Ano 12 • Nº 12 • Dezembro • 2014
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Além da boa gestão pedagógica, a competência de uma escola é aferida por uma credencial de peso:
trata-se do capital intelectual adquirido pelo corpo docente, a viga mestra da inteligência organizacional.
O que isso significa? Que as estratégias didáticas utilizadas e o traquejo nas disciplinas acadêmicas têm
relevância inconteste. Mas não só. É preciso dar relevo ao universo simbólico que informa os próprios
professores. Basta conferir o quanto seus saberes científicos, filosóficos, estéticos e técnicos impactam
o conteúdo programático quando o contextualizam. Ou, dito de outra forma, movem montanhas quando
conferem substância às disciplinas ensinadas. Assim, o que distingue professores proficientes de
professores carentes de riqueza intelectual? O acervo que acumulam ao longo da carreira, a capacidade
de atualizar-se incessantemente e, sobretudo, a faculdade ímpar de transmitir o que sabem de forma
acessível.
Como bem nos ensina a Profa. Elvira Souza Lima, cuja formação multidisciplinar constitui um
exemplo vivo, a escola é uma invenção da civilização, e as vivências que propicia são componentes
essenciais para o desenvolvimento do cérebro das crianças e dos adolescentes. Sua entrevista nos
esclarece que não há na genética humana uma área designada para a leitura e a escrita. Por serem
funções simbólicas, o ler e o escrever exigem adaptações do cérebro. Do mesmo modo, a imaginação
opera como mola propulsora do conhecimento humano. Tanto é que os eixos da escolarização são a
formação e o compartilhamento de memórias. Daí a importância estratégica da escola e o papel central
reservado ao preparo científico e cultural dos professores. O que será que o professor ensina se não
elementos de seu patrimônio intelectual? E, quanto mais elaborada for a “memória” dele, mais densas
serão as possibilidades de aprendizagem dos alunos e mais largos serão seus horizontes. É esse caminho
que a Móbile trilha com dedicada obstinação.
Na presente edição da Revista da Móbile, textos produzidos por alunos ilustram o trabalho artesanal
da arte de escrever. E, nesta linha, vale a pena ler a reflexão de Maria de Remédios Ferreira Cardoso,
diretora da Educação Infantil – “A importância da consciência fonológica na Educação Infantil” –, que
pontua o quanto esse nível de consciência é vital para a aquisição da leitura e da escrita. Chama igualmente
a atenção o relato “Descrição: a recriação por meio de palavras”, de Luciana Tomiatto e professoras do
4º ano do Ensino Fundamental I, que mostra a lógica que articula a descrição em textos narrativos.
Nessa linha, embora em um registro mais amplo, inscreve-se a instrutiva e bela resenha escrita
por Wilton Ormundo, vice-diretor pedagógico e professor de Estudos Literários do Ensino Médio. Ela
versa sobre a peça de teatro Folias Galileu e demonstra com precisa lucidez o alcance e a pertinência
da formação cultural. A ida ao teatro deixa de ser mero deleite ou fútil entretenimento e se converte em
oportunidade de reflexão crítica – “infeliz a terra que precisa de heróis...”. Mais ainda, revela o quanto a
agenda cultural dos alunos permite articular as várias disciplinas que compõem a grade curricular.
Merece também menção o trabalho meticuloso – fruto do planejamento e da supervisão de Cleuza
Villas Boas Bourgogne, Diretora do Ensino Fundamental – desenvolvido na VI Semana Literária e cujo
tema central foi o Modernismo. Os textos apresentados são dos alunos que cursam desde o Infantil 5 até
o 3º ano do Ensino Médio. Ao folhear o material, evidenciam-se experimentações felizes que mergulham
na gramática do movimento e lhe desvendam motivações e características. Aleluia para a criteriosa
construção de linguagem!
Mais adiante, temos vários textos premiados no Concurso Literário, cujo frescor, delicadeza e
espontaneidade conferem um charme todo especial à carpintaria da arte de escrever. Destaques para a
prosa de Monique Murer, do 6º ano do Ensino Fundamental, e de Désirée Brissac Pereira, do 9º ano, assim
como para a poesia de César Zarzur, do 1º ano do Ensino Médio.
O projeto de Iniciação Científica do Colégio Móbile também merece uma visita, graças à variedade
de seus temas e às instigantes videoaulas que se encontram disponíveis no site da escola.
Dois projetos de pesquisa, aliás, se destacam. O primeiro, singelo e engenhoso no uso de recursos
tecnológicos, visa trabalhar fontes históricas e foi animado pela coordenadora educacional Ana Lúcia
Ribeiro de Almeida, além das professoras do 3º ano do Ensino Fundamental. Trata-se da pesquisa sobre
a história da Móbile (“Construindo o presente e revisitando o passado”). Outro primoroso projeto aborda
o impacto das drogas psicotrópicas sobre o sistema nervoso e, naturalmente, sobre o comportamento
humano. Trata-se da pesquisa que envolve os alunos do 2º ano do Ensino Médio (“Percepção alterada”),
iniciativa da professora de Biologia Tatiana Nahas. Esse projeto une, de forma metódica, o ensino da
fisiologia, a aplicação e o treino em variados procedimentos de pesquisa, bem como permite refletir
sobre os riscos pessoais e as implicações sociais do consumo de drogas. Dá-nos uma lição prática
de como desenvolver habilidades essenciais para os alunos. Habilidades referentes à construção do
conhecimento científico e às suas virtudes na apreensão de fenômenos que afligem parte significativa
da população. O desdobramento natural dessa empreitada é o posicionamento crítico diante do mundo.
Proveitosa leitura.
Nessa esteira em que reponta a delicada questão da autonomia intelectual, cabe sublinhar o
artigo de Glorinha Martini e de Wilton Ormundo, respectivamente diretora pedagógica e vice-diretor
pedagógico do Ensino Médio. Constitui verdadeira exposição de motivos que elucida a introdução das
disciplinas eletivas no currículo do Ensino Médio (“Sobre o peso da escolha”). Encontramos aqui não só
uma descrição dos conteúdos, mas uma preciosa fundamentação que pode ser resumida num subtítulo:
“escolho, logo me responsabilizo”. Essa iniciativa inova em sua busca de articular a formação básica
com competências específicas que guardam direta relação com as afinidades enunciadas pelos próprios
alunos. Eis um modo singular de superar aquilo que não se sabe e que muito se gostaria de ver ensinado
de forma sistemática.
Outra indicação recai sobre a valiosa reflexão que se ancora no campo da psicologia e que foi
levada a efeito por Tatiana Almendra, vice-diretora do Ensino Fundamental I, Maria de Remédios F.
Cardoso, diretora da Educação Infantil, e Wanessa Kelly e Silva Salvatore, coordenadora do 1º ano do
Ensino Fundamental. O artigo tem por título “Princípios para uma proposta de Educação Moral”. Nele, as
educadoras descrevem os passos para a formação de sujeitos detentores de consciência moral, patamar
inaugural para o “sentimento de pertença” e, sobretudo, para o exercício da cidadania. Afinal, como
deixar de investir na dimensão ética das novas gerações?
Mais um texto desafiador é o de Walter Spinelli, coordenador de Matemática do Ensino Médio
(“Estudar Matemática é perda de tempo: quem acredita nisso?”). Além de ressaltar as múltiplas e
variadas aplicações da matéria a situações de nosso cotidiano (a Matemática que “serve para alguma
coisa”), pontua utilidades derivadas, tais como a de nos municiar contra os engodos de vendedores
mal-intencionados e a de nos alertar contra as falácias das publicidades enganosas. Mais importante,
todavia, é a desmistificação que faz do “deus matemático”, esse fantasma que afugenta tantos alunos.
Spinelli mostra com absoluta propriedade como a disciplina transcende as miúdas serventias e contribui
decisivamente para desenvolver a capacidade de abstrair e conceber, faculdades determinantes para a
competente apreensão da realidade. Brilhante provocação intelectual que poderia ser generalizada para
as demais ciências.
Esta última edição da Revista da Móbile é mais um retrato do esforço redobrado de um grupo de
educadores cuja seriedade intelectual se traduz em jovens preparados para enfrentar os desafios do
estudo universitário e instrumentados para se tornarem agentes socialmente responsáveis.
Boa leitura!
MARIA HELENA BRESSER
Diretora Geral
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Projeto gráfico e editoraçãoFernando Alexandrinowww.letlive.com.br
FotografiasArquivo Móbile
Fotolitos e impressãoGráfica Editora Aquarela
REVISTA DA MÓBILE
EditorWilton de Souza Ormundo
TextosCleuza Vilas Boas BourgogneWilton de Souza Ormundo
RevisãoDébora ShinoharaRicardo Paulo Novais
MÓBILE
Direção GeralMaria Helena Bresser
Direção
Educação InfantilMaria de Remédios F. Cardoso
Ensino FundamentalCleuza Vilas Boas Bourgogne
Ensino Médio (Educacional)Blaidi Sant'Anna
Ensino Médio (Pedagógica)Glorinha Martini
ColaboradoresEDUCADORESAdriana GalvãoAlexandre FioriAline StroehAna Carolina C. D’AgostiniAndréa AssumpçãoAndréia Siqueira de FariaAndreza Martins de SouzaAntonio de Freitas da CorteCarla Pinto Retamales MazaroCaroline Fernandes de O. SantosClarissa MarianoCláudia Colla de AmorimCleuza Vilas Boas BourgogneDaniela Jaime LevinoDaniela RosaDanilo VasquesDébora ZardiEliana Mesquiatti TayanoFelipe CorazzaFernando SabaFlávia DuranIone CapucciJuliana CamachiJuliana Yokoo GarciaJúlio César RibeiroKelly Cristina Oliveira de AraújoKurtLarissa Rodrigues Dias PereiraLeonardo CosentinoLilian Henne ÉboliLuca CaltranLuciana Tomiatto de OliveiraLuiz Antonio FarinaMárcia RuizMaria de Remédios F. CardosoMichele CostaMônica Alves de Góes da SilvaMonika KuszkasPatrícia BacchiPaula Tonglet VasconcelosPriscilla RibeiroRafael BarufaldiRoberta Hellena B. De VitaRoberto CandeloriRogério GusmãoRodrigo MendesTatiana AlmendraTatiana NahasTeresa ChavesThaís Casagranda NevesValéria de Melo PereiraVivian Mantovani
ALUNOSAna Cecília SavagetAnna Catarina RomanAndré SalemAndréa LaseviciusArthur RipperBianca CarvalhalBruna Di BisciglieCardoso Franco AvancineCarolina KaracristoChristopher KapázClara AvanciniClara EmílioClara CappattoClara MunhózFernanda AlvesFernanda NemrFernanda Pestana HaddadGuilherme RainerIsabella ScuottoJulia AbibeJulia YenJoão AssadJúlia ScheinJúlia TakeutiJuliana De Rosa PeanoLuisa B. MontesMarcos ZlotnikMariana GrandeMariana Ros StefaniMarina BorgesMário TurollaOlivia LabanRenato Candido SevilhanoRicardo Marian AndradeTamara KlinkTeresa Caruso
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Marieta Severo
Numa noite não chuvosa de outubro, 360 alunos e professores da Móbile adentraram uma sala de teatro para assistir à peça Incêndios, uma tragédia contemporânea com fortes elementos clássicos ligados a, principalmente, Édipo e Medeia. Protagonizando o espetáculo dirigido por Aderbal Freire Filho, uma das maiores artistas brasileiras, Marieta Severo. Nesta entrevista, a atriz carioca fala sobre sua atuação em Roda viva, um dos marcos do teatro de combate contra a ditatura militar imposta a partir de 1964, sobre seu exílio e, sobretudo, sobre seu papel como artista.
Revista da Móbile – Como é que você
caracterizaria a Marieta Severo estudante? Você
já pensava em ser atriz?
Marieta Severo – Eu era uma mistura de
menina rebelde com menina ótima aluna. Como
era muito boa aluna, os professores do Colégio
Bennett, no Rio de Janeiro, suportavam um pouco
a minha rebeldia. Não pensava em ser atriz, mas,
certamente, meu colégio teve grande influência
sobre minha posterior escolha. Na escola, havia
um auditório muito bom (melhor do que muito
teatro do Rio), onde se faziam várias atividades
artísticas. Eu dançava balé e queria ser bailarina
ou professora primária. O primeiro contato que
tive com alguma coisa próxima do teatro foram
os esquetes que fazíamos sobre temas históricos.
O Bennett propiciava isso. Eu sempre tive uma
paixão enorme por crianças e por contar histórias
a elas, e o colégio permitia que eu fizesse isso.
Contava histórias para os meus colegas e, quando
faltava alguma professora, eles me chamavam
para contar histórias para as crianças.
Revista da Móbile – Você não era nada tímida,
então?
Marieta Severo – Não era, não. Eu era meio
líder de turma, era metidinha à beça!
Revista da Móbile – Segundo o educador
francês Jean-Marie Goulemot, o que orienta
nossas posições ideológicas são as leituras que
fazemos ao longo da vida e que compõem nossa
“biblioteca cultural”. Que leituras, em sentido
amplo, guiaram – e formaram – você?
Marieta Severo – Para começar, em minha
infância, teatro infantil não existia. Eu comecei a
ver teatro lá pelos 14, 15 anos. Em meu aniversário
de 15 anos, ganhei de presente a ida ao teatro
Copacabana. Eu não tive acesso ao que minhas
filhas tiveram. Houve uma presença maciça do
teatro infantil na vida delas. Isso eu não tive.
Revista da Móbile – Você leu muito Monteiro
Lobato?
Marieta Severo – Muito. A minha primeira
paixão por leitura foi Monteiro Lobato. Não havia,
também, muita literatura infantil naquela época.
Aliás, fico admirada de como esse gênero se
desenvolveu da minha época para a das minhas
filhas e, mais ainda, daquela para a dos meus
netos. Há uma quantidade imensa de excelentes
livros hoje. Mais tarde, li a “Biblioteca das moças”
[coleção de mais de uma centena de romances
estrangeiros, publicada pela Companhia Editora
Nacional entre 1920 e 1960, dirigida a jovens
mulheres], e a “Menina e moça” [coleção inspirada
na Bibliothèque de Suzette, publicada na França
entre 1919 e 1965 e preocupada em prescrever um
bom comportamento moral e formação literária
para mocinhas].
Revista da Móbile – E Machado de Assis?
Marieta Severo – Machado entra em minha
formação quando eu já era adolescente. Lembro-
me de quando eu, com 15 anos, fui para o Instituto
de Educação, na Tijuca, depois de permanecer
mais de uma década no Bennett, onde entrei
aos três e saí aos quinze! No Instituto, senti-me
só, muito porque nenhum de meus amigos havia
ido para lá. Embora houvesse me decepcionado
um pouco com o novo curso e a nova escola,
descobri nesse lugar uma biblioteca maravilhosa.
Foi quando comecei a ler Machado de Assis, José
de Alencar e toda a clássica literatura brasileira.
Matava aula para ficar na biblioteca.
Revista da Móbile – E hoje você lê muito
textos dramáticos? Na Móbile, os alunos leem,
dependendo do ano, Édipo Rei, de Sófocles,
os autos de Gil Vicente e até já arriscamos a
leitura coletiva de Vestido de noiva, de Nelson
Rodrigues, mas é difícil fazer os estudantes lerem
teatro, dada a estrutura específica desse gênero
literário.
Marieta Severo – Eu leio bastante, gosto disso
e acho que é necessário que haja treino para a
leitura do texto dramático. É fundamental que
um ator saiba ler uma peça. Concordo que seja
difícil para um leitor comum fazer isso, mas um
ator precisa dessa prática e, aos poucos, aprende
a “completar” o texto teatral. Um ator tem que
ler muita peça; aliás, um ator precisa ler tudo,
especialmente teatro.
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Não pensava em ser atriz, mas, certamente, meu colégio teve grande influência sobre minha posterior escolha.
Revista da Móbile – Você participou da
encenação da primeira montagem de Roda
viva, de Chico Buarque, peça dirigida por José
Celso Martinez Corrêa que compõe um painel
de espetáculos de combate contra a ditadura de
1964. Você tinha consciência do papel político de
sua atuação nesse contexto?
Marieta Severo – Não. Eu tinha apenas vinte
anos quando participei de Roda viva. Engraçado...
as circunstâncias vão atribuindo valores e
fornecendo novas leituras para os fatos. Em
Roda viva, é claro, há um desabafo feito pelo
Chico Buarque, o autor, sobre um mundo – que
estava apenas começando – que tritura o ídolo
e o consome. A peça não tinha qualquer intenção
explícita política, engajada. Aos poucos, ela foi
adquirindo um tom político pelo contexto. Ela
precisou ser mais do que era.
Revista da Móbile – Você não se percebia como
uma figura que tivesse uma intenção política
contra um sistema que se mostraria avassalador
ao longo da década de 1960?
Marieta Severo – Eu não me percebia, não,
eu não era. Eu era uma atriz, uma jovem atriz
querendo trabalhar muito. Em princípio, eu não
queria fazer Roda viva. Eu fiz porque o Zé Celso
insistiu muito, eu não queria integrar o elenco
porque era namorada de Chico Buarque à época.
Ele me convenceu de que minha figura era
extremamente necessária para que se pudesse
falar desse ídolo, dessa cultura da celebridade.
Ainda bem que insistiu, porque gostei de fazer
Roda vida. Não posso negar que, naquela época,
a efervescência política chegava a todo mundo,
eu participava de todas as reuniões dos artistas
e estudantes, entendia as manifestações de rua,
realizadas a partir de 1964. Entre 1964 e 1968,
quando o regime militar se radicalizou, eu era
muito jovem; não era engajada, mas tinha a minha
sensibilidade política. Em minha casa se falava
muito de política. Meu pai havia sido um líder
estudantil, depois virou advogado e, mais tarde,
desembargador. Participei de algumas passeatas,
mas não tive um engajamento maior do que esse.
Revista da Móbile – O que permanece daquela
moça que buscava um teatro de ruptura, como o
que propunha Roda viva, na Marieta de 67 anos?
De que forma você dialoga com os inventivos anos
1960, em que você tinha vinte e poucos anos e
muita disposição para o combate?
Marieta Severo – O que permanece é um
alinhamento meu, interno, com trabalhos e
espetáculos que tenham um valor artístico, um
valor de conteúdo, um valor teatral importante.
Sempre procurei escolher meus trabalhos
pautando-me em valores que são importantes
para mim. Sempre tive necessidade de estar
em cena para dizer alguma coisa que julgasse
importante. Esse desejo estava naquela jovem
que foi fazer Roda viva e nessa mulher que fala
com você agora.
Revista da Móbile – Parte da imprensa fala de
sua mudança para Roma, no contexto da ditadura
militar, como uma espécie de “autoexílio”, ainda
que imposto.
Marieta Severo – Foram quase dois anos de
exílio e não foi uma opção. Chico e eu fomos viajar
para o Festival de Montreux. Eu estava com uma
barriga de sete meses, grávida de minha primeira
filha. Era para ficarmos fora apenas vinte dias,
autorizados pelo meu ginecologista, mas, por
telefone, ficamos sabendo da prisão de Caetano
Veloso e de Gilberto Gil. Estou falando de janeiro
de 1969. O Ato Institucional número 5 [o mais
restritivo deles] data de dezembro de 1968. Tudo
começou a ferver no Brasil: censura, repressão,
violência. Então, começamos a receber recado:
“Se o Chico voltar, ele vai ser preso também.”
Então, não foi um autoexílio. Não tínhamos a
opção de voltar, embora eu quisesse. Havia o
enxoval, o quartinho de Sílvia [Buarque]... eu
não conhecia nada, mal falava italiano, que fui
aprender, na marra, para poder me comunicar com
o ginecologista de lá.
Revista da Móbile – Você é muito conhecida
por suas atuações na televisão, veículo que tem
uma popularidade gigantesca. Você é contratada
da TV Globo?
Marieta Severo – Durante toda a minha vida, tive
contratos fechados para realizar as telenovelas
das quais participei na Globo, mas foi somente a
partir do programa A grande família que passei a
ter um contrato maior.
Revista da Móbile – O público que assistiu à
série A grande família vem ver Incêndios?
Marieta Severo – O público da TV é enorme e
variado. Grande parte dos espectadores que veem
aqui assistir a Incêndios assistiu à série A grande
família e me procura para lamentar que ela tenha
chegado ao fim.
Revista da Móbile – Há uma crença por parte da
classe teatral de que um público médio de TV não
compreenderia um espetáculo mais elaborado do
ponto de vista estético e filosófico, como é o caso
de Incêndios. Você acredita nisso?
Marieta Severo – A TV precisa se comunicar
com milhões de pessoas porque é um veículo de
massa. Gosto de pensar que quando escolho uma
peça para realizar, pautando-me na qualidade
artística que tem, ela conseguirá se comunicar
com a plateia que vem me ver em sua diversidade.
Mas considero interessante que existam
espetáculos de alta pesquisa, mais herméticos,
mais difíceis de serem decifráveis e que alcancem
um público menor, que não gosta da televisão. Eu
não escolho um texto porque seja mais fácil, mais
compreensível. Penso que ele precisa estabelecer
uma comunicação direta com gente, como é
o caso de Incêndios, uma peça que emociona,
envolve as pessoas e que é construída a partir de
conteúdos humanos fortes.
Revista da Móbile – A Móbile acredita que
é possível levar seus estudantes para assistir
a peças de diferentes linguagens e propostas
estéticas, mais ou menos herméticas. Neste ano,
por exemplo, o Ensino Médio assistiu a uma
releitura contemporânea de Vestido de noiva,
feita pelo Grupo XIX de Teatro, e a O grande circo
místico, numa montagem carioca.
Marieta Severo – Posso dizer uma coisa,
completando o que disse e já dando razão a você.
Eu montei uma peça do [Fernando] Arrabal [escritor,
dramaturgo e cineasta espanhol], um tipo de teatro
hermético e louco, e realizamos uma temporada
popular no teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro.
Tínhamos fila que dava volta no quarteirão para
ver o Arrabal. Foi, sem dúvida, nossa melhor
plateia. As pessoas assistiam na ponta da cadeira
e adoravam, e é uma peça difícil de ser decifrada,
não há uma narrativa, é bastante simbólica.
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Revista da Móbile – Você tem dois teatros,
o Poeira e o Poeirinha. De que maneira esses
espaços estabelecem um diálogo com o entorno,
com a população, com a classe teatral?
Marieta Severo – No Poeira, temos, minha
comadre e sócia [a atriz] Andréa Beltrão e eu, além
das peças teatrais em cartaz, três programações:
o “Artista residente”, o “Artista visitante” e o
“Puente”, oferecidos gratuitamente e patrocinados
pela BR Petrobras. São programas que atendem a
todo tipo de aluno e oferecem cursos experimentais,
workshops, laboratórios. A programação é muito
boa e não se paga nada por ela.
Revista da Móbile – Você atuou em espetáculos
como Quem tem medo de Virginia Woolf (2000),
de Edward Albee, e Os solitários (2002), de
Nicky Silver, que podem ser considerados opções
artísticas difíceis, pois são textos que contam com
personagens desenquadradas, desequilibradas,
no limite. É no teatro que você se arrisca?
Marieta Severo – Completamente. Eu não quero
parar para pensar se aquela senhorinha que me
assiste na novela e no seriado vai gostar. Faz parte
você não agradar a todo mundo. Gosto de pensar
que aquilo que estou fazendo é muito importante
para mim naquele momento. Gosto de acreditar
que estou falando a coisa mais importante do
mundo em cena, no momento em que me ponho
a falar. Preciso, pelo menos, ter a ilusão de que
o que falo está sendo útil para as pessoas que
me ouvem.
Revista da Móbile – E como mãe, e agora avó,
de que maneira você orientou as escolhas de seus
filhos?
Marieta Severo – Na minha geração, tudo
era experimental. Essa foi a palavra de minha
geração. Nem sabíamos o que exatamente
estávamos experimentando, mas tínhamos o
compromisso com o romper fronteiras, o quebrar
limites, o romper dogmas, romper, romper... Então,
é claro que minhas filhas foram estudar em uma
escola dita experimental. Mas penso que o mais
importante com os filhos, com as crianças seja
o que você faz, e não o que você diz. O mais
importante é o seu comportamento. A criança
fotografa você o tempo todo, não adianta ter um
discurso e ter uma atitude contraditória. Essa é a
maior certeza que tenho.
Revista da Móbile – E o que suas filhas
quiseram fazer profissionalmente você concordou
com essas escolhas?
Marieta Severo – Completamente. Há uma atriz,
uma pedagoga e uma filósofa. Jamais impus nada
a elas nesse sentido.
Nononononononnonno
Sempre tive necessidadede estar em cena para dizer alguma coisa que julgasse importante. Esse desejo estava naquela jovem que foi fazer “Roda viva” e nessa mulherque fala com você agora.
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e x p r e s s õ e s & i m p r e s s õ e s
Moscou, 22 de junho de 1897. Essa data marca
profundamente a história do teatro no mundo. Nesse
dia, Constantin Stanislavski e Nemirovitch-Dantchenko
sentaram-se por dezoito horas ininterruptas e criaram o
conhecido Método Stanislavski ou Método da Verdade,
como muitos o chamam. Esse conjunto de procedimentos
convidava o ator a buscar a “perfeição” de um personagem,
fugindo a qualquer estereótipo, ou seja, ele obrigava o artista
a interpretar o papel de um personagem exatamente como
ele seria (se fosse real). E como isso se dava na prática?
No teatro, antes da era Stanislavski, se um personagem
fosse fazer uma declaração de amor a outro, o ator se
ajoelhava no chão, abria os braços e gritava loucamente,
e de maneira exagerada: “EU TE AMO!!!!” (com todas
essas exclamações). Entretanto, na vida real, se estamos
apaixonados, é mais frequente que olhemos nos olhos de
quem amamos para dizer, geralmente em voz baixa, de forma
sincera, um simples “eu te amo”. É essa simples verdade que
o ator, utilizando o Método Stanislavski, passou a buscar.
No Ensino Médio da Móbile, optamos por trabalhar
com a concepção de ator-criador. Foi assim que, em 2013,
cada um dos alunos matriculados nas eletivas de Teatro I
(1º ano) e Teatro II (2º ano) recebeu seu papel, apropriou-se
dele e criou gestos próprios para seus personagens. Jogos lúdicos, exercícios teatrais e de improviso e
leitura dramática foram propostos antes dos ensaios dos espetáculos montados ao final do curso. Como
sempre, o processo se revelou mais importante do que as peças apresentadas no auditório. Ao longo do ano,
testemunhei corpos e faces mais expressivas, além de figuras, aparentemente tímidas, se comunicando sem
a menor dificuldade com quem quer que fosse.
O ator-criador{Alunos de 1º e 2º ano do Ensino Médio apresentam montagensteatrais como finalização do curso eletivo de Teatro.
2322
25
Um convite aos atemporais sonhos dos jovens
Chico recortado
Quem não se lembra desses versos de “Flor da idade”, canção de Chico Buarque composta
originalmente para o musical Gota d’água? Quem não se recorda de um amor adolescente não
correspondido? Quem não viveu (ou vive) a experiência do amor/amar verbo intransitivo? Há séculos que
a literatura se ocupa de expressar os encontros e desencontros motivados pelo sentimento mais cantado
pelos poetas, romancistas, contistas e dramaturgos.
Sem medo de um derramado (e bem-humorado) lirismo, os jovens atores do 2º ano do Ensino Médio,
matriculados na pioneira disciplina eletiva Teatro II, se aventuraram na singela montagem de Sonho de
uma noite de verão, de William Shakespeare.
Foi, provavelmente, no século XVI, que o público (inglês) deliciou-se pela primeira vez com uma
montagem de Sonho de uma noite de verão. De lá para cá, o mundo mudou, o teatro mudou, o espectador
mudou; todavia, o interesse de nossos alunos pelo tema da peça de Shakespeare só confirma uma coisa:
Píramo e Tisbe ou Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta ou Dante e Beatriz ou Diadorim e Riobaldo ou
Bentinho e Capitu ou Hérmia e Lisandro, Demétrio e Hérmia, Helena e Demétrio... não importa o nome
que o amor tenha, ele continua a nos inquietar e a nos mover!
O projeto de Artes Cênicas do 1º ano de 2013 do Colégio
Móbile teve como proposta a criação coletiva de duas peças
teatrais que tiveram por base canções do autor e compositor
carioca Chico Buarque.
Ao longo do processo, a preocupação central foi o
desenvolvimento de um texto que tivesse a mão de cada
um dos alunos, e o principal desafio foi a transposição dos
sentimentos que eram passados por uma linguagem musical
para outra linguagem, a teatral. Para atingir esse objetivo,
foi importante que, por meio de improvisações e reflexões,
os alunos trouxessem para o palco amores, angústias,
aflições e alegrias vividas para que, assim, se apropriassem
das canções e, mais do que isso, criassem seu próprio
jeito de entendê-las e expressá-las. Durante os trabalhos,
descobriu-se, ainda, de que forma recursos como o sonoro, o
cenográfico e o de iluminação, tão caros ao teatro, poderiam
contribuir para a concretização da proposta.
Uma das turmas escolheu a canção “João e Maria” como
fonte de inspiração para a criação de sua peça (homônima),
que resultou em uma história de amor jovem e de crítica aos
preconceitos sociais entre diferentes grupos.
Já a segunda turma, por meio do espetáculo A viva dor,
optou por fazer uma crítica à sociedade e à sua capacidade de
se acomodar às situações cotidianas, mencionando, ainda, o
tema da ditadura militar brasileira, presente na emblemática
canção “Roda viva”.
“Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo / Que amava Juca que amava Dora que amava / Carlos que amava Dora / Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava / Carlos que amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava / a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha”{ }
Fernando Saba é professor
de Teatro do Ensino Médio.
Estudar, estudar e estudar um
tanto mais... seria óbvio apostar
que nenhum adolescente
escolheria esse “tanto mais” para
inserir em sua rotina semanal.
Mas não é isso que acontece no
Ensino Médio da Móbile. É claro
que os jovens daqui gostam de
sair, encontrar os amigos, viajar,
ouvir música, mas, além de tudo
isso, ainda se interessam por
conhecer. Pensando nisso, desde
2008, desenvolveu-se no Ensino
Médio um projeto de Iniciação
Científica. Todos os anos, 18
alunos do 2º ano, interessados
em pesquisar um tema próprio,
são selecionados por um grupo
de professores. Essa pesquisa
tem duração de um ano e é
finalizada com a produção de
uma vídeoaula.
Não são poucas as escolas
brasileiras que submetem
seus alunos a uma avalanche
de avaliações, exigindo deles a
mera reprodução de conteúdos,
selecionados unicamente a partir
daquilo que é exigido pelos
grandes concursos vestibulares e
pelo Enem. Pensamos diferente.
Um projeto que envolva pesquisa
no Ensino Médio permite que
se aprenda a planejar e, ao
mesmo tempo, a criar. Aprender
a pesquisar significa saber como
planejar etapas, construir linhas
de raciocínio e argumentar de
forma autônoma. A criação de
uma vídeoaula permite uma
maior expressão desse jovem,
empenhado em conhecer e em
transmitir seu saber.
Temos percebido, com alegria,
que ano a ano a tarefa de
selecionar os alunos vem se
tornando cada vez mais árdua; os
muitos vídeos postados em nosso
canal oficial (www.youtube.com/
user/mobileiniciacao) servem de
motivação para os candidatos,
que só fazem se multiplicar. Esse
trabalho de pesquisa ocorre
em paralelo ao estudo regular
e está totalmente desvinculado
de avaliações ou notas. O aluno
se propõe a estudar e recebe a
orientação personalizada de um
professor que tem formação na
área da pesquisa proposta. Nesse
projeto, o aluno, literalmente,
arruma “mais coisa pra fazer”!
O trabalho de pesquisa seduz os
adolescentes, pois se apresenta
como um espaço de criatividade
e conhecimento. É possível ser
autor do tema estudado, autor
da própria pesquisa, assim
como expressar criativamente
saberes acadêmicos por meio
da rica linguagem audiovisual.
É interessante acompanhar
estudantes que, em tempos de
tanta informação, de concursos
e de velocidade, estão dispostos
a conhecer e a aprender cada vez
mais. As leituras a que os alunos
têm acesso são mais complexas,
o trabalho acadêmico, intenso e,
ao mesmo tempo, lúdico.
Dois eixos permeiam a Iniciação
Científica. O eixo temático
específico de cada trabalho
e o audiovisual. Os alunos da
Iniciação Científica acabam
por formar um coletivo, já que
discutem e aprendem juntos
como se comunicar por meio
dos vídeos. São oferecidas
aos orientandos oficinas de
edição e aulas sobre lingua-
gem audiovisual para que
eles aprendam a desenvolver,
também, a forma, e não apenas
o conteúdo acadêmico.
As vídeoaulas podem abordar
os mais diferentes temas. Elas
tratam de buracos negros, de
mitologia, de música, de aurora
boreal, de epilepsia, poesia e
barcos, de física ou biologia.
A diversidade de assuntos
estudados enriquece mais
esse espaço de criatividade na
escola.
26
Planejamentoe Criatividade
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28 29
Conheça os trabalhos desenvolvidos pelos alunos entre 2013 e 2014.
EpilepsiaAutora: Júlia Schein
Orientadora: Tatiana Nahas
A epilepsia já foi vista de diversas formas ao longo
da história. De doença demoníaca a terremotos
cerebrais, muitos foram os estereótipos associados
a essa enfermidade que atormenta seus portadores.
Casos ilustres, como o de Machado de Assis,
Dostoiévski e Van Gogh, são abordados ao longo
do vídeo com o objetivo de desmistificar e melhor
caracterizar essa patologia. Além de apresentar o
que a ciência já conseguiu reunir de informações
a respeito das alterações elétricas que ocorrem no
cérebro do epiléptico, a vídeoaula mostra quais são
as perspectivas atuais e futuras de desenvolvimento
de tratamentos para a enfermidade.
As doenças mentaise o cinemaAutora: Fernanda Nemr
Orientadora: Tatiana Nahas
O que é uma doença mental? Que comportamentos
caracterizam um “louco”? As respostas a essas
perguntas sempre vêm carregadas de muitos
estereótipos e preconceitos. Sendo o cinema uma das
mais difundidas formas de expressão na atualidade,
tais estereótipos costumam ser transpostos para
as representações das doenças mentais nessa
arte. Essa vídeoaula procura mapear quais são os
estereótipos associados às doenças mentais e como
se dá sua representação em produtos audiovisuais.
Por meio do contraste entre essas representações e
a caracterização das doenças mentais em manuais
psiquiátricos, o vídeo procura desmistificar essas
enfermidades e seus portadores.
NeuroengenhariaAutora: Bruna Di Bisciglie
Orientadora: Tatiana Nahas
A neuroengenharia é hoje o principal desdobramento
tecnológico da neurociência e tem se concentrado,
principalmente, no desenvolvimento de interfaces
cérebro-máquina que propiciem melhores condições
de vida a pacientes paraplégicos. Um exemplo disso
é o exoesqueleto cujo protótipo foi apresentado na
abertura da Copa do Mundo de 2014. As pesquisas
científicas que levaram ao desenvolvimento dessa
e de outras soluções tecnológicas para a paraplegia
são explicadas nessa vídeoaula por meio da
caracterização do mecanismo de neuroplasticidade,
que permite que o comando cerebral se estenda
também para membros robóticos.
Assimetria entrematéria e antimatériaAutora: Andréa Lasevicius
Orientador: Hugo Carneiro Reis
O vídeo explica a disparidade que possibilitou
a formação do universo como o conhecemos. É
oferecido um panorama desde o Big Bang até as
recentes pesquisas feitas no LHC (Large Hadron
Collider).
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A música e o cérebroAutora: Clara Avancini
Orientador: Marcos Engelstein
A música está presente no nosso dia a dia, mas
nem sempre entendemos o porquê das emoções
que ela causa. O que acontece no sistema nervoso
enquanto alguém está ouvindo uma canção? Ou
o que está acontecendo quando, além de ouvir,
tocamos um instrumento? Esse vídeo busca mostrar
alguns dos efeitos da música no cérebro, explicar o
prazer proporcionado pela música e mostrar como
os músicos desenvolvem a habilidade musical.
Aurora borealAutora: Isabella Scuotto
Orientador: Décio Vanzella
Pouco conhecida no Brasil por sua rara ocorrência
no hemisfério Sul, a aurora boreal é um encantador
fenômeno luminoso. Nesse vídeo, explica-se desde
a origem desse espetáculo no Sol até seu contato
com a Terra.
O cone de luzAutora: Clara Cappatto
Orientador: Hugo Carneiro Reis
A luz e suas propriedades guardam um dos maiores
mistérios do mundo. Nada nunca conseguirá alcançar
sua velocidade, mas sempre podemos sonhar com o
impossível. E se pudéssemos realmente viajar à
velocidade da luz? Como veríamos nosso mundo?
O vídeo pretende contribuir com essas discussões.
Os heróise suas históriasAutora: Mariana Ros Stefani
Orientador: Felipe Corazza
Quando pensamos em filmes e livros que fizeram
sucesso nos últimos anos, é inevitável que
percebamos as diversas semelhanças existentes
entre eles. E mais: quando comparamos essas
histórias, e seus respectivos heróis, com as histórias
e os heróis das histórias dos antigos mitos, também
percebemos muitas semelhanças. O que há de tão
importante nas histórias dos heróis que seja capaz
de encantar tantas pessoas? Qual é a importância
do herói? O vídeo discute essa e outras questões.
32 33
Fela KutiAutor: João Assad
Orientador: Felipe Corazza
Para compreender quem foi Fela Kuti, é necessário
primeiro enaltecê-lo para depois desmistificá-lo.
O essencial, no entanto, na caracterização de
uma personalidade tão revolucionária em vários
aspectos, é reconhecê-la como um conjunto de
fatores que a moldaram. O sujeito deste trabalho
não se diferencia, nesse aspecto, de grandes
influências políticas amplamente aclamadas pela
própria história e pela sociedade ocidental, como
Martin Luther King e Mahatma Gandhi. O vídeo
defende a necessidade de reconhecimento de Fela
pela cultura ocidental.
O adeus dos barcosdo BrasilAutora: Tamara Klink
Orientador: Felipe Corazza
Infinitos são os tipos de barcos tradicionais já
produzidos no litoral do Brasil. Muitas vezes
analfabetos, os mestres navais produzem seus
barcos, passando suas técnicas oralmente de
geração a geração. O vídeo mostra que, atualmente,
uma série de fatores torna cada vez mais rara a
produção naval tradicional.
Permanência do mitoAutor: André Salem
Orientador: Felipe Corazza
O vídeo parte do pressuposto de que a vida em
qualquer época, inclusive contemporânea, é rodeada
de elementos mitológicos. Nós não contamos
sempre as mesmas histórias, mas há uma essência
comum entre narrativas de qualquer tempo que
prova que a mitologia ainda existe hoje, e sempre
existirá, mesmo que sua maquiagem mude.
A história da infânciaAutora: Júlia Takeuti
Orientadora: Denise Mendes
A infância é a fase da vida da qual boa parte
das pessoas deseja se lembrar. O vídeo discute
questões como: a infância, considerada hoje
essencial, sempre existiu? Como será que ela se
desenvolveu até chegar a adquirir a simbologia que
tem na contemporaneidade?
Felipe Corazza é professor
de Filosofia no Ensino Médio
e coordenador da Iniciação
Científica.
O mundo é feito de átomos,de formas, de cores, de artee, principalmente, de histórias. São elas que permitem transformar o passadoem presente, o impossívelem visível, o distante em próximo.
(Fragmento do texto de apresentação da Mostra, escrito pela professora de Português do Ensino Fundamental II Valéria de Melo Pereira.)
XI Mostra de Artes da MóbileAmérica do Sul Tal e Qual, Outro Tal
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Mais do que expor obras dos alunos, imaginadas e concretizadas em pincéis, cores, construções
tridimensionais, a XI Mostra de Artes mergulhou os visitantes nas reflexões acerca de quem somos –
nós, habitantes da América do Sul – e de como a arte pode nos fazer olhar para o que merece ser visto
ao longo da “construção da identidade cultural” de um continente.
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Depois de finalizada a concepção do que seria a Mostra, os professores da Móbile trataram
de sensibilizar os alunos para o tema geral e para a compreensão do elo entre o trabalho
específico de cada grupo e a ideia que permeava cada módulo do projeto final. Uma
vez contextualizado o artista que seria utilizado como referência, bem como o papel que
ele representava na busca da arte própria do continente sul-americano, o fazer artístico
foi envolvente e intenso! Manipulando pedras e galhos, decorando rodas laminadas,
compondo esculturas, abusando da dança do pincel sobre telas e papéis, brincando com
luzes e sombras, produzindo relevos, tecendo arames... nossos artistas expressaram ideias
representando nossa América do Sal... do Sol... do Sul!
Traços, curvas e cores marcaram de modo significativo, nos alunos, aquilo que
pretendíamos que conhecessem – a construção da identidade cultural e da arte na América
do Sul. No visitante, o propósito foi satisfeito: fazê-lo sentir a síntese do que somos e
refletir sobre o que nos universaliza e nos diferencia.
Uma visita virtual à Mostra América do Sul Tal e
Qual, Outro Tal pode ser feita no site da Escola
Móbile (http://www.escolamobile.com.br/
arquivos/2013/fundamental/mostra-de-artes/)
Eliana Mesquiatti Tayano foi vice-diretora do Ensino Fundamental
até junho de 2014 e colaborou com a construção do projeto
pedagógico da Móbile por mais de trinta anos.
38 39
Viver, sonhar, representar“Eu via — que a gente era outros — cada um de nós, transformado” (...) “Cada um de nós se esquecera de seu mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes, disto: que era o verdadeiro viver?”
(Guimarães Rosa, “Pirlimpsiquice”).
Teatro e sonho caminham lado a lado. A fantasia
é a mola propulsora de ambos. São espaços de
criação e de autoconhecimento. No teatro e no
sonho, o corriqueiro da linguagem se reveste de
variados sentidos.
Na dramaturgia dos sonhos, fundem-se e
confundem-se espaços, tempos, personagens e
situações, dando origem a narrativas que dialogam
com nosso inconsciente.
No sonho da dramaturgia de Invencionática,
espetáculo apresentado pelos alunos do 9º ano
de 2013, fundiram-se e confundiram-se os 131
alunos que, ao longo de dois meses de ensaio e
5 apresentações, deram vida a textos de poetas,
cronistas, filósofos e compositores.
O frio na barriga. O brilho nos olhos. O gesto
preciso. A voz verdadeira dos meninos e meninas
que falaram sobre os sonhos que temos, os sonhos
que abandonamos sem sonhar, os sonhos que
ainda sequer conhecemos...
A experiência criadora certamente foi e será
marcante na vida dos pequenos atores, que
se permitiram libertar-se das amarras de uma
realidade acinzentada e colorir com traços
vigorosos a folha branca e limpa da vida.
Rogério Gusmão é professor de Português do 9º ano
do Ensino Fundamental.
e s p e c i a lE-mail ou telefone Senha
Entrar
80 67
54 59
42 43
A dimensão moral e a convivênciana WebVocê tem algum perfil em alguma rede social?
Você já enfrentou algum conflito nas redes sociais?Sim
6º ano6º ano
8º ano
7º ano
9º ano
8º ano
7º ano
9º ano
Não
118
133
124
121
17 11
15
59
76 82
53
44 45
Não é raro nos encantarmos pelas transformações que as TICS (Tecnologia da Informação e da
Comunicação) provocam em nossos comportamentos cotidianos. Somos, ininterruptamente, surpreendidos
por novos cenários de conforto que as facilidades do mundo contemporâneo nos proporcionam, sem nos
darmos conta de que a dimensão veloz do tempo também inibe nossa disponibilidade para reflexões
mais amplas e duradouras sobre os dilemas decorrentes das novas formas de produção de saberes e
de relacionamento entre as pessoas. Numa época de avanços rápidos, nosso cotidiano é remodelado
continuamente e nossas relações sociais são impactadas nos mais diversos cenários: familiar, escolar e
profissional.
No âmbito escolar, em que nós, educadores, nos comprometemos a conjugar o acervo técnico, científico
e cultural conquistado pela humanidade com o que está por vir (sempre numa perspectiva de potencializar
as capacidades do sujeito para superar desafios futuros, que são e serão muitos), em tempos em que as
relações humanas têm se mostrado mais vulneráveis diante das múltiplas formas de comunicação digital, a
função da escola tem sido imprescindível para o desenvolvimento de crianças e jovens capazes de conduzir
suas escolhas pautadas em princípios que considerem tanto o próprio bem-estar quanto o da coletividade.
Distante da intenção de abrir um debate ingênuo sobre os avanços tecnológicos, que são
reconhecidamente muitos e valiosos para a qualidade da vida atual, o percurso aqui proposto será o da
reflexão sobre qual pode ser (ou é) a fronteira entre os recursos que a tecnologia da comunicação oferece
e a influência deles na qualidade das relações interpessoais. Sem dúvida, o movimento contínuo do ser
humano para avançar e superar os próprios limites tem proporcionado à humanidade benefícios materiais
e a melhoria das condições de vida daqueles que têm acesso a eles. Com as conquistas das ciências, as
informações circulam mais e as pessoas têm conseguido, inclusive, driblar limites físicos considerados
intransponíveis no passado. O que queremos dizer é que as conquistas da tecnologia não estão em pauta
neste artigo. O foco se centra em reflexões sobre os comportamentos que crianças, adolescentes e adultos
têm mostrado nas mídias digitais.
A internet, por meio de sites, blogs, redes sociais e de inúmeros aplicativos isentos ou não de qualquer
compromisso com o bem-estar do outro, tem possibilitado o acesso irrestrito a informações e espaços,
como também o contato contínuo com profissionais, amigos, familiares e desconhecidos, reestruturando as
fronteiras entre as pessoas e eliminando o tempo necessário para que entrem em contato com aflições e
angústias, naturais da vida. O ambiente virtual, pautado pela velocidade, pelo anonimato e, também, pela
desmedida, tem imprimido novas marcas às experiências de coexistir. Independentemente da qualidade da
informação, o que prevalece é a premissa segundo a qual a comunicação é imprescindível para o mundo
girar, para a vida acontecer.
Não é de hoje que os setores da tecnologia investigam novos mecanismos de entretenimento e se
especializam em estratégias para criar, nos usuários, lugares simbólicos que pretendem neutralizar os
sofrimentos envolvidos no ato de coexistir. E mesmo sabendo que isso não é possível, poucos ou raros
indivíduos permanecem impermeáveis aos encantos da tecnologia. Mesmo que a facilidade de estar
conectado ininterruptamente a milhares de pessoas não seja garantia de ser admirado e valorizado, até
porque essa meta não se torna real nem com os esforços dos aplicativos que se especializam em plantar a
perspectiva de “celebridade” nas pessoas, a cada segundo, multidões tornam-se obcecadas por conseguir
ínfimos segundos de existência na vida de outras pessoas, mesmo que seja postando uma self solitária
ao acordar.
Cultura do efêmero. Não tem sido ínfimos, portanto, os efeitos da navegação virtual nas
relações interpessoais: a falsa sensação de pertencimento, a potencialização da covardia e de seu oposto,
a perversidade, a ausência de privacidade (e a própria revisão desse conceito), a exposição excessiva a
conteúdos de qualidade duvidosa, a pouca resistência à frustração, a exacerbação dos conflitos, a redução
da capacidade de empatia e, por conseguinte, das experiências essenciais que humanizam as pessoas.
Em um ambiente cuja premissa é a efemeridade, não é de se estranhar que reações súbitas e egoístas
não sejam motivo de vergonha para seus autores. Com regularidade, postam-se imagens, comentários,
desabafos e boatos que visam ao desrespeito de outrem, ou por quem não se tem grande simpatia ou com
quem se estabeleceu uma relação conflituosa.
Diante de todo esse panorama, se faz necessária a premência de se estender o debate da formação
moral para todos os ambientes de coexistência, incluindo o universo digital que, em sua sedutora agilidade,
parece não dar tempo para a emoção ser filtrada pelo intelecto. Com frequência, quando algo não sai como
o planejado no universo da conectividade e a frustração se instaura, razão e emoção desconectam-se.
Sabendo que os conflitos fazem parte de qualquer relação humana, em qualquer idade e espaço,
e que há diferentes maneiras de se lidar com esses conflitos, na Móbile, desde a Educação Infantil,
sempre assumimos o compromisso com o desenvolvimento da dimensão moral do sujeito. Justamente por
reconhecermos, no contexto escolar, o ambiente propício para se promover a experimentação de inúmeras
possibilidades de convívio entre crianças e adolescentes, sempre investimos em um projeto pedagógico
pautado em reflexões sobre a qualidade da convivência no cotidiano escolar.
Ancorados no princípio de equidade, respeito à igualdade de direito de cada um, os alunos participam,
todo início de ano, de reuniões em que se propõem a responder à pergunta “Como queremos conviver
no recreio, na sala de aula, na quadra, na cantina...?” Nesse percurso investigativo que realizam para
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chegarem a um consenso do que traz felicidade e bem-estar a todos, eles revisitam situações, hipotetizam
conflitos, indagam-se sobre justiça, respeito mútuo, dignidade. Só então, por meio da premissa simples
“Não faço aos outros o que não quero que façam comigo.”, estabelecem o que é esperado e o que não
é esperado para todos que compartilham o mesmo espaço de convivência. Constatamos que reflexões e
acordos como esses sempre se apresentam mais efetivos para a vinculação dos alunos aos combinados.
Com regularidade, instaura-se, em cada um, o que chamamos de “sabedoria individual”, ou seja, um
movimento interno de responsabilidade e compromisso com os princípios que foram acordados pelos pares.
Quando o grupo reconhece o valor do respeito a um sujeito, a fim de preservar a liberdade e a dignidade
de todos, instaura-se, então, o que podemos chamar de uma “sabedoria coletiva”, que orienta como lidar
com as diferenças e os conflitos.
Assim, uma lista interminável de “leis” não se faz necessária para regular todo e qualquer
comportamento, basta o acordo de princípios que baliza a decisão do sujeito sobre como agir em cada
situação. E é, nesse ponto, que adentramos a formação ética de nossos alunos, porque ela tem a ver com
a cultura que valorizamos e preconizamos para regular a vida que desejamos ter. São por meio dessas
práticas constantes de reflexão mediadas, em que se valoriza o pensar sobre os princípios que preservam
a qualidade das relações sociais, que se desenvolve a tão almejada autonomia moral.
E as crianças e os jovens são capazesde transferir espontaneamente
para o ambiente virtual as aprendizagenssociais que ocorrem
dentro dos muros da Móbile?
A resposta é não.
Enquanto na Móbile construiu-se a cultura de resolução de conflitos calcada no princípio de respeito à
liberdade e dignidade do outro, em grande parte dos ambientes virtuais que se propõem a conectar pessoas
infelizmente não há essa mesma preocupação. Inúmeros aplicativos estão pautados na premissa de que se
pode publicar mensagens anonimamente, criar campanhas com o simples objetivo de constranger alguém,
deletar instantaneamente pessoas com quem não se concorda, sem se importar com o sofrimento alheio.
São mecanismos que, deliberadamente, transformam o sujeito em alguém incapaz de coexistir com as
diferenças e a diversidade. Enquanto na escola há um esforço para a inclusão, para a alteridade; nas redes
virtuais, ao contrário, excluir ou denegrir o outro é preceituário, e, lamentavelmente, não produz mal-estar
em quem provoca a dor alheia, tampouco em quem compactua.
Outra faceta do contexto virtual é o discurso da competição implacável, fomentado o tempo todo: para
se obter reconhecimento, não basta ser alguém que atingiu um determinado objetivo, mas sim a pessoa
que atingiu o objetivo antes dos outros; não importa se o comportamento colaborou para uma convivência
justa e digna para todos, a meta é sair ileso. A cilada de alguém ficar demasiadamente embevecido pelo
perfil idealizado que criou sobre si só reduz, portanto, sua capacidade crítica de pensar sobre o sentido de
tudo o que faz e para que faz.
Retomando, portanto, a ideia de que a moral não se desenvolve espontaneamente e que diferentes
organismos da sociedade estão inevitavelmente imbricados nesse processo complexo, podemos afirmar,
sem temer parecer antiquado, que muitos ambientes virtuais nos prestam um desserviço, pois
definitivamente atrapalham nosso engajamento para uma existência mais harmoniosa.
Numa época de avanços rápidos, a ação de refletir precisa estar a serviço de avaliar a qualidade de
tudo o que se apresenta a nós e a nossos alunos. Trata-se de uma atitude preventiva que visa à constante
e necessária análise crítica do que a humanidade cria e divulga. E é numa relação ambígua com as mídias
digitais que se pauta a segurança de nossas crianças e adolescentes, pois as tecnologias de comunicação
encerram em si, concomitantemente, o avanço e o risco.
Enquanto a massa aplaude as inovações porque elas são representações de avanço e sinal de
contemporaneidade, o compromisso de nós, pais e educadores, é analisar as variáveis que se colocam
em um ambiente que, muitas vezes, está carente de princípios, como respeito, um imperativo para a
convivência em grupo.
Cleuza Vilas Boas Bourgogne é diretora pedagógica do Ensino Fundamental.
48 49
O que a Móbile tem feito?
A convivência das crianças no espaço escolar é um grande tema de trabalho, de reflexão e de exercício
social. Essencialmente diferente da esfera da família, a coletividade escolar antecede a vida das crianças
e dos jovens no espaço público, na sociedade. Assim, o convívio não só estimula um crescimento pessoal,
nem sempre imune a uma dose de sofrimento e frustrações, mas também confere às crianças noções
importantes acerca da realidade e dos limites intrínsecos a ela. Se esse intercâmbio entre os aspectos
individuais e sociais é inerente à vida escolar, transformá-lo em objeto de conhecimento e, portanto, tratá-lo
como conteúdo a ser desenvolvido no cotidiano escolar é uma tarefa fundamental.
Desde 2010, as crianças participam de pesquisas e organizam campanhas internas com a finalidade de
informar e sensibilizar a comunidade para os problemas enfrentados nas redes sociais.
50 51
Dentre os debates que têm por objetivo provocar reflexões sobre os comportamentos de risco nas
mídias sociais, estão os encontros proporcionados aos pais. Em 2014, foram realizadas duas palestras com
o Prof. Dr. Cristiano Nabuco de Abreu (mestre em Psicologia pela PUC, doutor em Psicologia Clínica pela
Universidade do Minho/Portugal, pós-doutor pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da USP). Nabuco é coordenador do Programa de Dependência de Internet do
Ambulatório dos Transtornos do Impulso (AMITI) e do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
USP.
Conhecendo os riscos e sabendo como se proteger
Com o intuito de tornar mais ágil o acesso de pais a informações que favorecem uma coexistência mais
harmoniosa e segura de crianças e adolescentes nos contextos digitais, disponibilizamos aos pais o espaço
intitulado Conviver na web, em nosso site www.escolamobile.com.br
Dicas fornecidas pela organização Childhood Brasil
http://www.childhood.org.br/
Dicas fornecidas pelo portal EducaRede
http://www.educarede.org.br/
Cartilhas e Vídeos produzidos pela SaferNet Brasil
http://www.safernet.org.br/site/
Para estimular as reflexões propostas nas aulas de Orientação Educacional, partimos de pesquisas com
os alunos. Os resultados de 2014 com alunos do Ensino Fundamental II podem ser acessados em nosso site
www.escolamobile.com.br / Conviver na Web
http://www.escolamobile.com.br/convivernaweb/?m=201404
r e f l e x õ e s
5554
Vamos fazer uma pausa para um debate?
debatesubstantivo masculino (s. XV)
1 p.us. luta em defesa de uma causa;
contenda, justa, peleja
2 p.ana. discussão acirrada;
altercação
‹ foi tudo resolvido sem d. ›
3 p.ext. exposição de razões em
defesa de uma opinião ou contra um
argumento, ordem, decisão etc. (freq.
us. no pl.)
‹ d. políticos ›
3.1 jur. discussão ou argumentação
entre defesa e acusação, diante
de uma assembleia, antes
do julgamento
4 p.ext. exame conjunto de um
assunto, questão ou problema
HOUAISSGrande dicionário da língua portuguesa
Professor de Ética e Cidadania inaugura projeto em que lugar central é a defesade um pontode vista.
Em busca do sonho grego.
De alguma maneira, todas as acepções
elencadas sobre o verbete “debate”
estão contempladas no projeto Pausa pro
debate criado em 2014, dirigido ao Ensino
Médio da Móbile. A discussão na qual
se alegam razões ‘pró’ ou ‘contra’ uma
posição assumida; a disputa entre duas ou
mais pessoas que confrontam ideias em
contenda; a discordância, o desejo de que
prevaleça uma determinada opinião
e a aceitação das opiniões opostas... tudo
está no Pausa pro debate.
Há, no entanto, outro aspecto que amplia os
limites da definição dada pelo dicionário e
melhor expressa a intenção educativa
de formação de nossos estudantes:
o debate, esse enfrentamento de ideias,
ocorre no “espaço público”; o espaço
da ágora, da praça pública, como nos
ensinaram os gregos.
A ágora como espaço de decisão.
Na Grécia Antiga, a pólis, entendida como
comunidade organizada, era formada pelos
cidadãos, os politikos, aqueles que,
nascidos no solo da cidade com direito
de participação, podiam fazer parte
da ekklesia. Eram cidadãos atenienses
os filhos de pais atenienses no gozo pleno
de sua liberdade, que incluía o direito
de participar e de opinar nos assuntos
relativos à administração da cidade.
A ekklesia era uma assembleia na qual
quinhentos membros, escolhidos por sorteio
entre os atenienses e com mandato
de um ano, decidiam sobre a organização
do comércio, a carga de impostos,
os assuntos relativos à guerra e à paz.
Reunidos em praça pública, os cidadãos
debatiam e decidiam democraticamente
(não tão democraticamente, é verdade,
pois estavam excluídos da experiência
das discussões da ágora as mulheres, os
metecos – estrangeiros residentes na pólis –
e os escravos) sobre o destino da cidade.
Robe
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.
Como homens livres e iguais, os cidadãos
de Atenas eram detentores de dois direitos
inalienáveis, a isonomia e a isegoria.
O primeiro assegurava que todos são
iguais perante a lei e o segundo, que
todo ateniense tinha o direito, se assim o
desejasse, de expor e discutir em público as
ações que a pólis deveria ou não realizar.
Trazido para o nosso tempo, o evento seria
o exercício da liberdade de expressão, algo
semelhante ao direito de opinar livremente e
de se posicionar diante de qualquer assunto.
Na Grécia, no entanto, era preciso pedir a
palavra no espaço público e defender aos
olhos dos demais suas ideias e concepções.
Grande invenção grega, a experiência do
debate na praça pública para decidir os
rumos da vida em sociedade foi fonte de
inspiração para convidar o jovem de hoje a
ocupar o espaço da ágora.
O sentido do espírito democrático pressupõe
o direito de ter e manifestar opiniões, mas
fundamentalmente o de ter a coragem
de defendê-las no espaço público. Eis a
experiência que buscamos trazer para o
nosso Pausa pro debate.
A Internet e o debate no espaço público.
Em tempos de direitos plenos e
democráticos, nos quais a tecnologia
na área da informação nos incita a tornar
nossas opiniões visíveis a um público mais
amplo, surpreende a dificuldade de se
conviver com essa liberdade de expressão.
A Internet e suas redes sociais, que
poderiam ser instrumento a serviço do
aprimoramento das visões e do despertar
para novas interpretações dos fatos e
do mundo, se converteram, em muitos
momentos, em território de ofensas,
mero espaço de desabafo, depositário de
sentimentos rudes que atentam contra o
esforço civilizacional que herdamos dos
gregos.
Em lugar de debate público no qual, por
meio da confrontação de ideias, é possível
divergir sem deslizar para o campo pessoal,
o que se vê na rede é ofensa e destempero
que negam a diferença. Há também os que
buscam o consenso e o pensamento fácil da
conformidade. Isso nos remete ao instigante
ensinamento do velho dramaturgo Nelson
Rodrigues: “toda unanimidade é burra.
Quem pensa com a unanimidade não precisa
pensar”.
Ao contrário daqueles que procuram semear
discórdia ou a (falsa) harmonia do consenso,
o grande desafio do Pausa pro debate
é educar e preparar nossos jovens para
conviver com a diversidade.
Nos encontros mensais promovidos pelo
projeto, são pautadas questões polêmicas
e delicadas do nosso tempo sem a pretensão
de alcançar o consenso ou de chegar a uma
verdade aceita por todos.
Trata-se de uma experiência de
problematização e argumentação que amplia
a perspectiva que se tem sobre um tema
ou questão; de um convite a desfazer-se,
temporariamente, de alguns pontos de vista
e de abandonar algumas convicções.
Escolhido o tema, há um período de
preparação para o enfrentamento público
no qual se aprimoram os argumentos com
a leitura de textos e vídeos indicados
pelo professor. A divulgação e o convite
para o evento procuram sempre instigar
a curiosidade e o desejo de participar
e são feitos com cartazes expostos nos
corredores da escola, que trazem perguntas
provocativas.
O Pausa pro debate é um projeto que
oferece aos estudantes a oportunidade de
exercitar com seus pares a complexa arte
da divergência e experimentar a ousadia
de defender ideias em público. Como os
gregos, no espaço da antiga ágora, ou
como os modernos, na praça, ou ainda no
auditório do ambiente escolar, o que vale,
de fato, é desfrutar da liberdade de ouvir
a própria expressão e ver contestadas
nossas mais profundas convicções. Assim,
descobrimos que não é o consenso que nos
faz iguais, mas a diversidade que nos faz
mais humanos.
5756
“... os gregos inventaram a pólis, a comunidade cidadãem cujo espaço artificial, antropocêntrico, não governaa necessidade da natureza nem a vontade enigmática dos deuses, mas a liberdade dos homens, isto é, sua capacidade de raciocinar, de discutir, de escolher e de destituir dirigentes, de criar problemas e propor soluções.”(Fernando Savater em Política para meu filho, Martins Fontes, 1996. p. 77.)
5958
Uma visitamuito especial...
Essas e diversas outras
questões atuais intrigam os
físicos de todo o mundo, e
talvez algumas respostas
para elas possam ser
respondidas no CERN...
O CERN (Organização
Europeia para a Pesquisa
Nuclear) é um centro de
pesquisas de física de
partículas inaugurado em
1954 em Genebra, Suíça,
com o intuito de fomentar
a ciência básica na
Europa. O laboratório de
colaboração internacional,
que completa seus 60 anos
em 2014, sempre contou
com pesquisadores e
equipamentos de ponta,
responsáveis por diversas
descobertas essenciais
para a física de partículas
(sete de seus físicos já
receberam um prêmio Nobel
por experiências realizadas
no CERN!) e também pela
transferência de tecnologia
aplicada para a sociedade.
(O nascimento da world
wide web (– o famoso
www –), por exemplo, se
deu dentro do CERN e trouxe
significativas mudanças
para nosso cotidiano.)
Atualmente, o experimento
mais conhecido do CERN é o
LHC (Large Hadron Collider),
um imenso acelerador de
partículas de 27 km de
extensão por meio do qual
se descobriu o Bóson de
Higgs, partícula que seria
a responsável por prover
massa a todas as outras que
compõem o Universo. Por
esse feito, os professores
Peter Higgs e François
Englert foram contemplados
com o Prêmio Nobel de
Física em 2013.
Além da pesquisa de ponta,
o CERN se preocupa com a
divulgação da Física básica
para alunos e professores
do Ensino Médio. Entre
seus diversos programas de
divulgação, a Organização
mantém um de educação,
destinado a professores
de diversos países, que
programa visitas às
instalações e laboratórios
do CERN, além de cursos
sobre tópicos de Física,
ministrados no idioma dos
participantes. A presença
de educadores brasileiros
na “Escola de Física do
CERN” é possível graças
aos esforços do Laboratório
de Instrumentação e
Física Experimental
de Partículas (LIP), de
Portugal, da Sociedade
Brasileira de Física (SBF)
e da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES).
Neste ano, tive a felicidade
de ser escolhido juntamente
com outros vinte e nove
professores brasileiros
para participar da Escola
de Física e passar três dias
em Lisboa para visitar o
LIP e uma semana dentro
do CERN tendo a rara
oportunidade de assistir
a aulas ministradas por
Professor de Física da Móbile é selecionado para participar de projeto educacional no CERN, em Genebra.
Quais as menores estruturas que compõemo nosso Universo?
Quais eram as condições existentesnos instantes iniciais da formação do Universo?
O que é matéria escura?
Placa em homenagem à criação do protocolo WEB em um dos corredores do CERN.
6160
pesquisadores de diversas
áreas, além de visitar os
principais experimentos
desse enorme laboratório.
A sensação de visitar os
detectores de partículas do
LHC instalados a 100 m de
profundidade é indescritível.
(Em 2010, a professora de
Física e diretora do Ensino
Médio da Móbile, Glorinha
Martini, também teve o
mesmo privilégio que eu,
participando da Escola de
Física no CERN.)
Assim que retornei ao
colégio, compartilhei a
experiência vivida no CERN
com os alunos por meio de
uma palestra, organizada
com o objetivo de transmitir
tudo o que foi vivenciado e
de discutir com os alunos
questões importantes
(e atuais) sobre a física
de partículas, como a
discussão sobre o “modelo
padrão”, como funciona um
acelerador de partículas,
como operam os detectores
de partículas do LHC, entre
outras. Os slides utilizados
na palestra podem ser
acessados em http://goo.gl/
brv6L3
O objetivo do CERN de
divulgar o conhecimento
científico e de difundir a
Física contemporânea no
Ensino Médio está muito
alinhado com o ensino de
Física realizado na Móbile,
ou seja, um aprendizado
contextualizado dessa
ciência, atual e que
aproxima o conteúdo
apresentado em sala de aula
do cotidiano dos alunos.
Júlio César Ribeiro
é professor de Física
do Ensino Médio.
Os objetivos gerais que orientam o
ensino de Matemática na Móbile podem
ser detalhados a partir de competências e
habilidades que acreditamos necessárias para
a formação de determinadas estruturas de
pensamento. As escolhas de temas/conteúdos
que trabalhamos baseiam-se, portanto, no
desenvolvimento dessas estruturas de
pensamento que fazem parte do planejamento
da área de Matemática por serem, justamente,
consideradas fundamentais. São elas:
pensamento numérico, algébrico, proporcional,
combinatório, estatístico/probabilístico e
geométrico, além da competência métrica.
Desenvolvidas desde a Educação Infantil
até o Ensino Fundamental, essas estruturas
não têm uma hierarquização, mas assumem
um lugar de grande importância nas
escolhas feitas pelo professor. Não sendo
possível contemplar, neste artigo, todas
elas, abordaremos, a seguir, o pensamento
geométrico.
Vivido, percebido, concebido. O termo “geometria”
deriva do grego geometrein, que significa,
originariamente, medição de terras
(geo = terra, metrein = medir), e sugere
que se trata de uma ciência empírica
voltada para a resolução de problemas
práticos do homem. Uma das justificativas
A importância do pensamento geométriconas séries iniciais
para o significado da palavra é que os
conhecimentos geométricos surgiram
elaborados a partir das necessidades
humanas de compreender o espaço que
se habitava. No antigo Egito, por exemplo,
as constantes inundações do vale do rio
Nilo fizeram com que se buscassem formas
de medir as terras inundadas para avaliar
perdas nas plantações. Com os gregos, a
geometria adquiriu caráter de ciência do
espaço. Esse povo teve a preocupação
de buscar definições claras e demonstrar
teoremas, dando a esse saber um caráter
mais formal.
Os estudos iniciais sobre geometria
abordam situações relacionadas à forma, à
dimensão e à direção. O objetivo de ensinar
esse ramo da Matemática está ligado ao
sentido de localização, reconhecimento de
figuras planas e não planas, o estabelecimento
de relações entre figuras espaciais e suas
planificações e a manipulação de formas
geométricas utilizando procedimentos de
composição e decomposição, transformação,
ampliação e redução.
Esses estudos podem ser iniciados a
partir da exploração dos espaços em que
os alunos vivem e da observação de objetos
construídos pelo homem ou de elementos
que existem na natureza, favorecendo o
desenvolvimento da percepção espacial da
criança de modo a auxiliá-la a adquirir as
competências e habilidades essenciais para
que estabeleça a relação do sujeito com
o espaço no qual está inserido. Segundo
Lamonato (2007), “é a partir dos conteúdos
geométricos que desenvolvemos um tipo
especial de pensamento capaz de possibilitar
ao indivíduo a capacidade de descrever,
compreender e representar organizadamente
o mundo em que vivemos”.
Enquanto se movimenta pelo espaço
e o explora, a criança adquire noções
intuitivas essenciais para a construção de
sua competência espacial. Nessa fase, ela
explora o mundo à sua volta e busca formas de
representá-lo a partir de imagens e da própria
linguagem. Esses registros são fundamentais
para que o professor possa compreender o
percurso da criança ao explorar o espaço,
assim como o modo como expressa suas
ideias. Nessa construção, a criança passa
por três etapas: a percepção de si mesma (a
fase do vivido), a percepção do espaço à sua
volta (a fase do percebido) e, por fim, a sua
representação (a fase do concebido).
Na primeira etapa, a criança constrói as
noções espaciais pelos sentidos (visão, tato,
audição etc.) e por meio de seus próprios
deslocamentos (andar, pular, rolar, rastejar,
engatinhar...), ou seja, por meio da ação.
Na segunda etapa, a criança já é capaz de
pensar sobre determinados objetos, mesmo
que eles estejam ausentes. Já na terceira
etapa, ela é capaz de estabelecer relações
espaciais entre os objetos por meio de sua
representação. A ação da criança é o ponto
inicial para a construção da noção de espaço,
e a ação mental é o ápice dessa construção.
Isso se dá a partir das relações que ela
começa a estabelecer.
É necessário, portanto, que desde cedo
se trabalhem com o aluno a organização do
esquema corporal (lateralidade, coordenação
viso-motora) e a orientação e percepção
espacial (orientar-se e mover-se), de modo
que ele tenha maior domínio de sua ação no
ambiente, assim como maior qualidade nas
relações que estabelece.
Considerando que nossa visão do mundo
físico é essencialmente tridimensional, torna-
se primordial a necessidade de estudar a
ocupação, a localização e o deslocamento
de objetos no espaço, assim como as
características e propriedades das formas
geométricas presentes nele. As habilidades
que desenvolvem a percepção espacial, na
visão de Lorenzato (2006), são:
a) Discriminação visual: perceber as
semelhanças e/ou diferenças entre os
objetos.
b) Memória visual: lembrar-se de um
determinado objeto que não está mais
no seu campo visual, descrevendo suas
características.
c) Coordenação viso-motora: coordenar a
visão com o movimento do próprio corpo.
d) Percepção de figuras planas: focalizar
uma parte (ou uma figura específica) no
todo, assim como compor o todo a partir
de suas partes.
e) Constância perceptiva: reconhecer
que a forma e o tamanho de objetos não
se modificam, apesar de suas posições
parecerem modificadas.
f) Percepção das relações espaciais:
orientar-se no espaço por meio das
características de distância e tamanho
(próximo, distante, maior, menor,
acima, abaixo) entre os objetos que se
encontram nesse espaço.
6362
64
g) Equivalência por movimento:
identificar que duas figuras são
equivalentes, desde que uma delas seja
movimentada em sentido de translação,
de rotação ou de reflexão, ou seja,
visualizar que duas figuras são iguais,
apesar de ocuparem posições diferentes.
Observar e explorar. Além
da percepção, é necessário também o
desenvolvimento de habilidades relacionadas
à representação. Nessa etapa, a exploração
de objetos presentes no entorno é essencial,
pois favorece, por parte do educando,
a observação, análise e descoberta de
propriedades e características das formas
geométricas. As escolhas didáticas,
nesse momento do desenvolvimento do
pensamento geométrico, devem valorizar
experiências com construções de figuras
tridimensionais e suas planificações, assim
como a identificação das formas planas que
aparecem nessas representações. Dessa
forma, a observação de embalagens e
utensílios, por exemplo, possibilita identificar
algumas características e propriedades das
figuras planas (bidimensionais) e não planas
(tridimensionais), identificando relações entre
elas, estabelecendo critérios de classificação
e utilizando a linguagem convencional para
nomeá-las. Essas análises propiciam que
noções de direção e sentido, de ângulo, de
paralelismo e de perpendicularismo sejam
desenvolvidas. Além disso, a exploração de
figuras espaciais e suas representações
planas, utilizando procedimentos de
composição e decomposição, transformação,
ampliação e redução, favorecem a identifica-
ção de elementos variantes e invariantes.
Essas ideias são estruturantes para a
compreensão, por exemplo, de conceitos de
perímetro, área e volume.
A Móbile, ao optar por esta linha
metodológica no ensino da Geometria, prioriza
a identificação de componentes essenciais
para a construção de conceitos, sempre
associando os termos às características e
propriedades das figuras geométricas. Um
exemplo claro dessa proposta de trabalho
pode ser observado na seguinte situação:
Ao observar as figuras representadas,
é comum identificar-se a primeira como um
quadrado e a segunda como um losango,
embora ambas sejam quadrados. Sabemos
que todo paralelogramo que tem lados
congruentes (equilátero) é um losango e
todo paralelogramo que tem ângulos retos
é um retângulo. Podemos concluir que o
quadrado, sendo equilátero e equiângulo, é
simultaneamente um losango e um retângulo.
Nesse caso, a confusão ocorre porque se
observa a posição da segunda figura para
identificá-la como losango, quando a posição
não é condição para defini-la, e sim as
propriedades descritas acima.
Nessa proposta de trabalho, diferente
das concepções mais tradicionais, que
muitas vezes relegam o ensino da Geometria
a segundo plano, é fundamental, desde as
séries iniciais, desenvolver o pensamento
geométrico na mesma ordem de importância
das demais estruturas de pensamento,
de modo a ampliar formas de raciocínio e
processos como intuição, dedução, indução,
analogia e estimativa.
65
Antonio de Freitas da Corte é vice-diretor
pedagógico do Ensino Fundamental 2.
Maria de Remédios F. Cardoso é diretora
pedagógica da Educação Infantil.
Novas narrativas: sobre reflexos e a ampliação dos possíveis
Tendo como base um exame atento da produção contemporânea, entre as muitas
funções atribuídas à arte, duas podem ser destacadas por constituírem-se como tendências:
espelhar os sujeitos de sua época, por um lado, e reinventá-los, por outro. Assim, em diversas
obras, observa-se uma forte tentativa de refletir a experiência do sujeito contemporâneo,
principalmente com relação à multiplicidade e à velocidade de suas vidas globalizadas.
Junto a isso, encontra-se um conjunto de artistas que, diante das condições atuais, luta para
expandir o “campo dos possíveis” desses sujeitos, com o objetivo de lhes mostrar que é, sim,
possível habitar o mundo de maneiras muito diversas e, até, aparentemente inimagináveis.
Na literatura, ainda que com diferenças fundamentais, ambas as tendências indicam
uma forte recusa às narrativas tradicionais, em uma operação propositiva que explicita a
necessidade de criação de novas formas de manifestação artística.
Em um breve panorama estrutural, pode-se dizer que as narrativas, em seus modelos
mais tradicionais, apresentam algumas características básicas. Espera-se delas uma história,
com desenvolvimento linear, progressivo e conduzido por personagens que, graças a suas
escolhas e ações, movem a fábula para frente. Diante dessa tradição, surgem, também, duas
grandes questões que despontam no cenário contemporâneo. A primeira, e mais aparente,
está no fato de que, hoje, é fácil constatar que a vida opera em um regime muito mais caótico
do que décadas ou séculos atrás, com idas, vindas e alterações de sentido que ocorrem a
todo tempo. Passado, presente e futuro mostram-se muitas vezes como camadas justapostas.
É comum identificar situações em que pessoas estão, simultaneamente, visitando lembranças,
planejando os acontecimentos seguintes e esforçando-se para realizar determinada atividade
ou trabalho. Seus pensamentos, dessa forma, além de perder-se no tempo, sobrepõem, em
seus devaneios, diferentes espaços.
É justamente a esse caos que a primeira tendência busca responder – e, muitas vezes,
pela tentativa de retratá-lo de modo a torná-lo sensível, concreto. Novas narrativas, nesse
caso, correspondem a narrativas fragmentadas, desconexas, simultâneas e justapostas.
Pedaços incompletos de histórias que só adquirem sentido quando confrontados com outros
pedaços, em uma espécie de mosaico da vida, em que cada peça corresponde a uma pessoa,
a uma voz, a uma situação, a um recorte de trajetória.
Fáceis de identificar no cinema – em filmes como Babel, Crash, Amores brutos
e 21 gramas –, exemplos podem ser encontrados também na literatura, entre outros autores,
em textos de Sérgio Sant’Anna, Mario Bellatin e, principalmente, Luiz Ruffato. Seu premiado
romance Eles eram muitos cavalos, lançado em 2001 pela Cia. das Letras e cujo mote é um dia
na cidade de São Paulo, é, provavelmente, um dos principais representantes dessa tendência
no Brasil.
A segunda grande questão, relacionada às formas tradicionais, diz respeito à
consciência de que não é mais possível acreditar no domínio completo de um indivíduo sobre
suas escolhas e ações. O advento da psicanálise, com a descoberta das forças inconscientes
que regem o sujeito, e as grandes guerras, ditaduras e revoluções do século XX constituíram
ataques clássicos à chamada “liberdade de escolha”. Ao ser movido, em grande parte, por
impulsos primitivos e em certa medida incontroláveis, em um mundo de conflitos de amplitude
muito maior do que a sua própria, o homem vê-se forçado a reconfigurar seu próprio modo de
estar nesse mundo. E a sua trajetória é, agora, tecida pela complexa fricção entre todas as
forças que nele operam, obrigando-o a um constante, e incessante, reinventar-se.
Conhecedores dessa condição, determinados escritores buscam apresentar aos
leitores figuras com modos de vida muito distintos dos “habituais”. Assim, esforçam-se para
criar modelos de subjetividade condizentes com a instabilidade interna de uma individualidade
que é, a todo momento, posta à prova pelo mundo. É o caso de autores como Samuel Beckett,
Hilda Hilst e, mais recentemente, Veronica Stigger. Em seus trabalhos, despontam seres com
contornos pouco definidos, assolados por lembranças, projeções e fluxos de consciência.
Seus universos, muitas vezes apresentados em primeira pessoa, mostram alto grau de
simbiose entre realidade e ficção e vias inesperadas de satisfação dos desejos. Desse modo,
busca-se mostrar a amplitude das possibilidades de satisfação.
São obras que causam alto grau de estranhamento em seus leitores e, por vezes,
é importante ressaltar, são marcadas por certa aridez decorrente de um tratamento muito
radical da linguagem. Situações absurdas, digressões e suspensões temporais propõem
diálogos e reflexões sobre a realidade em que a artificialidade é quase levada a seu limite:
para proteger-se da chuva, um homem deita-se de bruços no asfalto, na esperança infantil
de manter-se parcialmente seco; em uma praia semideserta, um velho, cuja memória parece
ser pura invenção, estabelece um diálogo pouco usual com a figura de Deus, como se
testemunhasse a criação do Universo; uma mulher comum abandona seus membros pela
cidade, em um percurso de redescoberta da consciência do corpo.
Assim, de forma diversa à da primeira tendência, que busca uma analogia sensível
com o cotidiano, essa segunda experiência literária estética propõe, como contraponto,
o contato com experiências intensas de alteridade. Entretanto, seja pela semelhança,
seja pela diferença, ambas constituem propostas de manifestação artística que têm como
objetivo reconhecer os elementos presentes na vida contemporânea. Com isso, visam
a uma modificação no posicionamento dos sujeitos, em busca de mais consciência e,
consequentemente, de possibilidades de mudança. Pois, se há algo que as une, é a percepção
das novas configurações da tensão estabelecida entre os indivíduos e o mundo e o impulso
de transformação.
Como, um dia, afirmou o filósofo francês Gilles Deleuze, em uma palestra para jovens
artistas: “não existe obra de arte que não faça apelo a um povo que não existe”.
Os textos literários que os alunos do professor
Luiz Farina escrevem a partir de suas
experiências com as novas formas de narrar
podem ser lidos na seção Produções em Foco.
Luiz Farina é professor do Ensino Médio da disciplina eletiva Criação Literária.
Syd Field. A emoção da cena e das perso-
nagens deve ser transmitida visualmente, ou
seja, é preciso VER as cenas. Aprenderam
que um filme é uma experiência que acon-
tece no tempo presente, ao contrário da pin-
tura e da literatura. Por isso, todos os verbos
do roteiro devem estar nesse tempo verbal.
Por fim, aprenderam a utilizar as rubricas que
orientam as filmagens e os atores e também
a fazer o cabeçalho e a
descrição das cenas.
A palestra pro-
ferida por André foi fun-
damental para que os
alunos compreendessem
melhor a estrutura nar-
rativa de um filme, pro-
posta em um roteiro. Por
exemplo, um bom roteiro
deve manter a TENSÃO
do texto e, se possível,
um MISTÉRIO até o des-
fecho, de modo a capturar
a atenção do espectador.
Isso deve ocorrer inde-
pendentemente do fato de
o gênero ser de ação, humor, romance ou
terror. Para ilustrar isso, o roteirista desafiou
os alunos: “se vocês descobrirem a que filme
corresponde o roteiro que mostrarei agora,
contarei um segredo sobre a professora
Valéria”. Depois de certo alvoroço, o roteiris-
ta explicou aos alunos a importância das
REFERÊNCIAS que, no caso do filme Hugo,
são fundamentais para compor a história.
Um roteirista que adapta um livro
precisa reinventá-lo, mas preocupando-se
em manter o espírito e a tensão da história
original. (E ele só dispõe, em geral, de duas
horas para isso!) Certamente, algumas modi-
ficações são necessárias! Por exemplo, no
caso do livro A invenção
de Hugo Cabret, o desa-
parecimento da person-
agem Etienne é justifi-
cado porque suas car-
acterísticas são muito
parecidas com as do Sr.
Tabard. É necessário,
pois, conhecer muito
bem todas as refer-
ências presentes na
obra literária. O diretor
Martin Scorsese quis
explorar o universo do
cinema e também hom-
enagear essa forma de
arte. Pensando nisso, as
referências do texto-fonte, o livro, tais como
os irmãos Lumière, Harold Lloyd, os filmes
Metrópolis, Janela indiscreta, Os incom-
preendidos e, evidentemente, os produzidos
por Georges Méliès foram mantidas.
Por que conhecer os segredos de um roteirista?
No segundo semestre deste ano,
os alunos do 6º ano receberam o roteirista
André Sirangelo para uma palestra sobre
roteiro de cinema. O encontro constituiu uma
das etapas do projeto sobre esse gênero,
desenvolvido ao longo de 2014.
Tudo começou com o lançamento,
em 2011, do filme Hugo, de Martin Scorsese,
cujo roteiro foi brilhantemente adaptado de
A invenção de Hugo Cabret, obra adotada
há algum tempo no 6º ano que proporciona
ótima leitura, além da ampliação do universo
cultural dos alunos.
No livro, Brian Selznick, escritor
norte-americano apaixonado por cinema,
narra a história do corajoso Hugo Cabret,
órfão abandonado em uma estação de trem
da Paris dos anos de 1930 que conhece o
cineasta Georges Méliès.
E agora? Como convencer os alunos
a ler o livro? Como competir com um filme tão
incrível, dirigido por um diretor tão genial?
(Além do fato de o filme ser... em 3D!)
A pista surgiu de uma pergunta feita
por uma aluna: “por que os cineastas mudam
tanto as histórias dos livros?”. Isso é um
mistério quase insondável para nós especta-
dores. Quantas vezes não saímos do cinema
indignados com a adaptação feita daquele
livro que tanto amamos? O projeto nasceu
para responder a essa questão.
Num primeiro momento, os alunos
leram o livro e assistiram ao filme. Em segui-
da, depois de um estudo comparativo entre
essas obras, nós nos voltamos ao estudo
do gênero. Os alunos aprenderam que “um
roteiro é uma história contada por imagens,
diálogos e descrição”, segundo o teórico
70 71
emoções, imaginar o cenário, as paisagens
etc. Ao adaptar um livro para o cinema, é
necessário reinventar a história, mas manter
seu espírito e as características básicas das
personagens.
Esse projeto proporcionou aos alunos
muitos conhecimentos novos sobre os gêne-
ros literários e cinematográficos, sobre como
produzir uma cena e desenvolver uma per-
sonagem. Mas, principalmente, trouxe para
eles um maior espírito crítico em relação ao
cinema e ao trabalho dos roteiristas.
Um fato marcou especialmente o
encerramento da palestra e provocou as
mais diversas e engraçadas reações nos
alunos: a revelação do “mistério” que o
palestrante anunciara no início do encontro.
André é roteirista, formado em Jornalismo,
ex-aluno da Móbile e meu filho!
Depois foi a vez de André explicar
sobre a importância do PROTAGONISTA.
É ele quem mais se transforma ao longo
da história. Valorizá-lo é função do roteiris-
ta. “O protagonista precisa criar empatia
com o espectador. Também precisa estar o
tempo inteiro ativo para, assim, conduzir a
própria história.” Já o ANTAGONISTA pode
ser o mundo, a natureza ou uma pessoa.
Tudo acontece para complicar a vida do pro-
tagonista, ou seja, para manter a TENSÃO da
história. É também muito importante povoar
o mundo do protagonista. Por exemplo: o
roteirista do filme Hugo criou ou desenvolveu
várias personagens que não estavam no livro
para enriquecer a vida na estação de trem
onde Hugo morava.
Ao ler um livro, temos a imaginação a
nosso favor. É possível conviver mais tempo
com as personagens, imaginar suas ações e
Valéria de Melo Pereira é professora de Língua Portuguesa
do 6º ano do Ensino Fundamental
72 73
“BRANCA: Há um mínimode dignidade que o homemnão pode negociar, nem mesmoem troca da liberdade. Nem mesmoem troca da vida.” (O Santo Inquérito, 1966)
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Em uma sociedade, a liberdade de expressão está a serviço da necessidade
da maioria? De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 1988, todo cidadão brasileiro ou estrangeiro residente no país
tem o direito à “livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença” (Art. 5º, inc. IX).
A liberdade de expressão é a base para garantir diferentes direitos, como o de
cada indivíduo expressar e externar suas emoções, seus pensamentos, suas
ideias e opiniões sobre os mais variados temas, de convicções filosóficas a
políticas e religiosas, entre outros. Ela permite ao ser humano se comunicar e
ser um agente ativo e transformador da realidade, e não apenas espectador
passivo da vida em sociedade. O homem livre se sente respeitado e, dessa
forma, mantém sua dignidade, pois não necessita violar seus valores para se
adaptar à sociedade. A dignidade não tem preço, ela não pode ser trocada
por qualquer negociação, ela se funda na ética que qualifica o pensamento e a
conduta humana, acima de qualquer interesse, poder ou lei determinada.
Alguns questionamentos acerca da liberdade, da moral e da ética foram alvo
dos estudos e das discussões realizados pelos alunos do 8º ano nas aulas de História
e de Língua Portuguesa, no segundo bimestre, a partir
da leitura da obra O Santo Inquérito, escrita por Dias
Gomes.
Segundo o crítico Anatol Rosenfeld, ao
considerar a representação teatral um ato social,
Dias Gomes mostra a preocupação “de oferecer
uma imagem crítica da realidade brasileira,
naquilo que é caracteristicamente brasileiro e
naquilo que é tipicamente humano” (1982). Branca,
a protagonista de O Santo Inquérito, foi baseada
em uma lendária paraibana que existiu e foi vítima da
inquisição lusa no Brasil em meados do século XVIII. Desde
a escolha da personagem ao desenvolvimento do próprio enredo apresentado na peça,
o dramaturgo está engajado em incitar o leitor, levando-o a uma reflexão e eventual
reação. Como a literatura trata de valores universais, o acontecimento histórico que
embasa o enredo é imensamente ampliado, assumindo uma perspectiva atemporal
e extraespacial, o que revela o potencial transformador da ficção, ou seja, sua
capacidade de mudar os indivíduos.
Na obra, Dias Gomes retoma a motivação histórica da inquisição para iluminar
outro tempo vivido por ele, o da ditadura militar no Brasil, de modo que o espectador
possa interagir com o espetáculo, refletindo sobre a própria realidade para poder
transformá-la. Por isso, diante de um texto tão provocador, que trata da liberdade
e do seu cerceamento por diferentes instituições que buscam impor um
controle social (censura), os alunos, plateia de leitores, mobilizaram-se para
argumentar, defendendo ou acusando as personagens, a partir da seleção de
acontecimentos históricos e de fatos do livro que os ajudassem a justificar
seus pontos de vista para o grupo, valorizando, assim, o debate de ideias.
Em cena: o santoofício e o texto dramático
A tragédia da incomunicabilidade humana, tema recorrente no teatro
moderno, encontra na obra de Dias Gomes seu lado mais cruel, pois, de forma
paradoxal, a linguagem, em lugar de servir à boa comunicação, transforma-se
em um veículo de mal-entendidos e de destruição. Embora tenha escrito a peça em
1966, em meio a um regime ditatorial, Gomes não teve o cuidado de vigiar as suas
palavras para evitar a censura. De forma indireta, o artista critica a dominação exercida
pelo poder militar, valendo-se da posição religiosa e política assumida pela Igreja
Católica, em 1750, para expor os problemas morais enfrentados pelos brasileiros nas
décadas de 1960 e 1970. Branca poderia tanto ter vivido na época da Contrarreforma
e sofrer as torturas da inquisição por conta de suas convicções, como poderia ser
uma jovem estudante de jeans e camiseta, vivendo em pleno século XX, opondo-se à
ditadura militar e sofrendo as duras consequências de seus atos.
Na obra, avô, pai e filha, as três gerações, representam uma família de
origem judaica. Eles são obrigados a se tornarem
cristãos, submetendo-se à Igreja, em um contexto
de perseguição, determinado pelo Tribunal do
Santo Ofício. Por um lado, Simão, pai de Branca,
considera mais importante sobreviver a qualquer
preço, mesmo que isso signifique abrir mão de
crenças e de valores individuais. Por outro lado,
Augusto, o estudioso noivo da jovem, cumpre
o papel de esclarecer a protagonista ingênua a
respeito das sutilezas do discurso religioso e da
necessidade da defesa de princípios como algo que se
deve manter acima do que é imposto pelas instituições. Ele
acredita que o homem é livre em seus pensamentos e deve fazer suas escolhas de
modo a garantir sua dignidade.
No século XXI, o avanço da liberdade individual parece ter colaborado
para a constituição de jovens preocupados apenas com seus próprios interesses e
direitos. Considerando isso, discutir os valores expressos nas decisões tomadas pelas
personagens de O Santo Inquérito e comparar os fatos do passado com a
realidade presente foram procedimentos que levaram os estudantes a uma
importante reflexão sobre como o jovem vive atualmente em sociedade.
O que baliza a conduta decorre da ação humana de valorar, isto é, emitir juízo
de valor a respeito de um objeto, uma situação ou um fato, avaliando-o em
relação à qualidade ou ao prejuízo que agrega às necessidades humanas.
Entender o contexto histórico e o jogo de ideias construído nas falas das
personagens da obra de Dias Gomes não foi um desafio menor para os estudantes
do que reconhecer as características peculiares da estrutura do texto dramático.
Muito acostumados aos vários gêneros narrativos, os alunos do 8º ano depararam-se,
na leitura, com um texto formado basicamente por falas e rubricas, sem os longos
trechos encaminhados pelo narrador. Sendo O Santo Inquérito um texto cujo objetivo
é ser encenado em um palco, diálogos, monólogos e apartes eram identificados
durante as aulas para que a relação entre as personagens
(e delas com a plateia) fosse compreendida. Além
disso, a história, iniciada em um tribunal, citava
posteriormente os fatos antecedentes que
provocaram o julgamento, ou seja, a sequência
cronológica dos acontecimentos não é
linear, o que exige um leitor mais atento
que diferencie os vários quadros e cenas
da peça. Por último, para conhecer e julgar as
personagens, é necessário verificar tanto as ações
que praticam quanto os sentimentos expostos pela
entonação das falas, pela disposição das personagens
no palco, pela iluminação e pela sonoridade escolhidas para cada
cena, o que ressalta a importância de interpretar, além das falas, as rubricas que
orientam os atores e o diretor.
Ação a partir da ação dramática. Para encerrar o projeto, um texto dramático
foi produzido em dupla pelos alunos. Em relação ao conteúdo, a proposta da
redação foi vinculada ao conceito de dilema moral, retirado das análises feitas
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com a leitura de O Santo Inquérito. A partir de duas situações fictícias, os alunos refletiram
sobre a questão: é preferível tomar uma decisão que me beneficie, ainda que isso possa
prejudicar a vida de outra pessoa, ou é preferível assumir um prejuízo individual para que o
outro não seja afetado? De acordo com os casos criados, as personagens encontravam-se
diante de conjunturas difíceis, sem saídas convenientes, o que reforçava a necessidade de,
ao tomarem uma decisão a respeito do que elas fariam, os alunos evidenciarem no texto os
argumentos que a justificassem.
Em primeiro lugar, eles foram expostos a duas histórias que apresentavam esse
dilema. Em seguida, a partir da discussão, argumentaram, defendendo seu ponto de vista
sobre a decisão a ser tomada, considerando os impasses vividos pelas personagens.
Debater ideias sempre é uma atividade muito envolvente, pois os estudantes se empenham
em formular argumentos que consolidem suas opiniões, o que torna a aula muito acalorada.
Por fim, escreveram o texto dramático, transformando suas opiniões em falas e rubricas.
Em conclusão, que relação haveria entre a literatura e a história? A ciência humana
que estuda o homem, sua ação inserida em um tempo e localizada em um espaço, além dos
eventos e processos decorridos dela, encontra seu refúgio no universalismo literário, que
surpreende e arrebata o leitor da realidade, por mais dura que ela seja. Ademais, como um
espelho, a literatura reflete quem é o homem como sujeito e como cidadão. O homem é um
ser social que deve gozar de direitos sociais, civis e políticos, estabelecidos a priori por um
Estado livre.
Márcia Ruiz é professora de Língua Portuguesa e Monika Kuszkas, de História,
ambas do 8º ano do Ensino Fundamental.78 79
Atenção: para compreender essa função cognitiva
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Atenção é uma função cognitiva
essencial para que a aprendizagem ocorra.
Se um aluno parar por um minuto e observar
os estímulos que o rodeiam em sala de aula,
perceberá que são muitos: dos estímulos
sonoros, podemos citar os sons de pássaros,
as vozes de pessoas que passam no corredor,
o ruído de alunos que brincam no recreio ou
o do estojo que cai, o som da voz de um
colega que faz uma pergunta ao professor,
ou daquele que sussurra algo para um amigo;
dos estímulos visuais, há os cartazes que
sinalizam informações, as anotações da
lousa, os próprios colegas e tudo aquilo que
se apresenta sobre a mesa do estudante;
ainda há o cheiro da comida do refeitório que
anuncia a proximidade da hora do almoço,
entre muitos outros estímulos.
Graças à função atencional, somos
capazes de selecionar os estímulos que são
relevantes para o momento, desprezando
todos os outros presentes no ambiente. Em
outras palavras, é como se a atenção fosse
uma lupa que aumentasse o foco em um
conteúdo, deixando todo o restante bem
pequenino a ponto de ser desprezado. Trata-
se de uma função seletiva das informações
tanto internas (pensamento, emoção) quanto
externas (estímulos presentes no ambiente).
Além dessa função seletiva, a atenção
também é responsável por manter o foco.
Referimo-nos à capacidade do cérebro de
sustentar a atenção em um estímulo por um
período.
A forte relação entre atenção e
aprendizagem vem sendo sinalizada por
pesquisadores – quanto mais atento o cérebro
fica a um estímulo, mais elaborado será o
modo como a informação será codificada
e armazenada. Estudos apontam relações
entre o nível da atenção e a retenção do
conteúdo da leitura, o êxito nas resoluções
matemáticas e a precisão e a clareza da
escrita. Porém, há outro dado de pesquisa
que se apresenta como um desafio para o
professor: antes que os primeiros quinze
minutos de uma apresentação cheguem ao
fim, geralmente as pessoas já estão voltadas
para outro foco (2012, Medina).
Embora essa informação seja
desmotivadora para um professor, há alguns
recursos que podem ser utilizados contra
esse tempo restrito da função atencional:
as informações que ampliam o nosso
conhecimento sobre a atenção, permitindo
que ajamos para potencializá-la. Então...
atenção aos próximos parágrafos que
compõem este texto!
Atenção. O cérebro “escaneia” sem
parar o horizonte sensorial, avaliando os
acontecimentos para detectar o seu potencial
de relevância. Quanto maior a relevância do
estímulo, maior será a atenção recebida.
Resta-nos descobrir o que é relevante para
o cérebro...
Os estímulos que costumam prender
a nossa atenção estão sob forte influência
da memória, pois usamos experiências
anteriores para saber o que devemos ou
não perceber. Ativar a memória dos alunos
sobre determinado tema implica colocar o
conteúdo sob a “lupa” da atenção.
Estímulos incomuns, novos,
discrepantes e imprevisíveis representam
uma forma poderosa de usar a atenção para
despertar o interesse do cérebro. Um dia,
enquanto os alunos se acomodavam na volta
do recreio, uma professora colocou som
de pássaro tocando na sala. Dramatizando,
ela olhava para o horizonte, procurando-o.
Quando “o achou”, dirigiu-se a ele,
“pegou-o” com toda a delicadeza e, com o
mesmo gesto, “passou” o pássaro para um
aluno. Ela comentou que se tratava de uma
espécie rara da Amazônia. Partindo desse
jogo dramático, iniciou a discussão sobre
os animais em extinção. Certamente, mesmo
com a agitação comum de um pós-recreio,
a sala rapidamente se organizou e voltou-
se para a professora, afinal algo incomum
ocorria.
Outro elemento relevante para a
atenção são os estímulos de competência
emocional. Acontecimentos carregados de
emoção costumam ser lembrados com mais
exatidão, pois são os estímulos mais bem
processados. Quando o cérebro detecta um
acontecimento de grande carga emocional,
a amígdala cerebral (uma região que fica na
parte inferior do cérebro) é ativada e libera
dopamina, que colabora muito para a memória
e para o processamento de informações.
É como se a amígdala alertasse: “lembre-se
disso!”. Para um professor nem sempre é fácil
acessar o que seria um estímulo emocional
para cada aluno, pois pode ser bastante
pessoal. No entanto, há alguns estímulos de
competência emocional que são universais,
carregados pela herança filogenética, como,
por exemplo, os estímulos ameaçadores.
Reparem como a nossa atenção é facilmente
resgatada no momento em que o personagem
principal de uma história encontra-se em
perigo.
Além de considerarmos esses
estímulos como potenciais para favorecer a
atenção, contamos com a possibilidade do
cérebro de desenvolver o que os cientistas
chamam de atenção voluntária – função
cognitiva responsável por selecionar
intencionalmente um estímulo para focar.
Quando pequenos, os alunos
apresentam a atenção reflexa, ou seja,
a atenção é regulada de acordo com os
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estímulos novos, discrepantes e inesperados
que surgem no meio. A capacidade de
manter a atenção em um estímulo é bastante
incipiente. A qualidade do ambiente no qual
os alunos estão inseridos é determinante
para modificar essa condição. Proporcionar
situações que exijam foco e ensinar o
estudante a autorregular a própria conduta
atencional favorecem o desenvolvimento
dessa atenção voluntária, crucial para a
aprendizagem.
Multitarefas? Quando se trata
da qualidade da atenção, ainda é preciso
abordar dois pontos. O primeiro deles: o
cérebro é ou não capaz de executar várias
coisas ao mesmo tempo? Hoje em dia,
as pessoas consideram-se multitarefas.
É comum presenciarmos um jovem com a
lição de casa ao lado do computador. Em tese,
ao mesmo tempo que estuda, ele administra
as mensagens dos colegas em um chat, os
downloads e os e-mails. Ainda, portando um
fone de ouvido, o circuito auditivo capta as
músicas que foram recentemente baixadas
no smartphone. Se conversarmos com esse
jovem, provavelmente ele nos dirá que não
tem prejuízo em qualquer uma das tarefas.
No entanto, se dialogarmos com o cérebro,
obteremos como resposta: “quando se trata
de prestar atenção, a possibilidade de fazer
várias coisas ao mesmo tempo é um mito”
(2012, Medina). Neurologicamente, somos
incapazes de processar informações que
exigem atenção simultânea. Para esse
estudante iniciar a lição de casa, o córtex
pré-frontal anterior alerta o cérebro de que irá
mudar o foco de atenção. Em alguns décimos
de segundo, duas mensagens no cérebro são
disparadas – uma é a solicitação para que
se encontrem os neurônios responsáveis
pela leitura e a outra se refere à ativação
desses neurônios. Enquanto o estudante lê
o texto, o sistema sensorial capta o aviso
da chegada de uma mensagem no chat.
Novamente, o córtex pré-frontal encaminha
outra mensagem de alerta anunciando
mais uma mudança no foco de atenção.
Agora, o cérebro sai em busca dos circuitos
responsáveis pela escrita. Todos esses
passos ocorrem sequencialmente toda vez
que o estudante passa de uma atividade para
outra. E é possível que, ao retornar à leitura,
ele se questione: “Onde foi mesmo que eu
parei?”
Estudos mostram que tarefas
realizadas com interrupções demoram 50%
mais tempo para serem concluídas. O aumento
do tempo não é a única consequência de
realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo:
as tarefas também tendem a apresentar
50% mais de erros. O leitor pode questionar:
eu dirijo e ouço música. Se questionarmos
quais músicas ele ouviu, possivelmente não
se recordará de muitas delas. Ou ainda,
se mergulhado no canto de uma melodia,
certamente esse motorista levará mais
frações de segundo para frear diante de uma
situação de emergência. O mesmo vale para
dirigir e falar ao celular.
Essa constatação de que nosso
cérebro não é multitarefa nos leva a refletir
sobre as condições que os pais devem
proporcionar aos filhos na rotina das lições
de casa e nas escolhas que adolescentes
precisam fazer para se responsabilizarem pela
qualidade de sua aprendizagem. Abandonar
a mesa da cozinha, da sala ou o tapete e
optar por uma escrivaninha é o primeiro
passo. Considerar o que deve ser desligado
– televisão, som, celular e computador – é a
próxima decisão a ser tomada.
O outro ponto que interfere na
qualidade da atenção é a necessidade de
repouso do cérebro. Não nos referimos nesse
momento a uma noite bem dormida, mas à
quantidade de informação que é despejada
sem dar ao receptor tempo suficiente para
“digerir” a mensagem. Para a aprendizagem,
a receita sempre indica doses homeopáticas.
Após focar em uma informação, o cérebro se
beneficia do repouso para consolidação. Se,
ao contrário disso, o cérebro for convocado
para captar ainda mais informações,
certamente a condição atencional e a
capacidade de compreender e consolidar
essas informações estarão prejudicadas.
Cabe, ainda, uma reflexão para aqueles
estudantes que insistem em estudar na
véspera da prova. O ideal é diluir o estudo.
Por fim, ainda vale destacar ao
leitor mais duas variáveis intervenientes no
sistema atencional: o sono e a ansiedade.
O primeiro circuito neuronal que regula a
atenção se dedica à regulação da vigília, que
é responsável por rastrear permanentemente
um estímulo relevante. Esse sistema de
vigília fica prejudicado quando o organismo
encontra-se sonolento ou sob um estado de
muita ansiedade. Por isso, “fica a dica”: um
corpo descansado e equilibrado é condição
importante para a qualidade da atenção.
Compreender o funcionamento
da atenção colaborará não apenas para
as escolhas didáticas e metodológicas do
professor, mas também para dos pais e dos
estudantes ao planejarem-se para as suas
atividades.
Para saber mais:
COSENzA, R.; GUERRA, L. Neurociência e Educação
– como o cérebro aprende. Artmed, 2011.
MEDINA, J. Aumente o poder do seu cérebro -
12 regras para uma vida saudável, ativa e produtiva.
Sextante, 2012.
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Jovens engajados
Os projetos de Ação Comunitária realizados no Ensino Médio da Móbile têm o propósito de
desenvolver o senso de responsabilidade social em nossos alunos e de favorecer a possibilidade
de melhorias sociais por meio de ações educacionais. O contato com realidades adversas é uma
das maneiras pelas quais podemos levar os alunos a uma tomada de consciência de seu papel de
agente transformador na sociedade em que estão inseridos. A participação nas ações é aberta a
todos os alunos do Ensino Médio. Conheça a seguir alguns dos projetos que realizamos.
Projeto “Educando pela Arte” – GemaO Gema – Grupo de Esperança de Menos Abandono (Núcleo Socioeducativo Vila Riso) é
uma instituição responsável por 50 crianças que estudam em escolas públicas, em período
complementar às atividades escolares. A instituição oferece reforço escolar, atividades de
leitura, esportes, aulas de Informática, alimentação, atendimento médico e programas culturais.
Nesse local, os alunos do Ensino Médio são responsáveis por criar atividades educativas e
artísticas (plásticas, musicais ou teatrais), com fins de entretenimento.
As visitas à instituição ocorrem sempre às sextas-feiras em grupos de até sete alunos.
Projeto “Inglês no Gotas” – Gotas de Flor com AmorDesde o ano 2000, a Móbile tem parceria com a instituição Gotas de Flor com Amor, realizando
o projeto “Sou Digital”. Em 2013, resolvemos ampliar essa parceria a partir da criação do “Inglês
no Gotas”, por meio do qual alunos do Ensino Médio, monitorados pela Coordenação Educacional,
ensinam Inglês a crianças e jovens dessa instituição.
A demanda partiu dos adolescentes do Gotas de Flor com Amor, pois, ao reconhecerem a
importância do aprendizado desse idioma estrangeiro para o ingresso no mercado de trabalho,
solicitaram à coordenação da ONG que tivessem aulas para, assim, aumentarem suas chances.
Ao final de 2013, os alunos voluntários relataram que foi notável o aprendizado dos beneficiados,
evidenciado também pelo aumento de empregabilidade dos atendidos pela instituição.
As visitas à instituição ocorrem sempre às sextas-feiras em grupos de até quatro alunos. 8786
Alunos do Ensino Médio participam de projetos de Ação Comunitária.
“As crianças do Gema estãosempre com uma energia muito boa. Tenho a impressão de que aprendomais com elas do que o contrário.” Mariana Ros, aluna do 3º anodo Ensino Médio.
“Dar aulas de Inglês para adolescentes foi uma experiência única. Ver o entusiasmo das pessoas a cada aulaé especial e motivante. Foi, com certeza, um momento marcante na minha vida.” Julia Abibe, aluna do 2º anodo Ensino Médio.
GRAACCColaborando com a ideia de humanização hospitalar, a Móbile faz parceria com o GRAACC
– Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer – a fim de desenvolver um trabalho
com jogos, brincadeiras, música e leitura para crianças e jovens submetidos à quimioterapia no
hospital.
Os alunos monitores participam de um processo de capacitação que inclui palestra e visita
monitorada à instituição. Durante o ano, o trabalho dos jovens é acompanhado e supervisionado
pela coordenação da quimioterapia e os alunos são acompanhados por um professor ou
coordenador da escola.
EJA – Educação de Jovens e AdultosÉ um curso que promove a retomada da escolarização de nossos funcionários e também de
pessoas da comunidade.
As aulas ocorrem de segunda a sexta-feira, das 18h15 às 20h00 e, ao final do curso, o aluno
está preparado para prestar exame de equivalência do Ensino Fundamental, oferecido pelas
escolas estaduais credenciadas.
Contamos com a participação de alunos voluntários que atuam como monitores nas disciplinas
oferecidas pelo EJA: Português, Matemática, Informática e Geografia. O curso é gratuito.
EJA – Curso de Informática para Adultos Oferecidas para funcionários e pessoas da comunidade que já tenham concluído o Ensino
Fundamental, as aulas ocorrem todas as segundas e quartas-feiras e têm como objetivo
aproximar os alunos de ferramentas tecnológicas fundamentais para a comunicação nos dias de
hoje. Contamos com a participação de alunos voluntários que atuam como monitores.
EJA – Curso de Inglês para Adultos O curso é oferecido para os funcionários e pessoas da comunidade que tenham concluído
seus estudos no Ensino Fundamental. As aulas ocorrem todas as quartas-feiras e têm como
objetivo aproximar os alunos de uma língua estrangeira fundamental para a comunicação nos
dias de hoje.
As aulas são ministradas por alunos do Ensino Médio em parceria com uma professora
voluntária.
Agenda CulturalA Agenda Cultural foi uma iniciativa dos alunos participantes da Ação Comunitária, que se
organizam periodicamente para propor eventos culturais destinados a todos os beneficiados
pelos projetos da escola.
Neste projeto, os alunos da Móbile realizaram duas palestras para o EJA. Para o Gema, foram
feitas uma campanha de arrecadação de brinquedos, uma apresentação de peças de teatro
produzidas pelos alunos na disciplina eletiva Teatro I e II e uma gincana esportiva.
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“O melhor de ir ao GRAAC é ver que os pacientes de lá, apesar de estarem em uma situação mais difícil que a minha, conseguem ficar felizes com as brincadeiras e esquecer momentaneamente seus problemas.” Ana Cecília Savaget, aluna do 2º anodo Ensino Médio.
“A melhor parte do EJA é perceber que, às vezes, o que para você é uma obrigação, como ir à escola, é, na verdade, uma grande sorte. E, mais do que isso, é incrível perceber que um pequeno sacrifício que você faz do seu tempo faz tanta diferença na vida de alguém.” Fernanda Nemr, aluna do 3º ano do Ensino Médio.
“Dar aulas de Inglês no Curso para Adultos é muito gratificante. Vejo queos alunos têm muita determinaçãoe vontade de aprender. É um momento bastante divertido na minha semana.” Guilherme Rainer, aluno do 2º anodo Ensino Médio.
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Uma breveexperiência antárticaProfessora de Biologia do Ensino Médio relata sua experiência rumo à Antártica em companhia de sua orientanda.
2014. O ano letivo
começou com a mais
grata das surpresas: nossa
aluna do Ensino Médio
Tamara Klink estava entre
os quatro vencedores do
concurso cultural promovido
pela Marinha brasileira,
e o prêmio seria uma
inesquecível jornada rumo
à Antártica para ambas –
aluna e orientadora!
Começamos a
empreitada com o
Treinamento Pré-Antártico
(TPA) na Marambaia-RJ,
onde há um centro de
avaliação da Marinha. O
local, muito bonito, abriga
uma das últimas reservas de
Mata Atlântica do Sudeste
brasileiro, além de restingas
e manguezais. Esse centro
é como se fosse uma
minicidade: tem uma escola
municipalizada, igreja, casas
ocupadas pelos militares
durante o tempo em que
estão servindo e um hotel
de trânsito para os oficiais.
Foi nesse hotel, adaptado a
partir de uma antiga senzala
e cujas paredes restauradas
exibem a estrutura original
com óleo de baleia, que
ficamos hospedadas. Ao
lado, há um espaço de
convivência, onde tivemos
a oportunidade de nos
confraternizar com os
oficiais, no primeiro dia,
num longo e interessante
bate-papo noturno recheado
de histórias de quem já
passou de verão a verão no
continente gelado.
Durante o TPA,
aprendemos sobre
vestimentas especiais,
noções de segurança e
deslocamento, prática
em embarcações miúdas,
natação utilitária e uso do
macacão flutuante. Além
da preparação física para a
incursão à Antártica, houve
aulas teóricas
sobre a regulamentação
internacional, a participação
do Brasil no continente e
cuidados médicos. Também
conhecemos um pouco da
infraestrutura da Marinha
associada à Antártica:
o Programa Antártico
Brasileiro (Proantar), os
Módulos Emergenciais
que substituem a estação
de pesquisa destruída
no incêndio de 2012, a
Estação de Apoio Antártico
(Esantar) e os voos de apoio
realizados pela Força Aérea
Brasileira (FAB).
O Tratado Antártico e a participação do Brasil no continente gelado
Nas aulas teóricas,
aprendemos que o Tratado
Antártico foi assinado
por 12 países em 1959 após
alguns deles terem
requerido para si parte do
território do continente. Ao
entrar em vigor em 1961,
o tratado garantiu que a
Antártica seria um local
para pesquisas científicas.
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9392
Em janeiro de 1975, o
Brasil aderiu ao Tratado
Antártico e passou a seguir
as normas legais que devem
ser respeitadas pelos países
que atuam no continente:
não pode haver atividade
militar, a exploração
econômica de recursos
naturais está suspensa até
2048, não se pode deixar lixo
algum na região e técnicos
de um ou mais países podem
inspecionar o que acontece
nas demais estações
para garantir a proteção
ambiental do continente
(e foi o que ocorreu, por
exemplo, quando a estação
brasileira sofreu um
incêndio em 2012).
O regime jurídico
se estende a outros países
e admite que eles se tornem
partes consultivas, desde
que realizem atividades de
pesquisas substanciais e
contínuas – daí uma das
preocupações do Brasil
em seguir marcando sua
presença no continente
mesmo após o incêndio
e antes da instalação da
estação provisória.
Atualmente, o Tratado
Antártico conta com 29
membros consultivos e
mais 20 não consultivos. Em
setembro de 1983, o Brasil
foi admitido com direito a
voto após ter iniciado, um
ano antes, sua atuação
efetiva no continente gelado
a partir da criação do
Proantar. Em 1986, com a
operação Antártica IV,
o Brasil passou a se
manter 365 dias por ano na
Antártica, coisa que poucos
países fazem. Para isso,
a Marinha recebe apoio
da FAB para transporte de
equipamentos, mantimentos
e pessoal.
Dos dez voos anuais
que a FAB realiza para lá,
três deles ocorrem durante
o inverno. Os militares
contaram para nós muitas
histórias sobre a precisão
desses deslocamentos,
como o fato de a FAB ser
a única força aérea que
pousa regularmente durante
o inverno (os demais países
o fazem somente em caso
de emergência) ou de que,
no caso de lançamento de
carga a partir do avião, até
ovos chegam intactos para
aqueles que estão cuidando
da estação de pesquisa. Nós
participamos do último voo
de verão, o sétimo voo, da
operação XXXII do Proantar.
Depois disso, estavam
programados apenas mais
três voos de inverno para
lançamento de carga.
Mas a logística é ainda
mais ampla, subjugada à
Comissão Interministerial
para os Recursos do Mar.
Além do apoio da FAB, há
duas estações de apoio,
chamadas Esantar, uma
no Rio de Janeiro-RJ e
outra em Rio Grande-RS. A
Esantar-Rio de Janeiro é o
local de saída dos navios
e voos. Tem a função
de logística da parte de
abastecimento da estação,
dos navios e dos voos de
apoio, ou seja, planeja,
coordena e executa a
movimentação de cargas.
A Esantar-Rio Grande cuida
da parte de vestimentas e
equipamentos.
Superlativa Antártica
Antes mesmo de deixar
o centro de treinamento
da Marinha, já éramos um
grupo unido e festivo, o que
realmente tornou a viagem
ainda mais especial! No fim
de semana que antecedeu
o sétimo voo da Operação
Proantar XXXII, conhecemos
três meios navais distintos –
uma fragata, um submarino
e um navio-aeródromo
– e visitamos alguns dos
maravilhosos pontos do Rio
de Janeiro. Entre uma etapa
e outra da viagem, ficamos
hospedadas no Centro de
Educação Física Almirante
Alberto Nunes na Avenida
Brasil (RJ). No alojamento
da unidade, conhecemos
alguns atletas olímpicos que
ali vivem e treinam.
Nesse entreato
antes de colocar os pés
no continente gelado,
fizemos nossa lição de
casa e revisamos algumas
informações aprendidas
no treinamento e também
lidas no “Manual do
participante de Operações
Antárticas” que recebemos.
O continente antártico
tem, aproximadamente,
14 milhões de quilômetros
Na página anterior, grupo completo junto ao Hércules e à equipe da FAB na saída do Rio de Janeiro rumo a Pelotas.Tamara Klink e a Profª Tatiana Nahas estão mais ao centro, entre os oficiais.)
quadrados quase totalmente
recobertos de gelo. É
rodeado pelo oceano
Austral, formado pelo
encontro dos oceanos
Atlântico, Pacífico e Índico,
e representa cerca de 10%
de todos os oceanos.
O mais frio dos
continentes interfere no
clima de diversas regiões
do globo – “é a fábrica de
frentes frias”, como resumiu
o Comandante Brandão em
sua palestra no TPA. Além
disso, é ali que está o maior
manto de gelo do mundo,
correspondendo a cerca
de 90% da água doce do
planeta. O continente gelado
abriga ainda o arquivo da
história climática do planeta,
que pode ser estudada
a partir da coleta de
amostras de gelo com gases
aprisionados. Além das
circulações atmosféricas,
a Antártica controla as
circulações oceânicas, de
forma que os fenômenos
de ressurgência que são
observados, por exemplo,
em Cabo Frio-RJ, decorrem
de correntes marítimas frias
advindas da Antártica. É
ainda o continente mais alto
de todos, com uma média de
2300 m.
No período Cretáceo,
a Antártica era coberta
por florestas densas,
inclusive com plantas
tropicais, bem diferente
do ambiente terrestre de
hoje, restrito a musgos
e líquens. Isso porque a
Antártica era ligada ao
que hoje conhecemos
por África e América, de
um lado, e, por outro, ao
que hoje conhecemos por
Austrália. Estamos falando
de mais de 150 milhões de
anos atrás! Pouco depois,
há cerca de 94 milhões de
anos, a Antártica já havia
se separado da África e
da América, mas ainda
estava parcialmente ligada
à Austrália. Somente (!) há
14 milhões de anos é que
essa parte da Terra chegou
à configuração que vemos
hoje.
Apesar da proteção
internacional, que impede
a exploração direta dos
recursos do continente,
este tem sofrido agressões
ambientais nas últimas
décadas. Como se trata de
região com ecossistemas
particularmente frágeis,
observa-se muita
susceptibilidade à
destruição da camada de
ozônio e ao aquecimento
global. A presença de
176 tipos de minerais, de
grandes lençóis de gás
natural (e, provavelmente,
de petróleo) e de água
acirra os interesses
econômicos na região.
Devido ao Tratado Antártico,
até 2048 esses recursos não
podem ser explorados, mas
o que ocorrerá após
essa data? Haverá uma
renovação desse Tratado,
garantindo que a Antártica
seja um continente para a
ciência e para a paz?
Essas questões
econômicas se juntam a
outras de forma a justificar
o esforço brasileiro em
se manter no continente
gelado. Por exemplo, há
interesses políticos, como o
fato de o Estreito de Drake
propiciar uma passagem
entre os oceanos Atlântico
e Pacífico, configurando
uma rota alternativa de
comunicação com o
Oriente, além do Canal
do Panamá. Há também
interesses militares, como
o desenvolvimento da
capacidade de realizar
apoio logístico a grandes
distâncias e de realizar
operações em áreas
inóspitas. Enfim, tudo
associado ao continente
gelado é grandioso.
E, então, rumo à Antártica por fim!
Em 26 de março,
seguimos nas asas de
Hércules rumo à Esantar-Rio
Grande (RS), onde pegamos
as roupas e equipamentos
para encarar o frio antártico.
Após o pernoite na cidade
gaúcha, seguimos para
Punta Arenas, no Chile, onde
dormimos o mais ansioso
dos sonos, esperando pelo
grande dia! No dia 28,
chegamos à Antártica com
um raro belo tempo,
mas o Hércules
arremeteu por problemas
técnicos. No dia seguinte
cedo, nos confrontamos
com as más condições
climáticas e não pudemos ir
para lá logo
pela manhã. A ansiedade só
aumentava...
9594
Na página seguinte, módulos de pesquisa próximos à praia.
Assim que finalmente
desembarcamos na ilha
Rei George, nosso grupo
foi dividido pela primeira
vez: os alunos seguiram
em helicóptero para a base
brasileira, onde puderam
permanecer por apenas 15
minutos, e os professores
seguiram, em um trator de
neve, para a base chilena
Frei (e menos de duas
horas depois já estávamos
embarcando de volta no
Hércules...).
O plano original era
pousarmos na base Frei e
então seguirmos de navio
para a base brasileira, na
qual passaríamos dois dias.
O objetivo era conhecer a
base brasileira, acompanhar
um pouco das pesquisas
em curso e também passar
algum tempo na Antártica,
fazer algumas das trilhas,
conhecer os laboratórios
nos navios. Ao chegarmos
em Punta Arenas no dia
27, já sabíamos que esse
plano teria de ser alterado:
o inverno chegou um pouco
mais cedo à Antártica neste
ano e parte do mar já
estava começando
a congelar, então os navios
precisariam voltar mais
cedo, trazendo de volta ao
Brasil os pesquisadores
que estavam na estação
e seu material de coleta.
Assim, passaríamos
apenas uma noite na base
brasileira, levados por
um dos navios a partir da
base chilena. Porém, como
não conseguimos pousar
na Antártica no primeiro
dia em que tentamos,
os navios iniciaram seu
retorno, pois não poderiam
arriscar esperar uma
segunda tentativa de pouso.
Quando fomos, enfim, bem-
-sucedidos, não pudemos
ficar em solo antártico por
mais de duas horas, pois
esse é o tempo máximo para
segurança do Hércules.
Essa experiência
nos mostrou na prática o
quão complexas são as
operações do Proantar e
deixou claro aquilo que
navegadores e voadores
experientes em Antártica
sabem bem: na Antártica,
quem manda é o tempo,
quem manda é a Antártica.
As tecnologias todas que
desenvolvemos nos ajudam
muito a estarmos por lá,
mas não se sobrepõem
àquilo que é determinado
pela natureza. Esse
equilíbrio entre desafio e
respeito, entre resiliência e
ambição, torna ainda mais
interessante e desejosa a
ida ao continente gelado!
A base chilena na Antártica
A Presidente Eduardo
Frei Montalva (Frei) é a
maior base chilena na
Antártica. Pousamos lá,
como os aviões da FAB
costumam fazer nos voos
de verão, e circulamos
brevemente no entorno da
estação. Essa base chilena
tem uma característica
peculiar em relação à
brasileira: os militares
que cuidam da estação
servem na base por dois
anos. Dessa forma, ficam
acompanhados de suas
famílias e, associada à
base de pesquisa, há
uma minicidade chamada
Villa Las Estrellas, onde
vivem temporariamente 64
pessoas. É uma minicidade
mesmo, com casas, escola,
correio, hospital e uma
igreja.
Os módulos de pesquisa
(azuis) ficam um pouco
mais próximos à praia, mas
bem perto dos módulos
residenciais (vermelhos).
Os militares que encontrei
por lá, muito simpáticos,
contaram que tivemos
sorte em encontrar a área
coberta de neve, pois nessa
época não é esperada tal
quantidade de neve (no
trecho que caminhei, a
profundidade máxima a que
cheguei foi de neve quase
até a altura do joelho – é
uma experiência e tanto
caminhar assim!), mas havia
nevado por dois dias logo
antes de chegarmos.
Uma pena termos ficado
tão pouco e, principalmente,
não ter tido a chance de
acompanhar parte das
pesquisas científicas
em andamento na base
brasileira!
Visite nosso blog para ver
mais relatos dessa viagem
à Antártica, com fotos e
vídeos:
http://rumoaantartica.
wordpress.com/
Tatiana Nahas
é professora de Biologia
do Ensino Médio.
9796
9998
Assuntos para Conversar: aprenderé muito prazeroso
O manto da invisibilidade de Harry Potter, um passeio pela Itália, a fórmula da beleza,
versos do rock nacional... Esses temas poderiam facilmente fazer parte de conversas informais
entre adolescentes, mas sua discussão feita por professores em sala de aula poderia parecer,
no mínimo, algo inusitado.
O Assuntos para Conversar, projeto idealizado em 2012 pela Coordenação Educacional
do Ensino Médio da Móbile, tem como ideia central ampliar o repertório científico e cultural
dos estudantes. Isso é feito por meio de palestras ministradas por professores da escola
sobre conteúdos que tangenciam os trabalhados em sala de aula e que normalmente não
encontram espaço para serem debatidos nas disciplinas que compõem o chamado núcleo
comum. Com temas muitas vezes curiosos, as palestras interseccionam interesses pessoais,
acontecimentos atuais, aspectos do universo dos estudantes e conteúdos acadêmicos em um
ambiente arejado e descontraído.
Nas primeiras edições do projeto, os temas tratados eram inspirados em conteúdos
curriculares, surgiam do contexto de sala de aula e eram voltados à expansão dos conceitos
tratados ou à discussão de outras realidades. Atualmente, as falas dos professores podem
estar ligadas ao interesse pessoal deles (como culinária e poesia), ou até a produtos de seus
trabalhos científicos, como dissertações de mestrado e teses de doutorado.
O Assuntos para Conversar é direcionado a alunos de 1º e 2º ano do Ensino Médio que
tenham obtido médias mínimas em todas as disciplinas e, por isso, possam se envolver no
estudo de outros assuntos, além dos estritamente escolares. Embora não haja pré-requisitos
ou continuidade entre os assuntos de cada encontro, o formato confere certa unidade ao
conjunto de apresentações e a cada bimestre inicia-se um novo ciclo. A participação dos
alunos é opcional e as apresentações acontecem fora do horário de aula.
Uma escola reúne uma pluralidade grande de alunos com focos de interesses, habilidades
e graus de autonomia distintos. Faz parte das funções da Coordenação Educacional mapear
e desenvolver projetos que respondam a esses vários interesses de nossos alunos. Antes do
início do projeto, deparávamo-nos com o desafio de fornecer aos alunos com bom desempenho
acadêmico atividades extracurriculares saudáveis e que despertassem seu interesse pelo
conhecimento. Havia também nosso interesse em aproveitar o alto potencial dos professores
da casa que, embora fosse de grande riqueza, era pouco explorado.
Diante dessas diferentes demandas, buscamos, com o Assuntos para Conversar, valorizar
o bom desempenho acadêmico dos alunos, oferecendo a eles mais um espaço de ampliação
cultural e de motivação para a construção de conhecimento. Considerando que inteligência e
afetividade devem andar juntas em uma escola, a possibilidade de debater temas vinculados,
de alguma forma, aos professores e aos alunos torna a experiência de aprendizagem ainda
mais significativa.
Algumas palestras ministradas no projeto
Da palavra à imagem: poesia e fotografia
pelas lentes de Sebastião Salgado
Prof. João Cunha
Astronomia e Matemática: um encontro das
estrelas com o engenho humano
Prof. Fábio Marson
Persépolis 2.0, da Revolução Islâmica à
Primavera Árabe
Profª Márcia Santos
Células-tronco: por qual motivo elas não
salvaram o super-homem?
Prof. Rodrigo Mendes
A fórmula da beleza
Prof. Fábio Marson
Cientista na cozinha
Prof. Rodrigo Liegel
Literatura contemporânea e a sua interface
com outras manifestações artísticas
Prof. Luiz Farina
Os caminhos do conhecimento científico: do
laboratório para a tela da TV
Prof. Rodrigo Mendes
O que os alunos achamdo Assuntos para Conversar?
“A invisibilidade sempre foi um assunto que intrigou a todos. Sempre tratada como fantasia,
essa propriedade fazia parte somente do mundo mágico, como o de Harry Potter, com sua
capa da invisibilidade. Porém, ela pode estar mais próxima do que imaginamos. Para entender
um pouco mais sobre o assunto, participamos da segunda aula do curso Assuntos para
Conversar, com o professor de Física Hugo Carneiro. No início da aula, Hugo nos mostrou que,
ao colocarmos um tubo de vidro em um béquer com glicerina líquida, ele se torna invisível.
O surpreendente fenômeno é possível graças à equivalência dos índices de refração dos
materiais. A partir da constatação de que meios com índices muitos próximos (se não iguais)
poderiam tornar-se invisíveis, foram levantados questionamentos em relação à ciência de
hoje. O que seria possível que o homem já tivesse desenvolvido a partir dessa compreensão da
invisibilidade? O professor Hugo quebrou nossos estereótipos em relação ao que pensávamos
sobre essa área, mostrando-nos a grande importância dessa vertente da ciência para a
humanidade, bem como sua capacidade de mudar o mundo como o conhecemos.”
Clara Cappatto, Marina Borges e Mariana Stefani
“A fim de ampliar nosso conhecimento sobre o Irã, país persa sempre presente em nossas
aulas de Ética e Cidadania e também no noticiário mundial, tivemos nossa primeira aula do
primeiro módulo do ciclo Assuntos para Conversar. A professora Márcia Santos nos contou
como, por meio de Persépolis, Marjane Satrapi mostrou ao mundo o que realmente ocorreu na
chamada Revolução Islâmica, além de nos apresentar importantes marcos históricos do Irã.
Após essa aula, finalmente pudemos entender não apenas uma parte importante da história
iraniana e sua importância no contexto mundial, mas também o poder de influência exercido
pela literatura.”
Carolina Karacristo, Christopher Kapáz e Mário Turolla
“Tivemos a oportunidade de nos encontrar com o professor João Cunha, de Estudos
Literários, para tentar entender de que forma a vida se alimenta da arte e a arte, da vida. A
partir disso, poderíamos não só ‘nos tornar mais interessantes’, como costumam nos dizer
nossos professores, mas também aprender a entender melhor o mundo em que vivemos
e a reconhecer a beleza não só no Belo, clássico, mas também naquilo que não seria
considerado Belo. Isso foi possível graças à observação da obra do fotógrafo brasileiro
Sebastião Salgado e à comparação dela com outros trabalhos, não só da fotografia, mas de
literatura.”
Fernanda Alves, Fernanda Nemr, Mariana Grande
Adriana Galvão, Leonardo Cosentino e Rodrigo Mendes
são coordenadores do Ensino Médio.
103102
Criação Literária:a expressão artísticae o desenvolvimentoda sensibilidadeEm seu segundo ano, o curso eletivo de
Criação Literária, ministrado no Ensino Médio
da Móbile, mantém seu objetivo: proporcionar
aos alunos do 2º ano uma experiência de
escrita voltada à expressão artística e ao
desenvolvimento da sensibilidade. Para isso,
as aulas baseiam-se, fundamentalmente, no
estudo de textos, em sua maioria nacionais e
contemporâneos, sob a perspectiva de quem
produz, e não somente de quem interpreta.
Buscamos, assim, entender os princípios
construtivos que regem cada obra e
perceber como cada pequena escolha
estrutural carrega, em si, todo um universo
de significações possíveis. Com esses
princípios claros, em teoria, partimos, então,
para sua aplicação prática, com a realização
de exercícios regulares. Além de permitir
uma ampliação dos recursos estilísticos
dos alunos-autores, esses exercícios
procuram, também, desmistificar o conceito
de inspiração e fazer da escrita algo mais
orgânico e mais consciente, principalmente
em termos formais.
Junto a isso, em nossas discussões acerca
dos diversos temas propostos por cada autor,
nos esforçamos para encontrar questões
que sejam caras à época em que vivemos
e que nos despertem o impulso de escrever.
Daí a ideia de um desenvolvimento da
sensibilidade que ocorre por meio da criação
e em que a escrita se constitui, sempre,
como descoberta. Procuramos lançar um
olhar mais atento às inquietações, desejos
e angústias que vivem dentro de cada um
e, amparados por uma maior consciência
estrutural, encontrar a forma de expressão
mais adequada a cada necessidade.
Os textos aqui apresentados refletem os
diferentes momentos do curso: seu início, com
os estudos sobre poesia; o mergulho sobre
os contos e as narrativas curtas (aqui, vale
destacar a influência exercida pela cidade,
proveniente do Estudo do Meio Móbile na
metrópole – conflitos urbanos e transformada
em potente material artístico, como no texto
“Tua, minha, nossa”); a experimentação das
formas híbridas, muito presentes na literatura
contemporânea.
Luiz Antonio Farina é professor
de Criação Literária.
O espelho
Era quase meia-noite quando ele encontrou o espelho. Grande e
liso, repousando com uma serenidade pacífica no meio da sala vazia. O que
um lugar como aquele fazia nos corredores desérticos de um hospital, o
rapaz não tinha ideia. Mas talvez não fosse importante, e provavelmente
não era.
Ele parou à porta para observar as paredes brancas, que
mudavam de cor conforme as luzes amarelas, dos carros que passavam,
e rosas e verdes da estrela de neon que piscava na testa do hotel em
frente entravam pela janela aberta e se refletiam na superfície líquida do
espelho antes de emergir na sala.
Um silêncio raro, multicor, preenchia o pequeno aposento, pontuado
pelo som distante do andar dos automóveis lá fora, como se viesse de um
outro mundo. Talvez tenha sido aquele silêncio que o atraiu para dentro
da sala, mas acho que não. Para mim, acho que foi o espelho.
O rapaz se encaminhou para o centro, os passos pesados, de quem
já carregou muita amargura por muito tempo. As luzes formavam duas
sombras dele, uma de cada cor, que acompanhavam seus movimentos
como dois irmãos gêmeos. Ele viu seu reflexo liso, as rugas minúsculas,
delicadas, que se formavam acima de suas sobrancelhas jovens, passarem
de amarelo para rosa para verde até irem gradualmente diminuindo.
Fitou seu próprio rosto mudar suavemente de cor, juntamente
com as paredes da sala vazia, os olhos meio arregalados e os lábios
entreabertos. Conforme tudo se tingia de outra nuance através do espelho,
o rapaz sorvia com os olhos a própria imagem, a mão direita apoiada na
esquerda fresca do reflexo, próximo de si mesmo.
A madrugada caía e o rapaz que mudava de cor unia-se consigo,
fundindo-se com o reflexo líquido como se escorresse por si, pelos cadarços
desamarrados e pelo braço com que tocava o espelho. Quando um novo dia
iniciou-se, era uno, era cor.
Julia Yen cursava o 2º ano do Ensino Médio em 2013
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Etéreo
Estirada aos lençóis de seda branca, os cabelos platinados
misturam-se ao tecido que roça o corpo inerte, como se este boiasse em
um emaranhado dos próprios fios brancos. Braços e pernas raquíticos
cobertos pela pele flácida, de misericordiosa nudez, flutuam à deriva no
farfalhar da cortina.
Ela é um papiro milenar, que se desmancha com o simples toque
do vento. Frágil e abandonada como carcaça de cobra ao trocar de pele.
Violada e invadida pelo ar quente que, sem pedir licença, consome-lhe as
entranhas mofadas. E ela, como pastel de vento, incha vazia. A voz do
vento sibila. Ora canta, ora grita, mas, em maioria, sussurra lamúrias.
Barriga ascendente. Barriga que acende, que fervilha de vida e
borbulha de dor, explode em luz iridescente.
Seu grito rouco e flácido transformara-se em choro miúdo,
mas muito estridente. O contorno estourado, os olhos vazados e a face
derretida, transbordando sem direção, deram espaço ao feto provindo
de seu cerne, que, banhado do sangue tinto, descasca-se de seu ventre.
O lençol, agora escarlate, goteja incessantemente no assoalho. Qualquer
sinal dela evaporara no ar, esvaindo-se com o sol.
Marina Borges cursava o 2º ano do Ensino Médio em 2013.
O espelho
Era quase meia-noite quando ele encontrou o espelho. Grande e
liso, repousando com uma serenidade pacífica no meio da sala vazia. O que
um lugar como aquele fazia nos corredores desérticos de um hospital, o
rapaz não tinha ideia. Mas talvez não fosse importante, e provavelmente
não era.
Ele parou à porta para observar as paredes brancas, que
mudavam de cor conforme as luzes amarelas, dos carros que passavam,
e rosas e verdes da estrela de neon que piscava na testa do hotel em
frente entravam pela janela aberta e se refletiam na superfície líquida do
espelho antes de emergir na sala.
Um silêncio raro, multicor, preenchia o pequeno aposento, pontuado
pelo som distante do andar dos automóveis lá fora, como se viesse de um
outro mundo. Talvez tenha sido aquele silêncio que o atraiu para dentro
da sala, mas acho que não. Para mim, acho que foi o espelho.
O rapaz se encaminhou para o centro, os passos pesados, de quem
já carregou muita amargura por muito tempo. As luzes formavam duas
sombras dele, uma de cada cor, que acompanhavam seus movimentos
como dois irmãos gêmeos. Ele viu seu reflexo liso, as rugas minúsculas,
delicadas, que se formavam acima de suas sobrancelhas jovens, passarem
de amarelo para rosa para verde até irem gradualmente diminuindo.
Fitou seu próprio rosto mudar suavemente de cor, juntamente
com as paredes da sala vazia, os olhos meio arregalados e os lábios
entreabertos. Conforme tudo se tingia de outra nuance através do espelho,
o rapaz sorvia com os olhos a própria imagem, a mão direita apoiada na
esquerda fresca do reflexo, próximo de si mesmo.
A madrugada caía e o rapaz que mudava de cor unia-se consigo,
fundindo-se com o reflexo líquido como se escorresse por si, pelos cadarços
desamarrados e pelo braço com que tocava o espelho. Quando um novo dia
iniciou-se, era uno, era cor.
Julia Yen cursava o 2º ano do Ensino Médio em 2013.
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Céu
O brilho ofuscava a visão, e o havia feito por horas. Apenas agora era amenizada a luz. Tudo estava branco azulado, e os dois coexistiam ali, em um cenário que parecia impossível. Era perfeitamente compreensível, no entanto.
Ela existia sem ele, porém sem brilho, sem força, sem imagem, sem sua essência.
Ele se orgulha disso.
Ela corre atrás dele incessantemente com a pouca liberdade que lhe é dada. Ela ser ou não depende da vontade dele, e só dele, de maneira que às vezes se mostra apenas pela metade. Isso é porque ele não se importa com ela o bastante, ou porque se importa demais. Sentimento verde e feio.
Ela também não é qualquer.
Ele sabe disso.
Mil outros como ele a seguem. Tem-se a certeza de que vão atrás dela, pois só aparecem quando ela está por perto. Pobres deles, pensamos. Estão demasiado longe, e em distância inalcançável. Também não sabem, mas a verdade é que se afastam cada vez mais.
Jornada tão inútil quanto a dela. Porém nem ela nem eles desistem.A força é forte.
Ela tenta e um dia consegue. O alcança. Eles se sobrepõem. A luz de ambos morre. Escuridão é o que resta. Juntos, se olham juntos. Ali está plenitude que buscavam. Ele não a deixava alcançá-la pois sabia das trevas que seguiriam.
Se amavam.
Mas ela entende, e voltam a se afastar. Pelos outros, à vida, longe um do outro.
Anna Catarina Roman cursa o 2º ano do Ensino Médio.
“Todo o Tempo do Mundo” (R.R)
o relógio na parede.
|PRESOS DENTRO DELE|
a cada tic.
A degradaçãotac.
da vida de manhã renasce
fê
n de dia definha i
xa noite morre
agarremos a chanceo primeiro sopro da manhã
que em nós amanheceagarrá-lo e guardá-lo
destroçá-lo e absorvê-losenti-lo
segundo a segundomomento a momentoe conquistar assim
lentamenteo fragmento da eternidade
que pode haver em nósimortal
como o Tempo
o Tempo não passanós passamos
o Tempo não acabanós acabamos. O
livia
Lab
an c
ursa
o 2
º ano
do
Ensi
no M
édio
.
109108
Consolo
Da primeira vez que se viu por gente, caída no chão, ralara o joelho em uma brincadeira qualquer. A dor era nova, sentimento inédito, o latejar da ardência e o sangue correndo. Sentiu a água transbordar pelos olhos, sem querer, borrar o seu mundo e escorrer quente pela face. Fez o contorno das bochechas vermelhas e entrou pelas rachaduras do lábio, sentiu o gosto.
Daquele dia em diante, foi condenada. Apaixonou-se pelo gosto das lágrimas em um instante, não a dor, não a adrenalina, mas as lágrimas puramente suas. Era um prazer repugnante que sua inocente culpa não entendia, chupava-as todas como se estivesse seca por dentro.
Guardou como segredo com medo de ser roubada e esturricada da sua própria essência, até se dar conta das noções de certo e errado. Quando, finalmente, percebeu o seu prazer infeliz, já era tarde demais. Tropeçava propositalmente no chão para cair e chorar, fechava a porta em seus dedos, queimava sua mão na panela. O masoquismo não pela dor, mas por sua sede eterna.
O sofrimento, não, o sofrimento odiava, mas o prazer por beber cada gota a fazia esquecer o ritual pelo qual se submetia, a dor inacabável, as cicatrizes incômodas. O sofrimento físico e inocente era, incansavelmente, vital.
No entanto, não continuou suprindo sua necessidade esdrúxula por esses meios rudimentares. Com o passar do tempo, os sentimentos profundos, a dor indireta, o sofrimento psicológico foram abrindo sua sensibilidade e ela provou de um choro mais real e intenso. A diferença era gritante, as correntes explodiam de seus olhos gastos.
O ferimento corriqueiro não se equipara às marcas de um amor perdido, à falta de felicidade, à monotonia depressiva. Mas como provocar sentimentos em si mesmos? Como desejar ser infeliz? Não era capaz de enganar sua própria consciência.
Foi quando conheceu esse menino, tornaram-se amigos. Conversas levam uma à outra até que ela se viu despedaçada com as palavras que ele havia dito, estupidamente ingratas. O choro veio, mas por que veio? Não se importava, era o choro que queria.
Que estúpida, que estúpida. Nos dias em que a razão era pouca, o entendimento vazio, lambia os beiços como da primeira vez, esqueceria, usava-o, esqueceria.
Conversavam diariamente, ele e ela. Ele a magoava tanto, mas ela continuava incessantemente, por quê? “Pela sede, pela sede”, diria ela. Sujeitava-se a seus maldizeres, suas indelicadezas, mas as lágrimas, as lágrimas era o que queria.
Qual o sentido daquilo? O prazer infernal não escondia as cicatrizes. Mas ela queria, ela queria, chorar como só se chorava ela. Finjo estar, finjo perceber, o choro vem, não sinto, não sinto.
Foi quando, quase tão sem querer como quando chorou pela primeira vez, se percebeu amando. E do seu amor, chorou rios, estes mesmos que juntaram mares, onde afogou-se inflada de prazeres.
Juliana De Rosa Peano cursa o 2º ano do Ensino Médio.
110
Tua, minha, nossa
Cidade: me trazes uma alegria prazenteira; me incita um olhar em
paulatino processo de entendimento. És pura tua paisagem. És excêntrica
tua essência.
Naquela esquina de cores falidas, numa manhã:
Vi pessoas. Vi rotina. Vi cartazes. Vi prédios. Vi concreto.
Vi carros. Vi árvores cinzas.
Ouvi buzinas. Ouvi lamentos. Ouvi reclamações. Ouvi pássaros cantando.
Ouvi telefone tocando. Ouvi conversas.
Mas apenas pude ver: duas pessoas, que naquela esquina, se abraçaram
e se foram com um passo apertado, carregando consigo um fardo
taciturno.
Curioso?
Cidade, conta-me tu, o que passara entre as duas pessoas?
Talvez tenha nesse descompasso banal:
Vastidão
de histórias
findas,
cíclicas
e
nunca tangíveis.
Naquela ciranda de facetas: ora via manifestações de ideias, ora
via sentimentos de pessoas.
Foi por um instante:
Cidade: és minha Sofia.
Fernanda Pestana Haddad cursa o 2º ano do Ensino Médio.
Comose faz
ummuseu?
Selos, moedas, chaveiros, figurinhas, papeis de carta...
Você tem ou já teve algum tipo de coleção?
Todos que já colecionaram algo sabem do cuidado que um
colecionador tem ao estabelecer critérios para selecionar e organizar
os itens de sua coleção. Nesse sentido, toda coleção pressupõe uma
categorização. O mesmo acontece com as coleções dos museus: ainda
que não esteja evidente para os visitantes, as obras sempre estão
organizadas a partir de categorias (gêneros, períodos históricos, temas,
técnicas, artistas etc.).
Compreender a organização de uma exposição possibilita
ao visitante um olhar mais aprofundado das obras que a compõem, não
só quanto à interpretação de cada um dos trabalhos expostos, como
também quanto às relações que eles estabelecem entre si. Entretanto,
muitos alunos, embora tenham o hábito de visitar museus, desconhecem
esse fato. Pensando nisso, as disciplinas de Artes e Português do 7º ano
do Ensino Fundamental II organizaram um projeto interdisciplinar que tem
como objetivo sensibilizar os alunos para essa questão.
Preparação para o trabalho
Nas aulas de Artes, partindo das coleções pessoais dos
próprios alunos, foram trabalhadas questões como: “o que nos motiva
a colecionar?”; “como guardamos nossa coleção?”; “que cuidados
temos com ela?”. A partir disso, estabeleceu-se, por meio de discussões,
uma relação entre as respostas dos alunos e as coleções dos museus,
ampliando a percepção para a importância da curadoria e do papel do
curador.
A palavra curadoria tem origem na palavra latina curator
(aquele que cuida de outro e de seus bens) e passou a ser utilizada para
designar o encarregado da seleção e organização das obras em um
museu.
Após selecionar o conjunto de obras que será exposto, o
curador pensa em uma organização que dará sentido à exposição, pois
cabe a ele mediar a relação entre o público e as obras.
Durante as aulas preparatórias para a visita à Pinacoteca
do Estado de São Paulo, alguns gêneros de pintura presentes no acervo
desse museu foram retomados: retrato e autorretrato, paisagens e figura
humana. Além disso, foram feitos levantamentos de outras possíveis
categorizações presentes em uma exposição. Por fim, decidiu-se que os
alunos deveriam, em seu trabalho final, utilizar o tema como categorização
para a organização de sua curadoria.
A partir dessa indicação, os alunos discutiram, nas aulas de
Português, o conceito de tema: “o que é um tema?”, “como defini-lo?”.
Nessas discussões, cada estudante pôde compreender que o tema se
baseia em uma ideia geral que pode, mais tarde, apresentar subdivisões.
Assim, antes da saída pedagógica, os alunos receberam as instruções
gerais para o trabalho, bem como conheceram os trios que iriam formar.
Visita à Pinacoteca
A visita ao museu foi
dividida em três etapas, relacionadas
à observação das obras presentes
na Grande Sala, localizada no
2º andar do prédio e que abriga
exemplares representativos do acervo
permanente do museu. Em primeiro
lugar, professores e alunos retomaram
as principais etapas do trabalho e
relembraram os conceitos estudados
ao longo das aulas preparatórias. Em
um segundo momento, foi solicitado
113112
114
que os alunos observassem
todas as obras que compõem a
sala, buscando analisar possíveis
aproximações temáticas entre elas.
Por fim, os trios foram desafiados
a determinar um tema para seu
trabalho e a selecionar quatro obras
que representassem esse tema,
com o objetivo de organizar uma
“minicuradoria”. Entre essas quatro
obras, deveriam, obrigatoriamente,
ser selecionados um retrato e uma
paisagem. Para registrar essa etapa
do trabalho, além de anotar em seu roteiro de visitação as relações entre
obras e tema, os alunos fotografaram os quadros escolhidos.
Organização do trabalho final
Já de volta à sala de aula, cada trio se uniu para organizar os
dados coletados, selecionar as melhores fotografias e organizar o envio
desse material para os professores.
Nas aulas de Artes, um novo desafio foi lançado: observando
as obras escolhidas e o tema predeterminado, os alunos teriam de criar
uma quinta imagem para compor sua curadoria. Nesse trabalho, foram
utilizados técnicas de desenho e materiais de pintura escolhidos pelo trio:
lápis de cor, aquarela, giz pastel e tinta guache.
“Sol
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de
7º D
Para finalizar a exposição, nas aulas de Português, os alunos
deram um título ao seu trabalho. Para isso, foram realizadas discussões
acerca da função do título em uma exposição. Ao analisarem criticamente
os títulos de eventos em cartaz em São Paulo naquele momento, os
alunos puderam perceber três aspectos fundamentais para a elaboração
de um bom título: a informatividade (o título precisa ser capaz de informar
ao espectador o tema geral da exposição), o poder de síntese e a
capacidade de despertar interesse no espectador. A partir dessa análise,
cada trio elaborou um título para sua minicuradoria. Finalmente, após o
término de todas as atividades do projeto, uma exposição com todos os
trabalhos foi montada no térreo da escola e recebeu muitos convidados:
pais, funcionários e alunos. Para além de apenas divulgar o trabalho
realizado, a exposição proporcionou aos alunos, os autores, uma visão
mais concreta sobre a importância de cada etapa do projeto, o que os fez
também compreender, na prática, cada uma das etapas que compõem
uma curadoria profissional.119118
Juliana Yokoo Garcia é professora de Português e Patrícia Bacchi, de Artes,
ambas do 7º ano. Luca Caltran (Artes) e Rafael Barufaldi (Português) foram essenciais
para o desenvolvimento do projeto.
Eu, etiqueta?Vivemos em um mundo em constante
transformação. O acesso rápido à informação,
o avanço das novas tecnologias e o uso cada
vez maior das mídias sociais caracterizam
o cenário da contemporaneidade. Uma das
marcas dessa nossa sociedade é o incentivo
ao consumo. Sem distinção de gênero,
religião ou mesmo de poder aquisitivo,
somos todos estimulados a um consumismo
desenfreado, que encara os bens (duráveis
ou não duráveis) como descartáveis.
Mas existe um público por quem
as propagandas, cada vez mais, têm se
interessado. Facilmente influenciáveis, as
crianças tornaram-se alvo de campanhas
de marketing veiculadas em rádio, televisão,
internet e na mídia impressa.
Atualmente, o público infantil é um dos
grandes focos dos investimentos publicitários.
No ano de 2013, ele representou 23% do
planejamento dos gastos do setor, segundo
dados do Mídia Dados. A publicidade não
se dirige às crianças apenas para vender
produtos infantis; elas são consideradas,
também, quando se pensa na venda destinada
aos adultos.
Partindo desse panorama e com objetivo
de refletir sobre a influência da propaganda
nas escolhas do cidadão, aos alunos do 5º
ano do Ensino Fundamental foi proposta uma
sequência de trabalho cujo eixo temático era
o consumismo.
Dentre as diversas propostas, os
alunos foram convidados a refletir sobre
a importância que os bens materiais têm
no seu cotidiano, o destino dos produtos
descartados e de suas embalagens, a relação
existente entre consumo e meio ambiente e
muitas outras questões.
Um vídeo. Várias discussões. O
disparador para as primeiras discussões foi
o documentário Criança, a alma do negócio,
da Maria Farinha Produções (http://www.
mff.com.br). O vídeo traz questionamentos
e esclarecimentos sobre a influência da
propaganda no universo infantil e sobre
como as agências de publicidade pensam
suas campanhas com foco no estímulo ao
consumismo desse público. De acordo com
John Medina, biólogo de desenvolvimento
molecular e diretor do Brain Center for
Applied Learning Research, na Seattle Pacific
University, os profissionais de marketing já
sabem, há tempos, que não é necessário
que o consumidor tenha um interesse prévio
em determinado produto para que sua
atenção seja atraída à propaganda. Para
esses profissionais, a atenção é capaz de
criar o interesse por algo, e estímulos novos
são uma forma bastante eficiente de usar
essa habilidade cerebral a favor do interesse
e, portanto, do consumo de determinado
produto.
Assistindo ao vídeo, os alunos entraram
em contato com informações alarmantes,
como os dados da Associação Dietética
Norte-americana Borzekowiski Robinson,
que afirmam que bastam apenas 30 segundos
para uma marca influenciar uma criança.
Além disso, puderam analisar uma atividade
em que foram mostrados a crianças de
diferentes idades cartões com fotografias
de animais para que elas os identificassem.
Muitos animais não foram reconhecidos;
porém, quando os cartões continham
logotipos de marcas famosas, todas as
crianças as identificaram imediatamente.
Use, compre, adquira, experimente. Após
o debate sobre o vídeo, o segundo momento
do trabalho foi a leitura e a interpretação
do conto “O estranho procedimento de
Dona Dolores”, escrito por Luis Fernando
Verissimo, que narra a história de uma dona
de casa que, de um dia para o outro, começa
a fazer propagandas de todos os produtos
que utiliza no cotidiano com a família.
A etapa seguinte do trabalho foi composta
pela leitura e análise de diversos textos
pertencentes ao gênero textual anúncio
publicitário. Os alunos leram diversos
anúncios e puderam discutir quais são as
características dessa modalidade de texto e
de que forma ela influencia os consumidores
a escolher diferentes produtos. A análise dos
anúncios possibilitou estabelecer relações
entre imagem e texto verbal, justificar a
publicação em determinado veículo de
comunicação, identificar o público-alvo de
uma campanha e fazer inferências sobre
mensagens subliminares, que podem ser
compreendidas como a apresentação
ao consumidor de um produto ou serviço
de maneira tão leve ou breve que não é
conscientemente percebida, levando-o a
consumi-lo ou usá-lo sem saber as reais
razões pelas quais fez suas escolhas.
Vinculando a sequência de atividades
a outro objetivo do trabalho do curso de
Português do 5º ano – os modos verbais
– os alunos puderam analisar o uso dos
verbos no imperativo na produção de um
anúncio publicitário. O modo imperativo é
aquele em que o enunciador expressa uma
atitude de ordem, conselho, pedido sobre os
fatos do enunciado. É comum, nos anúncios,
encontrarmos verbos como “use”, “compre”,
“adquira”, “experimente”.
A reportagem “Como mudar hábitos de
consumo para produzir menos lixo”, publicada
no site da revista Nova Escola em maio de 2010
120 121
(http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/
pratica-pedagogica/habitos-consumo-lixo-
produzido-reciclagem-tecnologia-586717.
shtml), também foi utilizada para discussão
em sala de aula. A partir da leitura, os
alunos tiveram oportunidade de refletir sobre
seus hábitos, aprender qual o destino das
embalagens geradas a partir do excesso de
consumo do homem moderno e conhecer
algumas cidades brasileiras que, por se
preocuparem com a grande quantidade de
lixo gerada pela população, realizam coletas
seletivas muito eficazes.
Para finalizar o trabalho, o conhecido
poema “Eu, etiqueta”, de Carlos Drummond
de Andrade, entrou em cena.
A partir da leitura crítica e da discussão
do tema abordado pelo poeta mineiro em
seus versos, surgiu o produto final de toda
essa trajetória. Os “bonecos-anúncio” e as
frases críticas que os compõem, criados pelos
alunos, são o resultado das possibilidades de
composição de seus pensamentos sobre o
que foi abordado a respeito do consumismo
no decorrer do segundo trimestre.
“(...)
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
(...)”
ANDRADE, Carlos Drummond. “Eu, etiqueta”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 16 jan. 1982, Caderno B.
122
Está usandouniforme?
Você precisa mesmo de tudo que compra?
O que você é?O que vocêquer ser?
Pode não parecer, mas este é você.
Quem sou eu?
Luciana Tomiatto de Oliveira é coordenadora de área de Português do 4º e 5º anos
do Ensino Fundamental I e desenvolveu o trabalho em parceria com as professoras
Clarissa Mariano e Juliana Camachi.
Intervenção urbanae a construção do olhar sobre o espaço
Ao caminhar pela
Avenida Paulista, de
repente nos deparamos
com uma vaca customizada.
Descendo um pouco pela
Rua Augusta, encontramos
uma árvore revestida de
crochê colorido. Do outro
lado da cidade, em meio ao
trânsito da Marginal Tietê,
avistamos gigantescas
garrafas PET. E por aí vai.
Quando menos esperamos,
intervenções estão
presentes em caminhos
do cotidiano de nossa
metrópole. Essas criações
artísticas, efêmeras
ou duradouras, são as
intervenções urbanas.
Ressignificando olhares
e utilizando diversos
equipamentos da cidade,
como telefones públicos,
postes, calçadas, muros,
construções, objetos
inusitados, não é de hoje
que a arte vem ocupando
locais públicos e ganhando
certa notoriedade entre
pessoas que transitam em
diferentes espaços urbanos.
É justamente o argumento
de ressignificar que legitima
o ato de intervir.
Na tentativa de
sensibilizar diferentes
sentidos do observador, a
intervenção urbana tem
ocupado espaços e objetos
que são comuns a todos
os transeuntes, a fim de
suscitar novas reflexões
sobre o ambiente social no
qual estão inseridos. Tanto
a percepção, por parte do
artista, de poder transmitir
uma mensagem utilizando
a cidade como suporte
quanto o olhar atento que
capta essa mensagem, por
meio do observador, são
pontos fundamentais para a
intervenção. O observador
não é mero espectador,
e sim parte da produção
artística. Ele é um dos
elementos fundamentais
dessa troca. A tríade
artista, espaço público e
observador é de extrema
importância para que a
intervenção aconteça.
Nesse sentido, trazer
essa concepção de arte
para dentro da escola é
ressignificar o olhar dos
alunos para um espaço que
eles utilizam diariamente
e com o qual estão
familiarizados. Ao observar
o espaço e planejar como
intervir nele, os alunos
comunicam questões
e pensamentos de seu
universo e estabelecem uma
identidade com o próprio
espaço. Somado a isso,
os observadores dessas
intervenções no ambiente
escolar também são
pessoas que, muitas vezes,
compartilham dos mesmos
pensamentos, o que
potencializa as reflexões
propostas.
124 125
Intervenção na escola. As novas
percepções sobre o espaço
comum e o uso que se faz
dele o disparador para o
trabalho desenvolvido com
alunos de 8º ano do Ensino
Fundamental II. Na etapa
inicial, propõe-se ao aluno
um desenho de memória
de determinados espaços
da escola. Nesse momento,
ele se dá conta de que o
uso diário de determinados
locais o faz esquecer-se
de detalhes que estão
presentes nesses espaços.
Numa segunda etapa,
é proposto um desenho
de observação do lugar,
garantindo que detalhes
esquecidos da arquitetura
sejam observados e,
posteriormente, usados
como suporte para a
intervenção. Proporção e
cálculo são importantes
nesse processo. É nessa
etapa que os alunos têm a
noção de que existe uma
relação estreita entre
o que se quer comunicar
e o espaço explorado.
A viabilidade da ideia
passa, inevitavelmente,
126
pelas etapas iniciais e pelo
planejamento do que se
quer realizar.
O trabalho de
intervenção possui,
portanto, uma ordem de
atividades que orienta
o olhar a buscar novas
leituras para um espaço
já conhecido, permitindo
também que as experiências
artísticas vivenciadas pelos
alunos do 8º ano dentro
da sala de Artes sejam
compartilhadas com os
demais colegas.
Entre as etapas, são
apresentadas intervenções
já existentes na cidade de
São Paulo. Por meio delas,
os alunos tornam-se mais
sensíveis a perceber como
há múltiplas possibilidades
de interpretação para
os diferentes locais que
frequentam e participam
de discussões acerca dos
diferentes temas de reflexão
que as intervenções
suscitam sobre o uso dos
espaços coletivos.
A efemeridade é outro ponto
a se considerar, já que
muitas das intervenções
sofrem com a ação do
tempo ou de outros usuários
do local.
Com as intervenções
finalizadas e a observação
das mais diversas reações
de alunos e funcionários,
os alunos vivenciam
efetivamente novos laços e
relações com os espaços
da escola, tendo, sobretudo,
a sensação maior de
pertencimento aos locais
frequentados.
Luca Caltran é professor
de Artes do Ensino
Fundamental II.
Um dos pilares do curso de Português da Móbile é o trabalho com os gêneros textuais.
Segundo o pensador russo Mikhail Bakhtin, os gêneros textuais definem-se, principalmente,
por desempenhar uma função social. Nesse sentido, cada gênero de texto apresenta um
objetivo, um contexto de produção e uma interação específica. Em outras palavras, ao produzir
um texto, é necessário selecionar o gênero que melhor representa questões como: “o que
desejo comunicar?”, “como e onde essa comunicação será veiculada?” e “qual é o público
que desejo atingir?”. As escolhas lexicais, o tipo de linguagem utilizada e a organização das
informações no texto são determinados a partir das respostas a essas questões.
Em um contexto escolar, muitos são os momentos em que a função da produção de texto
está limitada à sala de aula: o aluno produz com o objetivo de apresentar suas habilidades
linguísticas em determinada atividade que terá como interlocutor principal o professor.
Nesse tipo de situação escolar, o texto perde sua função social, uma vez que funciona,
essencialmente, como uma avaliação. É evidente que o trabalho constante com a produção
de texto em contexto escolar é de suma importância para o desenvolvimento das habilidades
textuais dos alunos. Entretanto, esse trabalho deve ocorrer sempre em conjunto com
projetos que abordem, efetivamente, a função social de um texto. No 7º ano, um dos projetos
que atendem a essa demanda é o trabalho com o gênero relato de viagem, desenvolvido
juntamente com o Estudo do Meio.
Com o objetivo de realizar pesquisas de campo nas áreas de Ciências, História e
Geografia, os alunos visitam as cidades de Iguape, Cananéia e Ilha do Cardoso, localizadas
ao sul do estado de São Paulo, em uma região conhecida como Lagamar. O projeto prevê que,
ao final da viagem, os estudantes apresentem um trabalho no qual devem comunicar suas
aprendizagens e suas experiências.
Cadernos de viagem: o texto para além dos muros da escola
O trabalho com o gênero relato de viagem inicia-se muito antes da viagem. Nas aulas de
Língua Portuguesa, os alunos são convidados a conhecer relatos de outros autores viajantes:
de textos de Amyr Klink aos blogs de viagem, vários são os exemplares lidos e discutidos.
Em um segundo momento, os textos são analisados em uma perspectiva comparativa,
incentivando os alunos a encontrar as características comuns que fazem com que os textos,
ainda que diferentes, sejam considerados representativos do mesmo gênero textual.
Nessa comparação, os alunos notam que o relato de viagem pressupõe um narrador em
primeira pessoa e integra três aspectos essenciais: os dados técnicos, as informações sobre
o local visitado e o relato das experiências pessoais.
Para colocar em prática os conhecimentos adquiridos por meio das leituras e discussões
feitas em sala, os alunos realizam atividades de produção de texto, como a elaboração de
parágrafos descritivos e um relato de viagem completo, baseado em suas experiências
pessoais. Nesse momento, é possível detectar a compreensão dos alunos em relação às
características próprias do gênero, do tipo de narrador mais adequado até seleção de fotos e
produção de legendas. Diante dos resultados apresentados em sua primeira produção, cada
estudante tem a oportunidade de entrar em contato com seus equívocos, o que possibilita que
eles sejam evitados em seu trabalho final.
Para aprofundar os conhecimentos sobre o relato de viagem e, principalmente, como forma
de conhecer estratégias de registro nos diários de campo, os 7º anos recebem, no auditório
da Móbile, os Muller, uma família viajante que, para além de realizar viagens incríveis focadas
no ecoturismo, relata suas experiências em livros e em seu blog. Ao entrar em contato com
pessoas que, de fato, utilizam o relato de viagem como uma forma de comunicação social, os
alunos percebem que produzir textos está para além da avaliação ou do exercício acadêmico.
Durante a apresentação, os palestrantes fornecem informações sobre como organizar um
diário de campo, como e o que deve ser fotografado, qual é o tipo de informação que deve ser
registrado, entre outras estratégias que ajudam o aluno a otimizar o tempo em uma pesquisa
de campo ao mesmo tempo que registra as informações relevantes. Por fim, a família mostra
de que maneira os registros feitos em campo são transformados em um relato de viagem.
A hora da práticaApós essa longa preparação e munidos de seu diário de campo, os alunos partem para a
viagem de Estudo do Meio e colocam em prática, durante quatro dias, todas as habilidades
desenvolvidas nas aulas. Ao longo da viagem, os alunos são incentivados a coletar dados
de diferentes maneiras: fotografias, desenhos de observação, anotações, para que tenham,
durante a elaboração do produto final, acesso à maior quantidade de dados possível.
Finalmente, ao retornar, cada aluno produz seu caderno de viagem, em que deve comunicar
não apenas suas experiências pessoais, mas também os conhecimentos adquiridos. Para
nortear a produção final dos alunos, cada professor, dentro das especificidades de sua
disciplina, fornece parâmetros a serem seguidos, permitindo, mesmo assim, que haja uma
composição pessoal de cada um dos estudantes.
Diante dos resultados dessa produção, do envolvimento dos alunos na execução do
projeto à qualidade textual e visual apresentada, é possível perceber a eficácia de um trabalho
que, de fato, considera a função social do texto. Contar uma experiência vivida, apresentar
dados coletados e abordar conceitos aprendidos são experiências que mostram aos alunos
que a produção de texto é, sem dúvida, um meio de comunicação efetivo que se expande para
além dos muros da escola.
O resultado finalApós um longo trabalho de organização e seleção dos dados coletados, cada aluno
recebe um caderno em branco, no qual, seguindo os parâmetros fornecidos pelos professores
envolvidos no projeto, desenvolvem textos que não apenas relatam as experiências vividas,
mas que também apresentam conceitos apreendidos ao longo da viagem.
Além de entrar em contato com as questões textuais e conceituais, os alunos são
colocados diante de uma situação em que habilidades de organização, apresentação e
criatividade são de suma importância para um bom desenvolvimento do trabalho. Seguindo as
orientações fornecidas previamente, cada estudante pode explorar a ordem das informações
apresentadas ou mesmo o material utilizado para compor esteticamente o caderno.
Alguns exemplos dessa diversidade e dos tópicos exigidos na proposta podem ser
conferidos a seguir:
128
A capa apresenta imagens pertinentes ao tema, o título do trabalho e o nome do autor.
As informações técnicas, elemento característico do gênero relato de viagem, foram
apresentadas no início do caderno.
Os relatos de experiência pessoais e os textos expositivos sobre os conteúdos trabalhados
preencheram as páginas do caderno.
Juliana Yokoo é coordenadora e professora de Português do Ensino Fundamental II.
Ao ler um texto do pedagogo espanhol Jorge Larrosa Bondía, “Notas sobre a experiência
e o saber de experiência”, comecei a refletir sobre uma situação de experiência que poderia
propor aos meus alunos de 6º ano no curso de História. Se precisasse resumir a proposta
do curso em poucas linhas, diria que os alunos dessa série têm de concluir o seu percurso
compreendendo que o tempo da história dos homens é longo, que se mede em milhões de
anos, e que o estudo da História se dedica a analisar a cultura produzida por esses homens
ao longo de todo esse tempo.
No entanto, mais de 90% da história humana se passou sem que houvesse
conhecimento da escrita, o que nos obriga a investigar esse passado por meio da observação,
análise e interpretação dos artefatos produzidos por diferentes grupos, em diferentes lugares,
e que resistiram à passagem do tempo.
A ideia da passagem do tempo é muito abstrata, e seria mais fácil apreendê-la
num projeto que lhe desse concretude. Partindo desse objetivo de aprendizado, propus-
me o desafio de pensar uma atividade que colocaria meus alunos diante da observação
do homem como produtor de cultura ao longo do tempo. Mas não queria que eles fossem
apenas observadores, captadores de informação e processadores de opinião; queria que, ao
contrário, fizéssemos algo que lhes tocasse, marcasse.
Propus a eles, então, que cada sala montasse um sítio arqueológico.
Mas como fazer isso?
1. O trabalho teve início após nossos estudos sobre as conquistas de cada etapa evolutiva
humana em termos de produção de cultura e, por isso, os grupos foram divididos segundo
algumas etapas da evolução humana: australopitecos, Homo habilis, Homo erectus, Homo
sapiens neandertalensis, Homo sapiens sapiens.
2. Partimos para a escolha dos
materiais – argila, papel, madeira
e pedra – e, posteriormente, para
a confecção dos artefatos que
comporiam as diversas camadas do
nosso “sítio”. Cada grupo pensou
sobre as características da etapa
evolutiva humana que ficou a seu
cargo e criou e fez os artefatos que
lhe eram correspondentes. Em
seguida, preencheram um documento
para classificar cada material que
seria enterrado. A etapa seguinte foi
a de enterramento.
Uma experiência sobre a produção de cultura ao longo do tempo:a montagem de um sítio arqueológico
132 133“Tudo o que faz impossível a experiência faz impossível a existência.” Jorge Larrosa Bondía
134 135
3. Os membros dos grupos prepararam a terra que comporia a sua camada estratigráfica
– cada uma delas representava a passagem do tempo –, distribuíram os artefatos na sua
extensão e registraram a camada em fotografia; o grupo seguinte fazia o mesmo.
4. Uma vez concluída essa etapa,
deixamos o tempo agir sobre o nosso “sítio
arqueológico”. Percebemos, então, o
quanto um experimento é diferente de uma
experiência. O experimento é previsível e
a experiência tem sempre uma dimensão
de incerteza, deixa uma abertura para
o desconhecido – algumas de nossas
camadas estratigráficas se misturaram
e os feijões que foram colocados para
representar os Homo sapiens sapiens
agricultores floresceram.
Não estávamos esperando que isso fosse acontecer, mas soubemos resolver a questão,
como relatado a seguir.
5. Na última etapa do trabalho, uma sala desenterrou o “sítio arqueológico” montado
pela outra. Ao escavarem determinada camada estratigráfica, correspondente a uma etapa
evolutiva humana, encontravam artefatos que identificavam como sendo pertencentes a
outra etapa e chamavam os especialistas naquela fase da evolução para analisar e catalogar
o artefato que havia migrado de camada. O feijão? Simplesmente o arrancamos e os alunos
concluíram que os homens que ocuparam aquele território já conheciam a agricultura, uma
vez que foi possível identificar o conhecimento sobre as sementes e o plantio.
6. A formalização do trabalho se deu pelo preenchimento de um documento similar ao
que têm os arqueólogos para registrar as descobertas. Numa folha, catalogaram as peças,
descrevendo sua morfologia, e depois utilizaram essas informações para produzir um
relatório sobre os achados que compunham as camadas estratigráficas, que, por sua vez,
representavam as conquistas culturais dos homens num determinado tempo.
Após 3 semanas, colocamos as carteiras da sala – que antes estavam todas dispostas
em círculos – novamente em fileiras e nos voltamos para o estudo sobre as organizações
sociais mais complexas da Antiguidade. Para todos nós, alunos, professora e assistente, o
aprendizado se deu por meio da mediação da experiência; e, mais do que adquirir um saber,
nós nos transformamos por meio de uma conexão significativa com os acontecimentos.
Kelly Cristina Oliveira de Araújo é professora de História do Ensino Fundamental II.
A importânciado brincar parao desenvolvimento infantil
136 137
“Quando olho uma criança, elame inspira dois sentimentos, ternura pelo que é e respeito pelo que posso ser.” Jean Piaget
Associar criança e brincadeira é algo natural, mas será mesmo que toda criança
nasce sabendo brincar?
O filósofo francês Gilles Brougère defende que, ao contrário do senso comum, a
brincadeira não é inata. Brincar é algo que se aprende desde muito cedo e se desenvolve
como resultado de uma construção social entre a criança e a mãe, que, geralmente, é o adulto
mais próximo dela na fase inicial da vida.
A partir do entendimento de que a criança aprende a brincar, os responsáveis por ela
(pai, mãe, avós, babás, educadores etc.) devem aproveitar todos os momentos para realizar
brincadeiras. Aquele tradicional sopro na barriga do bebê fazendo ruídos com a boca é um
bom exemplo disso. Cantarolar canções, esconder o rosto atrás de um pano, entre outras
manifestações, iniciam um processo de interação e aprendizagem da brincadeira que se
modifica de acordo com as etapas de desenvolvimento e interesse da criança.
Quem não se lembra de pegar algo por dezenas de vezes do chão, entregá-lo à criança
e ela imediatamente atirar o objeto para ser apanhado pelo adulto? A cada movimento, a
criança sorri; a cada arremesso, uma diversão. Nessa fase, a criança exercita o brincar pelo
prazer funcional de repetir a atividade e o adulto é o ser mediador e incentivador desse ato
lúdico. Trata-se do jogo do exercício.
Ver, tocar, ouvir, sentir, degustar são as primeiras motivações lúdicas da criança. Por
meio das brincadeiras sensoriais, ela aguça os seus sentidos e sua percepção e adquire
conceitos que mais tarde serão essenciais para a aprendizagem formal. O biólogo suíço Jean
Piaget distinguiu, além dessa, outras duas grandes categorias do brincar: o simbólico e a
regra.
O jogo simbólico normalmente coincide com a entrada da criança na escola, com o
aparecimento da linguagem e, especialmente, com o surgimento da noção de “eu”. É a fase
do “faz de conta”, em que a criança aprende a representar o mundo e a recriar as coisas ao
seu modo. O espaço que a circunda se torna um mundo mágico e repleto de possibilidades.
A brincadeira simbólica não tem regras fixas, pois elas mudam de acordo com o contexto
imaginativo e com os objetos com os quais a criança brinca. Quanto mais aflorada a
capacidade de imaginação, mais possibilidades são dadas a um objeto. Um simples galho de
árvore, por exemplo, pode se transformar em um foguete, em um cavalo ou em um carro.
No Infantil 2, recebemos muitas crianças que tiveram pouco contato com outras e que,
em relação ao desenvolvimento infantil, são ainda bastante egocêntricas. É muito difícil para
elas emprestar brinquedos, dividir o espaço e brincar junto. As crianças brincam voltadas
para si mesmas, e perceber o outro como diferente ainda é difícil. Logo que chegam à escola,
primeiramente exploram o ambiente e brincam sozinhas, sendo necessário, a todo momento,
o nosso convite para brincar. Normalmente, chamamos a atenção das crianças de forma a ser
“modelo” para o brincar. Cantamos, reforçamos gestos e até corremos de um ser imaginário
e assustador, enfatizando as expressões com caras e bocas de espanto que se tornam muito
convidativas.
Em princípio, todos nos observam atentos para, posteriormente, repetir tanto as
canções quanto os gestos mostrados como modelo. Estamos, assim, ensinando a brincar. A
partir do momento em que a criança se apropria das brincadeiras, ela passa a reproduzi-las
espontaneamente.
Com o passar do tempo, dá-se uma nova fase do desenvolvimento social, e a criança
passa a brincar perto de outras, porém ainda sozinha. O que a faz estar perto é o tipo da
brincadeira. Em um simples pega-pega, por exemplo, a criança ainda não compreende a regra
do jogo; porém, quando vê um grupo de colegas correndo atrás da professora, ela se interessa
e percebe o quanto pode ser divertido correr junto com outras crianças. A professora, aos
poucos, aproxima uma criança da outra, propondo: “Vamos pegar este amigo? Dá a mão para
ele para vocês correrem juntos!”.
Com maior domínio da linguagem, a fantasia e o “faz de conta” se tornam atividades
primordiais na vida das crianças. (A riqueza vocabular se aproxima da realidade externa.)
A professora passa, então, a intermediar as brincadeiras, dando a cada criança a
possibilidade de brincar ao lado de outra, fornecendo a cada uma delas um papel fundamental
no processo – como o de “mamãe”, “papai”, “filhinho”, “lobo” etc.
É papel do adulto organizar o tempo e o ambiente em que a brincadeira vai acontecer,
proporcionando materiais que convidem as crianças a brincar. Pensar sobre a disposição dos
brinquedos na sala, o número de crianças adequado a cada jogo e os objetos apropriados à
faixa etária a serem oferecidos contribui para a aprendizagem do brincar.
Quando a criança já é capaz de brincar ao lado de outra, com pouca ou nenhuma
intervenção do adulto, a última categoria da brincadeira é conquistada – o jogo de regra. Como
o próprio nome induz, o jogo de regra envolve objetivos definidos e supõe relações sociais.
138 139
As crianças aprendem a lidar com perdas e ganhos, a tomar decisões, a compartilhar, a
planejar e a coordenar pontos de vista, requisitos essenciais para o desenvolvimento cognitivo
e social.
Além disso, nas brincadeiras, as crianças podem desenvolver algumas capacidades
importantes, como a atenção e a memória, além das outras já citadas anteriormente. Para
que isso ocorra, é imprescindível que haja riqueza e diversidade nas experiências que são
oferecidas aos alunos. O espaço do brincar é um direito da criança, e, ao garantir isso,
asseguramos a ela o seu desenvolvimento. Trata-se de uma ação responsável, uma ação de
autodescoberta, e todos os momentos devem ser vistos como possibilidades.
Nós, professoras do Infantil 2, temos o privilégio de estimular essa potente forma de
interação, que nada mais é do que a reprodução do cotidiano e da cultura na qual estamos
inseridos. Brincar possibilita à criança construir sua identidade.
Andréia Siqueira de Faria, Carla Pinto Retamales Mazaro, Larissa Rodrigues Dias Pereira
e Mônica Alves de Góes da Silva são professoras do Infantil 2.
Ione Capucci é orientadora educacional do Infantil 2.
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Essa passagem foi
retirada de Obax, obra
escrita e ilustrada por André
Neves (editora Brinque
Book) e adotada para as
turmas do 2º ano do Ensino
Fundamental I. Ela ilustra
um dos pressupostos do
curso de literatura da
Móbile: despertar o prazer
pela leitura e instigar
nossos alunos a vivenciar
mundos imaginários como
possibilidade de ampliação
de seu universo cultural.
Calcados, também,
na concepção de que a
imaginação é crucial para
a formação de acervos
de memória, nada mais
favorável do que aproximar
nossos alunos das histórias
de uma menina africana
e de sua imaginação. Por
meio da fantasia poética,
os leitores puderam
acompanhar a personagem
principal, Obax, em suas
aventuras pela savana
e vivenciar situações
inusitadas, como “Um
elefante como amigo?”;
“Uma chuva de flores?
Quem acreditaria?”..., mas
nenhum obstáculo impediu
Obax (e seus leitores) de
continuar vivendo suas
aventuras...
Em um primeiro
momento, nossos
alunos leram o livro
individualmente.
Depois fizeram a leitura
compartilhada, discutindo
o enredo e relacionando
o texto verbal às imagens
(paisagens, cores, costumes
de uma cultura diferente da
deles).
As cores e grafismos
presentes nas ilustrações
chamaram a atenção dos
alunos para os traços
marcantes da cultura
africana e, nessa etapa,
propusemos uma oficina.
Com argila, as crianças
moldaram o grande amigo
de Obax, o elefante Nafisa,
e prepararam uma grande
festa africana.
Adriana Felicíssimo,
coordenadora de projetos
da biblioteca da Móbile,
preparou o espaço para
homenagear Obax. Todos
nós, professores e alunos,
fomos recebidos com
músicas africanas e com
paisagens da savana.
Juntos, celebramos o final
da leitura do livro. Logo,
começamos a nos pintar,
retomando a importância
e o significado que a
representação por meio de
traços e combinações de
cores tem para algumas
tribos africanas, de acordo
com a ocasião: luta,
casamento e até mesmo a
morte de alguém.
Obax, uma meninacom nome de flor
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“Quando o sol acorda no céu das savanas, uma luz fina se espalha sobre a vegetação escura e rasteira. O dia aquece, enquanto os homens lavram a terra e as mulheres cuidam dos afazeres domésticos e das crianças. Ao anoitecer, tudo volta a se encher de vazio, e o silêncio negro se transforma num ótimo companheiro para compartilhar boas histórias.”
Em pouco tempo,
todos estávamos prontos,
sentados em volta de um
grande tapete que seria
decorado pela turma. Ao
final, os alunos dançaram
em volta do trabalho e até
entoaram um coro criado
por eles: “BAOBÁ! BAOBÁ,
BAOBÁ!” Nesse momento,
sentimos o coletivo da tribo
e a imaginação tomar conta
de cada um.
Débora Zardi e Priscilla
Ribeiro são professoras
do 2º ano do Ensino
Fundamental I.
Foi dessa perspectiva exterior que
conheci o projeto Móbile na Metrópole.
Perspectiva duplamente estrangeira – de
alguém que estava, em 2013, fora do Brasil
e que, portanto, desconhecia a organização
do projeto. Acompanhei tudo de longe, pelas
redes sociais: fotos e hashtags no Instagram,
comentários pelo Facebook, uma ou outra
pergunta feita aos professores envolvidos
via Whatsapp. Foi o suficiente para atiçar
minha curiosidade e entusiasmo. Por três
dias, acompanhei o olhar deslumbrado de
alunos com a própria cidade; essa São Paulo
que chamam de “feia” e “cinza” em alguns
momentos me pareceu tão inegavelmente
linda como Barcelona, meu local de
residência à época.
Quando retornei ao Brasil, e à
Móbile, em 2014, um de meus entusiasmos
estava ligado à participação (o mais
ativamente possível) no Móbile na Metrópole,
projeto do Estudo do Meio do 2º ano do Ensino
Médio. Não fazia ideia da quantidade de
trabalho envolvida no projeto, de professores
e alunos. Coordenadas por Felipe Corazza,
professor de Filosofia e coordenador
educacional, as áreas de Ética e Cidadania,
Filosofia, Geografia e História se esforçavam
por encontrar nos conteúdos programáticos
uma linguagem comum, bases conceituais
sólidas que pudessem ser trabalhadas por
todos ao longo de três bimestres.
Mais uma vez a Móbile na metrópole Um olhar estrangeiro é sempre algo único: um olhar deslocado,algo desconfortável, fora dos eixos e códigos que lhe são familiares. Talvez por isso esse olhar de fora revele o despercebido, o que háde novo e inusitado em paisagens já viciadas.
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Janeiro. Muitos textos, muitas reuniões.
Inúmeros e-mails trocados, diversas boas
ideias... para decidirmos partir de um eixo:
o da experiência. Sair do conceitual, do
teórico e abrir-se para abraçar o momento
de experimentar, viver, tocar. Decidimos
um tema: conflitos urbanos. Conflitos que
ultrapassassem a acepção inicial de “embate
físico” para pensar em tudo o que pudesse
ser conflituoso: a moradia, a preservação
do patrimônio, os estrangeiros e o que mais
a criatividade sugerisse. Em História, isso
significou uma aliança com a memória.
Fevereiro. Confrontei os alunos – e
fui confrontada por eles – com a busca
pela relação entre memória, história e
experiência. “O que cada um desses
substantivos significa?”; “O que nossa
memória nos apresenta é, de fato, o que
experimentamos?”; “Como selecionamos
as experiências que fazem parte de nossa
memória?”; “O que entra para a história
– pessoal e coletiva?”; “A memória altera
a percepção da experiência?”; “É possível
fazer registros de tudo isso?”. Os alunos
produziram imagens que representassem o
significado de memória e experiência para
cada um; depois, a partir da leitura de um
conto de ficção escrito pelo alemão W. G.
Sebald, discutimos a relação entre o registro
de uma memória e a experiência vivida. “Eles
são a mesma coisa?”
Março. Nesse mês, houve os primeiros
contatos oficiais dos estudantes com o
projeto. A apresentação do vídeo, produzido
em 2013 pelos alunos pioneiros do projeto,
despertou mais ansiedade (neles e em
mim!). Cresciam as reflexões nas quatro
áreas, chegava a hora de ver os alunos
trabalharem na construção conceitual de
um problema que lhes interessasse: a tal
da “questão-problema”, cuja “resposta-
hipótese” constituiria o trabalho final do
projeto. Foram semanas de pesquisa, escrita
e reescrita. Frustração e descobertas:
pesquisar não é tão simples quanto parece;
aplicar a pesquisa e conceitos estudados
em sala ao contexto cotidiano, de maneira
consistente, menos ainda. Mas os alunos
surpreenderam. (Não pelos resultados, que
já esperávamos que fossem bons, mas pela
perseverança em atacar o problema de
frente por vários ângulos, várias vertentes.)
Foram resilientes, trocaram de questão,
buscaram outros conceitos, outras fontes.
Aos poucos, tornaram-se donos de seus
conteúdos, autores de suas pesquisas.
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Abril. Momento de discutir em torno de
materiais não acadêmicos: peça de teatro,
documentários sobre temas variados e a
investigação das relações entre aquela
diversidade de metrópole com seus conflitos.
Era hora de encontrar um meio de registro
para o processo vivido até ali e para sua
continuidade. O objetivo era que cada grupo
registrasse cada etapa de seu trabalho: por
meio da escrita, de imagens, do material
que quisessem e achassem pertinente.
O importante era refletir sobre o que estavam
fazendo. Foram criados os blogs. Cada grupo
criou seu espaço virtual, uma plataforma
que permitia o uso de diversos meios de
comunicação integrados e que se tornou o
espaço mais personalizado, mais pessoal,
para o registro da experiência e da reflexão.
Ao contrário do que talvez se possa pensar,
não foi algo tão simples. Nossos adolescentes
não são tão versados em tecnologia quanto
gostaríamos de pensar; apenas dois ou três
já haviam criado blogs, e poucos mais eram
leitores desse gênero textual. Novamente,
abraçaram a proposta e a causa. Para mim,
que estudo academicamente a relação entre
educação e determinadas tecnologias, foi
fascinante acompanhar esses espaços.
Quando se busca criar um aprendiz mais
senhor de seu processo de aprendizagem,
que domine melhor as formas como aprende,
e mais focado no aprender em si (e não
tanto no conteúdo), o desenvolvimento da
habilidade de autorreflexão é fundamental:
pensar sobre cada etapa vivida, discutir
se os métodos utilizados são realmente
os melhores, redefinir objetivos ao longo
do processo de aprendizagem. Não é uma
habilidade simples, mas é fundamental na
tal da “sociedade de informação”. Para isso
serviram esses diários virtuais: ao ter de
escrever sobre as experiências vividas e
sobre cada etapa do projeto, nossos alunos
ganharam confiança, conectaram-se cada
vez mais à proposta. Refletiram sobre erros
e acertos e viram os primeiros tornarem-
se mais importantes do que os segundos.
Mais do que simplesmente realizar cada
etapa, compreenderam-nas. E a cada dúvida,
cansaço ou frustração, sentiram-se livres
para colocar seus questionamentos on-line e
nos muitos debates que permearam as salas
de aula.
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Ansiedade, ansiedade. Maio. Quase
100% de adesão à etapa mais esperada
do projeto: os três dias de descoberta em
São Paulo. (Para mim, recém-chegada à
cidade natal, foi momento de descoberta.)
De descobrir que meu olhar sobre São Paulo
pode ser tão estrangeiro quanto aquele
lançado sobre Barcelona. Mas é outro tipo de
estrangeirismo, aquele que se vê por dentro e
descobre beleza e estranhamento onde antes
não havia. Meu olhar um tanto surpreso foi
espelhado pelos alunos, que viveram em
três dias muitas primeiras vezes: a primeira
vez no transporte público, a abordagem
de um desconhecido na rua, poder comer
uma comida diferente, olhar a cidade de
cima, olhar o subterrâneo, olhar a partir da
bicicleta e pelos olhos do jovem de outra
realidade, olhar o que o preconceito dizia ser
feio e ver o estranho, o colorido, a expressão.
Desenrolou-se o contato com a pichação,
com a periferia, com túmulos de crianças
num cemitério tão longe que nem parecia
São Paulo. Foi momento de vencer medos,
preconceitos. De confiar quando um estranho
diz a você para ir por esta ou por aquela rua,
quando um professor sugere comer isto ou
aquilo, um instrutor diz que você é capaz
de saltar de um muro e rolar no chão. Foi
momento de viver intensamente o que era
proposto – e o registro de tudo, característica
tão forte dessa geração de jovens, foi deixado
de lado em favor da experiência. Foi momento
de superar barreiras virtuais e reais e de
sentir-se acolhido – seja pelos amigos num
sarau lindo, seja pela própria cidade, que
se mostrou menos amedrontadora e mais
convidativa do que se imaginava.
Junho, agosto, setembro. Meses
de finalização de textos, vídeos, blogs.
Conclusões. A constatação mais repetida
talvez tenha sido a da mudança do olhar
para si, para os outros, para a cidade a
que chamamos casa. Mudou? Puxa, mudou
muito! Mas mudar não quer dizer se sentir
confortável. Nossos adolescentes são hoje
mais senhores de si, mais autores, mais
reflexivos. Andam (e às vezes menos) em
simbiose com a São Paulo que retratam
cotidianamente nas redes sociais. Mas
não estão confortáveis com ela. Ela não
lhes pertence, não pertence a ninguém.
São Paulo, estrangeira em si mesma, talvez
nos ensine, sobretudo, a importância de ser
um pouco estrangeiro na própria pele – esse
olhar descobridor, perpetuamente crítico e
encantado, esse olhar desassossegado da
vida dentro da metrópole.
Teresa Chaves é professora de História do
Ensino Médio.
Conheça alguns blogs feitos pelos alunos
mnm.2cg6.wordpress.commnm.2cg7.wordpress.commnm.2dg1.wordpress.com
mnm.2dg7.wordpress.commnm.2dg8.wordpress.commnm.2dg10.wordpress.com
mnm.2bg8.wordpress.commnm.2bg4.wordpress.com
A arte, de maneira geral, nos auxilia a conhecer o mundo e a nos conectar com ele
de forma mais sensível, reflexiva e poética. Curiosidade, admiração, dúvidas e até mesmo
inquietação são alguns dos sentimentos, em nós despertados, quando nos deparamos com
obras de arte. Quando temos a possibilidade de nos encontrar com o artista que produz
essas obras, então a emoção é triplicada! O Infantil 3 teve em 2013 essa feliz possibilidade!
Por intermédio da mãe de um de nossos alunos, o artista plástico Gustavo Rosa soube de
nosso trabalho em Artes envolvendo sua produção e se interessou em conhecer um pouco
mais da visão das nossas crianças a esse respeito. Nós, curiosos, o recebemos empolgados.
Imagens que retratam a praia e as ações rotineiras desse ambiente, como tomar sol,
jogar bola ou pegar onda, são bastante familiares às crianças de três anos. Por essa razão,
selecionamos algumas telas pintadas por Gustavo Rosa, dentro da série “Os banhistas”,
para integrar a observação de um trabalho artístico à pesquisa, uma vez que nosso objeto de
estudo na área de Conhecimento da Natureza e Sociedade é a praia e o ambiente marinho.
No dia em que esteve conosco, contamos
ao artista como se deu nosso estudo a partir da
observação de suas obras. Relatamos a atividade
que realizamos a partir de uma tela em que Rosa
retrata uma família que passeia na orla de uma
praia: exploramos as movimentações corporais
representadas na tela, criamos um pequeno cenário
e figurinos, também nos caracterizamos como as
personagens, fizemos poses e... click!... nos fotografamos
representando aquela obra. Foi muito divertido explorar com
nosso próprio corpo as posturas e a representação contida
na pintura. Após esse registro fotográfico, a atividade virou
uma grande brincadeira de jogo personificado. Gustavo
Rosa adorou ver nossas fotos!
Tivemos a oportunidade de contar a ele também
sobre como todo esse trabalho fez surgir dúvidas
a respeito de sua obra. As crianças ficaram
bastante intrigadas com o fato de Gustavo Rosa ter
predileção por pintar apenas gordinhos. Sobre isso,
ele respondeu, de maneira bem-humorada e direta:
“Gasta mais tinta e eu cobro mais caro!” Depois, ele
completou falando que achava graça em dar leveza às
coisas que aparentemente não têm.
Outra dúvida nossa foi respondida por ele de uma
Descobrindo a arte, conhecendo o artista
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forma surpreendente e engraçada; o porquê de ele não pintar tubarão em suas telas de mar.
Gustavo respondeu que não pintava porque tinha medo de o animal comer a sua mão!
Rosa mostrou-se um artista sem melindres. Respondeu a todas as nossas questões de
maneira simpática e despretensiosa, características que também podemos observar em sua
produção. Sentado na sala de Artes Cênicas, em uma cadeira baixinha que o deixou próximo
às crianças, ele bateu um papo gostoso conosco.
Contou que gostava de desenhar desde muito pequeno e que sua mãe o incentivava
bastante a prosseguir pelo caminho das artes. Quando dava início a uma nova obra, para
se inspirar, ia até a praia, sentava com sua cadeira próximo ao mar e, com seu bloco de
desenho no colo, começava a observar o movimento daquele lugar e a rascunhar o que mais
prendia sua atenção. Ao terminar, ele voltava ao ateliê para concretizar a sua produção.
Depois de toda a conversa, fomos presenteados ao ver o artista em seu melhor
momento: desenhando! Gustavo nos deixou uma belíssima e singela ilustração de passarinho
que vimos nascer, bem diante de nossos olhos, de seus traços simples e leves.
Ao longo de sua carreira, Gustavo Rosa recebeu inúmeros prêmios em diversas partes
do mundo. Participou de mostras e exposições em Nova York, Los Angeles, Berlim, Tel Avive,
Hamburgo, Tóquio e Paris. Pintou de tudo um pouco. Embora seus desenhos e sua pintura
não sigam uma escola específica, eles têm uma marca que fixou em seu estilo: o bom
humor! Impossível é se deparar com um de seus quadros e não abrir um sorriso. Gustavo
soube ser engraçado e burlesco. Quem não se encanta com isso? Nós e nossos alunos com
certeza nos encantamos.
Rosa foi um desses artistas despretensiosos que um dia aceitaram mudar sua rotina,
sair do ateliê, nos ouvir e responder a perguntas de crianças de três anos. Ter tido a
oportunidade de conhecê-lo e falar com ele foi um privilégio que, certamente, guardaremos
com carinho em nossas lembranças.
O artista que, infelizmente, faleceu no dia 12 de setembro de 2013 despediu-se com uma
carta, que foi postada em uma rede social por sua equipe de trabalho. Nela, entre outras
coisas, ele comentou:
“Inquieto como sempre fui, resolvi flanar em outras plagas e partono caminho da luz. Lá, vou alçar altos voos que serão tão leves quanto os traços que risco brancas telas, e tão vibrantes quantoas cores que transbordam da minha palheta.”
Daniela Jaime Levino e Daniela Rosa são professoras do Infantil 3
e Aline Stroeh é orientadora educacional, também do Infantil 3.
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A linguageme suas expressões
Poesia / é brincar com palavras / como se brinca /com bola, papagaio, pião. / Só que / bola, papagaio, pião /
de tanto brincar / se gastam.As palavras não: / quanto mais se brinca /
com elas /mais novas ficam.Como a água do rio / que é água sempre nova.
Como cada dia / que é sempre um novo dia.Vamos brincar de poesia? (“Convite”, José Paulo Paes, 1990)
“É igual!”“Combina!”“Rima é assim: ‘gente/escova de dente!’”“Isso rima! Eu ouvi, rimou!”
Um novo dia começa, com novas brincadeiras e muitas possibilidades de diversão e de
aprendizagens! A linguagem permeia todo esse cenário único vivenciado pelas crianças na
Educação Infantil e se apresenta das mais diversas formas. Enriquecendo a imaginação dos
pequenos, muitas histórias são contadas, reinventadas, até mesmo encenadas e fazem parte
da rotina deles, quase que como velhos amigos.
Mas um dia a história ficou diferente...
Naquele dia, não era apenas mais uma história, não era apenas mais um livro... eram
poemas! E, no momento em que as crianças experienciam o novo, elas se encantam, se
motivam, sentem-se envolvidas... e a cada novo verso emergem as suas novas descobertas:
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Dessa maneira, inicia-se o nosso trabalho com esse gênero literário e nossos pequenos
leitores descobrem, ávidos, um mundo das palavras que escondem mistérios, imaginação,
fantasias e emoção!
Começamos nossa caminhada com trava-línguas, parlendas e também com os livros de
Eva Furnari: Não confunda e Você troca?. O trabalho com poemas propriamente dito teve
início com os versos de Cecília Meireles e Vinicius de Moraes e seus livros, respectivamente,
Ou isto, ou aquilo e A arca de Noé. Aproveitamos para apresentar aos alunos um pouquinho
da história de vida desses renomados poetas brasileiros. Poemas infantis como “Pescaria”,
“Jogo de bola”, “Bolhas”, “A bailarina”, “Rômulo rema”, “A foca”, “A casa”, “O caderno”,
entre tantos outros, invadiram as nossas aulas.
Originária das manifestações populares, a poesia infantil resgata propriedades específicas
dos poemas populares: o apego à sonoridade e ao ritmo, a narratividade simples, a presença
de um mundo mágico, a linguagem repetitiva e o apelo à emoção (SILVA, 2006). Todos esses
elementos estão presentes nos textos que lemos.
A cada dia, as crianças são convidadas a compartilhar conosco um mundo mágico.
Brincando com rimas, elas se divertem, atribuem significado pessoal a cada novo poema
apreciado e, paulatinamente, também começam a atentar à sonoridade das palavras ouvidas,
descobrindo sons semelhantes ao seu nome, ao de seus amigos ou às palavras presentes em
seu contexto.
O trabalho com rimas ultrapassa as barreiras do texto lido ou recitado quando as crianças,
nas aulas de Música, descobrem que canções há muito conhecidas são, na verdade, poemas.
Utilizamos, nessa etapa, os muitos versos de Vinicius que com maestria e genialidade ímpares,
conquista as crianças até hoje.
Os versos novamente rompem as barreiras do texto impresso quando às crianças, em
uma grande roda, são declamados e interpretados poemas. Em nossa biblioteca, as crianças
assistiram ao espetáculo teatral Sonho de menina, da Cia. Sábias Cenas, e dele participaram.
Na peça, duas artistas mostraram que simples versos, na companhia de objetos, e um pouco
de imaginação podem se tornar grandes aliados da aprendizagem. Ao final, elas entregaram
às crianças filipetas contendo estrofes de poemas para que cada uma levasse consigo uma
lembrança desse encontro. Assim, elas encantaram nossos alunos e nos ajudaram a compor
um universo mágico em que as rimas têm lugar de destaque.
Todo esse enredo de brincadeiras e descobertas está repleto de intencionalidade e
tem objetivos didáticos a serem atingidos. Enquanto as crianças estão se divertindo com as
rimas, descobrindo combinações e os “pedacinhos” das palavras, elas estão também tomando
consciência de estruturas da linguagem. Por meio desse trabalho com as rimas, estamos
desenvolvendo a consciência fonológica, pois se trata de “uma competência metalinguística
que possibilita o acesso consciente ao patamar fonológico da fala e a manipulação cognitiva
das representações nesse nível. Portanto, envolve reflexão, análise e manipulação intencional
de unidades que compõem a linguagem (palavras, sílabas, fonemas)” (PESTUN, OMOTE,
BARRETO, MATSUO, 2010).
Essa consciência atua como um elemento facilitador de um processo longo e
complexo: a alfabetização. Dessa forma, desenvolvemos um trabalho intenso e diversificado,
cujo alcance perpassa toda a Educação Infantil, de modo que no futuro as crianças possam
refletir, analisar e manipular também frases e textos durante toda sua vida acadêmica.
Leia mais sobre o assunto em:
PESTUN, Magda Solange Vanzo; OMOTE, Leila Cristina Ferreira; BARRETO, Déborah Cristina
Málaga; MATSUO, Tiemi. Estimulação da consciência fonológica na Educação Infantil:
prevenção de dificuldades na escrita. In: Psicologia escolar e educacional. Campinas, vol.14,
jan./jun. 2010.
SILVA, Maurício. Poesia infantil contemporânea: dimensão linguística e imaginário infantil.
Imaginário, v. 12, n. 13, p. 359-380, 2006.
Andreza Martins de Souza, Caroline Fernandes de O. Santos, Paula Tonglet Vasconcelos,
Roberta Hellena B. De Vita e Thaís Casagranda Neves são professoras do Infantil 4
e Flávia Duran é orientadora pedagógica do Infantil 4.
A criança na Educação
Infantil se encontra em fase
de conhecimento de seu
próprio corpo e utiliza seus
sentidos para enriquecer
suas experiências. Nesse
momento, as atividades
motoras – global e fina
– propiciam inúmeras
oportunidades para o
desenvolvimento infantil,
uma vez que as crianças
colocam ao seu alcance
os mais diversos tipos
de possibilidade de
movimentação corporal.
É nesse período, ainda,
que a criança exercita e
fortalece dois significativos
grupos musculares:
• os grandes músculos:
capazes de realizar
movimentos envolvendo
braços, pernas, costas e
barriga – são usados para
andar, engatinhar, pular,
correr e subir degraus;
• os pequenos músculos:
capazes de realizar
movimentos envolvendo os
punhos, mãos e dedos – são
usados para beber, comer,
vestir-se, traçar, escrever e
jogar jogos de tabuleiro.
Segundo Le Boulch
(1983), a criança, desde
o seu nascimento e em
particular até a idade de
dois anos, experimenta o
“período do corpo vivido” e
delimita seu “corpo próprio”
em relação ao mundo dos
objetos por meio da ação;
daí a importância de colocá-
la em situações em que a
movimentação de membros
superiores e inferiores seja
relevante à aprendizagem.
Dessa forma, no ambiente
escolar, desenvolvemos
atividades motoras
cuja intencionalidade
é movimentar o corpo
e propomos à criança
situações em que ela
precise utilizar e/ou
desenvolver estratégias de
resolução de problemas
para solucionar questões
motoras, permitindo
assim que, aos poucos,
movimente-se de maneira
harmoniosa e precisa no
espaço que ocupa.
A possibilidade de
exercitar os diferentes
grupos musculares leva a
criança a aperfeiçoar os
movimentos, a orientação
do seu corpo em relação
ao espaço, a orientação do
movimento no tempo (ritmo)
e o equilíbrio. Desse modo,
tem-se uma qualidade
cada vez melhor de
movimentação em razão do
estágio de desenvolvimento
em que ela se encontra.
De 5 a 7 anos, defende
Le Boulch, assistimos,
pouco a pouco, à integração
progressiva de um “corpo
agido” no sentido de uma
tomada de consciência
de seu “corpo próprio”.
É no decorrer desse
período que a criança
começa a reconhecer
suas capacidades motoras
e, assim, refiná-las,
propiciando
a coordenação
harmônica
dos movimentos
– globais e finos –,
o que resulta na sua
capacidade para
desempenhar as atividades
Diferentes sensaçõese materiais aliadosao desenvolvimentoda habilidade motora
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“É de grande importância a educação pelo movimento no processo escolar, uma vez que seu objetivo central é contribuir parao desenvolvimento motor da criança, o qual auxiliará na evoluçãode sua personalidade e no seu sucesso escolar.” Le Boulch (1987)
diárias com extrema
qualidade. É o que os
estudiosos Wallon e Piaget
consideravam como
“maturação motora”.
Mais desenvolvida
motoramente, a criança
é capaz de controlar
melhor seus movimentos e
passa a desempenhá-los
de modo mais refinado,
principalmente utilizando os
pequenos músculos.
Diante do importante
papel do desenvolvimento
motor, propomos aos
alunos do Infantil 5, ao
longo do ano, a utilização
de diferentes materiais
nas situações de
aprendizagem, de modo a
se desenvolverem, sempre
de maneira lúdica, por
meio da exploração e da
experiência. Utensílios que
aparentemente são simples
e que fazem parte do dia a
dia de muitas residências,
tais como pregadores de
roupas, pegadores de
macarrão, espremedor de
batatas, rolo para esticar
massas, hashis, presilhas,
cápsulas de café, saleiro,
bolinhas de gude, entre
outros, trazem à criança a
possibilidade de refinar a
preensão motora e a fluidez
de movimentos.
Os alunos ainda são
expostos a outras situações
corriqueiras, como servir
água de uma jarra para
um copo ou até mesmo
manusear um funil ou um
conta-gotas. Transportar
todos esses materiais de
um lado a outro, aliando
força e movimento, exige
da criança destreza, tônus
e o desenvolvimento dos
pequenos músculos, mais
especificamente a trípode
“dedo indicador, polegar e
dedo médio”. Além disso,
treina o movimento de
“pinça” realizado pelo
polegar e o dedo indicador,
e que, posteriormente, será
uma habilidade necessária
para a escrita da letra
cursiva.
Nesse estágio em que
se encontram, também
é fundamental que as
sensações estejam
diretamente ligadas à
aprendizagem, tornando-a
ainda mais prazerosa e
significativa. Partindo desse
princípio, os alunos do
Infantil 5 experimentam,
em divertidas propostas de
culinária, a possibilidade
de fazer, por exemplo, seu
próprio espetinho de frutas
e vegetais, trabalhando a
“enfiagem” e saboreando-o
ao final da atividade.
Constroem, ainda, colares
com macarrão e exercitam
a pulsão confeccionando
quadros com cravos-da-
Índia, enquanto apreciam o
aroma dessa especiaria.
As crianças têm, ainda,
a oportunidade de realizar
seu próprio bordado em uma
pequena talagarça: com
lãs coloridas, cada criança
elabora um planejamento
de ação de acordo com
seu padrão de movimento
e cores e tece o material
com muita dedicação.
Olhar atento, movimentos
coordenados de pulso e
dedos e o vaivém da agulha
proporcionam a alegria e
satisfação durante esse
processo e, a cada gesto ou
palavra, é possível perceber
a importância dessa
atividade, tão própria e tão
significativa.
Assim, as crianças
do Infantil 5 brincam,
criam, recriam, jogam,
tecem, colocam, tiram,
apertam, enfiam, levantam,
enfim... vivem e aprendem
intensamente com o
corpo, desenvolvendo a
coordenação motora em
meio às experiências e
ao contato com inúmeras
e diferentes sensações e
materiais.
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Lilian Henne Éboli é professora do Infantil 5,
Andréa Assumpção é orientadora educacional do Infantil 5
e Maria de Remédios F. Cardoso é diretora pedagógica
da Educação Infantil.
Durante um longo período, a produção literária
latino-americana foi vista como uma criação
constituída fundamentalmente da influência de
cânones da literatura europeia. Em razão de
fatores históricos e culturais, referências de
escritores clássicos de fato estão presentes na
literatura da América Latina e, sem dúvida, a
leitura que autores latino-americanos realizaram
das obras de Dante, Cervantes, Shakespeare e
tantos outros escritores foi fundamental para
a constituição da nossa literatura. No entanto,
tal influência consolidava na América Latina o
realismo tradicional de origem europeia, e, em
geral, a realidade autenticamente americana,
com seus mitos, suas lendas e sua natureza
exuberante, não constituíam o foco de sua poética.
Dessa forma, a literatura latino-americana por
muito tempo se caracterizou como uma produção
periférica em relação ao lugar central que tinha a
literatura europeia.
Nos anos 1960 e 1970, com o fenômeno
conhecido como boom da literatura latino-Pers
pect
ivas
do
real
na
liter
atur
a la
tino-
amer
ican
a167
Julio CortázarGabriel García Márquez
americana, houve uma mudança de perspectiva
em relação ao modo como o mundo ocidental
compreendia a produção literária desse continente.
O colombiano Gabriel García Márquez, o argentino
Julio Cortázar e o mexicano Carlos Fuentes, por
exemplo, passaram a ser reconhecidos como
autores que souberam abordar questões relativas
à realidade americana, até então alheias à forma
europeia de entender o mundo. Segundo o escritor
cubano Alejo Carpentier, a realidade americana
se caracterizava como um universo de difícil
assimilação para uma mentalidade europeia,
uma vez que oferecia visões inesperadas e
maravilhosas do real. Nesse sentido, de acordo
com Carpentier, o real maravilhoso se converte
em uma forma privilegiada que a literatura
latino-americana do século XX encontrou para
expressar uma identidade própria. E, a partir
desse momento, a visão do mítico e ancestral
americano caracterizará outra forma de mostrar
a realidade, também conhecida como realismo
mágico.
Dada a importância desse fenômeno literário
na América Latina, as equipes de Espanhol e
Português desenvolvem um projeto interdisciplinar
com os alunos do 9º ano no qual é realizada uma
série de leituras sobre o gênero fantástico e o
realismo mágico na literatura hispano-americana.
Diferentes temas são estudados e apresentados
em um ciclo de seminários, tais como a relação
que a cultura latino-americana estabelece com
o estrangeiro (“Un señor muy viejo con unas
alas enormes” e “El ahogado más hermoso del
mundo”, de Gabriel García Márquez), a falta de
consciência do latino-americano com respeito
à sua enraizada ancestralidade (“Chac Mool”,
de Carlos Fuentes), diferentes temporalidades
e espaços (“La noche boca arriba”, de Julio
Cortázar), o isolamento e suas decorrentes formas
de atribuição de sentido (“El balcón”, de Felisberto
Hernández), a linguagem como a criação do real
(“Mi vida con la ola”, de Octavio Paz), o estranho e
a construção da verossimilhança (“El almohadón
de plumas”, de Horacio Quiroga).
Octavio PazCarlos Fuentes
169
Além dessa aproximação com temas e autores
essenciais ao repertório cultural dos estudantes,
durante a montagem dos seminários os alunos
exercitam um olhar crítico e aprofundado para as
narrativas literárias. Tanto em etapas individuais
quanto em coletivas, debruçam-se sobre os
contos de modo a relacionar forma e conteúdo,
buscando hipóteses interpretativas coerentes e
criativas para elementos diversos do texto, como
a construção de espaços e personagens, o tempo
narrativo e as escolhas lexicais.
Em suma, ampliação de repertório
cultural e desenvolvimento de capacidade
analítica são, indubitavelmente, pilares desse
projeto interdisciplinar entre as áreas de Português
e Espanhol do 9º ano. Não se pode esquecer,
contudo, a própria fruição literária no momento do
“cara a cara” entre aluno e texto. Em um tempo
como o nosso — impregnado do cientificismo,
do racionalismo e da objetividade —, permitir-
se cada gole de estranheza a que o realismo
mágico nos leva representa o resgate de uma
potencialidade humana já bastante desgastada
pela pressa do mundo contemporâneo: a de
maravilhar-se com o desconhecido.
Rogério V. Gusmão é professor de Português
do Ensino Fundamental II, Michele Costa
e Alexandre Fiori são professores de Espanhol
do Ensino Fundamental II e Médio.
Felisberto HernándezHoracio Quiroga
171
What wouldyou fight for?
173
Um meteoro está em rota de colisão com a Terra. Os cientistas já fizeram o cálculo: o ponto de
impacto será o Central Park, em Nova York, Estados Unidos da América. Clark Kent, em uma
cabine telefonica, troca de roupa. A humanidade não tem mais o que temer – o Superman
salvará a todos. (Isso parece um roteiro banal de um blockbuster no qual o super-herói norte-
americano está pronto para salvar toda a humanidade.)
Mas por que o super-herói é norte-americano? E por que a ameaça ao planeta sempre surge
sobre os Estados Unidos, geralmente sobre Nova York, e não sobre qualquer outro ponto deste
imenso planeta? Por que os Estados Unidos da América estão sempre prontos para salvar o
mundo?
Para responder a essas e outras questões, estabeleceu-se uma parceria entre as disciplinas
de História, Inglês e Português, no 9º ano do Ensino Fundamental, em um projeto intitulado
Heróis, Super-heróis e a Sociedade. O trabalho foi dividido em três partes. A fim de entender o
super-heroi dos quadrinhos, inicialmente, os professores de Inglês do Ensino Fundamental II,
Elaine Miguel, Jeane Yamada, Fernanda Rodrigues e Kurt Stuermer, resgataram em sala de
aula o conceito do herói mitológico grego, trabalhado pela professora Valéria Pereira no
6º ano. Saltaram-se quase dois mil anos e os alunos conheceram a colonização norte-
americana, devidamente apresentada pela professora de História, Monika Kuszka. Por fim,
abordou-se a criação dos super-heróis no século XX.
Em um segundo momento, foi ministrada uma palestra, em Inglês, que convidou os alunos a
fazer uma reflexão sobre os heróis reais da nossa história, que lutaram e até mesmo morreram
por seus ideais e tiveram grande relevância para alguns dos movimentos humanitários da
atualidade. Munidos desses conhecimentos, na terceira parte do trabalho, a discussão foi
retomada em sala pelos professores de Inglês e os alunos precisaram responder à seguinte
questão: “What would you fight for?” (Por qual causa você lutaria?). Por fim, transformaram
essa difícil indagação em uma tira de quadrinhos, na qual eles se transformariam em um
super-herói moderno. Para isso, utilizaram os iPads da escola e o aplicativo Comic Book.
1. Universal e local
Entre os conteúdos da disciplina de Português do 6º ano estão a teogonia, a mitologia grega e
a origem dos deuses gregos. Há dois tipos de herói: o universal e o local. O primeiro tem origem
divina (semideus) e o segundo se aproxima da humanidade por ser mortal.
172
O herói era, na mitologia e no folclore grego, originalmente um semideus. Tinha uma árdua
saga a percorrer que, segundo o especialista em mitos Joseph Campbell, passa pelo chamado
do herói, a partida, a iniciação e, por fim, o retorno.
Já no nosso cotidiano, não é raro encontrar manchetes de jornais que tratam bombeiros,
médicos ou pessoas comuns como heróis, dado que foram responsáveis por atos de bravura
que favoreceram uma comunidade. Eles são chamados de heróis pelo movimento de proteção
ou defesa de um indivíduo ou grupo, ultrapassando os interesses pessoais em nome da
necessidade do próximo e da coletividade. Para a realização do projeto Heróis, Super-heróis
e a Sociedade, foram ressaltadas três características básicas do herói:
1 - Todo herói tem um poder extraordinário que não está necessariamente relacionado à força,
podendo ser a inteligência ou a coragem;
2 - Todo herói luta por uma causa para o bem comum;
3 - Todo herói está disposto a dar a vida pela causa pela qual luta.
Essas três características são de fundamental importância para entender por que figuras
como Martin Luther King podem ser consideradas heróis.
2. Pais peregrinos
É possível que o modo de pensar do povo norte-americano esteja diretamente ligado ao
caráter da colonização dos Estados Unidos. Os primeiros imigrantes que chegaram na região
de New England em 1607 e 1620 deixaram a Inglaterra fugidos das perseguições religiosas
promovidas pelo Rei James I. Cruzaram o Atlântico em busca de uma terra prometida, onde
poderiam exercer a liberdade religiosa e, ao mesmo tempo, alcançar prosperidade financeira.
Eles foram chamados de pais peregrinos e acreditavam que seu progresso na nova terra os
identificariam como os ‘escolhidos por Deus’, já que seguiam o princípio calvinista segundo o
qual o homem não escolhe, mas é escolhido, e o seu sucesso revela essa ‘predestinação’.
174 175
Essa crença religiosa nos leva a acreditar que os primeiros povos norteamericanos se
reconheciam como predestinados já que, ao longo dos séculos XVII e XVIII, alcançaram um
relativo sucesso e um certo acúmulo de riqueza. Essa predestinação teria dado origem ao
pensamento de que a prosperidade e o desenvolvimento alcançados deveriam ser levados
para regiões consideradas por eles menos desenvolvidas. Embora não seja o foco do projeto
discutir as consequências desse complexo processo, principalmente para os povos nativos
dos Estados Unidos, é importante lembrar que os índios norte-americanos foram praticamente
dizimados no século XIX durante o processo de expansão do território norte-americano.
3. Destino manifesto
Destino manifesto é o nome dado ao movimento que aconteceu ao longo do século XIX, sendo
mais marcante entre os anos de 1801 e 1860, que tinha como objetivo a expansão do território
norte-americano, que até então se resumia as treze colonias do leste. A população do país
saltou de 4 milhões, em 1801, para 32 milhões, em 1860. Seguindo o ponto de vista baseado
na crença religiosa de que o povo norte-americano seria predestinado ao sucesso, houve
um movimento de ‘colonização’ dos territórios que não faziam parte do que viria a ser os
EUA. Essa expansão aconteceu de diferentes maneiras: compra de territórios pertencentes à
França (como o estado da Luisiania) e Rússia (estado do Alaska), dizimação dos indíos nativos
(quando os ingleses chegaram, havia mais de 25 milhões de índios e, ao fim das chamadas
“guerras indígenas”, restaram apenas 2 milhões), guerra com o México (a excolônia espanhola
perdeu, além do Texas, o Novo México, a Califórnia, Utah, Nevada e partes do Colorado e do
Arizona). Os norte-americanos, na época justificavam, esse movimento como libertador e
benéfico, já que estavam levando conhecimento e prosperidade para terras ‘virgens’ e pouco
desenvolvidas.
4. Os “predestinados”
Imbuído de um sentimento de superioridade dada por uma suposta predestinação divina,
o povo norte-americano, ainda que de forma estereotipada, entende que cabe a ele levar
o desenvolvimento de uma civilização, cultura e os avanços tecnológicos aos povos
menos desenvolvidos. Seria considerado menos desenvolvida qualquer cultura que não se
aproximasse da norte-americana no que se refere aos padrões políticos, sociais ou religiosos,
ou ainda que ameace os ideais de liberdade promovidos dentro da sociedade estadunidense.
Uma vez que o país foi construído pautado na defesa da liberdade, visto que os imigrantes
fugiram de perseguições em busca da liberdade religiosa, parece que esse é o valor mais
importante para a sociedade norte-americana. A autora do livro O modo americano de
viver, Sheila Schwarzman, faz uma reflexão muito sensata sobre a relação da liberdade e a
formação do carater:
“Com base nesses mesmos princípios — liberdade de crença, liberdade de ação e iniciativa
valorizou-se a pessoa que se faz por si mesma. Isso fortaleceu a crença no individualismo no
plano econômico, valorizando a chamada ‘livre iniciativa’, principio básico do capitalismo, que
também não é exclusivamente americano, mas que os seus pensadores defendem como se
fosse quase sua invenção.
Observamos assim que, apoiados nesses princípios do pensamento ocidental burguês,
as classes políticas norteamericanas, ao longo dos anos, construíram a ideia de que os
Estados Unidos eram o maior (e muitas vezes o único) defensor da liberdade. Apoiados nessa
convicção, puderam estabelecer o seu domínio, primeiramente solidificando a própria nação
norteamericana, formada por imigrantes vindos de inúmeros países de diversas culturas e
crenças religiosas”.
Dessa forma, é provável que o cidadão norte-americano se veja capaz (e por que não dizer
obrigado) de defender o mundo, divulgando sua capacidade de prosperar ainda que em
condições adversas, como ocorreu durante a colonização de seu país. Esse sentimento de
“obrigação” parece ser mais justificável que qualquer tipo de ameaça à liberdade de expressão
religiosa ou política, sendo uma espécie de pretexto utilizado para todas as intervenções ao
redor do mundo que os Estados Unidos têm feito ao longo da história. Esta também parece ser
a base para a criação de todos os super-heróis ao longo do século XX: criar um defensor da
liberdade seguindo os moldes que estruturam o modo de vida norte-americano.
176 177
5. O superamericano
As histórias em quadrinhos norte-americanas surgiram no século XIX como entretenimento e
mecanismo de aumento da venda de jornais e revistas. Há relatos de um super-herói chamado
The gray champion, que teria sido publicado em uma sequencia de dois volumes no New-
England Magazine em 1835. Já em 1912, foi criado o personagem Tarzan. Contudo o super-
herói que mais evidencia o sentimento de defesa da liberdade e da justiça estadunidense foi,
sem dúvida, o Super-homem, criado em 1933 e publicado pela primeira vez em 1938. Há relatos
que defendem que um de seus criadores, Jerry Siegel, teria criado o homem de aço um ano
após seu pai, Mitchell Siegel, ter sido assassinado durante uma tentativa de assalto à sua loja.
Super-homem foi um sucesso de vendas e deu início à chamada Era de ouro dos quadrinhos,
situada entre os anos de 1938 e 1950.
No ano de 1940, com a entrada dos EUA na Segunda
Guerra Mundial, fez-se necessário mobilizar a maior
parte possível da população dos Estados Unidos contra
a ameaça nazista aos ideais de liberdade. Embalado no
sucesso de vendas dos quadrinhos do Super-homem
pela DC Comics, a editora Timely Comics (que viria a
se tornar a Marvel), pediu que Jack Kirby e Joe Simon
criassem um “superamericano” que encarnasse os
ideias do país. Assim nasceu o Capitão América, ou
Steve Rogers – um soldado escolhido para ser cobaia
de um experimento militar, não por sua força física,
mas por se mostrar um homem bom e altruísta. O
Capitão América seria assim o defesor da justiça e da
liberdade, sendo sua única arma um escudo, utilizado
para a defesa e não para o ataque. A primeira edição
do quadrinho mostra o Capitão América invadindo o
quartel general nazista e deferindo um golpe no rosto
de Adolf Hitler. Um sucesso de vendas!
178 179
180 181
O que torna o personagem do Capitão America tão significativo é que talvez ele seja o mais
patriota dos superheróis. Uma vez criado para defender os ideais de liberdade contra o
nazismo, a existência do personagem perderia significado com o fim da Segunda guerra.
Contudo, a Marvel Comics conseguiu e ainda consegue perpetuar a luta do soldado Steve
Rogers ao longo dos anos, sempre promovendo a defesa da liberdade. Na publicação, o
Capitão América já lutou contra os comunistas, nos anos 1960, no Vietnã, nos anos 1960 e
1970, e quase desapareceu quando, em 1972, revelou-se o escandalo de Watergate (em uma
das publicações da época o personagem declara desisitir de seus ideais por não acreditar
nos políticos do seu país). O super-herói foi resgatado nos anos 2000, motivado pelas ameaças
terroristas e pelo ataque às Torres gêmeas.
A criação da Marvel Comics, como é conhecida hoje, só veio incrementar a competição entre
super-heróis. Para a maioria dos super-heróis criado pela DC Comics, há um correlato criado
pela Marvel. Em comum, todos lutam pela justiça e pela defesa da liberdade. Na criação original
do Quarteto fantástico, por exemplo, ao contrário do que é mostrado no filme blockbuster de
Hollywood, em 2005, um grupo de quatro cidadãos norte-americanos está preocupado em
conquistar o espaço antes dos soviéticos, fazendo uma clara referência à corrida espacial,
promovida entre os anos 1960 e 1970. Vale ressaltar que a indústria cinematográfica tem se
mostrado muito eficiente em criar ameaças à liberdade e em mostrar super-heróis defensores
do mundo. Na falta de nazistas ou de comunistas, Hollywood transformou em vilões todos
aqueles que, de algum jeito, se expressam de forma diferente do padrão norteamericano
– cidadãos do Oriente Médio foram transformados em terroristas; sul-americanos, em
traficantes; norte-coreanos, em assassinos.
6. I have a dream!A ideia de heroísmo, ou de “super-heroísmo”, parece bastante distante da realidade e muito
difícil de ser alcançada, já que a força sobrenatural ou os superpoderes existem apenas nos
filmes de ficção. Ao mesmo tempo, é inevitável se revoltar com situações que nos parecem
longe de serem moralmente corretas: preconceito, corrupção, vandalismo, desrespeito ao
próximo, violência no trânsito... Não haveria nada a fazer a não ser esperar por um super-
herói? Como já mencionado, uma das características de um herói é o fato de ele ser dotado
não necessariamente de um superpoder ou superforça, mas de inteligência ou coragem.
Ao longo da história, há inúmeros heróis que agiram de uma forma muito diferente daquela
pregada nos filmes que retratam a luta entre heróis e vilões. Há inúmeros exemplos de pessoas
que mudaram o mundo e lutaram por uma causa sem se envolver em batalhas. De uma forma
impressionante, elas conseguiram mobilizar grandes massas e alcançar seus objetivos de
forma muito eficaz. Entretanto, nem sempre escaparam de um destino trágico, sendo muitas
vezes assassinadas por grupos que se opunham à causa pela qual lutavam. (Um dos nomes a
serem lembrados é o de Martin Luther King, defensor da igualdade dos direitos entre brancos
e negros nos EUA). Aliás, o princípio da luta não-violenta que o líder negroseguia teria sido
inspirado nos ideais de Mahatma Gandhi, considerado o pai da independência da Índia.
Além de Martin Luther King, seguiu também o conceito de satyagraha (forma não violenta
de protesto contra injustiças( o líder sul-africano Nelson Mandela. Responsável pelo fim do
apartheid em seu país, Mandela não só é uma referência de resistência pelos 27 anos em que
esteve preso, mas é também um símbolo da liberdade e igualdade entre brancos e negros.
Na atualidade, um nome a ser lembrado é o de Malala Yousafzai. Em 9 de outubro de 2012,
Malala, aos 15 anos, foi vítima de uma tentativa de assasinado por membros do Taliban, que
atiraram três vezes contra a jovem pelo fato de ela se recusar a não frequentar escolas no
Paquistão. Malala se recuperou em um hospital em Birmingham na Inglaterra e hoje luta pelo
direito à educação e pelos direitos das mulheres.
7. “What would you fight for?”
A reflexão sobre as características dos heróis e super-heróis, na ficção e na
vida real, deixa mais clara a necessidade de uma motivação pessoal para que haja uma luta
que leve a mudanças sociais. Essa necessidade é comum aos heróis mitológicos, aos super-
heróis dos quadrinhos norte-americanos e também àqueles considerados heróis de carne e
osso. Não é esperado de ninguém um comportamento heróico, mas espera-se sim que haja a
consciência da necessidade de mudança frente a desigualdades e injustiças.
Partindo desse princípio foi lançada mais uma pergunta aos alunos: “What would you fight
for?” (Por qual causa você lutaria?). Os alunos discutiram em grupo e por fim foram convidados
a produzir uma história em quadrinhos em que respondessem a esee questionamento. Os
trabalhos foram expostos no saguão do piso térreo da Móbile e publicados no site da escola.
De diferentes formas, por vezes bem-humoradas, mais ou menos politizadas, os alunos falaram
da saúde pública, de proteção ao meio ambiente, de comportamento escolar, entre outros
assuntos, mostrando-se conscientes e preocupados com a sociedade que vivem.
Kurt
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rofe
ssor
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sino
Fun
dam
enta
l 2.
p r o f i s s i o n a i s
de tratamento de emergência! É nesse momento
que você respira aliviado, pois finalmente sabe
como proceder.
2) Enfermaria OU uma caixa de chocolates
Você sabe que pacientes estarão lá, que
doenças eles têm e sabe quais podem complicar.
É tranquilo. Mas, como uma caixa de chocolates,
há sempre aquele com uma bela cobertura e
recheio de anis. Existem pacientes que pioram
de repente, sem motivo algum. Se você não sabe
o que está acontecendo, pelo menos sabe o que
fazer: pegar o telefone e ligar para a UTI.
O problema já não é mais seu.
3) Ambulatório OU botando o papo em dia
Você tem tempo de investigar, liberdade
para prescrever, e não precisa tratar de nenhum
caso grave com risco à vida. O trabalho é mais
satisfatório, pois você conhece cada vez mais
o paciente e percebe o quanto é importante na
vida dele, mesmo que ache que não está fazendo
nada de mais. Trabalhando, na maioria das vezes,
apenas com palavras, você percebe o quanto
isso é necessário para guiar o tratamento, o
quão humano pode ser o trabalho médico e como
ninguém nunca ensinou isso, infelizmente.
4) Remoção OU montanha-russa na cidade
Trabalho em ambulância! Prepare-se para
transportar casos dos mais diversos tipos
em alta velocidade e cruzar a cidade em 10
minutos, enquanto se preocupa em não deixar o
passageiro morrer. É bem legal e bem enjoativo...
Literalmente.
5) Eventos OU a importância de ser médico
Você é responsável por qualquer
intercorrência que aconteça durante o evento,
seja ele um show, uma convenção de mangás ou
uma corrida de cachorros. Geralmente não ocorre
nada, até porque lugar de gente doente é no
hospital, não em um jogo de futebol, e a melhor
parte é poder entrar de graça naquele show que
já está com os ingressos esgotados há meses.
6) Sua casa OU meu médico particular
Agora você é médico. Agora você sabe de
tudo, então prepare-se para ser o alvo de uma
série de perguntas: “mas você não passa mal com
sangue?”, “o que é refluxo?”, “dá uma olhada
nessa mancha, o que você acha?” e, a melhor de
todas, “você pode trocar essa receita para mim?”
(não, não posso, médicos recém-formados não
andam com receituários por aí...). Além, é claro,
dos malditos atestados que todos os seus amigos
vão pedir.
No fim, você acaba percebendo que a
residência pode não ser tão ruim, a Medicina
é tão vasta que você praticamente não tem
como errar, podendo inclusive se especializar
em Acupuntura e ver os pacientes melhorarem
bastante com simples agulhadas.
Bem-vindo a um novo mundo. Saiba que a
vida vai ser exatamente como uma temporada
de Scrubs: clínicos inocentes, cirurgiões
intempestivos e radiologistas teimosos, plantões,
rondas e grandes decisões de vida e morte.
Está tudo lá.
E então você se forma e vai ser médico.
E descobre que a vida não é um episódio de ER,
Grey’s Anatomy ou House. Não tem nada do glamour
ou do heroísmo, mas você já sabia disso, porque no 5º
e no 6º ano passa a conhecer de verdade a tortura do
hospital: os intermináveis plantões no PS de pediatria,
as longas visitas da enfermaria, as broncas e as várias
horas estudando para tentar (sem sucesso) entender
tudo o que está acontecendo – até que você ganha um
CRM e parece que, magicamente, aprende tudo sobre
Medicina que tentaram ensinar nos últimos seis anos.
E agora você vai fazer a residência para se
especializar. Mais uma prova “tipo vestibular”. Mais
três ou quatro ou cinco anos estudando... Precisa? Quer
saber? Você já é médico, já pode trabalhar. Mas onde?
1) Pronto-socorro OU o que está atrás da porta
número dois?
É você contra um mar de gente: metade querendo
atestado para faltar ao trabalho e a outra metade
querendo alguma coisa porque está com diarreia ou
resfriado (e também quer um atestado), só chatice... Até
que chega a velhinha com risco de morte, necessitando
187
O Médico e o Monstro1. Dr. Jekyll
“Você trabalha com arte? Ai, que delícia!”
Não exatamente. Ser ator já é difícil. Ser
artista, pior ainda.
Cito o icônico conselho da atriz octogenária
Fernanda Montenegro para quem quer ser ator:
“Desista. Não passe perto. Saia disso. (...) Agora,
se morrer porque não está fazendo isso, se
adoecer, se ficar em tal desassossego que não
teve nem como dormir, aí volte, aí venha aqui”.
Foi o que fiz.
Para explicar a diferença: um ator pode
(embora não necessariamente) apenas servir
de “marionete” de um diretor/produtor, ou criar
uma forma confortável para ele que agrade as
pessoas e repeti-la, igualzinha, nos mais diversos
papéis (de Shakespeare a Beckett). Mas existem
atores-artistas; estes preferem criar, buscar, para
cada personagem, uma essência e uma forma,
dando vazão à inquietação que o move. Mais do
que uma escolha, é quase uma imposição, feita
talvez pelo próprio inconsciente, de comunicar
seu caos, dando-lhe forma. Toda vez que, a partir
de agora, eu me referir a ator, estarei falando
desse segundo tipo.
Para ser um grande ator, é necessário realizar
uma tarefa hercúlea: brincar como uma criança.
Quando se consegue, a sensação é tão boa que o
ator passa o resto da sua vida procurando repeti-
la. O conselho de Fernanda se faz necessário,
pois há diversos obstáculos para conseguir ser
assim tão livre.
A primeira dificuldade já começa com o medo
de ser ridículo. Mas para o ator é diferente: não é
ele que está lá no palco, mas, sim, o personagem.
Ao contrário do que dizem por aí, não é só
“fingir”, é brincar de verdade de ser outra coisa –
sem se perder da realidade e mergulhar na ilusão
de que isso tudo é mais do que faz de conta.
Estar por inteiro é, por incrível que pareça, outra
dificuldade. Nunca estamos totalmente dentro de
uma atividade, não como a criança quando brinca.
Mas não é possível ficar só na experiência
de ser o personagem e brincar consigo mesmo.
Existe ainda outra pessoa, o público. Sim,
porque para o teatro são necessárias apenas
duas coisas: o ator e o espectador. Como essa
comunicação ocorre é algo impalpável e tão
complexo que existem diversas teorias de como
fazer isso. Aí vem outro gratificante empecilho.
Não basta achar que se tem talento e contentar-
se com isso, é preciso estudar muito e ler muito
mais. Stanislavski, Meyerhold, Artaud, Brecht,
Grotowski, Mnouchkine, Kantor, Brook...
Isso sem contar as infinitas dificuldades
práticas: juntar um grupo de (bons) atores,
conseguir dinheiro para a produção, achar um
espaço para ensaiar e apresentar(-se), convencer
o ECAD a cobrar menos pelo uso das músicas
e chamar público (pois, além de tudo, cada vez
menos pessoas vão ao teatro, preferindo pagar o
dobro para ver um filme).
Falo do teatro e não do cinema ou da TV, que
são a arte do diretor. Só no teatro é possível ao
ator tomar as rédeas do processo criativo e se
transformar na sua própria obra. Sim, porque o pintor
tem suas tintas, o escultor tem seu mármore, o autor,
suas palavras, mas o ator cria com seu corpo. Sua
obra não ficará eternizada no teto de uma capela; ela
desaparecerá. Tanto trabalho para que, no dia seguinte
à apresentação, não reste mais nada, nem ator, nem
cenário, talvez nem sequer palco, só a percepção
de que se passou alguma coisa observada naqueles
poucos que a viram.
Essa, sim, é a delícia de ser ator. É fazer a arte do
efêmero.
3. Yin e Yang
Por que ser médico e ator? Ora, nada mais lógico.
Não que as duas coisas sejam parecidas, mas são tão
opostas que têm que se complementar.
Em princípio, sim, pela questão financeira, pois,
sendo também médico, não preciso correr atrás de
dinheiro a qualquer custo e, para isso, trabalhar como
ator fazendo propaganda de sabão! Mas também
porque o teatro tem tudo de humano que falta à
Medicina. Enquanto esta fecha a caixinha, o ator vive
fora dela. O médico pensa demais, trabalha com a
mente, diagnosticando e prescrevendo, enquanto, nos
palcos, quem trabalha como guia é o corpo.
Mas, no fim, tudo faz parte de um mesmo processo,
bem conhecido por qualquer prosador: o médico é quem
ouve histórias, o ator é quem conta histórias. É loucura,
mas tem seu método.
2. Mr. Hyde
188
Filipe Robbe é médico e ator. Formou-se em 2007.
e d u c a d o r e s
192
Muito maisdo que um hobbyMinha paixão por bichos começou cedo: coelhos, gatos, cachorros, jabutis e até
pintinhos sempre povoaram a minha infância em uma casa em plena cidade de
São Paulo. Gostava de cuidar, de ter a companhia e o amor que, embora muitos
acreditem que não exista, está lá nos bichos.
Fui crescendo com esse contato (do tamanho que a vida urbana permitia), e o
meu encanto pelos animais foi tomando proporções mais “ativas”: virei defensora!
Quando adolescente, me deparava com maus-tratos e abandono, mas podia fazer
muito pouco em relação a isso, já que meus pais não entendiam o que significava
esse tamanho empenho. Adulta, já consigo atuar mais, retirando animais da rua ou
de condições lamentáveis, tratando deles, colocando-os para adoção, colaborando
com ONGs e acompanhando os que conseguem uma nova família.
Ao longo desses anos todos em que realizo esse trabalho, já me deparei com animais
que não conseguiram ser adotados e já cuidei em minha casa de vários deles: Bruce,
Fumaça, Faísca, Tatá, Flocas, Canjica, Nina, Thomas, Dick Vigarista, Tica, Cherry e
tantos outros... Cada um com seu jeito, mas com uma coisa em comum: a capacidade
de me enfeitiçar e de aumentar mais ainda minha paixão por eles.
Com o tempo, cheguei a uma conclusão: não conseguiria mais morar na cidade
e atender a essa minha vontade de ajudar os bichos. Correndo atrás de melhorar
as condições de tratamento dos meus socorridos, me mudei para uma chácara
em uma cidade bem próxima da capital, onde meus atuais sete cachorros e dois
gatos têm bem mais espaço e conforto. Quase enlouqueci o arquiteto que planejou
a minha casa, pois ela teria de atender minimamente às minhas necessidades e,
prioritariamente, às dos meus animais! Surgiram então escadas adaptadas com
inclinação adequada para os cães velhos, proteções espalhadas para os cegos,
camas baixas para os que têm dificuldade de locomoção, canil grande, arejado e
bem próximo à casa (pois uma das minhas exigências é que eles ficassem perto de
mim), espaços para banho e alimentação grandes e adequados, enfim… tudo o que
um arquiteto não se preocuparia em fazer ao receber um projeto de uma casa de uma
jovem professora em um terreno bem grande!
Hoje, gasto uma enorme parte do meu tempo (e de minha renda) no cuidado com
os meus animais e com tantos outros que socorro e que encontram outras famílias.
Além disso, acabo me envolvendo muito, também, em campanhas de adoção e de
posse consciente, tentando minimizar a quantidade de cães e gatos abandonados
ou que sofrem de maus-tratos. Contudo, isso não me incomoda ou gera qualquer
arrependimento. Para mim, ficar perto desses animais e ajudá-los tornou-se mais
que um hobby, é minha terapia ou válvula de escape para a correria do dia a dia.
Eu, definitivamente, recomendo isso a qualquer um.
Professora do Ensino Médio explicacomo começou sua paixão por bichos
193
Vivi
an M
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Méd
io .
?!incursões à música remontavam às gafieiras
de um Rio tão distante, sofreu dois derrames
nos meses seguintes e morreu pouco mais de
dois anos após a entrevista.
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Estar com Jamelão foi uma das muitas
preciosas oportunidades que, como jornalista,
pude usufruir nesta carreira que desenho
desde os princípios da década passada. A
entrevista integrou a edição de um programa
televisivo de jornalismo cultural chamado
Refletor, transmitido via cabo em São Paulo,
no qual por seis anos empreendi as funções
de repórter, produtor e roteirista, entre
outras ações com as quais o cotidiano de
uma pequena redação nos convida a arcar.
Como o texto sempre me furtou a atenção,
republiquei a íntegra da entrevista, em julho
seguinte, na edição 47 da revista Ocas” –
assim mesmo, com aspas apenas à direita.
A matéria valeu uma capa com a chamada
“O carnaval acabou”, outra fala igualmente
assertiva proferida pelo artista, que criticava
o engessamento dos desfiles das escolas de
samba e a visão mercadológica emparelhada
aos carros alegóricos.
À época, em paralelo à televisão, eu escrevia
voluntariamente à revista, cujo mote engloba
um amplo trabalho com pessoas em situação
de rua, as quais envolvem-se em diversas
etapas de sua produção e são responsáveis
pela venda direta da publicação. Foi
defendendo uma pauta para a Ocas” que, em
2006, tive a chance de inquerir novamente o
então ministro da Cultura, Gilberto Gil (já o
havia abordado em uma coletiva três anos
antes para o Refletor), em Ciudad del Este,
no vizinho Paraguai, na ocasião do Festival
Internacional das Três Fronteiras. A matéria
não chegou a se concretizar, mas foi ótimo
reouvi-lo versar sobre a necessidade de
investirmos “clorofila cultural” (metáfora que
lhe pertence) em nossas ações sociais.
Ainda relembrando a revista, trouxe-me
grande satisfação prosear com um de seus
vendedores e vê-lo trabalhar em Paraty,
quando fui à Festa Literária Internacional, em
2006, para ter nem cinco minutos com Ferreira
Gullar. (Entrevistar o poeta aconteceu, de fato,
somente no ano seguinte.)
Aspas de umentrevistador Responsável
pela correção das produçõesde texto dos alunos do Ensino Fundamentale do Médio, Danilo Vasques fala de sua outra experiência profissional,a de jornalista cultural.
“A vida é um fio de linha.” Ouvi essa frase de
José Bispo Clementino dos Santos, um artista
popular que, tocando a vida ou deixando-se
levar por ela, contou-me que entrou no samba
porque o caminho assim se fez. Cantando
desde moço, mal percebeu e já “estava
profissional da coisa”. Seu nome artístico,
Jamelão, ascendeu e ganhou a avenida na
segunda metade do século XX. Presença
respeitável no carnaval nacional, impunha-se
como cantor de forte timbre e esparramava
seu vozeirão em sambas-enredos da Estação
Primeira de Mangueira e em temas que dos
vinis exaltavam a dor de cotovelo, definição
comum que viu em Lupicínio Rodrigues, um
dos seus principais autores.
A conversa com Jamelão ocorreu no hall
do hotel em que ele estava hospedado, na
rua Timbiras, região da antiga Boca do Lixo,
no centro de São Paulo. Com a equipe de
gravação, cheguei ao espaço na manhã da
primeira sexta-feira de fevereiro de 2006, pouco
menos de quarenta horas após testemunhar
o nonagenário músico soltar a voz em um
palco em um bar paulistano, onde o artista
carioca cumpria semanalmente a sua agenda
de shows. Lembro-me com precisão de
apertar suas mãos, que detinham os elásticos
tradicionais que costumava carregar após
décadas, de vê-lo deixar as chaves do quarto
em que se hospedava repousarem pareadas
aos óculos sobre a mesa. A bengala apoiada
em uma cadeira. O cantor, cujas primeiras
194 195
“ “
Encontramo-nos no Complexo Cultural da
Luz, quando o autor receberia um importante
prêmio nacional por Resmungos, considerado,
na ocasião, o melhor livro de ficção daquele
ano. Na entrevista exclusiva, tive o prazer
de presenciá-lo brevemente dissertar sobre
alguns pontos de sua carreira e, gentilmente,
declamar um trecho do gigantesco “Poema
sujo”, escrito ao longo de cinco meses em seu
exílio portenho.
Entrevistador
Ao rememorar tais vivências, que ilustram
situações ímpares em minhas experiências,
permito-me dizer que a entrevista, esse gênero
tão flexível e instigante, com o qual os alunos
costumam se deparar em sua forma textual
ao longo do Ensino Médio, sempre ocupou
um lugar cativo em minha breve lida. Desse
modo, vários anônimos e renomados valeram-
me o bloquinho e a caneta, além dos mestres
citados.
Naturalmente, esse apego flerta com uma certa
ironia, dessas que a vida nos proporciona, pois
considero-me um tanto tímido e introvertido.
A ironia tem morada no fato de, quase sempre,
o jornalista se expor ao inquirir o outro.
É sabido que um pouco do entrevistador tende
a se revelar a cada pergunta projetada. Que
assim seja, afinal, bem ensinou o carnavalesco:
a vida é um fio de linha.196 197
Danilo Vasques compõe a equipe
de corretores e é jornalista, especialista
em jornalismo cultural.
Bom papo, livros e...comida
A professora de História do Ensino Médio Teresa Chaves conta sua experiência com a gastronomia.
Adoro comer. Adoro falar sobre comida. Adoro ler sobre comida.
Adoro cozinhar.
Minha relação com comida nem sempre foi tão boa. Não cheguei a
ser uma criança enjoada, mas não me aventurava a provar de tudo. Era adepta
do “não comi e não gostei” quando a comida era muito diferente do que havia
no almoço de todo dia, quando tinha cara esquisita ou simplesmente quando eu
queria fazer birra.
“Well,” said Pooh, “what I like best,” and then he had to stop and think. Because although eating honey was a very good thing to do, there was a moment just before you began to eat it which was better than when you were, but he didn’t know what it was called.”A. A. Milne, Winnie-the-Pooh
A comida de minha casa sempre foi gostosa. Variada, dentro da
tradição mais paulistana à qual pertence minha família: arroz, feijão bem
temperado, uma carne ou peixe e salada. Às vezes, farofa (a minha paixão).
Carne de panela, linguiça, lombo. Ovo. Na minha infância, quase não houve
macarrão, fast-food, pizza. Pouco íamos a restaurantes – não havia muito
dinheiro e eu também não via muita graça nesse programa. Demorei anos para
comer um hambúrguer com batata frita. (Muitos anos mais do que precisei para
gostar de queijo!) Mas sempre tive minhas preferências, que se mantêm até
hoje: leite, manteiga, chocolate, pitanga, jabuticaba, tomate. Cachorro-quente e
mostarda (minhas obsessões).
Independentemente de gostos, a hora da refeição sempre foi algo
feito com prazer em minha família. Não se atendia o telefone, não se via
televisão. Era hora de conversar, de estar junto. Aos domingos, almoço na casa
da avó, sempre cheio de gente. As crianças comiam à mesa da copa, e era uma
emoção ser promovido à sala de jantar. Mas, ao mesmo tempo que sempre foi
prazeroso, comida nunca foi algo com que me importasse muito, que parecesse
particularmente especial ou interessante. Comia feliz, mas a comida em si não
era exatamente o centro de minhas atenções.
Minha primeira percepção de que comida poderia ser algo especial
veio de um relato de viagem de minha mãe. Ao voltar de uma viagem ao Chile
(do alto de meus dez anos, parecia tão estranho quanto ir à China), ela me
contava sobre a casa de Pablo Neruda e, em seguida, de um espaguete de três
cores com frutos do mar. Hein? Macarrão verde, vermelho e preto? Ouriço?
Lula? A primeira reação foi um “muxixo”, de nojo. Mas ela contava com tanto
prazer, estava tão feliz por ter provado o prato, que fiquei curiosa. E me peguei
pensando que também queria comer algo assim tão maravilhoso, que me
deixasse com vontade de voltar.
Foi mais ou menos por essa época que resolvi provar figos, porque
eram bonitos. Lula frita, com perninhas e tudo. Acho que me tornei mais
aventureira. No meio da adolescência, ao ver pai e madrasta cozinharem, quis
aprender um pouco. O básico. O molho de macarrão com rúcula e linguiça que
ele fazia e repito até hoje. Comecei a ajudar na cozinha, a perguntar, descobrir
que existiam relações e equilíbrios em um prato e em uma refeição. Aos vinte
anos, decidi produzir minha primeira refeição pensada como um presente para
alguém: um risoto de camarões para um namorado. A madrasta, pelo telefone,
me ensinou tudo: de fazer o caldo ao ponto do arroz. Ficou gostoso, ele comeu
feliz, e eu fiquei encantada com a possibilidade de fazer, na minha casa, tudo
aquilo que tivesse vontade de saborear. (Como assim, aquelas coisas podiam ser
feitas numa cozinha normal e eu não sabia? Hum…)
Mas a relação social que temos atualmente com a comida é estranha.
Tive minha fase da obsessão por emagrecer e encher a geladeira de produtos
light e diet, shakes sem gosto e de comer sem vontade. Felizmente, meu lado
hedonista falou mais alto, e a minha curiosidade também. Há alguns anos,
descobri o tremendo prazer de ler sobre comida. A internet me apresentou blogs
que falavam sobre restaurantes que me entusiasmaram e que quis conhecer.
Foi aí que decidi provar de tudo. Se tanta gente provava e escrevia sobre, não
poderia ser ruim (e como me arrependo das muitas vezes em que não confiei
nos parentes e não provei algo que hoje adoro!). Comi tutano, miúdos, timo,
bochecha de porco. De alguns gosto mais, de outros, menos. Rodei restaurantes
pela cidade, elegi favoritos, fiquei chata e não vou mais a diversos lugares,
porque comer em São Paulo é caro e pagar caro para comer mal é horrível.
Fiz roteiros de viagens baseados em comida. E foi aí que me mudei para
Barcelona, e minha relação com comida mudou mais uma vez.
198 199
Acostumada a trabalhar muito, me vi com tempo demais nas mãos.
Os blogs de crítica já haviam me levado aos de receitas, e eu colecionava várias
sem nunca preparar nada. De repente, me encontrei com tempo de sobra, numa
cidade com mercados maravilhosos. Percorri todos e elegi o Santa Caterina
como meu favorito. Escolhia a receita, ia ao mercado, comprava tudo fresco.
Voltava e preparava. Não foram poucas as vezes em que desisti do plano original
por encontrar um produto mais bonito. Cara de pau, tentei fazer um pouco de
tudo, e cozinhava para os amigos provarem. Eu me aventurei nas comidas
brasileiras que nunca havia tentado fazer e sempre achei que eram fáceis: arroz,
feijão, picadinho, pastel, pão de queijo. Que erro! Nunca valorizei tanto o tempo
e trabalho de quem cozinhou para mim, e nunca ri tanto como ao ver amigos
japoneses maravilhados com a combinação de texturas de feijão e farofa.
Aprendi muito com amigas indianas dedicadas e generosas. Errei muitas coisas,
acertei outras tantas. Algumas ficaram incomíveis. Descobri que quase nada me
irrita mais do que errar um prato. Mas poucas coisas me fazem mais feliz do que
ver prazer nos olhos de quem come algo que fiz. E me tornar autossuficiente para
satisfazer quase todas as fomes que tenho.
Descobri que comida é aprendizado. Hoje, os amigos ligam para
pedir opiniões e sugestões de restaurantes, conheci chefs e o funcionamento
de algumas cozinhas. Leio muito, como mais ainda. De tudo (menos pimentão).
Penso na origem de ingredientes, tento loucamente aprender a evitar o
desperdício e a reaproveitar tudo – algumas vezes com muito sucesso, como a
torta de casca de abóbora ou o pesto de folhas de cenoura. Procuro feiras de
produtos orgânicos porque gosto de conversar com o produtor, saber de onde
vem o que vai para a minha mesa, porque descobri que o que eles me trazem tem
muito mais sabor – e por isso acabo comendo menos. Percebi que sou capaz de
descobrir mundos de sabores diferentes, e isso incrementa a possibilidade de
combinar o que tenho em casa em uma refeição. É ótimo. Mas não é a melhor
coisa de comer e cozinhar.
Hoje, sou avessa a dietas restritivas de qualquer tipo, porque não
consigo imaginar não comer algo de que gosto e me incomoda profundamente
essa obsessão estranha que nossa sociedade tem com comida: enquanto
enchemos o Instagram de fotos de pratos e celebramos chefs de cozinha, nos
privamos da gordura, do açúcar, do glúten e da lactose em favor da proteína
em barra, do light, daquilo que está no rótulo e eu não sei nem pronunciar. Nós
nos esquecemos do que, para mim, se tornou o mais importante: cozinhar – e
comer – é uma demonstração de afeto. Nesse mundo de pressa e passagem,
é fácil cortar a comida e o sono para trabalhar ou ir à academia. Por isso,
para mim, tomar o tempo para fazer um bolo para os amigos ou uma torta
para mim mesma é um ato de profundo carinho. Quando cozinho e me sento
para comer, ou quando se sentam comigo, o maior presente que nos damos é
tempo. Tempo de conversar, de saborear, de estar consigo e com o outro. Um
de meus personagens literários favoritos, o comissário Salvo Montalbano do
siciliano Andrea Camilleri, só come em silêncio, para melhor saborear a comida.
Confesso que não consigo. Quando posso me dar tempo de presente, associo
a comida a meus outros dois maiores prazeres: a boa conversa ou os livros.
Comida, para mim, é isso. É prazer, claro. Mas é, sobretudo, um ato de amor.
200Teresa Chaves é professora de História do Ensino Médio.
201
O tempo passou. Minha preocupação ética continua,
mas minha vida voltada à produção artística acabou
chegando aos ouvidos de meus alunos. É bem verdade
que o advento da internet contribuiu para isso, mas a cisão
que se estabelecia entre o Felipe-professor-de-Filosofia-
e-tutor e o músico Fepa começava a me incomodar.
Formado em Filosofia desde 2000, fui gravar meu
primeiro disco em 2010. No ano seguinte, esse álbum
foi lançado. Nesse período de dez anos, entre o fim da
faculdade e a criação de meu primeiro produto musical
profissional, estudei Música, Cinema (documentário)
e me aproximei do Teatro. Eu me experimentei e me
entendi como artista. Quando aproximei o professor do
artista, minha existência nesses dois universos começou
a ganhar mais significado. O peso da responsabilidade de
ser um educador não pode nos afastar daquilo que somos
e vivemos. As pessoas são múltiplas, o mundo é veloz, as
transformações são como condição de realidade e quase
perdem o status da mudança. Importar para o ambiente
escolar a diversidade é enriquecedor para a experiência
pedagógica e educativa. Os sarcófagos acumulam poeira.
A educação precisa de luz, criatividade e reinvenção.
(Um “salve” para as múltiplas facetas de professores e
alunos.)
Acabo de lançar meu segundo disco como cantor e
compositor. Chama-se Baseado em fatos reais. Hoje,
alunos, professores, amigos e músicos me chamam de
Fepa. Quebrou-se a cisão.
Felipe Corazza
é professor
de Filosofia
e tutor do
Ensino Médio.
Música e educação: combinam?O professor Felipe, de Filosofia, fala sobre sua carreira musical.
Um dia, muitos anos atrás, um professor amigo meu
comentou sobre como os alunos ficavam surpresos
quando o encontravam fora da escola. Eles o viam no
supermercado e diziam: “Nossa, professor, você por
aqui?” Ele dizia que os alunos deviam imaginar que
o professor sai da sala de aula e entra no armário
dentro da sala dos professores, e dali só sai para dar
a próxima aula. Haveria uma espécie de sarcófago dos
educadores.
Parece que ser professor traz uma responsabilidade
ética maior do que outras profissões que existem por
aí exigem. O que é permitido fazer fora do ambiente
escolar? (Vai que algum aluno me vê nessa festa, nesse
show, nessa peça de teatro ou simplesmente de chinelos
indo comprar pão na padaria?) Não sei dizer se foi o
receio de ser visto fora do espaço escolar fazendo algo
muito diferente, mas sempre preservei minha vida fora da
escola. Acredito que o fato de ter começado muito cedo
a ensinar (aos 22 anos) tenha contribuído para tamanha
discrição.
204
Levando na flauta...
Nasci e cresci em uma casa com música, muita música. Filha de mãe pianista e pai
violonista, e com tia também pianista, os instrumentos musicais sempre estiveram
presentes na minha vida. Desde muito pequena, ouvia e participava das aulas
de piano ministradas por minha tia, irmã de meu pai, com quem morei
durante toda a infância. O som de uma nota desafinada doía no ouvido,
si bemol, fá sustenido… sabia reconhecê-los quando soavam em
desarmonia. Estudei piano clássico dos cinco aos doze anos, tendo
minha tia como professora, e só retomei meus estudos musicais
após os quarenta anos de idade, mas tendo escolhido outro
instrumento musical – a flauta transversal.
A flauta é um dos instrumentos mais antigos. Seu som é
suave, puro, e seu timbre, expressivo. Tocar flauta requer
que corpo e mente se acalmem para que o sopro saia e
flua harmonicamente. Instrumento ideal para quem vive
em um mundo rápido, em uma cidade grande, com uma
vida atribulada. É uma atividade artística completa, porque
requer foco, sensibilidade e integração entre pensamento e
movimento.
E assim a flauta entrou em minha vida, com aulas semanais
ministradas por uma professora que soube me ajudar a fazer o
som fluir. Atualmente, tenho dedicado parte do meu tempo de estudo
à flauta celta irlandesa, tinwhistle, um instrumento mais rústico, com um
timbre mais agudo.
Conheci pessoas que, assim como eu, escolheram suas profissões, mas que gostam de
fazer soar a flauta transversal. E foi dessa forma que criamos o Di Varius, ora um
trio, ora um quarteto ou mesmo um quinteto formado por outros estudantes
de flauta como eu. Não temos muito tempo de ensaio, mas, às vezes, os
integrantes do Di Varius se organizam para brincar de tocar flauta.
E como brincamos…
Têm sido muitos os aprendizados durante esses anos tocando
flauta. Aprendi a embocadura correta desse instrumento e o
dedilhado preciso das notas que dele saem. Os sons agudos me
encantam, gosto de fazê-los soar; já os sons graves não vibram
com tanta naturalidade para mim. Aprendi que a memória
muscular é uma habilidade adquirida após muita prática
do instrumento musical. Aprendi que o treino constante
embeleza os sons e as melodias.
Muitas vezes, a rotina não permite que essa prática musical
seja tão intensa, mas mesmo assim estudar flauta transversal
ou a flauta celta tinwhistle tem uma grande função em minha
vida. É uma forma de criar, de me expressar e de relaxar. O prazer
em produzir sons, fazer música, e não apenas apreciá-la, é uma
experiência única.
205
Cláudia Amorim confessa sobre sua outra vocação, além do ensino de Inglês: a música.
Cláudia Colla de Amorim é coordenadora
da área de Inglês da Móbile.
r e s e n h a
208
Tinta rala
Com essa frase impositiva, Guilherme Valiengo, um dos diretores do documentário
Cidade Cinza (2012), iniciou um debate com os alunos do 8º ano do Ensino Fundamental no
auditório da Móbile neste ano.
Finalizada em 2012, a película, que demorou seis anos para ser produzida e que conta
também com Marcelo Mesquita na direção, aborda um tema de muita notoriedade na mídia
atual, o grafite. Antes visto como arte marginal, o grafite ganhou, nos últimos tempos, status de
celebridade e tem ocupado lugares antes improváveis para esse tipo de expressão.
O filme não se concentra somente em artistas já reconhecidos por seus trabalhos, como
Osgemeos, Nunca, Nina, Finok, zefix e Ise; delineia também a história do movimento e o percurso
de outros integrantes. Como documentário, destaca a política de limpeza urbana da Prefeitura
que cobre os muros de tinta cinza, indo de encontro ao reconhecimento do grafite como arte.
Com início em 2008, essa política, intitulada “cidade cinza”, ganhou força apesar dos
protestos dos artistas e da população, e diversos grafites foram desaparecendo sem muitas
explicações ao cidadão. Muros, antes coloridos, em menos de uma hora passaram a receber
uma camada rala de tinta cinza. (Entre tantos e diversos desenhos apagados, um painel de
700 m2, grafitado por vários artistas, entre eles a dupla Osgemeos.) A explicação dada pelos
órgãos públicos: engano. Com o foco nessa política e os trâmites para os artistas repintarem o
painel, o filme mergulha no universo dos grafiteiros, nos estilos criados por eles, e levanta alguns
Resenha sobre o longa Cidade cinza.
“Independentemente de gostarmos ou não, o grafite faz parte da cidade de São Paulo!”
209
questionamentos sobre o uso dos espaços públicos por diferentes esferas do poder público e da
população. Outro ponto que ganha atenção no documentário é o critério que se estabelece para
apagar ou não um grafite, uma vez que fica a cargo da equipe contratada pela Prefeitura para
manter a cidade cinza decidir se as pinturas são “bonitas” ou “feias” e, consequentemente, se
devem ser apagadas ou mantidas.
De acordo com Guilherme Valiengo, “o grafite é parte do cenário urbano e já conquistou
seu lugar na cultura da cidade, mas, enquanto forem cobertos, parte da cultura paulistana
também será”. O filme trata, enfim, de uma grande ironia: enquanto o grafite de nosso país ganha
reconhecimento mundial por seu estilo único, devido às técnicas e materiais utilizados neles, o
poder público brasileiro vem se especializando em criar métodos para aguar as tintas de muitos
desses artistas. Nossa única sorte é que a tinta cinza é rala!
210Luca Caltran é professor de Artes Plásticas
do Ensino Fundamental da Móbile.