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CCaannddaaccee CCaammpp
SSeeggrreeddooss ddee UUmm CCaavvaallhheeiirroo WWiilllloowwmmeerree 22
RReessuummoo
Eve Hawthorne se casou jovem com um encantador
oficial do exército, porém, pobre. Ao enviuvar herdou pouco
mais que algumas bagatelas. Estava tão desesperada para se
livrar de sua déspota madrasta, que aceitou trabalhar como
acompanhante das primas americanas do Conde de
Stewkesbury, mas temeu por sua reputação após flertar com
um bonito cavalheiro que era ninguém além de Fitz, o irmão
do Conde.
Tentar demonstrar que era uma mulher responsável, enquanto
Fitz a provocava sem descanso, já era duro por si só, mas a
aparição de um chantagista que parecia muito interessado em
seu primeiro casamento, piorou ainda mais a situação. Como
o conde estava fora, só podia pedir ajuda a Fitz, mas não sabia
se confiar naquele solteiro inveterado poderia ser prejudicial
ao seu coração...
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TTrraadduuççããoo//PPeessqquuiissaa::GGRRHH
RReevviissããoo IInniicciiaall:: MMaarriillddaa
RReevviissããoo FFiinnaall ee FFoorrmmaattaaççããoo:: AAnnaa PPaauullaa GG..
CCoommeennttáárriioo ddaa RReevviissoorraa MMaarriillddaa::
Continuação digna do primeiro livro. Envolvente e bastante divertido.
A mocinha, com algumas palavras duras, consegue transformar o
mocinho num cavalheiro muito responsável e correto. Dura tarefa, já
que o rapaz só pensava em curtir a vida loucamente.
Mais uma das primas americanas do conde encontra o amor, e apesar
de todos os contras, conseguem também o final feliz merecido.
Como tudo dá certo nesses livrinhos!!!
Gostei e recomendo.
CCoommeennttáárriioo ddaa RReevviissoorraa AAnnaa PPaauullaa GG::
Confesso ter gostado mais do primeiro livro.Era mais engraçado, as
situações bem mais divertidas.O que não tira o mérito desta
continuação.Muito romântico...A mulherada nesta série está colocando
os homens nos trilhos..huahahha...Com palavras estão fazendo os
dândis se regenerarem.Muito bom, adoro ver cafajas,ops, cavalheiros
sendo colocados no bom caminho...huahahah.E como eu sou barriga
fria já adianto que temos outra viúva virgem...Boa leitura.
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Capítulo 1
Eve Hawthorne partiria em questão de dias, e já começava a saborear o
gosto da liberdade.
Adeus aos sermões de uma madrasta que era apenas oito anos mais
velha que ela, adeus aos frios olhares de desaprovação que recebia toda vez
que fazia algum comentário que era considerado frívolo, adeus aos
absurdos intentos de casá-la com qualquer viúvo ou solteiro que, na opinião
de sua esperançosa madrasta, pudesse estar disposto a se casar com ela.
O marido de Eve, o comandante Bruce Hawthorne, estava morto há dois
anos e além de deixá-la só aos vinte e seis anos, deixou-a também na mais
completa miséria. Os Hawthorne eram bastante esbanjadores, e como
Bruce era o filho caçula do segundo filho de um conde e só podia dispor de
seu soldo como militar, teve dificuldades para viver de acordo com suas
possibilidades; de fato, como o pouco dinheiro que sobrou após a sua
morte, Eve não conseguiu quitar todas as dívidas que deixara pendentes e
foi obrigada a vender os móveis e a maioria de seus pertences para pagar os
credores, e depois teve que se conformar em voltar a morar novamente na
casa de seu pai.
Voltar a depender do reverendo Childe, após oito anos de casamento,
oito anos nos quais foi dona de sua vida e de sua própria casa, já teria sido
duro o suficiente, mas como ele voltou a ser casar novamente vários anos
atrás, não só estava vivendo da caridade de seu pai, mas também da
caridade de sua madrasta, e nenhuma das duas estava contente com a
situação.
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Como estava decidida a se entender bem com ela durante aqueles
últimos dias, sem o habitual morde e assopra, obrigou-se a olhá-la com um
sorriso cortês e comentou:
— Está um dia lindo, Imogene. A temperatura está muito agradável,
embora seja setembro. Julian já assistiu às aulas de hoje. Já te falei como se
saiu bem no latim?
Eve percebeu que não foi feliz com o comentário assim que as palavras
saíram de sua boca. Mesmo que Imogene Childe se orgulhasse da
inteligência e da educação de seu filho, invejava-a, porque não possuía a
educação clássica que ela recebeu pelas mãos de seu pai. Não gostava que a
recordassem que sua enteada colaborava com o aprendizado de Julian
enquanto ela, sua própria mãe, não podia fazer o mesmo.
— Estou ciente de como Julian está avançado nessa matéria, mas não
conseguiu isso deixando de lado seus estudos e saindo para brincar —
Imogene torceu os lábios num gesto de desaprovação.
Eve sabia que daria margem a uma discussão se respondesse que para
seu meio-irmão seria tão necessário brincar como estudar, assim optou por
dizer:
— Não vai sair para brincar, apenas para observar a natureza… os
animais, as ovelhas, como estão mudando com a chegada do outono; além
disso, é importante que compreenda como é belo e maravilhoso o mundo
que Deus criou para nós, não concorda?
Olhou-a com um sorriso doce, consciente que sua devota madrasta não
poderia refutar aquele argumento facilmente, mas foi Julian quem acabou
de inclinar a balança a seu favor ao olhar Imogene com expressão angelical
e dizer com voz suave:
— Mamãe, por favor, diga que sim. Tia Eve partirá dentro de poucos
dias, e não poderei estar junto a ela.
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Imogene se animou visivelmente ao lembrar-se da partida iminente de
sua enteada, e cedeu com um suspiro.
— De acordo Julian, pode sair com sua tia — fixou o olhar em Eve de
novo antes de acrescentar — Não o traga de novo coberto de barro, nem
com a camisa manchada.
— Procuraremos nos manter limpos — considerava impossível fazê-la
entender que a única forma de conseguir que um menino permanecesse
limpo, seria mantê-lo sentado em uma cadeira todo o dia.
Imogene fez um gesto de assentimento que sacudiu os duros cachos que
emolduravam seu rosto, e comentou:
— O conde de Stewkesbury precisa de alguém que não permita que suas
primas extrapolem as normas Eve. Aconselho que não esqueça. Os Talbot
são uma das famílias mais proeminentes da Inglaterra, e o que ele quer é
uma mulher que seja um modelo de virtudes. A reputação dessas moças
dependerá do que você faça na qualidade de acompanhante. Espero que o
conde não se arrependa de ter confiado uma responsabilidade tão grande a
alguém tão jovem e frívola como você.
Eve conseguiu continuar sorrindo, mesmo que naquele momento sua
expressão fosse mais parecida com uma careta do que um semblante bem
humorado e cordial.
— Estou ciente disso, garanto — amarrou seu chapéu de abas largas, e
saiu da casa atrás de seu meio-irmão.
Depois de atravessar o jardim, cortaram pelo pátio da igreja e pelo
cemitério até chegar ao lindo prado e Eve sorriu enquanto o menino corria
daqui para lá e se agachava de vez em quando para observar algum inseto
que caminhava pelo gramado. Ter que afastar-se de Julian era seu único
sofrimento, a única coisa que nublava a felicidade que sentia perante a ideia
de partir daquela casa. Pôde suportar aqueles dois últimos anos graças a
ele, seu afeto caloroso a fez superar a morte de Bruce.
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As duras regras e a atitude agressiva de Imogene pareciam menos
ofensivas quando Julian a agarrava com sua mãozinha e sorria, quando
inclinava a cabeça como um pardal curioso e fazia perguntas. O fato de não
ter filhos era uma mágoa que carregava há muito tempo, mas a presença de
Julian em sua vida contribuiu para encher esse vazio que sentia no coração.
Doeria muito se despedir dele, mas Julian iria estudar em Eton em
questão de poucos anos, como fez seu pai quando era jovem, e ela ficaria
ali, com seu estudioso e distraído pai e sua madrasta como única
companhia. A mera ideia bastava para gelar seu sangue, e por isso
aproveitou, sem pensar duas vezes, a oportunidade de trabalhar como
acompanhante das primas americanas de lorde Stewkesbury.
Lady Vivian Carlyle, uma amiga de infância, tinha uma relação muito
estreita com a família Talbot, que era comandada pelo conde de
Stewkesbury. Vivian escreveu recentemente para informar a ela que o
conde estava necessitando urgentemente de uma acompanhante para suas
jovens primas que chegaram dos Estados Unidos.
Segundo ela, a acompanhante que Stewkesbury contratou no princípio
para ajudar as jovens a entrar na sociedade não era a pessoa certa para o
trabalho. O que necessitava era uma mulher de boa família que fosse como
uma irmã mais velha ou uma tia jovem para as moças, que as orientasse e
ajudasse (servindo como exemplo e também dando aulas práticas) em tudo
o que deviam saber para participar com êxito da temporada social londrina.
Vivian pensou nela imediatamente, e queria saber se estaria interessada em
morar em Willowmere, o imóvel campestre da família Talbot, para assumir
o posto de acompanhante.
Na sua carta de resposta, disse a Vivian que aceitaria encantada aquela
oportunidade, e depois recebeu uma carta do próprio conde na qual oferecia
um generoso salário pelo trabalho. Lorde Stewkesbury acrescentava na
carta que enviaria uma carruagem para que a levasse a Willowmere, e
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embora fosse um detalhe muito cavalheiresco, estava certa que não o fazia
por consideração a ela especialmente, mas sim porque era amiga de lady
Vivian.
O conde concedeu duas semanas para que empacotasse suas coisas e se
preparasse para a viagem, portanto, estava previsto que a carruagem
chegasse em dois ou três dias. Estava decidida a aproveitá-los desfrutando
ao máximo da companhia de seu meio-irmão, assim deixou de lado as
ordens de sua madrasta enquanto atravessavam o prado a caminho do rio.
Paravam de vez em quando… primeiro para observar um esquilo
vermelho, depois para inspecionar os restos de um ninho que caiu de uma
árvore… Julian sempre mostrava muita curiosidade por tudo relacionado à
natureza, tanto pela flora como pela fauna, e ela procurava ler tudo que
podia para poder responder suas perguntas. Jamais pensou que teria tantos
conhecimentos sobre mariposas, faisões, pardais, plantas e árvores, mas o
certo era que desfrutou aprendendo sobre tais coisas durante os dois
últimos anos; mesmo assim, não podia negar a pequena pontada de dor que
atravessava seu coração cada vez que pensava em como teriam sido as
coisas se tivesse filhos próprios com os quais compartilhar aquelas
maravilhas.
Não demoraram a chegar ao rio, que era pouco profundo e corria ao
leste do povoado, e foram seguindo seu leito até uma rocha enorme que era
perfeita para sentar e contemplar o curso da água sobre as pedras. Depois
de tirar o chapéu e as luvas e de deixá-los de lado, fez o mesmo com as
botas e as meias, subiu um pouco a saia, e se meteu na água atrás de Julian.
As ordens de Imogene foram relegadas ao esquecimento enquanto se
inclinavam para observar os peixinhos que nadavam junto a eles, enquanto
perseguiam uma rã que saltava de rocha em rocha, enquanto riam e se
divertiam correndo de lá para cá…
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Pouco depois, Julian estava com manchas de barro na camisa, a barra da
calça encharcada, as mãos sujas, a face corada e os olhos brilhantes de
entusiasmo, e embora Eve sentisse uma vontade enorme de abraçá-lo com
todas as suas forças ao vê-lo assim, conseguiu controlar-se. Ainda estava
no rio quando ouviu o som de cascos de cavalo, e notou que se afastaram
do caminho mais do que pensou. Deu meia volta e foi para a beira, mas se
esqueceu de repente, tanto do caminho como do cavalo quando uma cobra
d’água pequena roçou seu pé.
Soltou um estridente grito, e ao ver que seu meio-irmão gargalhava,
olhou-o zangada e exclamou:
— Pare Jules! — começou a rir também, porque supôs que foi um
espetáculo vê-la saltar como se acabassem de lhe dar um tiro — Não tem
graça.
— Tem sim! Além disso, você também está rindo!
— Nisso o moço tem razão.
Eve se virou de repente ao ouvir aquela voz profunda a suas costas, e
ali, sobre a pequena ponte de madeira que cruzava o rio, viu um homem
montado num elegante garanhão. Tanto o cavaleiro como o animal tinham
o cabelo negro, e ambos eram incrivelmente bonitos.
Sentiu-se atordoada como se tivesse acabado de levar um murro, e ficou
olhando-o sem poder articular qualquer palavra enquanto ele tirava o
chapéu e inclinava a cabeça. Seu cabelo, negro como o azeviche, brilhou
sob a luz do sol. Tinha os olhos de um intenso tom azul e emoldurados por
longos cílios tão negros como as sobrancelhas; apesar de estar montado no
cavalo, era evidente que era alto, e usava uma jaqueta azul de corte
impecável que cobria perfeitamente seus largos ombros. O amplo sorriso
que apareceu em seu rosto enquanto a olhava formou uma covinha em sua
bochecha, e mostrou dentes brancos e perfeitos. Estava claro que era um
homem acostumado a deslumbrar todos que estivessem diante dele.
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Vendo que ela não respondia, Julian tomou a iniciativa. Saiu do rio, e
começou a subir pela beira antes de dizer com simpatia:
— Olá.
O homem desmontou com uma naturalidade inata, e levou seu cavalo
para o extremo da ponte.
— Não esperava encontrar uma ninfa nesta viagem — disse a Eve,
enquanto se aproximava e a avaliava dos pés a cabeça com um intenso
olhar.
Ela corou de repente ao lembrar-se da aparência que deveria ter. A saia
levantada, que mostrava suas pernas na altura dos joelhos, sem chapéu, e
com as presilhas frouxas que deixaram seu cabelo meio solto e um pouco
desgrenhado, e vermelha pelo calor e o exercício.
— O que é uma ninfa? — perguntou Julian.
— Uma fada dos rios e das fontes — respondeu o homem.
— Sim, e eu não sou uma delas — comentou, vermelha como um
tomate, enquanto abaixava a saia com um puxão e a sacudia.
O fato de estar descalça e sem chapéu não tinha conserto, porque tanto
os sapatos como o chapéu estavam a certa distância, em cima da rocha.
Colocou as mãos no cabelo, e tentou ajeitar as mechas.
— Isso é o que dizem as deusas, mas inclusive nós, os pobres mortais,
chegamos a ver o quanto belas são — comentou o homem com
naturalidade enquanto aproximava-se sorridente.
Ao vê-lo de perto, Eve conseguiu ver as ruguinhas finas que tinha nos
cantos dos olhos bem como a barba curta que escurecia sua mandíbula, mas
aquelas pequenas imperfeições acentuavam ainda mais seu atrativo.
Começou a ficar cada vez mais nervosa, teve a sensação que estava mais
quente, e sentiu que não podia respirar.
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— Não diga tolices — tentou dizer com voz cortante, mas não pôde
evitar sorrir um pouco. O sorriso daquele homem era tão caloroso e
amigável, que parecia contagioso.
Ele arqueou uma sobrancelha, e a olhou com olhos brilhantes antes de
responder:
— O que quer que eu pense se encontro uma beldade no meio de um rio,
com o cabelo brilhando como o ouro sob a luz do sol? Inclusive os animais
anseiam estar perto de você.
— Claro, como a cobra! — exclamou Julian, com uma gargalhada.
— Exato — respondeu o desconhecido, com aparente seriedade, antes
de virar-se de novo para ela — Viu? Inclusive o menino entende, embora…
— inclinou a cabeça, e a olhou pensativo durante um segundo antes de
acrescentar — O correto seria pensar que uma ninfa estaria bastante
familiarizada com os animais do campo e dos rios para não gritar ao ver
uma cobra.
— Não gritei! E minha reação não foi por vê-la, mas porque roçou em
mim - estremeceu de forma visível, e tanto o homem como Julian soltaram
uma gargalhada.
Sabia que não deveria estar conversando com tanta naturalidade com um
desconhecido, por mais simpático que fosse; de fato, sabia que Imogene a
criticaria dizendo que o encanto era a marca que identificava um libertino,
mas nesse momento não se sentia nada precavida. Estava há dois anos
tentando acatar as regras de sua madrasta e em poucos dias teria que se
comportar com decoro e retidão, tal como se esperava da acompanhante de
jovens de boa família… tinha direito a se permitir aquele dia, aquele
momento, e inclusive podia se dar ao luxo de flertar um pouquinho com um
belo desconhecido; afinal, quem poderia saber?
— Possivelmente devo ficar para protegê-la de tais perigos — disse ele.
A covinha voltou a aparecer quando seus lábios se curvaram em um sorriso
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— Quem sabe que tipo de criaturas terá que enfrentar! Acho que será
melhor que os acompanhe até sua casa.
— Você é muito amável, mas não quero importunar. É óbvio que está a
caminho de algum lugar.
— Isso pode esperar. Não são todos os dias que temos a oportunidade de
resgatar uma ninfa, ou uma donzela em apuros.
— Já tenho um paladino — Eve lançou um olhar para seu irmão, que já
estava cansado da conversa e escavava a terra com um pau.
Ele seguiu a direção de seu olhar, e comentou:
— Sim, já notei. A concorrência é muito dura — se virou de novo para
ela antes de acrescentar — Mas creio que não está sempre acompanhada de
seu paladino, e seria bom contar com um pouco de companhia. Para mim,
seria um prazer oferecer meus serviços como seu acompanhante.
— Lamentaria que atrasasse sua viagem por minha causa — olhou com
um brilho de diversão no olhar, e esperou sua resposta.
— Já cheguei a meu destino. Pretendia parar no povoado que fica perto
daqui e então a sorte me sorriu.
— Você é muito amável — disse, recatada, mas lançou um olhar
travesso.
Ficou surpresa de estar se divertindo tanto com aquela situação,
possivelmente já se esquecera o quanto prazeroso era flertar com um
homem bonito porque já não fazia isso há muito tempo… ou possivelmente
estava gostando pelo homem em si.
— Se for permanecer no povoado, pode ser que voltemos a nos ver —
disse, flertando, e ficou sem fôlego ao ver o calor que substituiu por um
instante o sorriso naqueles olhos azuis.
— Posso optar por ficar uma temporada. Só lhe peço que me diga por
onde costuma passear, para que possa voltar a encontrá-la.
Ela soltou uma pequena gargalhada antes de responder:
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— Parece que isso seria facilitar demais, não? — teve que jogar a
cabeça um pouco para trás para continuar olhando-o, porque ele se
aproximou ainda mais.
— Eu diria que não está facilitando nada.
Eve prendeu a respiração ao vê-lo estender a mão, porque pensou que
iria tocar seu rosto, mas ele se limitou a tirar uma folha de seu cabelo;
depois de deixar que a brisa a levasse, inclinou-se para ela e sussurrou:
— Acho que uma ninfa deveria pagar uma prenda por ser vista por um
simples mortal, não concorda?
Sentiu que era dominada por uma corrente de excitação ao ouvir aquilo,
e conseguiu perguntar:
— Uma prenda?
— Sim, deve pagar um preço, oferecer alguma compensação. Nos
contos se concedem um desejo, ou um presente…
—Não tenho nada para lhe dar — sabia que deveria se afastar e acabar
com a brincadeira, mas algo a impediu. Não podia afastar o olhar daqueles
olhos brilhantes, nem sufocar a excitação que a invadia.
— Está errada, minha ninfa — sem mais nem menos, inclinou-se para
ela e a beijou.
Os lábios do desconhecido eram firmes e quentes, o beijo foi breve, e
aquele mero contato bastou para que Eve sentisse que renascia. Nesse
vibrante momento se tornou consciente de tudo que a rodeava… a carícia
do sol nas costas, a brisa que agitava as mechas soltas de seu cabelo, o
aroma do campo… e tudo isso se transformou em um embriagador coquetel
incrementado pelas súbitas e intensas sensações que sentia.
Quando ele levantou a cabeça, ficou olhando-o embevecida e
boquiaberta, com os olhos arregalados, e demorou alguns segundos para
dizer:
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— De… devo ir — foi um grande esforço desviar o olhar dele e virar-se
para seu irmão, que ainda escavava — Vamos, Jules, será melhor que
voltemos agora.
— Tão rápido?
— Concordo com ele, é muito cedo. Não vá logo agora que acabo de
conhecê-la, peço-lhe — disse o desconhecido.
— Sinto muito, mas não podemos demorar mais — se afastou apressada
e pegou a mão de Julian.
O homem deu um passo para ela, e pediu com tom suplicante:
— Me diga ao menos seu nome.
— Não… não, não devo — parou subitamente, e o olhou de novo.
Ainda não tinha se recuperado daquela embriagadora emoção.
— Nesse caso, permita que eu me apresente — se inclinou numa
elegante reverência formal antes de acrescentar — Sou Fitzhugh Talbot,
para servi-la.
Ela ficou gelada quando ouviu seu nome, e perguntou vacilante:
— Talbot?
— Exato. Sou muito respeitável, garanto; de fato, vim tratar de um
assunto no vicariato do povoado.
Talbot, o vicariato… Eve soltou um pequeno som abafado, apertou a
mão de Julian e fugiu dali rapidamente.
Eve correu levando seu irmão literalmente arrastado; ao chegar à rocha
onde estavam suas coisas, recolheu tudo sem se atrever a olhar para trás, e
rezou para que o senhor Talbot não enfiasse na cabeça a ideia de segui-los.
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— Tia Eve! — Julian agarrou as meias e os sapatos sem necessidade de
pedir, já que era bastante perspicaz para notar sua agitação — O que
houve? Por que estamos fugindo?
Ao vê-lo olhar para trás, Eve perguntou:
— Não está nos seguindo, não é?
— Não, está voltando para junto de seu cavalo — o menino vacilou por
um instante antes de perguntar — É um homem mau?
— O que? Não, absolutamente — depois de calçar os sapatos e de
ajudá-lo a fazer o mesmo, andaram pelo prado o mais rápido que puderam
— Me parece que é o homem que veio me buscar para me acompanhar até
Willowmere.
O conde de Stewkesbury se chamava Talbot, portanto, o desconhecido
devia ser algum parente seu que foi encarregado de buscá-la. Estava
aterrorizada imaginando o que ele iria pensar quando descobrisse que a
ninfa que viu no rio, descalça e despenteada, era quem iria ocupar o posto
de acompanhante das primas do conde, quando constatasse que a senhora
Eve Hawthorne não era uma rígida viúva irrepreensível, a não ser uma
mulher que permitia ser beijada por desconhecidos.
— Então, sim, é um homem mau — resmungou Julian, triste.
Eve olhou para ele, e se obrigou a sorrir.
— Alegra-me saber que vai sentir minha falta, Jules, mas não quero que
pense que o senhor Talbot é mau. Só está… cumprindo a tarefa que o
conde o encarregou.
— Mas não entendo — insistiu, ofegante, enquanto se esforçava para
manter o passo tão rápido — Se é o homem que veio te buscar, por que não
disse quem é? Por que não vamos para casa com ele?
— Se nos apressarmos e seguimos pelo caminho traseiro, chegaremos
antes que ele ao vicariato. Tenho que me trocar antes de recebê-lo.
— Ah.
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— Sabe o que diz sua mãe quando se suja e não está vestido de forma
impecável? Por isso sempre colocamos sua camisa dentro das calças e
procuramos nos limpar antes de voltar para casa, não é? Pois estou
convencida que o senhor Talbot concordaria com sua mãe.
— Mas foi muito amável, achei que gostou de você.
— Isso foi porque não sabe quem eu sou. É aceitável que se goste de
alguém quando se crê que não é mais que uma… uma pessoa normal, mas
as coisas mudam quando essa pessoa tem que ser o exemplo para
determinadas moças.
— Não entendo — disse carrancudo.
— Sim, isso só fará sentido quando você for mais velho. A questão é
que devo parecer uma mulher madura quando o senhor Talbot me vir de
novo.
— Não pode parecer uma ninfa?
— Não, não posso me parecer em nada com uma ninfa — agarrou sua
mão, e correu.
Quando a mulher o deixou ali plantado e saiu correndo, Fitz ficou
surpresa e a seguiu com o olhar durante um longo momento. Não estava
acostumado que as mulheres saíssem correndo quando ouviam seu
sobrenome; de fato, em seus trinta e dois anos, era considerado um dos
solteiros mais cobiçados de toda a Inglaterra. Era o meio-irmão mais novo
do conde de Stewkesbury, e mesmo que a família de sua mãe não fosse tão
aristocrática como a de seu pai, o dinheiro que ambos lhe deixaram como
herança, compensava esse pequeno obstáculo.
Esses fatores bastariam para atrair tanto a moças casadouras como mães
em busca de marido para suas garotinhas, além disso, ainda era bonito, com
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uma personalidade encantadora, um sorriso cativante, e um rosto capaz de
deixar um anjo sem sentido.
Não havia dúvida que seria uma árdua tarefa encontrar alguém que
sentisse antipatia por Fitzhugh Talbot. Embora não fosse um dandi, suas
roupas sempre estavam impecáveis, e qualquer coisa que vestisse sempre
pareceria melhor por estar naquele corpo esbelto e de ombros largos. Tinha
fama de ser um dos melhores atiradores do país, era um cavaleiro com uma
técnica excelente (embora nesse quesito fosse superado por seu meio-
irmão, o conde), e apesar de não ser um fanfarrão, ninguém recusaria sua
ajuda numa disputa. Suas qualidades proporcionavam popularidade entre a
parte masculina da alta sociedade, e sua aptidão para a dança e as conversas
interessantes o faziam igualmente popular e valorizado entre as damas
londrinas, nas festas que frequentava.
Havia uma única coisa que o impedia de ser um candidato ideal como
possível marido: o completo e absoluto desinteresse pelo casamento;
mesmo assim, isso não era um sério inconveniente para a maioria das mães
que estavam à caça de um marido para suas filhas, já que todas elas
estavam convencidas que sua garotinha conseguiria que Fitzhugh Talbot
deixasse de lado sua aversão ao casamento, portanto, a menção de seu
nome costumava provocar sorrisos de todo tipo, desde tímidos e coquetes
até interesseiros.
O que não costumava causar era um som que estava a meio caminho
entre uma exclamação de horror e um grito, seguido de uma fuga a toda
velocidade… mas a verdade era que gostava de provocações, em especial
se vinha em forma de uma cascata de cabelo loiro claro e olhos do azul
cinzento de um mar rebelde.
Montou de novo ao chegar ao caminho e seguiu rumo ao povoado sem
pressa, absorto em seus pensamentos. Aceitou sem problemas quando seu
meio-irmão Oliver pediu que fosse buscar a nova acompanhante de suas
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primas, porque passar um tempo no campo sem fazer nada o aborrecia
demasiadamente. Sabia que teria uma ou duas semanas de tédio até o
casamento de Mary Bascombe, semanas cheias de todo o tipo de
preparativos que entusiasmavam as mulheres, mas que faziam com que ele
quisesse fugir, assim não se importou por ter que fazer aquela viagem; além
disso, decidiu montar Baxley's Heart, a última aquisição que fez em
Tattersall's. Assim poderia escoltar a tal mulher até Willowmere, que
certamente era uma aborrecida viúva de meia idade, sem ter que fazer todo
o trajeto na carruagem com ela.
Mas a viagem acabava de se tornar muito mais interessante, e seus
planos iniciais de retornar a Willowmere no dia seguinte não pareciam tão
urgentes agora; afinal, não era necessário que a nova acompanhante se
apresentasse imediatamente. Tanto a prima Charlotte como lady Vivian
estavam supervisionando os preparativos do casamento, e suas primas
estavam com companhia de sobra.
Decidiu se hospedar por alguns dias na estalagem e procurar sua ninfa
pelo povoado, porém, antes teria que visitar o vicariato para conhecer a
viúva e dizer que partiriam em poucos dias. Teria que lhe fazer outra visita
de cortesia em um ou dois dias, mas depois, tomaria a liberdade de se
dedicar a um pequeno flerte… ou possivelmente algo mais.
O fato que evitasse o casamento não significava que desejasse evitar
também as mulheres. Era muito seletivo e cuidadoso com suas relações
para que não fosse rotulado como um crápula, mas era um homem que
desfrutava da companhia das mulheres; além disso, estava há um mês no
campo, sem companhia feminina… ao menos, o tipo de companhia que se
podia desfrutar em Londres.
Aquela ninfa oferecia uma infinidade de possibilidades, sua imagem
ficou gravada em sua mente. Aquelas pernas brancas e torneadas, expostas
pela saia levantada e presa para que não a incomodasse… aqueles lábios
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rosados, e o revelador rubor que tingiu seu rosto… o suave movimento de
seus seios sob a roupa enquanto saltava de rocha em rocha… a gloriosa
cascata de cachos loiros que brilhavam sob o sol e que estavam livres das
presilhas… sim, não havia dúvida alguma que queria ter mais que um
simples flerte com ela.
Começou a pensar em como localizá-la. Podia descrevê-la para alguém,
ao dono da hospedaria ou qualquer outro, para descobrir seu nome, mas
essa tática não continha a discrição que o caracterizava.
Talvez fosse uma criada encarregada de passear com o menino, mas
tanto sua roupa como sua pronúncia e seus modos eram os de uma dama;
por outro lado, parecia muito improvável encontrar uma dama brincando
assim no rio. E também deveria descobrir quem era o menino que a
acompanhava, seria seu filho? Eram parecidos, mas o menino devia ter sete
ou oito anos e ela pouco mais de vinte, era muito jovem, embora talvez
fosse mais velha do que aparentava. Existiam mães que saíam para brincar
com seus filhos, Charlotte fazia isso com os seus.
Talvez fosse a preceptora do menino, mesmo sendo a primeira vez que
via uma tão bonita e alegre, e também era possível que fosse a donzela
pessoal da mãe do pequeno; afinal, alguém exercendo essa função tinha
mais possibilidades de adquirir a pronúncia de sua senhora do que uma
criada de categoria inferior, e não seria estranho que senhora da casa lhe
desse de presente roupa já usada.
Mas tudo aquilo eram apenas suposições que não o ajudariam a localizar
a moça. Ela insinuou que possivelmente voltariam a se encontrar de novo,
talvez estivesse acostumada a sair para passear, mas não poderia passar o
dia percorrendo as ruas no intuito de encontrá-la.
Estava tão absorto em seus pensamentos, que chegou ao povoado em
um abrir e fechar de olhos; na verdade, quando reparou onde estava, já
quase tinha passado o vicariato. Parou seu cavalo e observou a igreja, que
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era um edifício velho e baixo com um campanário quadrado. Ao lado
existia um cemitério pelo qual acabara de passar sem ao menos perceber, e
do outro lado existia uma casa de dois andares. Era um edifício muito mais
novo que a igreja, mas construído com a mesma pedra cinza, e estava claro
que era o vicariato.
Era um lugar bastante sombrio, e pelo bem de suas primas, rezou para
que a viúva não compartilhasse daquela característica da casa em que vivia.
Considerou passar direto, mas optou por não fazer; tendo em conta o
quanto pequeno era aquele povoado, o vigário e sua família não
demorariam a tomar conhecimento da chegada de um desconhecido, e se
sentiriam ofendidos que não tivesse se apresentado. Sabia que muitos o
consideravam um irresponsável mais interessado em fazer o que lhe desse
na cabeça do que cumprir, na opinião de outros, com suas obrigações, mas
não podia ser acusado de não cumprir as regras da cortesia.
Enquanto desmontava com um movimento ágil, animou-se pensando
que dispunha de uma desculpa perfeita para não estender muito a visita, já
que deveria levar o animal até um estábulo. Sacudiu o pó do caminho
enquanto caminhava para a casa, e bateu na porta principal. A criada que
abriu ficou olhando-o como se fosse a primeira vez em sua vida que via um
cavalheiro, mas o conduziu a um pequeno salão assim que lhe entregou seu
cartão de visita e pediu para falar com a senhora Hawthorne.
A seguir, entrou no aposento uma mulher de rosto e corpo magros. Parte
de seu cabelo castanho escuro caía em rígidos cachos em ambos os lados
do rosto, e o resto estava preso para trás e embaixo de uma touca. Seu rosto
estava marcado por rígidas linhas de desaprovação que dificultavam a
tarefa de adivinhar sua idade, mas a falta de cabelos grisalhos fazia supor
que deveria estar no começo da maturidade. Usava um vestido de fino
algodão azul escuro, e sobre os ombros um lenço branco de musselina que
cruzava na frente e prendia no peito.
21
Fitz sentiu uma pena tremenda de suas primas ao vê-la aproximar-se,
porque conclui que as pobrezinhas estariam nas mãos de uma
acompanhante igual ou pior que a tirana anterior, e se surpreendeu que a
amável lady Vivian tivesse indicado alguém assim; apesar de tudo,
manteve uma expressão cortês no rosto e a saudou com uma inclinação
antes de apresentar-se.
— Sou o senhor Fitzhugh Talbot, para servi-la. Tenho a honra de estar
diante da senhora Hawthorne?
— Sou a senhora Childe, a senhora Hawthorne é a filha de meu marido.
— Encantado de conhecê-la — pegou a mão que ofereceu, e a olhou
com um sorriso cortês — Deve ter se casado quando ainda era uma menina,
porque é muito jovem para ser madrasta de alguém.
A expressão da mulher suavizou um pouco, suas bochechas coraram, e
seus lábios esboçaram um sorriso quase charmoso.
— Você é muito amável, senhor Talbot.
— Sou o irmão do conde de Stewkesbury, devo acompanhar a senhora
Hawthorne a Willowmere. Estou sabendo que meu irmão mandou uma
carta explicando os detalhes.
— Sim, é obvio. Já ordenei a uma criada que vá avisá-la de sua chegada.
Indicou com um gesto o sofá, e Fitz se sentou enquanto sentia um alívio
enorme ao saber que suas primas americanas se livraram de ter que viver
com aquela mulher… e que ele não teria que agüentá-la durante os dois
dias de viagem.
A senhora Childe se sentou na sua frente, com as costas tão retas como
o encosto da cadeira (que nem sequer encostava), e perguntou com
formalidade como foi a viagem. Ficaram falando banalidades durante
alguns minutos, até que ouviu o som de passos apressados que se
aproximavam pelo corredor e uma mulher entrou na sala. Usava um vestido
22
tão austero e escuro como o da senhora Childe, e seu cabelo loiro claro
estava preso num coque no alto da cabeça.
Fitz ficou de pé de repente, e pela primeira vez em sua vida, seu habitual
controle se desvaneceu; apesar da drástica mudança de traje, não havia
dúvida alguma. Aquele cabelo loiro claro, que nesse momento estava tão
firmemente preso, os olhos da cor de um mar rebelde… a viúva de meia
idade que esperava encontrar era sua ninfa.
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Capítulo 2
Eve teve que fazer um esforço monumental para aparentar calma
enquanto entrava no aposento, porque por dentro estava aterrorizada com a
possibilidade que o senhor Talbot revelasse o encontro anterior, que a
acusasse de ser frívola e coquete e que não estava capacitada para ser a
acompanhante das primas do conde.
Que ele tivesse flertado mais que ela, que tivesse sido ele quem a beijou,
pareceria irrelevante, porque para os homens isso não era uma atitude
condenatória; além disso, para uma acompanhante era exigido mais com
relação a princípios morais e comportamento do que para uma mulher
comum.
Ergueu vacilante o olhar e o viu de pé, observando-a boquiaberto.
— Me permita que apresente o senhor Fitzhugh Talbot — disse sua
madrasta — É o irmão do conde de Stewkesbury, e veio para te levar a
Willowmere. Que gesto tão considerado da parte do conde, não acha?
Ela quase desmaiou quando ouviu quem era ele. Teve esperanças que
fosse algum parente afastado, um segundo primo ou terceiro do conde…
alguém que não tivesse interesse na personalidade da nova empregada de
Stewkesbury.
Estendeu a mão para ele, e disse com um sorriso trêmulo:
— Sim, é claro. E também foi muito generoso de sua parte concordar,
senhor Talbot.
— Asseguro-lhe que é um prazer para mim, senhora Hawthorne. Um
verdadeiro prazer.
24
Ele parecia ter se recuperado da surpresa e voltou a adotar uma inocente
expressão de cortesia, mas ao ver que esboçava um pequeno sorriso e que
seus intensos olhos azuis brilhavam ao olhá-la, Eve percebeu que suas
palavras tinham duplo sentido.
Sentou-se em frente a ele, sem saber o que fazer, e se perguntou se
estava brincando com ela. Será que pretendia vê-la morta de nervosismo,
esperando angustiada que ele revelasse as transgressões que tinha
cometido? Não, não dava essa impressão… a diversão que brilhava em
seus olhos não parecia maliciosa, a não ser cúmplice.
— Não o esperávamos tão cedo — disse, com a intenção de lançar um
assunto que não tivesse nada a ver com ela, mas quando viu sua madrasta
franzir o cenho, notou que seu comentário poderia ser interpretado como
uma crítica — Não que tenha chegado muito cedo, é obvio, quer dizer…
bem, a verdade é que não esperávamos por você, claro, acreditávamos que
só viria uma carruagem, achamos que…
Imogene a fulminou com o olhar, e olhou Talbot com o sorriso mais
caloroso de seu repertório ao comentar:
— Acredito que o que a senhora Hawthorne quer dizer é que deve ter
feito a viagem em pouco tempo, senhor Talbot.
Depois de lançar um novo olhar cúmplice a Eve, ele se virou de novo
para Imogene e respondeu:
— É verdade, é que vim a cavalo. Comprei um novo recentemente, e
estava desejando testá-lo. Acho que a carruagem está um pouco atrasada.
— É um animal maravilhoso — ao ver que Imogene a olhava com
expressão interrogativa, percebeu que acabava de cometer outro erro, e se
apressou a corrigir — O vi da janela.
Não entendia o que estava acontecendo, não era a primeira vez que
lidava com uma delicada conversa banal… embora na verdade, a resposta
fosse óbvia: não estava só nervosa pelo fato de que ele fosse conhecedor
25
que aquela tarde se comportou como uma mulher imatura, mas sim por ele
mesmo. Estava afetada pela presença daquele homem que a olhava com
olhos azuis como o céu, que parecia ocupar todo o espaço com sua
masculinidade, e cujo rosto bonito atraía seu olhar como um ímã.
— Obrigado, senhora Hawthorne, já notei que entende de cavalos —
comentou ele, para desviar a conversa do erro que ela acabava de cometer.
— Meu falecido marido era um entusiasta da equitação — se sentiu
mais segura ao abordar aquele assunto neutro.
— Muito entusiasta, diria eu; enfim, não se deve falar mal dos mortos
— comentou Imogene.
Eve lhe lançou um olhar frio, e disse com firmeza:
— Não, não se deve.
Ela mesma lamentou muitas vezes a obsessão de Bruce pelos cavalos,
inclusive chorou numa ocasião quando os credores pisavam em seus
calcanhares e seu marido lhe disse que acabara de comprar outro «puro
sangue de primeira». Era como se pensasse que suas deficiências em certos
aspectos desapareceriam como num passe de mágica se saísse galopando
sem cuidado algum, mas mesmo assim, não estava disposta a permitir que
sua madrasta o criticasse; apesar dos defeitos que tinha, foi seu marido, e
merecia sua lealdade, mesmo estando morto.
De qualquer maneira, a atitude crítica de Imogene não era direcionada a
Hawthorne como pessoa, já que pouco o conhecia, mas pela razão que
tinha morrido pobre e sua viúva foi obrigada a retornar para casa de seu
pai.
— Devo admitir que não é como imaginamos, senhora Hawthorne.
Acreditávamos que seria uma mulher de… idade mais avançada.
Eve sentiu que se formava um nó na garganta. Será que pretendia usar
sua idade como desculpa para não levá-la a Willowmere?
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— Lamento, senhor Talbot. Asseguro-lhe que, apesar de minha
aparência, sou uma mulher competente.
— Não disse como uma crítica, estou surpreso favoravelmente.
— A senhora Hawthorne enviuvou faz anos e é muito mais velha do que
parece — comentou Imogene.
Eve não respondeu, limitou-se a apertar os dentes e a olhá-la com um
sorriso forçado, mas ao ver que a conversa se prolongava durante alguns
minutos mais, começou a relaxar; afinal, se o senhor Talbot pretendesse
revelar o acontecido naquela tarde, já o teria feito, não?
Pouco depois, quando Imogene (que parecia decidida a mostrar-se
amável com o homem que levaria sua enteada longe dali) convidou-o para
jantar, ele esboçou um sorriso radiante que nem sequer a fria mulher pôde
permanecer indiferente, e respondeu:
— Agradeço muito, senhora, mas tenho muitas tarefas pendentes. Está
previsto que a carruagem chegue esta tarde, e devo organizar a viagem de
volta — se virou para Eve, e disse — Se não for nenhum inconveniente, eu
gostaria que partíssemos amanhã mesmo. O dia do casamento está
próximo, é seria bom chegarmos o quanto antes a Willowmere.
Ela não pôde conter um sorriso de alegria, e se apressou a dizer:
— Não, não é nenhum inconveniente. Estarei pronta para partir amanhã.
De fato, a bagagem estava preparada há dois dias. Estava desejando
partir.
— Excelente. E agora, se me desculparem, parto para cumprir minhas
obrigações — ficou de pé, e partiu depois de despedir-se com uma elegante
e impecável reverência.
Imogene o seguiu com o olhar, e ao vê-lo sair pela porta principal,
comentou:
27
— É um cavalheiro de maneiras impecáveis, e o conde mostrou uma
grande consideração com você. Espero que se lembre de agradecer
corretamente.
Eve apertou os dentes, mas respondeu com voz serena.
— Direi tudo o que exige a correção.
— É uma excelente oportunidade para você, vai se relacionar com a
nata da alta sociedade. Quem sabe, pode encontrar outro marido —
Imogene se permitiu esboçar um pequeno sorriso perante a mera ideia.
— Não estou procurando marido.
— Toda mulher solteira está. Não há dúvida que para uma viúva será
mais difícil, já que no mercado matrimonial há uma multidão de moças
jovens, mas certamente aparecerá algum viúvo ou algum cavalheiro de
idade mais avançada procurando uma esposa.
— Vou ser a acompanhante das primas do conde, acima de tudo devo
pensar nelas e em seus interesses.
— Claro, é obvio, mas suponho que está ciente que esse trabalho só vai
durar um ou dois anos, até que se casem. Alguém deve pensar em seu
próprio futuro.
— Farei isso.
Aprendeu com o tempo que era mais fácil dar razão a sua madrasta que
discutir; se expressava sua opinião, sempre terminavam em enfrentamentos
e remorsos, e era ela quem acabava se desculpando para que reinasse a paz
na casa.
Decidiu subir e refugiar-se em seu quarto e acabar de empacotar o resto
de suas coisas, mas ao ver que Imogene a seguia, perguntou-se se estava
tentando mostrar-se mais amável porque estava a ponto de livrar-se dela ou
se o que queria era continuar criticando.
— Não se esqueça de manter a devida distância, Eve. É essencial que
mostre um comportamento recatado e obediente, ninguém deseja ter uma
28
acompanhante descarada, atrevida, ou que chame a atenção. Você sorriu
muito abertamente ao senhor Talbot, e aposto que percebeu.
— A quase ninguém desagrada um sorriso — reparou que tinha fechado
os punhos, e tentou relaxar as mãos.
— Um sorriso muito efusivo indica que uma mulher é descarada, e não
é isso o que se espera de uma acompanhante. Seria desastroso flertar com o
senhor Talbot.
Eve estremeceu ao ouvir aquilo. Será que sua madrasta sabia o que
aconteceu? Não, era impossível.
— Não flertei com ele.
— Pode ser que não, mas seu sorriso poderia ser interpretado como um
convite, e um homem assim, não duvidaria em tirar proveito.
— Achei que o senhor Talbot tinha causado uma boa impressão a você.
— Claro que sim, é um cavalheiro exemplar… bonito, encantador,
refinado… mas mesmo que deteste rumores, ouvi falar dele.
— E o que dizem?
Mesmo que sua madrasta fingisse que não estava interessada em
fofocas, costumava estar a par de todos os escândalos que surgiam durante
a temporada social londrina, porque se correspondia com uma prima dela
que vivia na cidade e que era uma grande fofoqueira.
Os olhos de Imogene se iluminaram com o olhar malicioso típico de
alguém que vai falar das más ações dos outros.
— Dizem que Fitzhugh Talbot coleciona corações com o mesmo afinco
que um avarento acumula ouro.
— É um homem bonito, certamente é um bom partido.
— Claro, mas não tem interesse nenhum pelo casamento. Não dá
atenção a moças casadouras, dizem que prefere mulheres mais…
experientes. Relacionou-se com mais de uma viúva, e inclusive com
29
algumas casadas. E nem quero falar sobre as mulheres de baixa categoria,
embora concorde que isso é de se esperar na maioria dos homens.
— Está dizendo que o senhor Talbot vai se comportar de forma
inapropriada comigo porque sou viúva?
— Por isso deve ser muito cuidadosa na hora de fazer qualquer gesto
que possa incentivá-lo, até um simples sorriso.
— Não sorri de forma insinuante! Além disso, estávamos falando de
partir amanhã, isso não tem nada de ilícito!
— É obvio que não, jamais me ocorreria sugerir tal coisa — Imogene
soltou uma pequena risadinha antes de acrescentar — Apesar da educação
um pouco relaxada que teve por ser filha de um clérigo, ninguém pode te
acusar de ter um comportamento repreensível, mas diferentemente das
pessoas da região, o senhor Talbot não te conhece e poderia interpretar mal
seu… enfim, sua amabilidade indiscriminada, sua frequente falta de
discrição.
— Não vou lhe dar nenhuma razão para que pense mal de mim — disse
Eve, duramente.
— Não duvido disso, mas para bom entendedor, poucas palavras bastam
— assentiu como se tivesse certeza que as duas compartilhavam da mesma
opinião — O senhor Talbot é tão atraente e encantador, que acredito que
está acostumado a conseguir o que deseja das mulheres; é compreensível
que um homem se aproveite se tiver mulheres lançando-se a seus pés
constantemente, e uma que está há dois anos sem desfrutar do afeto de seu
marido poderia estar muito propensa a sucumbir aos seus encantos.
Eve apertou os lábios com firmeza. Sua madrasta não tinha nem ideia do
quanto sofreu pela falta de afeto marital muito antes de enviuvar.
— Não sei se está consciente desses perigos, Eve, e como seu pai é
muito devoto para sequer pensar em te alertar a respeito, a tarefa recai
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sobre mim. Tome cuidado, não seria bom se transformar em mais uma de
suas conquistas. E isso é tudo o que vou dizer sobre esse assunto.
Nesse momento chegaram ao quarto de Eve, e antes de abrir a porta,
virou-se para Imogene e disse com um sorriso forçado:
— Obrigada, sei qual é sua intenção quando me oferece seus conselhos;
mesmo assim, você mesma admitiu que muita gente tem ideias equivocadas
em relação às viúvas. A mulher de um oficial do exército está fadada a
aprender a ter uma vida irrepreensível, e a estar sozinha. Sou mais que
capaz de repudiar tanto as insinuações do senhor Talbot como as de
qualquer outro — se despediu com uma pequena inclinação de cabeça antes
de acrescentar — Se me desculpar, devo verificar se está tudo preparado
para partir amanhã.
Entrou no dormitório, e fechou a porta sem lhe dar tempo de responder.
No dia seguinte ficaria livre das recriminações de sua madrasta… se apoiou
na porta, e esboçou um sorriso. Partiria em questão de horas.
Eve abriu o relógio de bolso que tinha preso ao vestido. Eram dez para
as oito da manhã, só tinha passado cinco minutos desde a última vez que
verificou a hora.
Soltou um suspiro pesaroso, e voltou a fechar o relógio. Não estava
acostumada a usá-lo, porque tinha uma aparência bastante antiquada que
não combinava com a moda atual, mas foi o último presente que recebeu de
seu marido. O encontrou junto aos pertences de Bruce, e na parte interior
da tampa estavam gravadas as palavras: Para minha querida esposa.
Certamente que tencionava dar de presente a ela no seu aniversário, mas
morreu cinco dias antes.
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Era um caro relógio de ouro, que na parte dianteira tinha um fino
esmaltado azul e uma pequena ilustração de uma cena bucólica rodeada por
várias pedrinhas; em condições normais, teria devolvido para que lhe
reembolsassem o dinheiro, como fez muitas outras vezes com os caros
presentes que seu marido esbanjador gostava de comprar, mas nesse caso,
foi incapaz. Era o último presente de Bruce, o último vínculo com ele, e
embora fosse verdade que não tinham um casamento normal, o amou, e
sabia com certeza que o sentimento fora recíproco. Por isso, ficou com o
relógio, mesmo estando a maior parte do tempo guardado na sua caixa de
joias.
Decidiu usá-lo nesse dia, porque além de combinar com o vestido de
gola alta e botões de estilo militar pelo qual optou, dava-lhe um ar de
eficiência e profissionalismo que a ajudaria a rebater a impressão que
causou em Fitzhugh Talbot no dia anterior; de qualquer modo, era um
acessório prático num dia que estariam viajando e não teriam a mão outros
relógios.
Sim, o relógio seria muito prático se persistisse em verificar o horário a
três por quatro… suspirou, exasperada consigo mesma, e entrelaçou as
mãos sobre o colo enquanto se resignava a esperar pacientemente.
Olhou de soslaio a sua madrasta, que estava lendo a Bíblia com as
costas tão rígidas como sempre; por alguma razão, irritava-a o fato que
nunca se encurvasse levemente, embora soubesse que isso era irracional.
Esboçou um sorriso ao olhar para seu pai, que estava sentado junto a
Imogene com as mãos entrelaçadas e atitude meditativa. Parecia um pouco
distraído, como sempre. Certamente estava pensando no sermão do
domingo ou refletindo sobre alguma profunda questão teológica. Era um
homem compassivo e bondoso que quase nunca estava totalmente centrado
em alguém, nem sequer em sua família. Sua primeira falecida esposa foi o
elo que manteve a família unida e depois de sua morte, a relação entre pai e
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filha foi esfriando. Ele permitia que Imogene se encarregasse de tudo,
inclusive de lidar com ela.
Eve gostaria que Julian estivesse ali para poder passar alguns minutos
mais com ele, mas como as regras de Imogene não podiam ser quebradas
por nenhum motivo e as aulas do menino começavam depois do café da
manhã, às sete e meia em ponto, passou pelo seu dormitório para lhe dizer
adeus antes de descer para tomar o café da manhã. Nesse momento, ao
recordar a despedida, sentiu a mesma dor que a dominou enquanto o
abraçava com força contra si.
O som de uma carruagem a arrancou de seus tristes pensamentos, e se
apressou a olhar pela janela. Fitzhugh Talbot se aproximava montado em
seu garanhão negro, atrás de uma elegante carruagem negra puxada por
quatro cavalos.
— Já chegou — quando se virou e viu que Imogene a olhava
carrancuda, suspirou e voltou a sentar-se enquanto se esforçava para adotar
uma expressão cortês e reservada.
Fitzhugh entrou no salão pouco depois, com um sorriso cheio de
encanto e naturalidade, e os saudou com uma reverência impecável. Ela
conteve a respiração quando seus olhares se encontraram e se alegrou do
esforço que fez para manter-se calma e distante, porque se não fosse assim,
não poderia evitar devolver o sorriso e que seus olhos brilhassem. Era
muito difícil se controlar e não reagir diante daquele homem, acreditava
que Imogene tinha razão, devia ter uma longa lista de conquistas em
Londres.
— Bom dia, senhora Hawthorne — disse ele, depois de saudar o
reverendo e sua esposa — Me alegra ver que já está pronta para partir,
creio que nos espera uma longa viagem — se virou para Imogene, e
comentou — Mil perdões, mas não podemos parar para conversar. Espero
que entendam.
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— É obvio que entendemos — Imogene olhou seu marido, e disse —
Não é mesmo, querido?
— O que? Ah, sim, claro. É uma longa viagem, não se preocupem —
sorriu distraído, e se virou para Eve — Adeus, minha querida. Sentirei
saudades — se aproximou para abraçá-la, e lhe deu tapinhas nas costas.
Devolveu o abraço. Sabia que estava sendo sincero, mas que em menos
de vinte minutos estaria de volta em seu escritório, absorto em suas
reflexões, alheio quase por completo da partida dela; por outro lado, livrou-
se de ter que abraçar sua madrasta, já que esta não acreditava nas
demonstrações físicas de afeto e se limitou a oferecer a mão com frieza e a
advertir que se comportasse corretamente.
Partiu dominada por um alívio imenso, e sentiu que os músculos foram
relaxando pouco a pouco enquanto saía da casa e se dirigia para a
carruagem. Era consciente que sua vida como acompanhante seria
controlada, que além de respeitar as regras que impunha o conde, também
devia providenciar que as moças sob sua responsabilidade fizessem o
mesmo. Esperava-se dela que fosse recatada e calada, e que reservasse para
si mesma suas próprias opiniões; em resumo: teria que ser invisível, mas
mantendo-se sempre presente.
Mas a recompensa era que poderia cuidar de sua própria vida, não teria
que viver à custa de uma madrasta que suportava com má vontade sua
presença. Adeus às repreensões e aos sermões, não teria que suportar mais
que a tratassem como se ainda tivesse dezesseis anos… mas o melhor de
tudo, era que sairia de sua clausura, que deixaria de viver no campo. Diante
dela se abria um novo mundo no qual havia festas, peças de teatro e
diversão, e mesmo tendo que assistir a tudo no segundo plano, pareceria
uma verdadeira aventura.
34
Um lacaio de libré se apressou a descer da carruagem para abrir a
portinhola e baixar o estribo, mas foi o senhor Talbot quem ofereceu a mão
para ajudá-la a entrar no veículo.
— Se não se importar, decidi acompanhá-la na carruagem durante a
primeira parte do trajeto, e deixar que o lacaio nos siga em meu cavalo.
Eve sentiu que encolhia seu estômago. Perguntou-se se pretendia
repreendê-la por seu comportamento no dia anterior ou se o que queria era
tentar seduzi-la, como a tinha advertido sua madrasta.
Seu rosto deve ter refletido seus pensamentos, porque ele esboçou um
sorriso e comentou:
— Asseguro-lhe que não vou importuná-la com minha presença durante
toda a viagem, mas me parece conveniente que nos conheçamos um pouco.
— Sim, é obvio — corou envergonhada, e se apressou a entrar na
carruagem. Quando ele entrou e fechou a porta, olhou-o e disse:
- Me surpreendi um pouco, não era minha intenção mostrar
desaprovação nem… enfim, a carruagem é sua, e não considerei que
viajaria sozinha nela.
Ele sorriu ainda mais ao vê-la tão constrangida, e comentou:
— Especificamente falando, é de meu irmão, assim nem você nem eu
temos direito sobre ela.
Eve não pôde resistir a seu sorriso, e respondeu mais relaxada:
— Não, suponho que não.
Jamais viajou em uma carruagem tão luxuosa. O assento, estofado em
couro, estava bem acolchoado, e o encosto era igualmente macio. Junto a
ela havia uma manta dobrada se por acaso sentisse frio, e as cortinas
estavam meio abertas para permitir que entrassem o ar e a luz. Era bastante
ampla e sobrava um bom espaço entre seu assento e o do senhor Talbot,
mas mesmo assim, não conseguiu se sentir cômoda.
35
Era muito consciente da presença daquele homem, e os trinta
centímetros que separavam seus respectivos joelhos pareciam quase nada.
Era muito bonito, muito masculino, e sua simples presença parecia ocupar
todo o espaço. Não estava acostumada a viajar a sós em uma carruagem
com um homem, até então, só tinha feito isso com seu marido e com seu
pai, e estar com um desconhecido era muito diferente. Compartilhar um
espaço tão reduzido parecia muito íntimo, embora talvez tivesse essa
impressão por ser aquele homem em especial, já que havia algo nele que
fazia que uma mulher se sentisse… não sabia como descrever… que se
sentisse atordoada e muito, mas muito consciente dele.
Ouviu falar do senhor Talbot, claro. Embora no princípio pensou nele
como parente do conde, recordou intrigas que ouviu ao longo dos anos
depois que sua madrasta mencionou sua preferência pelas mulheres
«experientes».
Ela não morou em Londres nem tomou parte da alta sociedade depois de
casar-se, já que costumava mudar-se para qualquer lugar que seu marido
estivesse servindo; mesmo assim, se correspondia com muitas de suas
amigas de Londres, por isso, soube de muitas intrigas sobre os jovens de
bom berço, entre os quais se encontrava o irmão de Stewkesbury. Eram
jovens ricos, aristocratas e entediados, que levavam uma vida ociosa e
frequentemente distorcida. Talbot devia ser, pelo menos, um frívolo, e se as
fofocas que Imogene ouviu fossem certas, estava decidido a manter sua
vida promíscua e não tinha intenções de casar. Em resumo: era desses
homens que flertavam com todas, seduziam viúvas e casadas, e deixavam
um rastro de corações partidos no caminho.
Mas ela estava certa que poderia lidar com ele, porque há muito tempo
aprendeu a repudiar avanços indesejados… mesmo que no dia anterior não
tivesse começado com o pé direito. Não seria estranho que Talbot tivesse
uma péssima opinião dela, e morria de vergonha recordando como se
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comportou com ele. Foi muito insensata, mas naquele momento estava tão
feliz e entusiasmada pela ideia de partir do vicariato, que se deixou levar.
O problema era saber o que Talbot estava pensando. Na melhor das
hipóteses, a considerava uma possível conquista, alguém que estaria
disposta a passar algumas noites com ele… ou possivelmente estava
horrorizado diante da ideia que fosse a acompanhante de suas primas, e
decidiu viajar com ela na carruagem para dizer isso na sua cara. Embora
talvez optasse por esperar e alertar seu irmão que não era a candidata
adequada para educar jovens impressionáveis. Seria humilhante viajar até
Willowmere, e no final o conde a expulsar e a mandar de volta ao vicariato!
Fossem quais fossem as intenções de Talbot com respeito a ela, a
melhor tática era manter distância, assim endireitou as costas, entrelaçou as
mãos no colo, e o olhou imitando a atitude fria e reservada de Imogene.
— Quero que saiba que não costumo me comportar como ontem, senhor
Talbot. Quando estou com meu irmão tenho tendência a ser mais…
digamos, atrevida, mas lhe asseguro que jamais me comportarei assim com
jovens sob a minha responsabilidade, nem permitirei que elas o façam.
— Sério? Pois lamento, porque eu adorei seu comportamento de ontem;
de fato, tinha a esperança de explorar com você os rios próximos de
Willowmere.
Eve resistiu ao encanto avassalador daqueles brilhantes olhos azuis, e
respondeu com formalidade:
— Isso não vai ser possível. Serei a acompanhante de suas primas, e não
tenho intenção alguma de me permitir tais flertes.
Ele sorriu de orelha a orelha, e comentou:
— Estou desolado, mas estou disposto a renunciar ao flerte; de fato,
pensei em algo em um pouco mais… prazeroso — continuou sorrindo, mas
em seus olhos e em seu tom de voz havia um calor inconfundível.
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Eve corou e desviou o olhar, ciente que o calor que sentia não era só por
vergonha, mas também porque o sugestivo tom de voz daquele homem era
excitante. Durante seu casamento, perguntou-se várias vezes se seus
desejos eram muito baixos, se excitava-se com muita facilidade, se
deixava-se levar muito pelos desejos carnais. Uma dama de verdade não se
excitaria ouvindo comentários tão atrevidos, mas sim, se sentiria
horrorizada.
— Está indo longe demais, senhor Talbot.
— Absolutamente, eu acredito que poderia avançar muito mais.
Eve esteve a ponto de rir, mas conseguiu controlar-se. Como sabia que
Fitzhugh Talbot não devia ser divertido para ela, que não podia deixar que
ele percebesse que não era imune ao seu encanto, esforçou-se para encará-
lo com sua expressão dura e disse:
— Estamos nos desviando do assunto que interessa.
— Ah, sim? Não sabe quanto lamento, qual é o assunto em questão?
Acreditava que estávamos falando de como vamos nos comportar em
Willowmere.
Ela perdeu a paciência, e disse:
— Eu gostaria que parasse com suas brincadeiras e indiretas, e me
dissesse de uma vez se pretende falar com conde sobre o meu
comportamento inadequado de ontem.
— Por Deus, claro que não.
Ela relaxou imediatamente. Ao menos tinha uma preocupação a menos
no que se referia ao senhor Talbot.
— Oliver me tomaria por louco se lhe desse uma opinião tão insípida,
além disso, não se importaria com o que penso. É ele quem toma as
decisões, e eu me limito a aproveitar a vida.
— Isso é algo que pode dizer-se de todo o mundo, não?
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— Eu ponho um empenho especial nisso, mas o certo é que há muitos
que se esforçam em não aproveitar — arqueou uma sobrancelha antes de
perguntar — Não se ofenda, mas… acha que a senhora Childe tenta
aproveitar a vida?
Eve não pôde conter uma gargalhada.
— Imogene? Não, me atreveria a afirmar sem medo de errar que se
esforça ao máximo em fazer o contrário.
— Vê? Acaba de me dar razão. Não é que meu irmão se esforce em não
aproveitar a vida, o que acontece é que acredita que tem obrigação de
cumprir tantos deveres, que não desfruta de nada. Suponho que ele
argumentaria que as pessoas se sentem satisfeitas quando cumprem com
seus deveres, mas posso dizer por experiência própria, que as obrigações
sempre aparecem quando as pessoas querem sair para se divertir com os
amigos ou assistir uma corrida, e no final terá que visitar o surdo tio Gerald
ou assistir a noitada musical de sua madrinha.
— Ou escoltar a acompanhante de suas primas.
— Jamais me ouvirá me queixar disso, senhora Hawthorne, porque
descobri que escoltar acompanhantes é uma tarefa fascinante — esboçou
um sorriso sensual, e sua voz adquiriu um tom carinhoso — Principalmente
quando se trata de uma tão encantadora como você.
— Fui uma tola por tentar participar de uma batalha verbal com um
professor do flerte.
— Suas palavras me ferem — disse ele, em tom de brincadeira.
— Está negando a realidade? Como você se definiria?
— Um admirador de tudo que é belo.
Sentiu que derretia por dentro ao ouvir o tom quente de sua voz, e notou
que, apesar de suas boas intenções, voltou a cair no tipo de flerte que queria
evitar. Levantou o queixo, e lutou para falar com voz cortante.
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— Que bonitas palavras, embora suspeite que as utilizou muitas vezes
antes.
— Jamais foram tão verdadeiras — fixou o olhar em sua boca, e seus
próprios lábios relaxaram.
Era óbvio que queria beijá-la, mas o que a deixou atônita foi dar-se
conta que desejava que o fizesse. O coração começou a martelar no peito
ao ver que se inclinava para ela, e sentiu que a percorria uma onda de calor
enquanto permanecia tensa e com a respiração presa, como se estivesse na
beira de um precipício.
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Capítulo 3
Eve entrecerrou os olhos, esperando, quando ele esticou a mão e
desatou com um pequeno puxão o laço do seu chapéu. Depois de tirá-lo e
deixá-lo junto a ela no assento, comentou:
— Assim está melhor, agora posso ver seu rosto.
Ela piscou sobressaltada, e sem perceber tocou seu rosto onde ele
acabava de roçá-la. Aquele pequeno contato bastou para que sua pele
formigasse. Não sabia se realmente teve intenção de beijá-la ou se fora
fruto de sua própria imaginação, e se virou para a janela enquanto lutava
para recuperar a compostura; logo depois, quando conseguiu assumir uma
expressão cortês e distante, olhou-o de novo e disse:
— Me fale sobre as moças que estarão sobre minha responsabilidade.
— Agora são apenas duas… quer dizer, são quatro irmãs, mas uma
delas se casou e partiu de Willowmere e outra está a ponto de se casar,
assim só terá que se encarregar de duas. São nossas primas que foram
criadas na América.
— Eu gostaria de saber qual delas vai se casar e quais acompanharei.
— Rose, a segunda em idade, casou-se com um americano, e já
retornaram juntos para lá. Mary, a mais velha… na realidade se chama
Marigold, em homenagem a uma flor, porque sua mãe gostava muito das
flores… vai se casar com sir Royce Winslow, que é meu irmão por parte de
mãe, mas não tem parentesco algum com nossas primas nem com o resto
da família Talbot.
— Parece bastante complicado.
Ele esboçou um sorriso, e admitiu:
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— Sim, as complicações são habituais em tudo o que se refere as
Bascombe, mas acredito que gostará delas. Espero que goste de montar a
cavalo, porque elas adoram, principalmente Camellia.
— Sim, eu gosto, mas há muito tempo não tenho oportunidade de
montar.
— Não se preocupe. Saímos para montar quase diariamente, logo
voltará a se habituar.
O pulso de Eve acelerou ao perceber que ele se incluía.
— Você as acompanha?
— Sim, quase sempre. Como Royce vai se casar, agora sou o novo
instrutor.
— Entendo. Então… pensa em permanecer em Willowmere?
Acreditou que partiria para Londres assim que chegassem ao imóvel,
que um homem como ele não gostaria da vida campestre e preferiria a
cidade, já que esta oferecia diversões como casas de jogo clandestino,
clubes e mulheres bonitas e sofisticadas.
Ele a olhou nos olhos, e esboçou um sedutor sorriso que fez com que
sua covinha aparecesse.
— Sim, pretendo permanecer por um bom tempo.
— Ah — aquele intenso olhar a deixava fascinada, e quase não podia
respirar — Achei… acreditei que desejaria retornar a intensa vida social
londrina.
— Não se preocupe, não vou me aborrecer — continuou olhando-a com
intensidade; suas palavras continham uma mensagem velada — Estou certo
que terei com o que me divertir em Willowmere.
Eve se limitou a olhá-lo sem saber como responder. A única arma que
uma viúva empobrecida podia contar era sua reputação, e não poderia
permitir que qualquer coisa pudesse arruiná-la; por mais encantador que
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fosse Fitzhugh Talbot, estava decidida a não cair na tentação de flertar (ou
algo mais) com ele.
Desviou o olhar de seus olhos com esforço e o fixou em suas próprias
mãos, que estavam entrelaçadas em seu colo. Voltou a levantá-lo depois de
alguns segundos, com uma expressão fria e cortês, e disse sem inflexão
alguma na voz:
— Tenho certeza que suas primas apreciam sua companhia em
Willowmere.
Ele a observou com um brilho de diversão no olhar, mas inclinou a
cabeça concordando e respondeu:
— Alegra-me que pense assim, quer que te fale sobre Willowmere?
Ela se sentiu aliviada ao ver que parecia aceitar seu rechaço implícito, e
escutou com interesse sua descrição do imóvel. Contou vários detalhes
interessantes sobre a história da família Talbot, e também falou dos
diversos pontos de interesse que havia tanto no povoado como nos
arredores. Era um professor na arte da conversa, expressava-se de forma
clara, impessoal, e tranquila. Parecia tão fácil conversar com ele, que em
questão de minutos sentiu-se mais relaxada e a tensão prévia se
desvaneceu.
Pararam em uma estalagem para descansar um pouco e dar de beber aos
cavalos, e como ele optou por montar o garanhão quando retomaram a
viagem, Eve se distraiu olhando pela janela e pensando na vida que tinha
pela frente… e logo percebeu que seu olhar não estava concentrado na
paisagem, a não ser em um certo cavalheiro que cavalgava junto à
carruagem.
Estava tão elegante montado no cavalo, que parecia impossível ignorá-
lo. Era alto e esbelto, tinha os ombros largos e os quadris estreitos, e
transmitia força e poder junto com uma certa graça; ao dar-se conta que
estava contemplando embevecida aquelas mãos que seguravam as rédeas,
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aquelas coxas musculosas que sobressaíam contra os lados do cavalo,
suspirou exasperada e fechou a cortina.
Estava comportando-se como uma tonta que via pela primeira vez um
homem bonito a cavalo, quando o certo era que Bruce foi comandante do
regimento e ela viu muitos peritos cavaleiros. Sim, também era verdade que
nunca viu alguém com uma aparência capaz de deixar sem sentido até os
anjos, mas mesmo assim, não deveria estar tão impactada pela simples
visão de um homem montado em um bonito cavalo.
Aconchegou-se em um canto da carruagem, e fixou o olhar na janela
oposta. Quase não dormiu na noite anterior, por isso, não demorou a fechar
os olhos.
Despertou quando pararam para comer. Foi uma pausa muito bem
vinda, e agradeceu quando, depois de comer, Fitzhugh propôs dar um
pequeno passeio antes de voltar para carruagem; como antes, ele optou por
viajar no veículo e depois a cavalo, e mesmo que Eve apreciasse o fato que
ele lhe concedesse desfrutar um pouco de solidão, a verdade era que se
aborrecia muito quando não estava em sua companhia.
A estalagem onde pararam para pernoitar era acolhedora e espaçosa, o
piso era de carvalho, e da cozinha saía um delicioso aroma que despertava
o apetite. O dono sorriu de orelha a orelha ao ver Fitz, e se apressou a
conduzi-los a seus respectivos quartos sem deixar de tagarelar.
Eve desceu para jantar depois de se lavar e trocar de roupa o mais rápido
que pode, e encontrou Fitz na sala de jantar. Ele também tinha aproveitado
para trocar de roupa. Usava uma camisa limpa e um lenço amarrado no
pescoço com simplicidade.
Ao vê-la chegar, aproximou-se dela e comentou:
— É um verdadeiro presente para os olhos, senhora Hawthorne.
Ninguém diria que passou o dia inteiro viajando.
— O mesmo lhe digo — respondeu, sorridente.
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— Fiz o que pude, mas meu valete não duvidaria em afirmar que meus
esforços foram insuficientes. Está convencido de que vou colocá-lo em
evidência quando viajo sozinho, e se surpreende enormemente quando
volto mais ou menos ileso.
Sentaram-se à mesa, e começaram a desfrutar do jantar que foi servido.
— Stiles superou a si mesmo esta noite, certamente se esforçou ao
máximo para agradá-la — comentou ele.
— Tudo está delicioso. Suponho que você se hospede aqui
frequentemente, porque o hospedeiro parece conhecê-lo bem.
— Sim, conheço esse lugar desde menino. Minha mãe tinha parentes em
Leeds, e passávamos por aqui quando íamos visitá-los; depois, quando ela
faleceu, meu avô me enviava para passar o verão com eles acompanhado de
meu valete.
— Achava que era incapaz de se vestir sozinho?
— Não, aquele era uma espécie de guardião. Era um dos lacaios mais
severos, e bastante corpulento para me manter sob controle e também
muito rígido, para não se deixar convencer quando eu queria me colocar em
alguma confusão. Durante minha adolescência, meus dois avós
concordaram que eu deveria ser controlado.
— Tinham razão?
— Claro que sim, era um verdadeiro demônio; por sorte, tenho essa
covinha na bochecha desde pequeno, e ela me salvou de muitas surras
merecidas.
— Custa-me acreditar que fosse tão terrível.
— Tinha tendência a me rebelar, embora seja o que se espera quanto se
tem um irmão mais velho como Oliver.
— Ele era um modelo de virtudes? — afastou de lado o prato depois de
terminar de comer, reclinou-se na cadeira, e tomou um gole de vinho.
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— Exato — assentiu sorridente ao ver que entendia, e acrescentou —
Seria impossível ser tão sério, convencional e inteligente como ele,
portanto, decidi ser um irresponsável; por sorte, descobri que me dava
muito bem.
Eve não pôde conter uma gargalhada, e comentou:
— Suspeito que exagere, meu senhor; afinal, concordou em assumir a
tarefa de escoltar a nova acompanhante de suas primas até Willowmere.
— Minha querida senhora Hawthorne, asseguro-lhe que escoltar uma
mulher formosa como você não é uma tarefa desagradável.
— Mas lembro de que esperava encontrar uma mulher de idade mais
avançada, assim duvido que os motivos que o impulsionaram a vir fossem
tão egoístas como quer me fazer acreditar.
— É verdade que pensava que seria uma mulher de meia idade. Não
recordo as palavras exatas de lady Vivian, mas tenho certeza que nos fez
acreditar que você era mais velha.
Eve sentiu que desmoronava.
— Céus, acha que o conde vai se sentir contrariado ao me conhecer?
— Não se preocupe, é um homem muito justo e não vai culpá-la de nada
— seu sorriso aumentou ainda mais, e acrescentou — Como já disse,
Oliver é um…
— Modelo de virtudes — Eve devolveu o sorriso — Tomara que não se
zangue pela minha idade, porque seria muito penoso para mim ter que
voltar para a casa de meu pai.
— Não acho estranho. Não se ofenda, mas desejei sair de lá poucos
minutos depois de chegar — a olhou com expressão travessa, e admitiu —
Realmente não era necessário que partíssemos para Willowmere
imediatamente, ainda falta uma semana para o casamento.
— Me alegro que arrumasse essa desculpa, embora saiba que não devo
falar mal da esposa de meu pai. É difícil que duas mulheres adultas
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convivam na mesma casa, ainda mais se forem tão diferentes como
Imogene e eu.
— Suponho que eu tampouco deveria criticá-la, mas se tivesse que viver
sob o mesmo teto que aquela mulher, certamente que um dos dois acabaria
por sucumbir.
— Eu pensava o mesmo muitas vezes — o olhou sorridente, e comentou
— Não estou acostumada a ser tão franca, parece que você é uma má
influência.
— Sim, já me disseram isso antes.
— Não parece nada arrependido.
Ele a olhou com um sorriso que fez aflorar a tal covinha, e disse:
— Acho que também sou um impenitente — se inclinou para ela, olhou-
a nos olhos, e acrescentou em um tom baixo e cúmplice — Que homem em
sã consciência não gostaria de exercer uma má influência sobre uma
mulher tão bonita como você? — o humor que brilhava em seu olhar abriu
caminho para um intenso calor.
Eve estremeceu e se sentiu excitada e exposta, como se ele pudesse ver
o fogo que permanecia escondido no mais profundo de seu ser.
— Será melhor que vá para a cama — corou assim que pronunciou
aquelas palavras. Uma dama devia dizer que iria retirar-se e jamais devia
mencionar a palavra «cama», porque isso podia dar margem a ideias
provocadoras.
Quando ficou de pé apressadamente, ele se levantou também e disse:
— Permita que a acompanhe até seu quarto.
— Não, posso subir sozinha. Fique e termine seu vinho.
— Não há razão alguma para que se retire, não preciso beber um copo
de porto, e prefiro mil vezes estar com você.
Eve olhou para ele, mas se arrependeu imediatamente de tê-lo feito,
porque parecia impossível voltar a desviar o olhar. Aqueles intensos olhos
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azuis a aprisionaram enquanto inclinava-se pouco a pouco para ela, e
apesar de saber que iria beijá-la, que deveria afastar-se o quanto antes, não
o fez.
Quando aqueles lábios suaves e quentes tocaram sua boca, com uma
delicada pressão inicial que foi ganhando intensidade pouco a pouco,
estremeceu dos pés a cabeça. Fazia tanto tempo que não sentia a carícia da
boca de um homem contra a sua… depois de um tempo de casados, Bruce
passou a evitar até mesmo isso. Já quase tinha esquecido o que se sentia,
embora nesse momento se perguntasse se alguma vez sentiu algo assim.
O beijo de Fitz era quente e doce, como mel aquecido ao sol; ao sentir
que traçava com a língua a linha onde se uniam seus lábios fechados, abriu-
os estremecida e ele aproveitou para saboreá-la e explorá-la com prazer.
Invadiu-a um calor tão intenso, tão avassalador, que teve vontade de fundir-
se com ele, de abraçá-lo e se apertar contra seu corpo, e como aquele prazer
surpreendente a fez fraquejar por um momento, percebeu o que estava
fazendo e se afastou de repente.
— Não — conseguiu dizer, enquanto cobria a boca com a mão. Tinha os
lábios quentes, úmidos, e foi incapaz de olhá-lo enquanto lutava para
recuperar a compostura.
— Eve…
Ao ver que dava um passo para ela, levantou a cabeça e se apressou a
dizer:
— Não. Apesar da impressão que sem dúvida teve de mim ontem, não
sou uma mulher fácil.
Ele esboçou um pequeno sorriso ao ouvir aquilo, e admitiu:
— Não a considero fácil; na verdade, parece que vai ser muito difícil —
depois de uma breve pausa, acrescentou — Mas tenho certeza que valerá a
pena.
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Eve não podia acreditar no quanto o desejava. Naquela altura, depois de
tantos anos, deveria ter superado aquele tipo de sentimentos, não? Sabia
que já não era uma moça impressionável que ficava embevecida ao ver um
homem bonito, por sorte, aprendeu a ocultar suas emoções, assim levantou
o queixo e se obrigou a falar com voz fria.
— Estou surpresa, senhor Talbot. Não o acreditava capaz de aproveitar-
se de uma empregada de seu irmão.
— Não tenho intenção alguma de me aproveitar de você, jamais me
deitei com uma mulher que não me desejasse.
Não havia dúvida de que isso era verdade. Fitz Talbot nunca precisaria
forçar uma mulher, certamente caíam aos seus pés como fruta madura.
— Jamais a pressionaria para obrigá-la a fazer algo que não queira —
acrescentou, antes de pegar sua mão.
Eve sabia que deveria soltar-se, mas permaneceu imóvel, atraída pelo
seu olhar, quando levantou sua mão e beijou a ponta de um dedo. Secou
sua boca, e conteve a respiração enquanto ele beijava todos os seus dedos,
um por um, lentamente e com doçura.
—Está certa que não gosta que eu a toque? — perguntou, com voz
profunda e sedutora.
Sentia-se incapaz de pronunciar qualquer palavra, e sabia que o tremor
que a sacudia de pés a cabeça era mais que evidente. Conseguiu escapar de
sua mão com uma tremenda força de vontade, deu-lhe as costas, e se
afastou um pouco antes de dizer:
— Suponho que acredita que as viúvas são um terreno fácil — se virou
para encará-lo de novo com a cabeça bem alta, e acrescentou — que somos
descaradas e imorais, mas advirto-lhe que esse não é meu caso.
Ele se aproximou com passo lento e firme, sem deixar de olhá-la nos
olhos, e parou antes de responder:
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— O que penso das viúvas é que são imensamente mais desejáveis que
as outras mulheres… e você, minha querida Eve, é a mais desejável de
todas.
Estava a poucos passos dela, e sentindo o calor que emanava de seu
corpo, e cheirando seu aroma masculino, começou a crescer em seu ventre
um desejo quente e profundo. Foi como se todo o seu interior permitisse ser
arrastada para ele, e sem notar se inclinou para ele.
Ele a abraçou com força, e a apertou contra seu corpo enquanto se
apropriava de sua boca com um beijo longo e apaixonado. Seus braços a
rodearam como barras de aço, e seus corpos se encaixaram um ao outro.
Depois de uma pequena vacilação, Eve o abraçou e se apertou a ele com
todas suas forças enquanto o beijava loucamente, enquanto saboreava seu
sabor, seu aroma e o contato de seu corpo. Todos seus sentidos estavam
concentrados naquele homem e sentia que seu próprio corpo rendia-se, e
que seus seios desejavam suas carícias.
Fitz interrompeu o beijo, ofegante, e depois de observá-la durante
poucos segundos com aqueles intensos olhos azuis, inclinou a cabeça para
o outro lado para mudar o ângulo do beijo e voltou a apropriar-se de seus
lábios.
Enquanto suas bocas se uniam, separavam-se, e voltavam a unir-se, Eve
notou o vulto de seu membro ereto, e seu próprio corpo se esticou. Queria
sentir… queria descobrir… soltou uma exclamação abafada, e se afastou de
repente.
Ele a soltou imediatamente, baixou os braços e ficou olhando-a com um
rosto tenso que transparecia uma paixão descontrolada.
Eve esteve a ponto de jogar-se de novo em seus braços ao ver o desejo
que brilhava em seus olhos, mas se abraçou com força e retrocedeu um
passo mais. Respirou fundo, e disse com voz rouca:
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— Por favor… por favor, não faça isso comigo. Não posso me deitar
com você, não pretendo fazer isso. Se sentir a menor consideração por
mim, suplico-lhe que se mantenha longe de mim — sem mais, deu meia
volta e saiu correndo.
Ele não a seguiu.
No dia seguinte, desceu para tomar o café da manhã nervosa, mas ele se
mostrou tão cortês e encantador como sempre, e não fez nem um só
comentário sobre o que aconteceu na noite anterior.
Quando chegou o momento de partir e viu que montava o seu garanhão
depois de ajudá-la a entrar na carruagem, sentiu-se um pouco desiludida,
mas lembrou de que ela mesma pediu que se mantivesse distante. Tudo
seria mais fácil se ele permanecesse afastado, porque tê-lo perto era uma
tentação, e aceitando sua amizade seria muito fácil fraquejar.
Corou lembrando-se do seu comportamento da noite anterior, que
simplesmente confirmou os rumores que as viúvas eram conquistas fáceis;
diferentemente das donzelas solteiras, as viúvas estavam familiarizadas
com os prazeres do leito conjugal, portanto, era comum que pensassem que
estariam desejosas de voltar a desfrutá-los.
Soltou um suspiro zombador, e cruzou os braços. Os prazeres conjugais
nunca tomaram parte de sua vida. Reclinou a cabeça no assento, e fechou
os olhos enquanto recordava sua noite de núpcias… os nervos, a mistura de
ansiedade e medo, o começo de tudo com beijos e carícias seguidos pelas
maldições cobertas de frustração de Bruce, que culminou com o
afastamento dele.
Naquele tempo não entendeu o que ocorreu, porque era muito inocente e
inexperiente. Bruce se enfiou em seu armário para trocar de roupa logo que
entraram no dormitório, e achou que era um gesto muito considerado que a
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deixasse despir-se a sós; depois de vestir uma virginal camisola branca com
babados bordados, com o cabelo solto e caindo sobre os ombros como uma
nuvem dourada, deitou-se na cama e se limitou a esperar.
Achou um pouco estranho que ele demorasse tanto para se despir, mas
pensou que estava dando-lhe tempo para que se preparasse. Parecia
estranho que ele estivesse tão nervoso quanto ela, mas finalmente se deitou
a seu lado, então a rodeou com um braço e começaram a conversar, e ela
relaxou e se aconchegou contra seu corpo.
Quando passou a beijá-la, algo estranho começou a crescer em seu
interior, uma sensação quente e prazerosa muito intrigante, e ao sentir que
começava a acariciá-la, desejou sentir aquela mão sob a camisola, contra
sua pele nua. O nervosismo foi se esvaindo diante do desejo de saber até
onde essas sensações novas e fascinantes a levariam, mas no final não a
levaram a lugar nenhum.
Bruce começou a lhe dar beijos cada vez mais intensos, quase
frenéticos, e agarrava sua camisola com desespero. Ela percebeu que
alguma coisa estava errada inclusive antes que ele começasse a manusear
seu próprio corpo sob o pijama, que se afastasse ruborizado e suado e se
levantasse da cama enfurecido e se amaldiçoando, que agarrasse um bibelô
que estava no criado-mudo e o atirasse contra a lareira.
Ela começou a chorar acreditando que fez alguma coisa errada, mas
como entre todos os defeitos de Bruce não estava culpar injustamente as
pessoas, virou-se para olhá-la com uma expressão dura que refletia a
repugnância que sentia por si mesmo, e disse com os olhos cheios de
lágrimas: «Não, Eve, a culpa não é sua, é somente minha”. Sempre será
minha». Então se sentou na beira da cama, e colocou as mãos nos olhos
enquanto lutava para não chorar.
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Olhou-o desconcertada durante alguns segundos, já que não sabia o que
fazer e nem sequer entendia o que estava acontecendo, e no final o abraçou
por trás e começou a sussurrar palavras de carinho e consolo.
Disse a ele que não era importante, que voltariam a tentar em outra
ocasião e tudo seria diferente, mas ele respondeu com voz embargada que
nada seria diferente, que teve esperanças que aquilo não acontecesse com
ela porque era uma dama e uma boa mulher, que acreditou que as coisas
mudariam quando tivesse uma esposa e seria capaz de… deixou a frase
inacabada, e muito envergonhado pediu perdão por cometer o erro de
casar-se com ela.
Eve suspirou ao recordar tudo aquilo, levantou a cabeça, e piscou
enquanto se virava para olhar pela janela da carruagem. Pobre Bruce, sua
impotência o atormentou durante toda sua vida. Não se deu por vencido
naquela noite e havia tentado uma e outra vez, mas o resultado sempre era
o mesmo: ele acabava frustrado e zangado consigo mesmo, e ela quente,
excitada, e insatisfeita… ao menos no princípio, porque depois de algum
tempo passou a sentir medo nas poucas vezes que ele a tomava entre seus
braços; de fato, começou a sentir uma completa indiferença e inclusive
certo ressentimento, porque sabia que aquelas tentativas acabariam em
nada, como sempre.
No final, Bruce desistiu completamente, e durante os últimos anos do
casamento viveram como irmãos. Sentiam carinho um pelo outro, mas
entre eles não existia nenhum vínculo sexual. Era óbvio que o
comportamento de Bruce (sua atitude esbanjadora, as noites que passava
bebendo e jogando cartas com seus companheiros do exército, sua falta de
cuidado quando montava a cavalo), eram sua forma de desabafar a fúria
que sentia pela impotência sexual. Jogava-se totalmente nas atividades que
pudessem demonstrar sua dignidade, mas que qualquer outro mais sensato,
teria evitado.
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Bruce sempre se lamentou que sua idade o impedisse de participar da
Guerra Peninsular; e quando pôde se alistar, a vitória sobre Napoleão já era
quase era um fato, e se sentiu frustrado ao não ter uma guerra na qual lutar;
no fim, morreu ao cair do cavalo enquanto saltava um obstáculo com seu
habitual estilo imprudente, e mesmo ela tendo chorado sua morte,
consolava-se com a esperança que o pobre por fim, tivesse encontrado a
paz.
Ela, por sua vez, descobriu graças a seu casamento a sensualidade que
tinha latente em seu interior. Surpreendeu-se ao sentir desejo pela primeira
vez e teve vontade de se aprofundar naquele prazer inesperado que mal
começou a conhecer, mas apesar da facilidade que encontrara para
satisfazer seus desejos, jamais trairia seu marido. E se estivesse disposta a
ter um amante, isso teria eliminado suas esperanças de ganhar a vida
trabalhando como acompanhante ou como preceptora. Ninguém daria um
emprego assim para uma mulher que não tivesse uma reputação imaculada.
Apoiou a cabeça contra a janela e o olhar em Fitz, que tinha um porte
imponente montado em seu cavalo. Contemplou com prazer seus largos
ombros e o perfil de seu rosto, consciente que teria que esforçar-se muito
para não sucumbir ao encanto de um homem tão atraente e adorável.
Com um pouco de sorte, ele logo se aborreceria em Willowmere e
optaria por retornar a Londres pouco depois do casamento; por mais
simpático que fosse, era como tantos outros jovens solteiros da alta
sociedade, que se dedicavam a perambular e passar o tempo procurando
novas diversões na cidade… uma cantora de ópera, uma luta de boxe, uma
nova casa de jogo clandestino… Fitz queria conquistá-la, mas assim que se
conformasse que ela não cederia, naturalmente se daria por vencido e
retornaria a Londres em busca de algo mais interessante; por alguma razão,
aquilo não a animou absolutamente.
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Fizeram uma parada ao meio dia, e desfrutaram da comida que foi
oferecida pelo hospedeiro. Estavam num lugar alto que proporcionava
paisagens magníficas da Região dos Lagos, as colinas se elevavam na
distância, e a seus pés via-se uma lagoa muito escura, mas mesmo assim,
não demoraram muito. Fitz comentou que Willowmere já estava perto, que
faltava uma hora de viagem mais ou menos, e os dois queriam chegar o
quanto antes.
Os cavalos aceleraram o passo chegando naquela zona na qual estavam
mais familiarizados, e Eve sentiu uma mistura de tensão e excitação
conforme se aproximavam de seu destino. Atravessaram um pequeno
povoado, e ao ver que o veículo se enfiava por um caminho pouco depois,
endireitou-se ainda mais no assento e olhou interessada pela janela; depois
de percorrer um longo caminho, a carruagem saiu finalmente em um
extenso gramado. Na direita, podia-se ver uma pequena e escura lagoa
junto a um caramanchão e uma encantadora ponte, sua atenção se
concentrou na casa que estava diante de seus olhos.
Era um edifício enorme que não pertencia a nenhum estilo arquitetônico
específico e dava a impressão que tinha sido aumentado ao longo dos anos,
que foram acrescentados novos pavilhões conforme a necessidade ou talvez
por puro capricho. Tinha construções com três andares, mas também havia
algumas com dois e até um apenas térreo. Embora fosse predominante o
tom amarelado, a cor era irregular devido a algumas pedras mais
escurecidas que outras, pelo desgaste e pelo tempo. Havia uma pequena
parte construída com tijolos, e uma das paredes estava coberta quase por
completo de hera; mesmo assim, e por estranho que parecesse, o resultado
final não era discordante, a não ser agradável e harmonioso.
Era como se um lar acolhedor tivesse crescido até alcançar grandes
dimensões, e essa sensação ficava potencializada tanto pelos arbustos que
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rodeavam o edifício como pelos amplos jardins que se estendiam em ambos
os lados.
Willowmere era imponente, porém possuía um encanto único e Eve
gostou imediatamente.
Fitz desmontou assim que a carruagem parou, e depois de passar as
rédeas do garanhão a um lacaio, aproximou-se para abrir a portinhola e
disse:
— Bem vinda a Willowmere, o que acha? — em seu rosto se refletia o
afeto e o orgulho que sentia por aquele lugar.
Ela tomou sua mão para descer do veículo, e depois de dar uma boa
olhada na casa, olhou-o sorridente e disse com sinceridade:
— É linda, realmente linda. Você cresceu aqui?
— Sim, até os dezessete anos, porém, ocasionalmente fiz algumas
viagens a Londres — se virou de novo para a casa, e acrescentou — Devo
confessar que sempre é um prazer contemplar este lugar. Entremos já,
quero lhe apresentar minhas primas e Stewkesbury.
Eve aceitou o braço que ofereceu, e atravessaram o pequeno e cuidado
gramado diante da casa. A porta principal se abriu num instante antes que a
alcançassem, e um sorridente lacaio os saudou com uma reverência e disse:
— Bem vindo, senhor Talbot.
— Obrigado, Paul. Meu irmão está em casa?
— Sim, tanto sua senhoria como sir Royce. Acredito que estão no
escritório. Mandei avisar sua senhoria assim que vimos à carruagem se
aproximar.
Fitz entregou o chapéu e as luvas antes de dizer:
— Apresento-lhe à senhora Hawthorne, vai morar aqui durante algum
tempo.
— É um prazer, senhora — o lacaio se inclinou diante ela antes de pegar
também seu chapéu e suas luvas.
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Eve se virou a tempo de ver dois homens que se aproximavam e soube
imediatamente que um deles era irmão de Fitz, porque se pareciam muito.
Era um pouco mais baixo que ele e ligeiramente mais largo nos ombros e
no peito, tinha o cabelo castanho escuro e os olhos cinzentos, e seus traços
eram muito parecidos com Fitz, mas sem chegarem a serem tão perfeitos. O
outro homem também era alto, mas tinha os olhos verdes e o cabelo de um
tom loiro escuro, e apesar de ser muito bonito, seu rosto era diferente dos
outros dois.
Os dois desconhecidos se aproximaram sorridentes, e o de cabelo
castanho exclamou:
— Olá, Fitz!
— Olá aos dois — depois de trocar apertos de mão, Fitz se virou para
ela e se encarregou das apresentações de praxe — Me permitam apresentar
à senhora Hawthorne. Senhora Hawthorne, apresento meus irmãos, lorde
Stewkesbury e sir Royce Winslow.
O conde ficou surpreso ao vê-la, mas recuperou a compostura
rapidamente e deu um passo a frente antes de saudá-la com uma inclinação
formal.
— Bem vinda a Willowmere, senhora Hawthorne, espero que tenha
feito uma boa viagem.
— Sim, foi muito agradável. Obrigada — mesmo conseguindo sorrir,
por dentro estava cada vez mais tensa, porque era óbvio que o conde estava
tão surpreso com sua aparência como ficou Fitz. Cada vez sentia mais
curiosidade para saber o que Vivian tinha dito sobre ela.
— Encantado, senhora Hawthorne — disse sir Royce, antes de inclinar-
se diante ela. Se estava surpreso ao vê-la, dissimulou mais rapidamente ou
com maior eficiência que seu meio-irmão, porque seu rosto só refletia um
cordial interesse.
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— Para minhas primas vai ser um verdadeiro prazer conhecê-la, vou
ordenar que as chamem e…
O conde não conseguiu acabar a frase, porque nesse momento alguém
soltou um estridente grito no andar de cima.
58
Capítulo 4
Depois do grito, ouviram que alguém gritava: Pirata! E logo em seguida,
um cão desceu a escada como um raio seguido de algumas moças. Era um
animal pequeno que parecia ter molas nas patas, porque desceu a escada e
atravessou o vestíbulo pulando. Seu curto pelo branco estava cheio de
manchas negras, e uma em especial, rodeava seu olho e parecia uma
espécie de tapa olho. Certamente essa era a razão de seu nome… por isso, e
pela cicatriz que atravessava seu focinho e levantava o lábio superior numa
espécie de “eterno sorriso zombador”.
O cão levava na boca o que sem dúvida era o motivo dos gritos e da
frenética perseguição, um arco de flores brancas de seda com um véu e
várias fitas. Foi correndo direto ao vê-los no vestíbulo, e depois de saltar
entusiasmado para Fitz, começou a correr como um louco ao redor de sir
Royce, que falhou em seu intento de apanhá-lo.
Foi quando Pirata se virou para Eve, e quando ela bateu palmas e abriu
os braços, o animal se jogou para ela sem duvidar. Segurou-o nos braços e
enquanto pegava o véu com uma mão, fez carinho em sua barriga com a
outra. O cão fechou os olhos, abriu a boca, e mostrou a língua extasiado e
soltou o véu. Ela aproveitou para pegá-lo e o entregou a uma das jovens.
— Obrigada! — exclamou a moça, com um sorriso de alívio.
O conde arqueou uma sobrancelha, e comentou:
— Ora, as dúvidas acabam de desaparecer. Está claro que é a mulher
certa para o cargo, senhora Hawthorne.
— Muito certo — comentou sir Royce, sorridente — Se for capaz de
controlar Pirata e lidar com as irmãs Bascombe, não terá dificuldades.
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— Obrigada — voltou a dizer a moça que segurava o véu.
Era uma jovem atraente de olhos vivos de uma cor cinza esverdeado,
pele rosada, e cabelo castanho claro que o sol salpicou com mechas
douradas. Era bem parecida com a mulher de cabelo escuro que estava atrás
dela para confirmar que eram irmãs, e como Fitz comentou que eram três
Bascombe que ainda viviam na casa, imaginou que a esbelta loira de olhos
cinzentos que as acompanhava era a terceira irmã.
— Me permita que a apresente a minhas primas, senhora Hawthorne —
disse o conde — A senhorita Bascombe.
Quando o conde apontou a mulher de cabelo castanho escuro e olhos de
um tom entre verde e azul, Eve supôs que se tratava da irmã mais velha,
Mary, a que se casaria em uma semana. Tinha um rosto oval, e traços
firmes, porém atraentes.
O conde apontou então para a jovem que era menos parecida com as
outras duas, a loira de olhos cinzentos, e disse:
— A senhorita Camellia Bascombe… e por último, esta garotinha é a
senhorita Lily Bascombe — embora o conde permanecesse impassível, o
brilho de seus olhos indicava que sabia como reagiria a moça que agarrou o
véu, quando ouvisse que a chamavam «garotinha».
— Não sou uma garotinha, primo Oliver! Dentro de poucos meses farei
dezenove anos! — exclamou, indignada.
— Me desculpe, tem razão. Já está a um passo da velhice.
Depois de fazer uma careta ao conde, Lily Bascombe se virou para Eve
e disse:
— Pirata apareceu do nada e me tirou o véu enquanto estava bordando,
Mary me mataria se fosse estragado. Foi muito esperta quando conseguiu
que o soltasse sem ter que usar a força, senhora Hawthorne.
— Estava claro que gostaria de arrancar as fitas até destruí-lo, por isso,
pensei em distraí-lo para que o soltasse - respondeu, sorridente.
60
Mary Bascombe se aproximou também, e apertou sua mão com firmeza
antes de dizer:
— Eu também devo agradecer, o véu que acaba de salvar é meu.
— Fico feliz por ter sido útil — respondeu, sorridente. Virou-se para
saudar a terceira irmã, Camellia, que apertou sua mão com tanta força
como Mary e a observou com o mesmo olhar direto.
— Acredito que já me conhece.
Ao ouvir aquela voz tão familiar atrás de si, virou-se de repente e viu
sua amiga Vivian descendo a escada.
— Vivian!
A beldade ruiva sorriu, e desceu os últimos degraus rapidamente
enquanto estendia os braços num um gesto de boas vindas. Eve se apressou
em sua direção e se abraçaram.
— OH, Viv, como estou feliz em vê-la! Obrigada — murmurou, antes
de se afastarem.
Vivian a olhou sorridente, e comentou:
— Não sei quanto vai durar seu agradecimento. Estamos imersas nos
preparativos do casamento, e logo você estará envolvida em toda essa
confusão.
— Já está — comentou Mary Bascombe - A senhora Hawthorne
conseguiu salvar meu véu de Pirata. Algumas flores estão babadas, mas dá
pra consertar.
— Não lhes disse que era perfeita para o cargo.
— Sim, é verdade — o conde deu um passo à frente, e a olhou com uma
expressão carregada de ironia — Por alguma estranha razão, tive a
impressão que a senhora Hawthorne seria uma mulher muito mais…
madura.
Lady Vivian arregalou seus olhos verdes, e respondeu com falsa
inocência:
61
— Sério? Não disse isso.
— Seriamente? — murmurou ele secamente.
Lady Vivian o olhou desafiante, e respondeu com firmeza:
— Lembro perfeitamente que te disse que era uma amiga minha —
pegou Eve pelo braço, e deu alguns passos para o conde antes de
acrescentar — De qualquer maneira, isso não é importante, não é? O que
conta é que a senhora Hawthorne é a pessoa certa para te ajudar, e acredito
que as moças se relacionarão melhor com alguém que não é muito mais
velha do que elas — se virou para as três irmãs, e perguntou — Concordam
comigo?
Tanto Lily como Camellia se apressaram a concordar, e Mary comentou
com expressão travessa:
— É muito melhor que a senhorita Dalrymple.
O conde soltou um sonoro suspiro antes de admitir:
— Sim, já sei, e sou consciente que fui eu quem cometeu o engano
nesse sentido. Não tenho dúvida que tem razão, Vivian.
— Surpreende-me ouvi-lo dizer tais palavras — comentou ela,
sorridente.
Depois de lançar outro olhar mais que eloquente a Vivian, o conde fez
uma pequena inclinação para Eve e disse com firmeza:
— Estou convencido que a senhora Hawthorne realizará um excelente
trabalho.
— Deve estar esgotada depois da viagem, tenho certeza que está
desejando descansar um pouco — disse Fitz.
— É obvio, tem toda a razão. Não devemos prendê-la mais.
As irmãs Bascombe se aproximaram imediatamente de Vivian e Eve e
se ofereceram para levá-la até seu dormitório, mas todos se viraram ao
ouvirem batidas na porta.
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O lacaio abriu imediatamente, e apareceu uma mulher esbelta e
elegante. Estava vestida com um vestido de musselina, e usava também um
casaquinho azul que combinava perfeitamente com o chapéu e também
com seus claros olhos azuis. Tinha um rosto delicado e oval emoldurado
por cachos loiros, e estava com a fita do chapéu amarrado num elaborado
laço sob o queixo; em resumo: era uma preciosidade.
Seu olhar recaiu primeiro sobre Fitz, que era quem estava mais perto da
porta, e exclamou:
— Ora, Fitz, alegra-me que já esteja de volta! Não sabe como tudo fica
aborrecido sem você.
Eve sentiu uma pontada de irritação ao ver que o olhava com um sorriso
deslumbrante.
— Lady Sabrina — tanto a saudação como a inclinação de Fitz foram
muito formais.
A mulher estendeu a mão para ele, e tocou seu braço por um instante
antes de dizer:
— Aposto que todas as moças do povoado sentiram sua falta, quero que
me conte com detalhes como foi sua viagem.
— Sinto que não há muito para contar.
Como aquela resposta não dava margem para estender a conversa, lady
Sabrina optou por concentrar-se nos outros. Seu olhar foi primeiro até sir
Royce, mas se limitou a saudá-lo apenas com uma fria inclinação de cabeça
antes de aproximar-se do conde.
— Olá, Stewkesbury. Voltava de uma pequena saída de compras, e me
ocorreu passar por aqui para ver se lady Vivian quer que a leve para casa
— nesse momento viu Eve e aquele rosto encantador mudou ligeiramente,
tornou-se mais duro e frio enquanto a observava dos pés a cabeça.
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Eve teve a impressão que aqueles olhos azuis analisavam até o menor
detalhe, da cor de seu cabelo até o vestido que tinha muito anos de uso, mas
permaneceu calada e foi Stewkesbury quem se encarregou da apresentá-las.
— Lady Sabrina, me permita que apresente à senhora Hawthorne.
Senhora Hawthorne, apresento lady Sabrina Carlyle.
— Sim. Suponho que é a nova acompanhante contratada.
Vivian se empertigou quando percebeu seu tom cheio de desdém, e
respondeu:
— Há anos que a senhora Hawthorne e eu somos boas amigas.
O conde se apressou a comentar com serenidade:
— A senhora Hawthorne teve a amabilidade de concordar em
permanecer uma temporada conosco. Estamos muito gratos, porque
provavelmente minhas primas se sentirão muito solitárias quanto Mary
partir.
Eve olhou lady Sabrina com um sorriso doce, e disse:
— É um prazer conhecê-la, faz muito tempo que tenho vontade de
conhecer a tia de lady Vivian.
O olhar de lady Sabrina se tornou gelado, e depois de conseguir sufocar
com muita dificuldade uma gargalhada, Vivian comentou:
— Obrigada por se preocupar comigo, Sabrina. Foi muito generoso de
sua parte, mas ainda temos muitas coisas para fazer aqui, e quero aproveitar
para conversar com minha amiga. O conde foi muito amável oferecendo
sua carruagem para que eu volte para casa, portanto, não tem motivo para
se preocupar.
— Bem, nesse caso… já vou.
Eve reparou que ninguém, nem sequer o conde, tentava convencê-la
para que ficasse um pouco mais para tomar chá, e a situação a desconcertou
um pouco.
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Houve um incômodo momento de silêncio quando a dama partiu, mas
no final o conde pigarreou um pouco e se virou para as Bascombe.
— Poderiam mostrar à senhora Hawthorne seu quarto, primas? —
inclinou-se diante dela, e acrescentou — Ofereço novamente boas vindas a
nossa casa, senhora Hawthorne.
— Obrigada, milord.
Stewkesbury se virou para Fitz e Royce, e disse:
— Gostariam de um gole? Cairá bem tirar da garganta o pó do caminho,
Fitz; recebi uma carta de seu administrador, e há vários assuntos
financeiros de muita importância sobre os quais quero te consultar.
Enquanto os três se afastavam pelo corredor, Fitz comentou em tom de
brincadeira:
— Não há bebida suficiente para aguentar uma conversa assim. Você
não poderia responder por mim, Oliver?
Vivian pegou Eve pelo braço antes de dizer:
— Venha, acredito que vai gostar muito do seu quarto — enquanto
subiam a escada seguidas pelas Bascombe, inclinou-se um pouco para ela e
sussurrou — Só está aqui há cinco minutos e já conseguiu conquistar suas
pupilas, impressionar o conde, e adquirir uma inimizade para toda a vida,
minha querida.
— Foi sem querer… ao menos, a inimizade. Espero que as moças
gostem de mim, e que o conde não se decepcione comigo.
— Não se preocupe com isso, te conheço e sei que em breve estará
convencido que sua contratação foi a melhor ideia que teve em sua vida.
— Não sei, tenho a impressão que todos ficaram surpresos pela minha
idade. O que disse a eles?
— Nunca mencionei sua idade, Eve. Limitei-me a comentar sobre sua
inteligência e sua maturidade e que estava qualificada para lidar com duas
65
moças cheias de energia — se virou para as Bascombe, e perguntou — Não
é verdade?
Mary soltou uma gargalhada antes de responder:
— Sim, o primo Oliver nunca perguntou diretamente a idade da senhora
Hawthorne.
— Viu? Ele formou uma ideia sobre você por conta própria, mas se
tivesse me perguntado a respeito, teria dito que só é poucos meses mais
velha do que eu.
— Você é muito hábil em evitar perguntas diretas, Vivian — comentou
Lily — Eu adoraria ter essa habilidade, mas sempre dá a impressão que
estou tramando algo.
— Claro, porque é o que faz — disse Camellia.
— Já está bem, garotas — a julgar pelo tom de voz de Mary, era óbvio
que estava acostumada a intervir entre suas irmãs menores — Não
gostariam de afugentar a senhora Hawthorne quando acaba de chegar, não
é?
— Acredito que uma pequena rixa não seria suficiente para me
afugentar.
Mary a olhou com um sorriso travesso antes de dizer:
— Me alegro, porque o que ninguém lhe disse é que, embora sejam só
duas irmãs que sobraram, são as mais difíceis de controlar.
Aquele comentário provocou protestos acalorados tanto de Lily como de
Camellia, e as três irmãs começaram uma discussão brincalhona cheia de
risadas que acabou assim que chegaram ao quarto de Eve. Lily abriu a
porta com dramaticidade, indicou que entrasse, e a observou com ansiedade
junto às demais para ver sua reação.
Eve olhou assombrada ao seu redor, porque o aposento era muito maior
e elegante do que esperava; de fato, era muito mais imponente que o de sua
66
casa. A cama tinha um dossel verde escuro, e estava ladeada por duas
janelas com vista para o jardim. Junto a uma delas havia uma poltrona que
parecia muito confortável e não tinha roupa suficiente para encher a
cômoda e o armário. O mobiliário se completava com uma pequena
escrivaninha, uma penteadeira com espelho, e uma banqueta que estava
perto da lareira e que seria ideal para as noites de inverno.
— É um lindo quarto — disse, com total sinceridade.
Foi Lily quem respondeu:
— Nossa irmã Rose ocupou este quarto antes de se casar e retornar para
a América. Lady Vivian disse ao primo Oliver que você devia ter um
quarto bonito, que não podia instalá-la no primeiro quartinho afastado que
lhe ocorresse.
— Respondeu que, como estava tão preocupada com o assunto,
possivelmente deveria se encarregar ela mesma de escolher o quarto —
acrescentou Camellia.
— E foi isso que fiz — lady Vivian soltou uma pequena gargalhada
antes de admitir — Stewkesbury estava sendo irônico, mas assim aprenderá
a pensar duas vezes antes de me propor algo assim novamente.
— O quarto é maravilhoso, assim obrigada… a todas — Eve olhou um
por um aqueles rostos sorridentes, e acrescentou — Mal as conheço, mas
tenho a sensação que vamos ser grandes amigas.
Lily soltou um gritinho de entusiasmo, e a abraçou antes de exclamar:
— Com certeza que sim! O primo Oliver tinha razão, com certeza a sua
companhia nos fará aceitar melhor a partida de Mary. Não concorda, Cam?
Camellia se limitou a assentir. Não era tão efusiva nem impulsiva como
sua irmã, mas Eve viu a boa vontade que refletia em seu rosto, e se sentiu
comovida. Aquelas jovens mal a conheciam, mas estavam tratando-a com
mais afeto que Imogene em todos aqueles anos.
Mary passou um braço pela cintura de Lily, e disse com firmeza:
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— Vamos, já é hora que deixemos a pobre senhora Hawthorne
conversar a sós com Vivian; além disso, lembrem que terão que arrumar
meu véu — depois de lançar um último sorriso a Eve, saiu com suas irmãs
do quarto.
Eve sentiu de repente o peso do cansaço acumulado, e se sentou na
poltrona pesadamente. Soltou um suspiro, e comentou:
— Que dia!
— Mas valeu a pena, principalmente se livrar da senhora Childe —
Vivian se sentou no tamborete da penteadeira antes de acrescentar — Não é
verdade?
— É obvio!
Lavou o rosto e as mãos enquanto Vivian pedia que trouxessem o chá, e
em poucos minutos estava comodamente sentada na poltrona, vestida com
uma bata e escovando o cabelo, com sua amiga sentada na banqueta junto a
ela.
— Obrigada por tudo, Viv. Não sabe o quanto isso significa para mim.
Vivian corou um pouco, como se estivesse incomoda com tanto
agradecimento.
— Não fiz grande coisa, Eve; além disso, você é a candidata perfeita
para o cargo. Só lancei a ideia para Stewkesbury, mas eu gostaria de fazer
muito mais.
— Sim, já sei.
— Por que não se muda para minha casa? É enorme, há espaço de sobra.
— Não posso te pedir tal coisa, seria abusar.
— Absolutamente, ofereço de coração.
— Não posso permitir que me mantenha, Viv. Pense em como isso
afetaria nossa amizade, ficaria constrangida por um sentido de obrigação e
de dever, por gratidão. Deixaríamos de ser duas amigas apenas, duas
68
companheiras de escola que estudaram juntas na academia para jovens
damas da senhorita Coverbrook.
Sua amiga soltou uma pequena gargalhada, e admitiu:
— Pode ser que tenha razão, mas detesto que seja obrigada a viver com
sua madrasta; ao menos poderia me visitar durante temporadas mais longas,
um mês é muito pouco tempo.
— É o que posso fazer, entre um emprego e outro.
— Como quiser, já sei que é inútil discutir com você.
— Isso nunca foi um impedimento para você — Eve a olhou com um
sorriso de orelha a orelha.
Nesse momento bateram na porta, e entrou uma donzela carregada com
uma bandeja que continha, além de um bule e duas taças, um prato de
bolachas.
— Acho estranho que tenham tantos cuidados com uma simples
acompanhante — comentou Eve, enquanto servia o chá.
— Os serviçais apreciam muito as Bascombe, e sua antecessora era
déspota e desagradável. Teria adorado pedir a Stewkesbury que a mandasse
embora, mas tenho certeza que ele teria teimado só para me contrariar.
— Ah, sim? Geralmente, os cavalheiros estão desejosos de realizar seus
desejos.
— Sua prima Charlotte e eu costumávamos aprontar brincadeiras de
meninas com ele, já sabe que somos grandes amigas. Eu passava os verões
na casa de meus tios, que é bastante perto daqui. Oliver tem sete ou oito
anos mais que nós, e sempre foi muito sóbrio e responsável.
— É um afetado?
— Eu não diria tanto. Sempre teve senso de humor, inclusive naquele
tempo, mas como era mais velho e estava estudando em Oxford,
considerava-se muito superior a nós. Eu gostava muito dele, e isso
contribuía para que minhas brincadeiras fossem inclusive mais pesadas.
69
— Sério? Nunca me contou isso!
— Não gosto de falar sobre isso, a verdade é que quase não posso
admitir para mim mesma. Já naquela época sabia que era um absurdo, e
sete anos é uma grande diferença nessa idade. Ele me considerava uma
ferinha desalinhada… e na verdade, motivos não faltavam… e eu sabia que
era um arrogante, apesar de seu corpo atraente.
— E como estão as coisas agora? Poderia surgir algo entre vocês?
Vivian a olhou surpresa, e soltou uma gargalhada antes de responder:
— Claro que não, tal ideia continua sendo um absurdo. Somos polos
opostos, e sempre seremos. Admito que é muito bonito, mas não podemos
passar nem cinco minutos juntos sem nos irritar um com o outro; de fato,
passamos anos sem nos ver, porque ele quase nunca vai a Londres, e
voltamos a nos chocar assim que nos encontramos de novo. Suponho que
tenho por ele o carinho típico que se sente para uma pessoa a quem se
conhece desde a infância, apesar de sua personalidade, e não há dúvida que
é um homem ao que se pode recorrer no caso de estar em algum apuro, mas
não tenho nenhum interesse nele do ponto de vista sentimental — negou
com a cabeça, e se pôs a rir — Nenhum absolutamente.
Eve optou por deixar de lado o assunto, e agarrou uma bolacha antes de
dizer:
— Bem, me conte as últimas fofocas; graças a suas cartas, estes dois
últimos anos foram mais suportáveis.
Vivian a olhou sorridente e continuaram conversando de forma natural,
mas em seguida, Eve sacudiu as migalhas das mãos e ficou de pé.
— Eu adoraria continuar conversando, mas acredito que não me pagam
por tomar chá e fofocar com você, acho que já é hora de assumir minhas
responsabilidades.
Saíram logo depois que se vestiu e logo encontraram as Bascombe, já
que no dormitório ao lado ouviram vozes e risadas. As três irmãs se
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viraram para a porta quando entraram, e Lily sorriu de orelha a orelha e
exclamou:
— Senhora Hawthorne, lady Vivian! Consegui consertar o véu, nem
sequer se nota que Pirata o babou.
Aproximou-se delas para mostrar com orgulho, e Eve o examinou com
atenção antes de dar seu veredicto.
— Sim, muito bem feito.
Mary se aproximou também, e perguntou:
— Descansou o suficiente, senhora Hawthorne? Certamente que o
primo Oliver não espera que esteja o tempo todo com minhas irmãs.
— Sinto-me bem, obrigada. Estou desejando participar dos preparativos
para o casamento.
— Oh, não, já começamos outra vez — protestou Camellia, com tom de
sofrimento.
Foi Lily que respondeu:
— Não seja desmancha prazeres, todas as demais gostam de falar sobre
o casamento. Mostre seu vestido à senhora Hawthorne, Mary.
Tiraram o vestido do armário, e depois dos comentários entusiasmados,
começou uma conversa sobre as flores e os enfeites da igreja e da festa.
— Há muitos convidados? — perguntou Eve.
— Não — respondeu Vivian.
— Pois eu acredito que são mais que suficientes, não conheço a maioria
— comentou Mary.
Vivian foi contando com os dedos enquanto indicava os convidados:
— Alguns parentes de Royce, minha amiga e prima das Bascombe,
Charlotte Ludley, a mãe dela, lady Cynthia, lorde e lady Kent…
— Tia Euphronia não vai vir, obrigada meu Deus! — comentou
Camellia — Porém, teve o magnânimo detalhe de enviar uma carta a Mary,
71
dizendo o quanto agradecida deveria estar pelo fato que Royce estivesse
disposto a casar-se com ela.
— Sério? — Eve a olhou, boquiaberta.
— Sim — os olhos cinzentos de Mary escureceram — Na carta também
elogiava Royce, pelo sacrifício que estava fazendo pela família.
— Ora, com certeza não se atreveria a comparecer depois de escrever
tudo isso — comentou Eve.
— Claro que não, mas gostaria de dizer na sua cara o que penso dela —
Mary se virou para olhá-la, e perguntou — Você a conhece?
— Lady Harrington? — Eve não pôde conter uma risada — Sim, é
claro. Todos que passaram pela temporada social londrina sabem quem é
lady Harrington.
— Tudo é motivo para críticas, mas optar por não convidá-la é muito
pior, porque desse modo, critica ainda mais. É impossível ignorá-la.
Lily ficou desanimada ao ouvir as palavras de Vivian.
— Céus, também irá nos criticar quando formos a Londres?
— Não tenha a menor dúvida… mas não se preocupe, também criticará
todas as outras.
— Também criticava você, Vivian? — era óbvio que aquela
possibilidade parecia inconcebível para Camellia.
Vivian se pôs a rir, e admitiu:
— Continua me criticando.
— Mas se é filha de um duque! Deveria te considerar intocável.
Tanto Eve como Vivian puseram-se a rir pelo comentário de Mary, e foi
a primeira quem respondeu:
— Ninguém é intocável aos olhos de lady Euphronia… exceto ela
mesma, claro.
— Admite que minha família possui uma longa linhagem, por isso, meu
pai não é «um vulgar qualquer» — a voz de Vivian refletia um profundo
72
sarcasmo — Soube que foi assim que definiu lorde Kelton, cuja família
ostenta o título há duzentos anos. Suponho que isso é um detalhe para ela.
Os Carlyle são muito amalucados para seu gosto, e essa é uma opinião que
alguns membros da alta sociedade compartilham; além disso, minha cor de
cabelo parece ser uma afronta ao seu bom gosto.
Camellia se pôs a rir antes de comentar:
— Que bobagem! E o que dizia de você, senhora Hawthorne?
— Vejamos… que me achava superior sem merecer, porque sou filha de
um simples clérigo… e embora meu pai tenha um primo que é conde, isso
não significa nada. E que mais… ah, sim, disse que acreditava que lavava
meu cabelo com suco de limão e o secava ao sol para que ficasse com esse
tom louro, mas garanto que jamais fiz algo assim.
— Isso do limão funciona? — perguntou Lily.
Eve não pôde evitar tornar a rir.
— Não sei, nunca tentei.
— A tia Euphronia é uma velha insuportável — Camellia levantou o
queixo com rebeldia, e ordenou a Lily — Não deve permitir que te
intimide.
— Não permitirei… ao menos se você estiver comigo.
— Estarei, mesmo achando que as danças e essas festas sejam uma
chatice.
— Acredito que se tornarão bastante interessantes quando tiver um
monte de jovens cavalheiros ao seu redor — disse Eve.
— A mais requisitada será Lily, não eu.
— Serão as duas, garanto. São muito atraentes, são primas do conde, e
têm uma história muito pitoresca, assim, se tornarão o centro das atenções.
Essa é a razão pela qual o conde quer que tenham uma acompanhante,
porque não deseja que entrem nessa empreitada sem a preparação
adequada.
73
— Eu acreditava que o que quer é nos torturar — a julgar pelo pequeno
sorriso que esboçou Camellia, era óbvio que estava brincando… bom, ao
menos em parte.
— Não seja tola, o que acontece é que não quer que o deixemos em
evidência — comentou Lily.
— Eu diria que o que não quer é que vocês fiquem em evidência —
comentou Vivian — O conde não se envolve muito na sociedade, nem dá
importância a ela. Se alguém tentasse envergonhá-lo fazendo alusão ao
comportamento de vocês, aposto que se limitaria a olhar com desdém e a
ignorar completamente. Realmente acredito que está tentando ajudá-las.
— Sim, imaginem o quanto mortificadas ficariam se tivessem que
participar de um jantar de apresentação quando ainda não sabíamos qual
era o talher para o peixe — disse Mary.
Eve lhe deu razão imediatamente.
— Isso é certo. Dizem que terá que aprender dos próprios erros, mas me
parece muito melhor aprender antes de errar.
— Pois eu continuo dizendo que preferiria ficar aqui, e me divertir
montando a cavalo e atirando — disse Camellia, teimosa — E isso me
lembra que já está na hora de nossas aulas de tiro, Vivian.
Eve a olhou boquiaberta.
— Aulas de tiro? Vivian e você estão aprendendo a disparar uma arma?
Camellia se pôs a rir, e foi Vivian quem deu a explicação.
— Não, Cam está me ensinando a atirar. Tem boa pontaria, e também
sabe usar uma faca.
Ao ver que Eve a olhava asustada, Camellia soltou um sonoro suspiro.
— Sim, já sei que uma dama como Deus manda não deveria saber fazer
essas coisas.
Eve soltou uma gargalhada, e comentou:
74
— Aconselho-a que não admita tais habilidades na frente das damas da
alta sociedade, mas eu estou muito impressionada. Deve sentir-se muito…
segura de si mesma, inclusive quando está sozinha.
— Exato — Vivian ficou de pé antes de dizer — Por isso quero
aprender, e parece que melhorei bastante. Anda, Eve, venha conosco.
— Sim, vamos todas! — exclamou Lily.
— De acordo, vou pegar meu chapéu — Eve esboçou um sorriso
enquanto retornava ao seu quarto. Era óbvio que naquela casa não teria que
se preocupar se sua vida seria muito aborrecida.
Capítulo 5
75
Enquanto o conde se sentava atrás de sua mesa para ler alguns
documentos, sir Royce saiu com Fitz do escritório e lançou um olhar cheio
de diversão antes de comentar:
— Boa jogada, pensei que não conseguiria que Oliver se encarregasse
da carta de seu administrador.
Fitz riu antes de responder em tom de brincadeira:
— Duvida de mim? De verdade, Royce, sinto-me ferido.
— Não seria ruim empregar um pouco de tempo administrando seus
próprios assuntos.
— Por que? Há uma infinidade de coisas muito mais divertidas para
ocupar meu tempo, e sabe muito bem que Oliver desfruta com essas
tarefas. Gosta de fazer o sacrifício e me aconselhar que preste mais
atenção, mas já sabe que no fim acabará sendo ele quem se encarregará;
além disso, faz tudo melhor do que eu.
— Mesmo assim, como pode estar certo que não estão te roubando?
— Está louco? Como pode pensar sequer que Oliver…?
— Não, homem, não me refiro a ele.
— Oliver se encarrega de conferir todos os relatórios do meu
administrador, portanto, logo perceberia qualquer irregularidade; em todo
caso, nosso tio comanda o negócio e eu me limito a aceitar o dinheiro,
como você. Não pensa que o tio Avery está nos roubando, não é?
— Deus, claro que não, mas… você não gostaria de saber o que é o que
tem?
— Eu gosto de saber que tenho bastante para comprar um grupo de
cavalos se quiser, ou uma jaqueta nova, ou o que deseje muito. Há dinheiro
de sobra para isso, porque se não fosse assim, tanto Crabbe como meu tio e
mesmo Oliver já teriam me avisado isso antes — olhou sorridente, e
acrescentou — Não sou como você, que cresceu sabendo que iria herdar as
76
propriedades de seu pai… uma casa, terras. O avô criou Oliver e você com
o objetivo que aprendessem a administrar esse tipo de bens, mas eu só
herdei dinheiro. Já sabe como era o pai de nossa mãe, queria que fôssemos
cavalheiros e que jamais sujássemos as mãos trabalhando.
— Mas algum dia, quando te casar, terá sua própria casa e suas terras,
não?
— Não sei por que, mas assim que um homem propõe casamento a uma
mulher, acredita que os outros estão dispostos a colocar a corda no pescoço
também.
— Você deve considerar o quanto a convicção de um homem pode
mudar rapidamente quando conhece a mulher adequada.
— Conheci muitas mulheres adequadas, Royce; realmente, existem
muito poucas que sejam inadequadas.
— Já sabe a que me refiro… aquela que foi feita para você, e que faz
que não entenda por que pensou anteriormente que quisesse permanecer
solteiro.
— Alegra-me que tenha encontrado Mary e desejo aos dois uma vida
cheia de felicidade, mas não acredito que o casamento faça parte do meu
futuro.
Enquanto falavam, saíram da casa, e após pararem por um momento
para que Royce acendesse um cigarro, percorreram o terraço pela lateral do
edifício. Pararam ao ver que as Bascombe, lady Vivian e a senhora
Hawthorne estavam no gramado que havia mais à frente do jardim, e que
Vivian e Camellia estavam atirando por turnos contra um alvo que estava a
uns vinte passos de distância. Um lacaio permanecia perto com o estojo de
pistolas de duelo nas mãos, e um dos ajudantes do guarda florestal
carregava as armas depois de cada sessão de tiros.
77
— Ora, práticas de tiro — Royce sorriu enquanto contemplava às
mulheres… ou melhor dizendo, enquanto contemplava Mary, que estava
conversando com as demais.
— Quer se aproximar?
— Por agora me contento olhando.
— A verdade é que dá gosto de vê-las, pena que esteja aparentado com
quase todas elas.
— Não tem nenhum parentesco com Vivian.
— Admito que é encantadora, mas prefiro uma beleza mais sutil. O
cabelo cor do ouro tem algo que…
Royce o olhou com interesse, e disse:
— Está se engraçando com a senhora Hawthorne? Oliver te arrancará a
pele se provocar um escândalo com a acompanhante de nossas primas.
— Por favor, quando provoquei um escândalo? — ao vê-lo abrir a boca
para responder, apressou-se a acrescentar — Não me refiro a quando era
um jovenzinho imprudente, falo sobre os últimos anos.
— Admito que procura ser discreto.
— Sempre sou.
— Mesmo assim, o fato de que more aqui é um inconveniente.
— Não pretendo me aproveitar dela, Royce.
— É obvio que não, mas é que… enfim, manter uma aventura em sua
própria casa e esperar que ninguém perceba… é um pouco arriscado.
— Onde estaria a diversão se não houvesse um pouco de risco? —
depois de lançar um sorriso travesso, desceu a escada para se reunir com as
damas.
Royce soltou um suspiro, e sacudiu a cabeça antes de segui-lo.
78
Eve se entrosou com uma facilidade espantosa com as Bascombe ao
longo dos dias seguintes, já que eram afáveis e abertas e a aceitaram sem
restrições. Uniu-se a elas com os preparativos do casamento e ajudou a
escrever e preparar os cartões para a distribuição dos convidados na mesa
do jantar, acompanhou Mary ao vicariato, e inclusive a ajudou na hora de
decidir junto com a cozinheira do conde, os pratos que seriam servidos no
banquete nupcial.
Mary era valente e decidida em muitos aspectos, mas se sentia menos
segura de si mesma no que se referia a assumir o papel de esposa de um
cavalheiro, e numa oportunidade contou em confiança:
— Em casa não acreditariam, porque me consideram bastante mandona,
mas cada vez que falo com algum criado do conde, sei que por dentro
pensam que sou apenas uma intrusa.
— Não diga tolices, Mary, não é nenhuma intrusa. Jamais lidei com
tantos serviçais como os do conde, mas o princípio básico é o mesmo: não
deve deixar transparecer que está intimidada, deve se mostrar confiante e
também quem está no comando.
— Seria mais fácil se soubesse o que estou fazendo.
— Eu acredito que a chave está em mostrar segurança em si mesma.
Os dias que faltavam para o casamento passaram voando, e tiveram que
lidar com um imprevisto atrás de outro. Tia Cynthia chegou com sua filha
Charlotte, o marido desta, lorde Ludley, e seus rebeldes filhos, e para sorte
de todos, Camellia se encarregou de manter os meninos ocupados fora da
casa. Mas diferentemente de lady Cynthia e os Ludley, que não causaram
problema algum e tratavam Eve como correspondia sendo uma amiga de
Vivian, lorde e lady Kent estavam muito orgulhosos de si mesmos e
pareciam considerá-la uma espécie de criada de baixa categoria, e
procuravam por ela cada vez que necessitavam algo.
79
No dia anterior ao casamento, no fim da tarde, chegou a Willowmere
uma visita inesperada que saudou o lacaio com a naturalidade de alguém
que está familiarizado com o lugar.
— Olá, John — entregou o chapéu e as luvas bem na hora que Eve e
Lily apareceram no corredor, carregadas com cilindros com longas fitas
que iriam usar para decorar o salão de baile — Que diabos está
acontecendo aqui? Há cinco jardineiros trabalhando no jardim frontal.
Lily parou subitamente, observou entusiasmada o recém chegado, e
perguntou com voz fraca:
— Quem é?
Eve teve que admitir para si mesma que era um homem imponente. Não
era tão bonito como Fitz (embora qualquer um sairia perdendo em
comparação a ele), mas o certo era tinha uma figura impactante. Tinha
maçãs do rosto proeminentes, e olhos de um incomum marrom dourado
que era quase idêntico ao tom caramelo de seu cabelo. Vestia roupas de
viagem… um leve casaco decorado com capas sobrepostas, que tirou e
entregou ao lacaio, calça de camurça, jaqueta verde oliva de caxemira, e
reluzentes botas altas.
— É por causa do casamento — respondeu o lacaio.
— Que casamento? Por Deus, não me diga que Stewkesbury jogou a
corda no pescoço! Estranho que Fitz não tenha me avisado.
—Não, quem se casa é a senhorita Bascombe, uma das primas do conde.
— Ah — deu a impressão que o desconhecido perdeu o interesse no
assunto quando ouviu a explicação — Uma das irmãs desse gastador do
Gordon? Diabos, acabo de me colocar na boca do lobo, não é? Talvez
devesse me largar antes que alguém perceba que estou aqui…
Olhou a seu redor, e ao vê-las arqueou as sobrancelhas de repente; em
seguida, esboçou um sorriso e se inclinou em uma profunda reverência.
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— Estou aos seus pés, senhoras, mas imploro que me digam que
nenhuma de vocês é a futura noiva. Não suportaria que semelhantes
beldades estivessem a ponto de abandonar a fila das damas casadouras.
Lily soltou uma risadinha, e o saudou ruborizada com uma pequena
reverência antes de responder:
— Não, quem vai se casar é minha irmã Mary.
— Não sabe quanto me aliviam suas palavras, mas me custa acreditar
que Fitz não tenha comentado comigo que tem primas como você e…
Ao ver que a olhava com expressão interrogante, Eve tentou parecer
séria e disse com voz firme:
— Não estou aqui na qualidade de prima de ninguém, mas sim como
acompanhante.
— Você é uma acompanhante? Inconcebível! — levou a mão ao
coração com dramaticidade, e acrescentou — Me faz duvidar de meus
próprios sentidos.
Nesse momento ouviram passos na escada, e Fitz apareceu em questão
de segundos. Sorriu de orelha a orelha enquanto descia, e exclamou:
— Olá, Neville! Vi sua carruagem pela janela, que demônios faz aqui?
Não me diga que veio para assistir o casamento — estreitou sua mão, e lhe
deu um tapinha nas costas.
— Se nem sequer estava informado que ia acontecer! O que houve? Sua
família me pôs na lista negra?
— Nem sequer me passou pela cabeça que gostaria de assistir.
— Claro que não gostaria, mas a coisa muda após constatar o quanto
belas são as convidadas. Não me diga que esta encantadora jovem é irmã
de Gordon.
— Deus, é obvio que não — Fitz se virou para elas, e se encarregou das
apresentações — Senhora Hawthorne, prima Lily, este indivíduo que não
deixa de tagarelar é o senhor Neville Carr, um bom amigo meu. Carr,
81
apresento-lhe a senhora Hawthorne e a senhorita Lily Bascombe, uma de
minhas primas americanas. Já tinha falado delas.
— Não duvido, mas já sabe que quase nunca presto atenção. Deveria ter
me dito o quanto encantadora é a senhorita Lily.
Ao ver que a jovem corava e olhava com um sorriso deslumbrado ao
recém chegado, Eve a pegou com firmeza pelo braço e disse:
— Foi um prazer conhecê-lo, senhor Carr, mas devemos partir. Temos
uma tarefa urgente para cumprir.
Lily foi com ela à contra gosto, mas sussurrou queixosa:
— Não é tão urgente que levemos as fitas.
— Devemos deixar que seu primo converse a sós com seu amigo, é uma
questão de cortesia; além disso, sempre é vantajoso aparentar indiferença.
— Ah!.
Enquanto elas se afastavam, Eve ouviu que Neville Carr comentava:
— Sinto me apresentar de improviso, mas estava necessitando de um
descanso. Imaginei que estaria entediado por estar aqui sem fazer nada e
achei que te faria bem ter um pouco de companhia, mas talvez esteja
incomodando. Passarei a noite na hospedaria do povoado, e voltarei para
Londres amanhã mesmo.
— Não diga tolices, não é necessário que parta. O casamento será
realizado amanhã, e quase todo mundo partirá no dia seguinte. Fique,
Royce ficará feliz se você participar do casamento dele.
— Diabos! Quem se casa é ele? Nesse caso, claro que ficarei, jamais
pensei que chegaria a vê-lo como um noivo!
Afastaram-se na direção oposta, assim Eve não pôde continuar ouvindo
a conversa, mas reparou que Lily também aguçou o ouvido quando a jovem
a olhou com os olhos brilhantes e disse:
— O senhor Carr é muito bonito, não acha? Pergunto-me quanto tempo
pretender ficar.
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Ao ver sua expressão, Eve rezou para que aquele homem partisse o
quanto antes.
No dia seguinte, o céu amanheceu limpo, embora fosse evidente que já
estavam no começo de setembro pela brisa fresca que se notava. Era um dia
ensolarado e perfeito para um casamento, e Mary estava radiante.
Eve optou por permitir que as irmãs se despedissem a sós, assim desceu
para verificar o salão de baile. Tudo parecia estar preparado, só faltavam os
arranjos florais que os jardineiros ainda estavam preparando.
— Está tudo em ordem? — perguntou sir Royce da porta, antes de
entrar e acrescentar com certa cautela — Minha presença aqui não atrairá
nenhuma horrível maldição, não é? Durante esta semana me advertiram que
não entrasse em tantas salas, que comecei a pensar que deveria ter voltado
para Iverley Hall.
Eve sorriu saudando-o, porque o futuro marido de Mary a agradava
muito. Era mais desenvolto que o conde e menos que Fitz, e parecia que era
o par perfeito para Mary, que era uma mulher decidida e encantadora. Era
um homem que saberia enfrentá-la nas batalhas verbais e que aceitava com
total naturalidade a forte personalidade dela; de fato, passava a impressão
que se orgulhava. Parecia mais propenso a achar divertido os «peculiares
costumes americanos» dela do que tentar mudá-la, e seria uma sorte se as
outras irmãs encontrassem homens que as complementassem tão bem.
— Acredito que aqui está a salvo de maldições, a noiva e o vestido são
os únicos que não pode ver — apontou para o salão, e perguntou — O que
acha?
— Está lindo — girou para avaliar com o olhar, e admitiu — Mesmo
estando tão alterado, até me surpreendo de ser capaz de enxergar algo.
Ninguém me contou que no dia do casamento estaria assim tão nervoso.
83
— Não se preocupe, vai superar — Eve soltou uma gargalhada antes de
dizer — Meu marido me confessou uma vez que teria preferido saltar uma
cerca de um metro e meio, montado num cavalo selvagem que enfrentar o
dia do casamento.
— Não me parece estranho. Sei que minha atitude é absurda, porque me
casar com a senhorita Bascombe é o que mais desejo no mundo, mas a
ideia de fazer isso na frente de tantas pessoas me deixa com os nervos a flor
da pele.
Eve caminhou com ele quando começou a percorrer lentamente o salão,
já que teve a sensação que ele precisava conversar com alguém.
— Não é só isso — continuou dizendo, pensativo — é a sensação de
que agora sou responsável por outro ser humano, que o coração, a
felicidade e o bem-estar da pessoa que mais amo no mundo está em minhas
mãos — a olhou carrancudo, e acrescentou — Tudo é tão frágil… o que
acontece se cometo um erro, se a decepcionar ou falhar? O que acontecerá
se não for feliz em Iverley Hall, ou comigo?
Eve colocou uma mão sobre seu antebraço num gesto tranquilizador.
— Conheço muito pouco sobre aos dois, mas só de ouvi-lo falar já sei
que é um homem de bom coração. Pode ser que tropece e cometa erros
como todo mundo, mas há algo que posso lhe dizer sem nenhum tipo de
dúvida: Mary Bascombe não é uma frágil florzinha que irá murchar perante
a primeira desilusão, ao contrário, é uma mulher forte que não vai quebrar
se… e acredito que tampouco sofrerá calada. Se não concordar com você,
ou se sentir ferida, dirá sem rodeios.
Ele riu, e comentou:
— Não duvide disso.
— Se acontecer, ela não deixará que as coisas se compliquem muito,
tentará resolvê-las o quanto antes. Não vai decepcioná-lo, e o mesmo pode
84
se dizer de você. É evidente que estão muito apaixonados, confiam um no
outro?
— Sim. Colocaria minha vida em suas mãos, e ela diria o mesmo de
mim.
— Nesse caso, os obstáculos que possam surgir não derrubarão vocês.
Depois de contemplá-la em silêncio durante um longo momento, sir
Royce sorriu e disse:
— Seu marido foi muito afortunado por ter uma esposa como você,
senhora Hawthorne. Obrigado — deu um tapinha na sua mão antes de
acrescentar — Me fez voltar para o mundo real.
Ela se pôs a rir, abaixou a mão, e saiu do salão junto com ele.
— Tenho a impressão que sua viagem de volta não foi muito longa, sir
Royce.
Depois de despedir-se dele perto da escada, Eve parou um instante
enquanto se decidia entre subir para ver como estavam as Bascombe ou
verificar se tudo estava bem na cozinha. Aproximou-se da longa mesa do
vestíbulo onde o mordomo colocava o correio diário, ordenado segundo o
destinatário, e se surpreendeu ao ver que, além do habitual monte de cartas
para o conde, de um lado havia um envelope branco dirigido a ela.
Ao ver que seu nome estava escrito com uma letra bem ruim, esboçou
um sorriso e teve certeza que era de Jules, que ainda não dominava a arte
da caligrafia; depois de romper o selo de cera vermelha, abriu a carta e viu
que estava escrito em letras maiúsculas:
VOCÊ É UMA INTRUSA AQUI, VÁ EMBORA.
Ficou olhando aquela mensagem durante um longo momento,
petrificada, até que conseguiu reagir e fechou a carta rapidamente;
enquanto olhava ao seu redor de forma furtiva, perguntou-se quem teria
feito algo assim, e porque.
85
Voltou a abrir a carta, e a releu com mais calma. Estava escrita com
letras grandes e verticais, como se fosse obra de um analfabeto ou de uma
criança, mas parecia inconcebível que uma criança tivesse feito algo assim.
Deu uma olhada na parte da frente, mas além de seu nome, não havia
nada que indicasse que foi enviada pelo correio. Não tinha selo, e o papel
nem sequer parecia um pouco desgastado. Acreditou que tinha chegado
pelo correio ao vê-la sobre a mesa, mas qualquer um poderia tê-la colocado
ali naquela manhã. Certamente foi algum aldeão, mas não tinha sentido que
alguém, quem quer que fosse, quisesse que ela partisse.
Apesar da mensagem não ser ameaçadora, não pôde evitar que aquelas
grossas letras negras cobertas de maldade proposital a assustassem um
pouco, e se sentiu vulnerável e exposta. Considerou a possibilidade que
fosse algum dos criados, mas não se lembrava de ter ofendido ninguém.
Pensou que era mais provável que o autor da carta tivesse escrito dessa
maneira de propósito, para disfarçar sua letra, e se sentiu aflita ao pensar
que possivelmente poderia ser algum membro da família do conde, mas as
moças a receberam com os braços abertos, e o próprio conde a tratava com
amabilidade. Esboçou um sorriso ao imaginar um homem tão correto e
elegante rabiscando uma nota e colocando-a as escondidas sobre a mesa.
Havia uma única pessoa que se mostrava hostil com ela: lady Sabrina.
Não foi difícil imaginá-la escrevendo uma carta maliciosa, mas parecia um
pouco absurdo que tivesse tanta antipatia por ela em tão pouco tempo.
Também era possível que Camellia ou Lily tivessem feito isso como
uma brincadeira, porque as duas eram um pouco rebeldes. Possivelmente
pensaram que seria divertido assustar a nova acompanhante, por mais que
gostassem dela. A carta parecia um pouco atrevida, mas Lily adorava ler
livros sobre moças em perigo, fantasmas, e som de correntes arrastadas.
Deveria decidir qual era o melhor caminho a seguir. Não gostava da
ideia de contar ao conde, e pensando bem, era um assunto tão estranho, que
86
seria embaraçoso lhe mostrar a carta. Fitz era mais acessível, mas não
queria pedir ajuda a ele, porque estaria arriscando-se a que ele interpretasse
mal e pensasse que estava tentando chamar sua atenção… corou só de
pensar.
Além disso, se tinha ofendido algum dos criados, contando ao conde ou
a Fitz só serviria para aumentar o ressentimento para com ela. Tampouco
queria causar problemas a Camellia ou Lily, e se fossem elas, não era mais
que uma brincadeira. E se a autora da carta fosse lady Sabrina, por mais
absurda que parecesse essa possibilidade, certamente o fez para aborrecê-
la; de qualquer maneira, a carta não era ameaçadora e achou que não corria
perigo algum.
No final, decidiu que era melhor comportar-se como se não tivesse
acontecido nada. Com certeza a intenção do autor da carta era perturbá-la,
por isso, teria uma decepção ao vê-la tranquila e relaxada; quanto mais
pensava nisso, mais certeza tinha que não mencionar a carta era a melhor
forma de estragar a diversão de quem lhe fez essa maldade.
Sobressaltou-se ao ouvir que batiam na porta principal, virou-se para
abrir, mas Paul saiu do salão nesse momento e se adiantou.
Vivian entrou na casa seguida por sua donzela, que carregava nos braços
um grande pacote envolto em um lençol. Sorriu ao vê-la no vestíbulo, e
entregou o chapéu e as luvas ao lacaio antes de dizer:
— Bom dia, como estão os preparativos?
— Acabo de verificar o salão, e estava pensando em dar uma olhada na
cozinha — respondeu, enquanto guardava a carta no bolso apressada.
— Vou me encarregar disso, você leva Pauline ao seu quarto, logo
estarei lá – sem perder tempo com explicações, foi em direção a cozinha.
Eve subiu a escada acompanhada pela donzela, e apesar de ter ficado
curiosa pelo pacote que ela carregava, não fez nenhum comentário a
respeito. A mulher o deixou sobre a cama assim que entraram no quarto, e
87
afastou o lençol que o encobria. Dentro havia um elegante vestido de seda
verde e quando o levantou com cuidado e o deixou de um lado da cama,
ficou descoberto um segundo vestido de cetim azul com babados brancos,
decote quadrado e mangas bufantes.
— São lindos — Eve alisou o tecido com a mão, e ajeitou as mangas —
Por que Vivian te pediu para trazer seus vestidos para o meu quarto?
— Disse que pretende se arrumar aqui, senhora, que assim pode ajudá-la
a colocar os arranjos florais e a fiscalizar tudo.
— Entendo.
— Por isso me fez vir também, para que a penteie e a ajude a vestir-se, e
também posso penteá-la se desejar. A senhora me avisou que você poderia
necessitar ajuda, porque as donzelas vão estar muito atarefadas com a festa.
— Já entendi — Eve suspeitava que sua amiga decidiu vestir-se ali para
evitar que ela resistisse a aceitar a ajuda de sua donzela — E por que trouxe
dois vestidos? Pretende trocar de roupa depois da cerimônia?
— Não, não acredito.
— Não acha um pouco estranho que tenha trazido dois?
— Não sei o que quer dizer, senhora. Lady Vivian faz o que quer —
Pauline, de repente, parecia muito interessada em sacudir os vestidos e
esticar as pregas.
— Sim, já sei.
Como sabia que seria inútil tentar surrupiar algo mais de Pauline, que
estava há anos trabalhando para Vivian e era completamente fiel a ela, Eve
esperou que sua amiga entrasse no quarto e logo em seguida, perguntou:
— Por que trouxe dois vestidos?
— O azul é para você. Acredito que você esteve de luto nos últimos dois
anos, por isso, achei que você não teria nenhum vestido atual e apropriado
para a celebração.
— O que tenho é suficiente.
88
— Pelo amor de Deus, Eve, por que tem que ser tão orgulhosa? Se eu
estivesse enclausurada no campo sem comprar um vestido em Londres, e
você me oferecesse um na última moda, aceitaria encantada.
— Parece muito fácil falar, porque nunca estará nessa situação.
— Não entendo por que é tão terrível oferecer a uma amiga um vestido,
sobretudo considerando que me arrependi imediatamente de tê-lo
comprado. Esse tom de azul é muito claro para mim, e duvido muito que
chegue a vesti-lo um dia. Além de você, a única pessoa que eu conheço
que poderia ficar bem com ele, é Sabrina, e me nego a dar de presente a ela
um de meus vestidos; em todo caso, ela jamais o aceitaria, porque é incapaz
de admitir que comprei algo bonito. Espero que sua reticência não seja
porque o achou feio.
— Claro que não, sabe muito bem que é um lindo vestido.
— Exato, e vai ficar perfeito em você. Se preferir deixar que apodreça
no fundo do meu armário porque é muito orgulhosa para aceitar o presente
de uma amiga, deixa ao menos que te empreste para o casamento.
— Já tenho um vestido, Vivian.
— Mas pelo que vi esta semana, não tem nenhum que não seja cinza,
marrom, ou azul escuro.
— Sou uma acompanhante, devo permanecer em segundo plano.
— Não entendo por que. É obvio que não deve ofuscar as jovens que
acompanha, mas tanto Lily como Camellia são muito atraentes e não se
importam com a concorrência; além disso, são moças de bom coração, e
não se importarão que esteja bonita.
— Sei disso, ofereceram-se para me emprestar a roupa de sua irmã
Rose; consta que tinha tanta roupa, que optou por deixar aqui um baú cheio
de vestidos quando retornou a América. Não sei por que todo mundo me
oferece roupa, pareço tão desarrumada?
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— Claro que não, acredito que as Bascombe estão muito preocupadas
com esse tipo de detalhe por que foram alvo de comentários pelas roupas
que usavam quando chegaram. Os poucos vestidos que tinham estavam
totalmente fora de moda, e Charlotte e eu, tivemos que levá-las para
renovar totalmente o vestuário. Como são amáveis e generosas, querem
ajudar quem necessita.
— Não pretendo desprezar sua generosidade, e possivelmente use algum
dos vestidos de dia, mas a maioria dos vestidos de Rose são muito juvenis
para uma mulher da minha idade e posição.
— O quem tem a ver a idade? Lembre-se que só tem seis meses mais
que eu, querida. Por acaso está me dizendo que a forma que me visto é
muito juvenil para minha avançada idade?
— Não diga tolices, me esqueci o quanto bem você inverte as palavras
dos outros para conseguir ser objetivos. Vivian, minha mais querida e doce
amiga… — se aproximou dela, e pegou suas mãos antes de dizer — Existe
uma grande diferença quando somos comparadas. Você é filha de um
duque, tem muita influência dentro da alta sociedade, continua sendo uma
das mulheres mais cobiçadas de toda a Inglaterra, e tanto o que diz como o
que usa, vira moda e todo mundo tenta imitá-la; eu, por minha vez, sou
viúva, filha de um vigário, e trabalho como acompanhante. Se tentasse me
vestir como você, me censurariam.
— É você quem diz tolices. Continua sendo jovem e esteve de luto
durante dois anos, isso deveria bastar inclusive ao mais afetado; além disso,
não é uma acompanhante contratada para que permaneça em segundo
plano, para que se limite a contribuir com uma presença simbólica a fim de
satisfazer as exigências da sociedade. Veio para fazer um favor a uma
amiga sua, está me ajudando com Camellia e Lily. Se não tiver certeza que
estão prontas para serem apresentadas na sociedade, minha imagem pública
ficará danificada.
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— Por favor, Viv…
— Além disso, pelo bem de suas primas, o conde necessita de uma
pessoa assim, uma acompanhante que não se limite a permanecer sentada,
mas que participe da cena social junto a elas. Deverá orientá-las durante as
conversas e dissimular suas gafes… quando Camellia mencionar as aulas
de tiro, deverá fazer com que pareça uma divertida piada, que dê a
impressão que foi um passatempo que participamos durante uma festa
campestre. Se é que você me entende.
— Sim, é claro.
— Pois para fazer isso não pode permanecer sentada atrás de todo
mundo, vestida de cinza e fingindo que não existe. Deve ser você mesma,
Eve.
— E para ser eu mesma tenho que usar seu vestido?
Mesmo que falasse em tom de brincadeira, estava fraquejando, e sabia
que sua amiga era consciente disso. Possivelmente fosse uma boba, mas
não podia evitar imaginar-se usando aquele lindo vestido azul.
— Deixe que te pergunte algo: Acha que as moças vão aceitar os
conselhos sobre moda de uma tonta?
— Não sou tonta!
— Pois dá a impressão que se esforça para ser. Onde está o vestido que
pretende usar hoje?
Eve o tirou do armário a contra gosto, porque era um vestido cinza de
manga longa que só tinha como enfeites finos babados nas mangas e o
decote muito alto.
— Pelo amor de Deus, Eve —Vivian se apropriou do vestido, e depois
de deixá-lo sobre a cama junto ao azul, virou-se para olhá-la com os braços
cruzados — Admite, qual dos dois prefere usar hoje?
Eve contemplou os vestidos, e soube que estava perdida; sem dizer uma
palavra, agarrou o cinza e voltou a colocá-lo no armário.
91
Capítulo 6
92
O casamento foi celebrado sem nenhum incidente. Mary estava radiante
com um vestido encomendado as pressas para madame Arceneaux, uma
costureira londrina, e seus olhos azuis esverdeados brilhavam de felicidade
enquanto caminhava para o altar; sir Royce, estava cheio de orgulho e
felicidade, e seu nervosismo prévio parecia ter desaparecido. Lily não se
incomodou em conter as lágrimas que caíam pelo seu rosto, Camellia
deixou escapar um ou outro soluço abafado, e inclusive Eve sentiu que se
formava um nó na garganta ao ver com quanto amor se olhavam os noivos.
Mais tarde, quando retornaram a Willowmere, os recém casados deram
as boas vindas aos convidados junto com o conde, que era o cabeça da
família. Ela estava um pouco tensa por causa do vestido que usava, já que
parecia bastante criterioso quanto a esse tipo de detalhe, e se sentiu aliviada
quando se limitou a saudá-la com uma inclinação e um comentário cortês.
Não detectou nenhuma desaprovação em sua voz, assim supôs que
possivelmente Vivian tivesse razão.
Quando saudou o casal de recém casados, Mary a surpreendeu lhe
dando um abraço.
— Não sabe quanto me alegro que esteja aqui para cuidar de minhas
irmãs; graças a você, a sensação de estar abandonando-as não é tão forte.
— Não as está abandonando absolutamente. Não há dúvida que sentirão
sua falta, mas farei tudo o que possa para mantê-las contentes e ocupadas;
além disso, quando voltar da lua de mel, poderão vê-la com frequência.
Iverley Hall não está longe daqui, não é?
Para o banquete não só foi aberto o salão de jantar como também o de
gala onde havia uma mesa muito maior. Organizar a localização dos
convidados foi uma árdua tarefa para Vivian, que não recebeu ajuda
alguma das Bascombe nesse sentido; de fato, as três irmãs ficaram
perplexas quando tentou explicar a ordem preferencial que teria que
93
aplicar, e também o fato que alguém poderia sentir-se ofendido se fosse
cometido algum engano.
Eve estava sentada entre os convidados de menor status, entre eles o
arrendatário e sua esposa; de qualquer maneira, alegrou-se de estar longe
de lady Sabrina, que a olhava com fria condescendência cada vez que seus
olhares se encontravam. Considerou novamente se teria sido ela a autora da
carta, mas acreditava absurdo que pudesse comparecer as escondidas em
Willowmere, correndo o risco que alguém a visse, com a única intenção de
perturbar uma mulher que quase não conhecia.
Vivian lhe disse que Sabrina não suportava que alguém colocasse em
risco sua fama de ser a mulher mais bonita do condado, e a forma com a
qual se vestiu para o casamento ratificava essa opinião. Era óbvio que
queria ofuscar todo mundo, inclusive a noiva, mas tinha se excedido um
pouco, já que dava a impressão que iria se apresentar para a corte real. Seu
traje era de lamé em um claro tom prata sobre cetim azul, tinha o decote e
as mangas debruadas com um bordado no estilo Van Dyke, e toda a barra
do vestido estava enfeitada com uma franja de flores de cetim azul; quanto
a joias, usava brincos, colar e bracelete de diamantes e safiras.
— Tomara tivesse colocado também algumas plumas de avestruz no
cabelo — tinha sussurrado Vivian com ironia ao vê-la chegar, fazendo
alusão ao penteado que as damas costumavam usar quando eram
apresentadas a rainha.
Por desgraça, lady Sabrina parecia não notar que não havia vestido nem
joia, por mais luxuosos que fossem, capazes de competir com a expressão
radiante de Mary naquela data tão especial.
Eve conversou com a esposa do arrendatário durante o jantar, mas
permaneceu vigiando Camellia e Lily o tempo todo. Estava decidida a não
descuidar de suas obrigações como acompanhante, apesar de Vivian tê-la
convencido que se vestisse como uma convidada.
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Era óbvio que as jovens estavam se comportando muito bem. Cada vez
que olhava, as via conversando sorridentes com Neville Carr, que estava
sentado entre elas, e se sentiu um pouco inquieta ao dar-se conta que Lily
estava especialmente animada. O senhor Carr era encantador, e
diferentemente de uma moça mais sofisticada, Lily era uma romântica e
uma ingênua que poderia interpretar mal um simples flerte e acreditar que
fosse algo mais sério.
Apesar de estar decidida a concentrar-se nas jovens que estavam sob sua
responsabilidade, não pôde evitar o ímpeto de lançar alguns olhares
furtivos para Fitz, que além de conseguir que tanto a jovem não muito
agraciada como a altiva dama de idade mais avançada que o ladeavam não
parassem de sorrir, ainda estava paquerando com a jovem matrona que
estava na sua frente.
Ela mesma se derreteu ao vê-lo sorrir, havia sentido que o brilho
daqueles olhos era para ela e por ela, mas estava claro que flertava com
todas as mulheres que passavam diante dele… e que elas se rendiam
perante seu encanto, exatamente como ela fez. Estava preocupada se por
acaso Lily não entendesse que um flerte não tinha importância, quando ela
mesma cometeu semelhante estupidez.
Pensou que era muito bom vê-lo em ação, que não deveria esquecer que
Fitz era um homem que paquerava com todas as mulheres que estivessem
ao seu redor, e que seria uma imbecilidade levá-lo a sério.
Sentiu-se feliz quando o baile começou e percebeu que tanto Camellia
como Lily tinham parceiros de sobra. Deu uma olhada em seus carnês e viu
que não concederam nenhuma dança mais que o permitido a um mesmo
homem e que intercalaram com vários cavalheiros mais velhos entre os
jovens.
— Estão muito populares — comentou, sorridente — Fizeram bem em
reservar uma dança para sir Royce e outra para lorde Humphrey — não
95
acrescentou o quando gostou de ver que Lily concedeu apenas uma dança
para o senhor Carr, porque achou que era melhor não mencioná-lo muito.
Depois que Mary e Royce dançaram sozinhos a primeira música diante
do olhar sorridente de todos, a orquestra começou a tocar uma animada
dança popular e muitos convidados saíram para a pista, entre eles Camellia
e Lily. O conde se dispôs a dançar com Mary, sir Royce com Vivian, e o
distinto lorde Humphrey, que estava vestido elegantemente com calças e
jaqueta negros que pareciam um pouco fora de moda, tirou lady Sabrina
para dançar; quanto a Fitz, estava colocando-se em posição com sua tia,
lady Kent, e depois foi tirando para dançar uma mulher atrás da outra.
Eve não conseguia evitar procurá-lo com o olhar de vez em quando,
apesar de saber que estava sendo uma tola. Era um bailarino excelente que
conseguia que todos as suas parceiras sorrissem num abrir e fechar de
olhos, inclusive as senhoras mais sérias; ao ver como inclinava a cabeça
para elas como se estivesse interessado no que diziam, como iluminava seu
rosto ao sorrir, não pôde evitar perguntar-se se no passado, alguma delas se
permitiu mais que um flerte com ele.
Surpreendeu-se um pouco quando o arrendatário se aproximou e a
convidou para dançar alegremente. Teria se negado se fosse alguém mais
jovem, mas como não podia rechaçar um cavalheiro maduro como ele, deu-
lhe o braço e passou agradáveis minutos desfrutando de uma animada
dança popular. Formaram parte do grupo onde também estavam Fitz e
Charlotte, e casualmente saíram junto a eles da pista, quando a dança
terminou.
— Me faria a honra de me conceder a próxima dança, senhora
Hawthorne? — perguntou Fitz, quando o arrendatário se despediu com uma
inclinação de cabeça e foi se reunir com sua esposa.
96
Ela sentiu que o coração disparava, e baixou o olhar por medo que lesse
em seu rosto o quanto desejava dizer que sim.
— Não estou aqui para dançar, somente para vigiar Camellia e Lily —
procurou as jovens com o olhar, e as viu conversando com o conde e com
Mary.
— Parece que estão bem acompanhadas — comentou ele, sorridente.
— Sim, nem sequer elas poderiam se meter em problemas no meio de
tantos parentes — comentou Charlotte — Vá dançar, Eve. Isto é uma
comemoração.
Fitz ofereceu a mão, e a olhou com aquele brilho no olhar que era capaz
de arrancar um sorriso até da mulher mais fria. Ela vacilou por um instante,
com o coração cheio de dúvidas e desejo, e ao ver que Charlotte fazia um
gesto de aprovação, colocou a mão sobre a de Fitz e saiu com ele para a
pista de dança. Quando viu que outros casais ficavam em posição e notou
que a seguinte música seria uma valsa, lançou um olhar para o canto do
salão, mas ele soube decifrar sua reação e segurou sua mão com mais força.
— Nem pense, não pode mudar de ideia e me deixar aqui plantado —
esboçou um sorriso que evidenciou ainda mais a tal covinha, e acrescentou
— Pense no que essas pessoas diriam.
— Sabia que tocariam uma valsa? — perguntou, com tom acusador.
Ele olhou ao seu redor com aparente surpresa, e se limitou a dizer:
— Ah, é uma valsa…? Ai! — virou-se para ela de repente, e soltou uma
gargalhada — Me beliscou a mão?
— É obvio — levantou o queixo com atitude agressiva, e disse — Você
mereceu, por se fazer de inocente. Você é um… um…
— Um safado? Um malandro esperto?
Eve esteve a ponto de gargalhar, mas se conteve e respondeu:
— Não, eu diria um enganador.
97
—Tem uma opinião tão desconcertante de mim, que poderia perguntar
por que concordou em dançar uma valsa comigo.
— Não fiz isso… quero dizer, não sabia que tocariam uma valsa.
A música começou, e quando pegou sua mão e colocou a outra na sua
cintura, ela tentou não dar importância a situação. Tinha dançado a valsa
muitas vezes, já que os oficiais de menor graduação sempre estavam
dispostos a tirar a esposa de um comandante para dançar; em todo caso,
jamais seu coração acelerou nem se derreteu por dentro quando colocaram
a mão na sua cintura para conduzi-la pela pista de dança, e não havia razão
alguma para que reagisse assim nesse momento… mas não podia controlar
o que sentia.
— Sua reputação não vai ser maculada — garantiu ele. Apertou sua
cintura com um pouco mais de força, e começaram a dançar.
Eve não estranhou que fosse tão bom bailarino, mas o que a deixou
surpresa foi o quanto exultante se sentiu enquanto a conduzia pela pista de
dança, a alegria que a dominava. Não evitou olhá-lo sorridente e nesse
momento apareceu em sua mente a imagem de Mary, dançando com Royce
e o olhando radiante nos olhos… mas não, seguro que ela não se parecia
com ela em nada. Mary estava radiante porque estava apaixonada, mas ela
só estava… deslumbrada.
A diferença principal era que o deslumbramento é efêmero, por muito
excitante que fosse; mesmo assim, como nesse momento se sentia gloriosa,
optou por desfrutar da valsa e deixou que a música e o olhar de Fitz se
apropriassem de seus sentidos.
Seu entusiasmo decaiu um pouco quando olhou à direita e viu Lily
dançando com Neville Carr. Sentiu que seu coração se apertava ao vê-la
sorrir deslumbrada, porque estava acontecendo o que temia. Sabia de
primeira mão o quanto embriagador poderia ser dançar com um homem
bonito e encantador, mas Lily não era como ela, não tinha idade e
98
experiência suficientes para saber o quanto ilusórias eram aquelas
sensações.
Manteve-se atenta ao casal a partir desse momento e decidiu aproximar-
se deles assim que abandonassem a pista de dança, para que a presença de
uma terceira pessoa impedisse possíveis flertes; por isso, quando acabou a
valsa e viu que Fitz insistia que pegasse seu braço e a conduzia para as
portas que davam ao terraço, tentou soltar-se imediatamente.
Ele a olhou surpreso, e disse:
— Está uma noite muito agradável, acredito que um passeio pelo terraço
nos refrescará um pouco.
— Não posso, tenho que me ocupar de Camellia e Lily.
— Pode passar alguns minutos afastada delas, aposto que continuam
dançando. E como disse a prima Charlotte, há parentes de sobra para vigiá-
las.
Eve viu Lily conversando com Mary e Royce, acompanhada de Neville,
mas ao ver que ele se despedia com uma inclinação de cabeça e se afastava,
virou-se de novo para Fitz. Queria acompanhá-lo, e ele tinha razão quando
disse que Lily estava bem vigiada naquele momento.
No final se deu por vencida e saíram para o terraço, onde havia vários
casais que saíram para tomar um pouco de ar, e começaram a percorrê-lo
sem pressa. Tochas acesas ladeavam o caminho principal que entrava no
jardim, e iluminavam a fonte e os bancos de pedra que o rodeavam.
Eve se surpreendeu um pouco por ele não ter proposto que fossem até
lá, mas seguiram caminhando ao longo do terraço e o som da festa foi
perdendo-se na distância.
— Esta noite você está maravilhosamente bela.
Ela soltou uma gargalhada para tentar ignorar a importância do
galanteio, e respondeu:
— É o vestido, Vivian insistiu em me emprestar.
99
— Não é por isso, garanto. Se a elegância de um vestido fosse o único
fator determinante, lady Sabrina seria a mulher mais bela de todas as
presentes, e nós dois sabemos que isso não é verdade.
Eve esboçou um sorriso. Possivelmente fosse perversa por alegrar-se
que menosprezasse assim lady Sabrina, mas não pôde evitar; cada vez que
aquela mulher a olhava, tinha a impressão que estava pensando onde
cravar uma adaga nela.
— Mesmo assim, acho que a mudança em minha aparência se deve sem
dúvida alguma ao vestido.
Ele a olhou sorridente, e comentou:
— Admito que essa cor fica bem melhor em você que o marrom ou o
cinza, mas acredito que a mudança se deve em grande parte ao fato que
você está se permitindo desfrutar da festa. Passa muito tempo realizando
tarefas para os outros, e não pensa em si mesma.
— Fala como Vivian, gostaria que lembrasse que me contrataram para
cuidar de Camellia e Lily.
— E isso inclui também arrumar as flores, escrever os cartões com os
nomes dos convidados, e ajudar Mary a lidar com a cozinheira e o
mordomo?
— Havia muito trabalho para fazer, e não podia ficar de braços cruzados
enquanto os outros estavam tão atarefados. Vivian também ajudou muito.
— Já sei. Não estranho que você decidisse ajudar, mas não é necessário
que passe o dia inteiro trabalhando. Também pode ter uma pausa e se
divertir.
— Faço isso, garanto — se virou para olhá-lo, e ficou de costas para o
jardim. Acabavam de chegar ao final do terraço, onde havia uma escada
que conduzia ao jardim lateral — Agradeço sua preocupação por meu…
bem-estar. Acredito que possivelmente me esqueci um pouco como me
divertir.
100
— Pelo que vi da senhora Childe, suponho que é difícil ser feliz naquela
casa.
— É, pobre Julian — suspirou pesarosa, e acrescentou — É meu irmão
mais novo, o menino com o qual me viu brincando no rio.
— Ao menos tem uma boa irmã.
— Sim, mas me afastei dele.
— E seu coração sofre por isso, não é?
— É obvio, não posso evitar sentir que o abandonei.
— Deve pensar em sua própria vida, senhora Hawthorne; além disso,
ele é filho da senhora Childe.
— Sim, e o ano que vem irá para o colégio.
— Nesse caso, ele também vai poder fugir daquela casa.
— Acho que muitos meninos não gostam do colégio.
— Esse não foi meu caso.
Eve soltou uma pequena gargalhada, e comentou:
— Não duvido.
— Já sei, já me disseram várias vezes que sou insensível.
— Não, não é isso. O que acho é que você parece esse tipo de pessoa
capaz de fazer amigos com facilidade, de conseguir que uma situação
aborrecida se transforme em divertida.
— Alguém tem que fazer isso, não? Se não fizer, terei que aguentar o
aborrecimento.
— Tem razão.
Olhou-o sorridente e percebeu como seria fácil se perder naqueles olhos
azuis, como seria bom lembrar o que sentiu ao estar entre seus braços e
sentir aqueles lábios contra os seus. Tentou se convencer que não devia
pensar no que aconteceu na hospedaria, mas parecia difícil manter aquela
decisão estando a sós com ele sob a tênue luz da lua.
101
Sabia que queria beijá-la, sabia desde que a tinha convidado para sair ao
terraço. Se ela se afastasse, ele respeitaria sua decisão e não tentaria beijá-
la contra sua vontade, mas foi sincera consigo mesma e admitiu para si
mesma que não queria afastar-se, que desejava que a beijasse e a abraçasse,
que voltasse a despertar nela todas aquelas poderosas e maravilhosas
sensações.
Uma suave brisa acariciou nesse momento seus braços, e levantou as
mechas soltas que emolduravam seu rosto. Não pôde evitar estremecer, e
Fitz percebendo, a pegou pela mão para conduzi-la para a escada que
levava ao jardim.
— Venha comigo, conheço um lugar protegido.
Havia luz suficiente para ver o atalho que estava entre a sebe e as
plantas, e que levava a um local murado que havia na lateral da casa. Fitz
abriu a porta de ferro, e entraram em num pequeno jardim.
A cerca que o rodeava tinha pouco menos de um metro e meio de altura,
por isso as plantas do lado de dentro recebiam luz de sobra durante o dia, e
também ficavam protegidas do vento e do frio. Ele a conduziu para um
banco de pedra construído contra a parede da casa e enquanto passavam
entre as fileiras de plantas, Eve notou os diferentes aromas que se
misturavam no ar. Pareceu distinguir o da sálvia… ou seria manjericão?
— É um jardim de ervas aromáticas! Não é? — exclamou, encantada.
— Tem bom olfato — comentou ele, sorridente — A cozinheira tem
muito apego por ele, e mesmo que use ervas secas durante o inverno é
desse lugar que colhe os condimentos que usa durante grande parte do ano.
Espere — pediu antes que sentasse, tirou a jaqueta, e a colocou sobre o
banco — Agora sim, não posso permitir que manche o vestido.
— Mas vai sujar sua jaqueta.
— Pode ser, mas minha jaqueta não me favorece tanto como seu
vestido.
102
Eve não pôde deixar de rir, e se sentou antes de perguntar:
— Tem uma resposta adequada para qualquer situação?
— Tento — admitiu, em tom de brincadeira, antes de sentar-se junto a
ela.
Como a cerca mantinha fora a brisa, o ambiente era mais quente ali
dentro, e o aroma das ervas impregnava o ar e o tornava muito agradável.
Eve respirou fundo, e comentou:
— Que cheiro bom!
— Alegra-me que goste. Quando criança eu adorava vir aqui e
imaginava que era uma cidade medieval, ou uma fortaleza, ou um castelo…
— Sim, é um lugar perfeito para isso — esboçou um sorriso ao imaginar
um menino de cabelo negro e olhos azuis brincando ali, repelindo ataques
com uma espada de madeira.
— Foi construído há séculos para ser um jardim de inverno para uma
das senhoras da casa. Na minha infância cresciam aqui as últimas flores de
outono e as plantas mais delicadas, mas quando a cozinheira atual chegou,
faz dez anos, pediu que plantassem ervas aromáticas. Como cozinha muito
bem e está disposta a morar em uma zona do interior como esta, achamos
que valia a pena conceder seu desejo - depois de tirar as luvas, pegou sua
mão e começou a tirar uma das suas, que chegavam quase ao cotovelo.
— Fitz! —exclamou, sobressaltada.
— Eve — olhou com um brilho travesso no olhar e continuou puxando
lentamente, dedo por dedo.
— O que está fazendo? É muito inapropriado — o protesto era muito
fraco.
— Não é o mais inapropriado que poderia fazer.
Ele deslizou o polegar e o indicador ao longo de cada um de seus dedos
para puxar o fino tecido da luva, e aquelas carícias acenderam em seu
interior um fogo intenso que a percorreu de ponta a ponta. Sabia que
103
deveria afastar a mão, que o correto seria levantar-se e partir dali, mas
permaneceu imóvel enquanto ele acabava de tirar a luva, enquanto o calor
que dominava seu ventre aumentava.
Os movimentos dos dedos masculinos eram lentos e sensuais, estava
completamente concentrado em despir sua mão. Era como se aquela mão…
ou melhor dizendo, ela… fosse o que mais lhe importava no mundo, e não
pôde deixar de imaginá-lo despindo outras peças do seu vestuário com a
mesma intensidade.
Quando acabou de tirar a luva, insistiu que colocasse a mão em sua
palma, e traçou com o dedo os delicados contornos de seus ossos e cada um
dos seus dedos.
— Tem mãos muito elegantes — comentou, antes de dar um suave beijo
em sua palma.
— Fitz… — até ela mesma percebeu o quando fraca soava sua voz.
— Tão delicadas e brancas, tão suaves…
Eve baixou o olhar e viu sua mão, branca e delicada, contra a de Fitz,
que era mais escura e um pouco mais grossa. Ele as tinha colocado
alinhadas uma com a outra, dedo contra dedo, e o contraste parecia muito
sugestivo.
— Já percebeu o quanto insinuantes são as luvas de gala? Tão suaves e
finas, como uma segunda pele… cobrem meio braço e a parte superior cai
em pequenas dobras, dando a impressão que podem cair a qualquer
momento, mas permanecem no lugar e só revelam um pouco da pele entre
a borda e a manga. As pessoas não podem se concentrar por causa delas,
estive pensando a noite inteira em tirar essa sua luva.
Eve sentiu que uma onda de calor subia pelo seu pescoço, embora a
escuridão ocultasse seu rubor. Parecia absurdo que aquele homem fosse
capaz de despertar semelhante paixão nela, com algumas palavras e simples
carícias, mas estava trêmula de desejo.
104
Depois de beijar o dorso da mão, Fitz começou a passar aqueles lábios
quentes e aveludados sobre seus dedos, e então a fez girar a mão e a beijou
na palma e na ponta de cada dedo; quando acabou, ela tinha a respiração
acelerada e o coração martelando no peito. Ele pareceu notar que tinha o
pulso acelerado, porque deslizou os lábios até a parte interior de seu pulso e
beijou a veia azul que se via através da delicada pele.
Quando ele foi deixando um rastro ascendente de beijos por seu braço e
parou para percorrer com a língua a parte interior do cotovelo, fechou os
olhos extasiada e soltou um suspiro fraco. Estava tão imersa no prazer que
a dominava, que inclinou a cabeça para facilitar a tarefa quando aquela
boca tocou em seu ombro nú e ele saboreou aquela região antes de deslizar
os lábios pelo seu pescoço.
Eve se sentiu exultante ao notar que ele tinha o rosto quente e a
respiração acelerada, porque aquilo indicava que estava tão afetado como
ela pelo que estava acontecendo.
— Eve… minha doce, doce Eve…
Aquelas palavras sussurradas contra seu pescoço a fizeram render-se por
completo, e girou o rosto para ele quando Fitz levantou a cabeça e pôs uma
mão em seu rosto. Beijaram-se com sofreguidão, concentrados, saboreando
ao máximo o prazer que os consumia, enquanto a escuridão da noite os
protegiam e os escondia do resto do mundo.
Eve respirou seu aroma masculino misturado com o das plantas, sentiu a
carícia da brisa fresca em sua pele quente. Deixou de pensar no que deveria
fazer, porque seu mundo se reduziu ao momento atual, naquele beijo, e
como se sentia.
O desejo e a paixão de ambos foi aumentando, e o beijo se tornou febril
enquanto suas bocas se devoravam. Ele rompeu o contato apenas para
sentá-la em seu colo, passou um braço pelas suas costas, e voltou a
apropriar-se de sua boca.
105
Eve se agarrou em seu pescoço, e ele a agarrou pela cintura com a mão
livre; conforme os beijos se tornavam cada vez mais longos e ganhavam
intensidade, aquela mão subiu por seu estômago até parar em um seio, e ela
se sobressaltou. Seu sobressalto não foi porque Bruce jamais tocou nela
dessa maneira (tocou, e geralmente com uma espécie de desespero), mas
suas carícias nunca a fizeram se sentir assim.
Ao sentir sobre seu seio a carícia delicada e firme daquela mão, foi
invadida por uma ardente onda de prazer. Estava com o ventre dolorido,
cheio de fogo líquido. Ele segurou um de seus mamilos ao acariciá-lo com
o polegar, deslizou a mão sob o tecido do vestido e cobriu um seio, e ela
estremeceu de prazer ao sentir o contato da pele contra pele.
Soltou um gemido fraco quando acariciou o mamilo com os dedos,
sentiu que uma corrente elétrica se estendia por seu ventre e que seu sexo
estava úmido. Moveu os quadris de forma instintiva para tentar sufocar o
ardor que sentia em sua virilha, e ele se esticou e soltou um gemido antes
de levantar a cabeça. Contemplou-a em silêncio durante um longo
momento com o rosto desfigurado de desejo, com olhos que pareciam
reluzir sob a tênue luz.
— Eve… estamos indo longe demais. Deus, como me tenta… mas não
podemos, não é o momento nem o lugar. Corremos o risco de sermos
descobertos.
Por um momento foi dominada pelo ressentimento e a dor já tão
conhecidos quando se sentiu rechaçada de novo, mas foi salva pela intensa
e súbita fúria que aflorou de seu interior. Separou-se de seus braços, ficou
de pé, e ao ver que ele iria se levantar também, fulminou-o com o olhar e
levantou uma mão para indicar que se afastasse.
— Não! — exclamou, em voz baixa e áspera — Não!
Deu meia volta, e fugiu correndo do jardim.
106
Capítulo 7
Eve subiu apressada as escadas que conduziam ao terraço, e ao chegar
em cima, parou para recuperar o fôlego e olhou por cima do ombro.
Enquanto saía correndo do jardim ouviu Fitz resmungar uma maldição e
107
ordenar insistentemente que esperasse, e não soube se deveria sentir-se
aliviada ou zangada quando constatou que ele não a seguia; de fato, nesse
momento não saberia explicar como se sentia. Só estava claro que foi uma
loucura sair para o jardim com ele.
Fitz fez bem em interromper o que estavam fazendo, pensou, mesmo
mortificada por ter sido ele a manter a suficiente prudência para pensar
nisso.
Era absurdo, inconcebível. Deixou-se embriagar pela noitada… pela
valsa, por Fitz, pelo romantismo do casamento… e se concentrou no
presente sem pensar em seu futuro. Fitz podia lhe oferecer um grande
prazer momentâneo e estaria encantado de fazê-lo, mas a vida dele não
seria arruinada por isso, apenas a dela. Dessa vez, teve muita sorte, mas as
coisas poderiam ter se encaminhado para um final desastroso. Na próxima
oportunidade, deixaria muito claro a Fitz que não poderia haver nada entre
eles, nem sequer românticos passeios pelo jardim.
Depois de sacudir a saia e respirar fundo, aproximou-se da parede lateral
da casa e apareceu cuidadosamente. Havia várias pessoas no terraço, mas
estavam do lado oposto e olhavam para o pátio lateral onde estava o
estábulo, então se encaminhou para eles rapidamente e se uniu ao grupo
disfarçadamente.
Seguiu a direção de seus olhares, e viu que havia uma pequena briga do
outro lado da sebe que percorria a parte leste da casa; a uma certa distância,
no pátio exterior, colocaram-se mesas com comida e bebida para os aldeãos
e os empregados do imóvel que quisessem participar da celebração. O
ambiente naquela parte era animado e inclusive um pouco barulhento,
escutavam-se conversas, música, e viam-se pessoas dançando, mas não era
aquela animação toda que chamou a atenção dos convidados ilustres, foi o
fato que dois dos criados do conde estivessem lutando com um homem
baixo e magro que estava tentando escalar a sebe para entrar no jardim. O
108
desconhecido estava debatendo-se e soltando maldições, mas os criados o
levaram arrastado.
— Quem é esse homem? — perguntou, desconcertada.
Um cavalheiro se virou para olhá-la, e respondeu:
— Um tipo que estava tentando penetrar na festa, diz que quer falar com
a recém casada.
Lady Sabrina olhou o cavalheiro que acabava de falar, esboçou um
sorriso, e moveu o leque ao dizer:
— Não entendo por que acontecem sempre essas coisas quando as
Bascombe estão por perto.
Eve foi incapaz de engolir sua resposta.
— Duvido muito que as primas do conde tenham algo a ver com o fato
que um desconhecido pule uma sebe, lady Sabrina.
A dama se alterou ao perceber que era ela e respondeu:
— Você não está inteirada porque ainda não estava aqui, senhora
Hawthorne, mas durante um baile que aconteceu há apenas quatro semanas,
os Talbot tiveram que arrastar outro indivíduo que penetrou nos jardins.
— Sério?Que estranho! — comentou um homem.
Eve notou a chegada de outra mulher nas suas costas, e soube que se
tratava de Vivian ao ouvi-la dizer com voz fria:
— Se estou bem lembrada, o baile em questão foi na sua casa, Sabrina;
levando em consideração que hoje você também está presente, pode ser que
a aparição destes intrusos não seja pelas Bascombe, e sim por você.
Eve conteve uma gargalhada e lançou um olhar a sua amiga, que estava
observando Sabrina com um pequeno sorriso.
— E eu que pensava que o campo era aborrecido — comentou uma
mulher em tom de brincadeira.
A atenção dos presentes se concentrou em Vivian e Sabrina, já que era
muito divertido assistir duas damas envolvidas em uma batalha verbal.
109
Sabrina franziu o cenho, e teve que fazer um esforço visível para engolir
uma resposta grosseira.
— Céus, Vivian, como você gosta de inventar contos! Se não tomar
cuidado, alguém levará a sério qualquer dia destes — olhou Eve, e
acrescentou — Como estão Camellia e Lily, senhora Hawthorne? Espero
que essas duas garotinhas estejam desfrutando do baile, embora me
surpreenda que você as tenha deixado sem supervisão.
— Estavam bem acompanhadas quando sai para tomar um pouco de ar
fresco — respondeu ela, com total sinceridade.
— Me alegro. São encantadoras, mas me atreveria a dizer que são
também bastante rebeldes. Não tenho dúvida que vão lhe dar bastante
trabalho — baixou o olhar, e pareceu surpreender-se ao ver suas mãos—.
Que curioso, acredito que lhe falta uma luva!
Eve ficou gelada. Esqueceu por completo a luva que Fitz tirou, na certa,
caiu no chão quando se levantou rapidamente e saiu correndo. Corou ao
recordar o que fez, e rezou para que a escuridão ocultasse aquele delator
rubor.
— Ora… sim, é certo — lutou para encontrar alguma explicação
plausível com a qual se justificar.
Considerando o olhar malicioso de lady Sabrina, era óbvio que
suspeitava de algo; de fato, não pareceria estranho que adivinhasse quem
era o responsável pela perda da luva.
— Pergunto-me como a perdeu, possivelmente deveríamos ajudá-la a
procurar.
Eve ficou olhando-a sem saber o que fazer, mas Vivian a ajudou.
— Que bobagem, Sabrina! Eve não a perdeu, acha que uma luva pode
perder-se de qualquer jeito? Molhou no ponche, e a entregou a uma donzela
para que a mancha não penetre muito. Estávamos a ponto de subir ao seu
quarto para procurar outro par, mas soubemos que algo acontecia aqui fora
110
— apontou com um gesto vago as mesas do pátio exterior, e acrescentou —
Tanto alvoroço, e no final é apenas algum aldeão que bebeu ponche demais
da conta.
Eve se apressou a lhe dar razão.
— Sim, parece absurdo, não é? Enfim, será melhor que volte ao salão.
Com sua permissão — se despediu de Sabrina com uma inclinação de
cabeça e partiu.
Vivian e ela voltaram a entrar apressadas, atravessaram o salão, e saíram
para o corredor. Enquanto se dirigiam para a escada, tirou a luva que
sobrou e comentou com olhar esquivo:
— Obrigada por me salvar.
— Não tem nada a agradecer. Sabrina é insuportável, adora apontar os
defeitos dos outros e se divertir com isso. Deveria ter perguntado o que
fazia no terraço sem meu tio — lançou um olhar, mas manteve silêncio ao
ver que não respondia.
Permaneceu calada quando chegaram ao quarto de Eve e esta começou a
procurar em suas gavetas um segundo par de luvas de gala, mas no final
comentou um pouco vacilante:
— Eve… agora a pouco, te vi dançando com Fitz Talbot.
Eve começou a colocar as luvas, e respondeu com aparente
naturalidade:
— Sim, dança maravilhosamente bem.
— Certamente, e também é um homem encantador. Se tiver alguma
dúvida sobre protocolo ou algum problema referente à vestimenta, cavalos,
ou um pretendente muito persistente, pode procurá-lo em busca de
conselho.
Ao ver que sua amiga fazia uma pausa significativa, Eve suspirou e se
virou para olhá-la.
111
— De acordo, admito que sai com ele para o jardim, e que foi lá onde
perdi a luva. Não precisa me dizer que fui imprudente e tola, já sei disso
tudo.
— Não diria isso. Fitz é um homem maravilhoso, o acompanhante ideal.
É atraente, divertido e bonito, mas todo mundo sabe que é um solteiro
contumaz. Tem trinta e dois anos, e jamais mostrou o menor interesse por
uma moça casadoura. Não está interessado em casamento. Não estou
dizendo que se aproveite das mulheres nem muito menos, mas é notório
que só se permite discretas aventuras com mulheres amadurecidas e
sofisticadas.
— Viúvas, por exemplo.
— Exato, supõem menos complicações e compromisso. Teve uma ou
outra atriz e até uma cantora de ópera como amante, mas não se casa — se
aproximou dela com preocupação, e pôs uma mão no seu braço — Sinto
muito, querida. Não é minha intenção te ferir, mas o dano que ele poderia
fazer a você seria muito mais duradouro.
— Não diga tolices, Viv — Eve conseguiu soltar uma gargalhada, mas
rezou para que não soasse tão falsa como pareceu — Não sou uma
jovenzinha ingênua, já sei como é o senhor Talbot. Está muito claro para
mim que não está interessado em se casar, e nesse aspecto penso como ele.
Pretendo levar minha vida sem necessidade de ter um marido.
— Sim, já sei. Não sou uma hipócrita e jamais diria uma palavra contra
se o fato de ter uma discreta aventura com Fitz, te fizesse feliz, mas não
acredito que pudesse se limitar a desfrutar de um relacionamento sem
compromisso. O mais provável é que acabasse entregando seu coração a
ele.
— Estou decidida a não fazer nenhuma das duas coisas. Serei uma
mulher sóbria, responsável, e sem o menor interesse nos homens nem em
frivolidades. Serei uma acompanhante irrepreensível.
112
— Nem pense nisso, não suportaria que se transformasse em alguém
assim!
Eve riu ao vê-la tão horrorizada, e comentou:
— O fato de ter essas convicções não costuma despertar tanto horror nas
pessoas.
— Mas eu te conheço bem, é minha mais querida amiga. Sempre foste
tão vivaz, tão jovial e divertida, que me doeu ver como foi… se apagando
ao longo dos anos. Detesto que a vida te tenha murchado assim, e me
adoece que esteja pensando em renunciar a sua vivacidade.
— Os objetivos nunca são alcançados completamente, por isso, duvido
que eu consiga.
— Mas se resignar a uma vida sem amor, passar o resto de seus dias
recebendo ordens de velhas chatas ou vigiando jovens tolas… não, nem
pensar. É bonita e jovem, certamente voltará a se apaixonar e casar.
Eve negou com a cabeça, alheia ao fato que seu sorriso cheio de
melancolia partiu o coração de sua amiga, e disse:
— Não acredito, Viv. Fitz Talbot não é o único homem cujo único
interesse nas viúvas consiste apenas em deitar-se com elas. Uma viúva só é
considerada uma possível esposa se herdou de seu falecido marido uma
vasta fortuna, os homens preferem as moças jovens e inexperientes.
— Isso é uma bobagem, não pode colocar todos os homens no mesmo
patamar.
— Sério? Parece um pouco estranha sua insistência para que eu me
case, considerando que está solteira e não vejo indicação nenhuma que
esteja de olho em algum cavalheiro.
— Olhei alguns, mas nenhum se apropriou do meu coração; em
qualquer caso, não estamos falando de mim, já que os argumentos da
senhorita Wollstonecraft me parecem muito persuasivos e estou convencida
113
que não preciso me casar para ser feliz. Você, em troca, nasceu para ser
esposa e mãe. O amor é algo inato em você, e esse é um dom que não tenho
— sua voz estava sem aquele pequeno sarcasmo usual, quando acrescentou
— Eu adoraria que morasse comigo alguns meses pelo menos, assim
poderia conhecer cavalheiros sem estar enquadrada como acompanhante.
Acredito que encontraria o homem ideal para você.
— Se esquece que já o encontrei, Viv. Não tenho intenção alguma de
voltar a me casar.
Sua amiga soltou um suspiro antes de dizer com resignação:
— É uma teimosa. De acordo, rendo-me, mas só por agora. Será melhor
que voltemos para a festa.
— Prefiro ficar aqui alguns minutos mais, estou um pouco cansada.
— Como fui desagradável, te deixei triste. Sinto muito, sou uma tola.
Não deveria ter dito nada.
— Não seja boba, não seria Vivian Carlyle se não falasse o que quer.
Não me entristeceu, só preciso descansar alguns minutos — esboçou um
sorriso, e acrescentou em tom de brincadeira — Não se preocupe, não vou
ficar escondida no meu quarto sentindo pena de mim mesma. Descerei
logo.
— Bem, concordo — depois de vacilar, abraçou-a de forma impulsiva e
disse — É uma grande mulher. Não deixe que ninguém, nem sequer eu,
diminua sua autoconfiança.
Quando sua amiga saiu do quarto, Eve se sentou na beira da cama e
soltou um suspiro. Sabia que deveria voltar para a festa, porque além de ter
que estar vigiando Camellia e Lily, não estava disposta a esconder-se em
seu dormitório. Não daria a Sabrina nem mesmo a Fitz a satisfação de ver
que a tinham alterado.
Cometeu um deslize, mas iria se recuperar e se concentrar no que queria
fazer. Não permitiria que nada a distraísse de seus objetivos, e de agora em
114
diante trataria Fitz com reserva e fria cortesia. Ele era o irmão do homem
que a contratou, nada mais.
Mas nesse preciso momento, durante poucos minutos, se permitiria
lembrar aquele maravilhoso interlúdio no jardim, e fantasiar sobre o que
poderia ter acontecido… fechou os olhos, e apoiou a cabeça em um dos
pilares da cama.
Fitz procurou Eve com o olhar assim que voltou a entrar no salão de
baile, mas como não conseguiu vê-la entre a multidão, começou a caminhar
entre os convidados. Quando chegou na porta, já tinha certeza que ela não
estava ali, e embora pensasse em procurá-la, tinha suficiente experiência
com as mulheres para saber que seria um erro. Se ela não queria vê-lo, o
fato de pressioná-la só serviria para piorar ainda mais as coisas.
Ao ver que Oliver se afastava pelo corredor, foi até ele e perguntou:
— O que faz escapulindo assim do salão? Quer ir sozinho à sala de
fumantes?
Stewkesbury lançou um olhar, e comentou com ironia:
— Tenho a impressão que ir sozinho já não vai ser possível.
— Como você é esperto! — olhou-o com um sorriso, e acrescentou —
Ao menos se livrou de Kent e Jessop.
— Sim, graças a Deus. Me encurralaram entre a orquestra e um vaso de
flores, e comecei a pensar que não conseguiria me libertar jamais; por
sorte, Bostwick me resgatou.
— É bom tê-lo por perto nesse tipo de situações.
— Em eventos tão grandes, sempre vão surgindo problemas de última
hora que devo solucionar… ah, isso me recorda que quero falar com você
sobre alguns assuntos.
— Céus!
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Oliver esboçou um pequeno sorriso, e abriu a porta da sala de fumantes.
Esperou que os dois estivessem dentro antes de comentar:
— Não se trata de nada horrível, não se preocupe. O que acontece é que
devo retornar a Londres — se aproximou do bar, e serviu duas taças —
Assuntos de negócios… tive que deixá-los pendentes para vir a
Willowmere, e como precisei ficar mais que o previsto por causa do
casamento, devo retornar o quanto antes para me ocupar deles — lançou
um olhar antes de acrescentar — E sim, falarei com seu administrador em
seu nome.
Fitz aceitou a taça que ofereceu, e se sentou enquanto continha a
vontade de esboçar um sorriso vitorioso.
— Sabia que não poderia resistir — admitiu.
— Ficará aqui enquanto estou fora?
— É obvio, pode ter certeza.
— Perfeito, agradeço por isso. Higgins ficará encarregado pela
administração do imóvel, embora suponha que gostará de te manter
informado para seguir o protocolo; além disso, no caso de ter que tomar
alguma decisão de maior relevância, certamente preferirá deixá-la em suas
mãos. Na verdade prefiro não deixar nossas primas com a senhora
Hawthorne como única companhia, por mais eficiente que seja. Esta noite
houve um incidente, e…
Fitz ficou alerta imediatamente.
— O que houve?
Depois de sentar-se em uma cadeira de frente a ele, Oliver fez um gesto
tranquilizador com a mão, e respondeu:
— Nada grave, um tipo tentou saltar uma sebe para entrar no jardim.
— Quem? Por que?
— Não tenho nem ideia; quando me alertaram, os criados já o tinham
levado e o expulsaram do imóvel.
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— Suponho que era algum aldeão com umas taças a mais.
— Pois… justamente isso é o que me preocupa um pouco, ninguém o
reconheceu.
— Não era algum empregado seu, nem alguém do povoado?
— Jem e Bertie estão aqui toda a vida, e me garantiram que não o viram
antes. Era um tipo pequeno e vestido com roupa simples, alguém normal e
corriqueiro… mas com a peculiaridade que insistia em querer ver a noiva.
— Isso foi o que disse? Que queria ver a prima Mary?
— Jem e Bertie não recordavam as palavras exatas, porque estava
trôpego e balbuciava, mas isso foi o que entenderam.
— Diabos, acha que o que aconteceu tem alguma relação com as
Bascombe?
— Espero que não; que eu saiba, já estão presos todos que estavam
envolvidos na trama contra elas. A senhora Dalrymple, o tipo que tentou
seqüestrar Rose e Mary, e seu cúmplice. Duvido que haja outro rondando
por aqui.
— Certamente era alguém que estava de passagem pela região, e que
quando soube da festa decidiu aproveitar a comida e a bebida grátis.
— E estando bêbado, pensou que seria boa ideia entrar para ver a noiva.
Sim, admito que é o mais provável, mas mesmo assim, considerando o que
aconteceu no mês passado, prefiro não deixar as moças com a senhora
Hawthorne como única companhia.
— É claro. Não se preocupe, estarei presente se por acaso aparecer
qualquer desconhecido ou ocorrer algo fora do comum; além disso, Neville
também está aqui.
— Quanto tempo pretende ficar?
— Tenho a impressão que está evitando sua família, mas não tenho
certeza. Poderia ser uma semana, ou três, ou seis. Já sabe como é.
— Sim, você é um modelo de virtudes em comparação a ele.
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— Se pedir a ele, tenho certeza que ficará mais tempo, e devo admitir
que é muito bom de briga.
— Deus, espero que as coisas não cheguem a esse ponto. E não conte
nada a nossas primas, Camellia decidiria se armar até os dentes.
Fitz pôs-se a rir, e comentou em tom de brincadeira:
— Não duvido disso. E Vivian também, não esqueça que Cam está lhe
ensinando a atirar.
— Justo o que necessitamos, Vivian Carlyle armada. Como se não fosse
bastante perigosa mesmo sem uma pistola.
Fitz o observou em silêncio durante um longo momento, mas no final se
limitou a dizer:
— Não se preocupe, providenciarei para que não aconteça nada de mal a
elas.
— Obrigado. É muito interessante que esteja disposto a permanecer aqui
tanto tempo, sou consciente de quanto te aborrece a vida campestre.
— Não se incomode, começo a me dar conta que no campo há mais
entretenimento do que eu acreditava — sua boca se curvou em um pequeno
sorriso.
Capítulo 8
Durante os dias seguintes, foi instaurada uma nova rotina em
Willowmere. O conde partiu rumo a Londres vários dias depois que tanto
os recém casados como os convidados partiram também; assim Eve e as
duas irmãs Bascombe que sobraram, contavam com a companhia de Fitz e
do amigo dele, Neville.
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Eve continuava pensando sobre a tal carta que recebeu, mas não sabia
ainda quem a enviou. Nenhum dos criados a olhava com animosidade ou
culpabilidade, e se fossem Camellia e Lily, seriam atrizes de primeira.
Dava uma olhada no vestíbulo cada vez que passava por lá, mas como não
encontrou nenhuma carta mais, decidiu finalmente, que foi uma brincadeira
inconveniente.
Tudo transcorria perfeitamente bem; diferentemente da acompanhante
anterior, cujas aulas de comportamento eram pesadas e aborrecidas, Eve
instruía Camellia e Lily contando tanto histórias que ouviu, como situações
que ela mesma presenciou dez anos atrás, quando foi apresentada na
sociedade.
— Talvez achem que agora as coisas são muito diferentes, mas garanto
que só mudaram os penteados e a moda — disse, em tom de brincadeira.
Era muito boa narradora, e como estava disposta a esclarecer qualquer
dúvida que suas pupilas pudessem ter, os bate-papos costumavam abranger
assuntos dos mais variados. O conde teria ficado atônito ao tomar
conhecimento dos assuntos que abordavam, mas as jovens assimilavam
muito mais informação do que quando estavam com a infame senhorita
Dalrymple.
Passavam as manhãs no andar superior, num salãozinho onde se viam os
lindos jardins laterais que conduziam a pequena lagoa e ao caramanchão,
conversando e algumas vezes, bordando. Eve as ensinou a caminhar, a se
levantar, sentar e fazer reverências, e também outras habilidades úteis
como o uso do leque na hora de flertar. Esse tipo de coisas pareciam muito
mais úteis para Lily do que para Camellia, mas até essa última se sentiu
curiosa quando Eve contou que em uma ocasião usou seu leque fechado no
estomago de um pretendente muito atrevido.
119
— Isso sim é útil — Camellia agarrou seu leque, e o observou com
maior interesse — Suponho que há várias partes do corpo onde pode fazer
bastante dano.
— Como você é sanguinária! — comentou Eve, com uma gargalhada.
— Não é isso. E que eu gosto de saber como posso me proteger, e
também a minhas irmãs. Não sei por que parece tão estranho para todo
mundo.
Eve inclinou a cabeça, e a olhou pensativa durante alguns segundos
antes de dizer:
— Acredito que o que nos parece estranho não é o fato que queira se
proteger, mas como pretende fazer isso. Todas as damas da alta sociedade
que irão conhecer estão dispostas a proteger aos seus, mas o fazem
mediante as fofocas, a moda, e as regras de comportamento.
— Para que servem as normas na hora de lutar?
A voz de Camellia estava carregada de desdém, e foi Lily quem
respondeu.
— Não seja tão obtusa, é obvio que as regras servem para proteção. Se
uma moça não ficar nunca a sós com um homem, seu bom nome não pode
ficar em evidência, e ela tem muitas mais possibilidades de conseguir um
bom partido se tiver uma reputação irrepreensível. Não é verdade, Eve?
— Exato. Uma mãe está tranquila sabendo que sua filha vai ter um lar,
comida, roupa, e segurança pelo resto de sua vida se conseguir casá-la com
um homem endinheirado e de boa posição social.
Camellia olhou a sua irmã, e disse:
— Estranho que concorde com isso, o que houve com o casamento por
amor?
— Não disse que estou disposta a fazer o que Eve disse. As pessoas se
casam por amor para serem felizes, e a felicidade é muito diferente da
120
segurança — se virou para Eve, e perguntou de novo — Não é verdade,
Eve?
— Há quem diga que é bastante duro ser feliz sem desfrutar de certo
grau de segurança.
— Não estou dizendo que quero morrer de fome, mas se as pessoas não
estiverem disposta a arriscar, pode-se perder as oportunidades que a vida
oferece, e eu pretendo viver grandes aventuras.
Eve a olhou sorridente, e sentiu uma pontada de melancolia.
— Nesse caso, outras pessoas se encarregarão de protegê-la — mesmo
levando na brincadeira, no fundo estava um pouco preocupada, porque a
jovem continuava atraída por Neville Carr.
Todas as tardes havia aula de dança, de equitação, ou de ambas as
coisas, e os cavalheiros sempre participavam delas; além disso, passavam
algum tempo conversando todos juntos no salão quase que diariamente,
portanto, Camellia e Lily passavam bastante tempo junto ao senhor Carr. A
primeira não apresentava problema algum, já que o tratava da mesma
maneira que a Fitz (menos no que se referia ao uso das armas, já que a
pontaria de Carr lhe parecia medíocre), mas diferente de sua irmã, Lily
mostrava claros sinais de estar encantada por ele.
O pior de tudo era que Eve começava a suspeitar que o senhor Carr
compartilhava desse interesse, e se fosse assim, o que poderia ser um
simples encantamento de uma jovenzinha, poderia se transformar num
verdadeiro desastre. Começou a incluir nas conversas, comentários sobre o
quanto perigoso era apaixonar-se muito cedo, sobre a tendência que alguns
homens tinham de se envolver com flertes inconsequentes, e também,
como é importante não mostrar preferência por nenhum cavalheiro em
especial.
— Não é aconselhável que um homem perceba o seu interesse, porque é
mais provável que se sinta muito orgulhoso e seguro de si mesmo; além
121
disso, correm o risco de se transformarem no prato principal dos
fofoqueiros de plantão, que dirão que estão interessadas por ele… ou
inclusive, coisa pior. E se ele não oferecer casamento, ficarão em evidência
perante a alta sociedade.
Apesar de tudo, sabia que não podia insistir muito no assunto, porque as
Bascombe tinham tendência a ignorar quando passava um sermão nelas;
além disso, se advertia Lily abertamente que mantivesse distância do
senhor Carr, o mais provável era que suas palavras tivessem o efeito
contrário ao desejado.
Fazia de tudo para não deixá-los nunca a sós, já que seria muito mais
difícil flertar com uma terceira pessoa presente… e mais difícil ainda que
despertasse uma grande paixão; nesse sentido, Camellia era sua aliada sem
saber, já que as duas irmãs quase não se separavam, mas ela não podia estar
com elas as vinte e quatro horas do dia, e sempre existia a possibilidade
que Lily encontrasse casualmente com ele pela casa.
Uma tarde, enquanto as jovens cantavam uma canção e ela as
acompanhava no piano, reparou que o olhar de Lily desviava várias vezes
para aquele homem; ele, por sua vez, estava observando-a com um pequeno
sorriso nos lábios e um estranho brilho nos olhos, um brilho que a fez
lembrar que viu esse mesmo olhar no rosto de Fitz quando ele a olhava.
Seu coração acelerava cada vez que Fitz a olhava assim, e estava
convencida que Lily reagia do mesmo modo com Neville.
Teria que falar com Fitz sobre esse assunto… na realidade, já deveria ter
feito isso se não estivesse evitando a todo custo ficar a sós com ele. Apesar
de se verem nas refeições, durante a noite, e nas aulas de dança e equitação,
não havia possibilidade alguma de ter um encontro amoroso (de fato, nem
sequer existia a possibilidade de falar no assunto) se havia outras pessoas
presentes; por sorte, seu plano de manter-se perto de Lily serviu para ajudá-
la a manter-se longe de Fitz. Não saía para passear sozinha pelo jardim, e
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nem do seu quarto para comer, sem antes ouvir as vozes das Bascombe no
corredor.
Cruzou com ele algumas vezes no corredor ou na escada, mas se limitou
a saudá-lo com cortesia antes de afastar-se rapidamente. O que mais lhe
custava era conter a vontade de passar algum tempo com ele, mas estava
firmemente resolvida a cumprir a decisão que tomou e se obrigava a manter
distância.
Mesmo assim, quando saíram para montar no dia seguinte pela tarde, foi
ficando um pouco atrasada com a esperança que ele aproveitasse para
tentar falar com ela, e não pôde evitar sentir certa satisfação ao ver que ele
também ficava para trás.
— Faz muito tempo que não tinha oportunidade de falar com você a sós,
senhora Hawthorne — disse, sorridente.
— Queria falar com você sobre Lily — disse, secamente, já que queria
que a conversa fosse totalmente impessoal.
— Ah, sim? O que houve?
— Acredito que esteja se afeiçoando ao senhor Carr.
Ele encolheu os ombros num gesto cheio de displicência antes de
responder:
— Neville sempre teve êxito com as mulheres, mas suas intenções
nunca são sérias.
— Mas Lily não sabe disso. É jovem e inexperiente, e como não sabe
que ele é um professor do flerte, acredita nele quando a enche de elogios.
Seria muito diferente se o tivesse conhecido durante a temporada social, já
que assim teria uma multidão de homens tentando chamar sua atenção e
flertando com ela; além disso, ao vê-lo paquerando com outras mulheres tal
e como faz com ela, perceberia que para ele, ela é apenas uma diversão.
Mas aqui passam muito tempo juntos, e Lily só vê o encanto com que a
123
trata. Tentei explicar a situação, mas as palavras são inúteis diante dos
sentimentos, e temo que acabe perdidamente apaixonada por ele.
— Por que não gosta de Neville?
— Apenas o conheço.
— Sei disso, mas tenho a sensação que não conta com sua aprovação.
Eve vacilou por um instante antes de admitir:
— O que ouvi dizer sobre ele, não me causou uma boa impressão.
— O que se fala sobre ele são puros exageros, e o mesmo se pode dizer
a meu respeito. Muitos fariam minha caveira para você — viu o olhar que
lançou a ele e riu — Acredita no que dizem, não é?
Ela corou um pouco ao ver que soube ler seu pensamento com tanta
precisão, e se apressou a responder:
— Eu não disse isso; além disso, estamos falando do senhor Carr. Não é
verdade que certa vez seduziu a esposa de um jovem oficial por uma
aposta?
Ele ficou olhando-a perplexo, e no final conseguiu dizer:
— O que? Não lembro…
— Chamava-se Fanny Bertram e era a esposa do comandante Harry
Bertram. Eu a conhecia, porque ele serviu no mesmo regimento que meu
marido, faz seis ou sete anos, e houve certos… rumores. Teve que suportar
tudo sozinha durante muito tempo, e no final me contou toda a história feita
em lágrimas; consta que seu marido e ela se relacionavam com pessoas
bastante liberais antes de se casarem, e no White’s fizeram apostas para ver
quem seria o primeiro a seduzir a recém casada. O vencedor foi Neville
Carr — se virou para olhá-lo, e perguntou — Lembra agora?
— Vagamente, faz muito tempo. Nós dois éramos jovenzinhos
amalucados naquela época, acabávamos de sair de Oxford e gozávamos de
inteira liberdade pela primeira vez. Os jovens cometem muitas tolices.
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— Você… — Eve sentiu que se formava um nó na garganta, e teve que
engolir antes de poder continuar — Você também participou da aposta? —
surpreendeu-se o quanto lhe doía expor essa possibilidade.
— Quem, eu? Deus, claro que não. Bem, devo ter apostado em alguém,
mas a verdade é que não me lembro, mas jamais tentei seduzir Fanny. Não
participo desse tipo de jogos.
— Ah, sim, me esqueci que você não persegue mulheres casadas,
apenas viúvas, porque há menos complicações e compromissos — ao notar
a amargura que transparecia em sua voz, tentou falar com um tom mais
natural — Vivian me avisou que tem fama de seduzir viúvas, mas não lhe
disse que já sabia por experiência própria.
— Não a beijei pelo fato de ser viúva! — exclamou, indignado.
— Seriamente? Acredito recordar que você mesmo admitiu que preferia
as viúvas em relação as demais.
— Sim, mas disse como um elogio. Estava flertando com você.
— Por acaso não é verdade que teve aventuras com viúvas?
Ele esticou a mandíbula, mas acabou por admitir:
— Sim, é verdade, mas não saio por aí importunando viúvas, nem
seduzo a todas que passam pela minha frente.
— Sim. É só uma questão de preferência, não?
— Você não tem nada a ver com tudo isso — disse ele, com uma voz
cheia de frustração — Não está pensando que só flertei com você porque é
viúva, não é?
— Não, não só por isso; de qualquer jeito, isso não é importante. Não
estamos falando de você, mas sim do senhor Carr.
Teve a impressão que ele gostaria de prolongar o assunto, mas no final
suspirou e disse:
— Sim, estamos falando de um incidente absurdo que aconteceu faz
anos. Realmente acha tão terrível? Fanny era muito coquete, e teria sido
125
infiel a seu marido cedo ou tarde. Deitou-se com Neville por vontade
própria, não se pode dizer que ele destruiu o bom nome de uma mulher
virtuosa.
Eve o fulminou com o olhar, e disse:
— Que ponto de vista tão tipicamente masculino! Não tem como saber o
que teria acontecido com esse casamento se seus amigos não tivessem
decidido brincar com a vida dessas pessoas apenas por diversão. Pode ser
que Fanny tivesse rompido seus votos matrimoniais, mas não tinha por que
acontecer tão cedo, nem de forma tão pública e humilhante. Comentaram
sobre isso durante anos, e as fofocas foram muito prejudiciais para a
carreira militar do tenente Bertram; de fato, no final teve que pedir
transferência para a Índia.
— Pelo amor de Deus…! Eu não destruí esse casamento!
— Contribuiu com isso, mesmo que não tenha participado da sedução
de Fanny. Os jovens enriquecidos e indolentes como vocês, que não têm
nada melhor para ocupar seu tempo do que fazer absurdas apostas, beber e
jogar cartas, são apenas egoístas que não se preocupam com ninguém. Não
se importam com o que pode acontecer com uma mulher que fica com a
reputação destruída, não se importam como o resto do mundo vai julgá-las.
A única coisa pela qual se interessam, é diversão.
Ele se esticou, e seu rosto se avermelhou. Esticou a mão para ela, e a
obrigou a puxar as rédeas para que parasse ao seu lado.
— Não lhe ocorra pensar, nem por um momento, que o que sinto por
você tem algo a ver com o que aconteceu com Fanny Bertram, nem com
nenhuma outra mulher! — o tom baixo e áspero, conferiu mais intensidade
a sua voz — Sim, em meus trinta e dois anos de vida estive com mulheres,
e algumas delas eram viúvas. Admito que fiz muitas tolices e que as vezes
fui egoísta, mas jamais fiz mal a uma mulher de forma intencionada. Não
quero me deitar com você pelo simples fato que seja uma viúva e que por
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isso não existam complicações e compromissos, a desejo porque você… é
você.
Foi como se um raio relampejasse entre os dois. Manteve-a presa com
seu intenso olhar, com aqueles olhos que pareciam mais azuis que nunca
sob a luz do sol, e ela ficou como paralisada.
As risadas dos membros do grupo quebraram o silêncio de repente, e ele
baixou a mão e olhou para frente.
— Apesar de tudo, não pode negar que não deseja ter nenhum…
compromisso comigo.
Ele demorou alguns segundos para responder.
— Admito que não estou interessado em me casar. Estou falando de
prazer mútuo, e de uma relação livre para ambas as partes.
— Acredito que uma relação assim oferece muito mais liberdade ao
homem do que a mulher — respondeu, secamente.
— Está dizendo que quer se casar?
— Absolutamente, não penso em fazer isso de novo. Mas isso não
significa que esteja disposta a arriscar meu bom nome passando uma noite
em sua cama.
— Seria muito mais que isso, garanto — respondeu, com um sorriso
muito sensual.
— A única diferença seria o tempo empregado — afastou o olhar antes
de acrescentar — voltamos a nos desviar do assunto que interessa,
estávamos falando da influência do senhor Carr sobre Lily.
— O episódio com Fanny Bertram aconteceu faz muitos anos.
— Mesmo assim, é perigoso que um homem como ele esteja perto de
jovens impressionáveis.
— Neville seria incapaz de tentar seduzir Lily! Pode ser que seja um
pouco libertino, e não há dúvida que gosta de flertar, mas é meu amigo e
jamais arruinaria a reputação de minha prima.
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— Pode ser que não, mas e o coração de Lily? O que para um homem
sofisticado não é mais que uma divertida paquera pode parecer amor para
uma jovem romântica como ela. Já a conhece, sabe que tipo de livros gosta
de ler. Acredita que a vida deveria estar cheia de grandes aventuras e
intensas paixões, e é mais provável que se apaixone mesmo que para ele,
ela não seja mais que uma diversão passageira. Acredito que o senhor Carr
não macule a reputação de Lily pela amizade que tem com você, mas ela
poderia acabar com o coração partido.
— Como sabe que vai partir seu coração? Quem sabe se apaixona por
ela. Neville é um bom partido… é o filho mais velho de lorde Carr, seu
herdeiro, e sua família tem um patrimônio mais que considerável. Sim, há
uma certa diferença de idade entre os dois, mas muitos homens têm esposas
mais jovens que eles.
Eve inclinou um pouco a cabeça, e o olhou com expressão interrogante.
— Vivian me contou que está comprometido.
— Vivian fala muito.
— Não é verdade?
— Não é um compromisso formal… ao menos, que eu saiba. O que
existe é que há muitos anos todos acreditam que acabará propondo
casamento a Priscilla Symington. É óbvio que têm personalidades muito
diferentes e não são compatíveis, mas lorde Carr acredita que Neville
assentará cabeça ao se casar.
— Suponho que lady Priscilla também tem opinião e voto nesse assunto,
não?
Fitz soltou uma gargalhada antes de dizer:
— A verdade, sempre me deu a impressão que não se importa com a
identidade de seu futuro marido — soltou um suspiro, e acrescentou — De
acordo, estarei de olho em Neville; em qualquer caso, duvido que demore
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muito por aqui, porque nunca o faz. Se aborrece com facilidade, e no
campo não encontra distrações.
Seguiram cavalgando em silêncio, e como o calor da discussão se
dissipou um pouco. Eve teve oportunidade de refletir sobre o que disse a
Fitz. Não havia dúvida que extrapolou ao falar daquela maneira com o
irmão do conde. Conseguiu se manter distante dele até o momento, mas
seus sentimentos afloraram assim que começaram a conversar. Estava claro
que suas boas intenções sempre acabavam desmoronando quando estava
com aquele homem.
— Desculpe-me pelo que disse, não sou ninguém para opinar — disse,
muito rígida — Naquele tempo não conhecia nenhum dos dois, e não é meu
assunto. Acho que permiti que a preocupação que sinto por Lily
sobrepusesse minhas boas maneiras.
Ele se virou para olhá-la, e ao ver que permanecia com o olhar fixo na
cabeça do cavalo, pediu com voz suave:
— Me olhe, por favor.
Ela obedeceu a contra gosto, e viu que estava sério e que seus olhos
estavam livres do calor e do brilho de diversão que costumava ver neles.
— Não quero nem necessito suas desculpas, limitou-se a me dizer o que
pensa e não tem por que morder a língua quando está comigo. Não desejo
temor nem sentido de obrigação por sua parte, nem em suas palavras nem
em seus atos. Jamais a obrigaria a nada, nem me aproveitaria de você.
— Sou consciente disso, os desejos que me dão medo não são os seus.
Afastou-se em direção aos outros e ele ficou ali, seguindo-a com o olhar
e sem saber como reagir.
Quando retornaram depois do passeio a cavalo, encontraram a casa
imersa no caos. Bostwick, o mordomo, estava furioso e dando ordens aos
129
criados e tanto a senhora Merriwether, a governanta, como várias das
donzelas estavam reunidas ao redor das outras que eram responsáveis pelo
segundo andar do imóvel. Uma jovem estava sentada em um dos bancos do
vestíbulo, e estava com o rosto transtornado.
Todos eles se viraram assustados para a porta quando viram Eve e os
outros chegarem, e ao vê-los, a donzela que estava sentada começou a
soluçar e o mordomo foi imediatamente em direção a Fitz.
— Senhor Talbot…
— Pelo amor de Deus, Bostwick… o que houve?
— A casa foi invadida senhor.
Fitz ficou olhando-o boquiaberto durante alguns segundos, e logo disse:
— Como… desculpe?
Bostwick apontou para a donzela chorosa, e disse solenemente:
— Jenny surpreendeu um intruso no corredor dos dormitórios.
A jovem elevou o olhar para Fitz, e exclamou:
— Foi horrível! Jamais senti tanto medo!
— Alguém entrou na casa? — sua expressão se tornou dura de repente
— Que demônios significa isso? Quem era?
— Não sei, senhor, juro que não sei.
Ao ver que a jovem olhava com ressentimento para o mordomo, Eve
achou que ele não tinha acreditado no que lhe contou, e suas suspeitas
foram confirmadas quando Bostwick disse com certa dureza:
— Ela jura que jamais o viu em sua vida, e Paul tampouco pôde
identificá-lo. Parece que o indivíduo fugiu pela escada quando Jenny o
surpreendeu, e saiu pela porta lateral. Paul o viu correndo pelo corredor.
— Ninguém o reconheceu? — Fitz também parecia cético.
Eve achou compreensível sua incredulidade, porque parecia
surpreendente que ninguém conhecesse o intruso. O povoado era pequeno e
a maioria dos habitantes da região se conhecia.
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— Roubou algo? — o olhar de Fitz foi do mordomo a donzela, e de
volta ao primeiro — Machucou alguém?
Foi Bostwick quem respondeu.
— Nem Jenny nem Paul se lembram de terem visto algo em seu poder e
não notamos falta de nada, ao menos por hora; que eu saiba, ninguém
sofreu dano algum além do susto.
— Nesse caso, que demônios fazia aqui? — perguntou Neville.
— Possivelmente foi descoberto antes de conseguir o que queria — Fitz
fixou seu penetrante olhar no mordomo, e perguntou — Que aparência
tinha?
Os lábios de Bostwick se curvaram para baixo (e em alguém com uma
expressão tão inescrutável como ele, isso era muito significativo), e
admitiu:
— Não pude obter nenhuma descrição clara até o momento.
— Tinha o cabelo castanho — disse Paul.
Jenny o fulminou com o olhar, e exclamou:
— Não é verdade, tenho certeza que era louro avermelhado! Tinha
entradas pronunciadas, e nas laterais era mais comprido, e… e era um
homem bastante pequeno.
— Eu diria que tem estatura média, mais ou menos como eu — disse
Paul.
Jenny se manteve firme, e insistiu obstinadamente:
— Era pequeno.
Fitz arqueou uma sobrancelha, e perguntou com certo sarcasmo:
— Podem concordar ao menos com relação a roupa que estava usando?
— Escura.
— Sim, calças e casaco marrons.
131
— Que tipo de roupa era? — ao ver que não entendiam a pergunta, Fitz
acrescentou — Estava vestido como um cavalheiro, ou com roupa mais
grosseiras?
Jenny soltou uma risadinha antes de responder.
— Não era nenhum cavalheiro, senhor. Parecia um jardineiro, um
guarda-florestal, ou algo assim. Usava roupa comum.
— Bem… roupa de trabalho, estatura baixa ou média, cabelo loiro
avermelhado ou castanho… poderia apontar onde o viu, Jenny?
— No corredor de cima, senhor. Eu ia trocar os lençóis da cama da
senhorita Camellia, e de repente o vi caminhando na minha direção.
— De modo que estava de frente ao quarto da senhorita Camellia, não?
— Ainda não estava nesse local, estava no espaço entre os quartos.
— Ah, na frente das janelas — quando ela se limitou a assentir,
acrescentou — A que distância estava do meliante?
Percebendo que a donzela não parecia entender aquela palavra, Camellia
suspirou com impaciência antes de esclarecer:
— Refere-se ao intruso, Jenny.
— Ah. Desculpe, senhor. Na mesma distância que estou de Bostwick
agora, mais ou menos.
— Nesse caso, estava a pouco mais de quatro metros e meio de distância
de você.
— Sim, suponho que sim. Eu gritei, e ele saiu correndo. Passou ao meu
lado e desceu a escada a toda velocidade.
— A escada traseira?
— Sim, senhor.
— Onde Paul o viu?
Só faltavam poucas perguntas para esclarecer que o lacaio se aproximou
da parte traseira da casa ao ouvir os gritos, e que conseguira ver o intruso
correndo por um corredor mais estreito que era usado pela criadagem, que
132
saia ao pátio do estábulo; além disso, ficou evidente que o tinha visto de
longe e pelas costas, no escuro.
Fitz assentiu e ordenou que todos saíssem, exceto Jenny, porém,
permitiu que uma donzela permanecesse, segurando sua mão para apoiá-la,
já que a presença de uma companheira parecia tranquilizá-la.
— Vamos conversar sobre esse homem, Jenny — se agachou para olhá-
la no rosto, e esboçou um sorriso — Bostwick e a senhora Merriwether não
estão aqui, e não vou me zangar se admitir que não foi totalmente sincera.
Quero saber a verdade, nada mais. Tem certeza que nunca o viu antes?
Como a grande maioria das mulheres, a donzela foi incapaz de resistir
ao sorriso dele, e corou um pouco enquanto sorria de volta com
acanhamento.
— Juro que não menti, senhor Talbot. Jamais o vi antes.
— Então, não mora na região?
Deu a impressão que isso era algo que a jovem não tinha considerado
ainda, porque inclinou a cabeça surpresa, antes de responder:
— Não, acho que não.
— Disse algo para você?
— Balbuciou algo em voz baixa, mas não entendi; do jeito que me
olhou, eu diria que estava amaldiçoando ao ser surpreendido.
— Sim, é o mais provável. O que lembra de seu rosto?
— Era um tipo pequeno. Era meio careca e sua testa ficava bastante
evidente.
— Você disse que o cabelo dele era louro avermelhado… claro ou
escuro?
— Acredito que claro, tinha… partes mais claras, talvez fossem cabelos
brancos; além disso, parecia mais velho, tinha rugas.
— Tão velho como o senhor Bostwick?
133
— Talvez, ou um pouco mais. Tinha uma aparência diferente do senhor
Bostwick… era mais moreno, como se tivesse passado mais tempo ao sol.
Mas não chegava a ser tão moreno como Stedley.
O tal Stedley era o jardineiro principal, estava perto dos setenta anos, e
tinha um rosto tão curtido e enrugado como uma maçã seca.
— Viu seus olhos?
— Pareciam claros, normais.
— Azuis?
— Não como os seus, senhor — corou de novo, e baixou o olhar —
Talvez fossem cinza.
— O que pode me dizer de seus traços? Rosto largo ou fino? Sua
mandíbula era proeminente?
— Rosto fino, olhos pequenos, sobrancelhas tão claras como o cabelo, e
lábios finos como uma arraia. Parecia um rato.
— Essa descrição combina com o homem que tentou entrar
clandestinamente no banquete na outra noite — comentou Eve.
Fitz lançou a ela um olhar penetrante, e perguntou:
— Está sabendo disso?
— Sim, vi o que aconteceu do terraço — afastou o olhar, envergonhada,
ao lembrar por que estava no terraço naquele exato momento.
— Nós não soubemos de nada! Por que não nos contaram? — Camellia
estava indignada.
— Oliver não queria que nada perturbasse a festa do casamento, por
isso, manteve em segredo — respondeu Fitz.
As irmãs não ficaram satisfeitas com a resposta, e Lily comentou:
— Isso não explica porque não contou quando a festa terminou.
— Já conhece o primo Oliver, certamente estava tentando nos proteger
outra vez — disse Camellia — Nos considera muito jovens para saber a
verdade.
134
Fitz pôs-se a rir, e admitiu:
— Acredito que faz tempo que o convenceram que isso não é verdade.
Eu acho que o que pretendia era evitar que decidissem andar por aí com
armas nos bolsos.
— Isso é absurdo, teremos que estar alertas se houver alguém rondando
pelos arredores — o argumento de Camellia parecia lógico.
— Isso é o que pretendo fazer — assegurou Fitz — Oliver e eu
concluímos que o incidente ocorrido na noite do casamento, foi um fato
isolado, que algum forasteiro decidiu desfrutar da comida gratuita e acabou
bebendo mais da conta, mas se esse tipo ainda está por aqui… — se virou
para Eve, e perguntou — O homem que tentou penetrar no dia do
casamento coincide com a descrição que Jenny nos deu do intruso?
— Era de noite e não havia muita luz, assim não consegui vê-lo muito
bem, mas era um homem baixinho e se vestia como Jenny mencionou;
além disso, o cabelo era claro e comprido dos lados, e as feições pequenas.
Não sei se é a mesma pessoa.
— Tantas coincidências me parecem muita casualidade. Neville, será
melhor que você e eu inspecionemos a casa, e ver se encontrarmos algum
indício para saber por onde entrou — se virou de novo para as donzelas, e
acrescentou — Volte com Tilda para a ala da criadagem, tenho certeza que
a cozinheira vai preparar uma infusão calmante — esperou que saíssem
antes de se virar para Eve e suas primas — Diante dessa situação, acredito
que devemos tomar certas precauções. Nada de sair para montar, a menos
que Neville ou eu possamos acompanhá-las; de fato, seria melhor que não
se afastassem muito da casa.
— Oh, não, outra vez não! — protestou Lily.
— Não é necessário chegar a esse ponto, Fitz — comentou Camellia —
Estarei armada com minha pistola, não acha suficiente?
135
— Lamento, mas não. Já sei que tem muito boa pontaria, mas Oliver me
encarregou da segurança e não vou permitir que aconteça nada com vocês
— lançou um olhar mais significativo para Eve, e acrescentou — A
nenhuma de vocês. Confio que seja sensata o suficiente para não permitir
que suas pupilas saiam sozinhas, e que você mesma siga as regras.
— Nem sequer podemos passear pelo jardim? Não acredito que lá
estaremos em perigo.
— Não, não podem sair sozinhas. Não esqueça que esse indivíduo acaba
de entrar na casa, poderia atacá-las no jardim. Não vou permitir que
nenhuma das três sofra ataque algum.
— É como estar no cárcere — resmungou Camellia.
— Bem, ao menos é um cárcere confortável — disse ele, em tom de
brincadeira; ao ver seus olhares suplicantes, soltou um suspiro e cedeu um
pouco — De acordo, suponho que não acontecerá nada se saírem em pares.
Colocarei vários homens para patrulhar os jardins e também guardas
noturnos, mas caso aconteça algo mais, terei que insistir que não saiam
além do terraço.
Lily soltou um suspiro e Camellia ficou triste, mas não insistiram. Fitz
pareceu satisfeito ao ver que acatavam suas ordens, e acrescentou:
— Agradeceria se fossem conferir se falta algo em seus quartos.
Neville, vamos dar uma olhada pela casa.
Os dois se despediram com uma reverência e partiram, e Eve subiu para
os quartos com as Bascombe. Estava um pouco surpresa pela maneira
como Fitz conduziu a situação, porque apesar de ser um assunto
preocupante, não esperava que se mostrasse tão protetor; diferentemente de
Camellia e Lily, ela não estava acostumada a se defender sozinha, mas as
regras que ele determinou lhe pareciam um pouco excessivas. Ninguém
esteve em perigo; na verdade, o intruso não causou dano algum, e para ela,
parecia um exagero que Fitz as confinassem na casa.
136
Quando as três se separaram e entraram em seus respectivos
dormitórios, ela foi direto até a pequena caixa de joias em cima da
penteadeira, já que só possuía um único objeto de valor. Abriu a caixa,
segurou o relógio de bolso que Bruce comprou para ela, e percorreu a
superfície com os dedos.
Seu valor era insignificante em comparação com as centenas de objetos
valiosos que havia em Willowmere, mas embora fosse improvável que o
intruso se incomodasse em roubar o relógio ou suas poucas joias, a
possibilidade que outro ladrão entrasse na casa parecia muito remota, não
tinha sentido deixar tão exposto seu único objeto valioso.
Pensou em usá-lo sempre, mas era um pouco pesado e poderia danificar
as delicadas musselinas e cambraias de seus vestidos de dia, que foram
confeccionados com o tecido mais resistente como o que usou durante a
viagem; além disso, havia relógios em quase todas os aposentos da casa,
portanto, não seria necessário.
Finalmente, enrolou o relógio numa camisola branca de algodão e
guardou na gaveta superior da penteadeira, embaixo de outros objetos. Era
ali onde estava guardada também a carta que recebeu antes do casamento, e
ao roçá-la com os dedos, decidiu dar uma olhada nela novamente.
Sentiu uma pontada de inquietação ao reler a mensagem e passou por
sua cabeça a possibilidade de contar para Fitz, mas sabia que nesse caso
correria o risco que ele se assustasse ainda mais e cumprisse sua ameaça de
não deixá-las sair de casa. Camellia e Lily não a perdoariam jamais, e
tampouco não a agradava a ideia de estar enclausurada.
De qualquer maneira, era muito improvável que existisse relação entre a
carta e o intruso. Certamente a mensagem foi escrita por alguém que a
conhecia, e estava certa que nunca antes viu o tipo que tentou penetrar na
festa do casamento. Possivelmente eram dois intrusos diferentes, mas
parecia bastante improvável… não, com certeza a carta não tinha nada a
137
ver com o intruso, assim, resolver não mostrar para Fitz; na verdade, era
melhor mantê-lo à margem de sua vida particular.
Capítulo 9
Fitz estava sentado atrás da mesa de seu irmão, brincando com o abridor
de cartas. Estava preocupado, e esse estado tão incomum não o agradava
138
absolutamente. O primeiro assunto que o inquietou era o intruso que
invadiu a casa no dia anterior. Era a primeira vez, em toda sua vida, que
alguém invadia Willowmere, e embora não fosse um covarde, o fato que
esse tipo tivesse conseguido entrar em sua casa de forma sorrateira não lhe
causava medo, sentia-se estarrecido e ofendido. Willowmere era a fortaleza
de sua juventude, forte e poderosa, e achava intolerável que alguém
pudesse invadi-la ou destruir sua inviolabilidade.
Sentia uma intensa necessidade de proteger Eve e suas primas, que
deviam estar aterrorizadas pelo que aconteceu… bem, para ser sincero,
certamente a única amedrontada era Eve, porque para assustar às Bascombe
seria necessário algo muito mais grave que o simples fato de uma donzela
ter visto um intruso na casa; mesmo assim, imaginar Eve aterrorizada
bastou para que sua mão se fechasse em um punho apertado e se
imaginasse agarrando o indivíduo pelo cangote. O que teria acontecido se
ela estivesse em casa quando o homem entrou? Poderiam ter se encontrado!
Estava enfurecido porque a invasão aconteceu com Eve e suas primas
sob a sua responsabilidade, e pior ainda era não ter nem ideia da identidade
do homem, nem saber o que pretendia, nem para onde fugiu.
Junto com Neville, percorreu as imediações da casa depois de ouvir as
explicações de Jenny, mas não encontraram nada que indicasse que o
intruso entrou por algum lugar especifico ou por onde fugiu. Havia
algumas pegadas na entrada lateral, mas como vários criados usavam essa
passagem constantemente, não havia como distinguir umas das outras;
além disso, não havia indício algum que indicasse o caminho que usou para
fugir. Talvez tenha escapulido pelo jardim, mas também era possível que
tivesse atravessado o pátio do estábulo, e se dirigisse ao rio ou na direção
contrária, para as árvores.
Nenhum dos criados notou nada estranho até que foram alertados pelos
gritos de Paul e Jenny, e esta última era a única que o viu. Não conseguiu
139
obter informação nenhuma junto aos jardineiros, e se irritou quando os
rapazes do estábulo alegaram que tampouco viram algo, acabou se
descontrolando e disse a eles que eram um bando de incompetentes.
Semelhante ataque de mau gênio era incomum em alguém de tão bom
caráter como ele, e ainda por cima, não serviu de nada, porque continuava
sem ter nenhuma pista.
Mandou um dos empregados ao povoado para descobrir se alguém vira
algum forasteiro na região, e ordenou a todos que permanecessem alertas
no futuro; mesmo assim, se sentia impotente por não poder traçar um plano
de ação, e já passara grande parte da manhã tentando planejar de que
maneira poderia descobrir a identidade do intruso.
Também não conseguia afastar seus pensamentos da conversa que teve
com Eve no dia anterior, e as acusações que lhe fez. Ainda estava ferido
pelo que lhe disse, estava claro que o considerava um indolente e um
folgado tão irresponsável e insensível como os jovenzinhos que fizeram a
aposta sobre a sedução de Fanny Bertram. Era verdade que sabia da aposta
e que se divertiu com seus amigos comentando sobre isso, mas já tinha se
passado muitos anos. Naquela época era jovem e tolo, mas estava mudado
e já não era aquele jovem de antes, não era do tipo que se divertia
brincando com a vida dos outros.
Isso foi o que o feriu verdadeiramente, que Eve tivesse certeza que
queria seduzi-la sem se importar com o mal que poderia causar a ela e a
sua reputação. Como podia acreditar que estava brincando com ela?
O desejo que sentia por ela aumentava a cada momento que passavam
juntos. Sua risada, seu sorriso, e a luz que lhe iluminava seu rosto quando
estava contente o cativaram, e quando ouvia sua voz no corredor ou em
outro aposento, ficava animado e saia para procurá-la com qualquer
desculpa. Era deliciosa, fascinante… e a desejava com todas as suas forças.
140
As vezes ficava olhando-a embevecido durante o jantar, ou no
salãozinho, ou em qualquer lugar que estivesse, e fantasiava tendo-a em sua
cama. Imaginava aquele corpo gracioso e esbelto sobre o seu e aquele
cabelo brilhante estendido como uma cascata no travesseiro, lembrava seu
perfume, seu sabor e o tato de sua pele. O desejo que sentia por ela crescia
dia a dia, tê-la perto sem poder possuí-la estava enlouquecendo-o.
Desejá-la e tentar conquistá-la não tinha nada de mal, não? Afinal, era
uma mulher bonita. Mas o que queria não era só uma noite, queria fazer
amor com ela, saboreá-la, estar com ela…
Surpreendeu-se um pouco com o rumo que estavam tomando seus
pensamentos. Até esse momento se concentrou no fato que a desejava e não
parou para pensar no que realmente queria dela, mas estava claro que
queria muito mais que alguns dias ou inclusive semanas. Seria necessário
muito tempo para explorar as possibilidades que Eve oferecia.
Não se importava apenas com seu próprio prazer, mas também com o
dela. Queria agradá-la, que a felicidade fosse mútua. Estava ciente que as
consequências poderiam ser mais graves para ela, mas não permitiria que a
aventura se tornasse pública. Seriam discretos, e como ele não revelaria
jamais que eram amantes, não estaria exposta a um possível escândalo.
Suspirou com irritação, e parou de girar o abridor de cartas com um
golpe brusco na palma da mão. Estava tentando enganar a si mesmo,
porque mesmo que ele guardasse o segredo, as coisas tendiam a sair à luz
por mais que as pessoas tentassem escondê-las. Os criados falavam demais,
as pessoas fofocavam se presenciassem algum olhar furtivo entre os
amantes… mesmo sem provas, sempre havia rumores, e eles poderiam ser
prejudiciais do mesmo modo que a verdade para a reputação de uma
mulher na situação de Eve.
Além de ter que enfrentar a desaprovação da sociedade, não encontraria
emprego como acompanhante, já que ninguém contrataria uma mulher que
141
diziam ter uma aventura. E o fato de que a aventura fosse com ele em
especial, pioraria ainda mais as coisas, porque era um solteiro muito
cobiçado, muito conhecido, para que uma aventura com ele passasse
despercebida.
Levantou-se da cadeira de repente, e começou a passear pelo escritório.
Perguntou-se se estava sendo egoísta, se em seu intuito de obter o que
desejava estava passando por cima do que convinha a Eve. Começou a
conquistá-la sem levar em consideração o que poderia acontecer com ela, e
não ter intenção de machucá-la não significava protegê-la; de fato, a única
forma de protegê-la de possíveis rumores seria não ter uma aventura com
ela, mas não queria nem cogitar essa possibilidade.
Parou carrancudo no meio do escritório, e se virou quando uma voz
masculina disse em tom de brincadeira:
— O globo terrestre te ofendeu?
Ao ver Neville Carr com um ombro apoiado no marco da porta, fazendo
balançar com atitude indolente o monóculo que estava pendurado na lapela,
ficou olhando-o perplexo e perguntou:
— O que?
Seu amigo apontou para um globo terrestre que havia em uma estante, e
foi então que percebeu que estava olhando-o carrancudo enquanto
permanecia absorto em seus pensamentos. Esboçou um sorriso, e admitiu:
— Não, estava pensando em outras coisas.
— No intruso de ontem?
— O que? Ah, sim. Esta situação me parece frustrante, não tenho nem
ideia de como encontrá-lo. Venha, sente-se. Gostaria de um café? Chá?
— Não, Hibbits já me serviu um café.
Carr não acostumava acordar cedo (parecia-lhe horrível e além disso
não suportava o café da manhã), por isso, geralmente despertava por volta
das dez e se limitava a tomar uma xícara de café bem forte que Hibbits, seu
142
valete, levava ao seu quarto; e quando saia, impecavelmente vestido e
preparado para enfrentar o mundo, já era quase meio-dia.
— Sim, é bastante desconcertante — comentou, antes de sentar-se em
uma das cadeiras do escritório.
Fitz se sentou também, e decidiu deixar de lado suas outras
preocupações no momento e concentrar-se em outro problema que tinha
tirado seu sono na noite anterior: a relação entre sua jovem prima e seu
bom amigo. Prestou atenção neles durante o jantar e o resto da noite, e foi
obrigado a admitir que Eve tinha razão. Lily e Neville pareciam desfrutar
muito da companhia um do outro, ela quase não afastava o olhar de seu
rosto, e perdeu a conta das vezes que trocaram sorrisos.
Estava claro que a atração era recíproca. Neville conversava e inclusive
flertava um pouco com Camellia e com Eve (embora não estranhasse,
porque duvidava que seu amigo fosse capaz de conversar com uma mulher
sem flertar), mas não falava com elas tanto como fazia com Lily, nem as
olhava da mesma forma… por outro lado, era normal que falasse mais com
ela, porque a jovem se animava cada vez que o fazia.
Sacudiu da manga um penugem antes de perguntar com falsa
indiferença:
— Como está lady Priscilla? Esteve com ela ultimamente?
— Sim, muito.
Fitz arqueou as sobrancelhas ao ouvir aquela resposta fria, e comentou:
— Não parece muito entusiasmado.
— Não é por ela; de fato, não a vi mais que o habitual, e sempre me
trata com cortesia quando nos encontramos. É a mãe dela que encontro em
todas as partes, por isso fugi. Primeiro sai de Londres, e antes que
percebesse, me seguiu até Malverley com a pobre Priss a reboque. Logo vi
que errei ao tentar me refugiar em casa, porque lady Symington e meu pai
uniram forças para me pressionar dia e noite. Querem anunciar o
143
compromisso… «O que está esperando? Priscilla está a ponto de fazer vinte
e cinco anos, e as pessoas comentam». Comecei a sonhar com eles, juro.
No final não pude suportar mais e parti, pensei que nem sequer lady
Symington se atreveria a me perseguir até a Região dos Lagos.
— Eu em seu lugar não estaria tão seguro. Quando enfia alguma coisa
na cabeça, não há quem consiga fazê-la mudar de ideia.
— Eu que o diga — na voz de Neville transparecia uma certa amargura
– E o pior, e a ideia de estar ligado a essa mulher por toda a vida.
— A Priscilla?
—Não, posso suportá-la. É muito calada, e não parece se importar com
o que faço ou digo. É a mãe dela que não suporto.
— Não poderia dar um jeito de vê-la o menos possível?
— Não sei como, acha que é fácil fugir de uma sogra?
— Pode ser que Priscilla também queira fugir dela.
— Seria o mais lógico.
— Acreditei que já estivesse conformado com o fato que deve propor
casamento a Priscilla.
— Sim, estou; na verdade, na mesma manhã antes de minha fuga decidi
que iria fazer isso para acabar com a perseguição. Quando desci para o
salão e encontrei Priscilla, soube que seria o momento ideal, mas enquanto
permanecíamos sentados como palermas não pude parar de pensar em
como seria minha vida se fosse condenado a morar em Malverley com
ela… lorde e lady Carr, com nossos filhos brincando de correr por toda
parte. A simples ideia bastou para me gelar o sangue, juro. De modo que
disse a ela que partiria, e que fui ao salão para me despedir dela. Então fiz a
bagagem rapidamente, e fugi sem pensar duas vezes. Menos mal que tenho
Hibbits, porque se não fosse ele, não poderia empacotar tudo com tanta
rapidez, e não poderia escapulir de meu pai e de lady Symington.
— Então, não pensa em se casar com Priscilla?
144
Neville soltou um suspiro pesaroso antes de responder:
— Não posso voltar atrás, estão há anos esperando que lhe faça a
proposta. Meu pai tem razão nisso, ficará humilhada diante de todos se não
cumprir minha obrigação. Priss acredita nisso, todo mundo acredita nisso;
além disso, tenho a infernal obrigação de me casar e fabricar herdeiros.
Priss é tão boa como qualquer outra… de fato, inclusive mais, porque ao
menos sei que não se importará com o que eu fizer ou onde irei.
— Não conheço nenhuma outra mulher que tenha essa atitude.
— Eu tampouco — inclinou a cabeça, e disse pensativo — Priscilla é
diferente. Nunca sei o que pensa, e não acho que me trate de forma
especial. Me trata com cortesia e inclusive amabilidade, e juraria que
algumas vezes captei certa compaixão em seus olhos quando me olha. As
vezes penso que tem tão pouca vontade de se casar, como eu — fez uma
pequena pausa antes de acrescentar — Isso me parece muito estranho,
porque quase todas as mulheres que conheço estão obcecadas tentando
casar e ter filhos; além disso, me chama a atenção que não tenha nenhum
instinto maternal. Minha irmã estava lá com seu novo filho, e não vi
Priscilla fazer nenhum mimo ao bebê, nem se mostrou muito
entusiasmada… embora não estranhe, porque o bebê tinha o rosto
avermelhado, não parava de chorar, e se parecia muito ao pobre Medford.
— Pobre menino!
— Pior ainda, é uma menina.
Fitz pôs-se a rir, e comentou:
— Nesse caso, inclusive para uma mãe seria difícil mostrar entusiasmo.
— Vou ter que retornar cedo ou tarde e pedir que se case comigo, não
vai se tornar mais fácil se esperar muito mais tempo.
— Quem sabe não seria melhor não se casar com ela. Nenhum dos dois
deseja isso, não é?
145
— A verdade é que não, mas nesse ponto já não posso voltar atrás.
Acredito que Priscilla e eu somos compatíveis, seria pior ter uma esposa
possessiva e chata; em todo caso, devo considerar o escândalo. Meu pai
deixaria de falar comigo, e lady Symington seria capaz de me furar com um
alfinete de chapéu.
— Que final tão feliz! Eu, no seu lugar voltaria para Londres.
— Voltaria nada; para começar, não teria se metido em semelhante
confusão.
— Sim, claro, porque sou muito responsável.
— Não precisa ser, você já tem Stewkesbury. Refiro-me a fato que você
não se deixa ser pressionado; se tivesse na minha situação, faria o correto
ou diria a eles que não se metessem em seus assuntos.
— Me acha capaz de dizer isso a lady Symington? Está claro que me
considera um sujeito muito valente.
— De acordo, possivelmente exagerei um pouco.
Permaneceram em silêncio durante alguns segundos, e no final Fitz
comentou:
— Minhas primas vão ficar tristes quando partir… principalmente Lily.
Seu amigo se endireitou de repente, e o olhou com desconfiança antes
de soltar uma gargalhada.
— Por isso quis saber sobre Priss? Por causa de Lily?
— Você esteve dando muita atenção a ela.
— Vai me perguntar quais são minhas intenções a respeito dela? —
perguntou, sorridente, com um brilho de diversão no olhar — Te asseguro
que são honoráveis, jamais tentaria seduzi-la. É uma jovem encantadora,
mas… enfim, é sua prima.
— Tenho certeza que não faria mal a ela de forma intencional; se não
fosse assim, estaríamos mantendo uma conversa bem diferente — embora
seu amigo arqueasse as sobrancelhas com dramaticidade ao ouvir aquilo,
146
continuou dizendo muito sério — Mesmo assim, acho que sabe que Lily
poderia interpretar mal suas atenções. Só tem dezoito anos e não é
sofisticada, não está acostumada aos flertes e aos elogios, e o que para você
é apenas diversão, para ela podem parecer amostras de afeto. Estive
observando-a ontem à noite, e percebi como olha para você.
— De onde vem essa preocupação tão repentina por suas primas? — em
seus olhos ainda se via uma certa diversão — Espere, me deixe adivinhar, a
encantadora senhora Hawthorne te disse algo — ao ver que Fitz não
respondia, suas suspeitas se confirmaram — Acho que não a conquistei
com meu encanto, já sei que desconfia de mim.
— Está aqui para cuidar de minhas primas, assim, não pode ignorar o
fato que Lily possa sentir algo por você.
— Me considera um libertino, não é?
Fitz demorou alguns segundos antes de dizer com cautela:
— Conheceu Fanny Bertram, seu marido era militar.
— Quem demônios…? — ficou olhando-o perplexo, e demorou um
longo momento para entender ao que se referia — Ah, sim. Pelo amor de
Deus, isso faz quase dez anos.
— Fanny desabafou com ela algum tempo depois, e entendi que te
colocou no papel de vilão.
— Não duvido. Bem, já sei por que fracassaram tão escandalosamente
meus intentos de fazê-la simpatizar comigo — fez uma breve pausa antes
de acrescentar — Fanny o fez por vontade própria.
— Já sei, e expliquei isso para Eve… à senhora Hawthorne, mas ela só
se interessa pelo resultado final, a segunda versão de Fanny. É mais fácil
jogar a culpa nos outros pelos seus próprios erros.
Neville ficou de pé antes de dizer sorridente:
— A bela senhora Hawthorne pode ficar tranquila, e você também. Não
tenho intenção de causar nenhum mal a senhorita Lily, e se meu encanto é
147
tão inconveniente, terei que moderá-lo. Vou ser muito cuidadoso com sua
prima, asseguro-lhe isso — pôs-se a rir enquanto caminhava para a porta, e
ao chegar se virou para olhá-lo de novo — É incrível que Fitzhugh Talbot
tenha se transformado em um tipo tão formal, tive a impressão que estava
falando com Stewkesbury — ao ver que o fulminava com o olhar,
despediu-se com uma teatral reverência e se foi.
Fitz ficou de pé, e olhou ao seu redor; por alguma razão, adquiriu o
costume de ir ao escritório todas as manhãs desde que seu irmão partiu,
mesmo que na realidade, não tivesse nada para fazer lá. Seu irmão deixou a
administração do imóvel nas mãos de Higgins, e se por acaso ele
encontrasse qualquer problema que estivesse acima de sua autoridade ou
seus conhecimentos, certamente deixaria o assunto pendente para que
Oliver se encarregasse de resolvê-los na volta.
Foi para a porta, mas assim que saiu ao corredor viu Higgins
aproximando-se com o chapéu em uma mão e o livro de contas na outra.
— Bom dia, senhor Talbot — inclinou a cabeça com deferência antes de
acrescentar — Costumo vir apresentar meu relatório a lorde Stewkesbury
todas as sextas-feiras, caso ele não tenha passado no meu escritório antes.
Fitz recordou nesse momento que seu irmão costumava dar uma passada
quase que diariamente pelo escritório do administrador para verificar o
andamento do serviço, e comentou:
— Estou preterindo minhas responsabilidades, não é?
— Não, senhor, não era minha intenção sugerir tal coisa. Apenas
acreditei conveniente passar por aqui para informá-lo sobre meus
procedimentos dessa semana, mas se você preferir, posso esperar a volta de
Stewkesbury.
Fitz nunca demonstrou o menor interesse na administração do imóvel
durante as poucas ocasiões em que esteve ali na ausência de seu irmão, por
isso, estava claro que Higgins o procurou por simples cortesia e esperava
148
que dissesse que não desejava ouvir suas explicações. Com certeza, como
Eve, também o considerava um indolente e um egoísta, que não se
interessava pelos assuntos de seu irmão bem como os problemas dos
arrendatários do imóvel.
— Não precisa esperá-lo, faça seu relatório.
Arrependeu-se de ter pronunciado aquelas palavras assim que saíram de
sua boca, mas enquanto entrava de novo no escritório com Higgins,
consolou-se com a satisfação de constatar que deixou o administrador tão
assombrado como a ele mesmo.
Eve estava no salão com Camellia e Lily quando o mordomo anunciou a
chegada de lady Vivian e lady Sabrina, e conteve com muita dificuldade
um sorriso ao vê-las entrar. O sorriso da Sabrina era muito falso, e Vivian
parecia uma garotinha zangada.
Sabrina saudou Camellia e Lily com aparente entusiasmo, e depois de
limitar-se a dar boa tarde para Eve sem olhá-la, disse às Bascombe:
— Faz uma eternidade que não nos víamos, não sabem quanto me
alegrou saber que Vivian pretendia visitá-las hoje — esboçou um
encantador sorriso que mostrou suas covinhas, e lançou um olhar travesso a
Vivian — Acho que estou impondo minha presença, mas argumentei que
não posso permitir que as monopolize totalmente.
— Você teve toda a semana para visitá-las, enquanto tio Humphrey e eu
estivemos fora.
— Não sabia que tinha partido — comentou Eve.
— Sentimos sua falta, Cam e eu começávamos a pensar que teríamos
que ir a Halstead House — Lily parou ao notar que, tendo em conta que a
senhora da tal casa estava presente, suas palavras poderiam parecer um
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pouco deselegantes, e lançou um olhar nervoso a Eve — Quer dizer… não
quis dizer que não queríamos ir a Halstead House, é obvio…
Eve se apressou a intervir.
— Onde esteve, Vivian?
— Na casa do primo Peck. Na realidade é primo de meu avô, assim não
sei bem qual é seu parentesco comigo — Vivian fez uma pequena pausa
antes de acrescentar sorridente — Só tenho certeza que é uma obrigação
familiar.
— Não deveria ser tão insensível com o primo Peck, ele não tem culpa
de ser surdo — disse Sabrina, com um sorriso doce e condescendente.
Vivian respondeu com a mesma doçura:
— Já que lhe tem tanta devoção, não entendo porque não foi conosco
visitá-lo.
— É claro que teria acompanhado lorde Humphrey a casa de seu primo,
mas sofri uma de minhas terríveis enxaquecas.
— Claro — Vivian se virou para as demais, e disse — De qualquer
maneira, o que me parece difícil de aguentar não é sua surdez, e sim o fato
que more em uma casa enorme cheia de correntes de ar. É tão miserável,
que não permite que se acenda nenhuma lareira até novembro, portanto,
temos que usar jaquetas e xales até para comer. Suas conversas giram em
torno do quanto as coisas estão caras, do carvão aos repolhos, embora todo
mundo saiba que está cheio de dinheiro.
Sabrina a olhou com desaprovação.
— É necessário que use expressões tão vulgares, Vivian?
— O que disse o descreve perfeitamente, e estamos entre amigas.
Duvido que Camellia e Lily se importem com minhas palavras.
As duas jovens se apressaram a concordar, mas Sabrina esboçou um
sorriso forçado e disse:
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— Mesmo assim, a pobre senhora Hawthorne está ensinando-as a arte
da conversação nos salões da alta sociedade, e esse vocabulário não a ajuda
em nada.
Foi a própria Eve quem respondeu:
— Acredito que tanto a senhorita Bascombe como a senhorita Lily
entendem a diferença que há entre uma conversa com familiares e amigos e
outro tipo de conversa com simples conhecidos, mas é muito amável de sua
parte se preocupar com elas.
— Além disso, também terão como exemplo seu comportamento, que
servirá para rebater a influência do meu — acrescentou Vivian, com falsa
inocência.
Sabrina a olhou com desconfiança, mas como não pôde encontrar
naquelas palavras nada abertamente ofensivo, optou por não responder.
O ambiente entre elas costumava ser natural e tranquilo, mas a presença
de Sabrina constrangeu um pouco o ambiente; depois de um pequeno
momento de silêncio, Lily comentou:
— Vamos ter um jantar com convidados. Eve… quer dizer, a senhora
Hawthorne… nos disse que já estamos preparadas.
Sabrina pareceu surpreender-se, mas se apressou a sorrir para dissimular
sua reação inicial.
— Sério? Que bom! Sua acompanhante tem razão, é uma oportunidade
perfeita para por em prática o que aprenderam sobre boas maneiras sem se
preocuparem com as gafes que possam cometer.
Eve se indignou ao ouvir aquilo. Começava a entender o que Vivian
queria dizer sobre Sabrina fazer elogios capciosos.
— É mesmo? Acredito que é como atirar ou montar a cavalo, é só
praticar e se sairá bem.
Eve baixou a cabeça para disfarçar um sorriso ao ouvir a tranquila
resposta de Camellia, que demonstrava ser invulnerável aos dardos
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envenenados de Sabrina. Já estava percebendo que as Bascombe tinham
muita confiança em si mesmas e que isso poderia ajudá-las a se sair bem de
qualquer situação.
Lily começou a explicar os planos para o jantar, e mesmo pedindo a
opinião de Sabrina sobre os pratos mais aconselháveis, só pediu por pura
cortesia, já que na realidade o cardápio já estava definido; apesar da
pequena gafe anterior, estava cada vez mais treinada na arte da
conversação. O fato que para ela fosse uma espécie de jogo acabaria
beneficiando-a, e o mesmo podia se dizer de Camellia e sua relativa
indiferença diante da opinião dos outros.
Enquanto a jovem conversava com Sabrina, Vivian se virou para Eve e
disse:
— Poderia me emprestar o… livro do qual falamos na semana passada?
— É claro — esboçou um sorriso, e disse as outras — Se nos
desculparem… — foi incapaz de olhar as Bascombe enquanto fugia dali.
Vivian se sentia tão culpada quanto ela, porque a puxou pelo braço e
murmurou:
— Já sei que não é bom abandonarmos Camellia e Lily a própria sorte,
mas não posso suportar Sabrina nem mais um minuto. Voltei ontem, e já
começo a sentir falta do castelo gelado do primo Peck.
— Realmente é tão terrível? — perguntou, sorridente.
— Pior. Ninguém quer visitá-lo, mas como está só a meio dia de trajeto
de Halstead House, o tio Humphrey se sente culpado se não for
frequentemente; alegro-me de ter ido também, porque acredito que meu tio
se alegrou com minha companhia. Desfrutamos muito conversando durante
todo o trajeto — soltou um suspiro pesaroso antes de admitir — Acredito
que não se sente muito bem, ou que está triste por algo. Fala muito da tia
Amabel, e gosto de saber que isso enfurece Sabrina.
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— Acho compreensível que uma segunda esposa se incomode ao ouvir
falar da primeira.
— Sim, suponho que tenha razão, mas não espere que sinta pena dela.
Se não queria conviver com o fantasma da primeira esposa de um homem,
que não se casasse com ele sabendo que chorava sua morte.
— Estranharia se sua opinião fosse diferente. Essa é uma de suas
qualidades mais louváveis, a lealdade completa e inquebrável que tem por
seus entes queridos.
— Alegra-me que pense assim. Há quem considere que essa atitude não
seja uma qualidade, apenas uma comprovação de minha suposta teimosia.
— Deve estar planejando voltar para sua casa em breve, para se libertar
de lady Sabrina, não?
— Disse a meu tio que ficarei mais uma semana, assim poderei passar
mais tempo com você; além disso, ele não quer que eu vá, acredito que se
deu conta do erro que cometeu ao casar-se com ela. Esse é o lado ruim do
casamento: se errar tem que aguentar essa carga pelo resto de sua vida. Foi
o que aconteceu com meus pais, por isso ele não voltou a se casar depois de
enviuvar. Eu seria incapaz de suportar uma vida assim… enfim, suponho
que poderei aguentar Sabrina uma semana mais, sempre e quando puder
escapar dela e vir vê-las de vez em quando. Na próxima vez, não direi que
virei aqui, pedirei que me preparem a carruagem com a desculpa de sair
para dar um passeio; em qualquer caso, duvido que tenha vontade de me
acompanhar, porque de lá até aqui, não paramos que discutir.
Eve a olhou sorridente, e disse em tom de brincadeira:
— Sério? Que surpresa.
Sua amiga pôs-se a rir antes de responder:
— Não precisa ser sarcástica. Já sei que cheguei mal humorada, mas
depois de passar vinte minutos aguentando suas críticas, desde meu
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penteado até minha suposta liberdade excessiva, o estranho é que tenhamos
chegado vivas.
— Que livro quer? — perguntou, enquanto entravam em seu quarto —
Acho que você já leu todos os que tenho e várias vezes.
— Não importa, direi que não o encontramos… ou posso pegar
emprestado um de Lily, não se importará se não estiver lendo-o. Venha,
sente-se comigo e me conte tudo. O que aconteceu entre Fitz e você?
— Nada, por que teria que acontecer algo?
Vivian se sentou na cama, e deu um tapinha no colchão para indicar que
se sentasse junto a ela.
— Veja com quem está falando, Eve. Não pretende que eu acredite que
não o viu durante toda a semana, não é?
— Claro que vi, mas nenhuma vez a sós — se sentou junto a ela, e
encolheu as pernas — nos encontramos várias vezes… na verdade, todos os
dias… mas excluindo uma única vez que estivemos falando sobre suas
primas, fiz o possível para não ficar sozinha com ele — ao vê-la franzir o
cenho, olhou-a com expressão interrogante — O que houve? Foi você
mesma que me avisou sobre ele.
— Sim, mas não esperava que se defendesse com uma couraça, nem que
começasse a usar esse coque de solteirona afetada.
Eve pôs-se a rir, e colocou a mão no coque.
— Não estou me defendendo, e não vejo nada de mais no meu coque;
como pode ver, me deixei convencer e estou usando as roupas de Rose,
portanto, não sou nenhuma afetada… mesmo se fosse, não estaria
cometendo nenhum pecado capital.
— Não, um pecadinho quando muito — pôs uma mão em seu braço, e
acrescentou — estive pensando sobre esse assunto, e não sei se fiz bem ao
te falar sobre Fitz daquela maneira. Agrada-me, garanto, e nada o impede
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de mudar; além disso, não seria nada mal se decidisse desfrutar um pouco.
Ele é muito discreto, e acredito que ninguém saberia.
— Não, tinha razão. Não sou daquelas que têm aventuras
inconsequentes, tampouco penso em me enganar acreditando que ele possa
mudar. Tomei uma decisão, e não quero voltar atrás.
Ela nem notou a melancolia que transpareceu em seu rosto quando disse
essas palavras, mas sua amiga sim.
— Mas desejaria poder agir de outra forma, não é?
Eve a olhou surpreendida e abriu a boca para dizer que estava
equivocada, mas no final assentiu com um suspiro e admitiu.
— Sim.
— Sente afeto por ele? Entregou seu coração?
— Não. Quero dizer… me atrai, é um homem cheio de encantos, mas
não estou apaixonada por ele; mesmo assim… — se inclinou para frente, e
acrescentou em voz mais baixa — Nem imagina como me sinto quando me
beija!
— Está dizendo que … que …? — estava tão surpresa, que qualquer um
diria que não era tão sofisticada como aparentava.
— Nos beijamos, nada mais, mas nunca me senti assim antes — omitiu
as outras liberdades que Fitz tomou; afinal, não era necessário contar
absolutamente tudo a sua amiga.
— Céus — Vivian vacilou um instante antes de perguntar — Nem
sequer com o comandante Hawthorne?
Eve corou. Nunca contou a ninguém seus problemas matrimoniais,
porque pareceria que estava traindo Bruce; por mais vazio que tenha sido
seu casamento nesse aspecto, o tinha amado muito para revelar sua
impotência, e além disso, não seria capaz de falar sobre isso nem com sua
melhor amiga porque tinha vergonha. Deixou Vivian pensar que seu
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casamento era normal, portanto, agora não poderia confessar o quanto
inexperiente ainda era.
Afastou o olhar, e disse com voz fraca:
— Não, nem sequer com ele. É… me sinto tão… tentada — a olhou de
novo, e perguntou — Já sentiu isso alguma vez?
— Por desgraça, não.
— Quando nos encontramos no terraço, no dia do casamento, acabava
de estar com ele no jardim das ervas. Foi… me comportei de forma
imprópria, perdi a prudência. Se alguém nos visse, minha reputação teria
ficado em migalhas. Mas foi ele quem resolveu parar.
— Isso é um bom sinal… quer dizer, ele se comportou com discrição e
cautela para não te expor a possíveis rumores.
— Sabe perfeitamente bem que as vezes a discrição não basta para
impedir os rumores. Mas a questão não é essa, o problema é que foi ele
quem demonstrou essa cautela. Quando estou ao seu lado, não sou eu
mesma, ou melhor, me transformo em uma versão de mim mesma que não
deveria existir; seja como for, o que importa é que Fitz Talbot é perigoso e
devo me manter afastada dele.
— Não acredito que seja fácil, por maior que seja Willowmere…
— Sim, já sei. Estive tentando convencer a mim mesma que seria fácil,
mas a verdade é que me custa um esforço enorme. O dia parece mais cinza
e tedioso quando ele não está, e quando ele entra em um aposento, o lugar
inteiro se ilumina.
— Sim, eu também notei um efeito similar, mas quando Sabrina parte.
— Exato, é algo assim, mas em maior escala — a olhou sorridente, mas
depois de alguns segundos de silêncio, suspirou pesarosa e admitiu —
Quando aceitei esse cargo, não esperava encontrar um problema assim.
Espero que, quando o conde volte, Fitz já esteja aborrecido o suficiente
para voltar para Londres.
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Vivian se deu conta de que não parecia muito entusiasmada com a
aquela possibilidade, e comentou:
— Não sei por que, mas tenho a impressão que na verdade não quer que
ele se vá.
— Suponho que me conhece muito bem. Por que acha que sempre
desejamos o que não nos convém?
— Não sei, mas é curioso que quase todos os homens da família Talbot
entrem nessa categoria — ficou de pé antes de acrescentar — Será melhor
descer, elas não vão acreditar que passamos tanto tempo procurando um
livro.
Eve ficou curiosa com o comentário de sua amiga sobre os homens da
família Talbot, mas decidiu não dizer nada a respeito e saiu com ela do
quarto.
Capítulo 10
Quando entraram novamente no salão, viram que Fitz e Neville também
estavam lá. Lady Sabrina estava flertando abertamente com o segundo, e
Lily estava fulminando-a com o olhar do outro lado do aposento.
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Eve reparou que ele não estava correspondendo ao flerte; de fato,
apressou-se a ficar de pé assim que as viu entrar e as saudou com uma
inclinação.
— Senhora Hawthorne, lady Vivian… sentem-se, por favor — indicou a
cadeira em que ele mesmo estava sentado, que se encontrava na frente de
Sabrina.
Eve sentou no assento indicado com olhos brilhantes e ele aproveitou
para se aproximar de Fitz, que estava apoiado na lareira e lançou um olhar
cheio de sarcasmo antes de saudá-las também.
— Obrigado por nos honrar com sua companhia, senhoras. Lady
Sabrina estava descrevendo a beleza dos jardins de Halstead House.
— Sim, estava dizendo ao senhor Carr que deveria visitá-los, apesar de
não serem tão bonitos como os de Willowmere. Não tenho dúvida que aqui
há diversão de sobra.
Foi Lily quem respondeu:
— Sim, saímos para montar, e também passeamos pelos jardins.
Lady Sabrina lançou um olhar coquete a Neville… o que foi uma
façanha, considerando que ele estava a vários metros de distância e um
pouco mais para trás.
— Seria tão amável ao ponto de me mostrar os jardins, senhor Carr?
Têm uma beleza inigualável.
Lily ficou de pé de repente, e exclamou:
— Que boa ideia! Por que não aproveitamos para sair todos juntos?
Assim poderemos nos deleitar com sua beleza, embora quase não tenham
flores.
Eve conteve a vontade de sorrir, porque estava claro que a jovem estava
mais preparada do que pensava para enfrentar o campo de batalha da
temporada social. Lançou um olhar a Fitz, e esteve a ponto de rir ao ver o
brilho de diversão que havia em seus olhos.
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Todos demonstraram desejo de ver os jardins. Camellia e Lily não
usavam chapéu, como de costume, e as outras também decidiram desfrutar
da quente carícia do sol outonal. Sabrina também optou por não usar o seu,
embora certamente decidiu assim ao perceber que seu rosto escondido não
poderia competir com o rosto radiante de Lily sob o sol.
Eve se limitou a seguir os outros sem pressa, e foi ficando um pouco
atrasada; na presença de Sabrina, não havia perigo que acontecesse algo
entre Neville e Lily. Fitz foi ficando para trás junto dela, e esperou que
outros estivessem a uma certa distância antes de dizer:
— Falei com Neville esta manhã.
— Ah, sim? — levantou a cabeça, mas como ele estava olhando para
frente, não pode ver sua expressão.
— Comprometeu-se a ser sério ao conversar com Lily, e a não danificar
sua reputação em hipótese alguma — antes que ela pudesse responder,
apressou-se a acrescentar — Disse a ele que o coração e os sentimentos de
minha prima também estão em jogo, e me assegurou que também vai ser
cuidadoso nesse aspecto. Eu acredito que gosta dela, mas sabe que não
pode fazer nada a respeito; embora ainda não tenha proposto casamento a
lady Priscilla, tem intenção de fazê-lo cedo ou tarde, porque se sente
obrigado a isso.
— Entendo.
— Eu acredito nele. É meu amigo e aprecia Lily, assim não deseja lhe
causar nenhum mal.
— Obrigada, estou ciente que não deve ter sido fácil para você.
— A verdade é que me senti um pouco estranho ao lhe perguntar sobre
suas intenções — a olhou sorridente, e acrescentou — Certamente terei que
aguentar alguns comentários sarcásticos sobre minha nova atitude
responsável.
— Foi um gesto muito considerado de sua parte.
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— Me senti tão cheio de responsabilidade, que depois conversei
também com o administrador de Willowmere.
— Céus, que grande amostra de coragem!
— Ria se quiser, mas corri um verdadeiro risco… nos poucos minutos
em que ouvi seu relatório, acreditei que iria morrer de tédio — seu sorriso
se alargou ao ver que ela ria, e continuou dizendo — Nunca ouvi tantas
informações sobre coisas que não me interessam, quase gritei e comecei a
arrancar meus cabelos como um louco. Acho que ficou comprovado que
você tinha razão ao me tachar de indolente.
Eve o olhou consternada, e exclamou:
— Por favor, não leve tão a sério minhas palavras! Falei daquela
maneira porque estava irada, mas sei que você não é displicente nem
desconsiderado. Não tem nada de mais se aborrecer ouvindo o relatório do
administrador, os valores e os assuntos de negócios não agradam a todos.
Isso não quer dizer que não possa se dar bem em outros assuntos.
— Me saio muito bem dançando, e também conversando. Sem falar das
apresentações, quase nunca erro nenhum nome ou título de nobreza.
— Essas são aptidões muito apreciáveis, tenho certeza que é o salvador
de muitas anfitriãs.
— Correto, muito certo. E se estivesse em alguma zona agreste do país
com Camellia e Lily, não há dúvida que minha boa pontaria seria de grande
utilidade… embora não acredito que eu apreciasse a falta de conforto.
— Também acho, mas devo admitir que sua habilidade com as armas
me fez sentir mais segura depois do episódio do intruso que penetrou na
casa.
— Sabia que encontraríamos algo útil se pensássemos bem —
comentou, sorridente, antes de acrescentar — Graças ao administrador,
estou sabendo de muitas coisas importantes.
— Ah, sim?
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— Pois sim. A filha de Will Blankinship está doente, e as galinhas da
viúva Cárter põem poucos ovos ultimamente.
— Céus!
— Teremos que consertar o teto do celeiro de alguém, mas meu pobre
cérebro está cansado, e não consigo lembrar de quem se trata; e se for
pouco, algo monumental: a esposa de Tim Whitfield acaba de lhe dar outro
filho.
— Ora, isso sim é importante.
— Sim, e estou certo que Oliver faria algo a respeito, assim devo me
encarregar disso. O problema é que não estou seguro do que se espera de
mim, e como o administrador parecia acreditar que sei o que devo fazer,
não me atrevi a perguntar. Tenho certeza que devo felicitar o pai, mas…
será que devo visitar o bebê? Não sei, parece uma intromissão.
— Felicitar o pai já está bom, mas visitar a mãe e o menino é uma tarefa
da senhora da casa. Leva-se uma cesta de comida, é claro, e também algum
presente para o recém-nascido, e deve-se comentar admirada o quanto
bonito é. Suponho que, neste caso, a tarefa deva recair sobre Camellia e
Lily; de fato, seria uma experiência muito positiva para elas, porque
quando estiverem casadas terão que se encarregar-se desse tipo de tarefas.
A cozinheira e a governanta podem providenciar o necessário.
— Excelente, irei com elas e felicitarei Whitfield enquanto vocês três
fazem bajulações ao bebê.
Eve o olhou sorridente e percebeu que estava muito contente com a
ideia de passar uma tarde com ele, embora não fosse a sós. Como não
queria deixar isso evidente em sua expressão, olhou para frente, e se
surpreendeu ao ver como estavam distantes dos outros.
— Céus, deixaram-nos para trás.
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— O que? Ah — seguiu a direção de seu olhar, e encolheu os ombros —
Não acredito que deva se preocupar, lady Sabrina será uma acompanhante
adequada para nossos Romeu e Julieta.
— Não os chame assim, Lily começaria a construir castelos no ar se
ouvisse.
— Venha comigo, quero lhe mostrar uma coisa.
Ela sentiu curiosidade, e não protestou quando a pegou pela mão e a
conduziu por um atalho lateral ladeado por sebes; pouco depois, ao virar
várias vezes a direita e a esquerda, passaram entre duas sebes altas e
encontraram um caminho onde reinava o verde. Além das sebes que havia
em ambos os lados, que eram inclusive mais altas que Fitz, só se podia ver
o céu, mas ele a guiou com passo firme. Primeiro tomaram um dos muitos
caminhos laterais à esquerda, e depois tomaram outro à direita.
— É um labirinto! Deve ser bastante antigo, não é?
— Sim, tem um século no mínimo, embora estivesse abandonado faz
alguns anos. Nós adorávamos brincar aqui quando crianças, mesmo
descuidado. Oliver mandou restaurá-lo quando herdou o imóvel. É quase
idêntico ao original, mas o centro foi melhorado.
Depois de um último giro e uma ampla curva, chegaram ao centro do
labirinto, e Eve exclamou entusiasmada:
— Tinha razão, é lindo!
Era um pequeno círculo rodeado de sebes que estavam isolavam do
mundo exterior. Havia um lago central ladeado por vários bancos de pedra,
e dois peixes de cores, criavam pequenas ondas na água.
— Que tranquilidade maravilhosa.
Quando ele se limitou a assentir e a olhá-la em silêncio, Eve notou que
ainda segurava sua mão e estava acariciando a palma com o polegar,
traçando lentos e prazerosos círculos sobre sua pele.
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Sabia que deveria mandar que parasse, que o correto seria se soltar
imediatamente, que já deveria ter feito isso, mas antes que pudesse articular
qualquer palavra, ele se adiantou.
— Estive pensando no que me disse — disse sério e com voz suave,
sem seu encanto e seu sorriso habituais, com naturalidade — Como não
quero te ferir por nada desse mundo, nesta manhã decidi que te deixaria em
paz, que não tentaria te convencer a compartilhar minha cama apesar do
muito que a desejo. Mas agora, olhando para você, não consigo lembrar
nenhuma das razões pelas quais deveríamos nos manter afastados um do
outro.
Eve tampouco as recordava nesse momento, mais ainda conservava um
pouco de prudência e se absteve de admitir em voz alta.
Acariciou seu rosto com os nódulos, e disse com voz suave:
— Sua pele é puro cetim. Às vezes, quando estou sentado no outro lado
do salão, fico te olhando e lembrando de sua pele, como firme e suave é.
— Fitz… não deveríamos… — começou a dizer, com voz trêmula.
— Já sei, já sei — rodeou seu rosto entre suas mãos, e admitiu — Quero
ser sensato, mas quando estou com você, não posso deixar de pensar em te
beijar. Me diga que não sente o mesmo.
Ela abriu a boca, mas as palavras se negaram a sair.
— Não posso. Sabe que quero, mas…
Não pôde continuar, porque ele se apropriou de sua boca e, como
sempre que a beijava, o desejo a cegou. Sentiu que era invadida por uma
onda de fogo, que seu ventre e seus peitos se esticavam. Quando estava
longe de Fitz, tentava se convencer que na realidade sua reação não era tão
forte como se lembrava, mas assim que ele a beijava, ficava patente que
suas lembranças não podiam ser comparadas a realidade. Sentia vontade de
se apertar contra ele, de sentir seu corpo firme contra o seu para tentar
aliviar o ardor que aumentava em sua virilha.
163
Quando agarrou seus quadris e a apertou contra seu corpo, pôs as mãos
em seus braços e foi subindo pouco a pouco; ao sentir os músculos duros
que estavam sob a roupa, perguntou-se como seria acariciar sua pele nua,
vê-lo e acariciá-lo. O que aconteceria se cedesse ao desejo, se deitasse com
ele e esquecesse de tudo?
Não, seria uma loucura… se afastou de repente, e virou o rosto para o
lado antes de dizer com voz trêmula:
— Não. Por favor, Fitz, não posso fazer isso - levou a mão à boca.
Tinha os lábios vermelhos, úmidos, e um pouco inchados.
— Sei. Sim, é obvio, tem razão — deu as costas, e fixou o olhar no
lago.
Permaneceram em silêncio durante vários segundos, mas Eve não pôde
evitar a pergunta:
— Bem…? É verdade que se decidiu a não tentar mais nada comigo? —
disse com um tom de voz suave e levemente surpresa.
— É claro que sim. Estive refletindo sobre o que me disse sobre sua
reputação, o quanto desastroso seria para você se ver envolvida em um
escândalo. Por mais cuidadosos que fôssemos, poderiam desconfiar de
algo, e também circulariam rumores mesmo se ninguém soubesse nada com
certeza. Quero que saiba que a última coisa que quero neste mundo é te
machucar. Jamais me aproveitaria de você, não sou tão egoísta.
Olhou-o com olhos transbordantes de emoção, e disse:
— Alegra-me saber que… se importa tanto com meu bem-estar.
— É obvio que me importo — retornou junto a ela, e pegou suas mãos.
Seu olhar adquiriu um brilho intenso quando acrescentou com firmeza —
Te prometo que nenhum homem ousaria dizer algo contra você, por medo
de ter que me enfrentar em um duelo.
— Não seria bom que atirasse em todos — comentou, em tom de
brincadeira.
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Ele sorriu com arrogância antes de responder:
— Não se atreveriam a me testar — ficou sério ao acrescentar — Mas
não poderia desafiar mulheres para um duelo, nem impedir que fofocassem.
— Sei, e agradeço sua consideração; mesmo assim… estamos longe de
Londres.
— O que quer dizer?
— Ora… nada, estou dizendo tolices. Nem sequer deveríamos pensar
nisso.
— É obvio que não.
Olharam-se em silêncio durante um longo momento, e de repente se
abraçaram de novo e começaram a se beijar com uma paixão desenfreada.
Eve disse para si mesma que estava louca, louca de pedra, mas rodeou seu
pescoço com os braços.
O som inesperado de uma risada feminina seguida por uma profunda
voz masculina os deixou gelados, mas reagiram rapidamente e se
separaram. Eve deu as costas com um suspiro, e se afastou vários passos.
Tinha as emoções a flor de pele, e estava muito acalorada.
— Como esquecemos deles? — gemeu, mortificada. Colocou uma mão
no cabelo, e estremeceu quando ele se aproximou e colocou uma mecha
atrás da orelha.
— Está linda — disse, com voz rouca.
Ela tirou uma presilha, e a usou para prender a mecha que ele acabava
de arrumar.
— Estou…? Me sinto…— era incapaz de descrever aquela mistura de
sensações, o prazer ainda a percorria dos pés a cabeça — Tenho medo que
percebam o que estávamos fazendo assim que me virem.
— Não se preocupe, ainda vão demorar um pouco para chegar — sua
voz era apenas um sussurro — Nem sequer Neville está familiarizado com
o labirinto, vamos deixar que sofram um pouco.
165
— Vivian também não sabe o caminho?
— Diabos, não me lembrava dela! Conhecia muito bem quando
brincava com Charlotte aqui, mas isso faz muitos anos. Não sei se lembra
ainda.
— Não deve subestimá-la nunca.
— Tem toda a razão. Sente-se e relaxe observando o lago, vou buscá-
los.
Nesse momento voltou a ouvir a risada de Lily, mas muito mais perto,
seguida da voz de Neville.
— Outro beco sem saída! Acho que é péssima como guia, senhorita
Bascombe.
Uma mulher fez algum comentário, mas em voz mais baixa, e não
conseguiram ouvir o que disse.
Ao ver que Fitz fazia um gesto de assentimento, Eve se apressou a
sentar-se em um dos bancos de pedra e fixou o olhar nos peixes que
nadavam no lago enquanto lutava para recuperar a compostura. Ele partiu,
e ouviu sua risada logo em seguida.
— Lady Vivian, prima Camellia! Por que demoraram tanto? A senhora
Hawthorne e eu estávamos esperando há muito tempo.
Foi Vivian quem respondeu:
— Faz doze anos que não pisava neste labirinto. Te aconselho que vá
procurar os outros. Lady Sabrina estava convencida que Cam e eu não
estávamos na direção correta, assim decidiu tentar a sorte por sua conta
junto com o senhor Carr e Lily.
Logo depois, Vivian e Camellia chegaram ao centro do labirinto e foram
se sentar junto a ela. A primeira se limitou a lançar um olhar cheio de
curiosidade e a fazer um comentário sobre como era bonito o lago, e a
segunda explicou que lady Sabrina parecia empenhada em se embrenhar
em algum dos caminhos sozinha com Neville, e que Lily frustrou todas as
166
sua tentativas; quando Fitz chegou com os três atrasados, estavam imersas
em uma animada conversa.
Lily estava com o rosto corado e os olhos brilhantes. Sua expressão
animada contrastava com a de lady Sabrina, que parecia zangada e estava
fazendo um esforço visível por manter seu habitual tom de voz doce; de
fato, estava tão irritada com a jovem, que pareceu esquecer-se de Eve e não
fez nenhum comentário sobre o fato de que Fitz e ela se afastaram de todos.
Passaram alguns minutos contemplando o lago e os arredores, e depois
Fitz os guiou para a saída. Cam fez uma careta de impaciência ao ver que
sua irmã e lady Sabrina voltavam a competir pela companhia de Neville, e
no final optou por andar atrás junto com Vivian e Eve; esta última se
limitou a deixá-las conversar sem participar, já que não parava de pensar
em como fora tola e no perigo no qual expôs sua reputação. Seu sangue
gelava só imaginando o que aconteceria se lady Sabrina tivesse encontrado
os dois se beijando.
Sabia que não poderia cair na tentação, que deveria manter distância e
deixar claro que não estava disposta a ter uma aventura com ele. Se não o
fizesse, sua reputação poderia acabar em migalhas, e suas possibilidades de
encontrar um emprego seriam nulas; além disso, o que estava em jogo era
muito mais que isso, porque a paixão que Fitz despertava em seu interior
poderia levá-la a apaixonar-se por ele. No passado, entregou seu coração a
um homem que a amava, mas que não podia lhe dar paixão. Não estava
disposta a entregar a outro que podia satisfazer seus desejos carnais, mas
que jamais chegaria a amá-la.
Quando chegaram em casa, lady Sabrina e Vivian partiram em sua
carruagem, e as Bascombe foram para a sala de jogos com o senhor Carr.
Eve se debateu entre ir com elas para manter Lily sob controle ou
aproveitar para falar com Fitz, que nesse momento se dirigia para o
167
escritório do conde. Finalmente optou pela segunda opção; afinal, Cam
poderia servir de acompanhante durante alguns minutos.
Foi para o escritório com rapidez, e entrou quando ele estava sentando-
se; ao vê-la chegar, levantou-se imediatamente e a olhou sorridente.
— Entre, Eve, acaba de me salvar dos livros que o administrador me
trouxe. Sente-se, por favor.
— Não, obrigada, já vou sair — entrelaçou as mãos, e parou na frente
da mesa. Deveria ser firme — Assumo a culpa do que aconteceu a pouco,
não deveria ter me comportado daquela maneira.
— Não houve nada, ninguém viu nem ouviu nada.
— Dessa vez, mas talvez não tenhamos tanta sorte na próxima vez.
— Não se preocupe — rodeou a mesa, pegou suas mãos, e a olhou com
olhos cheios de calor — Seremos mais cuidadosos, ninguém vai saber.
Ela afastou as mãos das suas antes de responder:
— Isso não é só o que conta, o fato de que ninguém saiba não significa
que seja algo aceitável. Não desejo ter uma aventura inconsequente, e isso
é apenas o que lhe interessa, não é?
— Por que isso agora? E eu não qualificaria como «inconsequente» —
sua expressão perdeu todo o calor, e retrocedeu um passo — Está dizendo
que deseja mais do que isso? Por acaso quer se casar?
— Não, não quero me casar — o fulminou com o olhar, porque aquela
reação deixou evidente o que sentia por ela… ou melhor dizendo, o que
não sentia. Estava claro que Fitzhugh Talbot não corria o risco de se
apaixonar por ela — O que quero dizer é que você só se importa com seu
próprio prazer, seus desejos.
— O prazer seria mútuo, asseguro-lhe isso.
— Me nego a arriscar meu futuro por puro desejo carnal. Quero seguir
em frente por meus próprios meios, pretendo ser uma boa acompanhante
para Lily e Camellia e conseguir mais empregos semelhantes no futuro.
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Não quero depender nem de meu pai nem de nenhum outro homem, e não
penso em proporcionar a você algumas semanas de entretenimento.
Ele se esticou e seus olhos azuis faiscaram com um brilho frio, mas no
final assentiu com frieza e disse:
— É obvio, senhora Hawthorne. Se é isso o que quer, acatarei sua
decisão.
Não, não era o que ela queria, mas estava mais convencida do que nunca
que não tinha outra alternativa. De modo que se despediu com uma cortês
inclinação de cabeça, e saiu do escritório.
Enquanto voltava pelo corredor para o vestíbulo, percebeu que não
gostaria de ir ao salão onde estavam Neville e as moças, porque sua cabeça
doía e as brincadeiras das Bascombe eram sempre animadas e ruidosas.
Sentiu-se um pouco culpada ao se desviar para a escada, mas acreditava
que se deitando por apenas alguns minutos, com um pano úmido na testa,
logo estaria recuperada e poderia voltar a assumir suas funções de
acompanhante; além disso, Cam estava com o casal, e Neville prometeu a
Fitz que não iludiria Lily.
Como sempre que passava pelo vestíbulo, desde que recebeu a
misteriosa carta, seu olhar parou de forma instintiva na mesa; por sorte, não
recebeu mais mensagens, mas continuava verificando.
Parou subitamente quando viu um único envelope branco sobre a mesa,
e seu coração começou a martelar no peito. Não havia razão alguma para
acreditar que fosse para ela… podia ser uma carta de Mary ou de Rose para
suas irmãs, ou do conde para Fitz, ou até para o próprio conde, mas sentiu
um pressentimento ruim.
Aproximou-se da mesa, e seus temores se confirmaram quando viu seu
nome no envelope. Dessa vez, não estava escrita com caligrafia ruim.
Estava escrita com traços fortes e claramente masculinos. Agarrou-a com
os dedos trêmulos e subiu ao seu quarto enquanto tentava se convencer que
169
não seria nada mau, mas o único homem que poderia escrever a ela, seria
seu pai, e a letra dele era completamente diferente. Alguns amigos de seu
marido escreveram para dar condolências, mas Bruce já estava morto há
dois anos e seria pouco provável que fosse algum amigo atrasado; de fato,
até os companheiros do Exército que estavam servindo na Índia já tinham
se manifestado.
Quando chegou ao seu quarto, fechou a porta e examinou a carta com
mais atenção; diferentemente da outra, essa foi enviada pelo correio e o
selo de cêra da parte posterior era diferente, porém, ainda era apenas um
desenho, sem iniciais, emblemas, ou sinais, que se pudesse identificar.
Admitiu que estava evitando abrir a carta, porque não queria ler o que
estava escrito, assim rompeu o selo e abriu a carta.
Senhora Hawthorne:
O relógio é perigoso. Destrua-o, livre-se dele. Se não fizer isso, a
verdade saltará a luz e você sofrerá as consequências. A reputação de seu
marido ficará estraçalhada, ele não era o homem que você acreditou que
fosse.
O relógio carrega o estigma de um escândalo que pode jogá-la na
lama, do mesmo modo que teria jogado também seu marido.
Atenciosamente,
Um amigo
Eve ficou olhando a mensagem sem saber o que fazer, não entendeu
nada. A simples ideia que Bruce estivesse envolvido num escândalo que
pudesse jogar sua reputação na lama parecia absurda, porque apesar dos
defeitos que tinha, foi um homem de honra que cumpria seus deveres acima
de qualquer outra coisa. Era verdade que mantinha segredos, e que o maior
deles, era sua incapacidade de cumprir seus deveres conjugais, mas esse era
um assunto particular que só afetava a ela.
170
Estava convencida que ele jamais se envolveria em algo escuso, e o fato
de que o relógio pudesse ser uma prova do suposto escândalo, parecia mais
absurdo ainda. Deixou a carta sobre a cama, e depois de tirar o relógio da
gaveta onde estava escondido, sentou-se e o observou com atenção.
Deslizou os dedos pela parte dianteira e pela gravura da parte posterior,
abriu-o e leu as palavras que estavam gravadas no interior da tampa, Para
minha querida esposa; inclusive chegou a abrir com a unha do polegar a
tampa que protegia a engrenagem para verificar se tinha algo escondido lá
dentro, mas não encontrou nada fora do comum.
Voltou a fechá-lo, e continuou sentada enquanto refletia sobre o assunto.
Existiam muitas diferenças entre as duas cartas, inclusive com relação as
mensagens propriamente ditas. Na primeira pediam que partisse, mas na
segunda a aconselhavam a se desfazer do relógio e colocava em dúvida o
caráter de seu marido; mesmo assim, o autor deveria ser o mesmo, porque
seria uma loucura pensar que havia duas pessoas enviando cartas anônimas.
Não fazia sentido.
Fechou os olhos e considerou a possibilidade de descer e mostrar para
Fitz, tanto as cartas como o relógio, mas mudou de ideia imediatamente.
Não podia procurá-lo quando acabou de dizer que não queria depender de
nenhum homem, quando acabou de pedir que ficasse longe dela.
Além disso, era irmão do conde, e ela não queria que Stewkesbury se
inteirasse daquele assunto. Estava convencida que a despediria se estivesse
envolvida em algum escândalo… de fato, bastaria a simples possibilidade.
Embora não soubesse que tipo de escândalo a carta se referia, poderia se
desencadear a qualquer momento. O conde não estaria disposto a correr
esse risco, principalmente levando em consideração a iminente
apresentação de suas primas na sociedade.
171
Envolveu de novo o relógio na camisola, voltou a guardá-lo na
penteadeira, e colocou a segunda carta sobre a primeira; depois de cobrir as
três coisas com a roupa que estava na gaveta, aproximou-se da janela e
olhou para fora.
A pessoa que escreveu a carta estava ali fora, em algum lugar. Não tinha
nem ideia de quem era, nem do que pretendia, nem sequer sabia se queria
ajudá-la ou prejudicá-la. Se algum amigo soubesse que havia algum
problema com o relógio, diria diretamente, a menos que não quisesse que
ela soubesse que sabia sobre o tal escândalo. Talvez estivesse envolvido
também, e se fosse, estaria tão interessado em preservar sua própria
reputação como a de Bruce; de fato, a sua própria reputação lhe interessava
mais.
Também existia a possibilidade que quisesse se apoderar do relógio, e
tudo aquilo não passasse de um ousado plano para consegui-lo. Parecia
uma hipótese muito remota, porque seria muito mais fácil apenas roubá-
lo… isso a levou a pensar no intruso que invadiu Willowmere, e se deu
conta que a possibilidade de que ambas situações estivessem relacionadas
era bem plausível.
A questão era, por que e quem, e como lidaria com o problema sozinha.
Capítulo 11
No dia seguinte, Eve acompanhou às Bascombe a casa do granjeiro que
acabava de ter um filho. Lily estava desejando ver o menino, mas o que
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mais motivava Camellia era o fato de poder montar a cavalo. Fitz foi com
elas para oferecer as felicitações de praxe em nome do conde, e Neville se
uniu ao grupo alegando que se aborreceria se ficasse sozinho em
Willowmere.
Eve não era imune à presença de Fitz, e ele a tratava com cortesia mas
com certa frieza; em vez de ficar um pouco atrasado junto a ela como de
costume, optou por seguir na frente com Camellia, e como Neville e Lily
foram na retaguarda, ela ficou no meio.
Embora não a excluíssem das conversas, tampouco participou muito
delas, e se deu conta de que era a primeira vez que se sentia como uma
acompanhante de verdade. Estava entre eles, mas sem formar parte do
grupo.
Não pôde evitar desviar o olhar de vez em quando para Fitz, já que tudo
nele… seus intensos olhos azuis, o perfil clássico, a elegância com que
montava… a afetava de forma visceral. Parecia o cúmulo da ironia que o
desejasse mais do que nunca, logo agora que ele aceitou seu pedido para
manter-se longe dela, e se apressou a afastar o olhar quando notou que
estava olhando-o embevecida. Estava claro que para ele, era muito fácil
tratá-la como uma simples conhecida, e ela não agiria de forma diferente.
A visita foi muito boa. Lily se desfez em elogios para o bebê e inclusive
pediu que lhe permitissem segurá-lo, e sua atitude conquistou a simpatia da
mãe do pequeno. Tanto Camellia como ela se mostraram tão naturais e
amáveis, que a senhora Whitfield e a mãe dela, comentaram após vê-las
partirem, que eram verdadeiras damas, apesar de serem americanas.
Retornaram para casa por um caminho que ladeava os campos, e
estavam cortando por um prado enquanto conversavam animadamente
quando Camellia parou seu cavalo. Apontou para a copa das árvores que
estavam na frente, e exclamou:
— Olhem!
173
Todos levantaram o olhar, e viram um enorme balão com uma cesta
pendurada por cordas que se aproximava voando por cima das árvores.
— Oh! Só tinha visto um balão em ilustrações! — disse Lily,
entusiasmada.
Permaneceram ali, com as mãos nos olhos para se protegerem do sol,
enquanto o balão se aproximava e começava a descer lentamente. Estava
pintado com um brilhante tom azul e já se podia ver a pessoa que o dirigia,
que se mexia de um lado ao outro na cesta , deixando cair coisas.
— O que faz? — perguntou Camellia, desconcertada.
Foi Fitz quem respondeu:
— Acredito que está soltando lastro, não é a primeira vez que vejo um.
Como está perdendo altitude, solta lastro para que o peso diminua.
Suponho que tenta evitar se chocar contra as árvores.
— E com razão — comentou Neville, ao ver que a cesta roçava os
ramos mais altos de uma árvore.
Eve se aproximou um pouco de Fitz de forma instintiva enquanto
esperavam com a respiração contida, e quando, tanto seu cavalo como os
dos outros começaram a inquietar-se ao ver que se aproximava aquele
enorme artefato, agarrou com mais firmeza as rédeas e sussurrou palavras
tranquilizadoras para o cavalo.
O homem parou de soltar lastro e estava puxando algumas cordas, e
mesmo conseguindo evitar a maioria das árvores, não conseguiu se
esquivar de um carvalho que era muito mais alto que as outras. A cesta se
chocou contra os ramos, girou e se inclinou e ficou presa entre os ramos. O
homem se desequilibrou, e caiu árvore abaixo até bater no chão.
Lily soltou um grito, Neville uma maldição e quando Fitz esporeou seu
cavalo e foi para o balão, todos se apressaram a segui-lo. A cesta ficou
inclinada entre os ramos, e tinha um lado destroçado. Algumas das cordas
174
estavam soltas e outras continuavam presas ao balão, que estava caído
junto à árvore e murchando sobre a grama.
Fitz desmontou rapidamente e correu para o desconhecido, que jazia
imóvel e com os olhos fechados e tinha uma perna dobrada sob o corpo,se
ajoelhou ao seu lado para verificar se respirava.
— Está vivo — disse, em seguida.
— Graças a Deus — murmurou Eve, aliviada.
Quando desmontou e se aproximou junto com os outros, Fitz a olhou e
disse:
— Está inconsciente e sangrando, e acredito que quebrou a perna —
quando ela se ajoelhou a seu lado e lhe deu um lenço, aceitou-o e o dobrou
antes de colocá-lo na ferida.
Todos ficaram em silêncio e se limitaram a observar o desconhecido.
Tinha a pele morena, mandíbula quadrada e escurecida por uma barba
incipiente, e um cabelo negro e encaracolado que parecia muito rebelde.
Inclinaram-se para frente ao ver que soltava um gemido e movia a cabeça,
e quando abriu os olhos, quase tão escuros como seu cabelo, ficou olhando-
os inexpressivamente durante alguns segundos.
— Mon Dieu — sussurrou, antes de voltar a fechar os olhos.
— É francês? — perguntou Camellia, antes de ajoelhar-se também.
O desconhecido voltou a abrir os olhos, e tentou se levantar. Colocou a
mão na cabeça, e soltou um gemido antes de começar a falar em francês.
— O que diz? — perguntou Camellia.
Eve lançou um olhar interrogante a Fitz, porque o francês que aprendeu
quando menina já estava esquecido totalmente, mas ele encolheu os ombros
e comentou:
— O francês nunca foi minha matéria favorita, mas acredito que está
perguntando por alguém.
Todos olharam para a cesta, que estava vazia, e Eve perguntou:
175
— Havia alguém mais? O que terá acontecido?
Foi Neville quem respondeu:
— Está perguntando por sua «preciosidade», mas não acredito que se
refira a uma mulher, a não ser ao balão. Quer saber como está — disse
algo ao homem num francês horrível, mas foi incapaz de entender a
torrente de palavras que recebeu como resposta — Que tipo tão excitado!
Ao ver que o desconhecido tentava se levantar de novo, Fitz lhe pôs
uma mão no peito para que permanecesse deitado.
— Fique quieto, não tente se levantar. Está ferido, só vai conseguir se
machucar mais.
O homem soltou um gemido, deixou de resistir, e se deitou de novo.
Fechou os olhos, e quando Neville começou a falar de novo em francês,
negou com a cabeça e disse com voz queixosa:
— Já chega, por favor — levou a mão à cabeça, e acrescentou —
Necessito… como se diz… necessito um tempo, por favor. Minha cabeça,
parece que vai explodir, e abriu as mãos com dramaticidade.
— Dói sua cabeça — comentou Camellia, utilizando de sua praticidade.
— Oui. Merci. Como vai? Como está meu balão?
Todos viraram para o enorme balão, que continuava jogado no chão, e
Fitz disse finalmente:
— Bem… acho que murchou…
— Bem, assim não se perderá… — o francês imitou com as mãos um
par de asas voando.
— Sim, é verdade. Monsieur…
— Leveque, Barthelemy Leveque — apoiou os cotovelos no chão, e
tentou levantar — Devo me levantar para verificar…
— Sinto muito, mas não pode se mover. Tem um corte bastante feio na
cabeça que poderia abrir novamente, e além disso, acredito que machucou a
perna.
176
— Não, tenho que… minha cesta… — tentou levantar-se de novo ao
ver que Fitz não exercia tanta pressão com a mão, mas empalideceu de
repente e voltou a cair — Sim, será melhor que… descanse um pouco.
Fitz ficou em pé, e disse a Neville:
— Vá para casa e traga alguns criados e uma carreta, também
necessitaremos tábuas ou uma porta para servir de maca.
— Eu também vou, trarei ataduras.
Eve quase interferiu quando ouviu o oferecimento de Lily, mas optou
por calar-se. Se a jovem reparasse que queria mantê-la afastada de Neville,
começaria a idealizar maneiras de burlar sua vigilância, e em qualquer
caso, era pouco provável que tivessem oportunidade de flertar enquanto
voltavam para a casa rapidamente em busca de ajuda; além disso, seria
muito estranho se ela se oferecesse para acompanhá-los, porque Lily não
necessitava de ajuda para conseguir algumas ataduras. Portanto, se limitou
a que pedissem à senhora Merriwether que preparasse um quarto para
monsieur Leveque, e ficou esperando com os outros.
O ferido estava muito inquieto, e constantemente movia a cabeça e
murmurava em francês; quando Fitz tirou sua jaqueta para envolvê-lo,
sorriu agradecido e murmurou:
— Obrigado, estou com um pouco de frio — aquele fato parecia uma
surpresa para ele.
Eve se inclinou para Fitz, e perguntou em voz baixa:
— Vai se recuperar?
— Não o… — parou de repente ao se virar para olhá-la, e em seus olhos
brilhou por alguma coisa que disfarçou imediatamente.
Ela se esticou ao perceber que estavam muito perto, e sentiu que corava.
— Perdão — conseguiu dizer, mortificada, antes de ficar de pé e de se
afastar um pouco.
177
Ele se levantou também e se aproximou, mas tanto sua atitude como seu
tom de voz eram frios quando sussurrou:
— Não tenho como saber a gravidade de suas feridas. Acredito que se
recuperará se for apenas a ferida da cabeça e uma perna quebrada, mas
poderia ter sofrido danos internos.
— Sim, é verdade — se sentia incômoda com ele, assim não
acrescentou nada mais.
Camellia continuava sentada junto ao ferido, e nesse momento lhe
perguntou:
— Veio da França no balão?
— Oui, de Paris. Já foi lá alguma vez, mademoiselle?
— Não, fui criada nos Estados Unidos.
— Estados Unidos? Pretendo ir lá um dia.
Eve permaneceu onde estava ao ver que Fitz voltava para perto do
francês. Perguntou-se se a distância que se criou entre eles seria
permanente, e a simples ideia bastou para que sentisse uma pontada de dor.
Cam olhou boquiaberta ao francês, e perguntou:
—Quer ir aos Estados Unidos num balão?
— Sim, é claro! Nunca ninguém fez isso antes. Cruzei o Canal da
Mancha, e estou indo para a Escócia — seu sorriso se desvaneceu, e
acrescentou constrangido — Bem, estava...
— Que emocionante! Sempre quis viajar em um balão de ar quente.
— Não, não é de ar quente, isso está ultrapassado. O meu funciona com
gás, com hidrogênio. É muito melhor, há mais controle.
— Camellia, acredito que é melhor que não o incomodemos com tantas
perguntas — comentou Eve.
— Não, não tem problema! — exclamou Leveque, enquanto movia a
mão no ar — Falar é bom, me ajuda a deixar de pensar em…
178
Ao ver que parecia incapaz de acabar a frase, Eve disse com
comiseração:
— Na dor?
— O que? Não, no ma belle… no meu balão. Está…? Como se diz…?
Está rasgado?
— Parece que não, os ramos não o atingiram — respondeu Cam,
sorridente — Murchou quando a cesta ficou presa, e está jogado no chão.
— Bem, muito bem — Leveque se virou para Fitz, e disse — Deve ser
muito cuidadoso na hora de dobrá-lo.
— Ah, sim?
— Oui. É vital, é feito de seda coberta de borracha.
— Não se preocupe, eu mesma me encarregarei de fiscalizar tudo — se
apressou a assegurar Cam — Podemos guardar a cesta no celeiro… não é
mesmo, primo Fitz?
Ele soltou um sonoro suspiro antes de responder:
— Sim, suponho que sim. Não podemos deixar essa coisa aí jogada —
olhou para os ramos da árvore, e acrescentou — Embora não tenha certeza
se a cesta tem conserto.
— Sacre! Está tão ruim assim? — Leveque tentou levantar um pouco
para vê-la por si mesmo.
As coisas continuaram assim enquanto esperavam que Neville e Lily
retornassem com reforços. Camellia estava se saindo muito bem
tranquilizando o francês… prometeu que suas instruções sobre como
guardar seu equipamento seriam seguidas ao pé da letra, e o distraiu com
mais perguntas sobre o balão.
Neville e Lily não demoraram para voltar, mas a carreta era mais lenta e
ficou um pouco atrasada; por sorte, a jovem carregava no seu cavalo, uma
sacola com as ataduras e um recipiente com água, assim começaram a
limpar as feridas de Leveque.
179
Neville também tinha algo para contribuir. Tirou uma garrafa da sacola,
e comentou:
— Pensei que seria bom um pouco de brandy medicinal para aguentar a
dor.
Os olhos escuros de Leveque se iluminaram, e disse sorridente:
— Merci, monsieur — agarrou a garrafa, e tomou um bom gole.
Eve começou a enfaixar seus arranhões e os cortes, e ao ver que Fitz se
aproximava para ajudá-la, lançou um olhar de agradecimento. Ele
respondeu com um sorriso, e por um instante voltou a reinar entre eles o
bom ambiente de antes.
Depois de medicar e relaxar com o brandy, Leveque ofereceu a garrafa a
Neville, que a aceitou e se sentou junto a ele antes de tomar um gole.
Depois a ofereceu a Fitz, mas este negou com a cabeça e comentou com
ironia:
— Parece que será melhor que um de nós esteja sóbrio quando chegar a
hora de colocá-lo na carreta.
Nem Neville nem Leveque estavam preocupados com esse detalhe,
portanto, quando a carreta chegou, estavam cantando em francês; parecia
que para Neville era mais fácil cantar do que falar nesse idioma, e Camellia
e Lily não podiam deixar de rir ao vê-lo fazer parte do coro a plenos
pulmões.
Eve, também não pôde evitar sorrir, mas soltou um pequeno suspiro e
comentou:
— Não sei se lorde Stewkesbury gostaria de saber que sempre acontece
esse tipo de coisas quando suas primas saem para passear.
— O primo Oliver não é tão afetado como parece; de fato, pode ser
bastante agradável quando relaxa um pouco — assegurou Lily.
180
—Será conveniente que Leveque esteja um pouco ébrio quando o
colocarem na carreta, mas é uma sorte que Camellia e Lily não entendam
francês — comentou Fitz.
Eve esboçou um sorriso antes de responder:
— Estou ciente que o álcool é usado para minimizar a dor, é uma prática
muito comum entre os militares. O que me surpreende é que você não
esteja bebendo também.
— Nem eu mesmo acredito, parece que estou me transformando num
chato. Espero que Oliver volte logo antes que eu me veja imerso em uma
vida cheia de responsabilidades.
O chefe do estábulo estava habituado a consertar ossos quebrados, por
isso, foi ele quem se encarregou de comandar os outros criados na hora de
erguer o ferido e deitá-lo sobre a porta que trouxeram para servir de maca;
mesmo com todo o cuidado que tiveram, Leveque empalideceu e acabou
desmaiando.
— É melhor assim — comentou Neville, antes de se endireitar e de
puxar bem os punhos da camisa; ao ver que Eve parecia notar que não
estava tão bêbado como parecia enquanto cantava, disse sorridente — Tive
que manter o paciente animado, e Fitz pode atestar que tenho a cabeça mais
dura de toda a cristandade.
Quando chegaram na casa, os criados subiram o ferido para um quarto
no fundo do corredor sob a supervisão do mordomo. Leveque despertou
durante o trajeto, mas considerando seu rosto pálido e o suor em sua testa,
era óbvio que teria preferido continuar inconsciente.
O doutor chegou pouco depois e confirmou que a perna estava
quebrada, porém informou com otimismo, que ao menos tinha sido um
único osso e da parte inferior, não da superior.
181
— É muito melhor. Assim é mais fácil evitar que a perna fique mais
curta — comentou, antes de ordenar as mulheres que saíssem do quarto
para poder alinhar os ossos com a ajuda de Fitz e Neville.
Camellia saiu à contra gosto junto as demais, e disse zangada:
— É absurdo, não somos bobinhas incapazes de ver como se encaixa
um osso.
— A verdade é que eu prefiro não ver.
Assim que Eve pronunciou essas palavras, ouviu-se um grito de dor
seguida de uma enxurrada de palavras em francês que deviam ser
maldições.
— Eu também prefiro — admitiu Lily.
A própria Cam empalideceu um pouco, mas insistiu aborrecida:
— Mesmo assim, incomoda-me que esse médico tenha acreditado que
sou incapaz de ver isso.
Eve pôs-se a rir, e parou na frente da porta de seu quarto antes de
acrescentar:
— Tenho certeza absoluta que aguentaria.
Demorou alguns minutos para se limpar e vestir um dos vestidos de
musselina que herdou de Rose, e saiu do quarto quando Fitz se aproximava
pelo corredor.
— Como está o paciente?
— Dormindo. O doutor Adams deixou um calmante, assim Carr não vai
ter que beber junto com ele esta noite. A perna está bem, e vai demorar
entre seis e oito semanas para se curar. Leveque vai ter que ficar na cama
todo esse tempo para que o osso se cure bem, mas não quero nem imaginar
o que Stewkesbury vai falar quando souber que vai ter um hóspede
inesperado durante dois meses.
— Você não tem culpa, não havia forma de evitar que caísse no imóvel.
182
— Suponho que não, mas tenho a impressão que não teria acontecido se
Stewkesbury estivesse aqui.
— Por que? Por acaso tem o poder de decidir para onde soprará o
vento? — perguntou, em tom de brincadeira.
Ele a olhou sorridente, e admitiu:
— As vezes acredito que seja capaz disso, e muito mais. As coisas
funcionam melhor quando ele está presente, embora admito que teve alguns
contratempos desde que as Bascombe chegaram.
— Camellia se ofereceu para cuidar de monsieur Leveque, parece
fascinada com a ideia de viajar no balão.
— Camellia fica fascinada com tudo que implique movimento ou
perigo… e se as duas coisas andarem juntas, melhor ainda, assim viajar de
balão deve ser incrível para ela. Me diga, acredita que ela também vai cair
nas garras do amor?
— É a primeira vez que a vejo dar tanta atenção a um homem.
Fitz soltou um gemido, e disse com voz queixosa:
— Vou ter que investigá-lo, não é? Devo descobrir se não está casado,
ou se é um lunático… bom, mais lunático é o que se espera de alguém que
gosta de voar num balão. Oliver me cortará o pescoço se permitir que Cam
se apaixone por um francês maluco e de procedência duvidosa.
— Não acredito que seja as três coisas.
— Ora! Se atrair Camellia, certamente descobrirei que é algo ainda pior.
Conforme passaram os dias, Eve começou a notar que os comentários
irônicos de Fitz poderiam acabar se confirmando… ao menos, com relação
a atração que Cam poderia começar a sentir pelo francês. A jovem
acompanhou os criados encarregados de recolher o balão, e providenciou
que fosse dobrado com era devido e que a cesta fosse tirada da árvore com
183
o máximo de cuidado; e se fosse pouco, passava grande parte do dia lendo
para Leveque, respondendo com paciência suas perguntas sobre o
tratamento que foi dado ao seu balão, e perguntando a ele tudo sobre o
funcionamento do balão.
A generosidade e a vontade de ajudar de Camellia pareciam elogiáveis,
mas preferiria que os criados cuidassem do francês; além disso, constatou
que precisava muito dela para ajudar a vigiar Lily.
Foi obrigada a suspender as aulas porque Cam passava muito tempo
com o doente, e deixava mais tempo livre para Lily. O problema era que
antes, quando não tinha nada para fazer, a jovem costumava ler muito, mas
no momento, preferia passar o tempo conversando com Neville Carr.
Ela tentava convencê-los a fazer companhia a Cam e Leveque, mas não
conseguia que permanecessem muito tempo, porque os dois se aborreciam
com as conversas sobre a mecânica do voo em balão… e na verdade, não
era de se estranhar, porque ela também costumava ficar meio adormecida
quando o francês começava a explicar o assunto; mesmo assim, sentia-se
frustrada pensando que Carr e Lily estavam acompanhados e logo em
seguida descobria que já estavam passeando sozinhos.
Era muito desagradável buscá-los e se unir a eles sabendo que estava
sobrando, mas como Fitz sempre estava ocupado com outros assuntos, essa
tarefa recaía completamente sobre ela. Estava convencida que se mantinha
ausente de propósito, porque não o encontrava mais em parte alguma e
ainda desaparecia quando ela estava por perto, mas sabia que deveria
sentir-se agradecida; afinal, foi ela que pediu que ficasse longe, evitando
assim, o constrangimento que os dominava cada vez que se viam.
Por desgraça, o fato de não estar com ele era quase insuportável. Queria
falar com ele, olhá-lo… queria que voltasse a beijá-la, e o pior de tudo era
que começava a perceber que o fato de não vê-lo com frequência não
diminuía o desejo que sentia por ele. Não podia tirá-lo da cabeça, sonhava
184
com ele todas as noites, e independentemente de estar dormindo ou
acordada, seu corpo ardia cada vez que ele aparecia em sua mente. Sentia-
se mortificada achando que ele não sentia o mesmo, que pudesse ficar
longe dela sem se importar.
O jantar que estavam organizando servia de distração, e também era um
modo de manter Lily ocupada. No dia do jantar, Sabrina enviou uma nota
avisando que lorde Humphrey tinha um visitante inesperado, e pedia
permissão para levá-lo também ao jantar.
Mesmo que um participante a mais não fosse problema (seria até bom,
já que equilibraria o número de homens e mulheres), ainda assim, Eve
considerou estranho que Sabrina não especificasse na nota quem era o tal
visitante. Subiu para comunicar as Bascombe, e se surpreendeu um pouco
encontrando Camellia deitada na cama.
— Está tudo bem, querida? Está indisposta?
— Não, um pouco cansada. Estava lendo para Barthelemy, e cochilei —
apoiou os cotovelos na cama, e se levantou levemente antes de acrescentar
sorridente — Ele sim, adormeceu como um tronco, assim decidi me deitar
um pouco — quando Eve contou sobre a nota de Sabrina, perguntou
carrancuda — Por que não quis dizer quem é?
— Não sei. Adora ser o centro das atenções, seja como for... — vacilou
por um instante antes de perguntar com falsa naturalidade — Onde está sua
irmã? Achei que estava com você.
— Estava lendo, mas decidiu descer para dar um passeio pelo jardim.
Parece que não gosta que eu passe tanto tempo com Barthelemy.
— Tenho a impressão que ele te… agrada bastante.
— Ele é muito interessante, e prometeu que me deixará subir no seu
balão assim que se recupere. Deve ser uma experiência fantástica, não
acha?
— Eu prefiro manter os pés no chão.
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— Me parece maravilhosa a ideia de voar por cima das árvores, embora
possivelmente possa se tornar um pouco incômodo pelo frio que deve fazer
lá em cima… por não falar do risco se o vento mudar de direção e altere o
caminho. Mas quero experimentar ao menos uma vez, tenho certeza que
será divertido; além disso, eu gosto de saber como funcionam as coisas, viu
alguma vez um motor a vapor? Eu não, e adoraria — soltou um suspiro, e
admitiu — Eu gostaria de ver tantas coisas…
— Pode ser que seus desejos se realizem.
— Não sei, às vezes acho muito improvável. Antes era muito jovem, e
agora, moramos aqui.
— Você não gosta de viver aqui?
— Não é isso. Eu gosto, mas é que… pode parecer tolice, mas todas as
minhas irmãs partirão. Primeiro foi Rose, e depois Mary. Sempre soube
que se apaixonariam e acabariam casando-se, mas agora parece que Lily
está encantada pelo senhor Carr, e pode ser que também se case.
— Ela quer se casar com ele? — Eve ficou tensa ao dar-se conta que a
situação era mais séria do que pensava.
— Não, não me disse que quer se casar, porém, só fala sobre ele. Que
Neville fez isto, que disse aquilo… mas de qualquer maneira acabará se
casando, mesmo que não seja com ele. Lily é das que se casam, não é?
— Sim, acredito que sim, embora suponha que você também se casará.
— Talvez, não sei. Nunca fui tão sensível como ela.
— Cada pessoa tem sua própria personalidade.
— Sim, não há quem supere Lily em sensibilidade — seu sorriso se
apagou ao acrescentar — Às vezes acredito que acabarei ficando aqui
sozinha com lorde Stewkesbury, e aposto que ele não gostará muito disso.
Me proibirá de fazer o que quero e ir onde quiser, e não terei outra opção
que não seja desobedecer. Não é que isso me importe, mas… acho que não
tinha pensado nisso antes porque sempre tive minhas irmãs… as pessoas
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pensam que sou corajosa, mas a possibilidade de ficar sozinha me dá medo.
Eve a abraçou antes de dizer com voz tranquilizadora:
— É normal, ninguém gosta de ficar sozinho; em qualquer caso, não
acredito que as coisas cheguem a ser tão horríveis como acredita. Lorde
Stewkesbury parece um homem razoável, continuará vendo suas irmãs, e
também tem Vivian e a mim.
— Não partirá?
— Claro que não, vai precisar de uma acompanhante até que se case.
— Acredita que chegarei a me casar?
— É claro. É uma moça bonita e encantadora, e vi com meus olhos que
não te faltaram parceiros de dança na festa de lady Sabrina.
— Eu gosto de dançar, mas isso não significa que vá me casar. Todos os
homens que conheci no baile eram entediantes.
— Vai conhecer muitos mais, não se preocupe. Acho que você está um
pouco triste, por que não dorme um pouco? Pode ser que se sinta mais
otimista quando despertar.
— De acordo — a olhou sorridente, e se deitou de lado.
Depois de cobrí-la com a manta que estava nos pés da cama, Eve saiu
do quarto e decidiu ver como estava passando monsieur Leveque, mas ao
passar perto de uma das janelas viu de relance algo branco e parou para
olhar diretamente.
Neville e Lily estavam no pequeno jardim de ervas aromáticas, muito
juntos, e ele a segurava pelas mãos. Não estavam se beijando, nem sequer
se abraçando, só estavam olhando-se… mas sua atitude e a expressão de
seus rostos falavam por eles mesmos.
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Capítulo 12
Eve sentiu um baque ao ver confirmados seus temores: Lily e Neville
Carr se apaixonaram.
A primeira reação de Eve foi descer correndo e ir ao encontro de Lily,
mas preferiu não fazer isso. Não queria aparecer abruptamente no jardim e
separar o casal como uma matrona severa e inflexível. Foi correndo ao seu
quarto pegar um chapéu, luvas e uma jaqueta fina, tirou as tesouras da mesa
de costura, e desceu pela escada traseira apressada enquanto colocava os
objetos na jaqueta; ao chegar no terraço, desceu pela escada lateral até o
jardim, e chegando lá, diminuiu o passo e começou a cantarolar, enquanto
se dirigia para o jardim de ervas aromáticas.
Quando chegou na porta, que estava aberta, parou e exclamou com falsa
surpresa:
— Lily, senhor Carr! Perdão, não sabia que havia alguém aqui.
Lily estava sentada no banco que ela mesma tinha sentado com Fitz
(embora fosse melhor não pensar nisso), sua expressão era muito inocente,
e estava vermelha como um tomate; Neville, por sua vez, estava de pé a
meio metro da jovem, e tinha as mãos entrelaçadas a sua frente.
— Senhora Hawthorne — disse, antes de saudá-la com uma inclinação.
Lily levantou rapidamente, e comentou:
— O senhor Carr estava me mostrando este jardim.
Eve esboçou um sorriso, e respondeu com toda naturalidade:
— Não é lindo? Eu adoro também. Vim procurar um pouco de lavanda
para a pobre Camellia, está na cama e acredito que está com dor de cabeça.
— Cam está doente?
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— Me disse que só está um pouco cansada, mas achei estranho. Eu
acredito que tenha dormido pouco, ou está com enxaqueca, ou algo
parecido. Vamos ver, onde estará a lavanda…?
— Se me desculparem, vou ver como está nosso francês.
— Que amável de sua parte, senhor Carr — Eve assentiu e esperou que
partisse antes de virar-se para Lily, que estava olhando-a com cautela —
Ah, aí está a lavanda, perto da parede… que pena, não sobrou nenhuma flor
— se aproximou da planta em questão seguida de perto pela jovem, e
depois de certificar-se que não tinha nenhuma flor, comentou — Bem,
talvez a governanta tenha água de lavanda. Eu costumo ter, mas acabou.
— Veio até aqui realmente pela lavanda ou é só uma desculpa?
— O que quer dizer?
Lily levantou um pouco o queixo antes de responder.
— Talvez tenha vindo porque Neville e eu estávamos a sós aqui.
— Entendo. Estou certa que tanto o senhor Carr como você estavam se
comportando de forma irrepreensível, embora deva saber… quando formos
para Londres para a temporada social, deverá tomar cuidado para não ficar
a sós com nenhum homem, porque às pessoas adoram mexericar.
— Isso me parece uma estupidez, não suporto todas estas regras!
— Sim, acho que são bastante rígidas para as moças casadouras,
também não me agradavam. Mas é assim o mundo que vivemos, Lily. Seria
desastroso que a considerassem uma jovem escandalosa, porque sua
entrada no Almack's seria negada.
— Neville disse que é um lugar muito aborrecido.
— Ele tem razão, mas mesmo assim, todo mundo quer entrar lá — fez
uma pequena pausa antes de acrescentar — O senhor Carr é um homem
encantador.
— Sim, é mesmo — o rosto da jovem se iluminou ainda mais — Ele
acha que você não gosta dele, mas eu o convenci que está enganado.
189
— Não o conheço muito bem, mas ouvi falar dele.
Lily a olhou com desconfiança ao ouvir aquilo, e no final perguntou:
— Vai me contar algo ruim sobre ele?
— Não se trata de nada ruim; de fato, terei que felicitá-lo, porque estou
sabendo que está a ponto de se comprometer com lady Priscilla Symington.
Dizem que é um casamento dado como certo, por todas as pessoas.
— Sim, ele já me falou sobre isso — admitiu, pesarosa — Me disse que
queria ser completamente sincero comigo — seus olhos se iluminaram
quando acrescentou — Isso demonstra sua nobreza, não é? Poderia ter me
enganado, e não fez isso. Deve ser triste ser obrigado a se casar com
alguém que não se ama só porque seu pai exige.
— Sim, parece muito injusto.
— Sabia que entenderia, Eve.
— Claro que entendo. Acho muito injusto que os pais exijam tais coisas
de seus filhos, e duvido que uma situação assim possa proporcionar um
casamento feliz.
— Não a ama, sei que não a ama.
— Mas é um cavalheiro, e se sente obrigado a cumprir com seu dever.
Lady Priscilla o espera há anos, seria a chacota de todos se ele voltasse
atrás.
Lily afastou o olhar, e admitiu com voz fraca:
— Sei, mas é tão trágico…
Eve teve a impressão que estava contendo as lágrimas, e escolheu suas
seguintes palavras com cuidado.
— É normal que sinta compaixão. É uma situação muito triste, tanto
para o senhor Carr como para lady Priscilla.
— Mas ela pretende se casar com ele!
190
— Não sabemos se sente algo por ele, e se por acaso o ama, imagine
como deve ser triste se casar com alguém que sabe que não retribui seus
sentimentos.
— Nesse caso, por que não o deixa livre? Por que quer casar com ele se
sabe que não a ama?
— Poucas mulheres aceitam a ideia de se tornarem solteironas, mas
neste caso seria muito pior, porque seria como se ele a deixasse plantada
mesmo que ainda não estejam oficialmente comprometidos. Seria um
escândalo, e embora o senhor Carr fosse considerado o principal culpado,
ela sofreria muito por causa dos rumores. É muito difícil ser alvo da
compaixão e também do deboche.
— Suponho que sim, mas continuo achando que lady Priscilla não está
agindo corretamente.
— Não tenho a menor dúvida que você e suas irmãs não se
comportariam assim, mas há muitas jovens que são menos…
— Escandalosas?
— Diria, independentes — a abraçou com afeto, e acrescentou — Já sei
que é uma situação difícil tanto para o senhor Carr como para lady
Priscilla, mas é você que me preocupa. Não quero que se machuque.
Acredito que tenha esperança que ele não se case com ela, e duvido que
isso aconteça.
— Não, já sei que é impossível. Neville… quer dizer, o senhor Carr… e
eu somos apenas amigos — soltou um pequeno suspiro quase sem
perceber, e acrescentou pesarosa — Como poderíamos chegar a ser algo
mais?
Eve desceu para jantar naquela noite meio nervosa, porque apesar de ser
uma oportunidade para Camellia e Lily adquirirem mais experiência como
191
anfitriãs, preferiria que lady Sabrina não estivesse presente. Certamente
tentaria minar a confiança das jovens, e as pobres não estavam em seu
melhor momento. Lily ficou abatida depois do bate-papo que tiveram no
jardim e Camellia estava apática e irritada, portanto, os elogios
envenenados daquela mulher poderiam derrubá-las ainda mais.
Quando entrou na pequena sala de espera onde esperavam a hora do
jantar, sentiu-se aliviada ao ver que as duas irmãs já estavam lá e que
pareciam estar de bom humor. Camellia estava com o rosto rosado e os
olhos brilhantes, e Lily voltou a ser a moça alegre de sempre.
Não pôde evitar que seu olhar se desviasse, como se tivesse vontade
própria, para Fitz, que se levantou ao vê-la entrar, mas se limitou a saudá-la
com uma inclinação e não fez gesto algum para aproximar-se dela. Sentiu-
se ferida e andou para junto das Bascombe, mas nesse momento o
mordomo anunciou a chegada dos Carlyle, assim fez das tripas coração e se
virou para a porta… e ficou boquiaberta ao ver o homem que estava
entrando nesse momento junto a Vivian, atrás de lorde Humphrey e sua
esposa.
Tinha um porte ereto e elegante, o cabelo castanho com as têmporas
grisalhas, nariz aquilino e queixo quadrado, e um olhar penetrante que
parecia captar até o menor detalhe. Seus olhos se iluminaram ao vê-la, e
sua boca se curvou em um sorriso.
Lorde Humphrey estava apresentando-o nesse momento para Fitz.
— Meu amigo, o coronel Willingham. Veio me visitar outro dia quando
estava a caminho de Lancaster, e consegui convencê-lo a permanecer mais
um pouco conosco.
O coronel saudou Fitz com uma inclinação, e disse com formalidade:
— Espero não ser inoportuno.
— Absolutamente, aqui no campo sempre estamos ansiosos por receber
novas visitas. Me permita que o apresente a minhas primas.
192
O coronel saudou as Bascombe com uma inclinação, mas quando Fitz ia
apresentá-lo a Eve, aproximou-se dela e disse sorridente:
— Não é necessário que me apresente a esta jovem encantadora, a
senhora Hawthorne e eu somos velhos amigos.
Ela sorriu também, e estendeu a mão antes de dizer:
— Boa noite, coronel. Que surpresa tão agradável, me alegro muito ao
vê-lo!
— Não tanto quanto eu, minha querida. Quando lorde Humphrey me
contou que estava de visita em Willowmere, disse-lhe que não podia partir
sem vê-la.
— Sinto-me honrada.
Fitz se empertigou ao ver que aquele homem pegava sua mão e se
inclinava para beijá-la e comentou com desconfiança:
— Que reencontro tão fortuito, posso perguntar de onde se conhecem?
— Meu marido serviu sobre o comando do coronel — explicou Eve.
— Era um grande homem, muito corajoso.
— Sim, Bruce sempre foi muito corajoso.
— Quero que me conte o que esteve fazendo desde a última vez que a vi
— o coronel a afastou um pouco dos outros, e acrescentou — Pedi a lady
Sabrina que não revelasse minha identidade, porque queria surpreendê-la.
Tanto Vivian como lady Sabrina estavam olhando com curiosidade, mas
a expressão da segunda transparecia também certa malícia. Era óbvio que
não gostou que o coronel a conhecesse, e muito menos que se alegrasse
tanto ao vê-la. Ele a tratava com tanta consideração pelo respeito que sentia
por seu falecido marido, mas isso não era importante para Sabrina. Uma
mulher assim, que gostava de monopolizar a atenção dos homens, não veria
com bons olhos que alguém que deveria estar admirando-a estivesse
conversando com outra.
193
Mas apesar de tudo, Eve não estava disposta a se deixar intimidar,
porque o coronel sempre foi um bom amigo, em especial depois da morte
de Bruce. Apoiou-a durante o funeral, e se encarregou de muitos acertos
necessários; como ele mesmo disse na ocasião, sua esposa tinha falecido
quatro anos antes, por isso, conhecia bem a dor que ela estava sentindo.
Ela recusou quase todos os oferecimentos de ajuda que recebeu, preferiu
empacotar sua roupa e cuidar pessoalmente dos pertences de Bruce, porque
não era uma mulher disposta a compartilhar sua dor; mesmo assim, a ajuda
do coronel foi tão útil como bem-intencionada, e estava agradecida.
— Acho que não fiz nada interessante, retornei para a casa de meu pai.
— Mas agora está aqui, e soube que pretende ir a Londres para a
próxima temporada social.
— Sim — como estava convencida que Sabrina já deveria ter informado
que era apenas uma acompanhante contratada, acrescentou — Lorde
Stewkesbury teve a amabilidade de me contratar como acompanhante de
suas primas. Serão apresentadas na sociedade, e lady Vivian será sua
protetora.
— Sim, já me disse. Não sabia que é amiga da sobrinha de Humphrey.
— Estudamos no mesmo colégio, mas não nos vimos tanto como
gostaríamos nos últimos anos.
Ele esboçou um pequeno sorriso, e comentou:
— Não temos outra opção que não seja ir onde o exército nos manda.
— Sim, você sabe melhor que ninguém.
— Alegra-me vê-la com tão boa aparência, está claro que está feliz
ajudando essas jovens.
— Agradeço sua amabilidade, devo admitir que estou desfrutando de
minha estadia aqui. Me conte como passou esses dois últimos anos? — era
consciente que alguém estava olhando-a, mas ignorou e continuou
conversando.
194
Se tivesse virado, ficaria surpresa ao ver que Sabrina não era a única que
os estava observando. Fitz estava no canto oposto do aposento, apoiado na
parede e com o olhar fixo neles. Estava tão tenso e carrancudo, que
ninguém se atrevia a aproximar-se dele.
Fitz não entendia por que demônios ela estava conversando com aquele
tipo durante tanto tempo, não se dava conta que era bastante velho para ser
seu pai? Era impossível que estivesse interessada nele… mas estava claro
que o coronel estava interessado nela, porque a afastou de todos e a levou
para um canto. Se estava tão preocupada com sua reputação, não deveria
mostrar-se tão atenta com aquele indivíduo.
Se fosse o Fitz de sempre, teria percebido o quanto era absurdo o que
estava pensando, de como engraçada era a situação em que se encontrava,
mas a verdade era que estava descontrolado, fora de si. Ficou incomodado
quando Eve quis acabar com sua relação incipiente, porém, se sentiu um
pouco culpado quando percebeu que a avaliação que ela fez sobre a
situação, foi muito correta. Se descobrissem que tinham uma aventura,
seria ela a mais prejudicada, e por mais que se esforçassem e por mais fiéis
que fossem os criados, sempre estaria presente a possibilidade que alguém
se inteirasse.
Decidiu comportar-se como um cavalheiro, e desistir de conquistá-la.
Não era o caipira sem cérebro e imoral que ela acreditava, assim não
tentaria convencê-la a agir contra seus próprios desejos… só não contava
com aquela estranha dor que se apropriou dele.
Eve não parecia ter sido afetada por ter renunciado a ele, continuava
cumprindo com suas tarefas tranquilamente, sorria e conversava com todos.
Estava dolorosamente claro que não sentia sua falta nem um pouquinho,
enquanto ele… ele, que sempre se sentiu seguro de si mesmo no trato com
195
as mulheres, ficava nervoso e não sabia como se comportar quando ela
estava perto.
Cada vez que a olhava, recordava os beijos e as carícias que
compartilharam, e cada vez que lembrava essas coisas, ansiava voltar a tê-
la entre seus braços. Como a desejava com todas suas forças cada vez que a
via, começou a evitar os lugares onde havia mais perigo de encontrá-la…
embora não servisse de nada, porque de todas formas não podia deixar de
pensar nela. Inclusive começou a se esconder no escritório de Oliver ou na
sala de fumantes para evitar os outros também, e tentava esquecer seus
problemas a base de trabalho (embora continuasse sem entender como era
possível que seu irmão, conforme dizia, esquecia seus tormentos, fossem
quais fossem, entregando-se a um trabalho tão terrivelmente aborrecido).
E enquanto ele estava olhando-a e sofrendo porque ansiava tocá-la e
sabia que não devia fazê-lo, ela estava flertando com um velho. Era o
cúmulo, uma injustiça intolerável, e embora em algum canto obscuro de
sua mente soubesse que possivelmente estava sendo um pouco ridículo, não
pôde conter os ciúmes que atravessavam seu peito como um ferro em brasa.
Soltou um som gutural parecido com um grunhido, separou-se da parede, e
andou até o casal.
— Senhora Hawthorne, coronel.
Eve se sobressaltou ao ouvir a voz de Fitz nas suas costas. Virou-se
imediatamente, e ficou atônita ao vê-lo olhando Willingham com um tenso
sorriso… embora possivelmente não fosse certo chamar «sorriso» aquela
expressão digna de uma fera à espreita.
— Fi… quer dizer, senhor Talbot. Una-se a nós, por favor — teve que
fazer um esforço para falar com cortesia e calma.
— Obrigado — se virou para o coronel, e disse — Me alegra conhecer
um amigo da senhora Hawthorne, está servindo perto daqui?
196
— Não. Estou de licença e pretendia visitar alguns parentes que vivem
em Lancaster, por isso, aproveitei para visitar lorde Humphrey.
— Deve ter sido uma grata surpresa para você saber que a senhora
Hawthorne estava aqui.
— Sim, é claro.
— Veio sozinho? Sua esposa não o acompanha?
Eve o olhou sem saber como reagir, porque seu comportamento era
muito estranho e não havia nem rastro de sua habitual atitude afável. Estava
tenso, sério, e tinha o olhar tão fixo no rosto do coronel, que dava a
impressão que estava lhe interrogando.
— Sou viúvo, minha esposa morreu faz muitos anos.
— Lamento.
Ao ver que Willingham aceitava aquelas palavras com uma rígida
inclinação de cabeça, Eve decidiu desviar a conversa para um assunto mais
ameno, e se apressou a comentar:
— O coronel me ajudou muito depois da morte de meu marido.
Não parecia estranho que aqueles dois homens não combinassem,
porque eram pólos opostos. O desconcertante era o fato que Fitz estivesse
se incomodando em formar parte da conversa; ao ouvir suas palavras, ele
olhou o coronel com expressão gelada e se limitou a dizer:
— Ah, sim?
— Fiz o que pude, o comandante era um de meus melhores homens.
— Não duvido. Esteve em contato com a senhora Hawthorne durante
todos esses anos?
Foi ela quem respondeu:
— Não, sinto que nos distanciamos.
Sentia-se muito desconfortável diante da atitude de Fitz, que beirava a
grosseria, assim foi um alívio quando Vivian e lorde Humphrey se
aproximaram nesse momento.
197
— Não posso permitir que monopolizem a senhora Hawthorne,
cavalheiros. Estava desejosa de voltar a vê-la. Tio Humphrey, por que não
conta a Fitz sobre a caçada que está organizando?
Quando sua amiga a levou e deixaram para trás os três cavalheiros, Eve
disse em voz baixa:
— Obrigada, não sabe como estava me sentindo constrangida. Fi… o
senhor Talbot está muito estranho.
— Sim, já reparei. Acredito que nosso querido Fitz pensa que encontrou
um rival.
— O que? O que quer dizer?
— É óbvio que está com ciúmes do coronel Willingham.
— Não diga tolices, por que estaria ciumento? — ao ver que sua amiga
se limitava a olhá-la com uma expressão que falava por si mesma,
acrescentou com voz cortante — Fitz Talbot não está interessado em mim,
concordaria comigo se tivesse visto como se comportou nestes últimos
dias. Só nos encontramos durante as refeições, e junto com todos os outros.
Não me procurou nenhuma só vez, nem… — deixou a frase inacabada.
— Nesse caso, é o cão que nem come nem deixa comer, porque é óbvio
que com sua atitude está advertindo ao coronel que não se aproxime muito.
— Vivian, por favor…
— Acha que não reconheço os sinais? Lembre-se que sou uma perita
nesse assunto, minha querida. São muitos os homens que tentam adquirir
direitos sobre a filha de um duque.
— Mas não estamos falando de você, mas sim de mim. Fitz desistiu de
tentar me conquistar, e te asseguro que me sinto aliviada; quanto à
possibilidade que o coronel Willingham esteja interessado em mim… é
absurda, tem idade para ser meu pai.
198
— Existem mulheres que gostam dos homens refinados e com ar de
autoridade, e quinze anos de diferença não é obstáculo para a maioria dos
homens. Repare em meu tio e Sabrina, entre eles a diferença de idade é
muito maior.
— Sim, mas eu não sou Sabrina.
— Graças a Deus — deu um apertão afetuoso no seu braço antes de
perguntar — Realmente não sente nenhum interesse pelo coronel? Eu
mesma considerei isso ao ver quanto ficou feliz ao vê-lo.
— Foi agradável ver um velho amigo e também uma surpresa, mas não,
não me interessa. É só um amigo.
— E o que me diz de Fitz?
— Também é um amigo — ao ver que a olhava duvidosa, acrescentou
— Não pode haver nada entre nós, Vivian. Você mesma me avisou sobre
ele.
— Sim, já sei — se virou para olhar os três homens, e admitiu — Mas é
que parece diferente, é a primeira vez que o vejo comportar-se assim por
uma mulher. O simples fato que tenha desistido de te conquistar é
impróprio dele.
— Duvido que seja a primeira vez que perde o interesse em uma
mulher.
— Não acredito que se trate de falta de interesse, pode ser que nesta
situação se importe mais com a mulher em questão do que com seus
próprios desejos.
As palavras de sua amiga lhe deram uma ponta de esperança, mas tentou
ser racional e disse com firmeza:
— Não, seria uma tola se considerasse sequer essa possibilidade.
Aconselhei Lily a ser realista, e o mesmo se aplica no meu caso. Não posso
me apaixonar por ele, não pretendo fazer isso.
199
O resto da noite transcorreu com lentidão. O jantar se estendeu o
bastante, e Sabrina se assegurou de ser o centro das atenções. Cada vez que
Vivian, o coronel Willingham, ou Neville tentavam mudar de assunto,
como o balão que se estatelou no prado, ela dava um jeito para desviar a
conversa para si mesma novamente; além disso, flertava com descaramento
tanto com Fitz e Neville, como com o coronel, e embora seria certo
considerar que sua atitude não era nada engraçada para lorde Humphrey,
porque ele estava muito aborrecido. O pobre só se animava um pouco
quando começava a conversar com Willingham sobre os velhos tempos,
mas acabava por se calar de novo ao ver que sua mulher o olhava zangada.
Pela primeira vez em sua vida, Fitz não fez esforço algum para
conseguir que a conversa fluísse; além de ignorar os intentos de flerte de
Sabrina, limitou-se grande parte do tempo a conversar com Vivian e com
lorde Humphrey, que estavam ao seu lado.
Eve, por sua vez, estava preocupada com Lily, que estava sentada ao seu
lado, e com Camellia, que estava na sua frente. A primeira estava cada vez
mais furiosa ao ver Sabrina flertando com Neville, e a segunda foi
esmorecendo durante o jantar e quase não comeu. Nenhuma delas parecia
se importar com o êxito do jantar, e tampouco, ninguém diria que eram elas
as anfitriãs, porque Sabrina estava monopolizando a conversa. A parte boa
era que, como estava tão ocupada flertando, não sobrava tempo para
agredí-las verbalmente.
As damas se retiraram para a sala de música depois do jantar enquanto
os homens desfrutavam de seus puros e suas taças de porto, e ao notar que
demoravam muito mais do que costumavam, Eve teve a sensação que
preferiam ficar sozinhos; na verdade, razões não lhes faltavam.
Sabrina começou a tocar piano, e assim que os cavalheiros voltaram,
insistiu que Neville se aproximasse para virar as páginas da partitura. Ele
200
contra atacou pedindo a Lily que se aproximasse também e que cantasse, e
embora Eve teve que conter um sorriso diante de uma manobra tão
ardilosa, viu o rancor que transpareceu no rosto de Sabrina, e soube que ela
tentaria se vingar da jovem cedo ou tarde.
O coronel Willingham aproveitou para sentar-se junto a ela, mas Fitz se
aproximou imediatamente e se sentou na cadeira do lado contrário para
poder participar da conversa. Sentiu-se aliviada ao ver que não retomava o
interrogatório de antes, mas sua presença conturbou o ambiente e tirou a
naturalidade da conversa.
Em questão de minutos, estava desejando que aquela noite terminasse.
Estava cansada, e Camellia parecia estar a ponto de adormecer na cadeira.
Preocupava-lhe que a jovem pudesse estar doente, mas não podia levá-la
para cima enquanto os convidados estivessem ali, e Sabrina não parecia
disposta a partir; no final, foi Vivian que tomou a iniciativa e comentou
com cortesia que já estava na hora de voltar para casa.
Assim que os convidados se foram, depois das despedidas de praxe, Eve
levou Camellia para o quarto. A jovem disse que só estava um pouco
cansada, mas além de ter a testa quente, aguentou seus cuidados sem
reclamar e isso já era bastante estranho. Despiu-se e se meteu na cama com
cansaço, e quando Eve pôs um pano úmido na testa, fechou os olhos e
sussurrou:
— Amanhã me sentirei melhor.
— Claro que sim.
Permaneceu junto a ela, e ao ver que dormia imediatamente, saiu
carrancuda da habitação. Camellia era uma moça tão saudável e forte, que
o simples fato que se sentisse mal parecia preocupante. Como a
possibilidade que Lily pudesse ter sido contagiada pela doença de sua irmã,
fosse qual fosse, decidiu ver como ela estava, mas quando chegou na porta
201
do seu quarto e levantou a mão para bater, parou subitamente quando ouviu
que estava chorando.
Vacilou por um instante, mas no final bateu e abriu sem esperar
resposta. A jovem estava deitada de barriga para baixo na cama, mas se
levantou ao ouví-la entrar e se sentou enquanto secava as lágrimas.
— Oh, Lily… — foi sentar junto a ela, e quando a moça a abraçou e
apoiou a cabeça em seu ombro enquanto chorava ainda mais, tentou
tranqüilizá-la com tapinhas nas costas e palavras de consolo.
Depois de um longo momento, quando conseguiu recuperar a
compostura, Lily se afastou um pouco e secou as lágrimas com a mão.
Olhou-a com um sorriso trêmulo, e disse:
— Perdão pelo pranto, mas é que… essa mulher me enfureceu.
— Sabrina? — olhou-a surpreendida, porque não esperava que o motivo
das lágrimas fosse ela.
— Sim, achei revoltante vê-la flertar assim com Neville… mas ele foi
muito doce quando me pediu que cantasse enquanto ela tocava piano, não
acha?
— Sim.
A jovem esboçou um sorriso sonhador e seus olhos se iluminaram, mas
se esticou ao lembrar o assunto principal da conversa.
— O comportamento de Sabrina foi deplorável, é uma mulher casada!
Enquanto subia para meu quarto, não deixava de pensar em tudo o que eu
gostaria de ter dito a ela, mas então me dei conta que não tenho direito de
me aborrecer. Não tenho nenhum direito sobre Neville, nunca terei.
Não chorou de novo, mas parecia tão desolada, que Eve pegou suas
mãos e disse:
— Lamento que esteja sofrendo tanto, teria sido melhor que o senhor
Carr não tivesse vindo a Willowmere.
202
— Não diga isso! Se fosse assim jamais o teria conhecido, e isso seria
horrível.
Eve não concordava, mas achou melhor se manter calada.
— Já sei que é impossível — continuou dizendo a jovem, com uma
atitude muito trágica — mas para o primo Oliver vai ser uma perda de
tempo e de dinheiro me apresentar na sociedade. Pode ser que Camellia
encontre um marido, mas duvido que eu chegue a encontrar alguém que
possa se igualar a Neville.
— Ainda falta muito tempo para que comece a temporada social.
— O tempo não mudará o que sinto por ele.
Como sabia que seria inútil tentar rebater aquela afirmação tão
definitiva, Eve se limitou a dizer:
— Ninguém espera que consiga marido na sua primeira temporada na
sociedade. É jovem, se limite a desfrutar das festas. Há tanto
entretenimento disponível… pensa nos bailes, nas peças de teatro, na ópera,
na roupa nova que vai comprar …
— Sim, suponho que desfrutarei muito de tudo isso. Não quero que o
primo Oliver pense que sou uma ingrata que não valoriza tudo o que tem
feito por nós, mas… — falseou sua voz, e seu olhar se escureceu.
Eve lhe deu um abraço antes de aconselhar com voz suave:
— Tenta não se preocupar muito, dorme um pouco e amanhã verá as
coisas com mais otimismo. Onde está sua donzela? Quer que a chame?
— Não, não precisa. Encontrei-a adormecida na cadeira, dei permissão
para que se retirasse. Pedirei a Cam que me desabotoe o vestido.
— Eu faço isso, sua pobre irmã já está dormindo. Parece que está
doente. Você não está mal também, não é?
— Não. Achei que Cam estava bastante corada durante o jantar, talvez
esteja febril.
203
Depois de desabotoar os colchetes da parte posterior do vestido, saiu do
quarto e se dirigiu para o seu, mas mudou de opinião e deu meia volta.
Desceu apressada para o primeiro andar, e mesmo estando escuro, a luz que
saía da porta aberta do escritório bastou para guiá-la. Diminuiu o passo
conforme foi se aproximando e parou enquanto aguçava o ouvido, porque
não queria entrar se Fitz e Neville estivessem conversando.
Como não ouviu nada, aproximou-se ainda mais, e parou ao chegar à
porta. Fitz estava sentado atrás da mesa, com um copo de licor na mão e o
olhar fixo na lareira, e parecia… triste. Encolheu seu coração ao vê-lo
assim, e deu um passo para ele de forma inconsciente.
— Fitz…
— Eve! — levantou-se de repente, sorridente, e se apressou a
aproximar-se dela — Venha, sente-se.
Ela permitiu que a conduzisse até as poltronas que havia na frente da
lareira. Mesmo sentindo um ligeiro aroma de álcool e tabaco, não havia
nada que indicasse que pudesse estar bêbado, porque sua mão estava tão
firme como sempre e tinha o olhar limpo.
— Me alegro ao vê-la, algum problema? — perguntou ele — Perdão,
concordamos em ser formais.
— Eu prefiro que não sejamos… se achar bom, claro.
— Parece perfeito. Venha, me conte o que a está preocupando.
— Camellia está doente.
— Sério?
— Sim, acredito que tem febre, mas é Lily que me preocupa.
Apaixonou-se pelo senhor Carr, acabo de encontrá-la chorando em seu
quarto.
Ele soltou um suspiro antes de dizer:
— Lily é muito propensa a se deixar levar pelas emoções, acha que está
apaixonada de verdade?
204
— Não estou totalmente certa, porque é inegável que adora o drama,
mas apesar da possibilidade de estar desfrutando ao pensar em como tudo é
tão trágico, acredito que o ama de verdade. Acaba de admitir que sua
apresentação na sociedade será uma perda de tempo, que está convencida
que jamais amará nenhum outro. Sou consciente que as moças jovens
dizem esse tipo de coisas e depois de dois meses se apaixonam por outro
cavalheiro, mas mesmo assim…
— Neville gosta dela, e não quer lhe causar nenhum dano. Prometeu-me
que não tentaria conquistá-la, e eu acredito.
— Não duvido da sinceridade de seu amigo, mas nesta mesma tarde
estavam a sós no jardim de ervas aromáticas — ao recordar o que tinha
passado entre eles naquele mesmo lugar, corou e afastou o olhar.
Ao ver que ele também permanecia em silêncio, não pôde evitar
perguntar-se se estava pensando a mesma coisa. Excitava-se tanto como ela
ao recordar como se beijaram, ao recordar o contato da pele contra pele?
— Sim — o tom rouco de sua voz pareceu muito revelador —
Estavam…?
— Não, não estavam numa situação comprometedora, mas se
encontravam a sós em uma zona isolada, e a atitude de ambos denotava
certo… desejo.
Aquela palavra ficou suspensa no ar, reveladora e insinuante. Eve ficou
presa em seu olhar, e viu em seus olhos um brilho especial que a derreteu
por dentro. Sentiu o desejo traiçoeiro de sentar-se em seu colo, de apoiar a
cabeça em seu peito e sentir-se protegida entre seus braços, e disse com voz
fraca:
— Às vezes, as palavras podem ser tão perigosas para o coração de uma
mulher como um beijo — sabia que já não estava falando de Lily, mas sim
de si mesma — Mesmo que ela saiba que não pode haver nada entre eles,
205
não pode evitar sentir uma ponta de esperança, não pode proteger seu
coração.
— Pode ser que ele sinta o mesmo, é difícil evitar que os sentimentos
cresçam quando se vive tão perto um do outro — se inclinou para ela antes
de acrescentar — É muito duro conter o desejo quando a vê em todos os
momentos, quando cheira seu perfume no ar ao entrar num aposento. O
coração se acelera com o menor detalhe… como encontrar uma luva no
chão, por exemplo.
Eve engoliu com dificuldade, porque suas palavras a tinham afetado
tanto como se acabasse de acariciá-la. Afastou o olhar, e lutou para
camuflar as emoções que dominavam seu interior.
— Senti sua falta, Eve. Estar afastado de você durante esses últimos dias
foi uma tortura…
— Eu não tenho culpa, foi você que se manteve longe de mim! —disse,
indignada — foge cada vez que entro em um aposento da casa, qualquer
um diria que estou infectada.
— Por acaso acha que fiz isso por quis?
— Não me ocorre nenhuma outra explicação, é óbvio que tentar me
conquistar deixou de te divertir.
Sabia que parecia uma garotinha zangada, mas sua reação estava
justificada. Era revoltante que, depois de ignorá-la e tratá-la como se não
existisse durante dias, começasse a falar de perfumes e corações
acelerados, mas o pior de tudo era a facilidade com que conseguia fazê-la
fraquejar.
— Comportei-me assim porque você me pediu isso — se levantou de
repente, deu um passo para a lareira, e se virou de novo para ela — Me
pediu que não te seduzisse e me disse que não podia ter uma aventura
comigo, que não podia pôr em perigo sua reputação. Não estava falando
sério? Foi apenas uma artimanha?
206
— Não! — ficou de pé também, e se debateu entre a culpa e o
aborrecimento. Certamente pediu que se mantivesse distante, mas no fundo
desejou com todas as suas forças que não a obedecesse — Não era
nenhuma artimanha. Fui sincera ao dizer que não podemos ter uma
aventura, mas isso não significa que não possamos voltar a nos ver, que não
possamos ser amigos.
— Amigos? Pode ser fácil para você, mas para mim é literalmente
impossível. O que acha que devo fazer, dançar e conversar com você sem
te desejar? Como vou conseguir semelhante proeza se só de te ver…? — se
virou para a lareira e agarrou o atiçador. Começou a mover os troncos
enegrecidos, que rachavam e soltavam fagulhas enquanto o fogo se avivava
— E o que me diz do coronel? Acha que tenho que ficar de braços cruzados
enquanto ele flerta com você?
— O coronel Willingham não estava flertando comigo!
— Não estava uma ova! — pôs o atiçador em seu lugar de repente, e se
virou de novo para ela — Pode ser que para você ele não seja mais que o
ex-comandante de seu falecido marido, mas vi como a olhava… vi como
conversavam e riam.
Ela colocou os braços na cintura, e disse:
— Então agora não posso falar com ninguém ou a proibição se limita ao
coronel? Faça uma lista de quem posso…
Antes que pudesse acabar a frase, Fitz resmungou uma maldição,
aproximou-se e a agarrou pelo pulso, puxou-a, e a beijou com paixão.
207
Capítulo 13
Eve não se assustou, porque logo que suas bocas se tocaram, deu-se
conta que estava esperando aquele momento; por mais errado e insensato
que fosse, queria que a beijasse e queria sentir também o calor daquele
corpo masculino contra o seu, queria que aqueles braços fortes a
rodeassem, e nem a razão nem a lógica podiam lutar contra aquele desejo
primitivo.
Colocou as mãos nos ombros dele, mas não para afastá-lo, a não ser
para apertar-se mais. Embora soubesse que estava sendo uma
desavergonhada, quando ele a ergueu e a apertou contra seu corpo se sentiu
ainda mais excitada ao notar sua firme ereção. Beijaram-se com avidez,
como se seus corpos pudessem fundir-se e converter-se em uma única
chama de paixão.
Eve sentia que uma corrente de fogo percorria suas veias, mas ainda
queria mais, ansiava se queimar completamente. Seu cérebro sussurrou que
aquilo era uma loucura, mas não se importou e continuou beijando-o com
loucura. Enquanto suas línguas se acariciavam, passou os dedos por seu
peito sobre a jaqueta, por cima do tecido acetinado do colete, mas não era
suficiente. O que queria era sentir a maciez de sua pele, tocá-lo e explorá-lo
com prazer.
Muito no fundo, sabia que desceu até o escritório porque queria que
acontecesse exatamente isso. Nenhuma das razões que criou para si mesma
eram verdadeiras… ou ao menos, esbarravam na verdade. Sabia que ele
esteve observando-a a noite toda, e embora tenha negado para Vivian,
também sabia que ele estava ciumento; de fato, inclusive sabia que debaixo
208
daquele ciúme se escondia o desejo que sentia por ela. Por isso, desceu até
o escritório, porque queria fazer aquele desejo sair para a superfície e
arrastasse os dois.
Quando ele sussurrou seu nome e começou a acariciá-la por cima da
roupa, e explorar as curvas de seu corpo, Eve estremeceu ao notar o calor
de suas mãos e sentiu que seus mamilos endureciam. Ele soltou um gemido
gutural, tirou a jaqueta rapidamente, e a jogou para um lado.
Ela conseguiu desabotoar o colete dele, apesar das mãos trêmulas, mas
necessitava mais, muito mais, assim puxou a camisa para fora das calças; e
quando conseguiu, colocou as mãos sobre o fino tecido e as deslizou pela
pele nua de seu estômago e seu peito.
Ele estremeceu dos pés a cabeça, e apertou os dedos em seus quadris
para apertá-la com mais força contra seu corpo. Beijaram-se com avidez
enquanto ela percorria seu corpo sobre a camisa, enquanto traçava as
curvas e as linhas dos músculos e ossos, enquanto saboreava a textura
daquela pele firme, do pelo fino, daqueles mamilos masculinos.
Fitz se afastou de repente, e soltou uma maldição enquanto passava uma
mão pelo cabelo com desespero.
— Não! Se continuarmos com isso, serei incapaz de parar.
— Não quero que pare.
Ele soltou um gemido, e a olhou com uma expressão estranha que
demonstrava sua luta interior.
— Não diga isso, estou no limite de minhas forças. Se não sair daqui
agora mesmo…
— Não quero sair. Me olhe — se aproximou até ficar a poucos
centímetros dele, e olhou seus olhos — Não me importo com todos os
motivos que te dei, juro que não vou me arrepender. Estou decidida, não
quero envelhecer me perguntando o que foi que perdi, o que poderia ter
vivido. Quero conhecer, sentir, ter… não sei, tudo; aconteça o que
209
acontecer, não quero passar o resto de minha vida me arrependendo do que
deixei escapar.
Ele a olhou com o corpo tenso, com olhos tão azuis e brilhantes como o
centro de uma chama, e disse com voz rouca:
— Pense bem, Eve…
— Estou farta de pensar, te desejo — pegou sua camisa, puxou até que
seus corpos se tocaram, e ficou nas pontas dos pés para poder beijá-lo.
Ele a abraçou com força e a beijou como se não fosse parar jamais,
como se estivesse desesperado para saboreá-la. O desejo ardente que o
consumia avivou ainda mais com as palavras de Eve, que sentiu como se
estivesse queimando-se viva.
Voltou a deslizar as mãos sobre a camisa, e as desceu por aquelas costas
musculosas ao longo da coluna vertebral; quando chegou no cós das calças,
deslizou-as pelos lados e traçou suas costelas antes de subir por seu peito.
Queria contemplá-lo, ver suas próprias mãos deslizando pela pele
masculina, explorar seu corpo com os lábios e a língua. Sentiu um calor
úmido na virilha, um desejo primitivo e pulsante que nunca antes
experimentou, e soltou uma exclamação inarticulada cheia de impaciência
enquanto interrompia o beijo e começava a desabotoar sua camisa.
Fitz retrocedeu um passo, e tirou o colete rapidamente. Tentou tirar o
lenço que estava no pescoço e soltou uma maldição quando se enrolou, mas
conseguiu arrancar logo em seguida; depois de tirar a camisa por cima da
cabeça, aproximou-se de novo dela e começou a desabotoar a fileira de
botões da parte posterior do vestido.
Eve aproveitou para contemplar sua pele nua com prazer, para deslizar
as mãos pelas curvas do peito, para enfiar os dedos na parte peluda com
forma de v que havia no centro. Acariciou os mamilos com as unhas, e seu
próprio desejo se intensificou ao ver como endureciam; em um ataque de
ousadia, inclinou-se para frente e colocou a boca sobre sua pele.
210
Ele estremeceu de prazer, e afundou os dedos no tecido de seu vestido;
ao ver que parecia que se afastaria, sussurrou com voz rouca:
— Não, não se afaste.
Enquanto percorria o peito com a boca, ele se inclinou um pouco para
frente e continuou desabotoando o vestido entre ofegos e gemidos de
prazer. Parou um pouco para voltar a beijá-la com paixão, portanto,
demorou um tempo considerável para desabotoar todos os botões, mas
quando conseguiu finalmente, desceu o vestido pelo seu corpo e deixou que
caísse a seus pés; depois de fazer o mesmo com a anágua, olhou-a com
olhos ardentes e disse:
— Agora me toque.
Desatou o laço de cetim da regata, e abriu um pouco; quando ficou livre
a parte superior de seus seios, ele os cobriu com as mãos, colocou os dedos
sob a regata, e foi baixando-a, deslizando as mãos pouco a pouco para
baixo.
Eve sentiu a textura de seus dedos na sensível pele de seus seios, notou
o roçar do tecido ao passar sobre seus mamilos, e aquele pequeno contato
bastou para avivar ainda mais sua excitação. Fechou os olhos, jogou a
cabeça para trás, e se deixou arrastar por aquelas maravilhosas sensações.
Ele continuou baixando a regata, e quando ficou presa por um instante
nos quadris, acabou de tirar com um puxão. Ouviu-se o som do tecido ao
rasgar-se, mas nenhum dos dois se importou.
Continuou acariciando seus seios sem afastar o olhar de seu rosto
extasiado, e estremeceu ao vê-la umedecer os lábios; apesar de estar cada
vez mais dominado pelo desejo, acariciou-a com lentidão, com atitude
reverente.
Ela estava trêmula, com os seios pesados. A tensão nos seus mamilos
era uma doce agonia e queria mais, necessitava mais. Conteve o fôlego, e
por um instante teve medo de voltar a se frustrar. Temeu que aquele desejo
211
que crescia e palpitava em seu interior, um desejo que superava qualquer
outro que experimentou até esse momento, não fosse satisfeito.
Seus medos e seus pensamentos se desvaneceram nesse momento,
porque ele cobriu um mamilo com a boca e sentiu como se fosse
atravessada por uma corrente de fogo. Todo seu ser se converteu em desejo
puro, em prazer primitivo, e a paixão que a percorria aumentava com cada
carícia daquela língua, com cada sucção daqueles lábios.
Ele a levou nos braços até a lareira, estendeu a anágua no chão para
protegê-la do tapete de lã, e a deitou em cima; depois de ajoelhar-se junto a
ela, desamarrou sua roupa interior e deslizou as mãos por suas pernas ao
tirá-la. Levantou um pé e depois o outro para tirar suas sapatilhas, tirou as
ligas, e colocou as mãos sob as meias para tirá-las também.
Quando terminou de despí-la, ficou de joelhos e a contemplou com
olhos que brilhavam com mais força que as brasas da lareira. Aquela luz
tênue a banhava e acrescentava um suave tom avermelhado a sua pele
branca, e estava com os mamilos inchados e avermelhados por seus beijos.
Observou-a em silêncio durante vários segundos, mas ao vê-la mover os
quadris e apertar as pernas ofegante, ficou de pé e acabou de se despir com
pressa.
Assim que seu membro, grosso e ereto, saiu à luz, o olhar de Eve se
concentrou nele. Abriu um pouco a boca de forma instintiva, e conteve a
respiração enquanto mordia o lábio inferior. Era incapaz de afastar o olhar,
não podia deixar de imaginá-lo em seu interior. Aquilo era novo para ela,
totalmente desconhecido, e sentia uma excitação que era metade medo e
metade impaciência.
Seu corpo inteiro ansiava sentí-lo dentro, a tensão palpitante de seu sexo
aumentava cada vez mais, mas também sabia que sentiria dor, que estava
para perder a virgindade; de repente, desejou ter dito isso a Fitz, de ter
explicado que…
212
Nesse preciso momento, ele se deitou ao seu lado e colocou o joelho
entre as pernas com suavidade para que as abrisse. Apoiou as mãos em
ambos os lados de seu corpo ao colocar-se por cima, e quando se inclinou
para beijá-la, rodeou seu pescoço com os braços e o nervosismo que a
atingiu se desvaneceu.
Ele deslizou uma mão por seu corpo enquanto se beijavam, foi
baixando-a até chegar ao pêlo de seu sexo, e quando ela fechou as pernas
de forma instintiva, sorriu contra seus lábios e insistiu com ternura que
voltasse a abrir.
Eve não pôde conter um gemido gutural ao sentir que a acariciava em
sua parte mais íntima, que a explorava e a abria com cuidado. Sua própria
reação a ruborizou, mas a vergonha desapareceu diante do poderoso desejo
que a dominava; além disso, sabia que ele estava tão excitado como ela,
porque sentia contra a perna a pressão de seu membro duro. Teve vontade
de agarrá-lo, de senti-lo palpitar contra a palma da mão, de comprovar sua
textura e sua grossura, mas nem sequer louca de desejo se atreveria a tanto.
Estremeceu de prazer quando mordiscou o lóbulo de sua orelha.
Começou a explorá-la com lábios e língua sem deixar de acariciá-la com os
dedos, deslizou a mão por suas coxas e suas panturrilhas antes de retornar
de novo para seu sexo.
Ela começou a ofegar ao sentir que aquela boca descia cada vez mais,
que saboreava seus seios e seu estômago. Estava tão dominada pelo desejo,
que se arqueou quase contra sua mão e se agarrou em suas costas.
Ele se colocou entre suas pernas com o rosto tenso de paixão, ficou em
posição, e a penetrou com uma firme investida; ao ver que ela se encolhia
de dor e soltava um gemido abafado, ficou imóvel e a olhou atônito.
— Eve! — exclamou, com voz baixa e rouca. Segurou o tecido sobre o
qual estavam deitados e começou a levantar-se.
213
— Não! — rodeou-lhe com as pernas para impedir que se movesse e
disse com voz suplicante — Não pare. Continue, por favor…
Ele vacilou por um instante, mas gemeu quando ela se moveu e a
penetrou mais profundamente. Ela soltou um pequeno suspiro ao notar que
a dor estava passando e começava a sentir prazer de tê-lo em seu interior,
de sentir que a enchia por completo. Jamais imaginou que fosse assim… o
vazio que conhecia tinha desaparecido, e em seu lugar havia uma plenitude
completa.
Quando ele começou a mover-se ritmicamente com investidas cada vez
mais fortes e rápidas, as sensações que a invadiam mudaram de novo. O
prazer era tão intenso, que agarrou com os dedos a anágua que estava
embaixo dela, e tentou resistir ao fogo cada vez mais ardente que
dominava seu interior. Gemeu desesperada, porque desejava algo, mas não
sabia o que era, e a pressão foi crescendo e crescendo até que pensou que
explodiria.
E de repente aconteceu, o prazer envolveu os dois de uma só vez. Fitz
soltou um grito gutural, e afundou o rosto em seu pescoço enquanto
estremecia dos pés a cabeça. Ela sentiu que aquele êxtase inigualável a
invadia totalmente, que se estendia como uma onda em todas as direções, e
estremeceu também.
O mundo desapareceu por um instante para os dois e só ficou aquele
prazer, aquele êxtase explosivo, maravilhoso e pleno.
Fitz desabou em cima dela e permaneceram ali, abraçados e suados, sem
palavras, flutuando em uma nuvem de plenitude. Estavam tão exaustos e
satisfeitos, que eram incapazes de se mover, mas ele girou de lado depois
de um longo momento e a rodeou com um braço; quando a apertou contra
214
seu corpo, ela apoiou a cabeça em seu ombro e se deixou levar por aquele
quente mar de lassidão.
Ele começou a acariciar seu braço, e se inclinou um pouco para beijá-la
na cabeça antes de murmurar:
— Não tinha ideia, por que não me disse? Faria as coisas de forma
diferente.
— Não é fácil falar de algo assim. Sou viúva, mas nunca antes …— foi
incapaz de acabar a frase, e sentiu que corava.
Ele se apoiou no cotovelo, e a contemplou em silêncio antes de dizer:
— Por quê? Como é possível que seu marido não…? — parou
imediatamente ao ver que fechava os olhos e virava o rosto — Me perdoe,
não era minha intenção te envergonhar. Não deveria me intrometer.
— Não se preocupe, está tudo bem. É normal que considere estranho. A
verdade é que eu também não sei o motivo, e nem sequer estou certa que o
próprio Bruce soubesse. A questão é que nunca conseguiu… consumar o
casamento. Disse que teve a esperança que comigo fosse diferente, mas não
aconteceu. Era impotente, e nunca pode completar o ato. Ele acreditava que
poderia ser resultado de um acidente que teve quando era criança, mas a
verdade, é que não sei com certeza. Não gostava de falar sobre isso com
ninguém, nem sequer comigo.
— Sinto pena dele, te ter tão perto e ser incapaz de… devia enlouquecê-
lo — acariciou seu rosto antes de acrescentar — Sinto muito, Eve, não me
comportaria dessa maneira se soubesse. Acreditei que era uma mulher
experiente, não imaginei que fosse inocente.
— Não sei se pode me chamar de inocente — olhou-o com os olhos
brilhantes, e rodeou seu pescoço com os braços — Agora não, certamente
— roçou os lábios nos seus antes de acrescentar — Me alegro, não queria
que se comportasse de outra forma. Estou onde quero estar.
215
Ele esboçou um sorriso cheio de sensualidade, e a beijou com ternura;
quando levantou a cabeça, ficou olhando-a em silêncio enquanto deslizava
o dedo indicador pelo seu rosto.
— Vou te proteger, seremos muito cuidadosos a partir de agora. Não
vou permitir nenhum rumor sobre você.
— Isso quer dizer que não podemos escapulir até o labirinto? —
perguntou ela.
— Não, não podemos, sapeca. E nada de olhares coquetes do outro lado
do salão, nem encontros de nenhum tipo até que tenhamos certeza que
ninguém vai saber — olhou para a porta, e resmungou uma maldição;
depois de levantar com agilidade, foi fechá-la com a chave, e retornou
junto a ela muito sério — Não podemos voltar a nos descuidar assim,
poderia ter entrado qualquer um.
Eve não pôde conter uma risadinha, e comentou em tom de brincadeira:
— Teria encontrado um grande espetáculo.
— Eu que o diga — esboçou um sorriso ao deitar-se de novo ao seu
lado, e a abraçou — Mas devemos ser mais cuidadosos.
— Seremos… amanhã — passou a mão pelo seu rosto.
— Sim — seus olhos escureceram pela paixão. Inclinou-se para ela, mas
antes de beijá-la de novo, sussurrou — Amanhã.
Quando despertou na manhã seguinte, Eve ficou olhando o dossel da
cama durante um longo momento com um sorriso nos lábios. Sentia uma
ligeira irritação entre as pernas e um estranho peso em seu interior, mas
aquelas sensações desconhecidas lhe davam mais prazer do que dor.
Colocou a mão em seu ventre, e ficou pensando no que houve na noite
anterior.
Depois de fazer amor pela segunda vez, permaneceram deitados
enquanto conversavam em suaves sussurros, mas no final, tiveram que se
levantar e se vestir. Fitz verificou o corredor para ter certeza que não havia
216
ninguém, e ela subiu para seu quarto com cuidado. Estava certa que não
conseguiria dormir por conta da felicidade que a dominava, mas no final,
adormeceu quase imediatamente; na verdade, acordou mais tarde que o
habitual.
Levantou da cama, e se espreguiçou enquanto abria as cortinas para que
o sol entrasse. A donzela costumava fazer isso todos os dias, quando subia
com o chá, mas nesse dia, não tinha aparecido ainda… talvez fosse esse o
motivo que a fez acordar mais tarde.
Escolheu um vestido de musselina azul de mangas longas porque Fitz
comentou que ela ficava muito bem com ele na primeira vez que o vestiu, e
depois perdeu mais algum tempo, fazendo um coque mais solto que o que
usava normalmente. Deixou alguns cachos emoldurando seu rosto, e
quando terminou, olhou-se no espelho.
Parecia diferente? Por mais que tentasse ficar séria, não podia conter a
vontade de sorrir. Esperava que seu bom humor não levantasse suspeitas
em ninguém. Saiu do quarto depois de enfiar um lenço limpo no bolso, e já
estava a ponto de chegar na escada quando se lembrou de Camellia.
Deu meia volta, e foi ao quarto da jovem. Sentiu-se um pouco culpada,
já que estava tão concentrada na própria felicidade, que se esqueceu
completamente que a pobre menina não estava bem.
Depois de bater suavemente na porta, entreabriu e deu uma olhada
dentro. Camellia estava deitada, mas se virou para a porta e disse com voz
rouca:
— Eve?
— Sim, querida, sou eu — respondeu enquanto se aproximava da cama
— Jenny já trouxe seu chá?
Camellia negou com a cabeça. Estava com o rosto corado, e franziu o
cenho ao ver que se aproximava das janelas para abrir as cortinas.
— Por favor, não. A luz fere meus olhos.
217
— Cam, querida… — assim que a tocou, constatou que estava com
febre; além disso, estava com os olhos caídos.
— Me dói a garganta.
— Pobrezinha! — umedeceu um pano na bacia, e o colocou na sua
testa.
Quando ia pedir que trouxessem chá e torradas, a porta foi aberta por
Betsy, uma das donzelas do primeiro andar, que entrou exasperada.
— Desculpe, senhorita, mas Jenny está indisposta, e a senhora Bostwick
me ordenou que viesse ajudá-la — respirou fundo, e olhou a jovem pela
primeira vez — Ora! Você também está doente, senhorita Camellia?
Foi Eve quem respondeu:
— Sim, acho que sim. Traga chá e algumas torradas, por favor. Talvez
consiga comer um pouco.
— Sim, senhora.
Quando a donzela saiu, Eve umedeceu o pano várias vezes mais e foi
passando na testa da jovem; quando ouviu que a porta era aberta
novamente alguns minutos depois, surpreendeu-se que Betsy já estivesse de
volta, mas ao virar-se viu que era Lily.
— Vim ver como está Cam — a moça se aproximou da cama, e ao olhar
sua irmã, disse com preocupação — Céus, Cammy, está com uma
aparência muito ruim.
— Pois me sinto ainda pior.
Lily olhou Eve, e perguntou com temor:
— O que ela tem?
— Não sei. Você está bem? Soube que uma das donzelas também está
doente.
— Sim, estou bem.
Eve dobrou o pano úmido, e o colocou sobre os olhos de Camellia, antes
de dizer:
218
— Acreditei que hoje amanheceria melhor, mas acho que é melhor
chamar o médico.
Ao ver que sua irmã soltava um gemido, Lily comentou:
— Não gosta de médicos.
— Não quero ser examinada por nenhum médico — a voz da jovem era
apenas um sussurro, mas levantou o queixo com teimosia.
— Como está com os olhos tapados, vou abrir um pouco as cortinas
para ver você melhor — disse Eve.
Abriu só um pouco da cortina, e apesar da pouca luz que entrou no
quarto e nem chegou a iluminar Camellia, já foi suficiente para poder ver
melhor o rosto vermelho dela… e para perceber uma pequena mancha
vermelha no alto da testa, e outra na mandíbula.
Aproximou-se um pouco mais, e só conseguiu dizer:
— Céus!
— O que? — perguntou Lily, cada vez mais preocupada.
— Sim, o que houve? — Camellia levantou um pouco o pano para
poder olhá-la.
— Não se preocupe, está tudo bem — sorriu com mais calma do que
sentia, porque não queria alarmá-las — É que… acho que você está com
sarampo.
219
Capítulo 14
Eve desceu ao primeiro andar vinte minutos depois, com Lily em seus
calcanhares. Conseguiram fazer Camellia tomar um pouco de chá e comer
uma torrada, e a fizeram prometer que tentaria dormir de novo. Betsy
permaneceu com ela, caso precisasse de alguma outra coisa, e elas foram
tomar o café da manhã.
— Vamos ter que nos manter saudáveis — disse para Lily, enquanto
iam para o salão — Tenho quase certeza que Jenny está com sarampo
também, e podem aparecer novos casos.
— Cam vai se recuperar, não é? Ouvi dizer que muitas pessoas morrem
de sarampo.
— Não costuma acontecer com pessoas jovens e saudáveis como sua
irmã, os que sucumbem são os mais fracos… crianças pequenas, idosos,
pessoas desnutridas ou doentes… mas vou te explicar: acredito que é pior
contrair essa doença, quando a pessoa já é um adulto, e acho que ela vai
ficar bastante adoentada durante algumas semanas. Vamos ter que controlar
tudo, não deixar que a febre suba muito, e fazê-la comer sopas ou purês, se
puder.
Passou um braço pela sua cintura para tentar confortá-la, e quis
prometer com um sorriso tranquilizador que o sarampo não derrubaria
Camellia.
Quando entraram no salão, encontraram Fitz acabando de tomar o café
da manhã; de fato, era tão tarde, que inclusive Neville já estava lá. Os dois
estavam ouvindo o mordomo, cujo rosto, geralmente imperturbável,
transparecia preocupação nesse momento.
220
Fitz se virou ao ouvi-las entrar, e seu rosto se iluminou.
— Minha… senhora Hawthorne — seus olhos se encontraram, cheios
de calor e cumplicidade, antes que ele olhasse para sua prima — Lily.
Começávamos a temer que estivessem indispostas, Bostwick acaba de me
informar que vários serviçais contraíram sarampo. Quantos são, Bostwick?
— A criada da cozinha, uma faxineira, uma das donzelas encarregadas
pelos quartos, e a governanta.
— Ora, lamento que a senhora Merriwether esteja doente — comentou
Eve — Espero que seu caso não seja muito grave — preocupava-se que
para a governanta pudesse ser pior devido a sua idade avançada.
— Logo estará bem, mas acho que a administração da casa não vai estar
tão impecável sem ela — comentou Bostwick — Já peço desculpas
antecipadamente por qualquer problema que venha a ocorrer, senhor Fitz,
mas vai ser difícil manter nosso nível de eficiência habitual… embora nos
esforçaremos muito, é obvio.
— Não é necessário que se desculpe, sei que farão o melhor que
puderem.
Neville acabava de ajudar Lily a se sentar, e Fitz fez o mesmo com Eve.
Ela notou que roçou seu ombro ao empurrar a cadeira. Ela se virou para
olhá-lo enquanto retornava a sua cadeira, mas recordou de repente que
deveriam ser muito discretos. Teve a impressão que não começou bem
nesse sentido e lançou um olhar furtivo para Lily e Neville, e se sentiu
aliviada ao ver que estavam concentrados um no outro.
— Acho que estamos no meio de uma pequena epidemia. No outro dia,
fui na casa do administrador do imóvel, e suas duas filhas estavam doentes.
— Eu já tive sarampo há muito tempo atrás, mas Camellia não teve
tanta sorte — disse Eve — Acabamos de vê-la, tem febre e várias manchas
vermelhas.
Neville olhou Lily com preocupação, e perguntou:
221
— Você já teve isso?
— Minha mãe me contou que sim, porém, não me lembro… me parece
um pouco estranho que, naquele tempo, Cam não ficasse doente também,
mas se não fosse verdade que tive isso, nessas alturas, já teria contraído —
os olhou carrancuda, e acrescentou — Seria horrível que começassem a
sair manchas vermelhas por toda parte.
— O que houve com o francês? Seria muito azar se for contagiado
também.
Eve soltou uma exclamação abafada.
— Céus, esqueci por completo de monsieur Leveque! Não sei se os
criados o acordaram com o café da manhã, e como Camellia não pôde lhe
fazer companhia, deve estar bastante sozinho. Irei vê-lo em seguida.
— Eu posso ler para ele, mas não quero conversar sobre o balão —
acrescentou Lily — Para Cam é um assunto muito interessante, mas me
aborrece.
Neville a olhou sorridente, e disse:
— Eu a acompanharei. Poderíamos nos distrair com algum jogo, ou
falar de algo que não tenha nada a ver com balões. É um tipo bastante
agradável, se lançarmos outros assuntos.
— Foi visitá-lo? — perguntou Eve, surpreendida.
— Algumas vezes, não se pode abandonar um homem com o qual se
compartilhou uma garrafa de brandy.
Fitz se reclinou na sua cadeira, olhou seu amigo, e disse com aparente
despreocupação:
— Mas, acredito que pretende partir, não é?
— Não! Não pode partir! — exclamou Lily, alarmada.
— O que houve, Fitz? Está querendo se livrar de mim?
— Agora que temos uma epidemia de sarampo, parece perigoso
permanecer aqui. Sabe se já teve sarampo?
222
— Não tenho nem ideia.
— Nesse caso, será melhor que parta o quanto antes — disse com
tranquilidade, mas seu olhar era desafiador.
Neville o olhou com um brilho zombador nos olhos ao responder:
— Melhor nada, quem vai se comunicar com monsieur Leveque quando
estiver tão alterado e esquecer nosso idioma? Seu francês sempre foi
deplorável. Não, não posso te abandonar quando mais precisa de mim.
Fitz esboçou um sorrisinho cheio de sarcasmo ao ouvir aquilo, e
comentou:
— Aprecio sua lealdade, mas pense bem… seu valete poderia se
contagiar também.
— Se isso acontecer, terei que me virar sem seus serviços — disse como
se fosse um nobre sacrifício de sua parte.
— As refeições serão informais, haverá quatro pratos no máximo. É
provável que as lareiras não se acendam, que não engomem nossas roupas
de cama.
— Pois terei que me resignar a suportar todas essas privações, que tipo
de pessoa seria se te deixasse justo agora?
— Uma que pensa no futuro. Não posso permitir que se exponha ao
perigo.
— Levando em consideração que já posso ter me contagiado, seria
muito pior me sentir mal enquanto viajo.
Lily se inclinou para frente, e disse com ansiedade:
— Não pode correr esse risco, primo Fitz. Seria terrível estar sozinho e
doente em alguma hospedaria nesse mundo de meu Deus.
— Sim, claro, pobrezinho.
Eve soltou um suspiro, e comentou:
— Poderia contagiar outras pessoas, seria uma inconsequência de nossa
parte.
223
Fitz acabou cedendo.
— Bem, vendo por esse lado, está claro que deve ficar.
— Que amável é, meu amigo! — disse Neville.
— É o máximo que posso fazer.
— Já sei.
Neville soltou uma gargalhada, e Fitz não pôde evitar sorrir.
Eve subiu para ver monsieur Leveque depois do café da manhã. Bateu
antes de entrar no quarto, e ao ouvir seu firme: Entrez! Abriu a porta.
Estava recostado contra os travesseiros, e junto a ele, a bandeja do café da
manhã.
— Bonjour, monsieur — seus conhecimentos de francês não davam
para muito mais — Está com uma aparência muito melhor.
— Merci, sinto-me melhor.
— Vim verificar se precisa de algo, já vejo que trouxeram seu café da
manhã.
— Sim, um café da manhã muito inglês, mas não foi trazido por…
Jeanne, acredito que se chama assim.
— Jenny. E não, sinto que a pobre está doente.
— E mademoiselle Camellia? Não me diga que também adoeceu.
— Creio que sim, as duas estão com sarampo.
Passou vários minutos explicando o significado daquela palavra, até que
ele a entendeu no fim.
— Ah, a rougeole. Lapauvre mademoiselle Camellia, que horror.
Eve se surpreendeu ao ver como ficou preocupado. Sua reação a fez
suspeitar que entre Camellia e ele poderia haver um afeto crescente, e
embora tenha falado com Fitz sobre essa possibilidade meio de brincadeira,
rezou para que não fosse verdade. Não queria nem imaginar a cara do
conde quando soubesse que suas duas primas estavam apaixonando-se por
homens inadequados.
224
— Quem vai cuidar do meu balão? Mademoiselle Camellia me
prometeu que o faria.
Ela esteve a ponto de gargalhar. Possivelmente não tinha que se
preocupar quanto a Leveque e Camellia.
— Tenho certeza que seu balão está perfeitamente bem, está guardado
no celeiro e Camellia providenciou que fossem seguidas todas as suas
instruções.
— Sim, mas me disse que não permitiria que o trocassem de lugar e
nem colocassem nada em cima dele, acredito que nesse celeiro existam
ferramentas — parecia horrorizado diante da quantidade de desastres que
poderiam acontecer com seu balão.
— O senhor Carr poderia dar uma olhada, comentou que pensava vir
visitá-lo. Aproveite para explicar o que deve fazer.
— Sim, perfeito — era óbvio que a ideia o tranquilizou um pouco.
— Ele fala francês, assim não terão problemas para se entender.
Monsieur Leveque sorriu, e encolheu os ombros, antes de responder:
— Sim, conhece algumas canções populares — soltou um suspiro
pesaroso, e acrescentou — Me alegra que o senhor Carr venha me fazer
companhia, ficar na cama é muito aborrecido.
— Quer que traga livros, papel, e lápis?
— Merci, mas mademoiselle Camellia já teve a amabilidade de fazer
isso. A verdade é que não sou muito chegado a leitura, prefiro estar ao ar
livre.
— É compreensível. Bom, no caso de necessitar algo, não duvide em
tocar a campainha.
Tirou a bandeja do quarto e a deixou junto à porta para economizar
trabalho às donzelas, e foi ver como estava Camellia. Entrou com cuidado,
e ao ver que estava adormecida, fechou de novo a porta e desceu para ver a
senhora Merriwether, a governanta.
225
A mulher tinha febre, doía sua cabeça e a garganta, e estava com os
braços e o rosto cheio de manchinhas vermelhas; ao ver que insistia em
tentar levantar para assumir suas tarefas, disse que procuraria se encarregar
de tudo, e mesmo achando que isso a tranquilizou um pouco, estava claro
que não acreditava que uma dama poderia ser capaz de fiscalizar o
andamento do serviço.
Eve acreditou que, como tudo estava tão bem organizado graças às
regras da senhora Merriwether e de Bostwick, a casa literalmente podia
funcionar sozinha, mas não demorou para perceber que os criados
dependiam mais da governanta (e de seu olho atento) que deles próprios, e
que diante da ausência de alguém que indicasse o que tinham que fazer,
entraram em pânico.
Decidiu que seria necessário uma atitude tranquilizadora e respostas
firmes, por isso, colocou mãos à obra. Resolveu a maioria das dúvidas
fazendo com que se lembrassem como a senhora Merriwether agiria em
cada caso, e para o resto se limitou a usar o bom senso.
Esteve ocupada durante o resto da manhã, e não pôde visitar Camellia
de novo até primeira hora da tarde. Alegrou-se ao ver que Lily estava lá,
banhando seu rosto com água de lavanda, porque estava preocupava com a
possibilidade que a jovem aproveitasse a falta de supervisão para passar o
máximo de tempo possível com o senhor Carr.
Aproximou-se delas procurando não fazer ruído, e perguntou em voz
baixa:
— Como vai?
— Tem muita febre, quase não despertou enquanto estive aqui. Becky
passou toda a manhã cuidando tanto dela como de várias donzelas que
também adoeceram, por isso, dei permissão para que desça para comer algo
e descansar; assim que voltar, irei visitar monsieur Leveque com o senhor
Carr para que seu ânimo não decaia.
226
— Obrigada, querida.
— Não tem problema algum — olhou sua irmã, e admitiu carrancuda —
Estou preocupada com ela, nunca adoece; que eu recorde, nunca a vi assim.
— Logo estará recuperada. É uma jovem muito forte e saudável, e tem
uma vontade de ferro. O sarampo não vai derrubá-la, logo verá.
Lily sorriu aliviada, e disse com firmeza:
— Sim, acho que não demorará para recuperar-se.
Não foi Eve quem respondeu, a não ser a própria Camellia.
— Não duvide disso — disse com voz rouca e fraca, e as olhou com um
débil sorriso.
— Cam! Como se sente? — perguntou sua irmã.
— Não estou pior, mas me dói muito a garganta — quando Lily encheu
de água o copo que havia sobre a mesinha e a ajudou a se levantar,
comentou — Me sinto muito fraca, que estupidez. Por que faz tanto calor?
— É você, tontinha. Tem febre — disse sua irmã.
Nesse momento ouviram um grito no corredor seguido do som de algo
caindo, e tanto Lily como Eve se apressaram a ver o que aconteceu. Betsy
tinha deixado cair a bandeja que carregava e a jarra de barro que estava
nela, que foi salva milagrosamente, e estava caída de lado no chão,
escorrendo um líquido claro.
A donzela estava olhando um jovem que parecia tão assustado como ela,
e perguntou alarmada:
— Quem é você? O que faz aqui? — virou-se nervosa ao ver que uma
porta se abria, e seu rosto mostrou o alívio que sentiu ao vê-las — Senhora
Hawthorne, senhorita Bascombe! Acabo de encontrar esse desconhecido no
corredor e me assustei, sinto muito — se agachou e começou a limpar o
chão.
— Mas, sou Gordon, e essa não é a primeira vez que venho a
Willowmere — protestou o indivíduo, com voz quase suplicante. Ficou um
227
pouco perplexo ao olhar Eve e Lily, e perguntou — Desculpem, conheço-
as?
Com exceção da camisa e do lenço que estava amarrado em seu
pescoço, ambos de um branco imaculado, estava todo de negro. A
aparência desgrenhada de seu cabelo castanho era proposital, e caía sobre a
testa em um único cacho.
Lily o observou com grande interesse durante alguns segundos antes de
responder:
— Seu rosto me parece… sim, o dia que minhas irmãs e eu conhecemos
sir Royce… não era você que estava com ele? Mas naquela ocasião estava
vestido de forma muito diferente. Suponho que não se lembra, porque
estava bêbado como um gambá. Somos primos, não é? Bem, suponho que
podemos nos chamar pelo nome.
O jovem corou, e olhou mortificado para Eve.
— Desculpe, senhora.
— Lily, as damas não proclamam aos quatro ventos esse tipo de coisas.
— Mas estamos em família, jamais diria algo assim a um desconhecido.
Fui eu quem o viu bêbado e ele quem abusou da bebida, por isso, nós dois
estamos inteirados do que aconteceu. Você é a única que não sabia, mas
não vai se ofender com o meu comentário, não é?
— Não, mas acho que seu… seu primo, disse? Não deve estar
acostumado com sua forma de se expressar.
Ao ver que lançava um olhar eloquente, a jovem se apressou a dizer:
— Perdão. Suponho que devo apresentá-los, não? Eve, apresento o
Gordon… não sei seu sobrenome. É filho de tia Euphronia, não é? Ou seria
de tia Phyllida?
O jovem se inclinou diante de Eve, e disse:
— Sou o senhor Gordon Harrington, a seu serviço — se virou para Lily,
e acrescentou — Sou filho de lady Euphronia Harrington.
228
— Estava quase certa.
Nesse momento, Camellia falou da cama:
— É o dândi.
Gordon se sobressaltou e se aproximou da porta para ver quem estava
no quarto, mas antes que pudesse articular qualquer palavra, Camellia
acrescentou:
— É o ridículo, que conhecia o irresponsável que deu um chute no
Pirata.
— Um momento, não acredito conhecer ninguém que tenha dado um
chute num pirata…
— Não, um pirata não. Pirata é um cão.
— Ah — parecia mais desconcertado que nunca.
Neville Carr saiu nesse momento de seu quarto, mas parou subitamente
quando viu tanta gente no corredor e ficou surpreso ao ver Gordon.
— É você, Gordy? Não posso acreditar! — exclamou, sorridente.
Gordon se virou de repente quando ouviu voz, e sorriu aliviado.
— Carr! Não sabe o quanto me alegro ao vê-lo! Pode me explicar o que
está acontecendo aqui? Entrei por minha conta ao ver que ninguém abria a
porta para mim, e esta donzela se pôs a gritar como louca e ela é a primeira
criada que encontro — olhou para Eve e Lily com um sorriso de desculpa,
e lançou um olhar cauteloso para o quarto meio escuro de Camellia, antes
de acrescentar — Depois as encontrei, mas acho que também não sei quem
são… embora me alegra muito conhecê-las se forem minhas primas, é
obvio — se virou de novo para Neville, e perguntou — Sabe que há um
francês em um dos quartos desse corredor?
— Sim — se limitou a dizer, enquanto se aproximava deles.
— Chegou em um balão, e quebrou a perna — Lily deu aquela
explicação com toda naturalidade.
— Sim.
229
Ao ver que seu amigo olhava a jovem como se pensasse que estava
meio louca, Neville pôs-se a rir e disse:
— É a pura verdade, meu amigo — colocou a cabeça no quarto de
Camellia, e perguntou — Como se sente?
— Faz muito calor.
— Sim, querida — disse Eve, com voz suave — Deve tentar dormir,
será melhor irmos — se virou para a donzela, que continuava limpando
agachada, e ordenou: - Faça companhia a senhorita Camellia assim que
acabar isso, por favor — depois de fechar a porta do quarto, disse aos
outros — Vamos para o salão. Peça para nos servirem o chá, Lily.
— O que houve? — perguntou Gordon, enquanto desciam a escada —
Onde está todo mundo? A jovem naquele quarto está doente?
Foi Eve quem respondeu:
— A senhorita Bascombe? Sim, está com sarampo.
— Não me diga! Sarampo? Céus — tiveram a impressão que seus olhos
saltariam das órbitas.
— Já teve sarampo, Gordon? — perguntou Neville.
— Não sei. Teria que perguntar a minha mãe, mas acho que sim… é o
mais provável, não?
— Esperemos que assim seja.
Quando se acomodaram no salão e Lily pediu o chá, Neville se virou de
novo para ele e perguntou:
— O que houve com você? Está irreconhecível, não estranho que a
donzela gritasse ao te ver.
— Não exagere, não estou tão diferente. Deve ser uma criada nova.
Antes que Neville pudesse responder, Lily comentou:
— Ela me disse que está há anos trabalhando aqui, não a reconheceu?
Gordon a olhou com estranheza, e no final respondeu:
— Ora… pois, mas… é apenas uma criada.
230
Lily ficou olhando-o como se não conseguisse entender o que uma coisa
tinha a ver com a outra, e Neville sorriu e disse a seu amigo:
— Sinto muito, Gordy, mas creio que a senhorita Bascombe se
incorporou à aristocracia recentemente e ainda não entende a diferença
entre uma pessoa e um criado — ao ver que seu amigo o olhava perplexo
(diferentemente de Eve, que deixou escapar uma risadinha abafada), soltou
um suspiro e disse com resignação — Tudo bem, deixa pra lá.
— É verdade que está muito diferente, daquela vez vestia um casaco
amarelo e calças… cor lavanda com listras brancas — lançou um olhar
sério para Eve ao perceber que não seria bem visto que uma jovem
comentasse sobre os trajes masculinos.
Neville contemplou seu amigo de pés a cabeça, e comentou:
— Sim, por que tanta sobriedade? Morreu alguém?
— É obvio que não, o que houve é que já não tenho tempo para tantos
adornos. Isso não foi mais que uma necessidade infantil, um intento de
tampar com cores minha tragédia pessoal — baixou o olhar, e sua
expressão se tornou pesarosa.
Todos ficaram olhando-o desconcertados durante alguns segundos, e no
final foi Lily quem rompeu o silêncio.
— Que tragédia pessoal? Disse que não morreu ninguém, não?
— Refiro-me à tragédia da vida em geral, à essência efêmera do ser
humano. Não somos mais que uma faísca que se apaga em um abrir e
fechar de olhos.
— Claro, como Byron — Neville conseguiu conter um sorriso com
muita dificuldade.
— Exato, sua genialidade se apagou antes de hora. A semana passada
escrevi uma poesia sobre sua incessante luta.
Neville colocou a mão na boca, e adotou uma pose contemplativa ao
perguntar:
231
— Agora escreve poesia?
— Sim, tenho escrito sem parar há semanas, desde que descobri meu
talento.
— Entendo. Como aconteceu?
— Soube assim que conheci minha musa.
— Ah.
— A senhorita Emily Pargetter.
— A irmã de Jasper Pargetter?
— A própria. Sabe que é o ser mais divino que existe? Graças a ela,
descobri um mundo que nem sequer sabia que existia.
— Suponho que leu poesia para você. Tentou comigo em uma ocasião,
mas saí correndo.
— Essa foi minha primeira reação também, mas Langton estava na
minha frente e não consegui escapar. Foi então que ela começou a ler, e ao
contemplar seu rosto angelical, percebi o quanto estive perdido em toda
minha vida, o tolo que fui ao desperdiçar meu tempo com frivolidades.
Neville não teve oportunidade de responder a tão magistral afirmação,
porque Fitz entrou nesse momento.
— Olá a todos, espero que tenham pedido um pouco de chá. Venho da
casa do administrador, e o pobre também se contagiou… — parou ao ver
Gordon, e exclamou — Diabos!
— Olá, Fitz — saudou o jovem, enquanto ficava em pé.
Fitz o observou em silêncio durante um longo momento antes de
perguntar:
— Pelo amor de Deus, morreu alguém?
Foi Neville quem respondeu:
— Eu também pensei isso no princípio, mas parece que nosso Gordon
se tornou um homem sério. Deixou para trás as coisas banais e corriqueiras
da vida.
232
— Ora… pretende ser religioso?
Fitz formulou a pergunta procurando não olhar para Neville, e este
soltou um som estrangulado.
— Não, apaixonou-se e decidiu ser poeta — explicou Lily.
— É claro. Acredito que vai ser necessário algo mais forte que o chá.
Você também quer uma taça, Neville?
— Claro que sim.
Puderam perceber que, a nova atitude de Gordon diante da vida não
incluía renunciar ao álcool, porque se uniu a eles e tomou uma taça de
xerez enquanto elas se conformavam com o chá.
— Acho estranho que tenha vindo a Willowmere se está encantado por
uma jovem que está em Londres — comentou Fitz.
— Não é um encantamento, primo — protestou, corado.
— Ela é sua musa — acrescentou Neville — Não é verdade, Gordon?
— Sim, é claro — parecia feliz ao ver que seu amigo compreendeu seus
sentimentos com tanta rapidez.
— Nesse caso, ainda é mais estranho que não tenha optado por ficar na
cidade.
— É que…
Fitz não teve dificuldades para adivinhar por que parecia nervoso, e não
pôde evitar esboçar um sorriso ao dizer:
— Ainda não disse para sua mãe, não é?
— Pelo amor de Deus, claro que não! Acha que sou louco?
— Achei que possivelmente não aprovasse sua escolha, e que tivesse
vindo pedir conselho para Oliver.
— Para Stewkesbury? Não, nem pensar — parecia quase tão apavorado
como quando sua mãe foi mencionada.
— De qualquer forma, não está aqui.
— Já sei, o vi em Londres outro dia.
233
Fitz entreabriu os olhos, e perguntou com desconfiança:
— Ele te enviou aqui?
— Nem sequer falei com ele, só o vi; por sorte, estava olhando em outra
direção, por isso, pude escapulir.
— Entendo, decidiu vir a Willowmere porque sabia que meu irmão não
estava aqui.
— Exato.
Fitz assentiu e não insistiu no assunto; depois de alguns minutos mais de
conversa, Neville se dispôs a levar Gordon ao dormitório onde iria ficar, e
Lily se apressou a oferecer sua ajuda. Eve não se incomodou em opor-se,
porque a presença de Gordon impediria que pudesse acontecer algo
impróprio.
Neville deu uma palmada nas costas de Gordon enquanto os três saíam
do salão, e disse:
— Vamos te apresentar também a monsieur Leveque; como é francês,
certamente sabe muito de amor e poesia.
Quando ouviu que se afastavam pelo corredor, Fitz se inclinou para
frente na cadeira, apoiou os cotovelos nos joelhos, e colocou as mãos na
cabeça antes de gemer:
— Isto é uma maldição.
Eve soltou uma gargalhada, e perguntou em tom de brincadeira:
— Esse jovem é tão ruim assim?
— Não conhece Gordon. Está aqui por algum motivo específico, fugiu
de Londres assim que soube que Oliver estava lá. Deve estar sem recursos.
Sua mãe o mantém controlado, e com razão. Sempre foi um esbanjador, e
sempre recorre a Oliver ou a mim quando está sem nada. Daria dinheiro
para me desfazer dele, mas agora esteve exposto ao sarampo, e você vai me
convencer que não posso deixá-lo solto por aí.
234
— Sabe que não faria isso de qualquer maneira — respondeu,
sorridente.
Ele sorriu também ao olhá-la, e sua irritação se evaporou como por
magia. Sentou-se junto a ela, e pegou suas mãos.
— Sou um idiota, por que perco tempo falando de Gordon? Estive o dia
todo pensando em você, desejando te ver — levou suas mãos aos lábios, e
as beijou com ardor.
Eve sentiu uma onda de desejo. Ela também não pôde tirá-lo de seus
pensamentos e esteve todo o dia lembrando seus beijos, suas carícias,
aquela paixão capaz de derretê-la. Aquele desejo que esteve presente
durante tantas horas se avivou de repente, e teve uma vontade louca de
beijá-lo.
Quando beijou de novo o dorso das mãos e as girou para beijar também
as palmas, ela soltou um suspiro e murmurou:
— Isso não me parece muito discreto.
— Já sei, mas não posso me conter — soltou um gemido fraco, e puxou
pela mão até sentá-la em seu colo. Colocou uma mão na sua nuca e a atraiu
para si para beijá-la, e demorou um longo momento até levantar a cabeça.
— Maldição, isto é uma loucura.
Afastou-a para um lado, ficou de pé rapidamente, e se afastou vários
passos. Ela entrelaçou as mãos no colo para tentar disfarçar o quanto
tremiam, e se limitou a olhá-lo em silêncio. Teve a impressão que no rosto
dele podia ver as mesmas emoções que a invadiam, mas como estavam a
uma distância decente um do outro, não aconteceria nada se alguém
entrasse de repente.
Ele se virou para olhá-la com o rosto tenso e a mandíbula apertada, e
comentou:
— Esta tal doença semeou o caos, e a chegada de Gordon complica
ainda mais as coisas.
235
— Realmente tem tanta importância?
— Muda tudo. Ontem a noite tivemos que ser discretos, mas não teria
acontecido grande coisa se fossemos descobertos. Confio na discrição de
Neville, tanto Lily como Camellia são extremamente leais, e também
confio nos serviçais; em qualquer caso, não estamos em Londres, onde é
necessário manter tudo em segredo absoluto. Mas Gordon… não é um mau
tipo, mas é um cabeça oca e jamais me ocorreria confiar a ele uma
informação confidencial; se suspeitasse de algo, toda a cidade saberia antes
que você e eu chegássemos lá. Está claro que com ele aqui não podemos
cometer nem um só deslize — suspirou pesaroso antes de acrescentar —
Enquanto meu primo estiver aqui, não podemos… estar juntos.
Eve se surpreendeu com a desilusão tão grande que sentiu; na teoria,
não deveria afetá-la tanto, porque a situação continuaria igual como era
antes da noite passada, mas o certo era que lhe custava muito renunciar a
intensa felicidade que acabava de descobrir.
— Sim, acredito que será o melhor — comentou, enquanto tentava
disfarçar sua desilusão — Com tantas coisas para fazer, vai ser difícil vigiar
Neville e Lily, por isso, é melhor que não estejamos distraídos por nossa
própria… indiscrição.
— Não foi uma indiscrição — se aproximou dela, inclinou-se para
frente, e apoiou as mãos nos lados de sua cadeira para olhá-la nos olhos —
Essa palavra não descreve o que aconteceu entre nós ontem à noite.
Prometo que, assim que Gordon partir, teremos muitas mais noites como
aquela.
236
Capítulo 15
O dia seguinte foi mais trabalhoso para Eve. Adoeceram mais dois
empregados da cozinha e uma das donzelas do primeiro andar, assim optou
por ordenar que Betsy se concentrasse em cuidar dos criados e ela mesma
cuidaria de Camellia. Só saiu do quarto da jovem para falar com a
cozinheira e o mordomo sobre vários assuntos relacionados com a
administração da casa. Lily revesou com ela alguma vezes durante o dia, e
também foi verificar como estava passando Leveque.
— Tentei manter uma conversa com o primo Gordon, mas ele é bastante
estranho. Fala umas coisas muito esquisitas que fazem Neville rir, mas a
verdade é que são absurdas. Como passa o dia inteiro falando de poesia,
pensei que gostaria de ler algo, mas quando me ofereci para emprestar um
livro, olhou-me como se acabasse de lhe mostrar uma serpente.
— Parece que seu primo se interessa mais pelos sentimentos que a
leitura propriamente dita.
— Monsieur Leveque se zangou tanto com ele ontem, que até lhe atirou
uma taça.
— Céus, o que fez para zangá-lo a esse ponto?
— Não estava prestando muita atenção, porque sua conversa me
aborrecia, mas o primo Gordon estava falando de voar por cima das nuvens
no sentido poético. Monsieur Leveque acreditou que estava interessado em
voar de verdade, assim começou a tagarelar sobre balões, correntes de ar,
e… não sei o que mais, um monte de coisas que não recordo. A verdade é
que entendo que para o primo Gordon, ele pareça entediante, mas então não
lhe ocorreu outra coisa mais que dizer que estava falando do voo da alma,
237
não de perder o tempo em um balãozinho. Monsieur Leveque respondeu
que, se isso era o que pensava dos voos no balão, estava claro que carecia
de alma, e Gordon lhe disse que os balões não tinham importância de um
ponto de vista emocional.
Eve não pôde evitar dar uma pequena gargalhada, e comentou:
— Acho estranho que só atirasse uma taça.
— Era a única coisa que estava perto. Gostaria que Cam tivesse
presenciado isso — olhou a sua irmã, que estava dormindo, e perguntou
com preocupação — Como ela está?
— Acredito que está melhor que ontem, embora esteja com mais
manchas ainda. A febre baixou, e dorme mais tranquila. Se acordar e se
coçar muito, aplique essa loção calmante.
— Não se preocupe, eu me encarrego. Vá descansar um pouco, o primo
Fitz me pediu que não deixasse você se cansar muito — fez uma pequena
pausa antes de acrescentar — Acredito que está sentindo afeto por você.
— O que? Não diga tolices! — apesar de sua veemente negativa, não
pôde evitar corar.
Lily se limitou a sorrir. Foi para a cadeira que estava ao lado da cama,
mas quando ia se sentar, fez uma careta e exclamou:
— Quase me esqueci! — tirou um envelope branco do bolso, e
comentou — É para você, estava sobre a mesa do vestíbulo.
Eve ficou gelada, e seu coração deu um salto; ao ver que a jovem a
olhava com expressão interrogante, aceitou a carta e disse:
— Obrigada, querida.
Bastou uma olhada para reparar que era a mesma letra firme e
masculina. Conseguiu despedir-se de Lily com um sorriso antes de partir,
mas não saberia dizer se respondeu ou não. Quando chegou no seu quarto,
abriu a carta rapidamente, e soltou uma exclamação abafada ao ler a
primeira linha:
238
Seu marido era um ladrão.
Colocou a mão na boca, mas conseguiu manter a compostura e se
obrigou a ler o restante.
Seu marido era um ladrão, e o relógio de bolso que você tem em seu
poder é a prova disso. Eu poderia revelar sua perfídia, como acredita que
reagiria o poderoso conde de Stewkesbury ao saber que o falecido marido
da acompanhante de suas primas era um ladrão? O que acha que faria se
soubesse que esse relógio que você usa com tanta despreocupação é
roubado, ou que o comandante Hawthorne estava a ponto de ser expulso
do exército? O que acha que pensariam as pessoas se soubessem que seu
marido se suicidou porque foi incapaz de assumir semelhante desonra?
Acha realmente que a queda do cavalo foi um acidente?
Eve se sentou na beira da cama ao sentir que suas pernas fraquejavam, e
colocou uma mão no estômago como se pudesse controlar a agitação que
invadia seu interior. Era impossível acreditar que Bruce tivesse roubado
algo, foi um dos homens mais honoráveis que conheceu em toda sua vida.
Não era a única que tinha essa opinião sobre ele, sempre foi muito
respeitado tanto pelos homens sob seu comando como por seus superiores.
Sempre foi sincero no que se referia a suas extravagâncias, a sua tendência
a esbanjar, e jamais tentou extorquir ninguém. Pagava suas dívidas
imediatamente, e sempre cumpria suas promessas.
Não podia acreditar que fosse um ladrão, negava-se a acreditar.
E tampouco acreditava que seria expulso do exército. Era impossível,
inconcebível.
Por outro lado, o suicídio parecia mais verossímel. Sempre se sentiu
atormentado por sua incapacidade de consumar o casamento, sentia-se
incompetente e envergonhado por sua impotência. Ela se perguntava
frequentemente se montava a cavalo com tanta imprudência e mostrava
239
uma coragem tão desmedida, para demonstrar que era um homem de
verdade, ou se também fazia isso para tentar acabar com sua vida.
Se o que estava escrito na carta fosse certo, se Bruce enfrentou à
possibilidade que o expulsassem de seu adorado exército, não seria loucura
supor que se soltou propositalmente e se deixou cair do cavalo ao saltar
aquele obstáculo, se tivesse certeza que não aconteceria nada com o
animal; mesmo assim, cair de um cavalo era um método pouco confiável se
alguém queria suicidar-se, certamente Bruce optaria por atirar em si
mesmo.
Seu coração encolheu só pensando nisso, e os olhos se encheram de
lágrimas. Não, não podia acreditar; além disso, Bruce não chegaria a esse
ponto, porque não tinha roubado nada nem estava a ponto de ser expulso do
exército; se fosse verdade, ela teria sido informada, teria percebido que
estava preocupado ou atormentado por algo. Era impossível que tivesse
permanecido tão cega, tão alheia ao que estava acontecendo com seu
marido.
Estava convencida que a pessoa que mandava as cartas estava mentindo,
mas… por que? Não tinha sentido. Na primeira, lhe advertia que partisse de
Willowmere, e na segunda insinuava que Bruce fez algo errado e a
aconselhava a se desfazer do relógio. Na última, acusava Bruce de roubo e
a ameaçava contando tudo ao conde, mas não pedia nada nem exigia que
fizesse nada em especial.
Geralmente, quando alguém ameaça uma pessoa, era porque deseja
algo, mas o único objetivo daquela carta parecia ser assustá-la, e o objetivo
foi atingido. Para ela, seria desastroso que o autor da carta contasse tudo
aquilo a Stewkesbury; de fato, bastaria levantar rumores sobre Bruce,
porque praticamente, seria irrelevante se fossem verdades ou mentiras.
Seria muito difícil provar que eram falsos, e caso conseguisse, sua
reputação seria maculada para toda sua vida. Uma acompanhante devia ser
240
irrepreensível, e uma viúva que foi alvo de algum tipo de rumor não era
considerada pessoa adequada para cuidar e ensinar jovenzinhas da alta
sociedade.
O conde a despediria, e estaria condenada a passar o resto de sua vida na
casa de seu pai. Sentiu-se desesperada pela simples possibilidade de ter que
partir de Willowmere, de não voltar a percorrer seus preciosos jardins nem
pisar na impressionante biblioteca, de não voltar a ver Lily, nem
Camellia… nem Fitz.
Percebeu nesse momento, a afeição que sentia por aquele lugar em
questão de semanas, e do profundo carinho que sentia pelas Bascombe; e
quanto a Fitz… enfim, era melhor não pensar nisso.
Não sabia o que fazer, como lidar com a pessoa que estava enviando
aquelas cartas. Não sabia quem era nem o que pretendia. O relógio não era
importante para ela e estava disposta a desfazer-se dele, mas… como o
autor das cartas saberia que já não estava mais em seu poder? Além disso,
talvez fosse pura teimosia, mas era contrária a ceder as exigências do
desconhecido. Sentiria que estava traindo Bruce, seria como admitir que
acreditava nas acusações que aquela pessoa fazia contra ele.
Depois de deixar a carta bem guardada, junto as outras duas e o relógio,
na gaveta das camisolas, sentou-se na cadeira junto a janela e olhou para
fora enquanto tentava pensar. Essa pessoa devia odiar Bruce… ou a ela,
mas não lhe ocorreu nenhum possível candidato. Era óbvio que lady
Sabrina sentia antipatia por ela, mas parecia estranho que uma mulher que
apenas a conhecia pudesse chegar a tais extremos.
Possivelmente fosse algum soldado que esteve sob as ordens de Bruce…
Como oficial no comando, certamente teve que tomar decisões que não
agradavam a todos, e era possível que alguém tivesse guardado rancor
durante todos aqueles anos; mesmo assim, parecia estranho que essa pessoa
241
demorasse tanto tempo para tentar se vingar… e o que o relógio tinha a ver
com tudo isso?
Desejou poder contar a Fitz sobre as cartas, com certeza se limitaria a
sorrir e a fazer algum comentário zombador que a tranquilizaria
imediatamente. Ele tinha esse dom, a capacidade de minimizar os medos e
os problemas e fazê-los rotineiros. Beijaria-a e a abraçaria, e ela apoiaria a
cabeça em seu ombro e veria tudo com mais otimismo… mas não podia
procurá-lo com seus problemas, porque era irmão do conde e não gostaria
de envolvê-lo nisso.
Como Stewkesbury não teria outra opção que não fosse despedir uma
acompanhante envolvida em um escândalo, Fitz optaria por esconder o fato
e não era justo fazê-lo escolher entre sua família e ela; de fato, não estava
certa se desejava saber qual seria sua escolha
Além disso, não gostava da ideia de expor assim seu falecido marido
perante outro homem. Fitz não o conhecia, e poderia acreditar que era o
tipo de homem que a carta descrevia. Ela tinha amado Bruce e foi fiel
durante dez anos. Por mais forte que fossem os sentimentos que nutria por
Fitz (embora a verdade era que não sabia até que ponto chegavam seus
sentimentos por ele), sentia-se incapaz de ouvir falar mal de seu falecido
marido.
Tinha que manter Fitz à margem daquilo, mas não tinha ninguém mais
com quem desabafar. Não queria preocupar Camellia e Lily, e se fosse
procurar Vivian, estaria deixando de lado suas obrigações. Teria que
resolver o problema sozinha, a questão era que não tinha ideia de como
fazer isso.
Ficou de pé e decidiu parar de pensar no assunto, porque era inútil
preocupar-se com uma carta que foi enviada por alguém que nem sequer se
atrevia a revelar sua identidade; em todo caso, não podia fazer nada até que
tivesse mais informações.
242
Deu uma olhada no relógio, e se deu conta que faltava pouco para a hora
do chá; apesar do caos reinante na casa durante os últimos dias, tentavam
manter os horários habituais. Parecia bom para as Bascombe, que estavam
tentando adaptar-se aos costumes britânicos, e também para os outros. Ser a
esposa de um militar a ensinou sobre a importância dos costumes bem
como da disciplina.
Depois de lavar o rosto e as mãos, escovou o cabelo e fez o coque
simples que costumava usar. Sentiu-se um pouco melhor depois de se
arrumar, e desceu para o salão onde costumavam tomar o chá. Neville já
estava lá, de pé junto a janela, e se virou ao ouvi-la chegar.
— Boa tarde, senhora Hawthorne.
— Senhor Carr.
Nunca sabia como se comportar com ele. Era um homem divertido,
assim certamente teria desfrutado conversando com ele em outras
circunstâncias, mas se sentia obrigada a manter-se alerta por causa de Lily.
— Tinha esperança de poder falar com você a sós — disse ele.
— Ah, sim?
Ele esboçou um sorriso ao ver a mistura de surpresa e desconfiança que
transparecia em seu olhar, e assegurou:
— Não precisa me olhar assim, não tenho intenção de incomodá-la.
— Senhor Carr…
— Peço-lhe que me escute. Sou consciente que não a agrado, e Fitz me
contou o motivo — encarou-a, sem pedir perdão nem defender-se com
argumentos — Admito que não fui um homem irrepreensível. Não posso
mudar o passado, mas posso garantir que já não sou o mesmo de antes. O
que sinto por Lily é forte e profundo… a amo, e não quero machucá-la por
nada desse mundo. Não duvido que uma infinidade de homens muito
melhores que eu, acabariam apaixonando-se por ela… quem poderia
243
resistir a uma criatura tão maravilhosa? Mas posso apostar que ninguém se
esforçaria tanto como eu para fazê-la feliz.
— Não duvido de sua sinceridade, senhor Carr, mas estou sabendo que
existe um empecilho.
Seu rosto ficou tenso, e no final admitiu:
— Sim, mas tenho a esperança que… se puder falar com… —
resmungou uma maldição com voz fraca ao ver entrar Gordon, e não teve
outra opção que inclinar-se para Eve e afastar-se um pouco.
Ela se sentiu aliviada, porque apesar de lamentar vê-lo sofrer, não podia
fazer nada a respeito. Sua prioridade era Lily, e devia proteger a jovem para
que não acontecesse nada de mal a ela; de qualquer maneira, não tinha
autoridade alguma naquele assunto, e teria que deixar o assunto nas mãos
de Fitz.
Virou-se para saudar Gordon, e os três se sentaram enquanto
conversavam sobre trivialidades; quando Bostwick e um dos lacaios
acabaram de entrar com as bandejas do chá, Lily apareceu e se apressou a
sentar ao lado dela.
— Perdão pela demora — disse, corada — Camellia acordou, e antes de
deixá-la, quis ter certeza que não precisava de nada.
— Como se encontra? — perguntou Neville.
— Melhor, parece que tem menos febre. Não está tão quente, e está um
pouco mais animada.
— Me alegro, espero que se recupere rapidamente.
— Onde está Fitz? Não virá? — perguntou Gordon.
— Acredito que foi visitar alguns dos arrendatários esta tarde, disse que
não retornaria antes da hora do chá — respondeu Eve.
— Não entendo, por que está se preocupando com isso? Acreditava que
poderíamos aproveitar minha estadia aqui para caçar.
Eve não soube como responder, e no final optou por dizer:
244
— Acho que nos encontramos em uma situação bastante difícil. O
senhor Talbot teve que assumir as rédeas do imóvel, porque o
administrador adoeceu.
— Duvido que Willowmere venha abaixo enquanto Stewkesbury está
fora — protestou o jovem, queixoso.
— Fitz se tornou tão responsável que me preocupa — comentou
Neville, em tom de brincadeira — Pode ser que sua influência consiga te
devolver a normalidade.
Gordon pareceu tomar a sério suas palavras, e respondeu com
gravidade:
— Duvido muito, jamais me deu a menor atenção.
Eve conteve um sorriso e se inclinou para pegar a xícara de chá que Lily
estava oferecendo, mas nesse exato momento, ouviram vozes no vestíbulo.
Um homem estava falando, com amabilidade mas insistência, com uma
mulher, e suas vozes se alteravam até que puderam ouvir claramente o que
diziam.
— Sinto muito, senhorita, mas…
— Não me fale nesse tom!
Eve olhou atônita para Lily, e ao virar-se de novo para a porta, reparou
que Gordon estava muito pálido e tenso, e estava quase petrificado com a
xícara de chá a caminho da boca.
— Mas não pode…!
Nesse momento reconheceu a voz. Era Paul, um dos lacaios.
— Não me diga o que não posso fazer!
A voz da mulher não parecia familiar. Era bastante aguda e seca, e
embora o jeito de falar mostrasse que era uma dama, havia algo nela que
não encaixava.
245
— Já disse que o senhor Harrington se alegrará ao me ver, afaste-se do
meu caminho se não quiser lhe explicar por que está impedindo a entrada
de sua prometida!
Gordon soltou uma espécie de choramingação enquanto todos os outros
se viravam para olhá-lo boquiabertos, e depois de colocar a xícara no pires
com as mãos trêmulas, ficou de pé de repente. Estava assustado, com os
olhos arregalados, e parecia uma lebre perseguida por uma matilha. Lançou
um olhar para a porta, e ao ouvir o som de passos que se aproximavam, deu
meia volta e olhou desesperado ao seu redor antes de atravessar o salão
correndo. Foi até uma das largas janelas baixas que davam para o jardim,
passou uma perna por cima dela e fugiu apressado.
Lily e Eve ficaram olhando boquiabertas para a janela, e Neville pôs-se
a rir e exclamou:
— A raposa escapou!
Os três se viraram novamente para a porta quando o lacaio e a mulher
entraram numa espécie de estranho baile. Estavam cara a cara, ele andava
de costas e arrastava os pés enquanto tentava se manter entre a recém
chegada e os ocupantes do salão, e ela tentava passar por ele, tentando
enganá-lo, pela esquerda ou pela direita.
Devia ter a idade de Eve mais ou menos, assim era mais velha que
Gordon. O elegante chapéu azul que usava, emoldurava uma nuvem de
cachos dourados, e era bastante bonita… tinha uma boquinha delicada,
olhos azuis, e um nariz levemente arrebitado. Embora usasse um vestido
branco com vários laços azuis e babados, aquele estilo digno de uma jovem
casadoura contrastava com o pronunciado decote, que não tinha nada que o
tapasse (um lenço, um simples xale colocado de forma estratégica), deixava
descoberto grande parte de seus seios.
Era óbvio que o tom rosado de seus lábios e suas bochechas não era
natural, a não ser pura maquiagem, e seu traje se complementava com uma
246
capa azul que estava jogada pra trás, luvas brancas curtas, e uma sombrinha
azul e branca adornada com lacinhos… parecia a bucólica pastorinha típica
dos contos, mas sem o cajado.
O pobre e aflito Paul se virou para Eve e Lily, e disse:
— Me desculpem, senhora, senhorita. Tentei explicar a esta dama que
devo anunciar as visitas, mas…
— Negou-se a me deixar entrar! — a mulher aproveitou para passar por
ele, entrelaçou as mãos na frente de seus seios meio nus, e olhou o senhor
Carr com expressão implorante — Nunca me aconteceu algo assim, não
posso acreditar. Meu querido Gordy vai se sentir consternado quando
souber como fui tratada.
Eve fez um gesto de assentimento ao lacaio, que fez uma inclinação e
partiu imediatamente.
— Para ser sincero, acredito que já se sente assim — disse Neville a
mulher, com falsa seriedade — Acho que não tive a honra de conhecê-la,
senhorita…
— Céus! me desculpem… — soltou uma risadinha, e tapou a boca com
a mão — Deveria ter me apresentado, que cabeça a minha. Gordy sempre
me diz que sou uma gansa.
— Ah, sim? Parece uma grosseria, não?
Mesmo que Lily tenha dito com aparente cortesia, Eve notou certa
mordacidade velada em sua voz. Estava claro que, como a ela, a mulher
não inspirava nenhuma simpatia.
A desconhecida pareceu não entender o comentário, porque perguntou
desconcertada:
— O que?
— Disse que chamá-la de «gansa» me parece uma grosseria, não me
sentiria nada bem — respondeu Lily, com toda naturalidade.
247
A mulher ficou olhando-a, e Eve conseguiu identificar o brilho
calculador que transpareceu em seus olhos azuis antes que voltasse a
assumir o mesmo olhar inocente de antes.
— Não, é um apelido carinhoso, Gordy é assim.
— Ah.
— Sou Elizabeth Saunders — a mulher esboçou um sorriso ingênuo ao
se virar de novo para Neville — Você deve ser o primo do meu Gordy, não
sabe quanto me alegra conhecê-lo — estendeu a mão para ele.
— Devo ser? — Neville arqueou um pouco as sobrancelhas, mas se
aproximou e beijou sua mão levemente — Acho que não tenho nenhum
parentesco com o jovem Harrington.
— Oh, que engano tão tolo — comentou, sorridente, antes de olhar para
Lily e Eve com expressão interrogante.
Ao ver que Carr não parecia ter intenção alguma da apresentá-las, Eve
começou a perceber que suas suspeitas eram certas e aquela mulher não era
uma dama. Apesar de tentar se comportar como uma jovenzinha tímida
(baixava o olhar, sorria com doçura, cobria a boca com a mão como se
tivesse vergonha), havia nela certo ar de descaramento. Nenhuma jovem de
bom berço enfrentaria um lacaio dessa maneira, nem se referiria a seu
prometido usando um diminutivo diante de desconhecidos… e certamente,
jamais tomaria a iniciativa de estender a mão a um desconhecido e
apresentar-se sem mais nem menos.
As Bascombe poderiam ter cometido tais incorreções (hoje em dia
possivelmente não, mas quando acabaram de chegar à Inglaterra), mas
tanto Camellia como Lily possuíam um frescor e uma inocência que carecia
por completo a senhorita Elizabeth Saunders; além disso, nenhuma das
duas teria exibido assim seus seios, nem quando chegaram a Londres.
248
Ao ver que Neville não as apresentava, a senhorita Saunders não
desistiu de seu propósito e se limitou a tomar a iniciativa de novo; virou-se
para elas, e estendeu a mão enquanto repetia seu nome.
Lily estreitou sua mão e disse como se chamava, porém, sua atitude
demonstrava uma reserva incomum nela. Estava claro que notava que havia
algo errado na recém chegada, embora não entendesse o que poderia ser.
Ao ver que Eve se limitava a assentir e a dizer «olá», a mulher a
observou durante alguns segundos, e depois de mostrar os dentes de um
jeito que era um sorriso e um desafio ao mesmo tempo, foi se sentar em
uma cadeira sem esperar que a convidassem.
— Imagino que ficaram surpresos quando Gordy lhes disse que estamos
comprometidos.
— Teríamos ficado… se tivesse nos dito — respondeu Neville.
Ela colocou as mãos no rosto, surpresa.
— O que? Esse malvado manteve em segredo! Vou ter que repreendê-lo
por ser tão mau, onde está esse enganador? — olhou ao seu redor, como se
esperasse encontrá-lo escondido atrás de alguma cadeira.
— Estava por aqui faz poucos minutos — nos olhos de Neville havia
um brilho de diversão.
— Darei uma boa reprimenda assim que o encontre, espere e verá.
— Não penso perder isso por nada.
— Faz tempo que se comprometeram? — perguntou Lily.
— Não, tudo foi muito rápido. Fico nervosa só de pensar no que sua
mãe vai dizer.
— A tia Euphronia não sabe?
— Acredito que vocês são os primeiros a saber.
— Não estávamos sabendo — insistiu a jovem.
— Agora estão.
249
Eve decidiu pôr fim nessa conversa tão absurda. Ficou de pé, e
comentou:
— É uma pena que o senhor Harrington não esteja aqui para recebê-la,
assim saberíamos como proceder. Lily, querida, acredito que deveríamos ir
procurar seu primo.
— Quem, eu? Nós? Por que? Que vá Paul.
— Não, acredito que será muito melhor que nos encarreguemos disso.
Advertiu-lhe com o olhar que não queria discussões. Não sabia o que
fazer com a atrevida senhorita Saunders, mas sabia muito bem que sua
pupila não deveria estar falando com ela.
Começou a temer a teimosia de Lily ao ver sua expressão contrariada,
mas nesse momento se ouviu o som de passos que se aproximavam e Fitz
apareceu na porta seguido do mordomo; depois de percorrer o aposento
com o olhar para fazer uma ideia da situação, comentou com calma:
— Já vi que temos visita.
— Sou a senhorita Saunders, a prometida de Gordon Harrington — se
levantou da cadeira, e se aproximou dele.
— Ah, sim? Certeza que será uma surpresa para seus pais.
Ela tapou a boca ao soltar uma risadinha, e admitiu:
— Acho que tem razão. Fizemos mal em manter em segredo, mas tudo
aconteceu muito rápido. Meu Gordy é muito impetuoso.
— Não duvido, mas seu Gordy também é um menor que não pode se
casar sem o consentimento dos pais. Está claro que você não conhece sua
mãe, porque se fosse assim, saberia sem dúvida que vai se opor.
Fulminou-o com o olhar, e disse indignada:
— Duvido que goste que se torne público que seu filho seduziu uma
donzela inocente, e que depois se negou a cumprir suas obrigações.
— Se acredita que alguém vai engolir essa sandice, é mais ingênua do
que parece.
250
— Gordy me deve isso! — pela primeira vez, seu rosto mostrou uma
emoção sincera — Me prometeu que me daria uma casa, que compraria
uma carruagem e tudo o que eu quisesse, me deu carta branca, e depois
começou a perseguir essa horrível simplória, e declamar poesia sem parar,
e me ignorou. Onde está minha casa? A única coisa que consegui dele é
este insignificante bracelete — levantou a mão, e sacudiu o braço para
mostrar o bracelete de pérolas — Avisei a ele que não permitiria que
tentasse me enganar!
— Já basta — a voz de Fitz era tão gelada, que a mulher empalideceu e
fechou a boca de repente — E agora… não sei o que prometeu o senhor
Harrington, mas seja o que for, não vai falar sobre isso aqui, diante da
senhora Hawthorne e de minha prima. Bostwick vai levá-la ao meu
escritório. Farei que alguém procure o senhor Harrington, e assim que o
encontrarem, sentaremos para tratar do assunto em particular.
Fez um gesto para a porta, e o mordomo entrou e ficou ao lado da
mulher; por um momento, tiveram a impressão que ela se negaria a
obedecer, mas no final, saiu do salão tão rápido que Bostwick teve que se
apressar para alcançá-la.
— Primo Fitz, quem é essa mulher tão desagradável? — perguntou Lily
— Não é verdade que está prometida ao primo Gordon, não é?
— Duvido muito que a estupidez de Gordon chegue a esse ponto. E
você, minha querida, deveria esquecer que a conheceu.
— Não posso! O que quis dizer com isso da “carta branca”? Por que
prometeu que daria uma casa a ela?
Fitz não soube como responder, e olhou para Eve com expressão
suplicante.
— Senhora Hawthorne…
Ela conteve com muita dificuldade um sorriso, e disse a sua pupila:
— Venha Lily, já é hora de acabarmos de tomar o chá.
251
— Mas é que… quero falar com o primo Fitz.
— Acredito que isso é o que ele quer evitar.
Quando Eve o olhou sorridente, devolveu o sorriso e comentou:
— Tão esperta como sempre, senhora Hawthorne. Com sua permissão,
senhoras — olhou para Neville, e perguntou — Vem?
— É claro.
Quando os dois saíram, Lily ficou olhando a porta com as mãos nos
quadris e exclamou zangada:
— É o cúmulo, aposto que vão falar do assunto!
— Sim, que aborrecimento!
— Isso é justamente o que eu queria fazer… embora, ainda mais, eu
gostaria de ouvir o que Fitz vai dizer a Gordon. Você não?
Eve sorriu de orelha a orelha, e admitiu:
— Sim, mas acredito que devemos respeitar a privacidade do senhor
Harrington.
— Acho que tem razão, mas acredito que Fitz vai contar ao senhor Carr
o que pretende dizer a Gordon.
— O mais provável é que o senhor Carr já saiba antecipadamente.
Lily tomou um gole de chá, e comeu uma bolacha com expressão
pensativa antes de dizer:
— A senhorita Saunders é uma mulher de vida fácil, não é?
— Lily! Onde aprendeu isso? Foi o senhor Carr…?
— Claro que não, Neville se nega a falar sobre essas coisas… embora
me pareça muito estranho, porque o primo Gordon me contou que ele tem
fama de ser um libertino; bom, segundo ele, o primo Fitz também tem a
mesma fama, mas parece que Neville é um imprudente, e deduzo que isso é
muito pior.
— Mas diferentemente de Gordon, não é tão tolo ao ponto de dizer essas
coisas a uma jovenzinha.
252
— Olhe, aí está Gordon! — a jovem foi olhar pela janela onde seu
primo escapou, e comentou — Não parece muito contente.
Eve se aproximou para olhar, e viu Gordon atravessando o gramado a
caminho da porta principal. Paul o seguia, com expressão séria.
— Não estranho que esteja tão sério, acho que seu primo vai passar um
belo sermão.
— Por que a senhorita Saunders nos disse que estão comprometidos se
não é verdade? Terá imaginado que Gordon concordaria sem mais nem
menos?
— Acho que sua intenção era deixá-lo em evidência; segundo ela,
prometeu muitas coisas.
— Sim, como lhe dar uma casa.
— É verdade, mas lembre-se que não deve falar dessas coisas em
público.
— Não farei isso. Quando Camellia melhorar, terei um monte de coisas
para lhe contar — Lily soltou uma gargalhada antes de acrescentar —
ficará furiosa quando souber o quanto perdeu.
— Não duvido.
— Enfim, vamos ver se entendi: decidiu fingir que estavam
comprometidos para obrigar Gordon a cumprir suas promessas?
— Acredito que sim. Provavelmente ameaçou dizendo que contaria tudo
aos seus pais. Pode ser que não tenha dado importância a sua ameaça, ou
lhe disse que não se atreveria, e então ela decidiu enfrentá-lo.
— Por que veio até Willowmere? Por que não foi a sua casa?
— Se conhece a fama de lady Euphronia, certamente preferiu não
enfrentá-la.
— Não estranho.
253
— Além disso, assim teria ficado sem argumentos para negociar. Sua
única arma contra ele é a ameaça de colocá-lo em evidência e tudo teria
acabado se o envergonhasse na frente de seus pais.
— Mas disse que contaria a todo mundo, causaria um escândalo maior.
— A quem contaria? Não frequenta o mesmo círculo social que
Harrington, e além disso, quem daria atenção a uma mulher como ela que
afirma que é sua prometida? Eu acredito que sua melhor opção era ameaçar
contando a sua mãe, e veio envergonhá-lo na frente de sua família para que
tivesse certeza que seria capaz de fazer a mesma coisa na casa de seus pais.
Certamente esperava assustá-lo o bastante para que concordasse em lhe dar
algum tipo de compensação.
— E em vez disso, assustou-o o bastante ao ponto de fugir com um
coelho assustado — comentou a jovem, em tom de brincadeira.
Eve sorriu ao recordar como fugiu pela janela.
Voltaram a sentar-se para continuar tomando chá, mas pouco depois
foram olhar de novo pela janela quando ouviram um barulho, e viram a
senhorita Saunders dirigindo-se para sua carruagem.
— Acha que Fitz deu dinheiro a ela? — perguntou Lily.
— É possível, porque parece… não diria contente, mas tampouco
furiosa; a julgar pela atitude de Fitz, é óbvio que não é a primeira vez que
tira Gordon de um apuro.
— Deu-me a impressão que hoje não estava nada satisfeito — Lily
estremeceu e acrescentou — Me assustou um pouco quando ordenou a essa
mulher que acompanhasse Bostwick, não esperava que pudesse ser tão
duro.
— Sim, eu não gostaria de estar na pele de Gordon neste momento.
254
Capítulo 16
Eve não era a única pessoa que desejaria não estar na pele de Gordon
Harrington naquele momento. O jovem em questão estava sentado em uma
das cadeiras do escritório, mordiscando a unha do polegar e contemplando
seu primo com uma expressão de ressentimento e temor.
— Não sei por que está assim, como saberia que essa tola iria me seguir
até aqui? — protestou, com tom queixoso.
— Tola? Eu diria que é muito ardilosa, e foi você que demonstrou um
grau inusitado de tolice — embora Fitz estivesse apoiado na mesa do
escritório com os tornozelos cruzados, sua atitude não mostrava
relaxamento algum, e a expressão de seus olhos azuis era fria.
— Não sei por que te tornaste tão sério, tanto Royce como você
desfrutaram de companhia feminina algumas vezes.
— Jamais fiz promessas que não pretendesse cumprir… que nem sequer
pudesse cumprir. Tinha tantas possibilidades de poder comprar uma casa
para uma cortesã como atirar em um alvo a vinte passos de distância e
acertar. Não me importa que tenha uma amante, não me importa que tenha
uma dúzia, mas o que me importa… — se levantou de repente, deu um
passo a frente, e se aproximou ameaçadoramente de seu primo — O que
me importa é que essa rameira apareceu nesta casa por causa de sua
frivolidade e sua falta de sensatez, que ousou pisar no mesmo aposento
onde estão a senhorita Bascombe e a senhora Hawthorne!
Gordon engoliu em seco e começou a balbuciar algo, mas Fitz o
interrompeu bruscamente.
255
— Não se incomode em inventar uma desculpa — se separou dele com
brutalidade antes de acrescentar — Está claro que não te fiz favor algum te
ajudando a sair de um apuro atrás de outro e resolvendo seus problemas.
Royce e eu tínhamos pena, queríamos evitar os sermões de sua mãe, mas é
evidente que não aprendeu nada.
— Não vai contar para a minha mãe, não é? — Gordon empalideceu de
repente, e o olhou com os olhos arregalados.
— Não, no momento não, mas prometo que o farei se não cumprir ao pé
da letra o que vou dizer.
— Mas… mas… — parecia incapaz de articular palavra.
— Vai me devolver até o último centavo que acabo de dar à senhorita
Saunders.
— O que? De onde vou tirar o dinheiro? — o jovem recuperou a voz,
embora com um tom mais alto que o habitual.
— Da renda mensal que seu pai te dá, suponho. Te dá dinheiro
suficiente para que passe muito bem.
— Sim, mas gasto tudo.
— Pois a partir de agora vai gastar apenas uma parte e me devolver o
que dei à senhorita Saunders.
— Não sei por que lhe deu tanto.
— Porque você fez uma série de promessas e um cavalheiro sempre
cumpre suas promessas, independente se a pessoa em questão for um rei,
um varredor, ou uma rameira. Se não pensa em cumprir, não se faz. Se
continuar desse jeito, todo mundo acabará acreditando que não se pode
confiar em sua palavra.
— Mas o dinheiro não vai fazer falta a você, tem uma fortuna.
— Sim, e não pretendo esbanjá-lo com você pelo resto de sua vida.
Estou ciente que seus pais não lhe dão um valor exagerado, mas é mais que
suficiente, e não espero que me devolva de uma só vez; mesmo assim, vai
256
ter que deixar o jogo e a bebida por um tempo, para poder me pagar um
pouco cada mês. Está claro?
— Sim — cruzou os braços, e afundou o queixo no peito.
— Hoje mesmo irá se desculpar com prima Lily e com a senhora
Hawthorne por ser o causador dessa mulher ter estado na presença delas.
Gordon voltou a arregalar os olhos, mas bastou um olhar de Fitz para
que concordasse.
— De acordo, pedirei desculpas — levantou o queixo, e disse com cara
de mártir — Depois partirei desta casa, porque está claro que não sou bem-
vindo aqui.
— Nem pensar, esteve exposto ao sarampo e não quero ser
responsabilizado se sair por aí contaminando todos que cruzem seu
caminho. Mas vai colaborar enquanto estiver aqui.
— O que quer dizer?
— Que temos vários serviçais doentes, além de dois pacientes.
Monsieur Leveque não pode se levantar da cama sozinho — ao ver que
Gordon pretendia protestar, arqueou uma sobrancelha e comentou com
calma — Neville não acha indigno ajudá-lo.
— De acordo, darei uma mão.
— Também poderia ir conversar com ele de vez em quando, ou jogar
cartas. E quando o perigo da contaminação passar, espero que retome os
estudos e se aplique, ou no mínimo, que não seja expulso novamente. Fique
afastado das casas de jogo clandestino e das mulheres de vida fácil até que
tenha me devolvido o último centavo.
O jovem ficou de pé, e resmungou:
— Custa-me acreditar, mas parece que você se transformou em
Stewkesbury.
— Ele não é um mau exemplo, garanto isso.
— Antes você era mais divertido, não entendo o que houve com você.
257
Fitz o olhou em silêncio durante um longo momento antes de responder:
— Talvez tenha amadurecido.
Eve estava no salão no dia seguinte, revisando as limitadas opções para
o menu que a cozinheira entregou a ela, quando Bostwick anunciou a
chegada do coronel Willingham. Levantou-se sobressaltada e se sentiu um
pouco culpada, porque esteve tão atarefada durante os últimos dias, que
esqueceu completamente que ele estava na região.
— Faça-o entrar, por favor — disse ao mordomo — Ele está informado
sobre o sarampo?
— Sim, senhora, interessou-se pela saúde de todos.
Quando o coronel entrou em seguida, aproximou-se dele e ofereceu a
mão.
— Que surpresa tão agradável, coronel!
Ele se inclinou sobre sua mão com precisão militar, e disse muito
compenetrado:
— Bom dia, senhora Hawthorne. Como se encontra?
— Muito bem, obrigada, embora tanto a pobre Camellia como vários
serviçais estejam com sarampo. Acredito que a doença afetou também
algumas pessoas do povoado.
— Sim, soube disso.
— Como estão as coisas em Halstead House?
— Como aqui, mais ou menos. Tivemos vários casos. Lady Vivian,
lorde Humphrey e eu estamos bem, mas creio que lady Sabrina foi
contaminada.
— Lamento muito!
— Sim, foi um grande transtorno. Desmaiou na outra noite, logo que
retornamos para casa depois do jantar em Willowmere, e tive que carregá-
258
la nos braços até seu quarto. Devo confessar que acreditei que estava
apenas... excitada.
Eve suspeitou que fosse um eufemismo, e que na realidade queria dizer
que acreditava que Sabrina estivesse fingindo deliberadamente, com a
intenção de chamar sua atenção; afinal, aquela mulher era muito capaz de
usar um truque desse nível.
— Mas na tarde do dia seguinte já começou a ter febre, e soube que
agora está cheia de manchas.
— Pobrezinha! — obrigou-se a sufocar o prazer que sentiu ouvindo
aquilo.
Sabia que não era certo rir da desgraça alheia, e que o sarampo podia ser
doloroso e inclusive perigoso para os adultos, mas mesmo assim, não pôde
evitar imaginar o desgosto que Sabrina sentiu ao ver que lhe saíam
manchas vermelhas por todo o corpo.
— Lady Vivian estava a ponto de partir, mas teve que adiar sua partida
e cuidar dela.
— Céus — Eve apertou os lábios com força. Imaginar Vivian como
enfermeira de Sabrina era muito.
— Sim, bem… é uma situação difícil — a expressão do coronel era
grave, mas em seus olhos cinzentos havia um brilho de diversão — Esta
mesma manhã, ouvi o som de várias coisas quebrando-se contra a parede.
Eve tapou a boca com a mão, mas não pôde evitar que escapasse uma
gargalhada. Ele riu também, mas voltou a ficar sério em seguida e se
inclinou para ela.
— Não pude deixar de reparar que está pálida e parece cansada, senhora
Hawthorne. Espero que não esteja trabalhando em excesso. Dói-me vê-la
em semelhante situação, esgotada por causa das exigências dos outros.
— Agradeço sua preocupação, mas garanto que não estou esgotada nem
me importa ir um pouco além de minhas tarefas como acompanhante.
259
Lorde Stewkesbury é justo e generoso, e me agrada poder colaborar
durante esta emergência.
— Sua atitude é honrável — olhou sorridente, e acrescentou — Poderia
persuadi-la a me acompanhar num passeio pelo jardim? Está um pouco
fresco, mas o dia é agradável e certamente ajudará a por um pouco de cor
em seu rosto.
— Acompanho-o encantada.
Colocou o chapéu e uma capa leve, e saíram ao jardim; como ele disse,
o dia estava agradável, e o sol rebatia o efeito da fresca brisa outonal.
— Obrigada por sugerir este passeio, coronel. É justamente o que
precisava — comentou, sorridente.
— Eu não gosto de vê-la preocupada. Está preocupada com outra coisa,
não é? Não se trata só da agitação dos últimos dias.
Eve ficou um pouco surpresa pela sua perspicácia, porque não o
considerava um homem especialmente intuitivo nem sensível. Tratava-a
com consideração, mas com certo desconforto masculino, e nesse momento
percebeu que debaixo daquela séria aparência militar existia algo mais.
Pensou na carta que recebeu no dia anterior e nas preocupações que não
podia tirar da cabeça, preocupações que não se atrevia a compartilhar com
ninguém… mas o coronel Willingham conheceu Bruce e sabia o tipo de
homem que era, portanto, ele saberia melhor que ninguém que não poderia
ser culpado pelas acusações que constavam na carta.
Acreditou que o coronel poderia avaliar a situação com sensatez e
ajudá-la a tomar uma decisão, e admitiu de forma impulsiva:
— Sim, recebi cartas… sobre Bruce.
— O que quer dizer? Foram enviadas pelos amigos dele?
— Não, justamente o contrário. Se me esperar aqui um momento, irei
buscá-las agora mesmo.
— É obvio — parecia desconcertado, mas assentiu.
260
Eve subiu ao seu quarto apressada, tirou as cartas de seu esconderijo, e
retornou ao jardim. O coronel estava passeando de um lado ao outro entre
as roseiras sem flores, e se virou ao ouvi-la chegar.
— Vamos entrar um pouco mais no caminho, coronel. Assim
poderemos nos sentar e ler com tranquilidade.
Seguiram o caminho até chegar as pequenas árvores, e entregou as
cartas quando estavam sentados em um banco bastante afastado. Ele as leu
sem pressa e por ordem, e ao terminar as dobrou e permaneceu pensativo;
depois de longo momento, suspirou e murmurou:
— Pobre Bruce! — virou-se para olhá-la com um sorriso cheio de
tristeza antes de acrescentar — Lamento, esperava que você nunca
chegasse a saber.
Eve sentiu como se acabasse de levar um murro no estômago, mas
conseguiu dizer:
— O que… o que quer dizer? A que se refere? Acredita que é verdade?
— Seu marido era um bom homem e tenho certeza que jamais teria feito
algo desonesto propositalmente, mas não era sensato na hora de administrar
seu dinheiro.
— Sim, já sei, mas…
— Tinha dívidas de jogo. Diziam que eram valores muito altos, e diziam
também… enfim, que recorreu a atividades ilegais, entre elas o roubo, para
conseguir o dinheiro suficiente para pagá-las.
Eve ficou olhando-o estupefata. Não podia acreditar no que estava
ouvindo.
— Sabe com certeza, ou eram apenas rumores? Contou para você que
roubou esse relógio?
— Não, suponho que se sentia muito envergonhado para admitir, mas os
rumores chegaram até mim através de pessoas de minha confiança.
261
Naturalmente você notou uma mudança no seu comportamento antes de
sua morte.
Eve pensou sobre isso e pareceu recordar que Bruce se mostrou mais
calado, inclusive triste, durante os dois dias anteriores a sua morte, mas não
estava certa se realmente aconteceu dessa maneira ou se estava
influenciada pela sugestão do coronel.
— Acredita que se suicidou? — tinha a garganta tão apertada, que
conseguiu falar com muita dificuldade.
— Não sei, mas acho que devemos nos lembrar dele exatamente como
era. Não pense nos últimos dias nem nos erros que ele pôde ter cometido.
Se roubou algo, fez porque não era o mesmo de sempre.
Eve estava com as mãos fortemente entrelaçadas no colo, e fixou os
olhos nelas porque se sentiu incapaz de olhar o coronel. Estava furiosa com
ele, por não confiar em Bruce, por acreditá-lo capaz de fazer algo tão
desonroso como roubar. Sabia que não estava sendo razoável, que
certamente, os rumores foram muito convincentes para que o coronel
acreditasse piamente.
— Talvez tenha roubado o relógio, como está na carta — disse ele.
— Mas está agravado “Para minha querida esposa”, acreditei que me
daria de presente no meu aniversário — sua voz era apenas um sussurro.
— Querida Eve — pegou sua mão para tentar reconfortá-la antes de
acrescentar — Não se desespere tanto, eu não gosto de vê-la sofrer. Me
permita que a ajude, me entregue o relógio e eu me encarrego de me
desfazer dele… posso jogá-lo no rio.
— Não! Não posso, não posso acreditar que Bruce o roubou.
— Essa gravação poderia estar dedicada a outra mulher, tem seu nome?
— Não, mas…
— Custa-me acreditar que Bruce pudesse comprar um relógio tão caro,
levando em consideração sua precária situação econômica. Por favor,
262
minha querida, não se inquiete. Não acredita que se sentiria melhor se eu
levasse o relógio? Afinal, tenho a impressão que a pessoa que envia as
cartas deseja que se desfaça dele.
— Mas não quero ceder a suas exigências! Que tipo de pessoa seria
capaz de me ameaçar assim? Quer sujar o bom nome de Bruce e arruinar
minha vida, mas não posso ceder. Seria uma afronta a memória de meu
marido.
— Mas a prejudicaria muito se isso viesse à tona — por um instante, em
sua voz transpareceu uma irritação quase imperceptível — O que
acontecerá se o conde souber, ou se o rumor for disseminado entre a alta
sociedade? Sua reputação ficaria em migalhas, querida, e não desejo que
isso aconteça.
— Eu tampouco. Pode ser que tenha razão, possivelmente seria mais
prático concordar com sua sugestão, mas a ameaça persistiria. Não há
forma de impedir que alguém lance um rumor; além disso, como essa
pessoa ficará sabendo que me desfiz do relógio? Por que quer que eu faça
isso? Não tem sentido, e em qualquer caso, na última carta exigiu que me
desfaça dele.
— Sim, é verdade — o coronel ficou em silêncio durante alguns
segundos, antes de acrescentar — A decisão está em suas mãos, é claro.
Talvez deva refletir um pouco mais sobre o assunto, eu estou ao seu dispor
para o que necessitar. Só tem que me avisar, e farei todo o possível para
ajudá-la.
— Obrigada, coronel — conseguiu esboçar com muita dificuldade um
fraco sorriso — Se não se importar, vou ficar aqui um pouco mais.
— É obvio, entendo que queira clarear as ideias. Partirei — se inclinou
sobre sua mão, e se afastou pelo caminho.
263
Eve fechou os olhos, e apoiou a cabeça num arco onde as plantas
cresciam. Teve a sensação que o coronel se incomodou um pouco ao ver
que, apesar de ser o mais sensato, ela não seguiu seu conselho.
O ponto principal era que continuava sem poder acreditar que o que
diziam sobre Bruce nas cartas era verdade. Estava convencida que não
tinha roubado nada, que sempre foi um homem de honra até sua morte. Ele
não teria se suicidado, teria sido incapaz de abandoná-la a sua sorte
sabendo que possivelmente teria que enfrentar um possível escândalo.
Bruce foi um bom homem, e a feria que o coronel que foi seu comandante,
pudesse acreditar que pudesse ser um ladrão e um suicida.
Seus olhos se encheram de lágrimas que não demoraram para cair pelo
seu rosto. A dor que Bruce teria sentido ao saber que seu bom nome estava
sendo pisoteado a deixava angustiada, ela não podia dar as costas a ele
também.
— Qual é o motivo dessas lágrimas, minha querida?
Ao ouvir a voz suave de Fitz sobre sua cabeça e sentir a carícia de sua
mão no rosto, abriu os olhos de repente e se levantou enquanto secava as
lágrimas apressadamente.
— Sinto muito, achei que estava sozinha.
— Não se preocupe, sou eu apenas — se sentou junto a ela no banco de
madeira, e a olhou carrancudo — Por que está chorando aqui fora?
Camellia não piorou, não é?
— Não, não tem nada a ver com ela; de fato, acredito que Lily tem
razão ao dizer que está melhorando.
— É por Neville e Lily? Com sorte, encontrei uma maneira de dar uma
mão nesse assunto.
— Seriamente? Como? O que pretende fazer?
— Direi isso se funcionar, mas agora o principal é o que a preocupa.
Alguém te feriu? — empertigou-se de repente, e sua expressão se tornou
264
ameaçadora — Se esse idiota do Gordon disse algo que a ofendeu, vai se
ver comigo.
Ela soltou uma gargalhada, e colocou uma mão no seu braço num gesto
tranquilizador antes de dizer:
— Não, não culpe o pobre senhor Harrington. Hoje está muito sério, e te
asseguro que não me ofendeu absolutamente; de fato, ofereceu-se para ler
para monsieur Leveque esta tarde… embora ache que as coisas não foram
tão bem como desejaria, porque ouvi ele gritar: Imbecile!
Fitz sorriu de orelha a orelha, e comentou:
— Sim, se ouviu isso, não há dúvida que Gordy estava com ele — ficou
sério, e pegou sua mão — Se não é por causa do imbecil do meu primo,
qual é o motivo de sua tristeza?
Eve não soube o que fazer. Tinha decidido não mostrar as cartas a ele,
mas agora que ele estava tão perto, não lembrava nenhuma das razões que a
levaram a tomar essa decisão; afinal, ele era a pessoa em que mais
confiava.
— No outro dia recebi uma carta — o nó que apertava seu peito se
afrouxou assim que pronunciou aquelas palavras, e depois de contar tudo o
que aconteceu, tirou as cartas do bolso e as entregou a ele.
Ao ver que ficava cada vez mais sério conforme lia cada uma delas,
ficou tensa à espera que criticasse Bruce, mas ele amassou a última carta e
exclamou furioso:
— Eu gostaria de apertar a garganta desse canalha que te enviou isso!
Ela relaxou, e comentou com um pequeno sorriso:
— Não sei se seria uma boa ideia.
— Quem demônios pode querer te ferir assim? Sabrina é maliciosa e
está claro que está ciumenta de sua beleza, mas não acredito que seja capaz
de um ato tão mesquinho. O que ganharia com isso?
265
— Não sei, não tenho ideia de quem enviou, nem sei o que quer. Não
me pediu dinheiro, e de qualquer maneira, não tenho. Nem sequer me pediu
o relógio, que é meu pertence mais valioso. Limita-se a sugerir que me
desfaça dele.
— Sim, não tem sentido — admitiu, enquanto relia a última carta.
— Perguntei-me várias vezes se o que está escrito poderia ser verdade,
se Bruce seria capaz de fazer algo assim. Às vezes me tirava do sério o
quanto esbanjador era, mas acredito que valorizava sua honra acima até de
sua própria vida. Acha que seria capaz de roubar, e também de se suicidar?
— virou-se para olhá-lo, e nesse momento, percebeu o quanto significaria
para ela, sua resposta.
— Não conheci seu marido, por isso, o que sei sobre ele é que teve
muita sorte ao casar-se com você — esboçou um sorriso, e beijou sua mão
— Mas você o amava.
—Sim.
— Não acredito que você seja capaz de amar um homem fraco ou
imoral, assim não, não acredito que Bruce tenha feito tudo isso.
— Oh, Fitz! — sentiu como se o sol acabasse de entrar em seu coração.
Jogou-se em seus braços, e o beijou entusiasmada.
Ele a abraçou de forma instintiva, e perderam a noção da realidade
durante alguns minutos; quando suas bocas se separaram finalmente, Eve
se aconchegou contra seu peito quente enquanto sentia uma profunda paz
interior.
— Me alegro tanto que pense assim… não sabe quanto — sorriu ao
ouvir a suave vibração de sua risada contra seu ouvido.
— Depois dessa resposta, eu também. Passei no teste?
— Não era um teste, mas quando você falou, percebi que desejava
muito que compartilhasse minha opinião. Necessitava que, como eu,
266
tivesse certeza que Bruce não era um ladrão nem um mau caráter. Inclusive
o coronel acreditou nos rumores.
— O coronel? Refere-se a Willingham? O ele tem a ver com isso?
— Veio me visitar, e como percebeu que estava preocupada, mostrei-lhe
as cartas. Por isso estava com elas no bolso. Contou-me sobre os rumores
que Bruce esteve roubando para pagar suas dívidas de jogo, e também que
se suicidou, como está escrito na carta.
Fitz soltou um bufar zombador, e comentou:
— Esse tipo me caiu mal desde o começo, e com razão — a abraçou
com mais força, e a beijou na cabeça — Não estamos sendo nada
prudentes, minha querida.
— Sim — admitiu, antes de suspirar pesarosa.
Sentia-se tão bem, tão calma e reconfortada (e sim, também um pouco
excitada), ao estar aconchegada assim contra ele, que desejou poder beijá-
lo de novo, deitar-se junto a ele e ouvir os batimentos do seu coração.
Sentiu um calor crescente em seu sexo, o comichão da antecipação. Não
estava satisfeita com aquela única noite, e embora tenha passado apenas
uma semana, parecia uma eternidade. Juntou as pernas com força para
tentar acalmar a tensão, e considerou a possibilidade de ir ao quarto de Fitz
naquela noite. Estava convencida que ele não insistiria que fosse, mas não
sabia se era bastante decidida para ir.
Obrigou-se a se afastar e sentar de novo no banco, e passou a mão pela
saia e o cabelo enquanto tentava controlar sua imaginação descontrolada.
Quando ele se virou para olhá-la, o calor que transparecia em seu olhar,
não deixou dúvidas que ele também queria prolongar o abraço.
— Me parece terrivelmente difícil manter as mãos afastadas de você.
Quando estamos jantando, quase não posso me concentrar na conversa,
porque não posso te afastar da minha mente.
— Todos se retiram logo, possivelmente poderíamos…
267
Pegou sua mão, e entrelaçou os dedos com os seus antes de admitir:
— Sua oferta é muito tentadora — ficou em silêncio durante um longo
momento enquanto acariciava o dorso de sua mão com o polegar, e no final
disse com voz firme — Não, jurei não te expor ao perigo. Com certeza, o
condenado do Gordon pensaria em descer para tomar uma taça de brandy
no momento mais inoportuno, e está tão zangado comigo, logo, estaria
disposto a aproveitar qualquer oportunidade para me ferir — suspirou ao
soltar sua mão, e ficou de pé — O que devemos fazer é nos concentrar no
outro problema que a preocupa.
Ela assentiu, e se obrigou a deixar de lado a desilusão que sentia.
— As cartas… sim, tem razão. Já pensei muito sobre isso, mas continuo
sem entender.
— Seu falecido marido tinha inimigos?
— Suponho que sim. Quando as pessoas estão no comando, sempre há
pessoas que estão em desacordo ou que tem rancor… soldados que
castigou, oficiais que estavam ciumentos dele ou que acreditavam serem
merecedores do seu cargo… mas era um homem muito querido em geral.
Tentei pensar em quem poderia ter alguma rixa com ele, mas não me
ocorreu nenhum nome. Porém, se alguém o ameaçou, não teria me contado
para não me preocupar.
— O que me diz de sua morte? Já sei que é um assunto doloroso para
você, mas é possível que não tenha sido um acidente?
— Está me perguntando se eu acho que se suicidou?
— Eu estava pensando que alguém poderia ter provocado a queda de
forma intencional.
— Ah — Eve ficou atônita diante daquela possibilidade, e pensou nisso
com atenção — Não, não acredito. Bruce estava com alguns amigos, e
segundo eles, se soltou ao saltar um obstáculo e quebrou o pescoço ao cair.
268
Tudo foi inspecionado, e não encontraram nada estranho. Duvido que
alguém tenha provocado o acidente.
— Então, só sabemos que morreu de forma acidental, que te deu o
relógio, e que alguém, por alguma razão que desconhecemos, acusa-o de
tê-lo roubado.
— Na verdade, Bruce não chegou a me dar o relógio. Encontrei-o
depois de sua morte. Nunca o vi antes, mas como era um relógio de mulher,
abri e vi que estava gravado: Para minha querida esposa. Quando morreu
faltavam poucos dias para meu aniversário — franziu o cenho, e admitiu —
A verdade é que não tenho a certeza se era para mim, mas o que outra
explicação pode haver?
— Não sei. Certamente era um presente para você, mas pode ser que
não o tenha comprado. Quem sabe alguém o perdeu numa partida de cartas
e agora o quer de volta, ou vendeu e agora está arrependido.
— É possível, mas nesse caso poderia ter me procurado para explicar ou
até tentar comprá-lo novamente.
— Sim, a menos que não tivesse dinheiro — fez uma careta, e voltou a
sentar-se junto a ela — Mas se estava tão desesperado para recuperá-lo, por
que não tentou roubá-lo imediatamente? Na certa, naquele tempo sua casa
estava muito concorrida.
— Sim, veio muita gente me visitar e me oferecer ajuda, e suponho que
alguém poderia tentar encontrá-lo; na verdade, alguns dos militares
entraram no dormitório para pegar seu uniforme, mas o relógio estava bem
guardado.
— De modo que essa pessoa tentou, mas não conseguiu encontrá-lo.
— Sim, e depois mudei para a casa de meu pai. O que não entendo é por
que não me mandou antes essas cartas, por que esperou até agora.
— Também estranho.
269
— E se quer recuperar o relógio, por que não disse isso diretamente na
última carta? Por que pede que me desfaça dele, que o destrua? Dá a
impressão que não se importa se vai recuperá-lo ou não, apenas o que
interessa é que não esteja em meu poder. Por isso, no princípio, pensei que
poderia ser Sabrina, porque parecia uma simples artimanha maliciosa.
— Acredito que atrás disso tudo há algo mais que simples malícia. Pode
ser que essa pessoa não queira recuperar o relógio, a não ser evitar que seja
mostrado em público. Lembre, que irá a Londres para a apresentação na
sociedade de Lily e Camellia. Talvez não tivesse importância enquanto
você vivia com seu pai no campo, porque pensou que ali ninguém o veria,
mas alguém poderia reconhecê-lo em Londres.
— E se essa pessoa fez mal ao vendê-lo ou oferecê-lo no jogo, poderia
ser descoberto se alguém me visse usando-o.
— Sim. E se foi roubado, o legítimo dono poderia vê-lo.
— Mas se você disse que não acreditava que Bruce…
— Não quero dizer que ele roubou. Pode ser que alguém vendeu a ele
um relógio roubado, ou que esse alguém o desse como garantia por uma
dívida de jogo.
— Mas sou eu que estou usando-o, por que essa pessoa estaria em
perigo?
— Talvez não saiba que o comandante não disse a você como o
adquiriu; apenas pense, que você poderia estar inteirada de quem o vendeu
ou ofereceu a seu marido. Nesse caso, o que quer é assustar e intimidar, e
também evitar que alguém possa suspeitar dele. Se já existirem rumores
que o comandante Hawthorne era um ladrão, quem vai acreditar em você se
afirmar que ele o comprou?
— É horrível, mas tem sentido. Certamente lançou os rumores depois da
morte de Bruce. Isso explica por que o coronel Willingham acreditou que o
que está na carta é verdade, embora não possa perdoá-lo por ter pensado
270
tão mal de Bruce. Uma coisa mais: como essa pessoa sabe que vou retornar
para Londres?
— As notícias correm como pólvora nos círculos da alta sociedade,
tenho certeza que Vivian comentou com suas amigas… e o mesmo pode
ser dito de sua madrasta e de Sabrina; além disso, a maioria dos convidados
que participaram do casamento foram informados que você vai acompanhar
minhas primas a Londres, e eles a também devem ter comentado com suas
respectivas amizades ao retornar à cidade.
— Sim, tem razão. A quantidade de pessoas que podem estar sabendo é
enorme — vacilou por um momento antes de dizer — Acha que é possível
que o homem que invadiu a casa, e assustou a donzela, estivesse…?
— Procurando seu relógio? Não sei, pode ser que sim. No momento
pensei que…
— Suspeitou de alguém em especial?
— Não o conheço em pessoa, mas pensei que poderia ser o padrasto de
Camellia e Lily.
— Não sabia que elas tem um padrasto — admitiu, surpreendida.
— Sim, e parece ser um descarado. A descrição de Jenny combina com
a que as moças nos deram anteriormente de seu padrasto, e o tipo já tentou
causar problemas; além disso, Camellia e Lily trocaram um olhar muito
suspeito.
— Sim, eu também percebi isso, mas me asseguraram que não sabiam
de quem se tratava.
— É que se envergonham dele, não é o tipo de parente que gostariam
que estivesse presente quando forem se apresentar na sociedade. Acreditei
que tentou penetrar na festa de casamento para tirar dinheiro de
Stewkesbury, e que voltou depois para tentar tirar de suas enteadas. Enviei
vários homens ao povoado para procurá-lo, porque pensei em lhe dar um
pouco de dinheiro para que partisse e avisá-lo que não voltasse jamais, mas
271
não o encontraram em nenhuma parte. Achei que Oliver já tinha me
precedido e se encarregado do assunto, mas agora me pergunto se
realmente era ele.
— Mas se for verdade que o intruso era o homem que me mandou essas
cartas, seguimos sem saber como pegá-lo. Seus homens não encontraram
nenhum forasteiro no povoado, não é?
— Não, quem sabe decidiu partir e enviar as outras cartas pelo correio;
mesmo assim, temos algo em nosso favor: não acredito que se conforme
com a esperança que você vá se desfazer do relógio. Vai querer ter certeza,
e isso significa que voltará a entrar em contato com você, e que cedo ou
tarde tentará apanhá-lo.
— Acha que tentará roubá-lo de novo?
— É uma possibilidade que não deve ser descartada. Vou providenciar
que os criados estejam alertas de agora em diante, mas não estranharia que
mandasse uma carta exigindo que leve o relógio a algum lugar, ou que o
envie pelo correio aonde ele indicar. E se o fizer… — a olhou com um
sorriso diabólico antes de dizer com firmeza — Será apanhado.
272
Capítulo 17
Eve esteve tão ocupada ao longo dos dias posteriores, que quase não
teve tempo de pensar nas ameaçadoras cartas nem em quem poderia ser o
responsável. Camellia foi melhorando pouco a pouco, embora continuasse
com os olhos muito sensíveis a luz. Era uma paciente péssima, já que
apesar de estar muito fraca e febril para levantar-se, era uma pessoa ativa e
que não gostava de ficar na cama, de modo que Eve passava boa parte do
tempo sentada junto a ela tentando mantê-la tranquila e entretida. Lily a
substituía de vez em quando, mas como estava tão acostumada a permitir
que sua irmã se rebelasse, não sabia se impor, por isso, Eve procurava não
deixá-las sozinhas durante muito tempo.
Quando não estava cuidando de Camellia, visitava a senhora
Merriwether, que não estava se recuperando com a mesma rapidez que a
jovem. Como tinha que assumir a maioria das tarefas da governanta além
de manter-se a par da saúde dos criados doentes, não tinha tempo livre, e a
preocupava muito não poder vigiar Lily de forma adequada.
A jovem passava três ou quatro horas ao dia fazendo companhia a sua
irmã, encarregava-se de limpar o pó para amenizar o trabalho dos criados
(Eve não contou isso a governanta, por medo que a pobre tivesse um
desmaio), e também visitava monsieur Leveque de vez em quando, mas era
um mistério onde passava o resto do tempo… e com quem.
Como Fitz estava fora grande parte do dia, tentando ajudar os
arrendatários e encarregando-se da administração do imóvel, Gordon era o
único que servia de acompanhante para Neville e Lily, e estava claro que
não era a pessoa idônea para uma tarefa assim. Apesar de estar cumprindo
273
sua promessa de dar uma mão, em especial com monsieur Leveque, não era
uma pessoa capaz de se interessar pelos problemas alheios. Passava grande
parte de seu tempo livre escrevendo poesia na biblioteca, ou refletindo
sobre questões transcendentais em seu quarto. O resultado final era que
Neville e Lily tinham liberdade para fazer o que quisessem durante grande
parte do dia, e de fato, Lily costumava ir com ele visitar monsieur Leveque.
Eve não se preocupava que o amigo de Fitz tentasse seduzir a jovem,
mas sim, que ela se apaixonasse profundamente por um homem que estava
destinado a casar-se com outra. Seus medos aumentaram numa manhã,
quando entrou no quarto de Camellia e encontrou as irmãs discutindo em
voz baixa; só conseguiu ouvir algumas palavras, mas entendeu algo que a
deixou gelada: … me casar com Neville.
Ao ver que Camellia estava quente, com os olhos muito brilhantes, e
parecia estar a ponto de sair da cama, decidiu tentar acalmar os ânimos
antes de qualquer coisa, assim sugeriu a Lily que fosse pegar seu chapéu e
seu casaco.
— Me ocorreu que poderíamos sair para passear no jardim — disse,
sorridente — Você deve descansar, Camellia. Como se encontra?
— Estou bem, não preciso dormir mais — a jovem levantou o queixo
numa atitude desafiadora.
— Entendo que esteja farta de estar na cama, mas o repouso ajuda a
cura. Quer recuperar as forças o quanto antes, não é?
— É claro.
Ao vê-la lançar um olhar involuntário para a porta pela qual sua irmã
acabava de sair, Eve pôs uma mão no seu braço e disse com voz suave:
— Não se preocupe, Cam. Vou vigiá-la.
O rosto da jovem mostrava a frustração que sentia. Estava claro que não
queria delatar Lily, e embora Eve não tivesse intenção alguma de tentar
surrupiar informação, não gostava de vê-la tão preocupada.
274
— Está cheia de ideias românticas — resmungou a jovem.
— Já sei, mas não precisa se preocupar. Fitz e eu podemos cuidar dela.
Você deve se preocupar apenas com sua recuperação.
— E em me livrar de todas essas manchas, pareço um leopardo.
— São animais muito bonitos.
A jovem esboçou um sorriso ao responder:
— Acredito que preferiria minha aparência habitual — franziu um
pouco o cenho, e por um instante pareceu vulnerável, fato incomum nela —
Suponho que as manchas... sairão, não? Não vão ficar…
— Marcas na pele? Não, não acredito, apenas te arranhaste. A loção fez
bem, não acha?
Conversaram durante alguns minutos, e Camellia foi relaxando; quando
concordou em tentar dormir um pouco, Eve foi ao seu quarto pegar seu
chapéu e seu casaco e saiu em busca de Lily.
A jovem estava no jardim de inverno, olhando taciturna por uma das
janelas. Ao ouvi-la entrar se virou e a olhou com expressão interrogante, e
logo em seguida agarrou o chapéu e as luvas do pequeno cabide que estava
ao seu lado.
Eve se alegrou de estar com o casaco, porque já começava a fazer um
pouco de frio; em breve, teriam que se abrigar muito bem para sair ao
jardim. Enquanto percorriam em silêncio os canteiros, tentou encontrar a
forma de abordar com diplomacia o assunto que a preocupava, mas no final
decidiu não fazer rodeios.
— Está planejando algo com o senhor Carr?
A jovem se virou para ela de repente, e disse com indignação:
— Camellia lhe contou, não é?
— Não, sabe muito bem que seria incapaz de te trair. Estava muito
alterada, e ao entrar no quarto ouvi quando falavam. Tenho que saber, Lily.
Ele te propôs casamento?
275
— Sim! — levantou desafiante o queixo antes de acrescentar — E
aceitei. Estamos apaixonados.
— Mas já sabe que está prometido a outra.
— Em nenhum momento prometeu casamento a ela. É apenas um plano
arquitetado pelo seu pai e a mãe dessa mulher, mas Neville nunca quis se
casar com ela. Concordou porque acreditava que jamais chegaria a se
apaixonar, e não é justo que seja obrigado a casar com alguém a quem nem
sequer propôs casamento.
— Mas todos esperam por isso.
— Segundo Neville, ela tampouco quer casar com ele.
— Mesmo que seja verdade, todos estão esperando que esse casamento
se realize, e se ele voltar atrás, o assunto vai se tornar a maior fofoca de
toda a cidade.
— Já sei que haverá um escândalo, mas logo tudo será esquecido.
Neville disse que as pessoas deixarão de comentar assim que surja uma
nova fofoca, e de qualquer maneira, não me importo com a opinião da alta
sociedade. Não conheço nenhum desses afetados e eles não me conhecem,
não me afetará em nada que mexeriquem sobre mim, nem sequer ficarei
sabendo, porque estarei com Neville. E se a coisa ficar muito feia, iremos
morar um tempo no continente.
Eve ficou atônita ao ver a naturalidade com que falava, como poderia
combater aquela segurança tão arrasadora?
— Já pensou no pai do senhor Carr? Não vai gostar que seu filho não
cumpra seus desejos. É o detentor do título de nobreza e do patrimônio
familiar, quem controla o dinheiro.
— Não estou acostumada a ser rica. Esse senhor acabará aceitando
nosso casamento, e se não o fizer, Neville me disse que sua avó lhe deixou
uma pequena herança. Não vamos morrer de fome.
276
— Seja sensata, Lily! — não pôde conter aquele estalo de exasperação,
mas ao ver que levantava o queixo com teimosia num gesto muito similar
ao que sua irmã fez um pouco antes, acrescentou com voz mais suave —
Você ainda não é maior de idade, querida. Stewkesbury é seu tutor, acha de
verdade que vai permitir que se envolva em um casamento que vai causar
um escândalo?
— Fugiremos juntos se não houver outra opção — disse com total
convencimento, desafiante.
— O que? Não, por favor…
Lily parou subitamente, e se virou para olhá-la.
— Todo mundo se comporta como se isso fosse a coisa mais horrível do
mundo, mas não é. O pior de tudo é viver sem amor. Minha mãe fugiu com
meu pai, e jamais se arrependeu de sua decisão. Foram felizes e não se
importavam com títulos, dinheiro e todas essas coisas, porque tinham um
ao outro… como Neville e eu.
— Embora não se importe com o escândalo, deve pensar em Camellia.
— Minha irmã não entende minhas razões. Não sei por que se opõe,
costuma ser a mais valente de todas.
— Deve estar preocupada, temerosa que cometa um engano do qual se
arrependerá pelo resto de sua vida, mas estou pensando também em seu
bem-estar; embora você parta para o continente e escape junto com seu
marido para longe das línguas viperinas, ela terá que ficar aqui e aguentar
uma temporada social marcada pelas fofocas. O escândalo afetará toda sua
família… Mary e sir Royce, Fitz, o conde… mas sobretudo Camellia. Já
seria terrível que o senhor Carr deixasse plantada lady Priscilla, mas se
ainda escaparem… o escândalo seria monumental.
— Camellia não se importará, já disse que é a mais valente de todas.
— Elá será quem a defenderá perante a menor provocação. Acha que
permitirá que alguém fale mal de você na frente dela? Se discutir com
277
alguma das matronas do Almack's, sua ruína social estará garantida, e sabe
tão bem como eu que não pensará nas possíveis consequências. É uma
pessoa muito leal.
— Mas… não será necessário que me defenda, direi que não o faça —
Lily já não parecia tão segura de si mesma, e afastou o olhar ao dar-se
conta que acabava de dizer uma sandice.
Eve aproveitou aquele momento de debilidade para seguir insistindo.
Aproximou-se mais dela, e pôs a mão no seu braço.
— Sei que não quer prejudicar sua irmã nem a ninguém mais, por isso te
peço que me prometa que não fugirá com o senhor Carr. Espere que o
conde volte, e fale com ele.
A jovem arregalou os olhos, e exclamou:
— Não, não posso falar com ele! Já sei que não é uma má pessoa, mas
me dá um pouco de medo.
— O senhor Carr estará ao seu lado durante a conversa, não permitirá
que enfrente o conde sozinha.
Lily se tranquilizou um pouco ao ouvir aquilo, mas ainda não estava
convencida totalmente.
— Não sei…
Eve decidiu tentar todos os meios de persuasão. Não gostava de usar
seus próprios problemas para tentar convencê-la, mas estava desesperada
para impedir que tomasse uma decisão tão desastrosa; por muito felizes que
foram seus pais, o certo era que Miles e Flora Bascombe fugiram aos
Estados Unidos e criaram sua família longe do escândalo que criaram, e
foram seus familiares que suportaram os falatórios.
Era muito improvável que Neville renunciasse ao título e ao mundo no
qual viveu toda sua vida, e Lily seria conhecida durante o resto de seus dias
como a mulher que roubou o prometido de Priscilla Symington. As pessoas
continuariam ignorando-a inclusive quando fosse lady Carr, e as fofocas
278
não cessariam jamais. Sentiria-se ferida, e como era uma moça sensível,
sofreria também por ter prejudicado a sua própria família.
— Lily, por favor, espere. Como vou me virar sem você? Camellia
ainda está doente, a recuperação da senhora Merriwether está muito lenta, e
estou aflita com tanto trabalho, mas não vou poder me concentrar em nada
se estiver ainda mais preocupada com sua possível fuga de um momento
para o outro — não acrescentou que, se caso ela fugisse, perderia seu
trabalho como acompanhante, porque ficaria evidente que foi incapaz de
cumprir com a tarefa mais importante a qual foi encarregada.
— De acordo, prometo que não farei nada enquanto a situação continue
precária. Não posso abandonar Camellia num momento assim, nem te
abandonar quando mais necessita de mim.
— Obrigada — sentiu um alívio enorme. Ao menos conseguiu um
pouco de tempo para idealizar uma maneira de frustrar os planos do casal.
Passou o resto do dia ocupada com as tarefas habituais, esperando que
chegasse a noite; por causa da epidemia, não se reuniam no salão depois do
jantar. Lily costumava subir para fazer companhia a Camellia até que
adormecesse, Fitz ia ao escritório de seu irmão para tomar uma taça de
porto com Neville e com Gordon, e depois passavam para ver Leveque
antes de retirarem-se ao seus respectivos quartos. Ela, por sua vez,
costumava ver todos os doentes antes de passar alguns minutos resolvendo
os assuntos pendentes com o mordomo, e acabava a noite se encontrando
com Fitz no escritório.
Sabia que era uma loucura que ficassem a sós, porque o desejo que
sentia por ele aumentava ainda mais, mas não podia se conter. Passava o
dia inteiro desejando que chegasse o momento daquela breve visita, porque
alguns minutos ao seu lado bastavam para animá-la e apenas sua presença
enchia o vazio que sentia. Sentia um pouco de medo pela importância que
279
ele tomou em sua vida, e não queria nem pensar no futuro que a esperava
quando já não o tivesse ao seu lado.
Mas aquela noite não só queria vê-lo pelo simples desejo de desfrutar de
sua companhia, mas sim por uma razão muito mais prática. Queria pedir
que a ajudasse com Lily. Não queria revelar os segredos da jovem e era
consciente que jamais a perdoaria se soubesse, mas diferentemente de Fitz,
ela não tinha autoridade real sobre Lily nem influência sobre Neville; além
disso, já sabia que ele era um homem apto para resolver situações críticas.
Encontrou-o sentado atrás da mesa do escritório, verificando o livro de
contas. Deixou a jaqueta e o lenço do pescoço sobre uma cadeira próxima,
desabotoou o colete, e a seu lado estava uma taça com um dedo de brandy.
Estava com os cotovelos apoiados na mesa e os dedos afundados no cabelo,
e embora parecesse muito concentrado no que estava lendo, ao ouvi-la
entrar levantou a cabeça e sorriu.
— Eve.
Retribuiu seu sorriso, e só de vê-lo sentiu uma onda de felicidade.
Estava adorável com o cabelo revolto, parecia um garotinho travesso, mas
o corpo que se levantou da cadeira e se aproximou dela emanando poder
masculino era todo de um homem. A parte superior da camisa estava
desabotoada, e observou embevecida aquela pequena parte nua de seu
torso. Recordou seu toque e seu sabor, a pele quente e ligeiramente salgada,
a firmeza dos músculos… se obrigou com determinação a deixar de pensar
naquilo, e se limitou a dizer:
— Olá, Fitz — quando a rodeou com os braços e a apertou contra seu
corpo, permitiu-se o luxo de desfrutar por alguns segundos do calor de seu
abraço, da profunda sensação de bem-estar que a invadiu.
— O dia todo desejei fazer isso. Te vi quando voltava do jardim esta
tarde, e parecia tão cansada e preocupada, que quase não controlei a
necessidade que senti de ir abraçá-la.
280
— Teria ficado encantada se o fizesse – se aconchegou a ele, e se
apertou na sua cintura.
— O que está preocupando você? Posso ajudar em algo? — beijou o
topo de sua cabeça, e a conduziu para as poltronas que estavam na frente da
lareira.
— Espero que sim. Conversei com Lily, e a situação é pior do que
imaginava.
Nesse momento chegaram as poltronas, e ele se virou para olhá-la com
uma expressão penetrante.
— O que quer dizer? O que aconteceu?
— O senhor Carr a pediu em casamento.
— O que? — seu grito foi como um estalo, e ficou rígido — Neville se
declarou?
— Foi o que ela me disse; parece que estão dispostos a enfrentar o
escândalo.
— Oliver jamais dará seu consentimento.
— Duvido que isso os impeça.
— Pensam em fugir a Gretna Green?
— Lily está disposta a fazer isso, mas não sei o que o senhor Carr acha
disso. Ela argumenta que sua própria mãe o fez, e foi muito feliz.
Ele soltou um bufar, e respondeu com ironia:
— Sim, claro. Nos Estados Unidos morria de fome, criou quatro filhas
com poucos recursos, e teve que se casar com um canalha para poder
sustentá-las. Tenho certeza que minha tia não gostaria que uma de suas
filhas passasse pelo que ela passou.
— Lily é uma romântica incurável, e suponho que sua mãe também foi;
além disso, as irmãs Bascombe são bastante rebeldes.
— Eu diria que são teimosas e obstinadas — esticou a mandíbula, e seus
olhos se encheram de fúria ao acrescentar — A culpada não é ela, só tem
281
dezoito anos e nem sequer foi apresentada na sociedade. Diabos, jamais
pensei que Neville pudesse ser tão canalha — deu meia volta, e começou a
passear de um lado ao outro no escritório — vou desafiá-lo para um
duelo… não, melhor ainda: vou chutá-lo para fora daqui, mas não sem
antes lhe dar a surra que merece.
— Duvido muito que essas atitudes beneficiem em algo à reputação de
Lily; além disso, isso não impedirá que fuja com ele — comentou ela,
secamente.
— Mandarei prendê-la no seu quarto se não tiver outra opção! — ao ver
que levava a mão à boca para conter uma risadinha, perguntou atônito —
Está rindo?
— Me perdoe, acho que você seria um sucesso, interpretando o papel de
pai autoritário numa peça de teatro.
Ele a olhou carrancudo, mas depois de alguns segundos sua boca se
curvou num pequeno sorriso e relaxou; depois de soltar um som que estava
entre um gemido e uma gargalhada, sentou-se pesadamente na poltrona e
jogou a cabeça para trás.
— Tem razão. Ignorava que Neville pudesse chegar a esse ponto, mas
posso entender… ele se acreditava incapaz de amar, e agora não pode viver
sem ela. Maldita seja, por que tenho que ser eu quem o condene a um
futuro de tristeza e solidão? — olhou-a antes de admitir — Acredito que a
ama de verdade.
— Sim, e acho que é correspondido; de fato, fariam um bom casal se ele
não estivesse prometido a outra. Lily não seria feliz estando casada com um
homem sério e respeitável, e com o senhor Carr não se aborreceria jamais.
— Isso não duvido, mas esquecendo um pouco o escândalo, onde
viveriam? O pai de Neville não aceitará que nessas alturas se negue a casar-
se com Priscilla, e quanto a lady Symington…— fingiu que estremecia de
terror, e deixou a frase inacabada — Não, será um escândalo tremendo se
282
Neville se casar com Lily. Lorde Carr se negaria a lhe dar dinheiro, e
Oliver ficaria furioso… embora não vá permitir que morram de fome, é
claro. Mas a apresentação de Camellia na sociedade ficaria obscurecida
totalmente, todos voltariam a comentar sobre a fuga de Tia Flora.
— Não sabe quanto lamento, falhei com Lily… e com todos vocês.
Deveria ter vigiado Lily mais atentamente.
Ao ver que seus olhos se enchiam de lágrimas, puxou-a pela mão e se
apressou a dizer:
— Não, minha querida, não quero que pense assim. Todos nós,
incluindo Oliver, sabíamos que vigiar minhas primas seria uma tarefa
muito difícil, ainda mais agora que Mary e Rose não estão aqui para ajudar
a mantê-las sobre controle; além disso, desde que a epidemia chegou até
Willowmere, você precisou se encarregar de muitas tarefas, e ninguém
espera que vigie Lily as vinte e quatro horas do dia. Se houver algum
culpado (além deles dois, é claro), esse sou eu, porque deveria ter pedido a
Neville que partisse assim que me contou o que estava acontecendo. Está
claro que confiei na pessoa errada.
— Não acredito que seu irmão seja tão pormenorizado.
— Vai me passar um bom sermão, posso garantir — soltou sua mão, e
se reclinou de novo na cadeira — Mas ainda não vou me dar por vencido,
suponho que não pretendam fugir esta noite.
— Não, Lily me prometeu que não fará nada enquanto a casa esteja
neste estado tão precário, que vai ficar e ajudar. O sarampo dura em média
duas semanas, e se contarmos os que adoeceram mais tarde, calculo que
resta ao menos uma semana de vantagem.
— Nesse caso, ainda há tempo para que meu plano funcione — disse
sorridente, e com um brilho travesso no olhar.
— Do que se trata? O que vai fazer?
— Ainda não posso dizer, saberá no seu devido tempo.
283
— Não seja tão misterioso, me conte...
Ele pôs-se a rir, mas se manteve firme.
— Não, é melhor que não saiba. Sua reação será muito mais natural.
— Você é tão exasperante! — apesar de tudo, sentiu que a terrível
preocupação que apertava seu peito, se aliviava um pouco; quando estava
junto de Fitz, era mais fácil acreditar que tudo sairia bem.
— Sim, já sei. Gostaria de beber algo? Um xerez, possivelmente?
Foi ao balcão das bebidas sem esperar resposta, serviu uma taça, e
conversaram sobre suas respectivas responsabilidades enquanto
saboreavam suas bebidas. Contou que Camellia estava se recuperando e
que a recuperação da governanta era mais lenta, e ele contou como resolveu
a briga entre dois dos arrendatários de seu irmão porque a vaca de um tinha
entrado nas terras do outro.
— Parece cansada, trabalha muito.
— Não é para tanto. Passo grande parte do dia sentada junto à cama de
Camellia, lendo ou conversando com ela.
— Sim, e o resto do tempo vai de um lado ao outro tentando resolver
todos os problemas que vão surgindo na casa. Eu gostaria de poder aliviar
todas as suas preocupações.
— Eu adoraria me desfazer delas, mas tenho certeza que é uma
responsabilidade que devo assumir.
Ele deixou de lado sua taça, ficou de pé, e se colocou atrás dela.
Colocou as mãos nos seus ombros, e começou a massageá-la para desfazer
a tensão; quando ela soltou um suspiro de prazer, concentrou-se em seu
pescoço durante alguns segundos antes de voltar novamente para os
ombros e a parte superior das costas.
— Levante-se.
Eve obedeceu imediatamente, e foi relaxando enquanto ele massageava
suas costas de cima a baixo. As preocupações foram desaparecendo junto
284
com o cansaço, e se apoiou naquelas firmes mãos masculinas e sentiu que
seus ossos estavam derretendo. Um fogo ardente invadiu seu interior e se
estendeu como uma corrente por suas veias, sentiu uma tensão pulsando em
seu sexo, e seus mamilos endureceram. Queria que acariciasse seus seios,
que os cobrisse com as mãos e acariciasse os mamilos com os polegares.
— Oh, Fitz… — sussurrou, enquanto jogava a cabeça para trás até
apoiá-la em seu peito.
Rodeou sua cintura com os braços, e sussurrou seu nome enquanto a
atormentava deslizando os lábios por seu pescoço. Quando mordiscou ali e
subiu as mãos até cobrir os seios, ela estremeceu de prazer e se intensificou
a tensão de seu sexo. Queria fazer amor ali mesmo, que a deitasse no chão
e a cobrisse com aquele corpo duro e masculino. Precisava senti-lo em seu
interior, enchendo-a, e imaginou a si mesma rodeando-o com as pernas e
apertando-o ainda mais contra seu corpo…
Os passos de alguém que descia pela escada traseira quebrou o silêncio
que reinava na casa. Fitz a soltou de repente e foi para a porta veloz como
uma bala, mas soltou uma maldição ao perceber que a chave não estava lá,
e permaneceu imóvel e à espera enquanto sujeitava a maçaneta com força
para que ninguém pudesse entrar; depois de um longo momento, abriu com
cautela e olhou o corredor, quando voltou a fechar se virou para ela e
apoiou as costas na porta.
— Parece que alguém foi à cozinha. Fui um tolo, nem sequer sei onde
está a condenada chave — pegou a jaqueta que tinha deixado sobre uma
das cadeiras, e a vestiu com movimentos tensos.
— Eu sim tenho a chave do meu quarto — sabia que estava sendo muito
atrevida, mas a paixão insatisfeita corria por suas veias.
Ele a olhou com uma expressão que refletia quanto a desejava, mas
negou com a cabeça e respondeu:
285
— Não. Não me tente, peço-lhe isso. Jurei que não faria nada que
pudesse te ferir, e esta casa está cheia de gente andando para lá e para cá a
seu prazer. Estou convencido que meu primo Gordon desce todas as noites
para beber o porto de meu irmão.
— Sim, já sei que tem razão, mas…
— Falta pouco — se aproximou dela, segurou-a pelos braços, e esperou
que o olhasse antes de acrescentar — Falta pouco para que tudo isto acabe,
e assim que nossos hóspedes se forem, poderemos… — deixou a frase
inacabada, e lhe deu um beijo intenso mas breve antes de obrigar-se a soltá-
la — Será melhor que vá para o seu quarto.
Olhou novamente para o corredor, e quando teve certeza que o caminho
estava livre, afastou-se para um lado e assentiu. Ela saiu do escritório com
cuidado, e se afastou pelo corredor sem olhar para trás nenhuma só vez.
Camellia amanheceu muito melhor no dia seguinte, mas apesar de não
estar febril, parecia mais cansada e dormiu sem protestar. Eve decidiu
aproveitar para escrever várias cartas que estavam pendentes, entre elas
uma para Vivian para perguntar tanto por sua saúde como pela do resto dos
habitantes de Halstead House.
Procurou Lily para tentar persuadi-la que fosse conversar com ela
enquanto escrevia as cartas, mas ao não encontrá-la por nenhum lado supôs
que estaria com Neville, provavelmente no jardim. Como passar a tarde
inteira buscando-os em todos os lugares seria uma perda de tempo, deixou
de lado o assunto e foi ao salão para redigir as cartas.
Logo em seguida, ouviu ruído no exterior, e se surpreendeu ao ver que
se aproximava uma enorme carruagem de aspecto antiquado que nunca viu
antes em sua vida. Não era de lorde Humphrey, e muito menos o moderno
veículo no qual lorde Stewkesbury partiu para Londres, mas fosse quem
286
fosse, teria que evitar que entrassem na casa para que não ficassem
expostos ao sarampo.
Saiu do salão apressada, mas antes que pudesse alcançar a porta
principal, Fitz se aproximou correndo pelo corredor e disse em voz baixa
mas firme:
— Não, não abra.
— Mas vem…
Ele colocou um dedo nos lábios para indicar que ficasse em silêncio, e
segurou seu pulso com a outra mão; depois de dar uma olhada com cautela
pela estreita janela que havia junto à porta, apressou-se a retroceder e
esboçou um enorme sorriso.
— Sabia! — disse em voz baixa mas triunfal, e a levou para o corredor.
— Fitz! Pode-se saber o que está fazendo? Sabe quem é?
— Nossa salvação; ao menos, isso espero — dobrou a esquina, e foi
com passo firme para o jardim de inverno — Acredito que tanto você como
eu estamos tão atarefados, que não nos inteiramos que estão batendo na
porta.
— Quer que entre alguém sabendo que pode se contagiar?
— Não tenho escrúpulos, já sei. Sentamos? — conduziu-a para um
incômodo banco de ferro forjado junto a uma samambaia, e se colocou de
frente a uma das janelas — Ah, aí vem Neville e Lily… ele parece um
pouco nervoso — seu sorriso se abriu ainda mais.
Eve pensou que parecia muito satisfeito consigo mesmo e abriu a boca
para pedir uma explicação, mas nesse momento ouviu o som de vozes ao
longe e uma imperiosa voz de mulher ressoou por toda a casa:
— Fitzhugh! Fitzhugh Talbot!
— Talvez tenha me excedido — já não parecia tão seguro de si mesmo,
mas se encheu de coragem e se virou para a porta enquanto se ouvia o som
de passos que se aproximavam.
287
Eve se surpreendeu ao ver duas mulheres seguidas pelo pobre Bostwick,
que estava espremendo as mãos com desespero. Tinha dado por feito que
aquela voz tão autoritária pertencia a uma mulher imponente, mas aquela
dama de meia idade era bastante pequena. Tinha o cabelo castanho, mas
com uma chamativa mecha branca de cada lado da têmpora, e o penteado
que usava era muito elaborado. Vestia-se com uma elegância deliciosa,
começando por um chapéu de seda verde e acabando por delicadas botas de
cano longo, mas a expressão de seu rosto combinava perfeitamente com
sua voz, porque refletia uma arrogância inata.
Atrás dela, estava uma mulher muito mais jovem mas de estatura
similar. Tinha olhos marrons e uma boa figura, mas estava claro que não a
interessava realçar seu atrativo. Usava óculos que não a favoreciam
absolutamente, e seu cabelo estava preso num simples coque na altura da
nuca. Caminhava com a cabeça curvada e de vez em quando olhava com
ansiedade à mulher que a precedia, que nesse momento fulminou Fitz com
o olhar e disse:
— Exijo uma explicação! O insolente de seu mordomo não queria me
deixar entrar, desde quando não sou bem-vinda em Willowmere?
Bostwick espremeu as mãos com ansiedade renovada, e gemeu
implorante:
— Não, não era minha intenção…
A jovem que a acompanhava corou, e olhou mortificada para Fitz.
— Mamãe, por favor, estou convencida de que se trata de algum mal-
entendido.
— O falecido conde deve estar revolvendo-se em sua tumba ao ver a
hospitalidade em decadência nesta casa. Reginald sempre foi um cavalheiro
e pensei que Oliver seguia seus passos, mas parece que os jovens de hoje
em dia carecem de boas maneiras.
Fitz se aproximou delas, e disse com toda naturalidade:
288
— Peço-lhe que aceite minhas desculpas, é obvio que ambas são bem-
vindas a Willowmere. Não resta dúvida que a intenção de Bostwick era
avisá-las que há uma epidemia de sarampo na casa… na verdade, em toda a
região. Tenho certeza que tentava impedir que se contagiassem.
A mulher não parecia satisfeita com sua explicação, porque soltou um
bufar e apertou os lábios, mas nesse momento a porta que se comunica com
o terraço se abriu e Neville entrou como uma exalação e com o Lily em
seus calcanhares.
— Fitz, acho que vi … — parou subitamente ao ver as recém chegadas,
e Lily se chocou contra suas costas — Deus do Céu!
— Olá, Neville. Não sabe quanta vontade tinha de te ver — disse a
mulher mais velha, com voz áspera.
Neville recuperou a compostura o suficiente para fechar a boca e as
saudar com uma cortês inclinação.
289
Capítulo 18
— Lady Symington, Priscilla… que surpresa.
As palavras de Neville confirmaram o que Eve suspeitou desde que as
viu chegar, mas Lily não pôde conter uma pequena exclamação abafada.
— Sim, uma verdadeira surpresa — concordou Fitz, com muita calma.
Ignorou o olhar cheio de desconfiança que seu amigo lançou, e se virou de
novo para lady Symington e Priscilla — Já conhecem o senhor Carr, é
obvio, mas me permitam que as apresente a minha prima, a senhorita Lily
Bascombe, e a senhora Hawthorne. Prima Lily, senhora Hawthorne,
apresento lady Symington e sua filha, lady Priscilla.
Eve se aproximou para saudá-las com uma reverência, e se sentiu
agradada ao ver que Lily fazia o mesmo apesar de estar consternada. Lady
Symington se limitou a saudar com uma fria inclinação de cabeça, mas sua
filha sorriu com acanhamento e ofereceu a mão.
— É um prazer conhecê-las. Desculpem a intromissão, não estávamos
sabendo sobre a epidemia.
— Que tolice, Priscilla! Já tivemos sarampo, não vamos pegar nada —
era óbvio que não se importava com os problemas que poderiam criar para
os habitantes da casa.
A jovem desviou o olhar e corou, porém, não foi possível distinguir se o
seu constrangimento era por si mesma ou por causa do comportamento de
sua mãe.
— Mesmo assim, acho que se trata de uma epidemia especialmente
virulenta — assegurou Neville, ao aproximar-se do grupo.
290
Lady Symington lançou um olhar que poderia congelar uma jarra de
água, e disse:
— Isso não importa, o sarampo só se contrai uma vez.
— Sei, mas muitos criados adoeceram e quase não temos pessoal
disponível, portanto, duvido que possam oferecer o nível de conforto ao
que estão acostumadas.
— Está insultando minha hospitalidade? — perguntou Fitz, com olhos
brilhantes.
Neville o fulminou com o olhar antes de responder:
— Só acho que lady Symington e lady Priscilla se sentiriam muito mais
confortáveis na hospedaria do povoado.
— Sim, mamãe, talvez devêssemos…
— Acha que deveríamos ficar hospedadas no povoado? — pelo tom de
suas palavras, parecia que Neville acabava de propor que ficassem em uma
pocilga — Me atrevo a afirmar sem medo de errar, que Willowmere supera
com certeza, qualquer hospedaria, por mais afetada que esteja a casa por
causa da epidemia. Deve aprender a controlar sua tendência ao exagero,
Neville; e quanto a você, Priscilla, deve deixar de lhe dar razão quando
começa a dizer sandices — a fulminou com um olhar cheio de cólera, e
acrescentou — Esse casamento será muito complicado se começar assim.
— Mas se não… — a jovem se deu por vencida, e virou o rosto
enquanto entrelaçava as mãos com força. A pobre estava vermelha como
um tomate.
— Vou providenciar que preparem seus quartos imediatamente — disse
Eve, para a detestável mulher. Teria preferido deixá-la esperando algum
tempo, mas sentia tanta pena de lady Priscilla, que não queria piorar ainda
mais a situação — Bostwick?
Lançou um olhar eloquente ao mordomo e outro a Lily, e os dois a
seguiram, aliviados. Deu instruções a Bostwick assim que saíram ao
291
corredor, e quando ele partiu para a ala dos serviçais, ela subiu com Lily
para os quartos.
— Essa é lady Priscilla? A mulher que Neville tem que… pedir em
casamento? — perguntou a jovem, quase sem fôlego, enquanto se
esforçava para seguir seu passo.
— Sim. Sinto muito, querida. Imagino quanto te dói, mas…
— Já sei, já sei… terei que enfrentar situações muito piores, não é? —
não parecia tão segura de si mesma como no dia anterior — Me pareceu
bastante agradável.
— A mim também, mas sua mãe é uma tirana — foi para seu próprio
quarto, e tirou suas bolsas de viagem do armário.
— Eu que o diga — Lily se encarregou de esvaziar as gavetas, e de
deixar sobre a cama os pertences de Eve enquanto ela os guardava nas
bolsas apressadamente — Realmente vai ceder seu quarto?
— Sim, é o mais sensato. Já está limpo, e é um dos maiores; além disso,
está bem ao lado do que pertencia a Mary, e nesse só será necessário tirar o
pó e trocar os lençóis. Priscilla e sua mãe ficarão uma ao lado da outra e
são os melhores quartos com exceção do quarto do conde, mas esse não
podemos oferecer, é obvio.
— Onde você vai ficar? Não me parece justo!
— Acho que será melhor que me instale na ala das crianças.
— Fala sério?
— Sim. Duvido que lady Symington ache conveniente que uma
empregada durma na ala familiar, e além disso, não quero ficar nos quartos
do outro lado do corredor, porque acredito que o senhor Carr e o senhor
Harrington costumam ficar até bastante tarde com monsieur Leveque. Na
ala das crianças, não terei que suportar o barulho, e é perfeito para mim…
não se zangue, querida. Não me importo de ficar lá, e de qualquer maneira,
será por pouco tempo.
292
— Não me interessa seus argumentos, eu não gosto da ideia! Além
disso, por que estão aqui? Não acredito que vieram nos visitar sem motivo
algum.
— Não, eu também não acredito — decidiu não mencionar a expressão
entre triunfal e travessa que identificou no rosto de Fitz quando elas
chegaram — Tenho a impressão que lady Symington veio atrás do senhor
Carr; conforme soube, ele decidiu vir a Willowmere quando Priscilla e ela
se apresentaram de improviso no imóvel de sua família, assim suponho que
ela soube que estava aqui e decidiu vir atrás dele.
— Acho uma ousadia de sua parte.
— Lady Symington não parece ser uma pessoa que se intimida.
— Pobre Neville… imagine como seria ter uma sogra assim!
— Sim, suponho que o pressionará para que não retire sua proposta de
casamento.
— Ele nunca chegou a propor nada a sua filha! — protestou a jovem,
indignada.
— Já me entendeu. Duvido que lady Priscilla armasse um escândalo…
não concorda que a pobre parecia bastante constrangida? — lançou um
olhar de soslaio antes de acrescentar — Mas sua mãe teimará em obrigá-lo
a cumprir o acordo.
— É uma mulher detestável, não estranho que sua filha pareça tão…
tão…
— Tiranizada? — Eve se sentiu um pouco culpada ao vê-la cada vez
mais abatida, mas estava falando pelo seu próprio bem — Suponho que
está desejando se casar com o senhor Carr para poder se livrar do domínio
de sua mãe, mas isso não é razão suficiente para que ele tenha que aceitá-la
como esposa.
— Não, é obvio que não — a voz da jovem era apenas um sussurro.
293
Demoraram pouco para recolher tudo, e ouviram que várias donzelas
estavam limpando o quarto ao lado; enquanto esperavam que os lacaios
retirassem os pertences de Eve, Lily e ela aproveitaram para limpar um
pouco e trocar os lençóis, logo em seguida, os dois quartos estavam prontos
para as novas ocupantes.
Lily foi contar a novidade para Camellia, e Eve foi para a ala das
crianças. Não era em outro andar da casa, como em muitas outras mansões,
mas sim, em um dos anexos que foram acrescentados ao edifício original
ao longo dos anos, e que conferiam a Willowmere aquele encanto tão
especial.
Na metade do corredor onde estavam os dormitórios, bem em frente das
janelas, havia do lado esquerdo um pequeno corredor que conduzia a uma
porta fechada, e esta para uma escada. Se Eve tivesse virado à direita e
descido a escada, teria chegado na enorme cozinha, mas atravessou o
patamar e subiu os seis degraus que levavam a ala dos meninos. Estava
construída sobre a cozinha e ala dos serviçais, e era usada em poucas
ocasiões.
Entrou no primeiro, destinado a preceptora; como a das crianças que
estavam no mesmo corredor, era menor e tinha menos móveis que o que
ocupou antes, mas havia uma cama que parecia bastante macia, um
armário, uma penteadeira, uma cômoda, e até uma cadeira junto à janela de
onde se podia ver uma parte do jardim.
Tanto seu baú como suas bolsas estavam aos pés da cama, os lençóis
que cobriram os móveis estavam dobrados, e várias donzelas estavam
virando o colchão nesse momento. Como percebeu que ainda demorariam
um pouco para preparar o quarto, agradeceu sorridente e desceu para a
cozinha; tal e como esperava, encontrou a cozinheira muito nervosa pela
repentina chegada de novas visitas.
294
— O menu que combinamos para hoje não vai satisfazer a Sua
Senhoria! Não é a primeira vez que vem aqui, e sempre se queixa… que
está muito frio, que está muito seco… em todas as refeições nos devolvia
um prato no mínimo!
— Lady Symington vai ter que aceitar que a cozinha está com recursos
limitados devido a epidemia — disse com mais segurança que sentia.
— Dirá a todo mundo que em Willowmere não se come bem, não posso
deixar lorde Stewkesbury em evidência!
— Tenho certeza que o conde é um homem sensato, e que não vai se
envergonhar pelo simples fato que teremos que diminuir o número de
pratos servidos devido a uma emergência; se achar necessário, acrescente
alguma outra coisa, uma sobremesa, ou uma sopa. O que lady Symington
gosta?
— De nada.
Eve pôs-se a rir, porque depois de conhecer a dama em questão,
suspeitava que a cozinheira estava dizendo a pura verdade.
— Você, tente aproveitar ao máximo o tempo e os recursos que tem, e
deixe que o senhor Talbot se encarregue de levantar o ânimo de Sua
Senhoria com seu encanto inato — não foi difícil reparar que a criadagem
gostava muito dele.
A cozinheira esboçou um sorriso, e admitiu:
— O senhor Fitz é muito persuasivo, seria capaz de convencer os
pássaros para que descessem das árvores.
Ao ver que estava um pouco mais animada, Eve se despediu e foi a
procura de Bostwick, que parecia ter aceito aquela visita como um desafio,
estava limpando a melhor prata e dando ordens a torto e a direito. Como era
óbvio que tinha tudo sob controle, decidiu procurar Fitz e o encontrou no
escritório, reclinado na cadeira de seu irmão e com o olhar fixo no teto.
Levantou-se imediatamente ao ouvi-la entrar, e disse sorridente:
295
— Eve… quero dizer, senhora Hawthorne. Maldição, vou ter que ser
muito cuidadoso. Dizem que lady Symington tem olhos no cangote… e
acredito que tem também, um par adicional de orelhas.
— E mesmo assim, suspeito que você é o responsável por sua chegada.
Ele colocou um dedo nos lábios, e disse com picardia:
— Que Neville não te ouça dizer isso, já veio me dar uma bronca;
parece que está convencido que eu planejei tudo para que lady Symington
viesse.
— E não é verdade? Não sei por que, mas não posso deixar de pensar
que isso tem muito a ver com o plano que mencionou ontem.
— Foi Gordon quem me deu a ideia — admitiu, com um sorriso
impenitente.
— Sério?
— Sim. Sua chegada me irritou terrivelmente, porque atribui ao traste a
possibilidade que nos visse juntos, mas isso me fez pensar no quanto
prejudiciais podem ser as visitas inesperadas para uma relação amorosa.
— Escreveu uma carta a lady Symington convidando-a para vir?
— Deixei escapar que Neville estava aqui, e acho que recordei a ela, por
pura cortesia, o quanto seriam sempre bem-vindas a Willowmere… embora
não quero nem pensar no que Oliver dirá se ainda estiverem aqui quando
ele regressar. Não sabia se ela morderia o anzol, porque expliquei na carta
sobre a epidemia.
— Está claro que isso não tem a menor importância para ela. Acha que
será suficiente?
— Foi o único plano que me ocorreu em tão pouco tempo, embora devo
considerar que poderia ter o efeito contrário e fazer com que nosso casal de
apaixonados fuja no meio da noite.
— Não acredito que Lily quebre sua promessa. A pobre ficou
horrorizada ao conhecer lady Symington.
296
— Vai passar.
— Mas notei que sentiu pena de Priscilla… a verdade é que você foi
muito ardiloso. Até agora, a prometida de Neville não era mais que um ente
imaginário para ela, mas agora, será muito mais difícil machucar alguém a
quem conhece. Lily é uma moça muito sensível.
— Neville está furioso. Assim que nossas convidadas subiram para seus
quartos, jogou-me na cara minha falta de honra, lealdade, e bom senso… e
na verdade, depois de passar um momento na companhia de lady
Symington, eu mesmo começo a me perguntar se estou lúcido.
— Tem certeza que você é o causador da visita?
— Não, tive sorte e me acusou de tê-las convidado. Neguei com total
franqueza, porque me assegurei de não convidá-las de forma explícita na
carta. Não acreditou totalmente, mas sabe que tanto seu pai como lady
Symington poderiam ter sido informados por algum dos convidados do
casamento que ele estava aqui.
— Acha que vai mudar de opinião quanto a Lily, agora que elas estão
aqui?
— Você mesma me disse que é difícil machucar alguém conhecido, e
mais ainda se essa pessoa estiver diante de seu nariz. Acredito que tem
consideração por Priscilla, e sabe que lady Symington acabaria culpando-a
se ele decidisse fugir — esboçou um sorriso antes de acrescentar — Agora
vamos esperar para ver se Neville vai renunciar a seus planos, antes que eu
perca a estribeira e expulse lady Symington daqui.
O jantar foi reduzido de forma considerável desde que o sarampo
chegou a Willowmere, havia menos pratos e os guisados não eram tão
elaborados. Os hóspedes se acostumaram a um ambiente mais informal,
jantavam mais cedo e não se incomodavam em se vestir com a elegância
297
costumeira… mas lady Symington desceu para a sala de jantar usando um
vestido de seda e enfeitada com diamantes.
Contemplou os outros através do monóculo, e disse com altivez:
— O que significa isto, Fitzhugh? Nesta casa já não é necessário se
arrumar para jantar? — a julgar por sua expressão, parecia que todos
estavam nus.
— Peço que me desculpe, lady Symington. Deveria ter avisado, mas me
esqueci. Devido ao sarampo e a escassez de serventes, optamos por um
traje mais informal.
— Essas razões não me convencem, deve manter certos padrões; de
outro modo, o que nos distinguirá dos bárbaros? Seríamos como os
escoceses ou os americanos.
— Eu sou americana — disse Lily.
— Sim, já sei — lançou um olhar mais que eloquente antes de virar-se
de novo para Fitz — Se Stewkesbury estivesse aqui, sentiria-se
horrorizado.
— Pode ser que sim, mas como não está, continuaremos como antes.
Priscilla lançou a todos um olhar de desculpa, mas ao longo da noite se
viu obrigada a fazer o mesmo em várias ocasiões, porque sua mãe parecia
encontrar falhas em tudo e em todos. Corrigiu a postura de Gordon e a
forma com que Lily segurava a colherinha de sobremesa, comentou que o
centro de mesa de prata que Bostwick tinha polido com tanto esmero era
tosco, que havia pouca variedade de pratos, e admitiu que teria gostado que
o molho da carne estivesse melhor; tal e como a cozinheira previra,
mandou de volta para a cozinha dois dos pratos… um porque estava muito
frio, e o outro porque faltava sal.
Eve sentiu pena de Priscilla, que estava cada vez mais calada e abatida.
Devia ser uma experiência humilhante para ela. Neville fugira para não ter
que propor casamento, e sua mãe não só a levou arrastada atrás dele para
298
obrigá-lo, como, além disso, tinha praticamente invadido uma casa onde
qualquer outra pessoa com a menor sensibilidade, perceberia que a
presença de visitas aumentaria os problemas já existentes.
Priscilla era incapaz de enfrentar sua mãe, portanto, a única opção que
restava era desculpar-se em seu nome. Eve estava convencida que a pobre
desejaria estar muito longe dali, e se perguntou se teria percebido o amor
que existia entre Neville e Lily. Para ela era muito óbvio, mas
possivelmente era assim, porque acompanhou o crescimento desse amor.
Observou-a para ver como reagia ao olhar o casal, e se surpreendeu ao
notar que ela quase não olhava para Neville. No princípio pensou que era
porque estava envergonhada, mas conforme transcorria o jantar, começou a
repensar. Priscilla olhava Neville quando ele dizia algo e inclusive
esboçava um sorriso ao ouvir seus comentários, mas se comportava do
mesmo jeito, tanto com Gordon como com Fitz; de fato, olhava a todos da
mesma maneira, e embora lançasse alguns olhares de desculpa para
Neville, também fazia o mesmo com os outros, quando lady Symington
fazia um comentário insultante.
Foi um alívio que o jantar terminasse. Eve se alegrou pelo fato que, após
a epidemia, tivessem renunciado ao hábito de se reunirem no salão depois
do jantar, porque assim tanto Lily como ela se livraram de ter que passar
toda a noite na companhia das Symington.
Depois de despedirem-se com uma cortês inclinação de cabeça, subiram
juntas ao quarto de Camellia; como já estava muito melhor, não demorou
para deixá-la a sós com Lily, que estava contando detalhadamente como
transcorreu o jantar. Foi verificar como estavam os criados doentes, e se
alegrou ao ver que inclusive a senhora Merriwether estava muito melhor e
sua febre já tinha desaparecido.
Quando terminou a ronda, dirigiu-se para seu quarto cantarolando em
voz baixa, e depois de despir-se e de lavar-se, escolheu sua camisola mais
299
bonita. Sentou-se e escovou o cabelo até que o brilhante cabelo dourado
caiu sobre seus ombros como seda pura, e então vestiu a bata, agarrou um
livro, e começou a ler; geralmente, costumava descer para falar com Fitz no
escritório, mas nessa ocasião, tinha outros planos.
Não se surpreendeu quando, pouco depois, ouviu que alguém se
aproximava; logo em seguida, a porta se abriu e Fitz perguntou carrancudo:
— Que demônios faz aqui?
— Boa noite para você também — deixou o livro de lado, e ficou de pé.
— Por que não me disse que pretendia mudar para cá? Não, não precisa
responder, já sei a resposta… porque sabia que proibiria isso. Maldita seja,
Eve, não era necessário que cedesse seu quarto para as Symington.
— Achei mais sensato — deu alguns passos para ele, e acrescentou —
Lady Symington tinha certeza que se alojaria em um dos melhores
aposentos e não aceitaria que a puséssemos no fundo do corredor, junto a
monsieur Leveque. Não podíamos lhe dar o dormitório de lorde
Stewkesbury, e de qualquer maneira, acredito que tanto lady Priscilla como
ela, preferem estar perto uma da outra.
— Duvido muito que Priscilla prefira isso.
Ela esboçou um sorriso, e admitiu:
— Tem razão, mas tinha certeza que lady Symington insistiria em tê-la
perto.
— Não duvido, mas isso não significa que você deveria mudar de
quarto.
—O meu é ao lado do que estava vazio, e os dois são espaçosos e
agradáveis.
— Pode mudar Neville e Gordon dos seus, e dar a elas. Não tem por que
se privar de nada.
— Seria um pouco estranho alojar um hóspede em um aposento de
menor categoria, e uma empregada ocupar um dos melhores.
300
— Não é uma empregada! Quero dizer… — a olhou carrancudo, e
percorreu a pequena habitação com expressão de desdém antes de
resmungar — Eu não gosto que esteja num lugar como esse.
— Não está tão mal — se aproximou da porta pouco a pouco, e
acrescentou — Não sei se reparou, mas esse ala é bastante afastada —
fechou a porta com suavidade, trancou com a chave, e se virou para olhá-lo
com um sorriso muito sensual.
— Eve… o que está tramando?
— Percebi que a ala das crianças está muito afastada do resto da casa.
Terá que percorrer um corredor, cruzar uma porta, e subir seis degraus para
chegar até aqui… é como uma ala independente, poderia se dizer que está
isolada — colocou as mãos na faixa da bata enquanto falava, e começou a
desamarrar.
Ele seguiu com o olhar o movimento de seus dedos, e seu rosto mudou
de cor ao vê-la abrir o objeto e jogá-la para trás. Observou cativado como
descia pelos seus braços, como agarrava a bata e a jogava de lado, e então
baixou o olhar pouco a pouco por seu corpo. O fino tecido da camisola
deixava entrever suas curvas, o círculo escuro de seus mamilos…
— Não, Eve, não podemos — disse como se lhe custasse falar, com voz
rouca — Te disse, jurei… me nego a te expor a possíveis falatórios, há
muita gente na casa.
— Isso é o bom desse aposento — colocou as mãos no laço superior da
camisola, e o desfez — Quem vai nos ver aqui? Quem vai saber? — desfez
o segundo laço enquanto via como acelerava sua respiração, como se
acendiam seus olhos ao olhá-la, como apertava os punhos de ambos os
lados do corpo — Estamos sozinhos, Fitz. E estou farta de esperar.
A camisola se entreabriu quando desfez o último laço que a prendia, e
deixou descoberto sua pele macia até a cintura. O singelo algodão branco
301
descia pela parte interior de seus seios, revelando e ocultando ao mesmo
tempo, deixando entrever o que havia embaixo.
— Meu Deus, acha que também não estou? Sinto como estivesse a meia
vida esperando! — seu rosto refletia uma paixão descontrolada, estava
rígido de desejo, e era incapaz de deixar de devorar com o olhar a pele que
estava a mostra.
— Então, faça amor comigo. Não me importam os outros… onde estão,
quem são, ou o que possam pensar… quero que me faça amor aqui e agora
— tirou a camisola, e a deixou cair no chão.
Fitz soltou um som gutural, e se aproximou dela em dois passos
enquanto arrancava a jaqueta. Apertou-a contra seu corpo enquanto suas
bocas se fundiam em um beijo longo e profundo, enquanto a paixão
insatisfeita dos últimos dias aflorava com força total naquele abraço quase
desesperado.
Eve estremeceu ao sentir o roçar de seu colete de cetim contra seus
mamilos. Estar nua contra seu corpo vestido parecia exótico e depravado,
avivava ainda mais o desejo que sentia, e se moveu um pouco para saborear
o contato do cetim contra os seios.
Ele a apertou com mais força contra si enquanto baixava as mãos,
afundou os dedos nas covinhas da base de suas costas antes de seguir
baixando até suas nádegas. Deslizou os lábios por seu rosto e sua orelha, e
desceu por seu pescoço enquanto deixava um rastro de fogo. Traçou a
clavícula com os lábios até chegar ao ombro, e a percorreu no sentido
contrário usando a língua e os dentes.
Eve sentia como se sua pele estivesse em chamas, estava aflita pela
força da paixão que a invadia. Queria acariciá-lo, sentir sua pele sob as
mãos, saboreá-lo e explorá-lo. O desejo que sentia emanava de seu interior,
um desejo pulsante e insistente. Separou-se dele com a respiração
entrecortada, e começou a desabotoar seu colete com mãos tremulas. Teve
302
vontade de arrancá-lo, mas ainda conservava a prudência suficiente para
controlar-se.
Fitz também estava ansioso para despir-se, tirou o lenço do pescoço sem
olhar e o lançou de lado antes de tirar o colete. Demorou apenas um
instante para desabotoar os botões superiores da camisa, mas não se
incomodou em perder tempo com os de baixo e tirou o objeto pela cabeça.
Jogou os sapatos e colocou as mãos na braguilha, mas suas mãos tremeram
e acabou ficando imóvel quando ela começou a acariciar seu peito.
Eve colocou os lábios sobre seu peito, e ao sentir que ele estremecia e
afundava os dedos em seu cabelo, começou a saboreá-lo e a atormentá-lo,
como ele acabava de fazer com ela. Deslizou as mãos pelos firmes
músculos de suas costas, desceu-as por sua espinha dorsal e percorreu seus
braços. Queria mais, muito mais… queria tê-lo completamente.
Seguiu beijando seu peito enquanto desabotoava suas calças, e
aproveitou para agarrar seu traseiro quando baixou. Esboçou um sorriso
quando sentiu a pressão de seu membro ereto contra a pele, e ao lembrar o
quanto desejou, naquela primeira noite, rodeá-lo com as mãos e explorá-lo
à vontade, decidiu satisfazer sua curiosidade.
Acariciou-o com uma mão, e se surpreendeu ao ver o contraste entre a
textura suave e acetinada da pele e a dureza; ao ver que ele estremecia e
respirava fundo quando deslizou os dedos pela delicada pele de baixo e
seguiu a ligeira curva, elevou o olhar com expressão interrogante, mas ele
negou com a cabeça e sussurrou:
— Não, não pare… não pare.
Enquanto o explorava com delicadeza, ele esticou as mãos em seu
cabelo e sua respiração se tornou cada vez mais rápida e ofegante. Eve
continuou atormentando-o com suas carícias, e quando insistiu que abrisse
mais as pernas e deslizou os dedos por suas coxas, ele gemeu seu nome,
pegou seu rosto entre as mãos, e se apropriou de sua boca.
303
Baixou os braços para levantá-la enquanto a beijava com paixão
desenfreada. Rodeou sua cintura com as pernas sem duvidar nem um
instante e se agarrou a seu pescoço. O resto do mundo deixou de existir
para os dois, só eram conscientes um do outro.
Depois de se livrar das calças com um chute, levou-a para cama, e
caíram sobre ela sem deixar de se beijarem com um desejo insaciável.
Rolaram pela cama beijando-se e acariciando-se, aumentando o prazer até
ficar a um passo do clímax uma e outra vez.
Ele a explorou com a boca e foi descendo por seu corpo até ficar entre
suas pernas, mas elevou o olhar ao ouvi-la soltar uma exclamação de
surpresa e a observou com um sorriso matreiro.
— Não? Não quer experimentar?
Olhou para ele com os olhos arregalados, mas a simples ideia começava
a excitá-la ainda mais.
— Sou filha de um vigário.
Ele pôs-se a rir, e disse em tom de brincadeira:
— Não lhe disseram que as filhas dos vigários são as melhores? —
riscou com um dedo a dobra acetinada, e acrescentou — Aprendem muito
rápido.
Quando ele seguiu deslizando o dedo por aquela pele úmida e sensível,
Eve gemeu e moveu as pernas contra a cama. Aquela tensão prazerosa
aumentava mais e mais, se acumulando.
— Por favor, Fitz…
Notou seu sorriso contra a pele quando beijou o interior da coxa.
Enquanto aquela boca se aproximava de seu sexo foi esticando-se, ardendo
de paixão, mas também estava um pouco vacilante… e de repente sentiu
que a cobria com os lábios, que sua língua saboreava com mágicas carícias
o pequeno botão que se escondia entre as dobras, e soltou uma exclamação
304
de prazer enquanto afundava os pés e as mãos na cama e arqueava o corpo
para ele.
O desejo foi crescendo e crescendo, e embora pensasse que não poderia
suportar, queria mais… até que no fim explodiu numa tormenta de prazer
que lançou ondas de satisfação por todo seu corpo, e quando passou, a
deixou exausta sobre a cama, quase sem forças e sentindo-se plena.
Mas foi somente quando Fitz a penetrou, e ela se deu conta que o prazer
não foi completo até esse momento. Ele começou a mover-se com
investidas firmes e potentes, e ficou atônita ao sentir que o prazer voltava a
se acender. Estava convencida que era impossível que acontecesse de novo,
mas o prazer se apropriou dela, e os pensamentos se desvaneceram ante a
força das sensações que formavam redemoinhos em seu interior.
A paixão foi intensificando-se cada vez mais, e se agarrou a Fitz com
pernas e braços até que o clímax voltou a invadi-la completamente. Ele
estremeceu e gritou extasiado, agarraram-se um no outro enquanto se
deixavam arrastar por aquele torvelinho de prazer, e no fim ficaram
abraçados.
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Capítulo 19
Nada poderia empanar o bom humor de Eve na manhã seguinte, nem
sequer ver lady Symington na mesa do café da manhã; por sorte, a
imperiosa dama só se dignava a conversar com Fitz, e como ela estava
evitando olhá-lo e não pretendia sentar-se perto, nem pensar nele, foi muito
conveniente que a excluíssem da conversa.
Quando perguntou a lady Priscilla se o quarto era satisfatório, a jovem
sorriu com acanhamento e respondeu:
— Sim, é muito agradável, mas soube que era seu. Não era necessário
que me cedesse, teria me conformado com qualquer outro.
— Peço-lhe que não se preocupe, não foi problema algum; além disso,
pensei que lady Symington desejaria tê-la perto.
— Sim, é evidente — assentiu sem muito entusiasmo, e esperou que um
criado servisse uma xícara de chá para Eve antes de acrescentar — Acho
que nossa chegada foi muito inconveniente, e acrescentou mais problemas
aos que já tinham.
Eve a olhou com um sorriso tranquilo, e disse:
— Lamento que tenhamos tão pouco para oferecer, o mais provável é
que se aborreçam muito durante os próximos dias.
— Eu gostaria de colaborar no que puder.
— Duvido que o senhor Talbot queira dar tarefas para uma convidada.
— Não, é verdade que eu adoraria. Não… eu não gosto de permanecer
ociosa, e conversar sobre bobagens não me agrada. Em casa, sempre estou
ocupada com alguma atividade, peço-lhe que me permita ajudar com os
306
pacientes. Poderia ler para os que estão em recuperação, ou cuidar dos que
ainda estão doentes.
— Fala francês?
O rosto da jovem se iluminou, e se apressou a responder:
— Sim, a verdade é que sim. Por que pergunta? Sua cozinheira é
francesa?
— Não, trata-se de um de nossos pacientes, mas não está com sarampo.
Quando Eve contou como chegou monsieur Leveque a Willowmere, e
que por causa de uma perna quebrada estava preso numa cama do segundo
andar, Priscilla disse com compaixão:
— Pobrezinho, deve estar muito aborrecido.
— Acredito que o senhor Carr costuma visitá-lo de vez em quando.
Camellia, a irmã da senhorita Bascombe, também costumava fazer o
mesmo, mas o pobre passa muitas horas só desde que ela adoeceu.
Eve a conduziu ao quarto de Leveque depois do café da manhã. Ele
também acabava de tomar o café da manhã e estava sentado na cama,
olhando com impaciência para um livro, mas se animou um pouco ao ver
que tinha visita.
— Bonjour, monsieur Leveque.
Assim que aquelas palavras saíram da boca de Priscilla, ele pareceu
transformar-se por completo e começou a tagarelar em francês com
entusiasmo; diferentemente de Neville e Fitz, a jovem não se amedrontou
diante da enxurrada de palavras estrangeiras e respondeu no mesmo
idioma, o que provocou nele, um sorriso de orelha a orelha.
Eve saiu do quarto, e começou com sua rotina de sempre. Deu-se conta
que parecia mais fácil, e embora nenhuma tarefa podia ser tão dura nesse
momento graças à felicidade que sentia, era indiscutível que as coisas
estavam melhorando. Tanto Camellia como a senhora Merriwether se
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sentiam muito melhor, e como fazia uma semana que ninguém adoecia,
acreditava que a epidemia estivesse chegando ao seu fim.
Conforme os dias passavam, surpreendeu-se um pouco ao ver que lady
Priscilla se tornou de grande ajuda. Embora não duvidasse da sinceridade
da jovem ao se oferecer para dar uma mão, acreditou que não demoraria
para se aborrecer com suas tarefas, ou talvez, sua autocrática mãe a
proibiria que continuasse colaborando.
Mas Priscilla continuou visitando monsieur Leveque, e a própria Eve os
ouviu conversar animadamente várias vezes, quando passava pelo corredor.
Um dia apareceu para ver como estava o paciente, e o encontrou
acompanhado da jovem e de Neville. Com eles, também estava um criado,
que nesse momento, estava atarefado fixando uma pequena plataforma com
rodas aos pés de uma cadeira virada de pernas para o ar. Seguia as
instruções do francês, e quando ele não encontrava as palavras adequadas,
Priscilla se fazia de intérprete.
Ao vê-la na porta, Leveque disse sorridente:
— Ah, madame Hawthorne. Veja o que estamos inventando!
— Sim, é uma espécie de… cadeira Bath.
Tinha-as visto em Bath uma vez, embora se tratassem de trambolhos
com três rodas muito maiores que as que o criado estava adaptando, e
também tinham uma manta para proteger o ocupante das inclemências do
tempo.
— É muito engenhosa, não acha? — Priscilla tinha um brilho no olhar
que a favorecia muito — Monsieur Leveque a desenhou, e Neville teve a
gentileza de me ajudar a procurar no sótão um dos velhos carros de
brinquedo de lorde Stewkesbury para aproveitar as rodas.
Eve se perguntou se estava tão radiante pela presença de Neville, e
sentiu um pouco de pena por ela. Estava convencida que ele não estava ali
308
porque queria desfrutar da companhia da jovem, mas sim, pelo fato que
lady Symington o vigiava nas ocasiões que não estava com sua filha.
O pobre parecia um animal encurralado com a chegada das novas
hóspedes; aonde quer que fosse, lady Symington não demorava em
aparecer também como num passe de mágica, embora fosse um mistério
adivinhar como conseguia descobrir seu paradeiro. Eve o tinha encontrado
em mais de uma ocasião escapulindo pela escada de serviço que havia na
parte traseira da casa, e também pela que havia na ala das crianças; além
disso, saía para montar a cavalo com Fitz todas as tardes, porque era uma
das poucas atividades que permitia livrar-se daquela mulher.
Eve se negava a sentir pena dele, porque os métodos de lady Symington
serviam para mantê-lo afastado de Lily. A jovem passava a maior parte do
tempo com Camellia, e nas poucas ocasiões em que se encontrava com
Neville, haviam mais pessoas presentes.
Leveque pôde sair do quarto, graças a cadeira de rodas, e começou a
passar grande parte do dia no salão do segundo andar. Neville e Gordon
tinham que ajudá-lo a levantar-se da cama e a sentar-se na cadeira, mas
depois Priscilla ou Lily podiam levá-lo com facilidade pelo corredor até o
tal salão. Neville começou a passar mais tempo com Priscilla e o francês, e
Lily começou a se unir a eles junto com Camellia quando esta recuperou as
forças. Gordon morria de medo de lady Symington, e como se deu conta
que quase nunca aparecia quando Neville e sua filha estavam juntos, uniu-
se também ao grupo. Resumindo: dias depois da chegada das Symington a
Willowmere, o salão do segundo andar se converteu em um lugar onde
reinava um ambiente animado e se podia conversar e passar algum tempo.
Ouvia-os rir frequentemente enquanto se entretinham com algum jogo, e
quando Eve aparecia para dar uma olhada, notava que Priscilla parecia
muito mais feliz e despreocupada quando sua mãe não estava por perto.
Lily também se mostrava animada quando conversava ou participava de
309
algum jogo, mas estava cada vez mais calada, e seu rosto se entristecia
quando olhava Neville ou Priscilla. Era desencorajador vê-la assim. Estava
claro que amava Neville de verdade, e que seu coração sofria, ao perceber
que às vezes o amor não basta.
Eve se sentia um pouco culpada por ser tão feliz nessas circunstâncias,
porque enquanto Lily estava sofrendo pelo mau andamento de sua relação,
ela estava desfrutando ao máximo da sua, e passava todas as noites junto
com Fitz. Durante o dia mantinham distância e fingiam indiferença, mas
todas as noites se dedicavam a explorar a fundo os prazeres do amor.
Ficavam adormecidos, abraçados e satisfeitos, depois de fazer amor, mas
despertavam logo e voltavam a fazer. Estavam tão desejosos de saborear ao
máximo aquela paixão tão avassaladora e maravilhosa, que não se
importavam em dormir pouco.
Ela se esforçava por esconder a felicidade que sentia, em especial
quando estava com Lily, mas a jovem estava tão retraída com o passar dos
dias, que certamente nem teria reparado seu bom humor. Se habituou a sair
para passear sozinha pelo jardim, e geralmente o fazia quando Neville saía
para montar com Fitz.
Numa tarde, Eve olhou pela janela que dava para o jardim de ervas
aromáticas, e a viu sentada no mesmo banco onde esteve com Neville
tempos atrás. Parecia tão abatida, que se formou um nó em sua garganta, e
foi pegar um chapéu e um casaco antes de descer rapidamente.
A jovem levantou o rosto quando a ouviu chegar, apressou-se a secar as
lágrimas, e inclusive conseguiu esboçar um trêmulo sorriso.
— Olá, querida. Vi você sentada aqui, e pensei que seria agradável
desfrutar de um pouco de sol. Faz um lindo dia, não acha?
Lily assentiu, e engoliu com dificuldade antes de responder:
— O… olá — a olhou com os olhos cheios de lágrimas, mas desviou
imediatamente.
310
— Querida… sei que está triste — se sentou junto a ela, e pegou sua
mão.
A jovem negou com a cabeça, mas no final não pôde conter o pranto.
Tirou um lenço do bolso, e secou as lágrimas antes de dizer com voz fraca:
— Não sei o que fazer, é uma enrascada espantosa!
— Já sei — apertou sua mão, e acrescentou — É terrivelmente injusto.
— Amo Neville com todo meu coração. Já sei que acha que sou muito
jovem e não tenho as ideias claras, mas sei quais são meus sentimentos.
Jamais amarei nenhum outro!
— Sim, já sei que isso é o que pensa agora.
— É a verdade! — levantou o queixo, e acrescentou com teimosia - O
fato de não ter me apaixonado antes, não significa que não possa
reconhecer esse sentimento.
— Não ponho em dúvida que esteja apaixonada pelo senhor Carr, Lily;
de fato, está claro que é assim, e que ele corresponde.
— Realmente acha isso? — seu rosto se iluminou por um instante, mas
o pessimismo voltou a apoderar-se dela — Não importa nossos
sentimentos, as coisas não vão mudar. Lady Symington está determinada a
casá-lo com Priscilla, e não há dúvida que é uma mulher capaz de
conseguir o que quer.
— Sim, suponho que consegue quase sempre.
— Não deixa de persegui-lo! O pobre Neville a encontra em todas as
partes, tira-o do sério! Além disso, estou há dias sem poder vê-lo… bem,
quero dizer, a sós. É horrível.
— Entendo.
— Mas o pior de tudo é que gosto dela!
— Quem? Lady Symington? — Eve a olhou boquiaberta.
— Não, claro que não. Gostaria que lady Symington fosse ao diabo…
não me olhe assim, é a pura verdade. Já sei que não é apropriado que uma
311
dama fale assim, mas é o que sinto — soltou um suspiro, e se reclinou no
banco numa atitude derrotista — Falo sobre lady Priscilla. Tentei com
todas minhas forças não gostar dela, mas é muito amável. Presta atenção
quando monsieur Leveque começa a tagarelar sobre suas viagens no balão,
e não se aborrece.
— Talvez goste mais dessas histórias que você.
Lily a olhou com desconfiança, mas continuou falando:
— Além disso, Priscilla pode ser muito divertida e inteligente quando
sua mãe não está perto. Sinto que tenha que viver com uma mulher tão
detestável, viu como fala com ela? A pobre não se atreve a responder, mas
está claro que detesta que a tratem assim.
— Sim, eu também reparei. É pena que não tenha outra opção que não
seja viver com lady Symington.
— A questão é que não precisa continuar com isso, poderia casar-se
com Neville e partir — Lily esboçou um sorriso cheio de tristeza — Sei
que não tenho culpa que sua mãe seja tão terrível, mas seria a culpada se
ele não se casasse com ela.
— Não, a culpa seria dele.
— Sim, mas se casaria com ela se não tivesse me conhecido. Sei que
escapuliu quando tentaram obrigá-lo a propor casamento, mas teria
acabado fazendo isso cedo ou tarde. Desejo me casar com ele, mas devo
considerar o que aconteceria com Priscilla. Ficaria sozinha no meio de um
escândalo terrível sem ter culpa de nada. Era diferente quando não era mais
que um nome sem rosto, mas agora a conheço e seria uma crueldade tirar
Neville dela. Imagino como eu me sentiria se alguém fizesse isso comigo
— seus olhos tremeram diante da simples ideia — Ficaria furiosa e me
sentiria destroçada. Perder alguém como ele… e se fosse pouco, converter-
se no objeto de escárnio pelo fato de ter sido rechaçada… não, é muito
horrível.
312
— Imagino o que diria sua mãe a respeito.
— Jogaria-lhe a culpa de tudo em Priscilla e a pobre ficaria solteira e se
veria obrigada a agüentá-la o resto de sua vida, porque teria que aparecer
um louco para casar-se com ela, sabendo que vai ter uma sogra assim.
— Sim, isso é algo a ser considerado.
— Mas não posso suportar a ideia de renunciar a Neville! Como vou
viver sem ele? Sim, já sei que vai dizer que encontrarei outro, é o que me
diz Camellia, mas é que ela não entende o que sinto porque nunca se
apaixonou. Você sim sabe o que se sente ao amar alguém, e… perdoa, não
era minha intenção despertar lembranças tristes.
— Não se preocupe, está tudo bem. Tem razão, estava apaixonada por
meu marido e o perdi, assim sou consciente da dor que se sente. Não vou
mentir dizendo que não sofri, que não me senti sozinha e perdida depois de
sua morte. Chorei muito, senti sua falta, e fiquei muito triste, mas sua irmã
tem razão. Com o tempo, consegui superar, e você também conseguirá.
Não vai ser fácil, mas a dor não dura para sempre, e poderá voltar a se
apaixonar — esboçou um sorriso, e sentiu que seu peito se enchia de calor
— Voltará a sentir amor, juro-lhe isso, e pode ser que seja um amor mais
intenso e profundo do que nunca.
Temeu ter falado demais, mas Lily tinha o olhar fixo no chão e estava
absorta em seu próprio sofrimento.
— Sei que chega um momento em que a dor não é tão forte, vivenciei
isso quando morreu minha mãe — admitiu a jovem no fim — Mas isso é
diferente, porque Neville não morreu e acredito que me encontrarei com ele
de vez em quando; e se por acaso não voltar a vê-lo jamais, saberia que ele
está em algum lugar sem mim, que está quem sabe onde, com Priscilla,
vivendo com ela… pode ser que chegue a amá-la. Ouvirei falar dele,
saberei como está, mas não compartilharei sua vida. Só de imaginar, morro
de angústia, não posso suportar!
313
Ao ver que começava a chorar desconsolada, Eve a abraçou e apoiou a
cabeça contra a sua.
— Lily, querida, por favor…
Desejou poder dizer que não desistisse, que se agarrasse com unhas e
dentes a felicidade que podia desfrutar junto a Neville, mas isso era
impossível. O escândalo seria tremendo, e embora Lily se sentia capaz de
enfrentar a alta sociedade, na hora da verdade, perceberia o quanto difícil
seria; além disso, seria uma irresponsabilidade de sua parte, expor sua
família ao escárnio público, em especial, considerando que Camellia estava
a ponto de ser apresentada na sociedade.
Suspirou pesarosa, e acariciou suas costas num gesto tranquilizador
enquanto murmurava:
— A dor aliviará com o tempo, querida. Prometo-lhe isso.
Quando Lily se despediu com um abraço e retornou para casa, Eve
optou por ficar um pouco mais ali sentada, porque quase não tinha tempo
de refletir com calma. Possivelmente era melhor não parar para pensar no
que estava fazendo com Fitz, porque poderia chegar à conclusão que o
caminho que escolheu, podia ser muito perigoso tanto para sua reputação
como para seu coração.
O que disse a Lily sobre voltar a se apaixonar, saiu de forma
espontânea, sem pensar, mas assim que disse, percebeu que era a pura
verdade. Estava apaixonando-se de novo, e nessa ocasião era um amor mais
intenso e profundo que da primeira vez.
O problema era que estava apaixonando-se por um homem que não
tinha intenção alguma de casar-se, nem de passar o resto de sua vida junto a
ela. Era algo que sabia desde o começo, mas isso não seria nenhum consolo
se… melhor dizendo, quando… a relação terminasse. Esteve disposta a
314
iniciar aquela aventura sabendo da situação, assim quando terminasse não
poderia se lamentar nem jogar a culpa em Fitz; apesar de estar consciente
das inevitáveis consequências, seguiu em frente.
O sol foi descendo pelo horizonte enquanto continuava pensando no
assunto, e percebeu que faltava pouco para a hora do chá quando o lugar
onde estava sentada ficou escuro. Sentiu certo alívio, porque não gostava
da direção pessimista que seus pensamentos tomaram. Não sabia o que lhe
proporcionaria o futuro, mas fosse o que fosse, o melhor era desfrutar do
que tinha nesse momento e deixar de preocupar-se com o que estava por
vir.
Quando acabava de chegar ao terraço, viu Fitz aproximando-se dela,
muito sério, e vendo o envelope branco em sua mão, bastou para entender o
que estava acontecendo.
— Isto estava sobre a mesa do vestíbulo — entregou a ela, e a puxou
pelo braço para levá-la a uma cadeira mais afastada do terraço.
Eve se surpreendeu porque suas mãos não tremiam enquanto abria o
envelope, e percebeu que com Fitz ao seu lado, não tinha medo de nada.
Leu a carta rapidamente, e comentou:
— É a mesma coisa… diz que Bruce era um ladrão e uma vergonha para
o exército, e me faz as mesmas ameaças. Escute isso: O que pensaria
Stewkesbury da viúva de um ladrão e um suicida?
— Pensaria que teria que capturar e castigar este canalha, garanto isso
— resmungou ele.
— Tem um novo detalhe… se oferece para me liberar do problema do
relógio, pede que o deixe no caramanchão amanhã à uma da tarde e que
não conte nada a ninguém.
— Ora! — Fitz sorriu com expressão triunfal, e deu um tapa na mesa —
Esse descarado acaba de cavar a própria cova.
— Deduzo por suas palavras, que tem um plano.
315
Inclinou-se para ela, e a beijou na boca sem se importar se poderiam ser
vistos, antes de dizer:
— É claro que tenho. Foi uma estupidez da parte dele querer pôr em
prática sua jogada no meu território, embora, certamente poderia ter dado
certo se você não contasse a ninguém. Pode vigiar o caramanchão com uma
luneta de uma distância prudente até que você deixe o relógio e parta, e
assim, também pode ter certeza que não há mais ninguém rondando por lá.
— Mas…
— Mas o que não poderá ver, é o interior do caramanchão, a menos que
esteja diante da porta, e eu estarei esperando lá, no fundo. Irei antes do
amanhecer, certamente ainda não estará lá… e de qualquer maneira,
tampouco poderia enxergar na escuridão.
— Pretende ir sozinho? Não, é uma insensatez!
Ele a olhou com um sorriso indulgente, e perguntou:
— Acha que sou incapaz de lutar com um descarado?
— O que fará se tiver um cúmplice, ou mais de um?
— Vou armado com um par de pistolas, mas pode ser que tenha razão…
de acordo, pedirei a Neville que me acompanhe. Não quero atirar nesse
canalha, não poderia interrogá-lo se errasse e o matasse acidentalmente.
Sim, será melhor que Neville vá comigo, não teremos problemas para
apanhá-lo. Talvez tenha um cúmplice, é muito improvável que haja muitas
pessoas envolvidas nesse intento de extorsão.
Eve teve que dar razão a ele. Era muito improvável que houvesse mais
de dois homens, portanto, certamente Neville e ele poderiam se encarregar
deles, principalmente considerando a habilidade de Fitz com as armas; mas
mesmo assim…
— Parece muito fácil — comentou, carrancuda.
Ele pôs-se a rir, e disse:
— Os melhores planos costumam ser.
316
Eve continuava nervosa quando saiu de casa no dia seguinte depois do
almoço. Fitz foi ao seu quarto na noite anterior como sempre, mas partiu
rapidamente para poder dormir um pouco, e como se dirigiu ao
caramanchão antes do amanhecer, não o viu durante toda a manhã. Neville
também estava ausente, e lady Symington soltou comentários venenosos
sobre isso, durante o almoço.
Quando terminaram de comer, pensou que conseguiria escapulir, mas ao
chegar à porta do terraço, teve que parar para falar com Lily, que estava
preocupada com a ausência de Neville. Ela tentou tranqüilizá-la, alegando
que ele deveria estar com Fitz caçando (de fato, não deixava de ser
verdade), porém, foi difícil se livrar da jovem, porque ela se ofereceu para
acompanhá-la quando soube que estava saindo para passear.
— Não! — exclamou, alarmada. Não acreditava que Lily pudesse
revelar seus planos, mas nesse momento, não podia perder tempo
explicando tudo. Já estava um pouco atrasada, e deveria se apressar para
chegar na hora certa.
A jovem a olhou desconfiada, e perguntou:
— O que você tem? — observou-a carrancuda durante alguns segundos,
e em seguida, disse com firmeza — Alguma coisa está acontecendo, e tanto
Fitz como Neville, também estão envolvidos.
— Por agora, esqueça isso, por favor. Tenho que ir — quando notou que
ia protestar, negou com a cabeça — Estou muito atrasada. Não posso falar
sobre isso agora e tenho que estar sozinha. Confia em mim, em nós.
Explicarei tudo depois, prometo.
Lily levantou o queixo, teimosamente, mas no final, se deu por vencida
e resmungou:
317
— De acordo, mas quero saber tudo. Isto é frustrante — deu meia volta,
e partiu.
Eve saiu do terraço, e foi rumo ao caramanchão. Enquanto caminhava
tão rápido como podia, colocou a mão no relógio. Achou que seria uma boa
ideia prendê-lo na cintura, para que seu inimigo pudesse enxergá-lo sem
problemas.
Ao chegar ao caramanchão, o tirou e o deixou lá dentro, a meio metro
da porta, mais ou menos. Viu Fitz e Neville pelo canto do olho, sentados
em um dos bancos que havia num canto, mas em nenhum momento os
olhou diretamente; se não soubesse de antemão que estavam lá,
possivelmente não teria percebido a presença deles, porque todas as
portinhas estavam fechadas e estava muito escuro.
Ao sair olhou ao seu redor, porque pensou que seria normal naquelas
circunstâncias. Acreditava que a pessoa que estava observando-a, acharia
estranho se não fizesse isso. Depois abaixou a cabeça e se apressou a
retornar para casa, e embora não estranhasse absolutamente ao encontrar
Lily esperando-a no vestíbulo, surpreendeu-se quando a jovem a conduziu
ao escritório e viu Camellia sentada diante da lareira. Já não tinha nenhuma
mancha vermelha e já se levantava da cama algumas vezes, mas era a
primeira vez que se vestia e descia ao primeiro andar.
— Olá, querida — disse, sorridente. Aproximou-se dela, e pegou sua
mão antes de acrescentar — Me alegra vê-la aqui, acreditava que ainda não
estivesse forte o suficiente para descer.
— Sinto-me bem, a verdade é que poderia ter descido antes.
— Sim, mas eu a avisei que desfrutaria mais da comida se não
participasse das refeições no salão — comentou sua irmã.
— Entendo. Suponho que hoje não quis esperar lá em cima.
— Exato.
— Por que escolheram o escritório?
318
— Não quisemos ficar no salão de cima, junto com os outros, porque
sabíamos que não nos diria nenhuma palavra diante deles. E como lady
Symington poderia aparecer a qualquer momento na sala de música ou no
salão… — Lily abriu as mãos como se mostrasse o escritório.
— Entendo.
A jovem se sentou na banqueta que estava junto à poltrona de sua irmã,
e pediu:
— Venha, nos conte tudo.
Como sabia que seria inútil resistir (de fato, considerava estranho que
não tivessem desconfiado antes), falou sobre as cartas. Tinha lido tantas
vezes que, literalmente as sabia de cor, mas foi incapaz de responder a
maioria das perguntas que as jovens lhe fizeram; no final, chegaram à
mesma conclusão que ela: era muito provável que o homem que invadiu a
casa, semanas atrás, fosse o misterioso autor das cartas.
Camellia a olhou carrancuda, e comentou:
— Que estranho, quem poderá ser? Acreditávamos… bem, a verdade é
que Lily e eu achávamos que…
Lily, que estava sentada numa poltrona de frente a sua irmã, endireitou-
se e exclamou:
— Cosmo!
— Sim, eu estava convencida que tinha sido ele, mas… como é
possível? Por que…?
— Não! — Lily apontou para a porta, onde parecia haver algo que a
deixou petrificada.
Eve e Camellia se viraram para ver o que era e viram Fitz, que trazia
pelo braço, um homem vários centímetros mais baixo que ele. O indivíduo
usava roupas grosseiras, estava com as mãos amarradas nas costas, na
cabeça, uma boina marrom, e seu desgrenhado cabelo loiro avermelhado
estava salpicado de fios brancos.
319
— O que queria dizer é que aí está Cosmo — disse Lily.
320
Capítulo 20
Camellia ficou boquiaberta por um segundo, mas se levantou de repente
e foi para a porta com os punhos apertados e atitude ameaçadora.
— Pode-se saber o está fazendo aqui?
— Não comece a me maltratar, Cammy — disse o homem, se
lamentando.
— Não se atreva a me chamar assim! — jogou o braço para trás com o
punho preparado, e exclamou furiosa — Deveria ser expulso daqui a socos!
Fitz soltou o homem, e a agarrou pelo braço.
— É um sentimento elogiável, querida prima — disse com naturalidade
— mas não seria justo bater nele neste momento. Deve levar em conta que
está com as mãos amarradas.
Depois de fechar a porta, Neville conduziu Cosmo para uma cadeira e o
obrigou a sentar-se. Então se aproximou de Eve, e entregou o relógio azul.
— Obrigada — disse ela, sorridente, antes de guardá-lo no bolso.
Ele fez uma inclinação antes de responder:
— Foi um prazer, porém, foi mais fácil do que esperávamos. Esse tipo
se rendeu assim que Fitz apontou a pistola para ele.
— Não duvido, só é valente com as mulheres — resmungou Camellia.
— Nunca coloquei minhas mãos em você, Ca… — foi sensato o
bastante para se manter em silêncio enquanto a jovem o fulminava com o
olhar.
— Porque sabia que te partiria ao meio com a faca se tentasse.
— Sente-se, Cam, vai se cansar — Lily a puxou pela cintura, e a levou
de volta a cadeira.
321
— Posso ver que acertei ao supor que este homem é seu padrasto,
Cosmo Glass — comentou Fitz.
— Sim, porém, não sabe quanto detesto ter que admitir isso — Lily
lançou um olhar cheio de ódio ao seu padrasto — Por que está aqui? Por
que queria roubar o relógio da senhora Hawthorne?
— Não fiz nada errado!
— Pegamos você com a mão na massa — recordou Fitz.
— Só estava fazendo a minha parte. Pagaram-me para que viesse pegar
esse tal relógio, disseram-me que estaria nesse caramanchão e que só tinha
que pegá-lo. Por que iria me meter nessa enrascada?
— Porque é um ladrão e um mentiroso que não teve um trabalho
honrado em toda sua vida, por exemplo — disse Camellia.
Ele entrecerrou os olhos e em seu rosto transpareceu por um instante,
um intenso ódio, mas aquela expressão desvaneceu imediatamente e disse
com a mesma voz queixosa de antes:
— Não é certo que diga essas coisas sobre mim, sustentei-as durante
muitos anos…
— Aconselho-o a não falar sobre esse assunto — disse Fitz, secamente.
Essa história que alguém lhe pagou para pegar o relógio, é muito bonita,
mas me permita perguntar se também lhe pagaram para invadir a casa.
Contrataram-no para que roubasse o relógio?
— Eu não invadi nenhum lugar!
— É realmente necessário trazer a criada que o viu? Todos sabem que
foi você, e que também tentou invadir a festa do casamento.
— Eu só queria ver minha filhinha no dia de seu casamento. Criei minha
querida Mary desde menina, e não me permitiram entrar para vê-la no dia
mais feliz de sua vida. Qualquer pai teria feito o mesmo!
Foi Lily quem respondeu:
322
— Mary tinha quatorze anos quando nossa mãe cometeu o erro de se
casar com você, não criou nenhuma de nós. A fez trabalhar no botequim, e
só se interessava pelo dinheiro.
— Veio até aqui, no dia do casamento para tentar tirar um pouco de
dinheiro de Mary ou do conde — disse Camellia — Todos sabemos,
portanto, aconselho-o que pare de mentir. Para que quer esse relógio?
— Não o quero para nada!
— Por que escreveu essas cartas? Por que ameaçou a senhora
Hawthorne? — Fitz se abateu sobre ele, e o olhou com olhos tão frios como
o gelo.
— Não fui eu! — gritou, amedrontado. Jogou-se para trás, e encolheu os
ombros para proteger-se.
— Acho que sobre isso está dizendo a verdade — comentou Lily.
Fitz se virou para olhá-la, e perguntou perplexo:
— O que?
— Eve nos contou o que está escrito nas cartas, e na verdade, não
acredito que Cosmo seja capaz de redigir tão bem. O que você acha,
Camellia?
— Acredito que tem razão. Vi notas dele, e seria incapaz de elaborar
tantas frases coerentes… além disso, sua letra é ilegível.
— Viram? Estou dizendo a verdade! — exclamou, com um sorriso
triunfal.
— Além disso, não tem sentido que permanecesse na região com o
único propósito de roubar o relógio — comentou Eve — Como soube
sequer de sua existência? Nesta casa existem objetos muito mais valiosos.
— De acordo — Fitz olhou Cosmo com uma expressão que não
pressagiava nada bom para ele, e disse — Estou disposto a acreditar que
você não é o mentor desta trama, a não ser um simples cúmplice com
poucas informações.
323
— Não sou cúmplice de ninguém, não fiz nada errado! Só estava
cumprindo minha parte!
Fitz se mostrou inflexível.
— O mesmo poderia se dizer de um assassino contratado, mas isso não
o exime da culpa. Diga-nos para quem trabalha, por que o contrataram para
que roubasse o relógio?
A expressão de Cosmo se tornou matreira.
— Quanto vai me dar por essa informação?
— Vamos ver se entendi… está tentando negociar comigo?
— Não pretende que lhe diga sem mais nem menos quem me contratou,
não é? Não vou cobrar o que me ofereceram por este trabalho, e as pessoas
tem que sobreviver como podem.
Fitz o observou em silêncio durante um longo momento antes de
responder.
— Seu atrevimento me deixa atônito. O que sabemos com certeza, é que
você tentou roubar o relógio não uma, mas duas vezes, e que chegou a
entrar nesta casa furtivamente para tentar surrupiá-lo. Estamos falando de
delitos graves, senhor Glass. Roubo, invasão de domicílio, extorsão…
poderiam sentenciá-lo a passar o resto de sua vida na prisão, ou mandá-lo
para a Austrália. O que gostaria mais? Também seria possível que morresse
na cela antes que pudessem extraditá-lo.
— Não vai me entregar as autoridades. Seria um escândalo se todos
soubessem que o padrasto de suas primas foi parar no cárcere, e isso não
seria nada satisfatório para um sujeito fino como você.
Fitz se inclinou para frente, e apoiou as mãos nos braços da cadeira
antes de admitir:
— Tem razão, não acredito que optasse por entregá-lo as autoridades…
seria muito mais prático encerrá-lo em uma das masmorras de Willowmere.
Sob o porão, existe um lugar secreto com masmorras que têm centenas de
324
anos, poderia abandoná-lo lá e deixar que morra de fome. Ninguém o
ouviria. E não esqueçamos as lagoas que temos nessa região, nem imagina
como são profundas. Seria muito fácil imobilizar um homem, amarrar uma
pedra aos seus pés, e jogá-lo em uma delas. Acredita que alguém sentiria
sua falta, senhor Glass?
— Não… não sei como se chama essa mulher — estava com os olhos
arregalados, e o rosto vermelho.
— A quem se refere? — perguntou Fitz.
— Essa mulher? — foi Eve quem disse, mas tanto Camellia como Lily
estavam igualmente surpresas.
— Sim, a dama que me contratou. Quase sempre enviava sua donzela…
que por certo, é uma víbora… com as instruções e o dinheiro, mas uma vez
me levou até a dama; segundo ela, tinha me visto tentando entrar na casa no
dia do casamento de Mary, e quando eu lhe contei que fiz aquilo para tentar
ver minha garotinha pela última vez, mas que não tinham permitido, disse
que me compreendia. Então me falou de uma cabana abandonada que
existe em suas terras e me deu permissão para ficar lá, disse que me daria
comida e bebida e que só deveria esperar suas instruções. Então enviou à
donzela, que foi quem me disse onde deveria ir e o que tinha que fazer, mas
na última vez não me pagou porque não consegui o relógio. Todos vocês
estavam fora, como eu saberia que o lugar continuava cheio de gente?
— Vamos nos ater nessa dama — disse Fitz, impaciente — Que
aparência tem? Onde mora?
Eve acreditava ter a resposta para essas perguntas, mas esperou
contendo o fôlego, que Cosmo Glass confirmasse suas suspeitas.
— É loira, como essa aí — apontou para Eve, e acrescentou — Muito
bonita e fina, mas tem olhos frios como gelo. Mora nessa outra mansão que
há perto daqui.
325
— Sabrina — o nome saiu dos lábios de Eve junto com um suspiro —
Deus do Céu, era Sabrina.
Eve e Fitz partiram meia hora depois rumo a Halstead House. Ele tinha
necessitado de toda sua capacidade de persuasão para convencer Camellia e
Lily que ficassem em Willowmere, mas com a ajuda de Neville conseguiu
que concordassem em subirem para o salão e agir como se não estivesse
acontecendo nada. Em seguida, chamaram Bostwick, e pediram e ele que,
com a ajuda de mais dois criados, prendesse Cosmo no porão.
— Mas não o deixem perto da adega.
O mordomo se limitou a assentir e a arrastar Cosmo para fora do
escritório, como se essas ordens fossem as mais comuns do mundo.
— O que pretende fazer com ele, Fitz? — perguntou Eve mais tarde,
enquanto esperavam a carruagem.
— Não pretendo jogá-lo na lagoa, embora a ideia seja tentadora.
Deixarei a decisão nas mãos de Oliver, que acredito, optará por enviá-lo de
volta aos Estados Unidos. Não fará diferença se estiver dentro ou fora do
cárcere, não nos convém que saia alardeando aos quatro ventos que é o
padrasto de minhas primas. Acredito que alguns dias no porão, serão
suficientes para convencê-lo que é melhor não voltar mais aqui; de fato,
pode ser que eu resolva mostrar a ele a boa pontaria que tenho.
— Não vai colocar uma maçã na cabeça dele, não é?
— Céus, que mulher tão sanguinária! Camellia está começando a te
influenciar, minha querida. Não, na verdade, estava pensando em apagar
uma vela com um tiro. Isso costuma impressionar bastante as pessoas.
Durante o trajeto até a casa de lorde Humphrey, tentaram descobrir as
razões que poderiam ter levado Sabrina a contratar Cosmo para roubar o
relógio.
326
— Entendi que o viu no dia do casamento e que decidiu que podia ser
útil, porque era alguém que não poderia ser relacionado a ela, mas… para
que quer o relógio? Por que me mandou essas cartas? Nem sequer sabemos
como soube que Bruce estava com ele.
— Não sei o que dizer, começo a pensar que está louca de pedra.
Admito que sinta antipatia por ela pelo que fez a Royce, mas sempre me
pareceu uma mulher fria e calculista. Nunca imaginei que pudesse estar
demente, mas em vista do que fez… enfim, teremos que esperar para ouvir
suas explicações.
Infelizmente, a dama em questão não poderia explicar nada, porque o
mordomo explicou em voz baixa que estava convalescente e acamada
ainda; deixou-os no salão, e Vivian apareceu logo em seguida. Parecia um
pouco cansada, mas os saudou com um enorme sorriso e exclamou:
— Eve, Fitz! Quanto me alegro em vê-los, passou uma eternidade! —
sentou-se numa cadeira que estava em ângulo reto com a poltrona onde
estavam eles, e acrescentou — Parece estranho ter que se comunicar por
escrito apesar de viver tão perto, não é? Agradaria-me poder visitá-los, mas
estive um pouco atarefada… e já sei que vocês também. Como está
Camellia?
Foi Eve quem respondeu:
— Muito melhor, obrigada; de fato, hoje se vestiu e desceu ao primeiro
andar. Vivian, a verdade é que viemos ver lady Sabrina.
Sua amiga a olhou surpresa, e comentou:
— Achei que o mordomo me disse isso, mas pensei que estava
enganada.
— Não, a verdade é que necessitamos falar com ela.
— Mas não se recuperou ainda, o sarampo a atacou com muita força.
Continua acamada, e não está em condições de receber ninguém.
Fitz se adiantou antes que Eve pudesse responder.
327
— Se está tão doente, como conseguiu enviar cartas ameaçadoras a
Eve?
Vivian ficou olhando-o boquiaberta, e por fim, conseguiu perguntar:
— O que quer dizer? A que cartas se refere?
— A essas — tirou-as do bolso da jaqueta e as ofereceu.
Vivian olhou desconcertada para Eve, mas acabou aceitando-as e
começou a ler. Suas sobrancelhas se levantaram expressivamente e elevou
o olhar para eles algumas vezes, mas só falou quando acabou de lê-las:
— Não entendi nada, Eve. Por que não me contou?
— Teria contado, mas no princípio não dei muita importância ao
assunto, e depois todos ficaram doentes e não pude visitá-la. Seria muito
desconcertante contar tudo por escrito.
— Não entendo todas essas acusações contra Bruce, por que acham que
foi Sabrina quem as escreveu? Sei que pode ser perversa, mas por que
razão inventaria tais mentiras sobre ele? Além disso, o que tem a ver com
esse relógio? É tão especial assim?
— Não sei — tirou o relógio do bolso, e o mostrou.
— É bonito, mas… não me parece o estilo de Sabrina.
— Sim, é um pouco antiquado. Não sei por que o quer.
Enquanto Eve explicava que o encontrou entre os pertences de Bruce,
Vivian a observou, pensativa. Virou o relógio, e inclusive o abriu para ler a
gravação antes de comentar:
— Me parece familiar… não sei, talvez tenha visto em alguém. Mas
continuo sem entender por que estão convencidos que Sabrina tem algo a
ver com as cartas. Acredito que seja capaz de fazer algo tão reprovável,
mas acho que não é sua letra; de fato, eu diria que foram escritas por um
homem.
— Sabemos que foi ela porque elaboramos um plano para agarrar o
homem que foi recolher o relógio. Está claro que não é apenas um
328
cúmplice, mas confessou que foi Sabrina quem o contratou. Não a conhece
pelo nome, mas nos disse que se trata de uma mulher loira que mora numa
mansão próxima a Willowmere, e não pensamos em mais ninguém.
— É incrível, juraria que está muito doente para maquinar algo. Ainda
está acamada, e que eu saiba, não saiu de lá. Só permite minha entrada e de
sua donzela em seu quarto, porque não quer que ninguém a veja com o
rosto cheio de manchas.
— O homem que capturamos nos disse que tinha contato com a donzela
— comentou Fitz — Embora estivesse na cama, Sabrina poderia tê-la
enviado com as instruções.
— A primeira carta chegou antes da epidemia, e pode notar que a letra é
diferente. Pode ser que Sabrina a tenha escrito, e depois passou a ditar para
alguém.
Ouviram que alguém se aproximava pelo corredor, e o coronel
Willingham apareceu na porta em seguida. Entrou sorridente, e se
aproximou deles.
— Minha querida senhora Hawthorne, que surpresa tão agradável. E o
senhor Talbot — a saudou com uma inclinação, e apertou a mão de Fitz,
antes de sentar-se.
A expressão de Fitz era muito menos amigável, mas retribuiu a
saudação com educação; porém, Eve se negou a fazê-lo, porque não podia
deixar de se sentir um pouco ressentida com ele. Tanto Fitz como Vivian
acreditaram que Bruce era inocente, mas o coronel acreditou
imediatamente no que leu nas cartas… lembrou ainda que, não só acreditou
como confirmou, uma suspeita começou a invadir sua mente.
— Como estão as coisas em Willowmere? Tudo bem? — perguntou-
lhes ele com cortesia.
— Não. Recebi outra carta — disse com voz tão fria e seca, que Fitz e
Vivian a olharam surpreendidos.
329
— Ah, sim? Quanto o lamento, deseja que eu leia?
— Será necessário? — disse, friamente.
Vivian arregalou os olhos, e Fitz se esticou.
— Desculpe? — o coronel a olhou, desconcertado.
— Na carta exigiram o relógio. Levei-o no lugar combinado, mas Fitz
capturou o indivíduo que foi buscá-lo.
Ele olhou Fitz antes de concentrar o olhar de novo nela.
— Sério? Que excelente notícia, suponho que esse canalha já deve estar
na prisão.
— Não, ainda está em Willowmere — Fitz o olhou nos olhos com
expressão fria, e acrescentou — Já confessou que Sabrina é a mentora do
plano, suponho que nos dará mais informação antes que o soltemos.
— Sabrina? Pelo amor de Deus, esse homem deve estar louco. Lady
Sabrina está acamada há duas semanas, muito doente. Não é verdade, lady
Vivian?
— Por que mentiria? Por que lady Sabrina conheceria um tipo desses?
— perguntou Fitz.
— Quem sabe como funcionam as mentes criminosas. Talvez
pretendesse difundir mentiras sobre ela, como fez com o comandante
Hawthorne.
— Se eram mentiras, por que me disse que acreditava nelas? — Eve
ficou de pé. A fúria parecia lhe dar mais altura, e seus olhos fulminaram o
homem que foi o oficial superior de seu marido — Me garantiu que era
verdade, que Bruce o roubou.
— Disse que ouvi rumores — se levantou também, e estendeu uma mão
para ela para tentar acalmá-la.
— Contei tudo a Fitz e acabo de contar a Vivian também, e nenhum dos
dois acreditou que Bruce fosse capaz de tal coisa. Mas você que mantinha
uma estreita relação com ele, você que o conhecia quase melhor que
330
ninguém… acreditou nessas mentiras, e inclusive confirmou! Como é
possível que tenha ouvido rumores, se Sabrina, ou Cosmo, os inventaram?
— O que está insinuando? — parecia horrorizado.
— A letra das cartas parece de homem — disse Fitz, suavemente.
Levantou-se também, e deu um passo para ele.
— Mentiu para mim, não é? — insistiu Eve — Tentou me fazer
acreditar que Bruce roubou o relógio, que era um ladrão e um covarde, que
tirou a própria vida. Por quê?
— Juro-lhe que foi por você, pelo seu próprio bem. Peço-lhe que me
acredite. Doeu-me muito lhe mentir, foi uma das coisas mais duras que fiz
na minha vida, mas não suportava a ideia que descobrisse a verdade sobre
Bruce.
— Mentiu para me proteger? — a voz de Eve estava cheia de desdém —
Por quê? A que verdade se refere? Era algo tão horrível que preferiu fingir
que meu marido era um ladrão?
Willingham suspirou, e olhou ao seu redor antes de virar-se de novo
para Eve com expressão grave.
— Minha querida, lamento ter que lhe dizer que o relógio que você
achou que seu marido daria de presente a você, na realidade pertencia a
lady Sabrina, que o recebeu das mãos de lorde Humphrey. Ela o deu de
presente ao seu amante como prova de seu afeto por ele, e o amante em
questão era o comandante Hawthorne.
O salão ficou imerso em um silêncio ensurdecedor, e de repente Eve deu
um passo à frente e deu uma sonora bofetada no coronel.
— Mentiroso!
Quando viu que levantava a mão como se tivesse intenção de golpeá-la,
Fitz se interpôs entre eles como uma exalação, e lhe deu um fulminante
murro na mandíbula. O coronel caiu de costas, e vendo que Fitz se abatia
sobre ele com os punhos em riste, negou com a cabeça e disse:
331
— Não, não tenho intenção de brigar com você, sua reação foi
justificada — se levantou com dificuldade, e disse a Eve — Peço
desculpas, querida. Teria sido incapaz de golpeá-la, juro. Só foi uma reação
instintiva causada por você ter me acusado de ser mentiroso, mas não
deveria ter levantado a mão. Entendo como de ser duro para você,
descobrir a verdade sobre Bruce. Estou convencido que a amava de
coração, mas lady Sabrina pode chegar a ser muito… persuasiva.
— Não duvido, está claro que conseguiu persuadir você. Sei com
absoluta certeza que está mentindo, coronel. Meu marido não teve
nenhuma aventura, nem com ela, nem com ninguém. Na verdade, era você,
não é? Toda essa história da aventura e o relógio… foi você quem teve uma
aventura com a esposa de seu bom amigo, e foi para você que Sabrina
entregou o relógio. Suponho que a primeira carta, a que estava em letras
maiúsculas, foi escrita por ela, tentando disfarçar sua letra. Mas você
também escreveu, não é? Escreveu para avisá-la que me viu usando o
relógio que ela mesma lhe deu e provavelmente exigiu uma explicação
sobre como o relógio foi parar nas minhas mãos. Você se apresentou aqui,
com a desculpa de visitar seu velho amigo, mas na realidade veio para
ajudá-la a recuperar o relógio. Tenho certeza que foi você quem escreveu
as outras cartas. Veio me ver com a esperança que eu desabafasse com
você, e para me fazer acreditar que Bruce roubou o relógio. Acho que
estava certo que me convenceria a entregá-lo com facilidade… tão certo,
que nem sequer se incomodou em disfarçar sua letra.
O coronel estava tenso e com o rosto avermelhado de raiva enquanto as
acusações se abatiam sobre ele, e no final não pôde suportar mais e
explodiu.
— Sim! Maldita seja, sim! Bruce ganhou o relógio num jogo de cartas,
estava sem dinheiro e o usei como garantia. Pensava em comprá-lo de
volta, mas ele morreu naquele acidente. Deixei as coisas assim pensando
332
que não aconteceria nada, mas então você veio, precisamente aqui, com ele
— respirou fundo, e acrescentou com mais calma — Não me orgulho do
que fiz e lamento a dor e a decepção que causei, senhora Hawthorne, mas
não podia permitir que permanecesse com esse relógio. Se Humphrey o
tivesse visto…
— Por que não me pediu simplesmente? Por que chegar a tais extremos?
Admitir a verdade teria causado menos escândalo que tudo isto.
— Eu queria fazer isso. Disse a Sabrina que as cartas não eram
necessárias e que você não revelaria a verdade, mas ela estava convencida
que você contaria para lady Vivian, e que ela adoraria ter uma arma contra
ela.
— Típico dela! — exclamou Vivian, indignada — Eu seria incapaz de
fazer algo que pudesse ferir tio Humphrey!
— Ora, o que temos aqui? Acho que ouvi meu nome! — disse uma voz
jovial da porta.
Todos emudeceram e se viraram. Lorde Humphrey sorriu com
benevolência ao entrar no salão, e indicou com a mão que se sentassem.
— Por que estão todos de pé? Sentem-se, sentem-se. É muito agradável
ter companhia, estamos há muito tempo enclausurados aqui. Todo este
assunto da epidemia foi atroz, a pobre Sabrina ainda não se recuperou
completamente — apertou a mão de Fitz, e quando se aproximou de Eve
para fazer o mesmo, parou subitamente e olhou o relógio surpreso — Céus!
Como pode ser? Quem o encontrou?
— Bem… — Eve olhou para Fitz e Vivian sem saber como responder.
— Que sorte! — continuou falando lorde Humphrey, sorridente.
Estendeu a mão para o relógio, e perguntou a Eve — Posso? — quando ela
assentiu, agarrou-o e o observou com atenção — Sim, não há dúvida que é
o relógio de Amabel.
333
— Por isso me pareceu tão familiar! Tia Amabel costumava usá-lo
sempre! — exclamou Vivian.
— Sim, é verdade, adorava — sorriu com nostalgia ao recordar sua
falecida esposa, e acrescentou — Por desgraça, estava entre as joias da
família, e Sabrina o perdeu há alguns anos. Ficou muito triste, gostará de
saber que foi encontrado. Onde o encontraram? — abriu o relógio sem
esperar resposta — Olhem, aqui está a dedicatória que mandei gravar: Para
minha querida esposa. E dentro, no compartimento secreto, há uma mecha
de seu cabelo.
Eve ficou atônita ao ver que colocava a unha do polegar em uma tampa
oculta da parte posterior, uma tampa tão pequena que nem sequer a viu, e
que abria a placa dourada onde estava gravada a dedicatória. Dentro do
pequeno compartimento havia uma mecha de cabelo, e por cima, uma
pequena folha de papel muito dobrada que caiu no chão.
O coronel, que estava na expectativa, se apressou para tentar pegar o
papel, mas Fitz se colocou na frente dele e foi Eve quem o recolheu do
chão.
— O que é isso? Não havia nenhum papel — comentou lorde
Humphrey, perplexo.
Ela se apressou a desdobrar o papel, e deu uma rápida olhada antes de
responder:
— É uma carta. Uma carta escrita com letra muito parecida com as que
estão na sua mão, Vivian.
— O que diz? Quem o colocou no relógio? — perguntou lorde
Humphrey.
— Acho que pode ter sido meu falecido marido. Parece ser uma
confissão, escrita e assinada pelo coronel Willingham, e datada dois dias
antes da morte de Bruce.
— Uma confissão? Por que estava dentro do relógio?
334
— O coronel Willingham confessa ter roubado muitas vezes, ao longo
dos anos, para manter seu nível de vida, que estava acima de suas
possibilidades. Também confessa ter trapaceado no jogo, e ter se
apropriado de recursos do Exército. Trata-se de uma quantidade
considerável de delitos.
Lorde Humphrey olhou boquiaberto para seu amigo, e exclamou:
— Meu Deus! Robert…! Isso é verdade?
O coronel não pôde mais aguentar a pressão, e gritou:
— Sim! É verdade! Maldito Hawthorne, com sua ética e seu famigerado
sentido de honra! Sabia que esse homem acabaria sendo minha perdição —
desabou na cadeira mais próxima, derrotado, e acrescentou — Ele sabia
que o relógio não me pertencia, é óbvio que é um objeto feminino; além
disso, me surpreendeu trapaceando no jogo. Já suspeitava sobre todo o
resto… o desaparecimento dos recursos do Exército, o fato que meus
amigos perdiam coisas… inclusive soube sobre a minha aven… — se calou
de repente quando Fitz pôs a mão em seu ombro. Levantou o olhar para ele
e depois para lorde Humphrey, e voltou a baixá-lo antes de falar novamente
— Hawthorne ficou com o relógio. Obrigou-me a confessar quem era o
verdadeiro dono e tencionava devolvê-lo, prometeu que não contaria a
ninguém se eu deixasse o Exército imediatamente. Sua principal
preocupação não era o que poderia acontecer a mim… como faria para
seguir com minha vida, as explicações que teria que dar… só se importava
em salvar o regimento da desonra. Insistiu que fizesse a confissão por
escrito, e me ameaçou usando-a contra mim se não apresentasse minha
renúncia voluntária. Guardou-a no relógio até que eu cumprisse com o
combinado.
— Suponho que se sentiu aliviado quando morreu — disse Eve com
frieza — Você teve algo a ver com sua morte?
335
— Deus, é obvio que não! Teria sido incapaz de assassinar esse tolo,
matou-se sozinho montando a cavalo como um desequilibrado. Se achava
capaz de saltar qualquer obstáculo — esticou a mandíbula, e admitiu com
tom um pouco desafiante — Mas sim, admito ter me sentido aliviado
quando soube. Acreditei que estava a salvo. Você nunca deu indicação
alguma de saber de alguma coisa, assim me tranquilizei e pensei que seria
fácil recuperar o relógio. Busquei-o por toda parte quando fui visitá-la nos
dias posteriores ao falecimento de Bruce, mas não o encontrei e acabei me
dando por vencido. Pensei que, se estava tão bem escondido, existia a
possibilidade que ninguém chegasse a encontrá-lo, e quando você retornou
para a casa de seu pai, tive a esperança de que esse maldito relógio ficasse
lá para sempre, enterrado nesse vicariato afastado.
— Mas então vim para cá, tão perto da casa de lorde Humphrey —disse
ela.
— Sim, e soube que era homem morto se ele chegasse a vê-lo.
Lorde Humphrey estava de pé, olhando para seu amigo com
consternação, com a mão fechada ao redor daquele objeto que tanto valor
sentimental tinha para ele.
— É verdade, Robert? Roubou o relógio de Amabel? — sua voz soava
fraca, como se saísse de um homem muito mais velho. Seu rosto refletia a
dor que aquela traição causava a ele.
— Não! Maldita seja, não! — ficou de pé de repente, e seus olhos
faiscaram.
Eve temeu que estivesse a ponto de admitir a verdade diante de lorde
Humphrey, que dissesse que teve uma aventura com sua esposa, mas
quando o coronel abriu a boca novamente, Fitz reagiu como um raio.
Agarrou-lhe o braço pelo pulso, o dobrou para trás, e disse com uma voz
baixa e ameaçadora que só conseguiram ouvir o coronel e ela:
— Cuidado com o que diz. Se deseja se livrar da prisão…
336
— De acordo… sim, admito que roubei esse maldito relógio. Encontrei-
o no chão quando estive aqui de visita, e achei que Sabrina o tinha deixado
cair e que todos acreditariam que se perdeu.
— Meu Deus, não sabia como aconteceu realmente — lorde Humphrey
lançou um olhar ausente pela habitação — Amabel…
Vivian se apressou a aproximar-se dele, e passou a mão pela cintura
dele. Tinha os olhos cheios de lágrimas.
— Tio Humphrey, por que não subimos para o seu quarto? Chumwick
levará uma taça de chá quente, e pediremos que acrescente um pouquinho
de licor.
Saiu do salão com ele e o conduziu pelo corredor enquanto falava com
voz suave, e quando ouviram que começavam a subir a escada, Fitz soltou
o coronel e se colocou na frente dele, antes de dizer com voz ameaçadora:
— Vou lhe dizer o que farei: vou ficar com esse papel. Ficará guardado
no cofre de Willowmere, assim não pense nem por um momento que vai
poder recuperá-lo. Se não seguir minhas instruções ao pé da letra, revelarei
ao mundo inteiro sua confissão. Está claro?
— Sim.
— Perfeito. Quero que abandone o Exército, que se retire ao campo, e
que não diga a ninguém nenhuma só palavra sobre este assunto. Não
voltará a ver lady Sabrina nem entrar em contato com ela, e tampouco
tentará desculpar-se ou justificar-se perante lorde Humphrey para tentar se
aproximar dele. Não dirá nenhuma só palavra contra o comandante
Hawthorne nem sobre a senhora Hawthorne. Se ouvir o menor rumor sobre
eles, saberei de onde partiu, e arcará com as consequências. Suba para fazer
sua bagagem, quero-o fora desta casa nesta mesma tarde.
O coronel assentiu friamente antes de partir do salão. Eve o seguiu com
o olhar, e se virou para Fitz com os olhos cheios de lágrimas.
— Obrigada. Obrigada, finamente terminou este pesadelo.
337
Capítulo 21
Fitz abriu os braços, e a abraçou com força quando ela soltou um pequeno
soluço e se refugiou neles.
Quando Vivian retornou, depois de deixar seu tio aos cuidados de seu
valete, comentou, preocupada:
— Acredito que se recuperará, mas foi um golpe tremendo para ele. Não
acho estranho que Sabrina mantenha aventuras, mas o coronel Willingham
me parecia um bom homem — seu rosto se encheu de indignação, e seus
olhos brilharam — Que desfaçatez tão grande… se comportou
naturalmente e fingiu ser amigo de meu tio, seu amigo, quando na
realidade… será melhor que nem pense em aparecer novamente, porque
garanto que se arrependeria pelo resto de sua vida.
— Conseguiu enganar a todos — admitiu Eve.
— Nunca senti nenhuma simpatia por ele — comentou Fitz.
Vivian soltou uma gargalhada, e comentou, ironicamente:
— Sim, pergunto-me por que seria.
Eve se apressou a mudar o rumo da coversa.
— Acreditei que era um homem atento e considerado, mas estava muito
equivocada. Quando veio me visitar depois da morte de Bruce, fingiu que
queria me oferecer apoio e ajuda, mas na verdade, o que queria era
aproveitar para vasculhar entre seus pertences.
— Penso que, se não tivessem executado esse plano absurdo, ninguém
perceberia que você estava com o relógio.
— Eu mesma não lembro de vê-la usando — disse Vivian.
338
— Quase nunca o usava, porque era muito pesado para meus vestidos e
estava fora de moda; por desgraça, estava com ele no dia que cheguei a
Willowmere e conheci Sabrina.
— Eu adoraria subir e tirar essa bruxa da cama arrastada pelos cabelos.
Fico furiosa ao saber que não vai receber seu castigo, mas não posso
permitir que tio Humphrey se inteire. Acredito que tem consciência que
cometeu um erro ao casar-se com ela… a forma como falou sobre o relógio
já basta para ficar evidente que não esqueceu minha tia Amabel… mas
apesar de tudo, ficaria destroçado se soubesse da traição de Sabrina.
— A verdade não será revelada, Willingham e Sabrina não cometerão a
estupidez de revelar o acontecido — disse Fitz — Além deles, só nós três
sabemos, e nenhum de nós vai dizer nenhuma só palavra a respeito.
— Não se esqueça de Camellia e Lily — recordou Eve — Sabem que
Sabrina está por trás das cartas, e mesmo acreditando que não vão
comentar…
— Não acho esse assunto apropriado para ouvidos tão jovens — Fitz
avaliou a situação e no fim propôs outra solução — Poderíamos dizer a elas
que Sabrina admitiu que queria brincar com você. Conhecem-na bem,
duvido que seja difícil de acreditar.
— Sim, principalmente quando virem que Sabrina vai te pedir desculpas
em pessoa, Eve — comentou Vivian, com olhos faiscantes — Eu
providenciarei que faça isso.
O coronel Willingham desceu vários minutos depois, escoltado por
Chumwick, o velho mordomo, e um dos criados. Virou-se para Eve e
pensou em dizer algo, mas ao ver que Fitz se interpunha entre eles
imediatamente, encolheu os ombros e saiu da casa.
Fitz foi atrás dele e esperou fora até que o viu partir na carruagem que
Vivian providenciou, e mais tarde, quando retornava a Willowmere junto a
Eve em sua própria carruagem, comentou:
339
— Ordenei ao chofer que o leve a Lancaster. Preferiria tê-lo deixado
jogado pelo caminho para que se arrumasse sozinho, mas não quero vê-lo
perto de você. Foi muito duro permitir sua partida depois do que você
sofreu com suas ameaças, adoraria que fosse para a prisão — suspirou
antes de admitir — Mas não sei se teríamos como provar o que ele fez.
— Não conseguiríamos sem envolver também o padrasto de suas primas
e Sabrina, e o escândalo seria monumental. Sem falar no pobre lorde
Humphrey… — apoiou a cabeça em seu ombro antes de acrescentar — É
melhor deixar as coisas desse jeito, me alegro que este assunto esteja
resolvido. Obrigada.
— Obrigada por que?
— Por tudo… por acreditar em mim, por acreditar em Bruce, por tudo o
que fez.
Ele soltou uma gargalhada, e a beijou na testa.
— Fiz o que deveria, espero que não ache que seria capaz de deixá-la
sozinha para lutar suas próprias batalhas — voltou a beijá-la, mas nos
lábios. Foi um beijo lento e cheio de ternura, e quando voltou a levantar a
cabeça, passou um braço pelos seus ombros e murmurou — Sempre estarei
ao seu lado.
Ela se aconchegou contra seu corpo quente e forte, sentia-se tão segura e
protegida entre seus braços… adoraria poder acreditar que o que acabava
de dizer, era verdade, que sempre estaria ao seu lado, mas sabia que era um
solteiro contumaz e que a aventura logo acabaria. Mas nesse momento não
queria pensar nisso, não queria sofrer antes do tempo.
— Eve… não, não é o momento nem o lugar.
Ela sentiu um estremecimento de ansiedade, e respondeu com voz fraca:
— Não, não é o momento. Deixemos… deixemos para mais tarde.
340
Demoraram tanto, que a hora do chá já tinha passado; de fato, tiveram
que vestirem-se rapidamente para chegar a tempo ao jantar. Lady
Symington estava de muito mau humor, porque devido a sua ausência se
viu obrigada a tomar o chá no segundo andar com os mais jovens.
— Acho inconcebível que hospedasse aqui esse francês, Fitzhugh.
— Está com a perna quebrada, não podia deixá-lo abandonado a própria
sorte.
— Mas é um completo desconhecido, e os franceses falam e se
comportam com muito atrevimento.
— É um homem muito inteligente.
Priscilla surpreendeu a todos ao fazer aquele comentário. Corou ao se
transformar no centro das atenções, mas engoliu saliva e acrescentou
corajosamente:
— Viajou por muitos lugares, e tem grandes conhecimentos sobre… —
vacilou diante do olhar frio de sua mãe, e se limitou a dizer — sobre muitas
coisas.
— Que importância tem isso se nem se quer sabe o nome de seus pais?
— depois de lidar com a pequena rebelião de sua filha, virou-se de novo
para sua presa inicial — Não acredito que tenha passado grande parte da
tarde fora, Fitzhugh. Não é assim que se mantém entretidos os convidados.
— É mais fácil entretê-los quando se sabe que chegarão — comentou
Neville. Lançou um olhar a seu amigo, e acrescentou, secamente —
Embora acredite que alguns soubessem.
— Nos tempos do velho conde, Willowmere sempre estava pronta para
receber visitas inesperadas — insistiu lady Symington com frieza.
A conversa prosseguiu nesses termos durante todo o jantar. Eve tentou
se manter afastada da linha de fogo e inclusive Camellia, que era a primeira
vez que descia para o jantar desde que adoeceu, optou por ignorar os
ataques da dama.
341
— Já sei que deveria ter dito algo — disse a jovem a Eve enquanto
subiam para os quartos, depois do jantar — Essa mulher aterroriza Lily, e
foi desagradável com todos na hora do chá — soltou um suspiro antes de
admitir — Mas é que estou muito cansada, e não gostaria de discutir com
ela.
Eve passou um braço pela sua cintura antes de responder:
— Seu cansaço é normal, ainda está recuperando as forças depois da
doença. Não se preocupe, não faltarão oportunidades para discutir com ela
daqui para frente.
— Não duvido disso, tenho a impressão que está disposta a permanecer
um longo tempo aqui.
— O tempo que seja necessário para conseguir que o senhor Carr acabe
cedendo, suponho.
— Sim, é verdade. Pobre Lily, está sofrendo muito. Vi-a antes no
corredor, falando em voz baixa com ele, e os dois pareciam tão… tão
desesperados. Não acredito que eu chegue a me apaixonar.
— Cam…
— Parece que requer muito esforço.
Eve esboçou um sorriso, e admitiu:
— As vezes sim, mas também pode ser algo maravilhoso. Recorda o
quanto Mary estava feliz quando se casou com sir Royce.
— Sim, mas sofreu muito antes disso. As vezes me pergunto se vale a
pena.
Eve se perguntou o mesmo pouco depois, enquanto escovava o cabelo,
sentada diante da penteadeira a espera que Fitz chegasse. Realmente valia a
pena? Bastariam aquelas horas de felicidade roubadas? Sabia que aquela
situação era efêmera. O conde não demoraria para voltar para Willowmere,
os hóspedes partiriam, e a vida voltaria para a normalidade. Fitz não
poderia continuar indo ao seu quarto, começariam a se verem cada vez
342
menos, e em algum momento, ele decidiria voltar para Londres para
desfrutar de todos as diversões que a cidade oferecia, e tudo estaria
terminado.
Deixou de lado o pente, e contemplou sua própria imagem no espelho.
Não podia mentir a si mesma, estava ciente que se apaixonara profunda e
loucamente por Fitz. Não foi nada planejado. Começou a relação pensando
que seria capaz de manter o coração intacto, que poderia desfrutar do
prazer e da felicidade sem se expor ao sofrimento. Pensava que sabia onde
estava pisando, que era uma mulher bastante amadurecida para ter uma
aventura passageira, que poderia aprender o que era a paixão e conhecer
finalmente o prazer que um homem podia oferecer, mas sem a tendência
juvenil para confundir desejo com amor.
E apesar de tudo, estava apaixonada por aquele solteiro inveterado, um
homem que preferia manter aventuras com viúvas para evitar maiores
problemas. Fitz era um amante maravilhoso que podia ser tenro ou
grosseiramente apaixonado, que as vezes fazia amor lentamente,
enlouquecendo-a de desejo, e outras vezes a possuía com uma paixão
febril. Mas nunca disse que a amava, nem sequer quando estavam fazendo
amor. Ela sabia desde o começo que era um homem que desfrutava da vida
e se divertia, que não costumava ser sério, e foi uma tola por esperar algo
mais, por entregar seu coração.
A maçaneta da porta girou nesse momento, e Fitz entrou no quarto. Já
estava sem a jaqueta e o colete, tampouco usava o lenço no pescoço, e
tinha desabotoado os três primeiros botões da camisa.
Ela sorriu e ficou de pé enquanto as preocupações desapareciam de sua
mente. Nesse momento, só existia a doce antecipação do que estava por vir.
Agora, pertenciam um ao outro, e isso era só o que importava.
Ele foi abraçá-la assim que fechou a porta, e afundou o rosto em seu
cabelo antes de sussurrar extasiado:
343
— É maravilhoso te ter assim. As vezes acredito que me conformaria te
abraçando, que não necessitaria nada mais — se afastou um pouco para
olhá-la, e admitiu sorridente — Mas isso é uma ilusão passageira.
Beijaram-se sem pressa, conscientes que tinham todo o tempo do
mundo. Suas bocas se acariciaram com doçura, saborearam-se a vontade, e
ele começou a salpicar de beijos, seu rosto, as orelhas e o pescoço enquanto
desabotoava seu vestido. Colocou as mãos entre as pontas abertas e jogou o
tecido para trás pouco a pouco, deslizando os dedos pela sensível pele de
seus seios, e quando o vestido caiu aos pés de Eve, ela começou a
desabotoar sua camisa.
Olharam-se com olhos cheios de ternura e paixão, e quando ela
terminou de desabotoar a camisa e passou as palmas das mãos pelo seu
peito nu, ele soltou um gemido e sussurrou:
— Eve… me deixa, sem fôlego, minha querida — se aproximou um
pouco mais dela antes de acrescentar — Quero que… quer dizer… quer…?
Foi interrompido por um ruído surdo procedente do corredor, e ao ouvir
alguém resmungar uma maldição em voz baixa e sussurrar algo com
autoridade, cruzou o quarto apressadamente e abriu a porta levemente para
olhar.
— Maldição! — abriu a porta de repente, e saiu para o corredor com
uma exalação.
Eve correu para a porta ao ouvir que uma mulher soltava um gritinho e
um homem uma maldição, mas parou subitamente, quando lembrou que
vestia apenas a regata e a anágua. Agarrou a bata e colocou enquanto saía
para o corredor, mas quando tentou alcançar Fitz, ele já tinha descido a
escada correndo, e estava frente a frente com Neville Carr e Lily.
A jovem usava um chapéu e uma capa, e segurava em uma mão um
candeeiro e na outra uma bolsa de viagem. O senhor Carr, que estava
olhando Fitz com o corpo tenso e preparado e uma expressão alerta, tinha a
344
seus pés outra bolsa e também estava vestido para sair. Usava um casaco
com várias capas, e um de seus chapéus estava sobre a bolsa.
— Mentiu para mim! — exclamou Fitz, num tom que transparecia sua
fúria — Pretendia fugir com Lily, apesar de ter jurado que jamais faria
nada que pudesse prejudicá-la! Como é possível que esteja disposto a expô-
la ao escárnio público? Terá que amargar esse escândalo pelo resto de sua
vida!
— Eu estarei ao seu lado, protegerei-a.
— Pode ordenar que a admitam no Almack's? Pode impedir que alguma
velha afetada se negue a cumprimentá-la? Pode redimir uma reputação
feita em migalhas? Maldito seja, Neville…! Seduziu uma jovem inocente, e
não pode amenizar a importância disso!
— Quem demônios é você para me fazer recriminações? Por acaso se
considera um modelo de virtudes? Olhe para vocês! — olhou tanto a Fitz
como a Eve de forma muito significativa, evidenciando o fato de estarem
meio vestidos… ele com a camisa aberta, e ela de bata e com o cabelo solto
— A quem acredita que está enganando? Acha que não percebi que vem
aqui furtivamente depois que todos se recolhem? Como diabos se atreve a
me recriminar se passas todas as noites nos braços de sua amante?
Fitz lhe plantou um murro no queixo que o atirou de costas, e ao cair ao
chão, golpeou a bolsa e a lançou escada abaixo. Lily gritou e fez menção de
ajudá-lo a se levantar, mas ele se levantou com uma exalação e se lançou
contra Fitz. Os dois se atracaram violentamente, caíram no chão e rolaram
pelo corredor entre murros e maldições.
— Não! Neville, Fitz! Já basta! — Lily os olhou com impotência.
Continuava com o candeeiro na mão, e não sabia o que fazer.
Eve estava mais acostumada a ver brigas, graças a sua vivência como
esposa de um militar, portanto, foi correndo ao seu quarto e voltou pouco
depois com a bacia de água. Jogou a água sobre os dois combatentes, que
345
suspiraram sobressaltados e deixaram de brigar. Viraram-se para olhá-la,
carrancudos e encharcados, mas nesse momento uma voz imperiosa disse
com desaprovação:
— Brigando no chão como uma dupla de jovenzinhos? Devo admitir
que não estranho, o que mais se pode esperar de vocês?
Os quatro se viraram lentamente para o corredor que conduzia a ala
principal da casa; constataram que, no meio de tanto alvoroço não
perceberam o grupo que se formou ali. Diante de todos estava lady
Symington, com Priscilla de um lado e Camellia do outro, e bem atrás
estava Gordon. Todos usavam batas, e era óbvio que se levantaram da
cama quando ouviram o barulho. Depois deles, havia um pequeno número
de donzelas e lacaios, e outro grupo de serventes, ao pé da escada,
complementava a cena.
Eve ficou desconcertada. A casa inteira estava olhando, e era consciente
que a imagem que passavam era escandalosa. Ela usava bata, Fitz estava
meio vestido, e era óbvio que Lily e Carr tinham intenção de sair, porque
estavam completamente vestidos, e havia uma bolsa de viagem no corredor
e outra no pé da escada. Inclusive a pessoa mais curta das ideias poderia
deduzir o que ambos os casais estavam fazendo antes da briga.
— As duas são uma desonra para suas famílias — lady Symington
estava em todo seu esplendor. Com os braços cruzados, uma sobrancelha
arqueada, e uma expressão fria de desdém. Cravou o olhar em Neville, e
perguntou — O que tem a dizer em sua defesa?
— Bem…
Neville ficou de pé depois de tão eloquente dissertação, e Fitz se
levantou também. Não impunham muito respeito, já que além dos dois
estarem com o cabelo molhado, no primeiro escorria um filete de sangue de
um corte no queixo e no segundo a fina camisa de cambraia estava grudada
no corpo.
346
— Peço-lhe desculpas, lady Symington — disse Fitz, antes de fazer uma
elegante reverência.
Embora parecesse ridículo, Eve achou admirável seu aprumo; de fato,
nem sequer a temível lady Symington pôde evitar que lhe curvassem os
lábios num sorriso quase imperceptível.
— É o mínimo que se pode esperar; mesmo assim, não são suas
desculpas as que me interessam neste momento, apenas as de Neville.
Neville fez uma reverência quase tão perfeita como a de Fitz antes de
dizer:
— Peço-lhe que aceite minhas desculpas, Sua Senhoria. Acho que
Talbot e eu tivemos uma pequena desavença sobre… um jogo de cartas.
— Sim, já notei que os dois estão vestidos para jogar cartas — lançou
outro de seus olhares carregados de desdém antes de acrescentar — Mas
não me referi a essa amostra de barbárie masculina, em todo caso, suas
desculpas não deveriam estar dirigidas a mim. É a Priscilla quem ofendeste
de forma atroz — deu um empurrão nas costas de sua filha para que desse
um passo à frente, e a pobre esteve a ponto de cair de bruços.
— Não, mamãe! Sinto muito, Neville, não é necessário que…
Embora fosse claro que sua filha estava mortificada, a dama se mostrou
inflexível.
— É evidente que é necessário, está mais claro que água que este
homem estava tentando fugir com esta desavergonhada.
Lily soltou uma exclamação abafada, e Camellia protestou com
indignação:
— Um momento! Quem acredita que…?
Lady Symington a ignorou por completo e acrescentou:
— É uma afronta, um insulto a Priscilla e a toda nossa família.
— Lady Symington, não há necessidade de acusações nem
recriminações.
347
Fitz utilizou seu melhor sorriso para tentar acalmar os ânimos, mas ela
disse com firmeza:
— Este é um assunto entre o senhor Carr e minha filha, ele sabe o que
deve fazer — se virou para Neville, e lhe cravou um olhar furioso —
manteve Priscilla esperando durante anos, Neville. Já sabe o que é esperado
de você… o que todos esperamos, incluindo seu pai.
— Não penso em me submeter as exigências de meu pai nem as de
ninguém!
— Felicito-o pela coragem, mas espero que conserve o sentido da honra
e que esteja consciente de suas obrigações para com o sobrenome que
ostenta. Espero que mostre consideração com Priscilla.
— Mamãe, por favor!
— Se acha que é um cavalheiro, sabe que deve cumprir com sua
palavra. Deve propor casamento a Priscilla, e neste exato momento.
— Não! — para surpresa de todos, foi Priscilla quem pronunciou aquela
negativa — Não se atreva a fazê-lo, Neville. Não quero que me proponha
casamento — encarou sua mãe. Estava tremendo dos pés a cabeça, mas
tinha o olhar firme e o queixo alto — Não vou me casar com ele.
Todos ficaram boquiabertos, inclusive lady Symington. Priscilla corou
um pouco ao monopolizar toda a atenção, mas olhou para Neville e disse
com um pequeno sorriso:
— Sinto de verdade, Neville. Não tenho nada contra você. Tenho
simpatia, sempre senti simpatia por você. Sempre me tratou amavelmente.
— Mas… por que não disse nada? Por que não me disse que não queria
se casar comigo?
— Estava disposta a fazê-lo. Não te amava, mas jamais sonhei sequer
que chegaria a me apaixonar por alguém, e você… enfim, parecia a melhor
solução — olhou de soslaio a sua mãe, e não foi necessário que dissesse
com palavras qual era o problema a ser solucionado — Foi o cavalheiro
348
que mais me agradou. Como disse, tratava-me com amabilidade, e
diferentemente dos favoritos de minha mãe, não era um completo
aborrecido; além disso, dava a impressão que se importava tão pouco como
eu. Na verdade, não tem nada a ver com você, mas o fato de me casar e
viver em seu imóvel, de me limitar a criar filhos e apenas envelhecer…
enfim, é uma ideia que me parece muito aborrecida. Sinto muito.
Eve teve que conter a vontade de rir, vendo como Neville estava atônito,
já que as palavras de Priscilla pareciam tê-lo emudecido. Lady Symington,
por sua vez, não estava com esse problema, e sua voz retumbou quando
disse, indignada:
— Ficou louca? O que acha que vai acontecer se não se casar com ele?
Não vai receber nenhuma outra proposta, Priscilla. É uma solteirona, e
agora vai carregar o estigma deste… este…
— Não haverá nenhum estigma — se apressou a assegurar Neville —
Ela me rechaçou, uma dama está em seu direito de rechaçar um cavalheiro.
Lady Symington não lhe deu a menor atenção, e continuou concentrada
em sua filha.
— Pensa por uma única vez em sua vida, Priscilla. Se deixar passar esta
oportunidade, não vai conseguir nenhuma outra. O que é o que vai fazer?
— Vai se casar comigo.
Lady Symington se virou de repente quando ouviu aquilo e ficou atônita
ao ver que quem falou, foi nada mais nada menos, que Barthelemy
Leveque, que chegou até ali em sua cadeira de rodas.
Eve se sentou em um degrau. Acreditava que todas as surpresas da noite
já estavam terminadas no momento que Priscilla enfrentou sua mãe, mas
quando ouviu a declaração de Leveque se deu conta que estava enganada.
Fitz se sentou junto a ela, e perguntou em voz baixa:
349
— Estava sabendo disso?
— Não, não tinha nem ideia; de fato, cheguei a pensar que Camellia
poderia… — olhou a jovem em questão, que estava olhando o francês tão
atônita quanto os outros.
— Barthelemy! —Priscilla correu para ele, e se ajoelhou junto a sua
cadeira — O que faz aqui? Como conseguiu se sentar sozinho?
— Foi difícil, mas… como se diz…? Querer é poder. Não podia
permitir que enfrentasse sozinha essa batalha.
— Priscilla! — lady Symington deu um passo para sua filha — Se
levante agora mesmo, pode-se saber o que está fazendo? Perdeste o
julgamento?
— Não! — Priscilla se levantou, e se virou para olhá-la enquanto
entrelaçava a mão com a de Leveque — Finalmente tenho as ideias claras,
possivelmente o que perdi foi o medo e me dei conta que posso ser uma
mulher valente. Vou me casar com monsieur Leveque, e vamos percorrer o
mundo inteiro. Vou viajar de balão, e o ajudarei em suas pesquisas, e… vai
ser a vida mais emocionante que se possa imaginar!
— Basta de tolices! Não pode se casar com este homem, não vou
permitir — estava com o rosto vermelho e a expressão dura.
— Não necessito sua permissão, mamãe; como você mesma disse, já
não sou uma jovenzinha. Vou me casar com quem eu quiser.
— Mas… mas viajar de balão, é francês, e não conhecemos sua família.
— Conheço ele, e isso é só o que me importa — depois de deixar sua
mãe emudecida com aquelas palavras, virou-se para Neville e disse —
Sinto muito, Neville, mas achei que não se importaria.
— Me importar? — esboçou um sorriso de orelha a orelha, e exclamou
— Minha querida Priscilla, estou encantado!
Começou a rir, agarrou Lily exultante de felicidade, e a levantou do
chão enquanto a girava. Ela se pôs a rir também, e rodeou seu pescoço com
350
os braços; assim que voltou a deixá-la no chão, ajoelhou-se diante ela e a
pegou pela mão.
— Senhorita Bascombe, concede-me a honra de aceitar ser minha
esposa?
— Sim, já sabe que sim — o rosto da jovem resplandecia de felicidade.
Neville ficou de pé, e lhe deu um sonoro beijo antes de virar-se para
olhar para Fitz.
— Suponho que agora vai me dar seu consentimento, não é?
Ele se aproximou sorridente, e lhe deu uma firme palmada nas costas
antes de responder:
— Me parece uma ideia excelente, mas é Oliver quem você terá que
convencer.
Eve se perguntou se alguma vez chegaria a entender os homens. Os dois
pareciam tão amigos como sempre, apesar de estarem a poucos minutos
rolando pelo chão e se esmurrando.
Todo mundo começou a falar ao mesmo tempo. Tanto Cam como Eve
se apressaram a abraçar Lily, os criados ficaram a tagarelar animadamente
sobre o espetáculo que acabavam de presenciar, e lady Symington
continuou empenhada em fazer sua filha voltar a razão.
O alvoroço foi ganhando intensidade, mas os súbitos latidos de um cão
silenciaram a todos e se viraram sobressaltados. Atrás deles estava ninguém
mais que o conde de Stewkesbury, tão impecavelmente vestido como
sempre e com Pirata a seus pés.
— Não esperava uma calorosa recepção a esta hora tão tardia, mas achei
que ao menos haveria alguém encarregado de abrir a porta — comentou
com calma.
— Oliver! Nunca me alegrei tanto ao vê-lo — disse Fitz, sorridente.
Lady Symington parecia alegrar-se também, porque disse com voz
imperiosa:
351
— Espero que você possa resolver essa ofensa — apontou para
Leveque, e acrescentou — Esse caipira conseguiu manipular minha filha
para…
Foi interrompida por vários protestos, mas com semelhante alvoroço se
tornou impossível entender o que diziam. O conde fez uma expressão de
sofrimento, mas seu cão decidiu se unir a gritaria e começou a brincar de
correr e pular.
Stewkesbury, finalmente, optou por dar um golpe seco no chão com sua
bengala de ponta dourada, e ao ver que todos se calavam imediatamente,
disse sem alterar-se:
— Obrigado. Fitz, me acompanhe ao meu escritório, por favor. Quero
que me explique como adquirimos todos estes… hóspedes. Bostwick,
agradeceria se nos servisse um lanche. Sugiro que todos se recolham. Boa
noite — sem mais, deu meia volta e se foi.
Os criados partiram rapidamente depois das ordens de Bostwick, Fitz
seguiu seu irmão depois de lançar um olhar de desculpas a Eve e todos os
outros começaram a retornar a seus respectivos dormitórios, mas ela se
sentou de novo num degrau e se limitou a contemplar a atividade que a
rodeava; depois de um longo momento, soltou um suspiro e retornou ao seu
quarto.
Tinha a impressão que a volta do conde significava o final de seu
romance com Fitz.
Quando Eve despertou na manhã seguinte, seus temores não se
dissiparam. Estava convencida que sua permanência em Willowmere
estava a ponto de chegar ao fim. O conde devia estar furioso, afinal, ela
estava encarregada de fiscalizar as Bascombe e Lily esteve perto de fugir
com um homem que estava literalmente prometido a outra mulher.
352
Independentemente da decisão que Stewkesbury tomasse em relação ao
possível casamento de Lily com Neville, ele deveria estar considerando-a
um fracasso total como acompanhante; além disso, certamente já corriam
falatórios sobre sua relação com Fitz por causa do ocorrido na noite
anterior, e assim que chegassem aos seus ouvidos, ele rapidamente a
afastaria de Camellia.
Não se surpreendeu quando, a caminho para tomar o café da manhã, um
criado se aproximasse para avisá-la que conde solicitava sua presença no
escritório assim que terminasse a refeição. Seu apetite desapareceu de
repente, por isso, se limitou a dar algumas mordidas numa torrada e tomar
um pouco de chá; por sorte, só teve que compartilhar a mesa com Gordon,
que geralmente só necessitava a própria companhia para manter uma
conversa.
Como não queria prolongar ainda mais sua agonia, desculpou-se e se
dirigiu para o escritório, muito nervosa. Bateu com suavidade na porta, e
entrou ao ouvir a resposta do conde.
— Ah, senhora Hawthorne — se levantou sorridente, e indicou uma das
cadeiras para que se sentasse.
— Lorde Stewkesbury — se sentou diante da mesa, e decidiu que era
melhor abordar o assunto o quanto antes — Lamento que encontrasse
tamanha confusão em seu retorno.
— Havia mais gente do que esperava, mas com esta família aprendi a
estar preparado para… o incomum.
— Devo tê-lo decepcionado tremendamente — se encheu de coragem, e
acrescentou — Sou consciente que falhei como acompanhante de Lily —
ficou atônita ao ver que soltava uma gargalhada.
— Minha querida senhora Hawthorne, me garantiram que, se a situação
não chegou a piores extremos, foi graças a você. Qualquer acompanhante
passaria maus pedaços com Camellia e Lily, e tendo em conta os outros
353
imprevistos… o francês do balão, o sarampo, a chegada inesperada de
vários hóspedes… me surpreendeu o quanto você se saiu bem com toda
essa situação.
— Fala a sério? — estava desconcertada. Se não fosse o conde, pensaria
que estava brincando com ela.
— É obvio que sim. Fitz me explicou tudo ontem à noite, e não há
dúvida que ele deveria ter pedido a Neville que partisse muito antes; de
fato, eu mesmo tenho parte da culpa por não considerar a possibilidade de
que surgisse essa atração. Antes de ir a Londres, deveria ter me
encarregado de fazer Neville partir, mas não sei se teríamos sido capazes de
conter a força feroz de uma Lily Bascombe decidida a se agarrar ao amor
verdadeiro; de qualquer maneira, dei minha aprovação. Duvido que minha
prima pudesse atrair alguém mais responsável que Neville, é possuidor de
um sobrenome e uma fortuna mais que respeitáveis, e estou seguro que seu
pai não criará problema algum, agora que já não existe nenhum
impedimento. O principal objetivo de lorde Carr era conseguir que seu
filho se casasse sem escândalo algum, e acredito que aprovará uma aliança
com a família Talbot.
— Ah. Nesse caso, me alegro muito, mas… lady Symington não vai
fazer objeções?
Ele esboçou um pequeno sorriso antes de responder:
— Acredito que podemos conseguir que entre em razão, não se
preocupe. Mas não mandei chamá-la para falar sobre isso. Não quero
prendê-la muito, suponho que queira falar com Fitz antes que ele parta para
Londres. Queria agradecer tudo o que fez durante essas semanas. Meu
irmão me contou as responsabilidades que assumiu desde que surgiram os
primeiros casos de sarampo, e que trabalhou muito. Fez muito mais do que
era esperado de seu cargo, e peço que aceite minha gratidão.
354
— É obvio — tinha os lábios tão rígidos, que ficou surpresa de poder
falar. Quase não ouviu as palavras de gratidão do conde, porque ainda
estava tentando assimilar que Fitz partiria para Londres — Foi um prazer
colaborar em todo o possível.
Os dois ficaram em pé, e se despediu dele sem saber sequer o que estava
dizendo. Só sabia que tinha que sair do escritório antes de desabar, e assim
que conseguiu, foi rapidamente para a parte traseira da casa.
O conde acreditava que Fitz falaria com ela antes de partir e o mais
provável era que estivesse certo, porque Fitz era muito cavalheiro para
partir sem despedir-se. Ele diria que estava de partida para Londres, que
lamentava que sua aventura com ela chegasse ao fim, e certamente
acrescentaria também que a tinha em grande estima. Também era possível
que quisesse dar algum presente discreto e elegante… um bracelete, ou
algo assim.
Sentia-se incapaz de enfrentar essa situação nesse momento, estava
muito aturdida e com as emoções a flor de pele. Tinha que sair da casa, ir
sentar em algum lugar onde pudesse pensar com calma, onde pudesse
recompor seu destroçado orgulho e preparar-se para falar com Fitz.
Saiu para o terraço pela porta traseira, e desceu até o jardim. Estava
bastante fresco e o vestido que usava não abrigava muito, mas não podia
voltar para pegar o xale, o chapéu, e as luvas. Tinha que se afastar da casa,
o mais que pudesse, e imediatamente.
Sua reação era absurda, já sabia desde o começo que esse momento
chegaria. Mas estava surpresa porque foi tão repentino, tão imediato. No
dia anterior se sentiu aconchegada e segura nos braços de Fitz, e nesse
momento, ele já estava disposto a retornar para Londres… e deixá-la.
Se encaminhou para o jardim de ervas aromáticas acreditando que ali
poderia desfrutar de um pouco de sol e tranquilidade, mas assim que
acabou de sentar-se no banco, ouviu o som de passos que se aproximavam
355
pelo caminho de cascalho. Pensou que era uma tola por ter escolhido um
lugar onde só havia uma saída, porque se aparecesse alguém, não teria
outra opção que não fosse trocar algumas palavras antes de poder partir.
Levantou-se pensando que, se fingisse que já estava a ponto de sair,
poderia escapulir mais facilmente, e seu coração sobressaltou-se quando
viu que era Fitz quem entrava.
— Olá, Fitz. Perdoa, estava a ponto de partir.
— Mas se acabou de entrar, vim atrás de você.
Ela conseguiu esboçar um sorriso, mas não pôde evitar que os lábios
tremessem um pouco.
— Sim, mas é que saí sem um xale, e será melhor que entre e…
Ele tirou a jaqueta, e colocou sobre os ombros dela.
— Já está. Muito melhor, não é?
Eve quis dizer que não, que assim não estava muito melhor, porque seu
cheiro e seu calor a envolviam como se estivesse abraçando-a. Mas como
estava a beira das lágrimas e era incapaz de articular qualquer palavra,
assentiu e voltou ao banco enquanto tentava recuperar a compostura; assim
que chegou ao banco, virou de novo para ele com a cabeça levantada.
Nunca foi uma covarde, e não estava disposta a se transformar em uma
agora. Se encheu de coragem, e disse:
— Já sei o que me vai me dizer.
Ele esboçou um grande sorriso.
— Ah, sim? Não tinha certeza se você percebeu minhas intenções.
Tentei falar sobre elas na carruagem e também ontem à noite, mas fui
impedido por outras coisas.
Eve se perguntou se teria sido mais fácil confrontar a situação presente
em algum daqueles dois momentos aos quais ele fazia alusão, mas era algo
que jamais estaria preparada; de fato, doía-lhe muitíssimo que ele estivesse
356
tratando o assunto com tanta naturalidade, e se esforçou para mostrar-se
igualmente despreocupada.
— O conde mencionou que pretende voltar para Londres, portanto, não
preciso ser advinha. Não fiquei surpresa, já que esperava que você se
entediasse no campo. Acredito que já teria partido se não fosse pelas
obrigações que o obrigaram a permanecer aqui.
Ele a olhou desconcertado.
— Por que teria partido? Do que está falando? Por que iria querer…?
— Agradeço que tenha me avisado antes de partir. É uma prova de
consideração de sua parte, mas sou uma mulher adulta e sabia desde o
começo o que nos esperava.
— Nesse caso, está claro que sabe muito mais que eu. Poderia me dizer
de que demônios está falando?
— De sua volta a Londres, do… do final de nossa aventura. Vai partir e
continuar com sua vida de solteiro.
— O que? De onde você tirou essa ideia tão absurda? Tenho certeza que
Oliver não te disse isso, é sua forma de rechaçar minha proposta?
Eve sentiu que todo o sangue desaparecia de sua cabeça e cambaleou
um pouco.
— Pro… proposta?
Ele a rodeou com o braço rapidamente para segurá-la, e a ajudou a
sentar no banco.
— Sim, minha proposta. Por isso vou a Londres, para que o arcebispado
nos conceda uma licença especial. Não estou disposto a esperar três
semanas para que sejam lidos os proclamas, quero me casar com você o
quanto antes — vacilou por um instante antes de acrescentar — Se é que
você me aceita como marido, claro.
Eve cobriu a boca com uma mão que tremia de forma visível, e o olhou
boquiaberta.
357
— Deus… meu Deus, por isso pretende ir a Londres?
— Sim, mas aprendi com os enganos de Royce que antes de qualquer
coisa deve-se falar com a dama em questão. Por isso queria falar com você,
mas estraguei tudo e nem sequer pedi corretamente.
— Não, a culpa foi minha — tentou sorrir ao acrescentar — Ainda está
a tempo de pedir.
Ele a olhou com um sorriso de orelha a orelha, e se ajoelhou diante ela.
— Eve Hawthorne, me daria a grande honra de se casar comigo?
Ela não sabia se ria, chorava, ou agarrava seu pescoço, queria gritar que
sim aos quatro ventos, mas se conteve e perguntou:
— Está me propondo casamento pelo que aconteceu ontem a noite? Está
se sacrificando por minha reputação? Não quero que faça isso, não é
preciso. Nego-me a ser uma carga para você…
Tapou sua boca com uma mão, e respondeu com firmeza:
— Minha querida Eve, devo lembrá-la, que sou um desses tipos que só
se preocupam com seus próprios desejos e que passam pela vida fazendo
apenas o que os agrada? Não estou te pedindo que se case comigo porque
estou preocupado com sua reputação, nem pelo que Neville disse. Faço-o
porque estou loucamente apaixonado por você, e não quero viver nem um
minuto a mais sem tê-la ao meu lado — destapou sua boca antes de
acrescentar — Bem, o que responde?
— Oh, Fitz! É verdade que me ama? — quase não podia falar.
— Sim! Sim, te amo! Te amo de verdade, para sempre, e de todas as
formas possíveis.
— Então sim, claro que me casarei com você! — jogou-se em seus
braços, e se agarrou ao seu pescoço.
Deu um sonoro beijo e voltou a sentá-la no banco, mas logo em seguida
a atraiu de novo contra seu corpo e a beijou com paixão; depois de um
longo momento, soltou-a e retrocedeu um passo antes de dizer:
358
— Ainda não me disse o que sente por mim, Eve. Me ama… ou vai se
casar comigo por minha aparência atraente e minha grande fortuna?
Ela pôs-se a rir.
— Esses são dois detalhes a serem considerados é claro, mas… Deus,
Fitz, te amo com todo meu coração — entrelaçou as mãos com as suas, e as
levou ao coração. Olhou-o com olhos puros e brilhantes, olhos nos quais
transpareciam o brilho e uma promessa que não deixavam lugar a dúvidas
— Te amo, Fitz. De verdade, para sempre, e de todas as formas possíveis.
— Nesse caso, me beije outra vez — disse, antes de voltar a tomá-la
entre seus braços.
359
Epílogo
Foi um casamento íntimo celebrado na pequena igreja do povoado, e os
únicos convidados foram lady Vivian, Neville, e os parentes de Fitz; afinal,
como Eve alegou quando Vivian e Lily tentaram convencê-la a optar por
uma cerimônia com mais pompa, ela era viúva, e iriam se casar através de
uma licença especial.
— Poderão se empenhar nisso quando Lily se casar — disse-lhes,
sorridente.
O conde deu sua aprovação, mas insistiu que o casamento fosse
celebrado depois do aniversário de Lily.
— Sim — tinha dito a jovem, com uma expressão que demonstrava a
felicidade que sentia — mas isso não significa que não possamos organizar
uma bela cerimônia para você.
Mas nesse momento estavam na pequena sala de espera da igreja, e
tanto Vivian como Lily estavam encantadas; de fato, esta última olhou para
Eve com olhos brilhantes e disse:
— Está perfeito. As velas, as flores, os laços que decoram os bancos… é
absolutamente perfeito, ideal para você. Está linda.
O vestido azul celeste de Eve tinha longas mangas bufantes e mais
estreitas do cotovelo até os pulsos. Um babado aberto no meio que deixava
ver o cetim azul mais escuro que havia debaixo, a cauda começava nos
ombros e alcançava pouco menos do meio metro, e usava um chapeuzinho
no mesmo tom de azul com um pequeno véu que cobria a parte superior do
rosto.
360
Ela pensou em usar um de seus melhores vestidos para o casamento,
mas quando Fitz retornou de Londres, em apenas cinco dias, com a licença
especial, trouxe também um pacote de madame Arceneaux que continha o
vestido e o chapéu (de fato, ainda não tinha nem ideia como Vivian e ele
fizeram para conseguir o traje em tão pouco tempo).
A própria Vivian se aproximou para beijá-la no rosto nesse momento, e
disse:
— Está deslumbrante, inclusive ainda mais que no seu primeiro
casamento — levou a mão a boca, e a olhou constrangida — Céus! Dá azar
mencionar isso?
Eve pôs-se a rir.
— Não sei, mas estou certa que nada poderia me trazer azar neste dia
tão especial.
Camellia entrou nesse momento na sala de espera. Tinha os olhos
brilhantes e o rosto corado, e só se notava que esteve doente porque estava
um pouco mais magra que o normal.
— Todos estão preparados. Deveria ver a capela, Eve. Está maravilhosa.
Casariam-se na pequena capela que havia à direita da principal, e que
estava separada do resto da igreja por uma série de arcos. Costumavam
utilizá-la para os batismos, só tinha alguns bancos para convidados, e era o
lugar ideal para uma cerimônia íntima. Estava decorada com velas brancas,
flores, e laços azuis que combinavam com o vestido de Eve.
— Está tudo preparado?
— Sim, Fitz está te esperando no altar… como deve ser, está muito
bonito! — Camellia a abraçou antes de acrescentar — Não posso acreditar
que vá nos deixar tão rápido.
— Não se preocupe, estarei em Londres para sua apresentação na
sociedade quando a temporada começar. Não vou deixar você desprotegida.
361
— Eu adoraria que todos fôssemos a Londres imediatamente — disse
Lily.
— Eu gosto de viver aqui, acredito que não me importaria de ficar em
Willowmere pelo resto de minha vida — assegurou Camellia.
Sua irmã a olhou com desconfiança, e perguntou:
— Com lady Symington aqui?
— Não, com ela não, partirá dentro de uma semana. O médico disse que
até lá, monsieur Leveque já estará em condições de viajar.
— Graças à Deus. O primo Oliver é capaz de produzir milagres, ainda
me custa acreditar que convenceu lady Symington a dar consentimento
para Priscilla se casar com Monsieur Leveque.
— Stewkesbury pode ser muito convincente — comentou Vivian, com
uma gargalhada — Acredito que neste caso usou um excelente método de
persuasão. Recordou a ela que Priscilla seria uma solteirona senão se
casasse com Leveque, e lhe contou que investigou sua ascendência e
descobriu que sua família pertenceu à aristocracia antes da revolução;
parece que é neto de um conde.
— Sim, mas ele se nega a usar um título de nobreza, e isso não agradou
em nada, lady Symington.
— Não entendo por que o primo Oliver investigou a ascendência de
monsieur Leveque — comentou Camellia — Qual é a importância disso?
Simplesmente se espatifou no imóvel.
— Fez porque todos acreditávamos que você gostava dele — explicou
sua irmã, sorridente.
— Quem, eu? Por quê? — Camellia parecia atônita.
— Porque dava a impressão que te interessava muito — respondeu Lily.
— Pensamos que ao menos, parecia agradável a você — comentou Eve.
— Me parece assim mesmo, como Priscilla. Me disseram que poderei
dar um passeio no balão assim que estiver consertado — fez uma pequena
362
pausa antes de dizer a Eve — Mas ele nunca me interessou nesse sentido, já
disse que não acredito que chegue a me apaixonar.
Vivian começou a aplaudir, e exclamou:
— Bem dito! Seremos um par de solteironas, formaremos um clube e
negaremos a entrada a todas essas românticas.
— Ora, como se você mesma não fosse uma — disse Eve — Por isso
não se casou ainda, porque é uma romântica dos pés a cabeça. Estou
convencida que as duas acabarão se casando, apenas não encontraram ainda
os homens adequados.
Vivian soltou um sonoro suspiro antes de responder:
— É típico de uma mulher apaixonada querer que todo mundo se case,
mas acho que está perdendo tempo comigo. Camellia está dando seus
primeiros passos, mas eu estou há anos no mercado matrimonial. Se
houvesse um homem adequado para mim, a estas alturas já teria
encontrado.
— Quem sabe já o encontrou, só não percebeu ainda.
Sua amiga fez uma careta, e indicou que fosse para a porta.
— Já basta de tolices, chegou o momento de se casar com o homem que
ama.
Eve sorriu, e sentiu um súbito nervosismo. Saiu da sala de espera
acompanhada de suas amigas, e foram para a entrada lateral que conduzia à
pequena capela; quando as demais entraram e ocuparam seus respectivos
assentos, ela fez sua entrada.
A cena diante de seus olhos a encheu de emoção. A linda capela de
pedra, iluminada por inúmeras velas brancas… seus amigos mais chegados,
esperando para participar do dia mais importante de sua vida… e ali, no
final do curto corredor, junto ao vigário, estava Fitz.
Usava uma jaqueta e calças negras, camisa branca, e tanto o alfinete da
gravata que brilhava entre as dobras do lenço do pescoço, como as
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abotoaduras, estavam decorados com rubis. Estava imponente, mas para
Eve estaria bonito mesmo se usasse botas e calças de camurça.
Seu coração bateu mais forte quando lhe sorriu, e avançou pelo corredor
sem deixar de olhar seus olhos. Seu nervosismo se abrandou quando
chegou junto dele e derem-se as mãos, e o vigário iniciou a cerimônia:
— Queridíssimos: reunimo-nos aqui, na presença de Deus…
No seu primeiro casamento estava tão nervosa, que depois foi incapaz
de recordar o que foi dito durante a cerimônia, mas nessa ocasião, foi muito
diferente. Prestou atenção a todas as palavras, gravou os votos em seu
coração conforme foi pronunciando-os. Tratava-se de sua vida, de seu
amor, e nada voltaria a ser igual depois daquele dia.
Fitz se virou quando chegou sua vez de pronunciar os votos.
Continuavam de mãos dadas, e a contemplou com olhos cheios de amor ao
dizer:
— Eu, Fitzhugh Alan Edward Talbot, aceito você, Eve Childe
Hawthorne, como minha legítima esposa. Para vivermos unidos desse dia
em adiante na alegrias e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na
doença, para te amar e te respeitar até que a morte nos separe, de acordo
com os santos mandamentos de Deus. E prometo, com minha palavra de
honra, cumprir todos eles.
Eve pronunciou seus votos com voz clara e firme enquanto o coração
martelava em seu peito, e o vigário os declarou marido e mulher pouco
depois. Fitz levantou seu delicado véu e a beijou, e ela estremeceu de
felicidade ao sentir sua boca quente e suave contra a sua.
— Te amo, senhora Talbot — disse ele, em voz baixa — E vou passar o
resto da minha vida te fazendo feliz.
Eve soltou uma pequena gargalhada que demonstrava a alegria que a
dominava, e puxou sua mão antes de responder sorridente:
— Farei com que cumpra sua promessa.
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Beijou sua mão, e então se viraram e caminharam pelo corredor em
direção a nova vida que construiriam juntos.
Fim
SSéérriiee WWiilllloowwmmeerree
11.. AAoo LLaaddyy NNeevveerr TTeellllss // SSeeggrreeddooss ddee uummaa DDaammaa
22.. AAoo GGeennttlleemmaann AAllwwaayyss RReemmeemmbbeerrss // SSeeggrreeddooss ddee uumm CCaavvaallhheeiirroo
33.. AAnn AAffffaaiirr WWiitthhoouutt EEnndd
EEEEEEEEbbbbbbbbooooooooooooooookkkkkkkkssssssss ddddddddiiiiiiiissssssssttttttttrrrrrrrriiiiiiiibbbbbbbbuuuuuuuuííííííííddddddddoooooooossssssss sssssssseeeeeeeemmmmmmmm ffffffffiiiiiiiinnnnnnnnssssssss lllllllluuuuuuuuccccccccrrrrrrrraaaaaaaattttttttiiiiiiiivvvvvvvvoooooooossssssss eeeeeeee ddddddddeeeeeeee ffffffffããããããããssssssss
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