Universidade de Braslia
Instituto de Letras
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas
Programa de Ps Graduao em Lingustica
Classificao nominal em Libras: um estudo sobre os chamados
classificadores
CLEOMASINA STUART SANO SILVA MENDONA
Braslia
2012
Universidade de Braslia UnB
Instituto de Letras - IL
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas - LIP
Programa de Ps Graduao em Lingustica PPGL
Classificao nominal em Libras: um estudo sobre os chamados
classificadores
CLEOMASINA STUART SANO SILVA MENDONA
Dissertao apresentada ao Programa de
Mestrado em Lingustica do Departamento de
Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas da
Universidade de Braslia como requisito parcial
para obteno do ttulo de mestre em Lingustica.
Orientador: Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes
Braslia DF
Julho
2012
Universidade de Braslia UnB
Instituto de Letras - IL
Departamento de Lingustica, Portugus e Lnguas Clssicas - LIP
Programa de Ps Graduao em Lingustica PPGL
DISSERTAAO DE MESTRADO
CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS
CHAMADOS CLASSIFICADORES
Orientador: Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes
Banca examinadora:
Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes (LIP/UnB)
Profa. Dra. Audrei Gesser (UFSC)
Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva(LIP/UnB)
Profa. Dra. Marina M. S. Magalhes (LIP/UnB)
CLEOMASINA STUART SANO SILVA MENDONA
CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS CHAMADOS
CLASSIFICADORES
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao
em Lingustica do Departamento de Lingustica, Portugus
e Lnguas Clssicas da Universidade de Braslia para
obteno do ttulo de Mestre em Lingustica (rea de
Concentrao Gramtica: teoria e anlise)
Aprovada em Julho de 2012
Comisso examinadora constituda por:
_____________________________________________
Prof. Dr. Dioney Moreira Gomes
Universidade de Braslia UnB (LIP PPGL)
Orientador e Presidente da banca
________________________________________________
Prof. Dr. Audrei Gesser
Universidade Federa de Santa Catarina UFSC (CCE)
Membro titular da banca/ Membro Externo
__________________________________________________
Prof. Dr. Kleber Aparecido da Silva
Universidade de Braslia UnB (LIP PPGL)
Membro titular da banca/ Membro Interno
__________________________________________________
Prof. Dr. Marina Maria da Silva Magalhes
Universidade de Braslia UnB (LIP PPGL)
Membro Suplente da banca
Dedico esta dissertao
comunidade surda de Braslia que tanto me ensinou nesses anos, contribuindo assim para o
meu amadurecimento e formao profissional. Aos meus amigos surdos de Braslia meu
muito obrigada!
i
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus e Maria que durante todo esse tempo colocaram em meu caminho
verdadeiros anjos, pois nas horas em que eu mais precisei estavam ao meu lado. Aos meus
anjos amigos presto as minhas homenagens:
agncia CAPES pelo financiamento;
s secretrias do PPGL Renata e ngela que sempre me receberam bem;
Aos meus pais Mendona e Socorro, por me aturarem quando eu estava estressada e pelas
vezes que, com raiva, disse ou fiz algo que eles no gostaram. Obrigada pelo silncio de vocs
e por acreditarem no meu sucesso;
Ao meu irmo Cleodoberto, Shake para os ntimos, por me ajudar com Comit de tica. Sei
que foi um saco ter me corrigido e aconselhado, mas muito obrigada;
minha irm Cleoduvirgem, pela ajuda com o photoshop e pelas noites em claro. Sei que
voc no aguenta mais a palavra classificador e que, depois de mim, voc a segunda
especialista no assunto;
Ao Paulo Roberto Barbosa de Andrade pelo apoio tcnico, como o Elan, e nas gravaes dos
demais vdeos. Por estar comigo nos momentos difceis, sempre com carinho e compreenso,
me ensinado que preciso ter F em Deus para conseguirmos as coisas;
famlia Barbosa de Andrade, nas pessoas de Roberto Audy, Cida e Renata; que sempre
torceu por mim nessa minha caminha;
minha madrinha Telma, Bernardo, Lilian e Alex que suportaram a minha ausncia e,
mesmo distncia, torceram por mim;
Famlia Pimenta, nas pessoas da dona Socorro, seu Luiz, Larissa e Eduardo, por me
acolher, aconselhar e pelo apoio nas horas difceis. Muito obrigada, me sinto da famlia!;
amiga de graduao Elainne Batista Paulino, que me ensinou que com a humildade e
determinao somos capazes de fazer nosso prprio caminho sem depender de terceiros para
abrirem as portas, mas de Deus e dos verdadeiros amigos que nos apoiam;
ii
s amigas de graduao, ps e de viagens Eugenia, ops! Lia, e Renatinha, valeu a pena todas
as aventuras, alegrias, tristezas e experincias vividas durante a jornada;
amiga Joice Oliveira Ventura pelas viagens, em cima da hora, pelas aflies e confidncias
que compartilhamos ao longo desses anos.
comunidade surda, que muito me ensinou nesses anos de convivncia, amadureci muito
com vocs;
irm Helena pela confiana, carinho e bondade, pois me deixou realizar a pesquisa no
INOSEB;
s professoras de graduao Daniele Grannier, Orlene Sabia, Raquel Dettoni e Cibele
Brando, que so verdadeiros exemplos de pesquisadoras, se um dia eu for um tero de cada
uma delas eu serei uma profissional competente;
Ao Professor Dioney Moreira Gomes, que acreditou nesta pesquisa e na pesquisadora, e com
muita pacincia me orientou nesses quatro anos de vida acadmica; durante esse perodo,
tivemos muitas alegrias, discusses e atritos, mas, relembrado essas ocasies, com muita
ternura e sem mgoa, percebo o quanto elas foram valiosas para o meu crescimento pessoal e
profissional. Obrigada, professor, agora eu sei que sou sua orientanda favorita! (kkkk)
Aos Padres Jos Alexander Chacn Rondon, Jos ngel Revilla Guitierrez e Marcos Luis
Erustes Polonio meus agradecimentos pelas horas em que eu pensei em desistir de tudo e
vocs, com toda a compreenso, me ajudaram a superar os meus medos, as minhas angstias e
a minha falta de coragem. Obrigado por me ensinarem que antes de SER algum e preciso
SERvir a algum. Obrigada por todos esse anos de luta, de confidncias, de alegrias por ns
compartilhadas, pelas lgrimas, mais da minha parte, e pelas palavras de conforto e amizade.
Vocs, assim como a comunidade surda, foram verdadeiros exemplos de superao na minha
vida;
Doutora em psicologia pela UnB, professora, intrprete e mui amiga, Meireluce Leite
Pimenta, que foi responsvel pelo meu ingresso na ps, que me ensinou a tica de ser uma boa
intrprete, que me motivou nos momentos difceis dizendo: o bom que voc vai sobreviver,
Clo!; e por fim por compartilhar comigo sonhos, realizaes, angstias e esperanas.
iii
CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS CHAMADOS
CLASSIFICADORES
RESUMO
Os classificadores so descritos pela literatura em lngua de sinais como um fenmeno que
decorre de uma classificao de paradigmas verbais ou formas usadas para descrever um
determinado item lexical que no h lngua. Contudo, as pesquisas sobre lnguas orais
demonstram que, dentro do sistema de classificao nominal, os classificadores desempenham
um processo que vai alm das formas lingusticas. Nesse caso, estamos diante de uma forma
de pensar, cognitivamente, voltada para a criao de esquemas mentais e de uma classificao
das palavras que se origina nas experincias dos falantes. Outra caracterstica fundamental dos
classificadores em lnguas orais a correlao com aspectos sociais e culturais. Se por um
lado os estudos funcionais descrevem essa complexidade em lnguas orais, em Libras as
anlises no apresentam essas caractersticas. com essa questo que a presente pesquisa
analisou os classificadores em Libras segundo o funcionalismo-tipolgico, analisando-os
dentro do continuum de gramaticalizao. Os resultados evidenciam que em Libras: a) os
sinais classificadores de segurar-X tipo de objeto, X-tipo de objeto, entre outros so itens
lexicais ou termos de classes, e b) os predicados complexos na verdade so verbos com forte
motivao imagtica, se assemelhando com os verbos ideofnicos. Embora o que se chame de
classificadores em Libras no apresente as caractersticas do sistema de classificadores, o
qual consideramos dentro do suporte terico usado, a Libras no se desconfigura como lngua,
visto que ela mais rica em motivaes imagticas do que as lnguas orais.
Palavras chaves: morfologia, funcionalismo tipolgico, classificao nominal,
classificadores, continuum, gramaticalizao, semntica cognitiva e Libras
iv
CLASSIFICAO NOMINAL EM LIBRAS: UM ESTUDO SOBRE OS CHAMADOS
CLASSIFICADORES
ABSTRACT
The classifiers are described by literature in linguistics by signs as a phenomenon which
follows from a classification of verbal paradigms or forms used to describe a determined
lexical item that does not contain linguistics, however, oral language researchers demonstrate
that, in the nominal classification system, the classifiers play a role that goes beyond formal
linguistics. In this case, we are up front with a form of cognitive thinking, forwarded to the
creation of mental schemes and a classification of words that origin within the experiences of
the speaker. Another fundamental characteristic, within the oral classifiers, is the
interconnection with the social and cultural aspects. On one hand the studies describe the
functional complexity on oral languages, on sign language the analysis dont represent these
characteristics. It is this issue that this research examined the classifiers in sign language
according to the typological-functionalist, analyzing the continuum of grammaticalization.
The results show that sing language: a) The signs classified for holding X type of object,
among others are lexical items or class terms, and b) The 'complex predicates' are actually
verbs with strong motivation imagery, resembling with the ideophonic verbs. Although what
is called classifiers in sign language dont represent the systematic characteristics of a
classifier, which we consider within the theoretical framework used, sign language does not
sets down such as in language, it is richer in imagery motivations than spoken languages.
Keysword: morphology, typological-functionalist, nominal classification, classifiers,
continuum of grammaticalization, cognitive semantics and Libras
vi
SUMRIO
AGRADECIMENTOS........................................................................................................... i
RESUMO ............................................................................................................................. iii
ABSTRACT ......................................................................................................................... iv
LISTA DE ESQUEMAS ........................................................................................................ v
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................ v
LISTA DE QUADROS ......................................................................................................... vi
LISTA DE TABELAS .......................................................................................................... vi
LISTA DE ABREVIAES ................................................................................................ vi
0. INTRODUO ................................................................................................................ 1
0.1. Objetivo Geral ..................................................................................................... 3
0.2. Objetivos Especficos ........................................................................................... 3
0.3. A formao do corpus .......................................................................................... 4
0.3.1. A Lngua Brasileira de Sinais: Libras ................................................................ 7
0.3.2. Perfil dos colaboradores surdos ......................................................................... 8
CAPTULO 1 ESTRUTURA DAS LNGUAS DE SINAIS .............................................. 13
1.1. Os precursores nos estudos fonolgicos na ASL................................................. 13
1.2. Um pequeno percurso na fonologia da Libras ..................................................... 20
1.3. Os processos morfolgicos da Libras ................................................................. 24
1.4. Consideraes do captulo .................................................................................. 33
vii
CAPTULO 2OS CLASSIFICADORES EM LNGUAS DE SINAIS: PANORAMA DA
ARTE .................................................................................................................................. 34
2.1. Panorama dos estudos sobre classificadores nas lnguas de sinais ....................... 34
2.1.1. Os classificadores em algumas Lnguas de Sinais ............................................ 43
2.2. Os classificadores em Libras .............................................................................. 47
2.3. Consideraes do captulo .................................................................................. 58
CAPTULO 3OS CLASSIFICADORES SOB O ENFOQUE FUNCIONAL-
TIPOLGICO .................................................................................................................... 59
3.1. O estudo funcional-tipolgico: iconicidade, tipologia morfolgica e o continuum de
gramaticalizao ....................................................................................................... 59
3.1.1. Iconicidade ..................................................................................................... 61
3.1.2. Tipologia Morfolgica .................................................................................... 63
3.1.3 O continuum de gramaticalizao ..................................................................... 65
3.2. O sistema de classificadores e o social ............................................................... 69
3.3. A semntica cognitiva e os classificadores ......................................................... 72
3.4. O continuum de gramaticalizao dos classificadores ......................................... 77
3.5. A tipologia dos classificadores ........................................................................... 81
3.6. Consideraes do captulo .................................................................................. 85
CAPTULO 4CLASSIFICADORES EM LIBRAS? ........................................................ 86
4.1. Os itens lexicais e os termos de classes em Libras .............................................. 87
4.2. Os Ideoqueremas em Libras versus os predicados complexos ........................... 107
4.3. Esboando uma tipologia morfolgica para Libras ........................................... 127
4.4. Consideraes do captulo ................................................................................ 136
viii
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 137
REFNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................... 139
APNDICE A ................................................................................................................... 149
APNDICE B ................................................................................................................... 150
APNDICE C ................................................................................................................... 151
APNDICE D ................................................................................................................... 154
ANEXO A ......................................................................................................................... 155
v
LISTA DE ESQUEMAS
Esquema 1: Cline de gramaticalidade ................................................................................... 66
Esquema 2: Sistema de classificao nominal ...................................................................... 78
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Ilustrao da notao de tab e dez (STOKOE, 1976 [1960], p. xix) ....................... 15
Figura 2: Sinais diferindo apenas pela regio de contato (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49) 18
Figura 3: Sinais diferindo apenas pela orientao da palma (KLIMA e BELLUGI, 1979, p.
48) ....................................................................................................................................... 18
Figura 4: Sinais com diferentes arranjos de mo (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49) ........... 19
Figura 5: As 46 Configuraes de Mos da Libras (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 220) ....... 21
Figura 6: Pares mnimos na lngua de sinais brasileira (QUADROS & KARNOPP, 2007, p.
52) ....................................................................................................................................... 22
Figura 7: Morfemas lexicais e gramaticais ........................................................................... 25
Figura 8: Verbos com incorporao de negao enquanto sufixo (FELIPE, 2006, p.213)...... 30
Figura 9: Verbos com incorporao da negao enquanto infixo (FELIPE, 2006, p. 214) ..... 31
Figura 10: Organizao de alguns SASSes estticos (SUPPALLA, 1986,p. 206) .................. 37
Figura 11: Sequncia de verbos de movimento em ASL (SUPPALLA, 1986, p. 206) ........... 38
Figura 12: Classificadores de membros do corpo (SUPPALLA, 1986, p. 208-209) .............. 39
Figura 13: Organizao de alguns classificadores de instrumento (SUPPALLA, 1986, p. 211)
............................................................................................................................................ 40
Figura 14: Sinais de textura e consistncia (SUPPALLA, 1986, p. 212-213) ........................ 41
Figura 15: Descrio das formas geomtricas na IPSL (ZESHAN, 2003, p.115) .................. 44
Figura 16: Configurao de mo em forma de Y ................................................................ 49
Figura 17: Configurao de mo em forma de B ................................................................ 49
vi
Figura 18:Configurao de mo em forma de G ................................................................. 50
Figura 19: Configurao de mo em forma de F ................................................................ 50
Figura 20: Configurao de mo em forma de S ................................................................ 51
Figura 21: Verbos com flexo para gnero (FELIPE, 2002, p. 212) ...................................... 53
Figura 22: Os crculos concntricos (FOLEY, 1997, p. 238)................................................. 72
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Comparao entra os Classificadores na Lngua de Sinais Tailandesa e os
Classificadores em Tailands (TUMTAVITIKUL et. all, 2009, p.41-42).............................. 46
Quadro 2: Classificadores Nominais Descritivos (tipos de atributos) (FARIA-
NASCIMENTO, 2009, p.119) .............................................................................................. 55
Quadro 3: Classificadores Nominais Especificadores (FARIA-NASCIMENTO, 2009, p.121)
............................................................................................................................................ 56
Quadro 4: Classificadores Homnimos (FARIA-NASCIMENTO, 2009, p.127) ................... 57
Quadro 5: Gnero vs. Sistema de classificadores (DIXON, 1982b, 1986, apud GRINEVALD,
2000, p. 62) .......................................................................................................................... 80
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Classificao dos classificadores em Lnguas de Sinais (ZWITSERLOOD 1996
apud SCHEMBRI, 2003, p.10) ............................................................................................ 42
Tabela 2: Restries do uso de pernas e pessoa (ZESHAN, 2003, p. 121) ....................... 45
Tabela 3: Parmetros de processos de gramaticalizao (LEHMANN, 1985, p. 05).............. 68
Tabela 4: Escala do sistema de classificadores em Tailands ................................................ 71
vi
LISTA DE ABREVIAES
Movimento de cima para a direita
Movimento de cima para a esquerda
Movimento de fora para dentro
Movimento de dentro para fora
Movimento de cima para baixo
Movimento de um lado para outro
() Indica quem se est falando
+ Indicando uma composio
1 Primeira pessoa
1 Tom mais alto
2 Tom meio alto
2 Segunda pessoa
3 Tom meio baixo
3 Terceira pessoa
4 Tom de laringalizao
7 Glotal
ABS Absolutivo
ANTIPASS Antipassiva
ASL American Sign Language
CEAL Centro Educacional de Audio e Linguagem Ludovico Pavoni
CL Classificador
COMP- Completivo
dact. Dactilologia
ELAN Eudico Linguistic Annotator
gen. Genitivo
INOSEB Instituto Nossa Senhora do Brasil
IPSL Indo-Pakistani Sign Language
Libras Lngua Brasileira de Sinais
LSB Lngua de Sinais Brasileira
vii
N Nome
NFC Nome em funo classificadora
OBJ Objeto
p. Pessoa
PAST. Passado
PBSL Portugus do Brasil como Segunda Lngua
pl. Plural
PERF Aspecto perfectivo
PUNC Aspecto pontual
R1 Indicador de determinante contguo
R2 Indicador de determinante no-contguo
RaizM Raiz Movimento
SASS Size and Shape Specifiers
sg. Singular
SING Singular
SUJ Sujeito
Thai SL Thai Sign Language
UL Unidade Lexical
1
0. INTRODUO
-Para se entender Libras necessrio que o intrprete saiba usar os classificadores!
Conversa entre intrpretes, DF 2006
-Qual o sinal para minerao?
-No, no tem. Acho que voc tem que usar um classificador!
Intrpretes dialogando na hora da aplicao de prova, DF 2010
Desde a publicao do livro A dictionary of American Sign Language on linguistic
principles, de William Stokoe, em 1960, os estudos lingusticos das lnguas de sinais vm
ganhando mais espao nas discusses acadmicas acerca dos modelos educacionais, os
processos de aquisio da modalidade escrita das lnguas orais por surdos ou da prpria lngua
de sinais e descrio dessas lnguas. Se outrora as lnguas de sinais foram consideradas como
linguagem ou mmica, atualmente elas alcanaram o status de lngua. Aps sete anos do
lanamento do livro Por uma gramtica da lngua de sinais, de Ferreira-Brito1 (1995), um
exemplo desse reconhecimento foi a oficializao da Lngua Brasileira de Sinais (Libras) pela
Lei n 10.436, de 24 de abril de 2002, que foi e regulamentada pelo Decreto n 5.626, de 22 de
dezembro de 2005.
Contudo, por serem estudos recentes, o que percebemos nas anlises lingusticas
sobre a Libras a falta de estudos, voltados para a prpria lngua, que no se ancorem em
modelos j estabelecidos para outras lnguas de sinais e/ou sirvam para constatar ou no a
presena de um mesmo fenmeno ou elemento comum a todas elas. Especificamente nos
estudos voltados para a morfologia, assim como nas anlises fonolgicas, ainda falta anlises
descritivas detalhadas das caractersticas morfolgicas como o morfema, os processos de
formao dos sinais, de flexo e derivao e a tipologia morfolgica. No campo da sintaxe,
embora sejam relativamente inmeras as pesquisas, ainda h muito que se analisar. J para a
semntica e a pragmtica no encontramos, at o presente momento, uma anlise.
1 Atualmente a autora citada como Ferreira, porm mantemos aqui a forma de citao antiga, pois as
publicaes por ns lidas ainda constam o sobrenome Brito.
2
Especificamente, esta dissertao tem como objeto o estudo de morfemas que esto
intimamente relacionados com o sistema de classificao nominal da lngua brasileira de
sinais (Libras). Para tal propsito, faremos uso da teoria funcional-tipolgica, cuja escolha se
d pelo fato de ela considerar que a lngua emerge de um fator social de interao dos
indivduos entre si e com o meio em que vivem, e que o ser humano o agente de sua histria
e cultura.
Dentro dessa perspectiva, a lngua o instrumento usado na comunicao das
experincias humanas, e as estruturas so geradas pelas nossas experincias ou pelos nossos
modelos culturais (DELANCEY, 2000). Como as lnguas variam segundo as suas respectivas
comunidades, os estudos funcionais-tipolgicos2 permitem vislumbrar tal processo, com a
finalidade de descrever os diversos fenmenos lingusticos existentes nas lnguas a partir das
interaes sociais e da troca de experincias humanas entre si e o meio em que vivem.
O motivo desse tema decorre do fato de que durante os anos de graduao em Letras
Portugus do Brasil como Segunda Lngua (PBSL), na Universidade de Braslia, muitas vezes
frases como as listadas no incio desta introduo foram ouvidas em congressos, palestras,
cursos e em conversas entre surdos e intrpretes e, em contrapartida, a apresentao desse
fenmeno era, e continua sendo, difusa.
A impresso passada por esses enunciados que hoje s se sabe uma lngua de sinais
quando se usa os classificadores. Por conta disso, adequado, e ideal, que tanto surdos quanto
intrpretes tenham o domnio dessa lngua com uma viso mais lingustica. Ento, nos
perguntamos o que um Classificador em Libras? O termo CLASSIFICADOR, usado pela
literatura em Libras, apresenta definies e descries pouco claras; e o resultado uma
compreenso superficial de como funciona o sistema de classificao nas lnguas de sinais, e
como identific-lo. Ao nos referirmos a esse tipo de sistema, desencadeamos outras anlises
que abarcam os aspectos sociais, culturais, semnticos e morfolgicos. Nas palavras de
Grinevald (2004, p.97), classificadores oferecem uma janela nica no que concerne aos
estudos de como os seres humanos constroem representaes do mundo e de como eles as
codificam nas palavras em suas lnguas3 (Traduo nossa). E essa representao do mundo
em sinais que ainda carece de mais descrio.
2 Sobre o assunto ler DeLancey (2000) e Givn (1995, 2001) 3 Classifiers offer a unique window into studying how human beings construct representations of the world and
how they encode them into the words of their languages
3
Por essa razo, a presente pesquisa, iniciada ainda na graduao em 2008, analisa os
denominados classificadores em Libras, com a finalidade de descrev-los. O que nos
propomos a fazer estudar os processos morfolgicos da Libras como o morfema, os itens
lexicais nesse caso os sinais e, concomitantemente, rever e analisar, nos moldes da teoria
funcional-tipolgica, as construes com classificadores na lngua brasileira de sinais, a fim
de identificar se, de fato, esse fenmeno ocorre na Libras. Caso se confirme a presena deles,
queremos identificar o seu locus, o seu tipo, as suas motivaes semnticas e funes dentro
da lngua. Dessa forma, esperamos compreender como a sistematicidade dos classificadores
na lngua brasileira de sinais, alm de os aspectos interacionais que podem motiv-los.
Estruturalmente, no captulo 1 fazemos um pequeno apanhado dos dois estudos
fonolgicos da ASL e da Libras, e de como dado o tratamento no quesito morfologias em
Libras. J no captulo 2, buscamos mostrar quais so as pesquisas sobre classificadores em
ASL e demais lnguas at chegarmos Libras; no captulo 3, apresentamos o aporte terico
que usaremos para a anlise dos dados, e como os classificadores em lnguas orais so
descritos. No captulo 4, analisaremos os dados segundo os critrios j estabelecidos
anteriormente e, por fim, apresentaremos as consideraes finais s quais chegamos com esta
pesquisa.
0.1. Objetivo Geral
Documentar, descrever e analisar os chamados classificadores em Libras,
demonstrando propriedades fonolgicas, morfolgicas e tipolgicas dessa lngua.
0.2. Objetivos Especficos
a) Identificar o sistema de classificao nominal presente na Libras, com o intuito de:
descrever o processo de classificao nominal em Libras;
analisar na Libras o que a literatura atual apresenta como sendo classificadores ou
construes classificatrias; e
4
analisar os itens lexicais (sinais) dentro do continuum de gramaticalizao.
b) Analisar os enunciados que, de acordo com a literatura, apresentam classificadores a
fim de:
analisar os verbos que, segundo a literatura, so originados com a presena dos
classificadores dentro do perodo.
0.3. A formao do corpus
Os dados utilizados para a formao do corpus da pesquisa foram de duas fontes: (i)
os dados que se encontram na literatura vigente sobre classificadores ou construes
classificadoras, que foram averiguados por ns junto a falantes surdos a fim de constatarmos a
existncia de classificadores, o locus por ele ocupado e a(s) sua(s) funo(es)
morfossinttica(s); e (ii) os dados oriundos de filmagens, questionrios e discusses que
foram propostos aos colaboradores. Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos,
submetemos a pesquisa ao Comit de tica e Pesquisa do Instituto de Humanas da
Universidade de Braslia, que a aprovou (ver Anexo A).
Nesta pesquisa, as entrevistas foram com grupos focais, pois neste mtodo de
entrevista os participantes levam em conta os pontos de vista dos outros para a formulao de
suas respostas e tambm podem tecer comentrios sobre suas experincias e a dos outros
(BAUER & GASKELL, 2002 apud BONI & QUARESMA 2005, p. 73). Dessa forma,
pudemos coletar no s os dados necessrios para a pesquisa, mas obter tambm uma gama de
informaes sobre julgamento de valor; por exemplo, quando pedamos para que os
colaboradores narrassem uma cena, eles julgavam as atitudes dos personagens e expressavam
suas opinies acerca de determinado tema.
Foram entrevistados oito surdos divididos em trs grupos de acordo com a faixa
etria e o nvel de escolaridade, o que nos proporcionou encontrar variaes diastrticas. A
coleta de dados aconteceu da seguinte forma:
a. assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (ver Apndices A e B);
b. preenchimento de questionrio sociolingustico (ver Apndice C); e
c. filmagem dos participantes conversando em Libras.
5
O termo de consentimento livre e esclarecido um dos documentos necessrios para
a realizao de pesquisas que envolvam seres humanos. Nele, a pesquisadora se compromete
com os participantes a no divulgar as imagens gravadas e prestar, junto ao comit de tica e
aos participantes, esclarecimentos de todas as etapas da coleta de dados.
O objetivo do questionrio sociolingustico foi fazer um levantamento do perfil
sociolingustico dos falantes surdos selecionados para esta pesquisa, buscando, dentre outras
coisas, conhecer melhor a sua trajetria lingustica durante o processo de aquisio da Libras
e o aprendizado do portugus por escrito e falado. Com ele, observamos os ambientes em que
os surdos mais usam a sua lngua e com quem, quando e como se deu essa aquisio (se foi
dentro de alguma associao ou instituio religiosa, em escolas de surdos ou no contato com
outros surdos fora de qualquer instituio).
Para as filmagens, utilizamos vdeos e textos que abordaram diversos temas a fim de
motivar discusses nos colaboradores, pois assim gravamos os surdos interagindo ora
sozinhos, ora entre si.
Os textos usados para motivar o debate foram extrados de vdeos da internet com
temas da atualidade como: educao, poltica e sociedade. O uso dessa metodologia ancora-se
na teoria dos Gneros Textuais, pois:
Dependendo dos nossos objetivos e da imagem que temos dos nossos interlocutores,
fazemos nossas opes lingsticas, tanto de nvel de formalidade da linguagem
como de vocabulrio, por exemplo. Tambm, dependendo da situao, escolhemos
como vamos organizar a seqncia textual ou seja, definimos qual gnero ser o
mais adequado para a comunicao. Gneros textuais so realizaes lingsticas
concretas definidas por propriedades sociocomunicativas; a situao de produo
de um texto que determina em que gnero ele realizado. (COROA, 2008, p. 29)
Como o nosso objetivo era coletar dados que fornecessem sinais classificadores, os
gneros escolhidos foram narrao, opinio e instruo. Dos textos filmados e analisados,
constam nesta dissertao s aqueles que, segundo a literatura, apresentam classificadores.
Como ferramenta de anlise, utilizamos o software ELAN, desenvolvido na Holanda,
em Nijmegen, pelo Instituto de Psicolingustica Max Planck. Essa ferramenta utilizada para
anotaes em udio e vdeo. As anotaes podem ser feitas em fases ou camadas e cada uma
fica disposta no programa hierarquicamente. Com ele, h a possibilidade de interligao entre
outros vdeos ou udios, o que facilitou ao transcrevermos as glosas e interligarmos os vdeos.
6
Como a filmagem em uma instituio escolar atrapalharia as atividades dos surdos,
decidimos optar pelo Instituto Nossa Senhora do Brasil (INOSB). Razo disso que l h um
grande nmero de surdos das mais diversas idades, credos e de diferentes lugares do Distrito
Federal, que frequentam a instituio para se socializar com os demais surdos e com os
intrpretes. O INOSB est situado na 714/914 Asa Sul, na cidade de Braslia.
Sempre aos sbados, no perodo da tarde, h catequese e missa em Libras. Essa
uma instituio religiosa sem fins lucrativos, que tem como objetivo central promover a
integrao dos surdos com a sociedade. Dentre as atividades propostas pela instituio
comunidade surda esto o reforo escolar dos alunos nas sries iniciais, a catequese de jovens
e adultos, grupo jovem, encontro de casais surdos, missas em lngua de sinais, apoio s
festividades e/ ou s reunies da Associao dos Surdos do Distrito Federal, atendimento s
famlias carentes, apoio s famlias e aos familiares dos surdos e interpretao em Libras em
hospitais e em entrevistas de emprego, entre outros.
As filmagens nos permitiram analisar a construo das significaes a partir das
estruturas morfolgicas e sintticas da Libras. Com isso, quisemos averiguar se h a
possibilidade de ter nela classificadores, e como esses se apresentam na lngua e qual o seu
locus. Quando analisamos os dados, contamos com o apoio dos prprios surdos e, dessa
forma, obtivemos explanaes de usos lingusticos utilizados pelos surdos, que ajudaram na
formulao das explicaes aqui dadas.
Cabe ainda esclarecer que as imagens mostradas aqui no so dos colaboradores da
pesquisa, pois segundo a resoluo do Conselho Nacional de Sade nmero 196 de 10 de
outubro de 1996, pargrafo IV. 1 letra g de responsabilidade do pesquisador a garantia
do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos
na pesquisa, e mesmo que eles tivessem autorizado a exposio de suas imagens,
decidiramos por no faz-lo em respeito resoluo. A fim de preservar a integridade e o
direito dos meus colaboradores, tivemos que colocar outro surdo que reproduzisse os trechos
filmados.
Por isso, as imagens postadas aqui so do surdo Paulo Roberto Barbosa de Andrade,
que gentilmente aceitou nos auxiliar, comprometendo-se a no divulgar o que viu e nem
expressar qualquer juzo de valor a respeito dos dados. Esse foi o meio a que tivemos que
recorrer, j que as lnguas de sinais no dispem de um sistema de descrio que atendesse
aos nossos objetivos, uma vez que os existentes so complexos e pouco explicativos, alm de
requerer da parte do leitor um curso especfico para compreend-los.
7
0.3.1. A Lngua Brasileira de Sinais: Libras
Segundo a Lei n 10.436/ 02, a lngua brasileira de sinais (Libras) reconhecida
como lngua de natureza visual-motora e exerce todas as funes comunicacionais, cabendo
s instituies pblicas apoiarem o uso e difuso da lngua. J o decreto 5.626/ 05 discorre
sobre as disposies preliminares, garantindo aos surdos a incluso da Libras como disciplina
curricular, a formao de professores e instrutores, o acesso s escolas bilngues, entre outros
direitos de acesso.
Institucionalmente, a lngua da comunidade surda do Brasil a Libras, como consta
no decreto de 2005 Art. 2. Para os fins desse Decreto, considera-se pessoa surda aquela que,
por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experincias visuais,
manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Lngua Brasileira de Sinais - Libras..
Sendo esse o nome oficial da lngua, nesta dissertao optamos por us-lo com as seguintes
justificativas: a primeira decorre da lei, como acabamos de ver, a segunda por conta da
comunidade surda na qual eu estou inserida. Quando comecei a aprender a lngua de sinais
com os surdos do Distrito Federal, em meados de 1996, o nome dado a ela pelos surdos era, e
ainda , Libras. Ao iniciar esta pesquisa perguntei a um dos colaboradores surdos qual o nome
que deveria colocar no questionrio e na dissertao, prontamente ele virou e me questionou:
voc aprendeu Libras? respondi que sim, ele continuou: Esse o nome da lngua que voc
aprendeu, mas por que voc est me perguntado?. No transcorrer da aplicao do
questionrio sociolingustico nenhum surdo pediu que mudasse o nome da lngua.
Digo isso, pois vrios foram os questionamentos feitos durante a graduao e na ps-
graduao quando optamos em usar Libras ao invs de LSB. No intenciono com isso
inviabilizar as pesquisas de quem usa LSB, mas acredito que A lingstica nos tem ensinado
que as lnguas no podem ser decretadas, mas que so produtos da histria e da prtica dos
falantes, que elas evoluem sob a presso de fatores histricos e sociais (CALVET, 2007, p.
85). A deciso pelo nome Libras na lei de regulamentao e no decreto partiu da prpria
comunidade surda, como relembra Pimenta (2008, p. 31):
As comunidades de surdos de todo o Brasil intensificaram discusses organizadas
sobre a garantia dos seus direitos lingsticos, educacionais, sade, acessibilidade
aos meios de comunicao e entretenimento cultural. A Federao Nacional de
Educao e Integrao dos surdos FENEIS foi uma das entidades consultadas no
processo de elaborao da proposta da Lei n. 10.436/02. Em Braslia, a Diretora
8
Administrativa da FENEIS, atualmente autora desta tese, juntamente com
Coordenadores de Centro de Educao e Estudos em Libras CEEL, tambm da
FENEIS, e representantes da comunidade surda desenvolveram reunies
sistemticas de conscientizao e discusso da Proposta de Regulamentao da
referida Lei. As sugestes advindas dessas reunies, amplamente discutidas,
resultaram em documento enviado para a Casa Civil. Muitas delas so vislumbradas
no texto atual do Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que regulamentou a
Lei n. 10.436/02.
Manteremos essa nomenclatura Libras. Dentre as sugestes aceitas pela Casa Civil
est esse nome4, sendo assim, no usaremos a sigla LSB, que comea a ser usada
principalmente no meio acadmico, e ficaremos em sintonia, no s com a Lei, mas tambm
com a comunidade que gentilmente me incluiu no mundo da Libras. O termo Libras se refere,
ento, lngua falada pelos surdos de todo o Brasil, e embora leigos conjeturem que haja uma
uniformidade lingustica na Libras, esse nome abarca todas as variedades lingusticas
regionais, etrias, socioeconmicas e de gnero. A variedade da Libras apresentada aqui a
do Distrito Federal.
0.3.2. Perfil dos colaboradores surdos
Com base no questionrio sociolingustico (ver Apndice C), pudemos traar um
perfil dos colaboradores como interaes sociais com o uso da Libras, natureza da surdez e a
aquisio do portugus escrito. Ao todo, filmamos oito surdos divididos em trs grupos, essa
diviso em grupos tem como base dois critrios; (i) a idade e (ii) o grau de escolaridade. Esses
dois critrios foram utilizados para percebermos como foi o processo de escolarizao,
quando e com quem aprenderam a Libras e em que interaes sociais, como famlia, igreja,
escola ou trabalho, nossos colaboradores usam sua lngua.
Os colaboradores sero denominados por nomes fictcios, pois assim estaremos de
acordo com a resoluo do Conselho Nacional de Sade e com a vontade dos nossos
colaboradores que gentilmente se dispuseram a serem filmados com a condio de no terem
suas imagens colocadas neste trabalho.
Grupo 1: constitudo dos seguintes colaboradores:
4 Essa informao me foi passa pela professora Meireluce Leite Pimenta em comunicao pessoal.
9
Marina: tem 20 anos de idade, nasceu em Braslia, tem o segundo grau completo e do sexo
feminino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, pois durante a gestao a me
teve rubola e recm-nascida pegou meningite, na famlia no h outros surdos. Ela no sabe
com que idade foi diagnosticada como surda. At os 2 anos s teve contato com o portugus
e, ao ingressar na escola, aprendeu Libras. Da 1 at a 8 srie frequentou o CEAL5 e, em
turno contrrio, uma escola inclusiva; j o ensino mdio foi cursado em escola de ouvinte. Da
1 at a 4 o professor usava portugus oralizado no CEAL e na escola Libras, da 5 a 8 o
professor utilizava Libras e no 2 grau s portugus oralizado. Na maior parte, a interao
com os colegas de sala e com os professores essa colaboradora usava gestos6. Tem pouco
domnio do portugus escrito e de leitura. Ela aprendeu Libras na escola oralista com um
professor ouvinte. Na interao com os pais, demais familiares, exceto com uma prima que
sabe Libras, e colegas, amigos no surdos, ela usa o portugus oralizado. Na interao no
trabalho e na igreja, nossa colaboradora usa Libras.
Regina: tem 18 anos de idade, nasceu em Braslia, tem o segundo grau completo e do sexo
feminino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, pois durante a gestao a me
teve rubola e a recm-nascida pegou rubola, na famlia no h outros surdos. Ela no sabe
com que idade foi diagnosticada como surda. At os 4 anos s teve contato com o portugus
e, ao ingressar na escola, aprendeu portugus oralizado. Da 1 at a o ensino mdio frequentou
o CEAL e, em turno contrrio, uma escola de ouvinte. Da 1 at a 8, o professor usava
portugus oralizado e no 2 grau alguns professores usavam portugus oralizado e outras
sabiam um pouco de Libras. Na maior parte, na interao com os colegas de sala e com os
professores, essa colaboradora usava Libras e/ ou portugus oralizado. Tem pouco domnio do
portugus escrito e de leitura. Ela aprendeu Libras na escola de surdo com professor surdo. Na
interao com os pais, demais familiares, exceto com algumas primas que sabem Libras, e
colegas, no surdos, ela usa o portugus oralizado. Na interao no trabalho, no STJ, e na
igreja, nossa colaboradora usa Libras e/ ou portugus oralizado.
Juliana: tem 18 anos de idade, nasceu em Braslia, tem o segundo grau completo e do sexo
feminino. Nasceu com surdez severa em ambos os ouvidos, durante a gestao a me teve
rubola e recm-nascida pegou rubola, na famlia no h outros surdos. Ela foi diagnosticada
como surda aos 2 anos. At os 4 anos no sabe com qual lngua teve contato primeiro, se a
5 Centro Educacional da Audio e Linguagem Ludovico Pavoni, situado na SGAN 909, Mdulo B - Asa Norte,
Cidade/UF: Braslia. 6 Entende-se gesto como mmica, no Libras
10
Libras ou o Portugus. Da 1 at 4 srie frequentou o CEAL e, em turno contrrio, uma escola
inclusiva. Da 5 ao ensino mdio, frequentou s escola de ouvinte. Da 1 at 4 srie, o
professor sabia um pouco de Libras. Da 5 8, a colaboradora no respondeu e no 2 grau o
professor usava portugus oralizado. Na maior parte do tempo, na interao com os colegas
ela utilizava gestos7 e com os professores s o portugus oralizado. Tem pouco domnio do
portugus escrito e ela no consegue ler livros, jornais etc, em portugus. Ela aprendeu Libras
na escola de surdo com professor surdo. Na interao com os pais, demais familiares e
colegas, amigos surdos, ela usa Libras. Na interao na igreja, nossa colaboradora usa Libras
e/ ou portugus oralizado.
Grupo 2: constitudo dos seguintes colaboradores:
Elias: tem 28 anos de idade, nasceu em Planaltina, Distrito Feral, cursou at a 8 srie e do
sexo masculino. Nasceu com surdez moderada em ambos os ouvidos, esse colaborador no
soube informar se durante a gestao a me teve algum tipo de doena, e nem sabe se quando
recm-nascido teve alguma doena que ocasionou a surdez. Ele foi diagnosticado como surdo
quando tinha entre 6 e 9 anos. At os 4 anos, teve contato primeiro com o portugus oralizado
e aprendeu Libras na escola. Da 1 at a 4 srie, frequentou escola de ouvinte. Da 5 8
srie, frequentou escola especial com professores surdos. Da 1 at a 4 srie, o professor
utilizava o portugus. Da 5 8, o professor usava Libras. Na maior parte do tempo, a
interao com os colegas de sala e com os professores esse colaborador usava Libras e
portugus oralizado. A escrita em portugus limitada e ele no consegue ler livros, jornais
etc, em portugus. Ele aprendeu Libras no INOSEB, na escola de surdo com professores
surdos, professores ouvintes, associao de surdos, com amigos surdos fora do ambiente
escolar e na igreja com professor surdo. Diz que no conversa muito com os pais e demais
familiares e com colegas, amigos, ele usa Libras e/ ou portugus. Na interao na igreja,
nosso colaborador usa Libras e/ ou portugus oralizado.
Mateus: tem 35 anos de idade, nasceu em Taguatinga, Distrito Federal, tem o segundo grau
completo e do sexo masculino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, esse
colaborador no soube informar se durante a gestao a me teve algum tipo de doena, e nem
sabe se quando recm-nascido teve alguma doena que ocasionou a surdez. Ele foi
7 Entende-se gesto como mmica, no Libras
11
diagnosticado como surdo por volta dos 2 anos. Aos 4 anos, aprendeu Libras. Da 1 at a 4
srie, frequentou o CEAL. Da 5 ao ensino mdio, frequentou s escola de ouvinte. Da 1 at
4 srie, ele no informou como era a sua interao com o professor. Da 5 ao 2 grau, o
professor usava portugus oralizado. Na maior parte do tempo, a interao com os colegas e
com os professores era s em portugus oralizado. No consegue escrever em portugus e no
consegue ler livros, jornais etc., em portugus. Ele aprendeu Libras na escola de surdo com
professor surdo, na Associao de Surdos com intrpretes, com os amigos surdos fora do
ambiente escolar e na igreja com instrutor ou professor surdo. Na interao com os pais e
demais familiares, ele usa o portugus oralizado; j com os colegas e amigos ele s usa
Libras, exceto no trabalho no STJ em que ele faz uso do portugus oralizado. Na interao na
igreja, nosso colaborador usa Libras.
Grupo 3: constitudo dos seguintes colaboradores
Pedro: tem 34 anos de idade, nasceu em Jaragu, Gois, tem o ensino superior completo e
do sexo masculino. Mudou-se para Braslia quando tinha 5 anos. Nasceu com surdez profunda
em ambos os ouvidos, esse colaborador no soube informar se durante a gestao a me teve
algum tipo de doena, e nem sabe se quando recm-nascido teve alguma doena que
ocasionou a surdez. Ele foi diagnosticado como surdo aos 2 anos. Aos 4 anos aprendeu
portugus oralizado e na escola aprendeu Libras e portugus oralizado. Da 1 at 4 srie
frequentou o CEAL. Da 5 8 srie frequentou escola de ouvinte e escola de oralizao. No
ensino mdio, frequentou s escola de ouvinte. Da 1 at 4 srie o professor s usava
portugus oralizado. Da 5 ao 2 grau o professor usava portugus e Libras. Na maior parte do
tempo, a interao com os colegas ele utilizava a Libras e com os professores s o portugus
oralizado. L e escreve bem em portugus. Ele aprendeu Libras na escola de oralizao com
professor ouvinte, na Associao de Surdos com os amigos surdos fora do ambiente escolar e
na igreja, com instrutor ou professor surdo. Na interao com os pais e demais familiares, ele
usa o portugus e Libras, na famlia o pai e as irms sabem Libras; j com os colegas e
amigos ele s usa Libras, no trabalho na NovaCap, ele faz uso do portugus e da Libras. Na
interao na igreja, nosso colaborador usa Libras e o portugus.
12
Lucas: tem 41 anos de idade, nasceu no Gama, Distrito Federal, tem o ensino superior
completo e do sexo masculino. Nasceu com surdez moderada em ambos os ouvidos, esse
colaborador no soube informar se durante a gestao a me teve algum tipo de doena, e nem
sabe se quando recm-nascido teve alguma doena que ocasionou a surdez. Ele foi
diagnosticado como surdo entre 2 e 5 anos. Aos 4 anos aprendeu Libras e na escola aprendeu
portugus oralizado. Da 1 srie at o 2 grau frequentou escola de ouvinte e a escola de
oralizao. Durante o seu percurso escolar, nas interaes professor-aluno e aluno-surdo com
aluno-ouvinte, esse colaborador sempre utilizou o portugus oralizado. L e escreve pouco em
portugus. Ele aprendeu Libras com os amigos surdos fora do ambiente escolar quando
ingressou na escola aos 4 anos. Na interao com os pais e demais familiares, ele usa o
portugus oralizado e no se relaciona com os colegas e amigos no trabalho. Na interao na
igreja, nosso colaborador usa Libras e o portugus oralizado, j no trabalho, como professor,
ele s usa Portugus oralizado.
Arthur: tem 48 anos de idade, nasceu em Santos, So Paulo, tem o ensino superior completo e
do sexo masculino. Nasceu com surdez profunda em ambos os ouvidos, esse colaborador
tem um histrico de surdez na famlia, no caso os bisavs so surdos e por conta dos pais
serem primos consanguneos, ele e os outros dois irmos so surdos. Ele foi diagnosticado
como surdo quando recm-nascido. Aos 4 anos aprendeu Libras e na escola aprendeu
portugus oralizado. Da 1 4 srie, estudou no CEAL e da 5 srie at o 2 grau frequentou
escola de ouvinte e escola de oralizao. Durante o seu percurso escolar, nas interaes
professor e aluno, esse colaborador sempre utilizou o portugus oralizado ou escrito, mas com
os colegas ouvintes, que sabiam Libras, ele tambm utilizava a Libras. L e escreve pouco em
portugus. Ele aprendeu Libras com os amigos surdos na associao de surdos. Na interao
com os pais e demais familiares, ele usa o portugus escrito, mas com os irmos, que so
surdos, ele usa a Libras. professor e na relao com os colegas e amigos no trabalho, ele faz
uso do portugus e da Libras. Na interao na igreja, nosso colaborador usa Libras.
13
CAPTULO 1 ESTRUTURA DAS LNGUAS DE SINAIS
(...) por acaso e por simples razes de comodidade que nos servimos do aparelho vocal
como instrumento da lngua; os homens poderiam tambm ter escolhido o gesto e empregar
imagens visuais em lugar de imagens acsticas.
Fernand de Saussure
Neste captulo, faremos uma pequena reviso dos principais estudos lingusticos
sobre a fonologia e a morfologia das lnguas de sinais. Os autores aqui apresentados foram
precursores nas anlises lingusticas e seus estudos so um referencial para os pesquisadores
que se interessam pelo assunto. Faremos uma percurso sobre os primeiros estudos fonolgicos
em uma lngua de sinais, nesse acaso a ASL, em seguida veremos a fonologia da Libras e
como a lingustica tem analisado os processos morfolgicos em Libras.
1.1. Os precursores nos estudos fonolgicos na ASL
Em uma poca em que toda e qualquer forma de se comunicar fazendo uso das mos
era encarada como um defeito pois s se entendia lngua como a vibrao das cordas vocais
a obra A dictionary of American Sign Language on linguistic principles, de William Stokoe
(1960), causou um impacto na tradio oralista de educao de surdos e nas anlises
lingusticas. Comeava com Stokoe o primeiro estudo lingustico a respeito das unidades
constituintes de uma lngua de sinais que, desprovida de sons, capaz de exercer as mesmas
funes comunicacionais que uma lngua oral:
A natureza da estrutura da lngua de sinais no muito diferente da natureza da
lngua oral, sem desprezar a diferena vocal-visual. A lngua de sinais no usa os
sons, mas unidades elementares distintivas de um ponto de vista visual. Vista de um
ngulo apenas diferente, a atividade sinalizar pode mostrar uma variedade infinita.
No entanto, a lngua de sinais, assim como outra lngua, categoriza essa infinidade
de elementos. Anlogo ao fonema temos o querema, na lngua de sinais. (CARE-e
14
em, a primeira slaba da palavra grega homrica que significa mo). (STOKOE,
(1976[1960], p. xxix)8 (Traduo nossa)
Os estudos querolgicos9 da American Sign Language (ASL) fizeram com que as
lnguas de sinais ganhassem o status de lngua, mudando assim a situao dos surdos norte-
americanos e, anos mais tarde, a dos surdos em todo o mundo.
Em seu modelo estruturalista, se assim podemos defini-lo, Stokoe (1976[1960], p.
vii) previa trs componentes que constituem os sinais, so eles: designator (dez) para as
diversas formas que a(s) mo(s) assume(m); tabula (tab) para o lugar onde se realiza o sinal; e
signation (sig) para o movimento realizado pela(s) mo(s). Segundo o autor, a unio desses
trs componentes, independente da ordem em que aparecem, forma os sinais ou palavras na
ASL. Outro fator destacado por ele que, diferentemente do que ocorre nas lnguas orais, na
ASL os componentes querolgicos so realizados simultaneamente e no linearmente.
8 The nature of sign language structure is not very different from that of spoken language structure, once account
is taken of the vocal-visual difference. Sign language uses, not sounds, but visible distinct elemental units.
Looked at simply as different things to see, the activity of signing can show infinite variety. However, sign
language, like other language, puts these many things into classes. Analogous with the phoneme is the sign
language chereme (CARE-e em, the first syllable from a Homeric Greek word meaning handy). (STOKOE,
(1976[1960], p. xxix)
9 No original, o autor usa o termo cherology (querologia) em analogia s lnguas orais, o que seria o estudo da
fonologia das lnguas de sinais. Encontramos o termo chereme traduzido para o portugus ora como quirema, ora
como querema.
15
Figura 1: Ilustrao da notao de tab e dez (STOKOE, 1976 [1960], p. xix)
Segundo Stokoe, ao transcrever o sinal deve-se comear com o tab e o dez da(s)
mo(s), caso tenhamos um sinal que realizado com as duas mos preciso estabelecer a
relao entre elas. Como quando se tem o dez em forma de A como na Figura 1 em que as
duas mos tm a mesma forma (dez); entretanto a direita est por cima da esquerda sendo
necessrio o uso do diacrtico para demonstrar essa sobreposio. Porm, se a direita est
embaixo da esquerda usa-se o diacrtico _. J o diacrtico para a ausncia de tab (ou local de
sinalizao), o indicando que as duas mos esto juntas e indica que as mos esto se
tocando, mas que uma est atrs da outra.
Assim como nas lnguas orais, h variao dos fonemas na ASL; por isso Stokoe, em
seu dicionrio, fez questo de exemplificar os alofones, ou nas palavras dele os allochers.
Para ele, era preciso descrever o maior nmero possvel de sinais para poder estabelecer o que
seria um chereme frente ao que seriam seus allochers.
Essas unidades, aloqueres, podem parecer diferentes na lngua que eles perdem a
essncia deles mesmos. Por exemplo, o querema dez, simbolizado neste dicionrio
como Y, pode ser parecido com a configurao de mo y do alfabeto manual, ele
16
um aloquer. Ele pode ter os trs dedos em ngulo reto com a palma.10 (STOKOE,
1976[1960], p. xxix) (Traduo nossa)
Segundo o estudioso, os allochers esto em distribuio complementar ou em
variao livre conforme o tab ou sig e so usados na formao dos sinais. Como qualquer
lngua, a ASL tambm apresentava variao dialetal e etria, por essa razo mapear tais
distines contribuiria para uma anlise mais completa da lngua.
A pesquisa realizada por Stokoe no s deu lngua de sinais o seu devido status,
mas possibilitou que a lingustica criasse uma metodologia para analisar essas lnguas. Os
estudos posteriores ainda carregam as noes bsicas estabelecidas por Stokoe; embora, como
veremos a seguir, com nomenclatura diferenciada: os constituintes primrios das lnguas de
sinais dizem respeito forma da mo, ao local da realizao do sinal e sua movimentao.
Em 1979, Edward Klima e Ursula Bellugi em parceria com outros pesquisadores
lanaram o livro The signs of language. Para os autores, O objetivo geral da nossa pesquisa
so os fundamentos biolgicos da linguagem humana (Traduo nossa)11
, por isso Nossa
pesquisa procura entender os fundamentos da linguagem humana como uma parte da dotao
biolgica do homem12
(KLIMA e BELLUGI, 1979, p. v) (Traduo nossa). Para se alcanar
o objetivo proposto pelos autores, tal obra no s faz consideraes descritivas de cunho
lingustico, mas tambm se baseia na neurocincia para as investigaes que ajudaram a
compreender melhor a ASL. Por essa razo, os autores se propuseram a estabelecer criteriosos
mtodos de anlises que ratificassem a ASL dentro do campo das lnguas naturais. Assim, a
obra no s desfaz a falcia de ela ser de origem pantommica, como mostra a sua estrutura
fonolgica, morfolgica e sinttica. No que diz respeito s questes fonolgicas, o trabalho
desses autores complementa o de Stokoe; porm, com o intuito de aproximar as anlises
fonolgicas da ASL com as das lnguas orais, os autores propem uma nova nomenclatura;
assim, o termo parmetro13
passa a ser usado para se referir aos trs componentes
10 These units, allochers, may look so different to one unaccustomed to the language that he misses the essential fact that they are the same. For example, the dez chereme symbolized in this dictionary as 'Y' may look like the
hand configuration for 'y' in the manual alphabet-that is one allocher. It may have the three middle fingers only
loosely curled-that is another allocher 'Y'. It may have the three fingers at right angles with the palm-still
another. (STOKOE, 1976[1960], p. xxix)
11 The general objective of our research is the biological foundations of human language. 12 Our laboratory seeks to understand the foundations of human language as a part of mans biological
endowment. (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. v) 13 No livro The signs of language, de Klima e Bellugi (1979), h um captulo sobre as propriedades da lngua de
sinais que foi escrito com a colaborao de Don Newkirk e Robbin Battison; nele, os autores usam o termo
prime e parameters ao se referirem aos elementos constitutivos da lngua americana de sinais.
17
constituintes dos sinais, que passam a ser denominados da seguinte forma: a configurao de
mos na realizao do sinal, (2) a localizao do sinal em relao ao corpo do sinalizador, e
(3) o movimento da mo ou mos. Chamamos estes trs parmetros de configurao de mo
(CM), Local de Articulao (LA) e Movimento (MOV)14
. (KLIMA E BELLUGI, 1979, p. 40)
(Traduo nossa).
Alm desses trs parmetros, os autores consideram ainda as seguintes dimenses do
uso da mo na formao de alguns sinais: a Regio de Contato ou foco, a Orientao e o
Arranjo ou disposio15
da Mo. E as Intitulam como minor parameter.
Para descrever completamente um sinal e distingui-lo dos outros, necessrio especificar as informaes em trs dimenses segundo o uso da mo: regio de
contato ou foco, orientao e arranjo da mo. Essas dimenses na formao sinal so
denominadas de parmetros menores, desde que sejam subclassificaes da
configurao da mo; Considerando que os parmetros principais classes de
distinguir muito grandes de sinais, os parmetros de menores distinguir conjuntos
limitados de pares mnimos, ainda mais diferenciar sinais.16 (KLIMA e BELLUGI,
1979, p.45) (Traduo Nossa)
A regio de contato ou foco est relacionada com a parte da mo que utilizada
como foco do contato ou ponto durante o movimento do sinal. Em ASL, enquanto em GIRL a
ponta do dedo polegar toca a bochecha, em EVERDAY o mesmo movimento realizado pelo
dorso da mo. (Figura 2).
14
The configuration of the hands in making the sign, (2) the location of the sign in relation to the signer's body, and (3) the movement of the hand or hands. We have called these three parameters Hand Configuration (HC),
Place of Articulation (PA), and Movement (MOV) (KLIMA E BELLUGI, 1979, p. 40).
15Termo usado por Brito (1995, p.41) 16 To fully describe a sign and distinguish it from all other, it is necessary to specify information about three
additional dimensions of hand use: contacting region or focus, orientation, and hand arrangement. These
dimensions of sign formation are termed minor parameters, since they may be viewed as subclassifications of
hand configuration; whereas major parameters distinguish very large classes of signs, minor parameters
distinguish limited sets of minimal pairs, yet further differentiate signs.
18
Figura 2: Sinais diferindo apenas pela regio de contato (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49)
Ao se ter sinais com a mesma configurao de mo e o ponto de articulao, como os
sinais CHILD e THING na ASL, a orientao da palma da mo para baixo ou para cima
distinguir os sinais (Figura 3).
Figura 3: Sinais diferindo apenas pela orientao da palma (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 48)
Por fim, o arranjo ou disposio da mo est relacionado com o uso e a relao das
mos na realizao dos sinais. Por exemplo, os sinais na ASL de a) DEVIL, SUMMER e
WRONG fazem uso apenas de uma mo, os sinais b) FAMOUS, QUIET e MEET so
19
sinalizados com as duas mos, e os sinais c) YEAR, PAPER e SIT tm uma mo que executa
a ao, ou dominante, e a outra no (Figura 4).
Figura 4: Sinais com diferentes arranjos de mo (KLIMA e BELLUGI, 1979, p. 49)
A proposta de Klima e Bellugi de separar os parmetros em maiores e menores
encaminha os estudos fonolgicos a patamares mais descritivos, demonstrando a
complexidade e a necessidade de mais anlises sobre lnguas de sinais. De Stokoe passando
20
por Klima e Bellugi, autores como Padden (1992), Padden e Perlmutter (1987) e Sandler
(1989, 2003, 2006,) entre outros tm estudado e aprofundado suas pesquisas sobre o assunto
com o objetivo de explicar como uma lngua de modalidade distinta da oral-auditiva pode
estruturar seus fonemas ou queremas.
1.2. Um pequeno percurso na fonologia da Libras
Como reflexo do quadro internacional, os autores, ao se referirem Libras, tambm
apresentam o mesmo quadro fonolgico que as demais lnguas de sinais. Por essa razo,
apresentaremos dois estudos que so referncia em fonologia da Libras.
O primeiro estudo lingustico da Libras o de Ferreira-Brito (1995). De acordo com
ela, embora haja outras classificaes fonolgicas para a ASL e as demais lnguas de sinais,
para a Libras tem-se como parmetros primrios a Configurao da(s) Mo(s), o Ponto de
Articulao e o Movimento, e como parmetros secundrios a Regio de contato, a
Orientao da(s) Mo(s) e Disposio das Mos (FERREIRA-BRITO, 1995, p.36).
A configurao da(s) mo(s) corresponde s diversas formas que a(s) mo(s)
assume(m) na realizao do sinal, no caso da Libras so 46 configuraes (Figura 5). O ponto
de articulao a regio onde realizado o sinal; e o movimento, como o prprio nome diz,
a movimentao do pulso, dedos ou da mo na produo do sinal. Segundo a autora, o
movimento um dos parmetros mais complexos, esse pode ser classificado como: (i)
movimento interno, quando os dedos se movem ocasionando a mudana na configurao da
mo;, (ii) o movimento da(s) mo(s), produzido no espao ou no corpo em linha reta, curvas e
crculos e (iii) os movimentos direcionais que traam direes no espao da sinalizao. Com
relao aos parmetros regio de contato, orientao da(s) mo(s) e a disposio das mos, as
noes so as mesmas que as de Klima e Bellugi (1979).
21
Figura 5: As 46 Configuraes de Mos da Libras (FERREIRA-BRITO, 1995, p. 220)
Ao lado desses parmetros, a autora ainda destaca a importncia dos Componentes
No-manuais:
So elementos muito importantes, ao lado dos parmetros primrios e secundrios.
Existe mesmo a possibilidade de que a expresso facial ou o movimento do corpo
sejam outros parmetros, dada a sua importncia para diferenciar significados. []
importante notar que tanto os parmetros primrios, como os secundrios e os
componentes no-manuais podem estar presentes simultaneamente na organizao
do sinal. (FERREIRA-BRITO, 1995, p.41)
Nota-se, com isso, que Ferreira-Brito mantm a mesma proposta de anlise de Klima
e Bellugi para os parmetros na Libras; embora, em um primeiro momento, a autora coloque
como parmetro secundrio a orientao da(s) mo(s), que ser considerado como parmetro
primrio por Quadros e Karnopp (2007)
22
J os estudos de Quadros e Karnopp (2007) no apresentam a distino entre os
parmetros primrios e secundrios. Elas consideram que os constituintes da lngua de sinais
brasileira so: a configurao de mos, movimento, localizao ou ponto de articulao,
orientao da mo e expresses no-manuais ou componentes no-manuais. Sendo que os
trs primeiros so os principais.
Figura 6: Pares mnimos na lngua de sinais brasileira (QUADROS & KARNOPP, 2007, p. 52)
De acordo com Quadros e Karnopp (2007), as lnguas de sinais, embora sejam de
modalidade distinta, no deixam de ter as mesmas caractersticas que uma lngua de
modalidade oral:
23
O fato de as lnguas de sinais mostrarem estrutura dual (isto , unidades com
significado (morfemas) e unidades sem significado (fonemas)), apesar de o conjunto
de articuladores ser completamente diferente daquele das lnguas orais, atesta a
abstrao e a universalidade da estrutura fonolgica nas lnguas humanas.
(QUADROS e KARNOPP, 2007, p.53)
Para elas, as lnguas de sinais, assim como as lnguas orais, apresentam os trs
principais aspectos que podem ser investigados: os princpios e universais lingsticos
compartilhados entre lnguas de sinais e lnguas orais; as especificidades de cada lngua; e as
restries devidas modalidade de percepo (QUADROS e KARNOPP 2007, p.62). Em
decorrncia disso, segundo elas, autores j vm propondo para a fonologia o estudo dos
traos distintivos em que os sinais so um feixe de elementos para formar a configurao de
mo, o movimento e a localizao; e esses resultaram na constituio dos itens lexicais. Essa
anlise tem tentado saber quantos traos existem nas lnguas de sinais em contraste com as
lnguas orais.
Outro modelo usado nas descries fonolgicas, segundo Quadros e Karnopp (2007),
a fonologia da dependncia que consiste em analisar a assimetria binria entre o elemento
regente, ncleo, e o dependente. Essa relao ncleo-dependente busca generalizaes neutras
que respeitem a modalidade de percepo e produo (QUADROS e KARNOPP, 2007, p.
65). Outra proposio desse modelo a discusso sobre a importncia do movimento na
formao dos sinais e a sequencialidade dos elementos, a fim de explanar como eles so
ordenados e distribudos de forma linear.
Mais recentemente, o modelo autossegmental de Liddell (1984) e Liddell & Johson
(2000[1989]) foi utilizado por Xavier (2006) para analisar a Libras com a seguinte
prerrogativa:
Aqui cabe ressaltar uma das mais significativas diferenas entre o modelo de Stokoe
e seus seguidores, e o modelo de Liddell & Johnson. Para os primeiros, configurao
de mo, localizao, orientao da palma e movimento equivalem, em funo, aos
fonemas das lnguas orais, diferenciando-se destes por serem estruturados e
realizados simultaneamente. Para Liddell & Johnson, os trs primeiros aspectos
equivalem aos traos articulatrios que constituem conjunta e simultaneamente cada
um dos fonemas das lnguas sinalizadas (que podem ser do tipo movimento ou suspenso), enquanto que o ltimo deles representa um dos dois tipos de segmentos
existentes nessas lnguas (XAVIER, 2006, p. 24-25)
Para Xavier, o modelo de Liddell e Johnson faz conexo entre os aspectos concretos
e os abstratos da estrutura fonolgica das lnguas de sinais. Nele os sinais so constitudos de
um nico segmento de suspenso ou movimento, ou uma sequncia desses dois tipos.
24
A organizao interna tem dois conjuntos ou feixes de traos: feixe segmental, que
especifica o movimento da mo, e articulatrio, que descreve a configurao da mo,
localizao e orientao. Ao que tudo indica, todos os segmentos dos sinais deveriam ter uma
organizao interna com os dois tipos de feixes e uma representao de matriz de traos, essa
modificada por conta dos segmentos de suspenso e movimento. Segundo o autor, essa
uma anlise vantajosa por capturar a sequencialidade de alguns segmentos e a simultaneidade
de outros.
Enfim, aqui buscamos abordar de modo bem introdutrio os modelos fonolgicos
que esto sendo utilizados para descrever a Libras e tambm as lnguas de sinais. As
pesquisas nessa rea ainda precisam se expandir e sanar algumas questes fonolgicas.
1.3. Os processos morfolgicos da Libras
Na proposta de Martinet (1967 apud DUBOIS, 1993), os enunciados so articulados
em dois planos, o primeiro corresponde s unidades significativas das lnguas, morfemas ou
monemas, que, no eixo paradigmtico, podem ser substitudos e, no eixo sintagmtico, se
relacionam com outras unidades. J a segunda articulao diz respeito s unidades
desprovidas de significado ou unidades distintivas, fonemas.
Ferreira-Brito (s.d) considera haver na Libras, assim como no portugus, morfemas
lexicais e gramaticais:
25
FALAR SEM-PARAR
FALAR PELOS COTOVELOS
FALAR + aspecto continuativo
FALAR (pontual) PEGAR + Cl: 5
PODER/POSSVEL NO-PODER IMPOSSVEL
SABER NO-SABER
Figura 7: Morfemas lexicais e gramaticais
Ao que parece, na Libras, alguns dos parmetros apresentam aspectos morfolgicos.
Entretanto no possvel distinguir quais so os morfemas lexicais e os gramaticais, por
exemplo, o sinal para FALAR, em que o movimento se repete, pode ter dois sentidos:
TAGARELA ou o FALAR SEM PARAR. Isso nos leva a questionar at que ponto estamos
diante de um processo gramatical e/ ou um lexical? Torna-se mais confuso quando a autora
diz que esses so exemplos de formao de palavras por derivao e por composio.
Segundo ela Atravs desses exemplos, pudemos observar que as primeiras palavras so
26
formadas a partir de seus radicais aos quais se juntam afixos ou morfemas gramaticais, pelo
processo de derivao. (FERREIRA-BRITO, s.d)
J os sinais abaixo so o resultado de composio17
:
CASA + CRUZ = IGREJA
MULHER + PEQUENO = MENINA
HOMEM + PEQUENO = MENINO
As explicaes de Ferreira-Brito so pouco elucidativas, tendo em vista que nos
dados apresentados ela no distingue os processos morfolgicos e os morfemas de derivao e
flexo.
Sobre a morfologia em Libras, Quadros & Karnopp argumentam que a Libras, assim
como a ASL, tem a mesma organizao morfolgica dos sinais descritos por Klima e Bellugi
(1979).
As lnguas de sinais tm um lxico e um sistema de criao de novos sinais em que
as unidades mnimas com significado (morfemas) so combinadas. Entretanto, as
lnguas de sinais diferem das orais no tipo de processos combinatrios que
freqentemente cria palavras morfologicamente complexas. Para as lnguas orais,
palavras complexas so muitas vezes formadas pela adio de um prefixo ou sufixo
a uma raiz. Nas lnguas de sinais, essas formas resultam freqentemente de
processos no-concatenativos em que uma raiz enriquecida com vrios
movimentos e contornos no espao de sinalizao. (KLIMA & BELLUGI 1979
apud QUADROS & KARNOPP, 2007, p. 87)
O primeiro ponto a se destacar a respeito dessa citao a no-especificao do que
so as unidades mnimas com significado ou morfemas e como esses morfemas se combinam
de fato, para assim poderem dar suporte para a criao de novas formas lexicais. Outra
questo obscura como essa raiz enriquecida? Ou seja, que tipo de processo morfolgico
temos a? O que seriam esses movimentos e contornos? Seriam que tipos de morfemas j que
no so prefixos e sufixos? E o que seriam processos no-concatenativos? Reduplicao?
Alternncia (ablaut)?
Os mesmos questionamentos surgem quando a literatura apresenta o processo de
formao dos sinais por meio do que se tem chamado de incorporao. A seguir, vejamos o
que as autoras falam sobre incorporao em Libras:
17 Esses dados so da prpria autora e em seu texto, exclusivamente nesses exemplos, ela no disponibiliza
figuras.
27
Parece que, de fato, a formao de sinais envolve tambm uma espcie de
incorporao de vrios elementos que so expressos atravs da combinao
elementos (sic), por exemplo as informaes parecem estar dento do verbo atravs
do movimento das mos. Esse fenmeno parece ser anlogo ao que acontece com as
lnguas semticas. Nestas, os verbos preservam a ordenao das consoantes e mudam
as vogais:
rabe
Kataba ele escreveu
Kaataba ele correspondeu
Kutib estava escrito
No exemplo em rabe, as informaes que modificam o verbo esto dentro da palavra, assim como se observa nos verbos e nos classificadores das lnguas de
sinais. Assim, parece que h um paralelo entre as lnguas semticas e as lnguas de
sinais a este processo. (QUADROS & KARNOPP, 2007, p. 95)
Nessa citao dois fenmenos distintos so mencionados sem que haja a devida
distino entre eles. O primeiro fenmeno o possvel processo de incorporao, que, para as
autoras, a combinao de vrios elementos. J o segundo est relacionado a um processo
morfolgico em que afixos so adicionados ao longo da raiz; esses afixos so denominados de
transfixos (Petter, 2005), pois transpassam a raiz para derivar palavras ou flexionar o verbo,
no caso do rabe a flexo verbal feita por transfixos voclicos em raiz consoantal. Ainda
para elas, o processo de incorporao est mais presente nos verbos e, nos uso de
classificadores, consiste na insero de informaes dentro dos verbos por meio do
movimento das mos, assemelhando-se, assim, com as lnguas semticas. Mas onde seria a
raiz em Libras?
Segundo as autoras, consensual que na Libras e nas demais lnguas de sinais, os
processos de derivao e flexo podem envolver a combinao de aglutinao e incorporao.
O processo de aglutinao em Libras o mesmo que ocorre em lnguas concatenativas, como
o Hngaro. A derivao de novos sinais pode ocorrer quando o movimento se repete ou
encurtado para derivar nomes a partir de verbos, sendo esse processo denominado
nominalizao, pois o movimento que cria a diferena no significado entre os dois tipos de
sinais (QUADROS e KARNOPP, 2007, p. 100).
A composio de sinais tambm um processo morfolgico muito presente na Libras
e caracterizado por Quadros e Karnopp (2007, p. 102) como um processo de formao de
palavras que utiliza estruturas sintticas para fins lexicais; contudo, isso no parece
corresponder ao que a literatura diz:
Um termo usado amplamente nos estudos LINGUSTICOS DESCRITIVOS para se
referir a uma UNIDADE lingustica, que composta por ELEMENTOS que
funcionam de forma independente em outras circunstncias. De modo particular, so
nas noes de composio que encontramos as 'palavras compostas "(composta por
28
dois ou mais morfemas livres, como nos SUBSTANTIVOS compostos como
quarto, chuva e mquina de lavar roupa) (CRYSTAL, 2008, p. 96)18 (Traduo
nossa)
Segundo as autoras, em Libras como observado em ASL por Liddel ao se criar
novos itens por composio trs regras devem ser obedecidas, sendo elas: a de contato,
quando h contato com o corpo ou a mo passiva na realizao do sinal como no sinal de
ACREDITAR; a sequncia nica, o movimento interno ou a repetio do movimento
eliminada, assim como em PAIS; e a antecipao da mo no-dominante, quando a mo
passiva antecipa o segundo sinal, como em BOA-NOITE. Os processos de incorporao de
numeral e de negao envolvem morfemas presos, que, ao serem combinados, criam outros
significados. Quanto aos processos flexionais Quadros e Karnopp (2007, p.11-112), com base
em Klima e Bellugi (1979), os detalham da seguinte forma:
Pessoa (dixis): flexo que muda as referncias pessoais no verbo.
Nmero: flexo que indica o singular, o dual, o trial e o mltiplo
Grau: apresenta distines para menos, mais prximo, muito, etc.
Modo: apresenta distines, tais como os graus de facilidade. Reciprocidade: indica a relao ou ao mtua.
Foco temporal: indica aspectos temporais, tais como incio, aumento,
graduao, processo, conseqncia, etc.
Aspecto temporal: indica distines de tempo, tais como h muito tempo, por
muito tempo, regularmente, continuamente, incessantemente, repetidamente,
caracteristicamente, etc.
Aspecto distributivo: indica distines, tais como cada, alguns especificados,
alguns no-especificados, para todos, etc.
J de acordo com Felipe (2006, p.200), no processo de formao de palavras em
lnguas de sinais, assim como nas orais, deve-se levar em considerao o input, a estrutura
fonolgica da lngua, que so as regras de modificao da raiz pela adio ou subtrao de
afixo. A composio ocorre quando duas ou mais bases formam outras palavras.
Os inputs nas lnguas de sinais so compostos por cinco parmetros, sendo eles: a
Configurao de Mos (CM), o Movimento (M), a Direcionalidade (Dir), o Ponto de
Articulao (PA) (STOKOE, 1960) e as Expresses Faciais e Corporais (ou no-manuais
segundo Ekman, 1978; Aarons; et al, 1992). Esses podem expressar, de acordo com Felipe
(2006), morfemas por meio de algumas configuraes de mos, de alguns movimentos
direcionados, de algumas alteraes na frequncia do movimento, de alguns pontos de
18 A term used widely in DESCRIPTIVE LINGUISTIC studies to refer to a linguistic UNIT which is composed of ELEMENTS that function independently in other circumstances. Of particular currency are the notions of
compounding found in compound WORDS (consisting of two or more free MORPHEMES, as in such
compound NOUNS as bedroom, rainfall and washing machine) (CRYSTAL, 2008, p. 96)
29
articulao na estrutura morfolgica e de alguma expresso facial ou movimento de cabea
junto ao sinal, que para Felipe (1998a), sero morfemas lexicais ou gramaticais nas lnguas de
sinais.
Na figura 8, a autora apresenta os sinais com modificao em sua raiz por adio de
afixo, ou inputs, como QUERER/ QUERER-NO; (variante de So Paulo); GOSTAR/
GOSTAR-NO e SABER/ SABER-NO/. As formas negativas por terem os movimentos
contrrios aos das formas positivas, segundo Felipe, incorporaram o sinal de negao e essa
passou a ser um sufixo.
30
Figura 8: Verbos com incorporao de negao enquanto sufixo (FELIPE, 2006, p.213)
No caso de infixos, de acordo com a autora, eles podem ser incorporados
simultaneamente na raiz verbal, com alternncia no movimento ou expresso corporal. So os
sinais de SABER/ SABER-NO, PODER/ PODER-NO e TER/ TER-NO, Figura 9.
31
Figura 9: Verbos com incorporao da negao enquanto infixo (FELIPE, 2006, p. 214)
Para Felipe (2006, p. 202) dentre os processos de flexo de pessoa, aspecto verbal e a
de gnero, esta ltima ocorre por meio de uma configurao especfica de mo que funciona
como um classificador. O mesmo acontece com a incorporao do intensificador MUITO ou
casos modais, eles alteram a RaizM pela frequncia do movimento, incorporando um
32
advrbio ou intensificador.
Ainda segundo Felipe (2006), por ser uma lngua gestual-visual, outro processo de
formao de palavra produtivo na Libras o mimtico, j que faz uso de expresses faciais e
corporais na complementao de itens lexicais; e, embora sejam icnicos, eles respeitam as
regras fono-morfo-sintticas e esto no plano da expresso. A partir dele podem-se derivar
outros verbos quando acrescentamos RaizM expresses faciais e corporais, como o caso
dos verbos SALTITAR, DESFILAR, CAMBALEAR derivados de ANDAR.
E por fim, Felipe apresenta trs tipos de composio por justaposio19
: o de
justaposio de dois itens lexicais, como nos exemplos de CAVALO^LISTRA-PELO-
CORPO (CAVALO + LISTRA-PELO-CORPO = zebra); MULHER^BEIJO-NA-MO
(MULHER + BEIJO-NA MO = me); CASA^ESTUDAR (CASA + ESTUDAR
escola). ASSINAR^SEPARAR (ASSINAR + SEPARAR = divrcio); COMER^MEIO-
DIA (COMER + MEIO-DIA = almoo)20
, justaposio de um classificador e item lexical,
em que o classificador um cltico, por exemplo nos sinais, coisa-pequena^PERFURAR
alfinete; coisa-pequena^APLICAR-NO-BRAO agulha; DORMIR^pessoa +
alojamento21
, e justaposio da datilologia da palavra, como em COSTURAR-COM-
AGULHA^ A-G-U-L-H-A agulha.
19 Infelizmente, no foi possvel recuperar as imagens fornecidas pela autora, j que os links para elas no
estavam disponveis. 20
Nota de rodap de Felipe (2006, p. 206): O smbolo ^ (circunflexo) est sendo usado para especificar palavra
compostas em LIBRAS. Ver Sistema de Transcrio (Felipe, 1988). 21Nota de rodap de Felipe (2006, p. 206): O simbolo + est sendo usado para representar a marca de plural, que
na Libras pode acontecer atravs da repetio do item lexical ou do classificador.
33
1.4. Consideraes do captulo
Neste captulo, apresentamos os precursores nos estudos fonolgicos em ASL, e
mesmo que no tenhamos feito uma reviso exaustiva pois no trabalharemos essa questo
nesta pesquisa pode-se perceber que vrios so os modelos propostos que visam explicar os
arranjos das lnguas de sinais. Contudo ainda h muito que se descrever sobre esse assunto.
Cabe, ento, aos foneticistas e fonlogos abraarem esse desafio para que, assim, tenhamos
um quadro fonolgico das lnguas de sinais o mais detalhado possvel. O mesmo acontece em
relao morfologia das lnguas de sinais, pois percebemos que ainda falta clareza na
descrio dos morfemas, dos processos de derivao e flexo em Libras; os subsdios
apresentados pela literatura nos dizem pouco sobre a morfologia da Libras.
34
CAPTULO 2OS CLASSIFICADORES EM LNGUAS DE SINAIS:
PANORAMA DA ARTE
(...) lnguas de sinais assemelham-se s lnguas orais em todos os aspectos principais,
mostrando que verdadeiramente h universais da linguagem, apesar de diferenas na
modalidade em que a lngua realizada.
Fromkin e Rodman (1993 apud Quadros e Karnopp, 2007)
Neste captulo faremos uma reviso dos principais trabalhos que analisam os
classificadores nas lnguas de sinais. Essa trajetria se faz necessria, pois assim
compreenderemos como foi a evoluo dos estudos lingusticos das lnguas de sinais e o
impacto que teve nas pesquisas brasileiras. Por essa razo, primeiro abordaremos os
classificadores na literatura internacional e, em seguida, apresentaremos a literatura sobre a
Libras.
2.1. Panorama dos estudos sobre classificadores nas lnguas de sinais
Dentre as primeiras pesquisas realizadas acerca de uma lngua de sinais, talvez um
dos primeiros relatos sobre classificadores tenha sido apresentado por Klima e Bellugi, em
1979; embora os autores no os tenham descrito com detalhes, pois na poca as anlises
lingusticas estavam mais voltadas para estudos fonolgicos e sintticos das lnguas de sinais.
Mesmo assim os autores j falavam da existncia de tal fenmeno na ASL e que ele
desempenhava um papel importante na lngua; contudo, eles apresentam o fenmeno, mas no
a definio. A princpio eles dizem que:
Os classificadores, em particular, so usados pa