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ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO:
Paráfrase e correção
Juliana Rochetto e Helton Menézio Rocha
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe discutir, a partir da Análise da Conversação, a paráfrase e a
correção, além de outros mecanismos que organizam o tópico conversacional. Para isso, tomaremos duas
entrevistas, as quais têm em comum o fato de estarem relacionadas à área da saúde.
A primeira entrevista diz respeito a uma consulta médica e a um problema de saúde enfrentado
pela entrevistada, a saber: dores provocadas por uma pedra no rim. E a segunda entrevista, por sua vez,
diz respeito à visão de uma médica recém-formada sobre a medicina, mais especificamente, ao seu
período de estudos na universidade, à especialização e ao início de sua vida profissional.
Ao tomar as duas entrevistas, poremos em evidência o texto falado em detrimento do texto escrito,
considerado muitas vezes superior àquele pelo senso comum. Mostraremos que ambos, texto falado e
texto escrito, na verdade, apresentam diferenças graduais (MARCUSCHI, 2000). Na escola não é raro –
infelizmente! – o aluno ser tachado como aquele que não sabe “falar corretamente”. Ora, acreditamos que
anacronismos como esses precisam ser radicados, ainda mais na escola, e que a modalidade falada da
língua precisa ter a mesma relevância quando comparada à modalidade escrita, uma vez que elas
expressam a “vocação comunicativa da linguagem verbal” (KERBRAT-ORECCHIONI, 1996, p. 7).
Para explorar esse assunto, passaremos por alguns dos conceitos obrigatórios da Análise da
Conversação. São eles: o turno de fala, os marcadores conversacionais, as falas simultâneas, as
sobreposições de falas, as pausas, o silêncio, as hesitações, as (já mencionadas) paráfrases e repetições,
para não citar outros tratados por Marcuschi (1986, 2000), Koch (1993), Kerbrat-Orecchioni (1996) e
Fávero et al. (1999).
Tendo isso em consideração, iremos nos basear em uma concepção de linguagem que privilegia a
interação face a face (KERBRAT-ORECCHIONI, 1996). Nessa interação, o “discurso é inteiramente
‘coproduzido’, é o produto de um ‘trabalho colaborativo’ incessante” (KERBRAT-ORECHIONI, 1996,
p. 11).
Após a discussão dos conceitos mencionados acima, retextualizaremos um trecho de cada uma das
duas entrevistas, mostrando as implicações da retextualização (MARCUSCHI, 2000). Finalmente,
dedicaremos umas poucas linhas à aplicação dos princípios teórico-metodológicos da Análise da
Conversação em sala de aula.
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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Fala vs. escrita
Para discutirmos a conversação e os fatores que a constituem, tomaremos essa atividade como um
ato social (KOCH, 1993). Mais particularmente: para muitas pessoas, a língua representa o mundo e o
pensamento; para outras, ela é um instrumento de comunicação, o qual requer, grosso modo, um emissor,
um receptor, um canal e uma mensagem a ser codificada e decodificada. Em ambos os casos o mundo é o
referente e a língua, o espelho desse mundo (KOCH, 1993).
Para nós, a língua é um ato social por meio do qual as pessoas se interagem na sociedade e se
constituem como sujeitos (KOCH, 1993). Desse modo, situamo-nos na perspectiva sociointeracionista,
isto é, uma perspectiva teórica discursiva e interpretativa que toma a “língua como um fenômeno
interativo e dinâmico” (MARCUSCHI, 2000, p. 33). Dito de outra forma, a língua “não é transparente
nem é determinada, pois ela não se esgota no interior do código” (MARCUSCHI, 2000, p. 72). Ela
estabelece, mantém e reproduz relações de poder (MARCUSCHI, 2000).
Isso posto, são os “usos que fundam a língua e não o contrário” (MARCUSCHI, 2000, p. 60). Para
essa perspectiva dialógica, a língua possui duas modalidades, a fala e a escrita, que se manifestam em
situações de uso concretas como texto e discurso (MARCUSCHI, 2000). Uma vez manifestadas, a escrita,
em hipótese alguma, representa a fala, no sentido de que a fala é inferior à escrita (MARCUSCHI, 2000).
A perspectiva dialógica da língua, segundo Marcuschi (2000), permite, portanto, distinguir as
características da fala e as características da escrita. Os pontos em comum entre essas duas modalidades
são: dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação, situacionalidade,
coerência e dinamicidade (MARCUSCHI, 2000).
Podemos dizer que fala e escrita apresentam correlações em suas dimensões linguísticas,
funcionais, interpessoais e cognitivas (MARCUSCHI, 2000). Isso nos permite caracterizar a língua como
um fenômeno heterogêneo, indeterminado, variável, histórico e social (MARCUSCHI, 2000). Nas
palavras de Marcuschi (2000, p. 125):
A língua é fundamentalmente um fenômeno sociocultural que se determina na relação interativa e contribui de maneira decisiva para a criação de novos mundos e para nos tornar definitivamente humanos.
Embora estejam fundadas na gramática codificada, fala e escrita estão profundamente ligadas ao
processo dinâmico da interação, processo esse que “fabrica” a realidade social ao constituir seus
participantes como atores (KOCH, 1993). A conversação, atividade essencialmente interativa, é
inseparável das situações cotidianas (BANGE apud KOCK, 1993).
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Como tentaremos mostrar, é nas situações cotidianas de interação comunicativa que as identidades
são constituídas, os papéis sociais são representados e os sentidos são negociados em participação
conjunta (KOCH, 1993).
2.2. Organização da entrevista
A conversação se caracteriza como um espaço no qual as pessoas podem construir suas
identidades (MARCUSCHI, 1986). Ela se estrutura por meio de mecanismos verbais e não verbais. Trata-
se do “gênero básico da interação humana” (LEVINSON apud MARCUSCHI, 1986, p. 14). Esse gênero,
todavia, exige pelo menos dois falantes, a troca de falantes, ações coordenadas, execução numa
identidade temporal e envolvimento numa “interação centrada”, isto é, o engajamento dos participantes,
que sustentam a conversação a partir de conhecimentos comuns, entre os quais se destacam: “a aptidão
linguística, o envolvimento cultural e o domínio de situações sociais” (MARCUSCHI, 1986, p. 16).
Assim sendo, é importante dizer que toda conversação ocorre por meio da tomada de turnos, isto
é, por meio do que o falante diz “enquanto tem a palavra, incluindo aí a possibilidade do silêncio”
(MARCUSCHI, 1986, p. 18). O turno é uma das unidades centrais da organização conversacional, que se
estabelece simetricamente ou não a partir de marcadores conversacionais, falas simultâneas,
sobreposições de falas, pausas, silêncios, hesitações, reparações e correções (MARCUSCHI, 1986;
KOCH, 1993; FÁVERO et al., 1999).
3. APLICAÇÃO
(...)
3.2. Retextualização
3.2.1. Esboço teórico
Segundo Marcuschi (2000), é preciso distinguir as atividades de idealização do texto falado das
atividades de retextualização, isto é, das atividades de transformação do texto falado para o texto escrito.
Isso porque a retextualização incide nas atividades de transformação do texto e implica nos
“procedimentos de substituição, reordenação, ampliação/redução e mudanças de estilo” (MARCUSCHI,
2000, p. 62).
Em outras palavras, a retextualização implica em mudanças de linguagem, uma vez que tanto a
língua falada quanto a língua escrita apresentam diferenças graduais (MARCUSCHI, 2000). Essa
afirmação é muito importante para a Análise da Conversação. Segundo Marcuschi (2000), não devemos
valorizar a escrita em detrimento da fala, uma vez que, de acordo com o autor (2000, p. 124), a escrita
“não é uma representação da fala”. Nesse sentido, como dissemos, as diferenças entre língua falada e
língua escrita são graduais (MARCUSCHI, 2000).
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Para então nos apropriarmos do que propõe Marcuschi (2000), é preciso inicialmente, no que diz
respeito à retextualização: 1) mobilizar estratégias de regularização linguística e reordenação cognitiva; 2)
adequar o conjunto lexical para a reordenação sintática e para a adição de pontuação (MARCUSCHI,
2000). Feito isso, trabalha-se: 3) a condensação; 4) a reordenação tópica; 5) a sua reconstrução sintática;
6) a adição de dêiticos (MARCUSCHI, 2000).
Vejamos um exemplo. Para isso, apresentamos um trecho da transcrição do inquérito n.º 01 a ser
retextualizado a partir de Marcuschi (2000).
3.2.2. Exemplo
O trecho escolhido é o que se segue:
C: /.../ desde criança eu já tive pedra no rim... eh::... minha mãe inclusive segundo ela ela ACHA que eu nasci já
com essa pedra... porque:: quando eu era criANça ela falava assim que eu chorava MUIto né... e:::... até enTÃO
pensava que era::: CÓlica... normal de criança porém assim... era MAis do que isso só que assim ninguém sabia...
eu:::... foram descobrir a minha pedra quando eu tinha:: de quatro pra cinco Anos... eh... acabô que saiu sozinha...
anos mais tarde né... eh:::... vinte anos depois... mais precisamente agora ((sorriso)) né... do nada eu comecei
sentir::... a dor lateral nu::: nu rim direito... uma dor bem aqui na cinTUra pegando as COStas... e:::... fui ao médico
porque comecei passar MUIto mal tamém... fizeram os exames... descobriram que foi a pedra... no rim... o médico
fala que não tem uma::... ai um porque específico da pedra se formar... eh... pode ser diversos fatores... pode sê::...
excesso de cálcio ou excesso de:: sal:: na alimentação... ou então...
[
H: você come muito sal?
C: pouquinho... estou manerando... eh... ou então::... pode sê::... psicológico né... ou::: da gente mesmo... não sei...
tem diversos fatores... motivos hereditários né... como como aconTEce com a minha faMÍlia... enfim... e:::...
fizeram os exames e descobriram que eu tinha/que eu estava com a pedra né... eh:::... como eu já disse antes pelo
fato da pedra estar no canal da urina que acontece tudo isso né... acontece todo esse incômodo... ((tosse)) ih:::...
pelo motivo da pedra ser grande... a pedra media sete milímetros... ela não/eu não ia conseguir expelir a pedra...
então eu tive que fazer a litotripicia... /.../
Num primeiro momento, eliminamos as marcas interacionais, as interaçãoes e as partes de
palavras (MARCUSCHI, 2000). Esta é a primeira operação, cujo resultado apresentamos a seguir:
desde criança eu já tive pedra no rim minha mãe inclusive segundo ela ela acha que eu nasci já com essa pedra
porque quando eu era criança ela falava assim que eu chorava muito e até então pensava que era cólica normal de
criança porém assim era mais do que isso só que assim ninguém sabia foram descobrir a minha pedra quando eu
tinha de quatro pra cinco anos acabou que ela saiu sozinha anos mais tarde vinte anos depois mais precisamente
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agora do nada eu comecei sentir a dor lateral no rim direito uma dor bem aqui na cintura pegando as costas e fui ao
médico porque comecei passar muito mal tamém fizeram os exames descobriram que foi a pedra no rim o médico
fala que não tem um porque específico da pedra se formar pode ser diversos fatores pode ser excesso de cálcio ou
excesso de sal na alimentação ou então pode ser psicológico ou da gente mesmo não sei tem diversos fatores
motivos hereditários como como acontece com a minha família enfim e fizeram os exames e descobriram que eu
estava com a pedra como eu já disse antes pelo fato da pedra estar no canal da urina que acontece tudo isso
acontece todo esse incômodo pelo motivo da pedra ser grande a pedra media sete milímetros eu não ia conseguir
expelir a pedra então eu tive que fazer a litotripicia
Como segunda operação, introduzimos a pontuação “com base na intuição fornecida pela entoação
das falas” (MARCUSCHI, 2000, p 75):
Desde criança eu já tive pedra no rim. Minha mãe inclusive segundo ela ela acha que eu nasci já com essa pedra,
porque quando eu era criança ela falava assim que eu chorava muito e até então pensava que era cólica normal de
criança, porém assim era mais do que isso, só que assim ninguém sabia. Foram descobrir a minha pedra quando eu
tinha de quatro pra cinco anos, acabou que ela saiu sozinha anos mais tarde. Vinte anos depois mais precisamente
agora do nada eu comecei sentir a dor lateral no rim direito, uma dor bem aqui na cintura pegando as costas, e fui
ao médico porque comecei passar muito mal tamém. Fizeram os exames, descobriram que foi a pedra no rim. O
médico fala que não tem um porque específico da pedra se formar, pode ser diversos fatores, pode ser excesso de
cálcio ou excesso de sal na alimentação ou então pode ser psicológico ou da gente mesmo, não sei, tem diversos
fatores, motivos hereditários como como acontece com a minha família, enfim, e fizeram os exames e descobriram
que eu estava com a pedra. Como eu já disse antes pelo fato da pedra estar no canal da urina que acontece tudo
isso, acontece todo esse incômodo, pelo motivo da pedra ser grande, a pedra media sete milímetros. Eu não ia
conseguir expelir a pedra, então eu tive que fazer a litotripicia.
A seguir, retiramos as repetições, as reduplicações, as redundâncias, as paráfrases e os pronomes
egóticos. Em outras palavras, eliminamos o que é redundante e condensamos o trecho selecionado. Com a
terceira operação, temos o seguinte:
Desde criança tive pedra no rim. Minha mãe inclusive acha que nasci com essa pedra, porque quando era criança
ela falava que eu chorava muito e pensava que era cólica normal de criança, porém era mais do que isso, só que
ninguém sabia. Foram descobrir a minha pedra quando eu tinha de quatro pra cinco anos, acabou que saiu sozinha
anos mais tarde. Vinte anos depois do nada eu comecei sentir a dor lateral no rim direito, e fui ao médico porque
comecei passar muito mal também. Fizeram os exames, descobriram que foi a pedra no rim. O médico fala que não
tem um porque específico da pedra se formar, pode ser excesso de cálcio ou excesso de sal na alimentação ou então
pode ser psicológico, não sei. Enfim fizeram os exames e descobriram que eu estava com a pedra. Como eu já disse
antes pelo fato da pedra estar no canal da urina acontece todo esse incômodo, a pedra media sete milímetros. Eu
não ia conseguir expelir a pedra, então tive que fazer a litotripicia.
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Feito isso, recorremos mais uma vez à tarefa de inserção. Desta vez, o foco é a paragrafação e a
pontuação destalhada “sem modificação da ordem dos tópicos discursivos” (MARCUSCHI, 2000, p 75).
A quarta operação ficará assim:
C: Desde criança, tive pedra no rim. Minha mãe, inclusive, acha que nasci com essa pedra, porque quando era
criança ela falava que eu chorava muito e pensava que era cólica normal de criança, porém era mais do que isso, só
que ninguém sabia.
Foram descobrir a minha pedra quando eu tinha de quatro pra cinco anos. Acabou que saiu sozinha, anos mais
tarde. Vinte anos depois, do nada, comecei sentir a dor lateral no rim direito e fui ao médico porque comecei passar
muito mal também. Fizeram os exames, descobriram que foi a pedra no rim.
O médico fala que não tem um porque específico da pedra se formar, pode ser excesso de cálcio ou excesso de sal
na alimentação ou então pode ser psicológico, não sei. Enfim fizeram os exames e descobriram que eu estava com a
pedra. Como já disse antes, pelo fato da pedra estar no canal da urina, acontece todo esse incômodo, a pedra media
sete milímetros. Eu não ia conseguir expelir a pedra, então tive que fazer a litotripicia.
A quinta operação implica na introdução de “marcas metalinguísticas para referenciação de ações
e verbalização de contextos expressos por dêiticos” (MARCUSCHI, 2000, p. 75). Trata-se de reformular
o trecho tendo em vista a explicitude.
Desde criança, tive pedra no rim. Minha mãe, inclusive, acha que nasci com uma pedra, porque quando era criança
ela falava que eu chorava muito e pensava que era cólica normal de criança, porém era mais do que isso, só que
ninguém sabia.
Foram descobrir minha pedra quando eu tinha de quatro pra cinco anos. Acabou que saiu sozinha, anos mais tarde.
Vinte anos depois, do nada, comecei a sentir uma dor lateral no rim direito, aqui, e fui ao médico porque comecei a
passar muito mal também. Fizeram os exames, descobriram que foi a pedra no rim.
O médico fala que não tem um porque específico da pedra se formar, pode ser excesso de cálcio ou excesso de sal
na alimentação ou então pode ser psicológico, não sei. Enfim fizeram os exames e descobriram que eu estava com a
pedra. Como já disse antes, pelo fato da pedra estar no canal da urina, acontece todo esse incômodo, a pedra media
sete milímetros. Eu não ia conseguir expeli-la, então tive que fazer a litotripicia.
Na sexta operação, passamos à “estratégia de reconstrução em função da norma escrita”
(MARCUSCHI, 2000, p. 75). Reconstruímos as estruturas truncadas e modificamos a concordância, bem
como reordenamos a sintaxe e os encadeamentos. O que temos é o seguinte:
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Desde criança, tive pedra no rim. Inclusive, minha mãe acha que nasci com uma, porque quando era criança ela
falava que eu chorava muito e pensava que era cólica normal de criança, porém era mais do que isso e ninguém
sabia.
Foram descobrir minha pedra quando eu tinha de quatro para cinco anos. Acabou que, anos mais tarde, a pedra saiu
sozinha. Vinte anos depois, do nada, comecei a sentir uma dor lateral no rim direito e fui ao médico porque
comecei a passar também muito mal. Fizeram os exames, descobriram que era pedra no rim.
O médico fala que não tem um porque específico da pedra se formar, pode ser excesso de cálcio ou excesso de sal
na alimentação ou então pode ser psicológico, não sei. Enfim fizeram os exames e descobriram que eu estava com a
pedra. Como já disse antes, pelo fato de ela estar no canal da urina, acontece todo esse incômodo, a pedra media
sete milímetros. Eu não ia conseguir expeli-la, então tive que fazer a litotripicia.
A sétima operação tem por objetivo substituir palavras visando uma maior formalidade. Podemos
selecionar novas estruturas sintáticas e novas opções léxicas (MARCUSCHI, 2000).
Desde criança, tive pedra no rim. Inclusive, para minha mãe, nasci com uma, porque quando era criança ela falava
que eu chorava muito e pensava que era cólica, porém era mais do que isso e ninguém sabia.
Foram descobrir meu problema quando eu tinha quatro anos. Anos mais tarde, a pedra saiu sozinha. Vinte anos
depois, comecei a sentir uma dor lateral no rim direito e fui ao médico porque comecei a passar muito mal. Fizeram
os exames, descobriram que era pedra no rim.
Segundo o médico, não há uma razão específica de a pedra se formar, pode ser excesso de cálcio ou excesso de sal
na alimentação ou então pode ser psicológico, não sei. Enfim fizeram os exames e descobriram que eu estava com
pedra no rim. Como já disse antes, pelo fato de ela estar no canal da urina, acontece esse incômodo, a pedra media
sete milímetros. Eu não ia conseguir expeli-la, então tive que fazer a litotripicia.
A oitava operação, segundo Marcuschi (2000), reordena topicamente o texto e reorganiza a
sequência argumentativa. Vejamos como fica o trecho:
Desde criança, tenho pedra no rim. Inclusive, para minha mãe, nasci com uma, porque quando era criança ela
falava que eu chorava muito. Minha mãe pensava que era cólica, porém era mais do que isso e ninguém sabia.
Descobriram meu problema quando eu tinha quatro anos. A pedra saiu sozinha.
Vinte anos depois, senti uma dor lateral no rim direito. Fui ao médico porque comecei a passar muito mal. Fizeram
os exames e descobriram que era pedra no rim.
Segundo o médico, não há uma razão específica de a pedra se formar, pode ser excesso de cálcio ou excesso de sal
na alimentação ou então pode ser psicológico, não sei. Enfim fizeram os exames e descobriram que eu estava com
pedra no rim. Como já disse antes, pelo fato de ela estar no canal da urina, acontece esse incômodo, a pedra media
sete milímetros. Eu não ia conseguir expeli-la, então tive que fazer a litotripicia.
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Finalmente, na nona operação procedemos ao agrupamento de argumentos; ao mesmo tempo,
condensamos as ideias do trecho. Eis o produto final:
Desde criança, tenho pedra no rim. Quando eu era criança, segundo minha mãe, chorava muito. Ela pensava que
era cólica, porém era mais do que isso e ninguém sabia.
Meu problema foi descoberto quando eu tinha quatro anos. A pedra saiu sozinha.
Vinte anos depois, senti uma dor lateral no rim direito. Fui ao médico porque comecei a passar muito mal. Fizeram
os exames e descobriram que era pedra no rim.
Segundo o médico, não há uma razão específica de a pedra se formar. Pode ser ou excesso de cálcio ou excesso de
sal na alimentação ou pode ser psicológico.
A pedra media sete milímetros e estava no canal da urina. Como não conseguiria expeli-la, tive que fazer a
litotripicia.
Como se pode notar, o processo de retextualização (MARCUSCHI, 2000) faz desaparecer as
marcas de hesitação, as pausas e os truncamentos, que são eliminados, grosso modo, por meio da
reordenação cognitiva do texto. Na transcrição, percebe-se que, embora não haja truncamentos, H.
interrompe C. ao lhe fazer uma pergunta. Quando esta é respondida por C., um marcador conversacional
de hesitação é inserido, e só depois disso o tópico discursivo é retomado. Na retextualização optamos por
eliminar essa marca de interlocução.
(...)
3.5. Comentário
A construção do texto falado possui dois procedimentos básicos: a paráfrase e a correção. Neste
item, trataremos do primeiro procedimento.
A paráfrase é uma atividade linguística de reformulação (HILGERT, 2003). Uma vez que o texto
é construído entre os interlocutores de modo cooperativo, a recorrência da paráfrase corrobora para a
intercompreensão e a progressividade conversacional (HILGERT, 2003). Há duas possibilidades da
paráfrase ocorrer. Na primeira delas, a paráfrase adquire uma função local; na segunda, ela estrutura o
texto em seu nível global. Em outras palavras, a paráfrase pode ser, respectivamente, adjacente ou não
adjacente.
Vejamos um exemplo de paráfrase adjacente retirado do inquérito n.º 01:
H: ele ((pai de C.)) não sente dor?
C: não sente dor... ele:: percebe que ele tem a pedra ele:::... expele a pedra porém ele não não sente cólica de rim...
e:: minha avó materna tinha:: tinha problemas com os rins tamém... os rins dela eram bem bem debilitados...
inclusive ela veio a falecer por complicações... eh:::... renais... (linhas 28-31, grifo nosso)
9
No trecho acima, nota-se que “os rins dela eram bem bem debilitados” parafraseia “tinha problemas com os rins”. Quanto à paráfrase não adjacente, nota-se que, no mesmo inquérito, o subtópico “Dor” (linhas 43-46) é parafraseado pelo que se segue entre as linhas 79-88. Exemplo:
C: /.../ do nada eu comecei sentir::... a dor lateral nu::: nu rim direito... uma dor bem aqui na cinTUra pegando as
COStas... /.../ (linhas 43-44, grifo nosso)
H: fale um pouco sobre a dor... como ela é?
C: olha... é bem é bem forte... eh:::... (linhas 79-80, grifo nosso)
Além das paráfrases adjacentes e não adjacentes, pode ocorrer a autoparáfrase e a hetoparáfrase, as quais, por sua vez, podem ser autoiniciadas ou heteroiniciadas. E todas elas podem expandir ou condensar o tópico discursivo (HILGERT, 2003).
A seguir, mostramos um exemplo de paráfrase que condensa o tópico discursico:
C: /.../ ((tosse)) ih:::... pelo motivo da pedra ser grande... a pedra media sete milímetros... ela não/eu não ia
conseguir expelir a pedra... /.../ (linhas 55-57, grifo nosso)
Observe-se como “sete milímetros” condensa “grande”, dito anteriormente. Outro recurso bastante
recorrente na conversação é o par adjacente, como o que se segue:
H: ele não sente dor?
C: não sente dor... (linhas 27-28)
Um exemplo de paráfrase expandida é dado a seguir, em que “litotripicia” será parafraseado pela sua explicação. É o que podemos ver no trecho a seguir, que possui sobreposições de vozes (MARCUSCHI, 1986):
C: /.../ pelo motivo da pedra ser grande... a pedra media sete milímetros... ela não/eu não ia conseguir expelir a
pedra... então eu tive que fazer a litotripicia...
H: e o que é isso?
C: é um procedimento tipo uma micro cirurgia porém sem corte... o médico ele quebra a pedra... eh:::...
[
H: dói?
[
C: por meio de uma máquina através de ondas de choque... e a pedra conforme você vai tomando líquido ela é
expelida aos poucos... n::... não dói... não senti dor com o procedimento... (linhas 56-65, grifo nosso)
Exemplos de marcadores conversacionais, falas simultâneas, pausas, silêncios e hesitações poderiam ser analisados com mais vagar. Para não nos estendermos, passaremos agora ao inquérito n.º 02.
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3.6.1. Retextualização
A seguir, apresentamos o trecho do inquérito n.º 02 a ser retextualizado também a partir de
Marcuschi (2000).
F1: e você já esse trabalho que você faz já é de pessoas que vão fazer algum tipo de exame você já analisa casos
reais né... não é... não são...
[
F2: isso... não é um trei/não...
[
F1:não é um teste...
[
F2:não é um teste...é tudo de verdade... só que... como a gente tá em treinamento... todos os professores... todos os
exames são checados pelos professores então não sai nada sem o professor ver... a gente não é... não trabalha
lá que nem um escravo e: só né... botam a gente pra trabalhar lá por um trabalho mais barato ... a gente é
treinado mesmo os professores... treinam a gente... epa/e conferem...(linhas 33-45)
Aplicando as nove operações de retextualização propostas por Marcuschi, apresentamos a retextualização
do trecho anterior:
F1 – E você já faz análises de tecidos?
F2 – Já, porque a residência médica é um treinamento trabalhando, então eu já faço isso desde que eu entrei na
residência.
F1 – Você já analisa casos reais, de pessoas que vão fazer algum tipo de exame? Não é um teste?
F2 – Não é um teste. É tudo de verdade. Só que, como estamos em treinamento, todos os exames são checados
pelos professores, então não sai nada sem eles verem. Não trabalhamos como se fôssemos escravos. Não nos
colocam para trabalhar lá por um trabalho mais barato. (linhas 33-49)
3.6.2Comentário
Durante toda a entrevista, vê-se como característica marcante, sobretudo nas falas de F2
(entrevistada), a presença de muitas correções e paráfrases.
Diante das condições em que se deu o diálogo – ambos os falantes conscientes da gravação e da
finalidade que teria o áudio –, parece-nos justificável essa recorrência: os falantes realizam um grande
número de autoparáfrases e autocorreções porque, além de terem o objetivo de serem compreendidos,
revelam a preocupação em registrar no áudio (que sabem que servirá para fins acadêmicos) uma fala o
mais “correta” possível, não somente no âmbito gramatical, mas também em relação ao conteúdo exposto.
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A correção, que, segundo Barros (2003), caracteriza-se como “um procedimento de reelaboração
do discurso que visa a consertar seus ‘erros’ [...], um ato de reformulação textual” – “erros” entendidos
como escolhas que os falantes consideram inadequadas – ocorrem o tempo todo, com a finalidade de
garantir a intercompreensão na conversação. Da mesma forma, também são frequentes as paráfrases, que
têm a mesma finalidade das correções, mas se diferenciam delas por haver entre o enunciado a ser
reformulado e o reformulador maior proximidade semântica que na correção.
A seguir, alguns casos que evidenciam a preocupação dos falantes em, a todo o momento, terem o
máximo de clareza ao dialogar:
F2: já já porque a residência médica é um:: é um treinamen::to:: trabalhando né... então a gente começa... ser/a ser
treinado durante o trabalho... então:: eu já faço isso desde que eu entrei na residência...(linhas 30-32)
Acima, ocorre uma autocorreção: F2 corrige a sua própria fala ao perceber que, em vez de dizer
“começa ser”, deveria dizer “começa a ser”.
F1: e você já esse trabalho que você faz já é de pessoas que vão fazer algum tipo de exame você já analisa casos
reais né... não é... não são...
[
F2: isso... não é um trei/não...
[
F1:não é um teste...
F2:[
não é um teste...é tudo de verdade... só que... como a gente tá em treinamento... todos os professores... todos os
exames são checados pelos professores então não sai nada sem o professor ver... a gente não é... não trabalha
lá que nem um escravo e: só né... botam a gente pra trabalhar lá por um trabalho mais barato... a gente é
treinado mesmo os professores... treinam a gente... epa/e conferem...(linhas 33-45)
No trecho anterior, há casos muito interessantes. Na linha 33, F1 realiza uma reformulação,
completando a questão que queria fazer a F2: troca “e você já” por “esse trabalho que você faz já”. Além
disso, realiza a troca “não é” por “não são”, pois é provável que, caso não tivesse seu turno tomado por
F2, dissesse “não são casos fictícios”.
Ao tomar o turno, na linha 36, F2 responde a F1 afirmando que o trabalho que realiza (ou seja, não
faz remissão aos “casos”, mas ao “trabalho”, citado por F1) não é um “treino”. Aqui, a palavra “treino”
aparece truncada por F2 ter seu turno tomado por F1. Nesse momento, há uma heteroparáfrase de F1, que
sugere a troca de “treino”, na fala de F2, por “teste”. No turno seguinte de F2, ela aceita a paráfrase
12
realizada por F1, tanto que a reproduz no início de sua fala (dizendo “não é um teste”), mas, segundos
depois, volta a falar em “treinamento” – “como a gente tá em treinamento”.
Nessa mesma fala de F2, ocorre uma nova reformulação quando troca “todos os professores” por
“todos os exames são checados pelos professores”, de modo a buscar a compreensão de seu interlocutor.
O mesmo acontece ao trocar “não é” por “não trabalha lá” – nessa autocorreção, F2, que provavelmente
iria dizer “não é escravo”, busca amenizar essa fala dizendo, no lugar disso, “não trabalha lá que nem um
escravo”. Na sequência, parafraseia o que disse, substituindo “não trabalha lá que nem um escravo” por
“botam a gente pra trabalhar lá por um trabalho mais barato...”.
F2: então eu me formei há dois anos... em medicina estudei em São Carlos... na Universidade Federal de São
Carlos... e daí eu entrei... prestei residência médica...(linhas 2-3)
No caso acima, F2, que busca ser clara a todo o momento, troca “entrei” por “prestei”,
enfatizando a F1 que antes de entrar na residência médica foi necessário fazer um processo seletivo, que
explicou logo sem seguida como se deu.
A seguir, são expostos dois casos em que as paráfrases são realizadas para deixar bem claro o
que se quer dizer ou perguntar. No primeiro caso, F2 explica a F1, que logo no início da entrevista
afirmou ser leigo em medicina, qual é o tipo de microscópio que utiliza. No segundo caso, F1, ao elaborar
a pergunta a F2, realiza uma paráfrase para esclarecer a pergunta prevendo que poderia não ser sido claro
ao dizer “atividades que você sai do laboratório”, explicando melhor o que queria dizer com isso.
F2: não... é uma área bem... mais::... in/intimista vamos dizer assim... é a gente fica bem entre quatro paredes... eu
trabalho principalmente com microscópio... microscopia óptica mesmo... microscópio comum... (linhas 17-19)
F1: e o seu trabalho é sempre de laboratório mesmo ou você tem algumas atividades que você sai do laboratório...
éh... algum outro tipo de exame diferente que você tem que fazer procedimentos que não são no laboratório...
existe... tarefas assim? (linhas 56-58)
Por último, um caso bastante interessante ocorre quando F2, ao ser questionada se faz plantões,
realiza um truncamento, em que substitui “f” (subentende-se “faço”) por “ainda faço”, enfatizando com
esse “ainda” que só continua com os plantões porque ainda não tem condições de se manter como médica
anatomopatologista, ou seja, não é algo que pretende fazer para o resto da vida, como ela mesma afirma.
(...)
3.7. Comparações gerais
13
Ao comparar os dois inquéritos, notamos ocorrências semelhantes entre eles. A primeira delas diz
respeito ao tópico discursivo. No inquérito n.º 01, temos a relação entre paciente, médico, o problema de
saúde e o conhecimento científico que legitima o médico. A segunda entrevista diz respeito à visão de
uma médica recém-formada sobre a medicina, sobre seu período de estudos na universidade, sobre a
especialização e sobre o início de sua vida profissional.
As semelhanças continuam. Ambos os inquéritos possuem dois falantes e a troca de falantes
quando um ou outro, alternadamente, assume o turno conversacional. Podemos notar que as ações são
coordenadas e executadas numa identidade temporal que envolve uma interação centrada, isto é, os
falantes estão engajados em manter a interação e, por isso, sustentam a conversação a partir de
conhecimentos comuns, entre os quais se destacam: “a aptidão linguística, o envolvimento cultural e o
domínio de situações sociais” (MARCUSCHI, 1986, p. 16).
É importante dizer, mais uma vez, que a conversação ocorre por meio da tomada de turnos. Como
o turno é uma das unidades centrais da organização conversacional, ele se estabelece em ambos os
inquéritos a partir de pares adjacentes, marcadores conversacionais, sobreposições de vozes, pausas,
silêncios, hesitações, paráfrases e correções (MARCUSCHI, 1986; KOCH, 1993; FÁVERO et al., 1999.
HILGERT, 2003; BARROS, 2003).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de finalizarmos este trabalho, convém falarmos sobre a aplicação do modelo teórico-
metodológico da Análise da Conversação no ensino de língua materna.
A perspectiva sociointeracionista adotada por nós não significa desprezar os aspectos estritamente
linguísticos, formais, em detrimento dos aspectos sociocomunicativos. Pelo contrário: estes aspectos
determinam aqueles, igualmente importantes para que possamos realizar nossas ações por meio dos
gêneros textuais orais e escritos. Acreditamos que este é o papel da escola: tornar o aluno proficiente em
sua própria língua, considerando todas as modalidades e as mais diversas situações de uso do idioma.
É o que vemos, por exemplo, na retextualização dos inquéritos acima. No processo de
retextualização dos trechos selecionados, eliminaram-se as características fonológicas, ortográficas e
sintáticas relacionadas ao uso da modalidade falada da língua. A retextualização implicou em mudanças
significativas de linguagem, uma vez que a língua falada e a língua escrita apresentam diferenças graduais
(MARCUSCHI, 2000).
Essa afirmação é muito importante para as situações de aprendizagem em sala de aula. Para
Marcuschi (2000), não devemos valorizar a escrita em detrimento da fala. Segundo o autor (2000, p. 124),
a escrita “não é uma representação da fala”. Nesse sentido, como dissemos e procuramos mostrar, as
diferenças entre língua falada e língua escrita são graduais (MARCUSCHI, 2000).
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Último exemplo: durante a retextualização, o aluno, além de mobilizar estratégias de regularização
linguística e reordenação cognitiva, adéqua o conjunto lexical para a reordenação sintática e para a adição
de pontuação (MARCUSCHI, 2000). Quando procede à paráfrase e à correção, ele, a todo o momento,
está planejando e reformulando seu texto, seja por meio de uma relação de equivalência, como na
paráfrase, seja por meio de um contraste semântico, como na correção.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROS, D. L. P. de. “Procedimentos de reformulação: a correção”. In: PRETI, D. (Org.). Análise de
textos orais. 6. ed. São Paulo: Humanitas, 2003.
FÁVERO, L. L. et al. (1999) Oralidade e Escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 8 ed.
São Paulo: Cortez, 2012.
HILGERT, J. G. “Procedimentos de reformulação: a paráfrase”. In: PRETI, D. (Org.). Análise de textos
orais. 6. ed. São Paulo: Humanitas, 2003.
KERBRAT-ORECCHIONI, C. (1996) Análise da Conversação: prinípios e métodos. São Paulo:
Parábola, 2006. (Na ponta da língua; 16)
KOCH, I. G. V. (1993) A inter-ação pela linguagem. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
MARCUSCHI, L. A. (1986) Análise da conversação. 6. ed. São Paulo: Ática, 2007. (Princípios; 82)
_________________. (2000) Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2010.