A metodologia utilizada por Haderchpek foi baseada em seus estudos sobre

Grotowski, Barba e seus teatros laboratoriais. Posteriormente, cada laboratório

ganhou uma essência que chamamos de: vale. A ideia de construir uma peça teatral

a partir de diferentes vales funcionou e a possibilidade de estudá-los me seduziu.

Vendo a importância desse trabalho laboratorial e a falta de grupos que

trabalhem e resgatem, no nordeste e no Rio Grande do Norte, esse teatro onde o

corpo torna-se ritualístico, primitivo e sensível, sempre me questiono: como se

chega a este corpo sensível? Para responder a tal questionamento, faço uma

pergunta mais essencial: O que é o corpo sensível?

É quando acontece um ato de identificação com você mesmo: esse é o corpo

sensível. É como se a plateia também fizesse parte deste ritual. Ritual? Sim! Onde

todos transcendem a si mesmos em sintonia com as ações impostas dos dois lados:

ação de dar e de receber em ciclos intermináveis de emoção. O corpo é tonificado

4Ator, diretor, professor e pesquisador formado e pós-graduado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bacharel em Artes Cênicas começou a estudar teatro em 1994 no Núcleo de Artes Cênicas do SESI de Rio Claro/SP. Fez Mestrado e Doutorado na área de Artes/Teatro e atualmente desenvolve uma pesquisa acerca dos princípios ritualísticos da cena. Recentemente concluiu o Pós-Doutorado na Universität für Musik und Darstellende Kunst Wien, Áustria (2015). É professor do Curso de Teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, atua também no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas e coordena Projetos de Extensão e Pesquisa na UFRN. Trabalha ativamente na área de Teatro estabelecendo um diálogo constante entre as práticas artísticas da academia e o cenário teatral contemporâneo. (Disponível em: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4762078U3).

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de emoções, onde uma excitação (esquecida por muitos por via de leis impostas no

nosso mundo regrado) vai tomando parte de nossa pele. Uma terceira camada de

pele aparece: a sensível. A possibilidade de ser luz dentro da gente. Conseguimos

tateá-la dentro da gente e a mesma luz consegue envolver-nos: sentimo-la. Por que

sentimos esta luz? Poderia cogitar a hipótese de que quando estamos na em diálogo

com a cena, nosso corpo fica tão sensível que nossos poros se dilatam e grãos de

luzes começam a sair e a entrecruzam com os poros dos atores: grande dança

ritualística de acasalamento entre corpos sensíveis em plena excitação.

O corpo sensível que acredito é este: um corpo em que se sente tão sensível

que a abertura para a troca com o outro se torna plena. Neste sentido, o espectador

como que toca (metaforicamente) sua emoção, interna e externa, ao se hibridizar

(pelo fato da troca ser mútua e de enorme intensidade, ou por se identificar pela

história posta em palco) com o que está sendo posto em cena. Assim, acredito que –

tomando como base meus vários anos atuando, pesquisando e assistindo este tipo

de teatro – que existem três níveis de corpo sensível: o meu corpo sensível, ou seja,

o corpo do ator em estado latente de sensibilidade; o nosso corpo sensível, que é o

corpo do ator em diálogo com o corpo de um outro ator; e o corpo sensível

ritualístico que seria o ritual em si, no qual o corpo do público entra em processo de

hibridização com o corpo dos atores, como se fosse um só em troca constante de

emoção.

O corpo sensível que vos falo vem do “particípio passado do verbo sentir”.

Duarte Junior (2001, p.11) dá várias significações para a palavra sentido na qual,

utilizo em meu trabalho, a citada acima:o primeiro se refere ao uso do termo para denotar consciência, como em ‘perdi os sentidos’. O segundo indica uma lógica, uma razão de ser: ‘qual o sentido disso’ O terceiro, diz respeito a uma orientação, uma direção: ‘em que sentido devo seguir’ E, por fim, o quarto e o quinto remetem à nossa percepção do mundo, numa referencia aos ‘órgãos dos sentidos’ e também àquela faculdade que, supõe-se, possuímos e os transcenda: nosso ‘sexto sentido’, que aponta uma intuitiva capacidade de conhecer. Mas é preciso ainda tomar o termo enquanto particípio passado do verbo sentir, indicativo de tudo o que foi apreendido pelo nosso corpo de modo direto, sensível, sem passar pelos meandros do pensamento e da reflexão.

Minha trajetória até chegar a ele é o ponto de partida para análise deste

trabalho de conclusão de curso. Assim apresento meu percurso de chegada ao

Arkhétypos grupo de Teatro, meus treinamentos dentro do grupo, meus

questionamentos frente a este “novo” tipo de teatro, a chegada do que entendo

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como corpo sensível, e finalizo com a obtenção de um personagem nascido na

disciplina de atuação III.

Deste modo, me reporto às seguintes questões: Como se dá este corpo

sensível no meu corpo? A excitação e emoção são presentes? De que modo se dará

o processo? Neste trabalho observei e estudei todo o processo e não apenas o

produto final. Por este motivo chamo este estudo de:“A Excitação do Corpo

Sensível: o voo da liberdade e a cura”.

Para delimitação e orientação metodológica elegi os seguintes objetivos de

estudo para obtenção das respostas:

Investigar de que forma o meu corpo apresenta este sentimento sensível de

acordo com os estudos frente aos laboratórios, às memórias narrativas e aos

escritos realizados frente as observações da disciplina;

Observar os processos transformativos vivido pelo grupo Arkhétypos e,

compreender a importância deste teatro sensível para a sociedade.

Como referencial teórico, utilizei o estudo sobre o saber sensível de Duarte

Junior (2001). Trabalhei também com Grotowski e seus estudos sobre o “teatro

pobre”; Barba e a Antropologia Teatral e os estudos do grupo Lume de Teatro. Nesta

perspectiva, todos os autores buscam um teatro que parta do ator: sejam eles a

partir de memórias dos atores ou não; ou do próprio ser resguardado dentro de nós,

podendo ser arquetípico ou mitológico.

Busco um teatro menos verbal e mais corporal/sensível, ritualístico. Segundo

Araújo (2013) o RN é um Estado com grande relevância cultural, porém mesmo que

o estado tenha essa grande importância, os estudos acerca desta cultura são

falhas/negligenciadas. Principalmente os estudos frente a uma cultura mais

ritualística: festejos de São João, Carnaval e seus blocos populares, festejos

religiosos e aqui, englobo o Teatro, principalmente este teatro mais ritualístico.

Assim sendo, o presente trabalho teve o intuito de fazer um estudo sobre

este teatro mais ritualístico, visto que o conhecimento em cima deste é de suma

importância, tanto para o Estado como para todos os interessados neste tipo de

teatro, resgatando algo que é pouco visto aqui no RN.

Defendo a ideia de que é preciso viver, crer no teatro e em si mesmo. Esta

será a chave para a contemplação deste teatro: simbólico, ritualístico e

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principalmente sensível. O estudo foi realizado e o saber sensível está presente em

cada pedaço deste trabalho.

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CAPÍTULO 1 –ARKHÉTYPOS EM POUCAS PALAVRAS

O Projeto Arkhétypos teve início em 2010, quando o Prof. Dr. Robson

Haderchpek juntamente com alguns de seus alunos do Curso de Teatro da UFRN

passaram a pesquisar a Comunidade da Vila de Ponta Negra - Natal/RN. O intuito

inicial da proposta consistia em investigar as histórias da população local e a partir

delas iniciar um processo de construção cênica utilizando como tema as “histórias

de pescador”. Segundo Haderchpek (2012, p. 6)

Assim, no período de um ano e meio frequentando a Vila de Ponta Negra, pudemos reunir informações que permearam o nosso universo simbólico e nos aproximaram daquela comunidade. Começamos a nos ver e nos reconhecer enquanto seres humanos, cada qual com sua Vila, cada qual com as suas dificuldades, mas com muitas histórias em comum, e isso nos ajudou a produzir um espetáculo teatral que deu vida às ‘Histórias de Pescador’. Histórias que preencheram nossos corpos e que acordaram memórias, que foram resignificadas artisticamente alimentando nossos contos, nossas partituras corporais e nossas canções.

Como visto, foi a partir da base histórica ouvida e pelo contato com a Vila que

nasceu o primeiro espetáculo do grupo. Cada ator se identificava com um pedaço

da vila, uma história e até mesmo um gesto peculiar de algum morador. Ao se

identificar, mexiam com suas memórias e com isso, davam base para a criação

cênica.

O grupo inicialmente contava com a participação de 07 atores e a pesquisa de

cada um foi dando origem a sete histórias que se complementavam em uma só: a

história da lua que beijava o mar e desta união uma onda gigante “paria” uma vila

chamada “Santa Cruz do Não Sei” (ver foto abaixo). Nome este também dado ao

primeiro espetáculo do grupo que tinha como temática: Água.

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(Cena do espetáculo Santa Cruz do Não Sei. Créditos: Tiago Lima. Tirada em 03 de Abril de 2013)

A imagem mostra a chegada da onda gigante que posteriormente iria parir a

Vila de Santa Cruz do Não Sei. A Morte faz parte do elemento da água. Uma morte

no sentido de transição, de perpasse. A água revela, através da morte, o seu

verdadeiro eu. Assim acontece com o povoado que, após um mergulho na onda, é

revelado a tal Vila. Segundo Bachelard (1997, p.07)

A água é realmente o elemento transitório. É a metamorfose ontológica entre o fogo e a terra. O ser votado à água é um ser em vertigem. Morre a cada minuto, alguma coisa de sua substância desmorona constantemente. A morte cotidiana não é a morte exuberante do fogo que perfura o céu com suas flechas; a morte cotidiana é a morte da água. A água corre sempre, à água cai sempre, acaba sempre em sua morte horizontal. Em numerosos exemplos veremos que a imaginação materializante a morte da água é mais sonhadora que a morte da terra: o sofrimento da água é infinito.

Em 2012 o grupo contou com a participação de 12 atores, novos e antigos

integrantes, para a realização de um novo projeto cênico, desta vez tomando como

referência a Terra.

A investigação acerca do mundo dos sertanejos e dos mitos que habitam o

interior do Estado (ver foto abaixo)foram fontes de inspiração para a realização do

espetáculo, bem como as obras literárias Manuelzão e Miguilim e Grande Sertão

Veredas de Guimarães Rosa (1964), Vidas Secas de Graciliano Ramos (1938), as

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fotografias dos artistas Pablo Pinheiro e Tiago Lima, e as próprias memórias e

vivências dos atores.

Segundo Campbell (1990, p. 05) os mitos “[...] são portais de conexão do

homem com consigo mesmo, com a sua origem, com o conhecimento e com a vida:

Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, de significação através

dos tempos.”. E são nesses mitos que se baseia uma das propostas do Arkhétypos:

muitas de nossas histórias percorrem o tempo, outras estão guardadas dentro das

nossas memórias. Precisamos, as vezes, reacender esses mitos dentro de nós.

Assim como na água, onde cada ator se identificou e sentiu-se tocado por

uma história, aqui não foi diferente. Ao investigar o mundo do sertanejo e suas

mitologias, cada ator foi se identificando com um ser, uma história e com isso,

abrindo “portais de conexão” dessas histórias consigo mesmo. Temos histórias

adormecidas dentro de nossas memórias que as vezes, nem sabemos que temos. E

são dentro do jogo, da pesquisa e dos laboratórios que conseguimos reativá-los.

(Cena do espetáculo Aboiá. Créditos: Pablo Pinheiro. Tirada em 23 de Outubro de 2013)

A não utilização da palavra para dar vez à comunicação gutural, aos sons,

grunhidos e aboios fez do Aboiá – nome dado ao espetáculo – um espetáculo em

que as ações e o sentir ecoam mais que as palavras. Segundo diz Haderchpek

(2013, p. 02-03) em seu artigo Aboiá: Teatro-Ritual e Física Quântica:

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O espetáculo “Aboiá” subverte a utilização da palavra em detrimento de uma fala desconstruída e de uma musicalidade que se expande para o corpo do ator resignificando o conceito de neologismo proposto por Guimarães Rosa. No decorrer do espetáculo, a fala rápida e desarticulada do povo sertanejo, irrompe a cena e dança escorrendo pelos corpos dos atores, gerando novos significados. O espetáculo passa a ser compreendido não mais pelo viés do racional, mas pelo sentido dos corpos, dos sons e das imagens que colapsam diante do público.

O texto existe. Não estou tratando aqui da sua falta, mas da ausência da

palavra. Essa mesma ausência dá lugar aos sons, gemidos, risos, grunhidos de

animais, além de palavras desconstruídas: ditas de trás para frente, mencionadas

pela metade, uma palavra repetida várias vezes e até mesmo palavras sem nenhum

sentido aparece no espetáculo. Os corpos dos atores é que dão sentido a palavra,

para retratar este humano que sofre e que é tratado como um bicho: há um processo

de zoomorfização.

As cenas do “Aboiá” vieram a partir de laboratórios,e tanto as relações como

os personagens foram surgindo diante dos jogos e das inter-ações entre os atores.

Definiu-se assim, a posteriori, um roteiro fixo. Haderchpek (2013, p. 04) ressalta

que: “durante o processo criativo, os atores também se permitiam descobrir as

cenas através dos laboratórios e tudo se organizava como se estivesse dentro de

um grande útero, repleto de insights”.

Os insights muitas vezes aconteciam a partir das memórias presentes nos

corpos dos atores e em outras, a partir do acionamento das suas mitologias

pessoais, guardadas no seu interior. De acordo com Feinstein & Krippner (1992, p.

16):

Sua mitologia pessoal origina-se dos fundamentos do seu ser, sendo também o reflexo da mitologia produzida pela cultura na qual você vive. Todos criamos mitos baseados em fontes que se encontram dentro e fora de nós e nós vivemos segundo esses mitos.

Como estavam trabalhando com a terra, foram acionadas as mitologias

pessoais em que o “sofrer” eram muito presente. Segundo Campbell (1990) a terra

aciona tudo o que é “melancólicos, de enterros, de sepulcros, de espectros, de

fugas, de fossas, de tudo quanto é triste [...]”. Foi a partir destas mitologias pessoais

que nasceram figuras como o Diabo, a Morte e o espectro da mulher morta.

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No final de 2013 foi idealizado um novo projeto com a temática “Ar”, que teve

mais uma vez à frente o professor-orientador Robson Haderchpek. Com a finalidade

de desenvolver este projeto tomamos como base, além de imagens de pássaros, o

conto persa “A conferência dos pássaros” do autor Farid Ud-DinAttar (1988).

O conto fala sobre um grupo de pássaros que vão à busca de um reichamado

Simorg. Nesta procura por algo maior, eles têm que passar por sete vales: da busca,

do amor, do desapego, da compreensão, da morte, da unidade e do

deslumbramento. No desfecho do conto, os poucos pássaros que conseguem

chegar ao final do caminho percorrido descobrem que o rei está dentro de cada um

deles.

Encontramo-nos durante um ano para a realização e finalização do projeto. A

partir desta vivência levamos aos laboratórios de criação questões como: Qual

pássaro você é? O que você procura? Qual seu desejo? O que você quer nos

mostrar? Deste modo, procurarmos o nosso eu, o nosso rei dentro de cada um de

nós.

A metodologia utilizada pelo grupo para a construção do espetáculo com a

temática “Ar” foi – assim como no “Aboiá” – de cunho experimental/laboratorial,

tendo como referência autores como Jerzy Grotowski (2007) e Renato Ferracini

(2001).

Além da pesquisa de cunho experimental, realizamos um estudo de cunho

bibliográfico de artigos, livros e com uma pesquisa iconográfica, ou seja, usamos

imagens que representavam os pássaros existentes dentro de cada um dos

componentes do grupo.

Por fim, o elemento Fogo. O espetáculo acerca da temática do fogo foi gerado

ao mesmo tempo em que o “Processo Ar” estava nascendo do ventre dos grandes

ventos. O professor Robson fez um convite à dramaturga Luciana Lyra para acender

o fogo presente no Arkhétypos: um intercâmbio entre o Arkhétypos Grupo de Teatro

de Natal-RN e o Uma(l)una5 – Pesquisa e criação em Arte de São Paulo-SP.

5“Una(I)una pesquisa e criação em arte é associado à Cooperativa paulista de Teatro, desde 2007, configurando-se enquanto estúdio de investigação, que congrega coletivos, grupos artísticos, e mesmo, artistas autônomos que intentam trabalhar a partir dos procedimentos da Mitologia em Arte e da Artetnografia, conceitos desenvolvidos pela atriz, performer, encenadora, diretora, dramaturga, escritora e professora Luciana Lyra, em suas pesquisas de mestrado, doutorado em Artes Cênicas (UNICAMP/SP), pós doutorados em Antropologia (USP) e artes cênicas (UFRN). Na sua trajetória, Una(I)una vem desenvolvendo projetos na área de pesquisa, criação, produção e formação artística, assim como projetos pedagógicos em arte, significando-se como um espaço de germinação, cultivo e florescimento do templo jardim que é a arte e seus artífices.”

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Haderchpek em um agradecimento feito à própria Luciana Lyra descreve como se

deu este encontro:

Conheci Luciana Lyra numa mesa temática sobre mito, e desde o primeiro instante seu olhar penetrante e as histórias das mulheres guerreiras de Tejucupapo saltaram como flechas e povoaram o meu imaginário. Deste encontro surgiu um desejo de troca, de construir algo junto, e daí veio o convite para dirigir o Arkhétypos [...]6

Desta mistura de ideias, de chamas se entrelaçando e mergulhando umas

nas outras, nasceu o espetáculo “Fogo de Monturo7”.

As histórias foram surgindo a partir dos laboratórios com alguns atores do

grupo e então, surgiu a dramaturgia escrita por Lyra (ver foto abaixo). Haderchpek

revela que: Luciana entrega ao Arkhétypos uma linda história de vida, de luta, de amor e de fé. Luciana mergulha nos recônditos da sua memória e deixa emergir de um fogo sensível, selvagem e revolucionário, um fogo que nasce pequeno e que vai se alastrando por baixo [...], um grito de liberdade em meio ao caos político que vivemos hoje. Ao longo do processo a mitodologia de Luciana Lyra encontrou nos atores do Arkhétypos a matéria prima para a construção de um espetáculo de dramaturgia autoral, repleto de poesia e imagens.8

(Foto do espetáculo Fogo de Monturo. Créditos: Pablo Pinheiro. Tirada em 07 de Novembro de 2014)

6 Texto extraído do programa do espetáculo “Fogo de Monturo” dirigido por Luciana Lyra.7 Fogo de Monturo conta a estória de “Fátima, uma jovem estudante que migra de sua terra natal, Monturo, para a capital, envolvendo-se com o movimento de ação contra ditadura, liderado por sua professora de Direito. Fogo de Monturo descortina o impulso de luta pela justiça social e resistência de minorias frente ao poder arbitrariamente construído.”8 Texto extraído do programa do espetáculo “Fogo de Monturo” dirigido por Luciana Lyra.

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Ao deleitar-me por entre estas linhas descritivas sobre o Arkhétypos e seus

espetáculos elementares poder-se-ia fazer um quadro comparativo tomando como

base as substâncias que tomo como importante e que fazem nascer os três

primeiros espetáculos dirigidos por Haderchpek, pois o fogo teve uma direção

diferenciada das demais.

Substâncias(Vertical baixo)

Elemento ÁGUA Elemento TERRA Elemento AR

Componentes de mergulho laboratoriais

Os atores tomaram como base os mergulhos feitos dentro das histórias e memórias da comunidade da Vila de Ponta Negra.

Além dos livros literários de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos, houve o estudo das fotografias referentes ao sertão do Rio Grande do Norte e filmes sobre o imaginário popular do nordeste.

O livro “A Conferência dos Pássaros” e as imagens dos pássaros de cada ator foram o ponto de partida para o processo.

Texto Existiam histórias que eram de suma importância para o desencadeamento da ação. Os personagens são humanos e aqui, detém o poder da palavra.

A ausência da palavra dá lugar aos sons, grunhidos de animais e palavras desconstruídas. Para retratar este humano que sofre, e que é tratado como um bicho há um processo de zoomorfização.

No processo Ar todos são pássaros e a palavra é nula. A palavra só ganha poder nas músicas cantadas do espetáculo. Ao contrário do espetáculo da Terra, aqui ocorre o inverso: um processo de antropomorfização.

Corpo O Corpo segue a sintonia do espetáculo. Vemos um corpo que conta histórias. E como o corpo fica coberto pelas palavras, muitas vezes, ele fica em segundo plano.

O corpo ganha um espaço maior. A presença da música em quase todo o tempo e da dança faz com que o corpo ganhe espaço no espetáculo. O corpo se amplia como num processo de maximização. O corpo comunica!

O que se vê é que a palavra vai perdendo espaço para o corpo. Aqui se faz do corpo a fonte principal de comunicação. O corpo ganha asas e paira pelos vales: roda, gira, salta, sofre, voa, vive, desperta e morre. O corpo reverbera-se por todos os espaços, aponto de não sabermos mais se é teatro ou dança.

Público O público está em jogo Também apresenta-se O público está dentro

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direto com o ator. Sentam-se ao redor dos atores em um formato de círculo, mas ainda existe uma distinção de público e atores.

em roda. Algumas vezes os atores jogam com os expectadores, dirigindo-se a eles e soltando algumas frases desarticuladas. O grupo trás o Nascer e o Morrer em suas cenas – a essência de todo ser humano – fazendo com que o público se identifique e entre no mundo do espetáculo. O espectador se encontra mais perto das histórias contadas, mas ainda há uma distinção entre eles e os atores, pois os espectadores não participam plenamente das ações presentes na cena. A plateia é passiva no sentido de não fazerem parte da cena.

do espetáculo. Ele é convidado para adentrar nos vales. São trinta pessoas que almejam, junto com os atores se transformarem em pássaros: somente 30 pessoas adentram no vale, pois na história original, somente trinta pássaros chegam ao final de sua tragetória. Há uma grande interação e as sensações presentes dentro do espetáculo são compartilhadas por todos.

Mitos/Arquétipos A figura de Iemanjá está presente nas cenas. Mais conhecida como “rainha do mar” este mito integra as histórias contadas pelos atores.

O Diabo/capeta e a Morte são figuras presentes no espetáculo. Elas são as fontes geradoras que atormentam e despertam nos personagens as suas histórias de vida.

Todos são mitos. O mito da “jornada do herói” é representado pelos pássaros que encontram o rei dentro de si.

Vendo isto, verifica-se nos três espetáculos dirigidos por Robson Haderchpek

uma grande mudança de eixo, ou talvez, o amadurecimento de um pensamento e de

uma proposta acerca do que seria um teatro ritualístico.

Há um caminho para a perda da palavra, das formas organizadas e

comp(actuais) – compactas, regradas, atuais – do auto explicativo. É como se

fossem colocadas as substâncias do Arkhétypos em uma balança e se observasse

uma mudança estética, talvez uma maior aproximação de uma estética ritualística. O

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que não se perde são os mitos presentes em todos os espetáculos – sejam eles

mitos da água, terrenos ou do ar – e a não-linearidade dos espetáculos.

A cada espetáculo criado o diálogo verbalizado vai inexistindo, dando um

maior espaço para o corpo dos atores, danças e os cantos/mantras: diria que ocorre

um processo de desnudamento dos atores.

Com o rompimento das leis impostas pela sociedade, surge aquilo que está

oculto em nós mesmos – não só dos atores, mas dos espectadores também – e dos

próprios teatros atuais para um progresso do que é antigo: nossas memórias antigas

e reprimidas. Como Grotowski (2013, p.29) menciona:

Trata-se de um excesso não só para o ator mas também para o espectador. O espectador entende, consciente ou inconscientemente, que tal ato é um convite para que ele faça a mesma coisa, e isso muitas vezes provoca oposição ou indignação, porque os nossos esforços diários são no sentido de ocultar do mundo e também de nós mesmos a nossa mais íntima verdade. Tentamos fugir de verdade sobre nós mesmos, ao passo que aqui somos convidados a um olhar mais profundo.

Chamo este “olhar mais profundo” cênico de (RE)VOLTA do primitivo. Poder-

se-ia dizer que a cada novo espetáculo descobrimos o antigo; o velho na forma mais

primitiva de se fazer teatro, onde a divisão corpo-ator e o corpo-espectador não

existem mais. Existem sim corpos sensíveis, pulsantes, em diálogo, para uma

finalidade igual: entregar-se e sentir um ao outro.

1.1. REVO-AR: UMA HISTÓRIA DE DESCOBERTAS.

Um momento de pausa! Tudo parece estar em completo silêncio. Mas não!

Dava para escutar o barulho do coração palpitando feito brasa na fogueia acesa.

Mãos trêmulas e ouvidos atentos para escutar o que a voz da sabedoria tinha a

falar. Foi assim que começou meu primeiro diálogo com o professor e mestre

Robson Haderchpek para entrar no Arkhétypos Grupo de Teatro. Em uma sala

fechada 4x4 da UFRN foi realizado o convite para fazer parte do novo espetáculo do

grupo, que seria realizado a partir da temática “AR”.

Nunca conseguirei responder o motivo que me levou a entrar no grupo para a

formação do novo espetáculo. O ar era algo que eu não sentia dentro de mim.

Pensava que a terra me dominava! Que eu tinha pés de barro. Olhos serenos. Pele

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seca, pêlos de cacto ou xiquexique com seus espinhos e quadrilha/forró

agarradinhos no meu sangue.

Minha mãe, minha herança, é do interior; e lá já passou fome e viveu a seca.

Meu corpo dançava quadrilha desde muito pequeno. Esperava horas em pé em

frente às placas de madeira (arena) que dividiam o espetáculo junino dos olhos

observadores do público. Queríamos ver os corpos dançantes dentro da arena feito

na rua e eu, o melhor local. Este foi o meu primeiro encontro com uma forma de

espetacularização. Onde as roupas coloridas e os movimentos dos corpos

dançavam uma história tematizada, além do grande casamento que ocorria dentro

de quadra. Até hoje eu me pergunto, onde eu tenho o elemento ar? Seria por causa

da dança presente no meu corpo? A resposta seria dada no decorrer dos

laboratórios.

Iniciamos nossos laboratórios de pesquisa do “Processo AR” com a

descoberta do nosso pássaro interior. Descobri desde cedo que meu pássaro queria

muito mais que voar, queria dançar. Era uma dança pesada, coreografada e

pensada: não tinha razão nem excitação. Uma dança que queria dizer algo, mas não

dizia, porque ainda existia aqui o que Grotowski (2013, p.27) chama de Técnica

dedutiva: “A técnica do ‘ator sagrado’ é uma técnica indutiva ou de eliminação, ao

passo que a do ‘ator cortesão’ é uma técnica dedutiva, ou seja, de acumulação de

habilidades.”

Meu pássaro ainda não tinha formas, nem cores e nem asas. Foi a partir de

uma pesquisa iconográfica que cada um achou o seu pássaro. “Com qual ave você

se identifica?” E foi a partir da minha memória e do meu perfil que soube desde o

princípio que eu era um Flamingo (ver foto abaixo). Um pássaro vivo, intenso.

Desajeitado na terra, habilidoso no ar: sentia-me assim: Vivo, alegre e habilidoso na

minha dança, que fazia voar sem uma razão clara; sentia o vento encostando em

minha pele a cada dança realizada, e mesmo assim, sentia-me preso sem poder

voar.

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(Pássaro Flamingo no espetáculo Revoada. Créditos: Diego Marcel. Tirada em 24 de agosto de 2014)

Como passar dos laboratórios fomos descobrindo o nosso verdadeiro eu:

alguns cheios de tristezas, outros cheios de alegria; muitas figuras maternas e eu,

mesmo em jogo constante com todos, me sentia aprisionado. A troca e a doação

constante entre os atores faziam com que os laboratórios tomassem um rumo sem

fim. Histórias iam surgindo a partir das trocas constantes de energia, parecia que

estávamos naquela sala há dias.

Descobri assim, que para se ter uma história em vida basta estar vivo e em

constante troca com o mundo. Meu corpo saia palpitando e meu olhar a cada

laboratório que passava, começava a ver, como se estivesse olhando através de

uma lente de aumento que via cada movimento constante dos outros atores, cada

respiração que eles davam, cada piscada do olhar; via o fervor no corpo, como se

algo estivesse renascendo.

Os laboratórios seguintes ocorreram levando em consideração os vales pelos

quais os pássaros passam dentro do livro: procura; amor; desapego; compreensão;

união; deslumbramento e morte. Não tivemos uma ordem fixada para a imersão nos

vales; nem um tempo específico para cada um. Algo que já foi citado é que não

existia uma linearidade presente nas histórias dos espetáculos do grupo dirigidas por

Robson Haderchpek.

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No espetáculo “Santa Cruz do Não Sei”temos várias histórias inter-cruzadas -

na qual, se alterarmos a linearidade– não alteraria o fator final: a onda que engole a

vila. O “Aboiá” e o “Revoada” seguem esta mesma lógica. Por exemplo, se fosse

alterada a linearidade dos vales presentes no espetáculo “Revoada”, isso não iria

mudar o fator principal: que é o descobrimento de si mesmo, o grande voar dos

pássaros.

A cada laboratório eu descobria um pouco mais do meu pássaro – uma asa,

um canto ou uma cor – e de mim mesmo. Não que eu estivesse levando o

personagem para minha vida pessoal, ao contrário, meu “eu”, muitas vezes

desacordado, entrava no jogo e despertava minhas memórias. Não tinha como

separar. Dentro do jogo, das trocas entre os atores, nós íamos ativando nossos

seres primitivos, nossos mitos e nossas memórias. Algo era impulsionado. Não tinha

como não ser estimulado se estávamos em perfeita doação uns com os outros.

Descobrimos, assim como os pássaros, a nós mesmos. Não é terapia e sim,

um núcleo de jogo, de doações: corpos abertos uns para os outros gerando

emoções. Corpos tão sensíveis que se tornam abertos.

E foi em um dos laboratórios que descobri o que me prendia; o porquê de não

conseguir voar. Descobri o meu corpo sensível. A partir dos estímulos e das

indicações de Robson, que estava no comando do laboratório, descobri o motivo

dele ter me chamado para o espetáculo com temática “ar” e senti o que aqui chamo

de corpo sensível.

Estava dançando em um dos laboratórios ao som de uma das músicas do

espetáculo e escutei uma voz gritando “isso! Dança! Dança! Dança! Mais!”e quando

eu me dei conta,aquilo que antes eram movimentos coreografados e partiturados,

virou muito mais que isto. Virou uma dança de libertação. Já não pensava na forma

de se dançar e sim, em mim mesmo.

Meu corpo estava à beira de uma explosão, meu corpo estava em plena

excitação. Doei-me por completo e dancei o meu sentir. Como diz Grotowski (2013,

p. 26):O ator é um homem que trabalha em público com o seu corpo, oferecendo-o publicamente. Se este corpo se restringe a demonstrar o que é – algo que qualquer pessoa comum pode fazer – então ele não é um instrumento obediente capaz de executar um ato espiritual.

Quando parei, senti um flamejar diante da minha pele. Como se todo o meu

sentimento, tudo que estava dentro de mim, estivesse sofrendo um processo de

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sublimação. Segundo Rocha (2001, p. 583) sublimação é um “ato de sublimar.

Purificação. Elevação ao estado sublime.”.

O sublime aconteceu! Meu corpo estava sublime. Eu estava sublime. Mas o

que seria estar sublime? Posso pegar como palavra chave a palavra sublimar que

segundo Ximenes (2000, p. 557) quer dizer: “1. Tornar (-se) sublime. 2. Erguer(-se) à maior altura. 3. Engrandecer(-se). 4. Volatilizar(-se). Su.bli.ma.ção sf. ;su.bli.má.vel adj.”(grifo meu). Sentia-me expandido, forte, volátil, ou seja,

podia voar. Poderia simplificar este entendimento com dois sinônimos da palavra

sublime: supramundano e transcendente, ou seja, que perpassa este mundo: um

processo de transiluminação. Posso justificar também, usando como base os

ensinamentos de Jersy Grotowski para com seus atores, (2007, p.106)

Aqui tudo se concentra na ‘maturação’ do ator que é expressa por uma tensão em direção ao extremo, por um completo desnudar-se, por um revelar a própria intimidade: tudo isto sem a mínima marca de egotismo ou de autocomplacência. O ator faz total doação de si mesmo. Essa é uma técnica de ‘transe’ e da integração de todos os poderes psíquicos e físicos do ator que emergem dos estratos mais íntimos do seu ser e do seu instinto, irrompendo em uma espécie de ‘transiluminação’.

O espetáculo foi ganhando forma e se concretizou no que posso chamar do

espetáculo mais “doador” do Arkhétypos, cujo foco principal está na doação mútua

dos corpos ali presentes.

Não existe público e ator: existem corpos presentes! Seria audácia minha

afirmar que chegamos ao que Grotowski nos apresenta como um Teatro Pobre, mas

posso dizer, após uma análise constante dos elementos existentes nos outros três

espetáculos, que o “Revoada” é o espetáculo que propõe uma maior “comunhão”

entre os seres ali presentes. Grotowski (2013, P.15), ao falar sobre o teatro pobre e

o que é essencial nas suas peças nos mostra que:

Eliminando tudo que se mostrava supérfluo, percebemos que o teatro pode existir sem maquiagem, sem figurinos especiais e sem cenografia, sem uma área separada para representação (palco), sem iluminação, sem efeitos de som etc. Mas ele não pode existir sem a relação da percepção direta, da comunhão ao vivo entre espectador e ator.

O espetáculo “Revoada” fez-me cresce como humano. Libertei-me das

prisões impostas pela sociedade e sobre mim mesmo. Conheci um pouco mais

sobre mim e sobre os outros.

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Ao ter um contato direto com os passarinhos convidados, vemos nas almas

deles a tentativa de libertação, o reflorescimento do sensível e das emoções, e é

este sensível que é o meu ponto de partida para o descobrimento de um novo corpo.

Um corpo excitado em presente troca com o outro. Se para alguns o Teatro não tem

a força relevante para mudar uma vida, para mim o Teatro mostra caminhos e

escolhas para um novo descobrimento: um corpo sensível.

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CAPÍTULO 2 –O CAMINHO PARA UM CORPO SENSÍVEL

Falar de um corpo sensível seria fácil se não existisse o pré-conceito de que,

quando falamos de um corpo sensível ou um corpo vivo direcionamos, em sua

maioria, nossos pensamentos para o que chamamos de consciência corporal.

Segundo Ximenes (2000, p.119) a palavra corporal significa “Do, ou próprio do

corpo”, ou seja, algo particular, inerente e típico de um corpo táctil e físico.

Elevo meu corpo sensível não apenas à posição do que é táctil e físico, mas

sim, ao que não e físico e está presente em nosso segundo corpo: a alma.

Complementando este pensamento, o corpo sensível é visto como algo dualístico,

onde o corpo e a mente (memórias pessoais) estão interligadas. Segundo Marques9

em suas pesquisas sobre a conscientização corporal ela nos mostra que alguns

autores percebem este corpo dualístico como um corpo íntegro. Segundo Bertherat

apud Marques (2009, p. 01):Nosso corpo somos nós. É a nossa única realidade perceptível. Não opõe à nossa inteligência, sentimento, alma. Ele inclui e dá-lhe abrigo. Por isso, tomar consciência do próprio corpo é ter acesso ao ser inteiro... pois, corpo, espírito, psíquico e físico e até a força e fraqueza, representam não a dualidade do ser mais sua unidade.

Além de uma consciência do corpo, para termos um corpo sensível

precisamos ter uma consciência da nossa alma e de nossas memórias: “Nosso

corpo somos nós”. Foi a partir do Arkhétypos Grupo de Teatro e dos seus

espetáculos e treinamentos – visto no capítulo 1 – que comecei a observar este

corpo sensível e resgatar minhas memórias – o meu “eu” escondido – e então,

passei a observar como isto fluía em mim.

Antes de começar os laboratórios voltados para o espetáculo com a temática

“Ar”, nós fazíamos um treinamento voltado para o ator. Aqui menciono

sequencialmente dois dos treinamentos do Arkhétypos que me fizeram abrir o olhar

para este meu sensível e falo também de outro treinamento que tive a satisfação de

fazer em uma oficina organizada por Toula Limnaios da Alemanha. Temos então os

três: dança dos ventos, treinamento energético e o “tremer”.

Vários atores profissionais usam como base estes elementos pré-expressivos

em seus grupos. Um deles é o Lume,um grupo de teatro da Universidade de

Campinas/São Paulo. Segundo Barba e Savarese (2012, p. 228), o Pré-expressivo é

9 Doutora em Artes Cênicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA.

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O nível que se ocupa de como tornar cenicamente viva a energia do ator, ou seja, de fazer com que ele se torne uma presença que atrai imediatamente a atenção do espectador, [...] Esse substrato pré-expressivo faz parte do nível da expressão, da totalidade percebida pelo expectador. No entanto, ao mantê-los separados no processo de trabalho, o ator pode intervir no nível pré-expressivo, como se, nessa fase, o objetivo principal fosse a energia, a presença, o bios de suas ações, e não seu significado. Então, concebido dessa maneira, o nível pré-expressivo é um nível operacional: não é um nível que pode ser separado da expressividade, mas uma categoria pragmática, uma práxis que, no decorrer do processo de trabalho, visa fortalecer o bios cênico do ator.

O Arkhétypos trabalha com alguns desses princípios também.Segundo

Ferracini (2003) o Lume tem como base não só o aquecimento da musculatura, ou

seja, do corpo físico, mas também do aquecimento da energia do ator.

Os treinamentos são:

1. Energético: No Arkhétypos fazemos este trabalho em coletivo. É uma troca de

energia. Uma doação! No chão, sentimos nossa respiração e começamos

devagar a espreguiçar, empurrando fortemente o chão. Duas forças são

contrárias, tentamos empurrar o chão para subir, mas ao mesmo tempo o

chão puxa-nos para baixo. Com isso, vamos variando de níveis até chegar ao

nível alto, onde ocorre a troca de energia – primeiramente consigo mesmo e

posteriormente com o outro – através de movimentos desordenados até

chegar a uma exaustão. Neste treinamento tentamos deixar de lado as

amarras advindas do meio social, é um processo de desnudamento. Segundo

Ferracini (2003) existe uma regra que não pode ser quebrada que é a de

nunca parar, pois ao parar toda a energia trocada e adquirida naquele

momento seria dissipada. Só em momentos de ápice que o mestre pede para

parar, e então os participantes seguraram internamente esta energia como se

estivesse numa “panela de pressão”.

Ferracini (2003, p. 138-142) ainda nos mostra que:O trabalho de treinamento energético busca ‘quebrar’ tudo o que é conhecido e viciado no ator, para que ele possa descobrir suas energias potenciais escondidas e guardadas. [...] O ator, então, vislumbra, logo num primeiro momento, seu potencial criativo, ainda inarticulado e caótico, mas extremamente pulsante e orgânico. [...] O energético não é somente um treinamento inicial. Como seu objetivo é quebrar os vícios e clichês pessoais, sempre que o trabalho do ator estiver cristalizado, pode-se, e deve-se retornar a ele. Como uma forma de ‘revitalização’ orgânica e energética.

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2. Dança dos ventos: a dança dos ventos é outro treinamento utilizado tanto

pelo Arkhétypos quanto pelo Lume. Consiste em um treinamento energético

partiturado em uma dança de ritmo ternário em que a troca de energia, sem

interrupções, é a base do movimento. Segundo Ferracini (2003, p.171-172):

O ator deve afundar sua base, no sentido de enraizar no chão, ao mesmo tempo em que expira no tempo mais forte do ritmo ternário e, posteriormente, empurrando a raiz, deve saltar, como numa espécie de vôo, nos dois próximos tempos do ritmo. Esse vôo será mais leve quanto maior for o enraizamento, pois maior será a força da raiz para empurrar o chão. [...] O ator, aqui, tem o mesmo objetivo de dinamizar suas energias, mas agora, dentro de uma espécie de amarra e de um cerco formal. Isso faz com que o ator treine a busca de sua organicidade, mesmo aprisionado dentro das regras fixas.

A dança dos ventos teve sua fundamental importância para a compreensão

do que seria energia. Diferente do treinamento energético, na dança dos ventos eu

conseguia ver a energia sendo trocada pelos corpos dentro dos treinamentos do

Arkhétypos. O olhar vibrante dos atores, ao olhar-me, dava-me forças para continuar

a trocar sem interrupções. Acontecia às vezes, da troca acontecer com alguém que

não tinha uma energia parecida com a minha, uma energia mais fraca. E então, ao

trocar com o outro, sentia-me por vezes cansado, mas no decorrer da troca íamos

gerandoum equilíbrio constante entre as energias dos corpos.

3. Tremer: O exercício, que aqui designo de “tremer” foi repassado por Toula

Limnaios– ex bailarina de Pina Bausch – em uma das oficinas de dança feitas

por mim aqui no Estado do Rio Grande do Norte. O exercício começava com

um “espreguiçar” corporal, em que íamos parte por parte mexendo o nosso

corpo e íamos assim, mexendo as outras partes sem parar as anteriores.

Assim, chegava um momento em que estávamos mexendo por inteiro todo o

nosso corpo. Posteriormente ela pedia para que nos juntássemos em duplas

e que, sem interrupções começássemos a tremer os nossos corpos em

duplas. Se um parasseo outro teria que continuar. O que não podia acontecer

era os dois ficarem parados sem troca de energia. Vale ressaltar que existe

uma grande diferença entre tremer e mexer. Mexer seria mais voltado à

agitação do corpo, um balanço sem interrupções da direita para a esquerda

ou em diversas direções, já o tremer é como se fosse uma onda, uma

vibração sem interrupção. Seria um tilintar! Trememos quando estamos com

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muito frio, com febre ou com medo. Podemos fazer uma analogia com a

transformação do estado líquido da água para o estado sólido. É como se o

nosso corpo estivesse no estado líquido da água e ao começar a tremer, suas

moléculas começassem a se juntar e a se debater umas contra as outras

ininterruptamente fazendo o nosso corpo vibrar. É como se tivéssemos uma

bola de borracha em volta de nós, porém não tentamos expandir esta bola e

sim, nos deixamos contrair por ela.

Os três exercícios são formas de desbloqueio e esvaziamento, são formas de

limpar do nosso corpo toda a variedade de sistemas, métodos e leis impostas tanto

pela nossa sociedade quanto por nós. E neste mesmo sentido Duarte Junior (2001,

p. 18) completa:

O que se pretende é tornar evidente o quanto o mundo hoje desestimula qualquer refinamento dos sentidos humanos e até promove a sua deseducação, regredindo-os a níveis toscos e grosseiros. Nossas casas não expressam mais afeto e aconchego, temerosa e apressadamente nossos passos cruzam os perigosos espaços de cidades poluídas, nossas conversas são estritamente profissionais e, na maioria das vezes, mediadas por equipamentos eletrônicos, nossa alimentação, feita às pressas e de modo automático, [...]

Estes exercícios trazem consigo excitações espontâneas, segundo Elias e

Dunning (1967, p. 113) tais excitações são “[...] menos refletida, menos dependente

da previsão, do conhecimento e da capacidade para libertar cada um, por pouco

tempo, das cargas opressivas de sofrimento e perigo que nos rodeiam.”. Estas

fazem re-aflorar nossas memórias mais primitivas e a partir da reativação, o corpo

está preparado para “dar e receber”, num ciclo interminável de troca e de jogos entre

os atores.

Através da excitação nossas memórias dão vida às nossas mitologias

pessoais, que trazem consigo alguns arquétipos, pois todo arquétipo está inserido

dentro de uma mitologia, mas nem toda mitologia é um arquétipo. Segundo Jung

(2012, p. 14) “O arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o

qual se modifica através da sua conscientização e percepção, assumindo matizes

que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta.”.

Retirando o peso do que é opressor, sentia-me maior, mais forte e vivo. Meu

corpo estava “dilatado”, como menciona Mariz (2008, p. 213):

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Por intermédio da técnica, o corpo do ator adquire uma dimensão dilatada, como se a energia ultrapassasse a fronteira física da pele, formando uma espécie de bolha que o circunda em toda a sua extensão. É como se o corpo se tornasse maior do que o seu contorno visível; possuísse uma espécie de camada energética que o envolve, conferindo-lhe aquela dimensão aurática que percebemos nos grandes atores. É a essa espécie de aura que, no teatro, chama-se presença cênica.

A partir desta presença cênica, deste corpo vivo junto com suas memórias

pessoais dá-se ao que chamo de corpo sensível. Como menciona Junior (2001, p.

130) “[...] todo humano sentido (significado) está intimamente vinculado ao que já foi

sentido (captado sensivelmente).”. Ou seja, todo corpo vivo, sentido pelo ator após

um processo de excitação, após um treinamento energético, traz junto consigo o que

já foi “sentido”, suas memórias, seus sentimentos – muitas vezes bloqueados –

dando assim, forma a um corpo aberto que através dos micro-poros da nossa carne

deixamos sair. A partir de um processo de sublimaçãorevelamosas nossas

verdades, os nossos sentimentos e memórias mais sublimes. Neste instante

estamos de frente a um corpo sensível.

Podemos averiguar aqui que Descartes estava errado ao separar o corpo da

mente. Baseado no pensamento de António Damásio apud João Francisco Duarte

Junior afirma (2001, p.31):

Em sua obra O erro de Descates, este autor se propõe a demonstrar, anatômica e fisiologicamente, não apenas que a divisão mente/corpo é ilusória e sem sentido, como ainda que todo conhecimento, por mais racional e abstrato que seja, tem sua origem nos processos sensíveis do corpo humano, isto é, em nosso sentimento, na sua mais plena acepção. (Grifo meu)

Vale ressaltar na citação acima que todo conhecimento adquirido no mundo,

ou seja, nossas memórias são originadas e guardadas em nossos sentimentos – às

vezes trancadas pelo enquadramento que o mundo nos dita. Através das nossas

memórias podemos ver e obter como resposta o porquê de sempre ativarmos um

mesmo arquétipo ou trazemos para as cenas nossas mitologias pessoas.

Trazemos às vezes estas memórias sem saber o porquê que aquele gesto ou

sentimento surgiu na nossa carne, nos nossos laboratórios. Mas a resposta está

aqui: não precisamos conhecer, pois o nosso corpo já sabe. Segundo Duarte Junior

(2001, p. 127) “Conhecer, então, é coisa apenas mental, intelectual, ao passo que o

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saber reside também na carne, no organismo em sua totalidade, numa união de

corpo e mente.”. Veja o gráfico abaixo que resume todo o processo visto acima.

Por isso que o corpo se torna tão sensível. Há uma explosão de sentimentos

que ficou há tempos reprimida. É uma herança entregue aos olhos do público. É tal

como diz o próprio Damásio (2012, p.18):

[...] O amor, o ódio e a angústia, as qualidades de bondade e crueldade, a solução planificada de um problema científico ou a criação de um novo artefato, todos eles têm por base os acontecimentos neurais que ocorrem dentro de um cérebro, desde que esse cérebro tenha estado e esteja nesse momento interagindo com o seu corpo. A alma respira através do corpo, e o sofrimento, quer comece no corpo ou numa imagem mental, acontece na carne. (grifo meu)

Portanto, nossas emoções e sentimentos que acontecem em nossas

memórias dentro de um cérebro – sejam eles de ódio, amor etc. – serão repassados

ao corpo. Aqui poderíamos chamar tais sentimentos de arquétipos.

Muitas vezes ativamos no Grupo Arkhétypos tais sentimentos através dos

espetáculos, como a Morte (Ver foto abaixo)e a Dor (presentes no espetáculo Aboiá)

e o Pássaro da Liberdade (presente no Revoada).

Treinamentos: três fatores

Energético; dança dos ventos; tremer

Formas de desbloqueios e esvaziamentos

Leis importas pelo meio societal; e as vezes, por

nós mesmos

presença das Excitações espontâneas

Ativação de nossas memórias mais primitivas: corpo e mente não estão

separados

Laboratórios: ativação da mitologia pessoal

Explosão de sentimentos reprimidos

Corpo sensível

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(Arquétipo da Morte presente no espetáculo Aboiá. Créditos: Paulo Rossi. Tirada em temporada em

João Pessoa – Junho de 2013)

No meu novo trabalho – que será mencionado no capítulo 3 (três) – há a

presença do arquétipo do Sofrimento que apareceu, através das minhas emoções,

no meu corpo sensível, na minha “carne”.

Aqui, posso retornar ao conceito de corpo sensível– na qual designo de forma

poética – na introdução do trabalho, falo de um ato de identificação com você

mesmo. É como se a plateia também fizesse parte deste ritual. Ritual? Sim! Onde

todos transcendem a si mesmos em sintonia com as ações propostas dos dois

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lados: ação de dar e de receber em ciclos intermináveis de emoção. O corpo é

tonificado de emoções, onde uma excitação (esquecida por muitos por via das

regras impostas no nosso mundo dito civilizado) vai tomando parte de nossa pele.

Através desse processo de libertação, uma terceira camada de pele aparece: a

sensível. A possibilidade de ser luz dentro da gente. Conseguimos tateá-la dentro da

gente e a mesma luz consegue envolver-nos: sentimo-la. Por que sentimos esta luz?

Quando estamos na plateia,nosso corpo fica tão sensível que nossos poros se

dilatam e “grãos de luz” começam a sair e se entrecruzam com os poros dos atores:

grande dança ritualística de acasalamento entre corpos sensíveis em plena

excitação. A possibilidade de ser luz: eis o corpo sensível. E esta sensibilidade

acontece em três momentos: o ator com ele mesmo, com o outro ator em jogo, e

com a plateia.

É difícil entender este tipo de teatro? Um teatro ritualístico? Este corpo

sensível? Por vezes sim! Não são todos que compreendem ou olham este corpo

com olhos sensíveis, reconhecendo a troca entre o ator e a plateia. Alguns mestres

como Grotowski faziam seus espetáculos para um público seleto, pois o mesmo

sabia que muitos não entenderiam a lógica ali posta.

O mesmo ocorre com este corpo sensível. O mundo já não é sensível e nem

existe uma educação para tal. O mundo em que vivemos é regrado, aonde as

excitações espontâneas e as emoções vão perdendo espaço. As festas

carnavalescas, religiosas e o próprio teatro vão perdendo suas emoções pelo grande

controle das excitações. Ao tratar de nós, seres humanos Elias e Dunning (1967,

p.114) afirmam:

Na nossa sociedade, a grande excitação inerente ao encontro dos sexos foi limitada de uma maneira muito específica. Nesta esfera, também, a paixão brutal e a excitação constituem um grande perigo. Neste caso, podemos esquecê-las também porque entre as formas de controlo desenvolvidas nestas sociedades mais complexas, onde a perda de controlo tende a ser classificada quer como aberrante quer como criminosa, um nível bastante elevado de restrição tronou-se uma segunda natureza.

Não poderia afirmar que seria fácil ou difícil entender este corpo sensível(Ver

foto abaixo), mas acredito que seria um teatro para poucos, visto que a sociedade

hoje está compactada neste mundo regrado e sem sentido, fazendo com que o outro

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crie uma dificuldade ou uma barreira frente aos atores, não havendo assim uma

troca de corpos sensíveis.

Por fim, assim como Duarte Junior (2001) e muitos outros mestres do teatro

e da dança como Grotowski, Pina Bausch, Eugênio Barba, Antunes Filho e Zé

Celso, acredito que uma educação, um refinamento voltado para a educação dos

sentidos e com isso, do corpo sensível seja a base primordial para tentarmos

retomar um teatro que é primitivo.

(Vale da Busca, Revoada. Corpos sensíveis. Créditos: Diego Marcel. Tirada em: 26 de maio de 2015)

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CAPÍTULO 3 –O “SOFRIMENTO” E A CURA

Após percorrer todo este caminho para a descoberta deste corpo sensível de

que tanto falo – descrevendo a minha entrada no Grupo Arkhétypos, passando pelos

treinamentos, as dúvidas e a descoberta deste corpo – venho a partir deste capítulo

analisar os laboratórios da disciplina de Atuação III (que tinha uma proposta de um

teatro-laboratorial) e que me permitiu descobrir o surgimento de um novo ser. Este

ser foi gerado durante seis meses de treinamento e teve como referência algumas

imagens e a presença dos quatro elementos, assim como nos processos do

Arkhétypos.

No início da disciplina escolhemos quatro imagens (quadro ou fotos) para

trabalharmos as qualidades de movimento dos elementos: terra, água, fogo e ar. A

partir destas imagens codificadas nos corpos iniciávamos os laboratórios de criação.

Começamos com o elemento do fogo: as chamas que queimam dentro da

gente, a guerra, as vontades obscuras e os amores. Iniciamos com um treinamento

energético para o esvaziamento do nosso corpo, pois só assim poderíamos deixar

fluir e reascender o que estava preso em nós (nossas memórias): só sabemos que

descarregamos e esvaziamos por completos quando não pensamos nele.

Posteriormente começamos os laboratórios onde me entreguei por total ao outro, ao

jogo com o parceiro. A partir deste laboratório surgiu uma “cria” (pequena história

mítica nascida em laboratório) com outro participante do laboratório.

Esta história falava sobre um primata que criou o fogo e que assim, procriou

com ele, dando surgimento ao homem sábio. Lembro-me bem que um dos indícios

do início do saber humano deu-se a partir do momento que o primata começou a

fazer fogo. O homem fez um filho com a mãe para obter mais fogo e assim,

conhecer o pai. Ao se deleitar-se pela chama viva do pai, o homem símbolo da

sabedoria, por ganância tenta matar a mãe. Então foi ficando cada vez mais

ignorante e leigo.

Meu corpo era fogo. Trêmulo, parecia que chamas queriam sair dentro de

pote, um pote que se quebra pela grande intensidade e debate do meu corpo. Era

um tremer que não parava, e foi assim, que o laboratório ocorreu: fluido onde uma

história mítica surgiu. Fiquei me questionando o porquê desta construção ter sido tão

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rápida, já que demorei tempos para descobrir minha história, minha mitologia, meu

ser no Revoada.

Vejo então, que o tempo para a construção de uma história, de uma vida é

despretensioso e desordenado; pode ser rápido ou lento, como é em nossas vidas.

Às vezes, em um único dia acontecem todas as tragédias do mundo, todas as

histórias que você poderia imaginar, outros, não.

O segundo laboratório foi voltado para a água onde também começamos com

um treinamento energético, em que a energia de cada ator era articulada

diferentemente a partir dos comandos do professor Robson: “seu corpo agora é

fonte de água fluida”, “cachoeira”, “água rasa”, seu corpo é um “mar profundo” entre

outros.

As histórias que nasceram do meu corpo foram ao encontro de uma mitologia

narcisista, uma mitologia que me deixava todo o tempo parado, olhando para uma

bacia de água, não deixando ninguém encostar-se nela. Em outro momento do

laboratório eu e uma das atrizes do processo nos tornávamos um só: eu, a beleza, e

ela meu próprio espelho d’água; fazíamos movimentos idênticos como se meu corpo

estivesse sendo refletido diante de uma água parada.

As mitologias do fogo e da água foram de suma importância no laboratório da

terra, onde algumas ações (re)habitaram o arquétipo presente na terra.Vou deixar o

laboratório da terra (o terceiro a ser realizado) para o final, pois foi o mais importante

de todos e onde consegui sentir, em sua totalidade, um corpo sensível.

O laboratório do ar foi o menos produtivo, não pensei que isto iria ocorrer, já

que passei mais de um ano trabalhando com o elemento do ar, mas vi a posteriori

que o problema maior foi que eu deixei problemas de fora interferirem nos

laboratórios. Neste laboratório não tive uma “troca de energia” com os outros alunos

da disciplina. Acredito que o corpo torna-se tão sensível e aberto ao outro que se

não houver uma “troca de energia” entre os participantes, irá ocorrer dos nossos

problemas mundanos entrarem na cena.

A imagem que escolhi para trabalhar com o elemento terra sempre foi um

mistério: uma senhora dentro de uma igreja do interior (meio rústica, com um “ar”

meio sacro e meio profano) onde a religiosidade se mistura com velas acessas e há

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uma poeira que a imagem tenta captar. Assim, no decorrer dos laboratórios,

descobri que minha imagem é dividida em três mistérios10.

O primeiro mistério se deu, pois como eu tinha faltado na aula da terça

precisei fazer a reposição com a outra turma de Atuação III: não sabia o que me

esperava; eram outras pessoas, não sabia ao certo quem eram, se estavam abertas

para o jogo e nem a quantidade certa de pessoas. Mas, inconscientemente o jogo

fluiu. O arquétipo que apareceu em mim foi consciente ou inconscientemente o de

um velho, o qual já tinha aparecido em um dos laboratórios do Grupo Arkhétypos de

Teatro - ou seja, o primeiro mistério já havia acontecido bem antes do laboratório

começar.

O segundo mistério veio no decorrer do jogo: o velho era um chato (brincava

brigando) achando que todos eram: “puta”, “macumbeira” e “doido”. Ele brigava com

as crianças e não deixava elas brincarem. No ato de conseguir brincar com as

crianças, logo voltava a ficar triste e chato. O que seria isto? Será que ele soube o

que é ter uma infância? Ou perdeu alguma coisa quando era criança? Tem algo de

promessas que não foram alcançadas! E então surgiu o segundo mistério: Porque

só apareceu o lado profano? Eu sentia que tinha um lado sacro que ainda não havia

aparecido. O lado triste que apareceu também foi pouco, perdendo espaço para a

“chatice” e “algazarra” que o velho fazia.

O último mistério é algo no corpo deste velho no qual eu sinto falta: sempre

que o arquétipo aparecia no meu corpo, sentia algo faltando nas mãos dele. Seria

uma bengala mesmo? Um cinto? Um santo? Um mistério a posteriori. A

incompletude fazia parte da minha imagem e por isto que dei a ela o nome de “três

mistérios”.

O querer descobrir mais sobre esta imagem fez com que o meu corpo a

pedisse para si: diferentemente das outras imagens que tinham começo, meio e fim,

uma história bem delimitada; esta se tornou ambígua diante das outras. Porém o

meu corpo a quis.

Levei este arquétipo a diante com a finalidade de descobrir por que ele me

tocava tanto, por que meu corpo ficava tão sensível. Se o “velho” fazia parte da

minha mitologia pessoal ainda não sabia, não tinha compreendido, mas queria

10 Ao decorrer dos laboratórios descobri que a imagem da terra, codificada em meu corpo, era a única que não existia uma história com os outros participantes dos laboratórios com início, meio e fim. Ela vagava pelos laboratórios sem rumo certo e sem uma história fixa.

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compreender. Segundo Campbell (1990, p. 05) “[...] Todos nós precisamos contar

nossa história, compreender nossa história. [...] Precisamos que a vida tenha

significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que

somos”.

Uma das imagens tinha que ser escolhida para trabalhar durante todos os

outros laboratórios da disciplina e diante do que foi posto anteriormente escolhi

como imagem a da terra. A posteriori, novas perguntas eram feitas e outras,

respondidas como a do mistério do objeto. Descobri que meu objeto que eu sentia

falta era uma bíblia.

Doava-me por completo. Minhas excitações faziam aflorar o meu corpo

sensível em uma espécie de transe: um transe consciente.

Segundo o professor Robson Haderchpek, o transe consciente é um “estado

alterado de consciência” e não perda total da consciência. Isto ocorre, pois há uma

apropriação tão grande da imagem do arquétipo que estamos trabalhando que o ator

“deixa de seguir a sua lógica convencional cotidiana” e começa a aceitar uma “lógica

ficcional extraordinária, uma lógica ancestral, que transcende a ideia de

personalidade, do eu interior e atinge uma dimensão arquetípica, universal,

sagrada”11.

Os laboratórios iam passando e meu desejo de saber quem realmente é este

personagem e perguntas do tipo:“o que ele quer?”, “o que ele procura?”, “de onde

ele vem?”, “para onde ele vai?” não eram respondidas. Um dos laboratórios foi de

grande importância para a descoberta de quem realmente era este velho: cheguei

ao ápice de um corpo emotivo e dilatado.

Minhas memórias reprimidas vieram ao corpo após um tilintar de sinos

presentes no tornozelo de uma das atrizes. Nunca gostei de sinos e isto fez surgir

diante de mim o meu verdadeiro arquétipo: após um jogo bastante excitativo com

uma das atrizes na qual a troca de energia foi intensa, Robson chegou até a minha

pessoa – que estava caída no chão – e disse baixinho: “observa... só observa!”.

Você olha! Observa! E não vê nada.

Ao olhar para a bíblia, li trechos que iluminaram minha cabeça. Ergui meu

cérebro e então consegui olhar e descobrir do nada, todas as minhas respostas!

Pode parecer inacreditável, mas não é!

11 Palestra proferida no II Encontros Arcanos: Teatro e Magia – 24 a 27 de setembro de 2015 – Goiânia/GO.

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“Você está trabalhando com o mito de Jó!” E eu dizia “quem é Jó?” Nunca li

sobre tal, mesmo passando minha vida inteira dentro de uma igreja. Fui batizado, fiz

primeira eucaristia, crisma, segui a infância missionária, pastoral da juventude, mas

quem é Jó?

Segundo Campbell (1990, p. 05):

Mitos são portais de conexão do homem com consigo mesmo, com a sua origem, com o conhecimento e com a vida: Mitos são histórias de nossa busca da verdade, de sentido, se significação através dos tempos. Todos nós precisamos contar nossa história, compreender nossa história. [...] Precisamos que a vida tenha significação, precisamos tocar o eterno, compreender o misterioso, descobrir o que somos.

Ao começar a ler sobre tal pessoa eu descubro que Allan é ser o Jó e Jó é ser

Allan: minha mitologia pessoal é muito parecida com a de Jó. Como pode alguém se

identificar tanto com uma história tão antiga? Os mitos renascem como uma fênix

nos seres humanos, não são puramente lendas. Feinstein e Krippner (1992, p.16)

nos revelam que os mitos “[...] não são lendas ou falsidades, mas modelos através

dos quais os seres humanos organizam e codificam suas percepções, sentimentos,

pensamentos e atitudes”. Dia após dia, ano após anos. A cada minuto que se passa

um mito renasce e você vê sua vida como se estivesse diante de um espelho: minha

mitologia pessoal. Encontrei-te: o arquétipo do sofrimento.

Sempre sofri muito em minha vida, e continuo sofrendo!Dia após dia sem

interrupções e folgas. E diante das excitações coletivas dos laboratórios, foi ativado

em mim este sofrer reprimido que estava em mim desde minha origem.

Não é fácil expor parte da minha história em meio a estes turbulentos

ensinamentos, mas não tem como não falar de mim: já que Jó é Allan e Allan é Jó.

Sempre fui uma pessoa sem muitos amigos verdadeiros, sem ter um carinho

demonstrativo profundo por parte da minha família. Os meus sonhos nunca foram

aceitos, sempre tinha algo em minha vida que os atrapalhava: casar! Ter filhos!Ser

professor! Viver!

Vivia falando para mim mesmo, assim como Jó falou “Por que não me

sepultaram como criança abortada, como um bebê que nunca viu a luz do dia? ” Por

que eu estou aqui neste mundo para sofrer? Observação: esta frase é de Jó e de

Allan. Por quê? Por quê? Por quê? Por que tantos porquês?

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Nos laboratórios várias frases iam saindo do meu arquétipo decorrente da

interação com os outros personagens. Geralmente eram perguntas com a palavra

“por que”: “por que não morrer?”, “Por que você, senhora chuva, não trouxe água

pro sertão?”, “Por que você deixou todos morrerem?”, “Por que não faz algo?”, “Por

que tanta dor?”, “Por que Você me trata assim?”.

(A descida de Jó ao Submundo. Créditos: Fernanda Cunha. Tirada em: 24 de novembro de 2015)

Pesquisando tive a resposta: quando sofremos, é natural perguntar “por

quê?”. Jó não sabia a fonte do seu sofrimento e nem eu. Mas Jó estava em mim.

Sempre que eu acionava o arquétipo do sofrimento entrava diversas vezes em um

transe consciente, ficando assim em uma atmosfera limiar entre o meu eu e o

arquétipo.

Segundo Turner (1974, p. 117):

Os atributos de liminaridade, ou de personae (pessoas) liminares são necessariamente ambíguos, uma vez que esta condição e estas pessoas furtam-se ou escapam à rede de classificações que normalmente determinam a localização de estados e posições num espaço cultural. As entidades

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liminares não se situam aqui nem lá; estão no meio e entre as posições atribuídas e ordenadas pela lei, pelos costumes, convenções e cerimonial. Seus atributos ambíguos e indeterminados exprimem-se por uma rica variedade de símbolos, naquelas várias sociedades que ritualizam as transições sociais e culturais.

Sinto que os processos em que vivi, tanto no Arkhétypos como na disciplina

de atuação III, passa por esta liminaridade. Estes arquétipos presentes em nossos

corpos, muitas vezes ativados por uma excitação, estão presentes em nossas

mitologias pessoais. Por isso que, quando estamos em cena, e trazemos estes

arquétipos, a sensação de entrega é forte. Não sou eu ator e nem um personagem e

sim, um ser liminar.

Como mencionado na citação acima, não consigo me definir dentro das

cenas. Posso ser um pássaro e às vezes ser eu mesmo, com minhas memórias

mais primitivas. Às vezes sou eu mesmo, e as vezes sou Jó: ou um ser liminar de

histórias idênticas.

O livro de Jó12 trata de um dos assuntos mais difíceis da experiência humana:

como entender e lidar com o sofrimento. E foi neste sofrer que se deu toda a

essência presente na disciplina de Atuação III. Seres mitológicos que transcendem e

vivem entre o inferno e a terra, serpentes de duas cabeças, mortos, o Cérbero, as

feiticeiras e os feiticeiros, e Jó o único vivo entre estes seres. Todas as histórias

foram se encaixando ao final da disciplina e houve como trabalho final intitulado “A

descida de Jó ao submundo” no qual Jó descia ao inferno e somente lá encontrava

sua redenção. Às vezes é no sofrer que aprendemos algo sobre a vida, que

aprendemos a viver.

Este arquétipo me abriu portas para ver o mundo de outra maneira, pois

tentava não me sentir tão culpado diante das dificuldades do mundo. Quando

acionamos um arquétipo, seja ele qual for, é porque estamos acionando nossas

histórias ou futuras histórias. Estamos aprendendo um pouco mais sobre nós

mesmos e estamos nos curando: o arquétipo é revelador, ele revela mais do que

esconde, porém, cada um no seu tempo, entenderá a mensagem passada.

12 O Livro de Jó é parte da Bíblia e está contido no Antigo Testamento.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viver eternamente em cima de uma linha de escravismo é o oposto do que a

arte tem para nos dar. Aos que dizem “eu não sou do ‘meio’ das artes!” Eu poderia

reformular tal citação para melhor entendimento: Viver eternamente em cima de uma

linha de escravismo é o oposto ao que nosso corpo tem para nos dar . Nosso corpo é

arte, uma arte primitiva que está guardada nas nossas entranhas e que não

acessamos por não saber que temos.

Vivemos em um mundo admoestado, onde as leis vigentes fazem com que

esta arte seja reprimida. Nosso corpo torna-se um bloqueio para a não exposição do

que podemos fazer com ele.

Este corpo produz arte sim: um canto, uma dança, toca e interpreta; por vezes

ele é ele mesmo, um corpo que depois de excitado, depois de tocado, acordado -

vamos dizer liberto - trás consigo tudo o que havia sido reprimido durante a sua vida.

É uma memória instaurada em cada pedaço da sua pele: um corpo sensível que traz

consigo - e consegue repassar para o outro - suas emoções. Todos nós temos arte,

temos emoções pulsantes.

O Arkhétypos Grupo de Teatro proporcionou-me ver que estamos em um

mundo desordenado, e muitas vezes fazemos um teatro que não tem sentimento.

Vemos atores robotizados que passam para o público uma fala ou uma cena, não

que seja errôneo, mas busco que cada palavra entre pela boca dos que ali estão

presentes em comunhão com a cena, e após entrar... se instaure! Um diálogo em

plena comunhão entre corpos sensíveis.

Este grupo fez meu corpo voar à procura de respostas para minhas inúmeras

dúvidas, meus questionamentos, fez surgir meu “abrir dos olhos”, meu “bater de

asas”. De início não foi fácil pesquisar um corpo que eu acreditasse: um corpo

sensível, que passasse emoção e que acima de tudo, mexesse com suas próprias

emoções, seus mitos, suas próprias histórias reprimidas. E encontrei todas essas

respostas em mim mesmo.

Muitas foram as batalhas dentro do Arkhétypos com as minhas próprias

emoções. Por vezes achei que não iria conseguir levantar voo. Mas encontrei

caminhos a serem percorridos no céu, escolhi o caminho certo, assim como a

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estrada amarela é para Dorothy em O Mágico de Oz: uma estrada de descobertas e

desafios, porém uma estrada sem fim...Uma estrada que não termina agora.

Ganhei minha liberdade e voei por caminhos inesperados, desconhecidos.

Ventos turbulentos fizeram minhas penas caírem e por vezes, decaí em meus vôos,

tal como Jó, quando desce ao submundo. Por fim, encontrei a cura, encontrei a mim

mesmo! Chuvas que caíram do céu e muitas vezes eu tive que parar no caminho

para não molhar minhas penas, para não cair completamente ao chão.

Obtive ajuda de muitos outros pássaros e conseguir assim obter minhas

respostas sobre um corpo sensível que acredito, assim como os pássaros do conto

hindu conseguiram saber onde estava seu rei, mas diferente da mitologia original,

meu percurso não acaba aqui. Muitas perguntas ainda sacodem meu corpo e fazem-

me pensar a respeito de tal assunto.

Voei por tantos vales, tantos lugares e encontrei todas minhas respostas na

dor, na dor de minhas memórias na disciplina de Atuação III. Excitei meu corpo e

obtive respostas que aqui compartilhei. Foram tantos “Por quês” aqui compartilhados

e tantas respostas obtidas. Obtive o voo da liberdade e encontrei a cura.

A cura para um corpo sofrido e reprimido que cuidarei com todo o cuidado.

Esta cura esta posta nestes meros escritos. Descubram este corpo excitativo.

Descubram suas memórias, as mais primitivas possíveis e descubram acima de

tudo,sua liberdade.

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