UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Mauricio De Santis
DIPLOMACIA: PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DA CARREIRA
DIPLOMÁTICA
CURITIBA
2012
Mauricio De Santis
DIPLOMACIA: PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DA CARREIRA
DIPLOMÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências
Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná
como requisito parcial para a obtenção do grau
de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Wagner Rocha D’Angelis
CURITIBA
2012
TERMO DE APROVAÇÃO
Mauricio De Santis
DIPLOMACIA: PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES DA CARREIRA
DIPLOMÁTICA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ____de _______________ de 2012.
__________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Universidade Tuiuti do Paraná – Coordenador do Núcleo de Monografia
Banca Examinadora:
Orientador: __________________________________ Prof. Dr. Wagner Rocha D'Angelis
Membro da Banca: ___________________________________
Membro da Banca: ___________________________________
À minha família, que em todos os momentos difíceis de minha vida, têm
intercedido junto a DEUS, pelo meu sucesso e felicidade.
À pessoa mais especial deste mundo, Caroline Nyenhuis, por todo amor,
carinho, compreensão e incentivo, pelos momentos de angústias e preocupações
causados por mim, pelas minhas ausências durante a realização deste trabalho,
dedico-lhe essa conquista com gratidão e amor.
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente a DEUS, a quem devo tudo o que sou.
Ao meu orientador, Professor Dr. Wagner Rocha D`Angelis, pela paciência,
pelas sugestões, por ter acreditado na realização desta pesquisa e confiado em
meus ideais.
Ao coordenador do Curso de Direito, Professora Rosane Gil Kolotelo
Wendpap, sempre solícita e compreensiva às nossas dificuldades.
Aos professores, colegas e todos os integrantes do curso de graduação, que
direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão desse trabalho.
Aos colaboradores da Universidade Tuiuti do Paraná, pela oportunidade de
realização da pesquisa e pela colaboração na coleta de informações.
Aos professores Eduardo de Oliveira Leite e Diogo Busse pela oportunidade
concedida para que pudesse concluir este curso de graduação.
Ao grande amigo, Professor Jefferson Grey Santanna, pela amizade e
incentivo incomparáveis.
Ao pessoal da Biblioteca e Funcionários em geral, o meu muito obrigado!
Ser espirituoso é metade de ser diplomata. (...)
O espírito move tudo e não responde por coisa alguma: ele é a eloquência da
alegria, e o entrincheiramento das situações difíceis: salva uma crise fazendo sorrir:
condensa em duas palavras a crítica de uma instituição: disfarça às vezes a
fraqueza de uma opinião, acentua outras vezes a força de uma ideia: é a mais fina
salvaguarda dos que não querem definir-se francamente: tira a intransigência às
convicções, fazendo-lhes cócegas: substitui a razão quando não substitui a ciência,
dá uma posição no mundo, e, adotado como um sistema, derruba um império.
E, sobretudo pelo indefinido que dá à conversação, ele é a arma verdadeira da
diplomacia.
Eça de Queirós
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1 CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DIPLOMACIA ................................................... 10
1.1 PRIMÓRDIOS ..................................................................................................... 10
1.2 SÉCULO XX – PERÍODO ENTRE GUERRAS .................................................... 16
1.3 ENFOQUE BRASILEIRO .................................................................................... 19
2 NATUREZA E FORMAÇÃO DA CARREIRA DIPLOMÁTICA .............................. 23
2.1 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - ITAMARATY ........................... 23
2.2 O INSTITUTO RIO BRANCO .............................................................................. 27
2.3 NATUREZA, FORMAÇÃO E TRABALHO DIPLOMÁTICO ................................. 28
3 IMUNIDADES E PRIVILÉGIOS DIPLOMÁTICOS ................................................. 34
3.1 ORIGEM E FUNDAMENTO DOS PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES ..................... 35
3.2 TIPOS DE IMUNIDADE....................................................................................... 38
3.2.1 Inviolabilidade da missão diplomática .............................................................. 38
3.2.2 Imunidade de jurisdição .................................................................................... 44
3.2.3 Imunidade de jurisdição penal .......................................................................... 46
3.2.4 Exceções à imunidade de jurisdição civil e administrativa ............................... 47
3.2.5 Teoria da imunidade relativa de jurisdição ....................................................... 49
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 52
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 54
RESUMO
O presente estudo esclarece a importante profissão no contexto das relações internacionais: a diplomacia. Ser diplomata envolve mais que palavras e estudos, diz respeito principalmente à capacidade negocial frente aos conflitos internacionais. Além disso, tem-se nesse contexto a questão contratual entre países no sentido de satisfazer as premissas básicas de satisfação de interesses globais; para tal, envolve o diplomata inúmeras cláusulas de acesso, denominados privilégios e imunidades, visando o acesso deste aos diversos patamares do governo hospedeiro para a busca de soluções aos problemas de relacionamento entre os países. A problemática se fundamenta na existência de abusos em relação aos privilégios e imunidades diplomáticas. Pela jurisprudência brasileira observa-se uma evolução no sentido de tentar cercear e limitar as prerrogativas diplomáticas no sentido de evitar o risco de ocorrência de abusos. Contudo, observou-se pelo estudo efetuado, que a preservação dos privilégios e imunidades diplomáticas dependerá exclusivamente de cada país no esforço de prevenir a ocorrência de abusos que comprometam essas prerrogativas a fim de evitar ações que provoquem o seu progressivo cerceamento. Portanto, a tendência é que exista uma política embasada em leis e normas pertinentes que desestimule práticas irregulares, abrangendo não apenas o abuso do agente diplomático, mas igualmente, de abusos provocados pelos Estados acreditantes ou praticados com o seu aval. Palavras-Chave: Diplomacia. Conceitos. Privilégios. Imunidades.
INTRODUÇÃO
O cenário internacional se encontra em um período conturbado,
principalmente no que se refere ao contexto econômico, reforçando o papel da
Diplomacia dos Estados, buscando soluções às crises internas e ao relacionamento
internacional globalizado.
Nesse contexto surge a Diplomacia agindo como um instrumento crucial da
execução da política externa, da preservação da paz, da segurança e da estrutura
conhecida da comunidade internacional.
Importa salientar que a diplomacia é uma das artes mais antigas do mundo,
existindo provas de sua existência na antiga Índia, China e Egito, onde se
praticavam atividades diplomáticas rudimentares, mas que foram refinadas e
institucionalizadas na Grécia e Roma, onde os enviados se converteram em
negociadores deixando de ser simples mensageiros.
As regras estabelecidas pela Convenção de Viena em 1961 estipulam que
as relações diplomáticas entre soberanias/governos não são estabelecidas de forma
automática, exceto quando existe mútuo consentimento. Face a isto, percebe-se de
antemão a existência de dificuldades no exercício da profissão. Dificuldades estas
enfatizadas pela necessidade de “barganha” entre interesses do país hospedeiro e
do representante, ou seja, o sistema funciona de acordo com a reciprocidade entre
os países. Não implica no fato do consulado ser território de outro país no país
hospedeiro, ao contrário, significa apenas que a propriedade (local ou documentos)
fornecida mediante cortesia é inviolável.
De acordo com Almeida1 o trabalho diplomático envolve inúmeras
1 ALMEIDA, Paulo Roberto de. Academia e Diplomacia: um questionário sobre a formação e a
carreira. Disponível em: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1812QuestFormAcadem.pdf. Questionário respondido em 01 de outubro de 2007. Acesso em: 10 dez. 2011.
9
dificuldades, principalmente quando se negocia em nome de outro país. Salienta a
existência de duas hipóteses no caso de uma situação complexa: “ou não se dispõe
de instruções suficientes para sustentar os interesses nacionais, ou as instruções
dadas são inadequadas, na situação concreta da barganha negociadora.” Assim,
exige-se do diplomata uma percepção apurada visando os interesses nacionais com
base no estudo da situação em si e dos interesses envolvidos. Afinal, normalmente,
o negociador que está na “frente de combate”, em oposição ao “burocrata” da
capital, pode acabar tendo uma visão ampla dos processos em jogo e dos diferentes
aspectos do interesse nacional, segundo uma percepção de mais longo prazo.
Nesse sentido o presente estudo visa compreender o mecanismo que rege a
profissão de diplomata, destacando o papel de sua representatividade nas relações
entre Estados. Em específico, busca esclarecer a historicidade e a importância de
“negociadores” frente as relações internacionais, demonstrar conceitos e natureza
da atividade e missões diplomáticas, apresentar o processo de formação da carreira
no Brasil e expor sobre os privilégios da carreira diplomática e suas imunidades.
Finalmente, debruçar-se-á em particular sobre a visão que se tem da
diplomacia no Brasil e no mundo – seu principal objetivo, e se de fato a diplomacia
funciona no Brasil e no mundo, se surte efeitos.
Dito isso, buscar-se-á compreender o conflito estabelecido entre os Estados
que ainda não compactuam com institutos voltados à diplomacia para demonstrar
que a escorreita atuação diplomática possibilita uma melhora de vida comum na
sociedade internacional, dentre outros assuntos de tamanha relevância para
fomentar o presente trabalho monográfico.
10
1 CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DIPLOMACIA
Importa salientar que a historicidade envolvendo a diplomacia reflete sua
natureza de instrumento regulador da comunidade internacional, visando uma
persuasão contínua na busca de soluções aceitáveis mutuamente em conflitos de
interesses no direito internacional.
1.1 PRIMÓRDIOS
A diplomacia é uma das artes mais antigas em face da sua influência
histórica e da necessidade de intermediários para a solução de conflitos. Seus
primórdios reinam na idéia de existirem pessoas ou entes para efetuar a
comunicação entre povos ou comunidades, principalmente no que se refere ao
processo de solução de conflitos, como se registra:
De modo simbólico, la idea de tener la existencia de personas para hacer la
comunicación entre dos pueblos o comunidades ya puede ser considerada
como diplomacia. En un punto de vista más religioso, por ejemplo, los
ángeles, como mensajeros, pueden ser considerados como diplomáticos.2
Nesse sentido, considera-se a prática diplomática tão antiga quanto os
povos, sendo que as primeiras referências se encontram nas lettres d’Amarna,
explicitando a prática diplomática à necessidade das comunidades regularem
pacificamente as relações entre elas, independente de serem comerciais, políticas,
militares e/ou religiosas, tendo como premissa fundamental a busca pela paz e
convivência comum, bem como, o desenvolvimento das mesmas.3
2 “De modo simbólico, a idéia de existirem pessoas para efetuar a comunicação entre dois povos ou
comunidades já pode ser considerada como diplomacia. Do ponto de vista mais religioso, por exemplo, os anjos, como mensageiros, podem ser considerados como diplomatas.” TASSO, Torquato. Los mensajeros. Valladolid: Cuatro Ediciones, 2007, p. 86. 3 SICARI, Vincenzo Rocco. O Direito das Relações Diplomáticas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
11
Na resolução de conflitos entre comunidades observou-se que um acordo
seria muito mais vantajoso do que um confronto armado. Os mensageiros enviados
possuíam a inviolabilidade, ou seja, a pessoa enviada para negociação possuía
imunidade, sendo este o primeiro princípio da diplomacia estabelecida. Entretanto,
tais enviados eram igualmente valiosos. Basta registrar que:
Às vezes estes enviados eram excelentes reféns, pois seu resgate era
sempre um preço alto a ser pago pelos governantes ou pelos chefes de
exércitos em confronto.4
Nesse período inicial a diplomacia era considerada itinerante, ou seja, não
possuía regras fixas e pouco organizada. No Egito antigo existia uma categoria
especial de servidores, os quais eram enviados como mensageiros às nações
asiáticas, praticando negociações diplomáticas como prelúdio das ações de guerra.
Nas Leis de Manu, criadas em meados do século III a.C., referia-se que “a paz e o
seu contrário (ou seja, a guerra) dependem dos embaixadores, pois são estes
últimos que criam e separam os aliados. É no seu poder que se encontram os
negócios que provocam entre os reis a paz ou a guerra”.5 Segundo essas leis o
embaixador deveria ser um homem sábio, de idade, honrado, com boa presença,
audaz, eloqüente, fiel ao seu dever e conhecedor do local e tempo de ação.
A Grécia é o primeiro país a buscar estabilidade da função, concentrando-se
em Roma a evolução face a sua expansão imperial e a necessidade de segurança
jurídica, instituindo a codificação do ius legationis6 e das figuras dos feciales7 e dos
4 SOARES SILVA, Guido Fernando. Órgãos dos Estados nas Relações Internacionais: Formas da
Diplomacia e as imunidades. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 13 5 MAGALHÃES, José Calvet de. A Diplomacia Pura. 2. ed. Venda Nova: Bertrand, 1996, p. 34.
6 Conjunto de normas dando aos Estados capacidade jurídica para o estabelecimento de relações
diplomáticas entre si. Dividia-se em ativo e passivo. O ativo indicava o direito do Estado de enviar representantes enquanto que o passivo se encarregava após consentimento, a recepção de agentes diplomáticos. 7 Classe de religiosos que interpretavam e aplicavam o ius fetiale, ou seja, embaixadores romanos
que gozavam de inviolabilidade como representantes dos deuses.
12
legati8. A dedicação destes servidores não era exclusiva às relações diplomáticas,
desempenhando outras funções, como religiosas, mas desenvolvendo um papel
importante para a manutenção da paz entre os povos. A característica principal
deste período é o caráter sagrado, do qual emerge a origem das imunidades
diplomáticas. Característica esta que permaneceu até a Idade Média, período este
onde ocorre a mudança do conceito de diplomacia itinerante para diplomacia
permanente, visando a função de paz da missão.9
As relações internacionais da época não eram independentes, pois
submetiam-se ao supremo poder do Império e do Papado, contudo, havia a idéia de
uma unidade superior onde os interesses individuais permanecessem subordinados
aos gerais. Assim, “a finalidade principal da diplomacia, ainda itinerante, era a busca
pela paz e pelo bem público, contribuindo, assim, para preencher o vazio criado
após o desaparecimento dos supremos poderes.”10 E mais:
Na concepção medieval, o embaixador não é somente o representante dos
interesses específicos e exclusivos de um determinado potentado, mas
também dos interesses gerais da coletividade: gerencia um munus publicum
do mais amplo corpo político, da res pública Christiana.11
Dessa forma, a embaixada não poderia ser recusada, a menos que
houvessem justificações plausíveis, e o sustento da mesma era a cargo do
hospedeiro ou de autoridade pública do território onde se encontrava. Em
conseqüência, a imunidade funcional era total, estendida a tudo que, de alguma
maneira, pudesse molestar a missão. Caso contrário, a função pacifista atribuída ao
embaixador e os limites das instruções recebidas poderiam levar a perda de
8 Pessoas que mantinham relações entre Roma, as províncias do império e os outros povos.
9 SICARI, op. cit., p. 8-9.
10 Id.
11 BELLINI, V. Note Storico-Giuridiche sulla Evoluzione della Diplomazia Permanente, 1968, p.
10, apud SICARI, op. cit., p.10.
13
qualquer privilégio, como por exemplo os seguintes delitos: espionagem,
conspiração, traição, entre outros, estando o príncipe do local responsável pelo
julgamento do embaixador.12
A Idade Média é marcada pela disputa de poder entre o clero e a realeza,
valendo-se da política exterior para alcançar os objetivos e mediar os conflitos entre
os senhores feudais, os quais buscavam aumento de seus domínios. Na Itália, as
cidades independentes se encontravam em constante rivalidade, tratando de
conquistar mercados exteriores. Devido à necessidade de colocar ordem nas
complexas relações das cidades italianas, a diplomacia adquiriu um grande
desenvolvimento, que posteriormente influiu nas práticas diplomáticas que se
estabeleciam nas monarquias absolutas da Europa. Nesse período, o embaixador
não podia abandonar seu posto até a chegada de seu sucessor.13
Ainda nessa época se enviavam embaixadores quando havia possibilidade
de solução de assuntos precisos, como tratados de paz, alianças, acordos
comerciais, declarações de guerra. A diplomacia era informal por não existirem
regras fixas e se encontrava condicionada a geografia, ocasionando limitações dos
meios de comunicação. Salienta-se que na Idade Média a Igreja Católica mantinha o
costume de enviar missões diplomáticas de caráter temporal. Com o advento do
renascimento e dos grandes descobrimentos, a Europa se viu pressionada a
estender a sua diplomacia entre os povos, favorecendo um desenvolvimento notável
dessa função.14
Veneza, na primeira metade do século XV, é considerada a reguladora das
missões diplomáticas permanentes, sendo suas funções diplomáticas
12
SICARI, op. cit.,p. 11. 13
GUTIERREZ, Jaime Paz y Puente. Derecho de inmunidad diplomatica. México: Trillas, 1985. 14
RODRÍGUEZ, Manuel Rivero. Diplomacia y Relaciones Exteriores en la Edad Moderna: 1453-1794. Madrid: Alianza Editorial, 2000.
14
minuciosamente regulamentadas, surgindo os verdadeiros diplomatas, no sentido
moderno da palavra. Todavia, os registros históricos apontam que a primeira missão
diplomática permanente foi estabelecida por Milão junto ao governo de Florença, em
1446. Igualmente foram os italianos que empregaram pela primeira vez o termo
embaixador (Ambasciatore) designando os enviados permanentes.
Outra característica desse período é que apesar de existirem regras, estas
não eram precisas, particularmente na parte correspondente a privilégios e
imunidades, existindo abusos e violações, sendo igualmente inconstante no que se
refere ao cerimonial e protocolo, sobretudo nos aspectos relacionados com a
procedência, sendo estes fatos motivos de inúmeros conflitos.
A carreira diplomática não existia nessa época, os enviados eram
selecionados pela realeza entre os magistrados, grandes comerciantes e outros
homens de fama. O Embaixador era considerado um representante do governante,
não de um Estado. As missões diplomáticas foram convertidas em centros de
espionagem e intriga. Ao que tudo indica, foram os bizantinos que iniciaram a
diplomacia da astúcia e da intriga, herdada dos venezianos. O Império Bizantino,
prolongação oriental do Império Romano, foi o primeiro a atribuir e organizar em sua
administração estatal um departamento exclusivo para os negócios estrangeiros e
também preparavam seus embaixadores para o trato afável e liberal junto aos
Estados de interesse. Em relação ao tema de espionagem e intriga destaca-se o fato
ocorrido na Inglaterra, em meados de 1653, quando uma resolução proibia os
membros do seu Parlamento de falar com diplomatas estrangeiros.15
Assim, no decorrer do final do século XII e até o século XVIII a diplomacia
apresenta evolução das correntes políticas, preparando-se para o novo Estado
Constitucional, resultante da decadência do Estado dinástico e absolutista. Em 1713, 15
GUTIERREZ, op. cit..
15
o acordo de paz de Utrecht representou o triunfo dos ideais constitucionais de
Guilherme III sobre os ideais absolutistas de Luís XIV. As novas características da
diplomacia nesta fase transitória representa a consolidação da forma permanente,
mesmo existindo ainda intrigas dos embaixadores, mas com tendência a considerá-
las como comportamentos antiquados. O papel de espião e de subversor foi
desaparecendo, abrindo espaço para a função de observador, cuja finalidade era
informar ao próprio governo as condições do país onde se encontrava acreditado16.
A institucionalização do princípio do equilíbrio inicia-se no século XIX,
mediante a política dos congressos, e pelo princípio organizativo do “Concerto
europeu” – o qual possuía como pressuposto fundamental um espírito de
compromisso e um interesse comum na busca do acordo, que prevalecesse sobre a
defesa dos pontos de vista individuais. Nesse período é que a diplomacia consegue
desenvolver sua tendência de colaboração visando a manutenção da paz e da
segurança internacional. 17
Como característica interessante da época, a diplomacia mantém suas
linhas tradicionais de informação, negociação e espionagem, contudo assumia
novas formas de função em áreas complexas como litígios, casos fronteiriços,
problemas comerciais ou interpretações jurídicas. A união da profissionalização da
diplomacia com o equilíbrio de poder fornecia aos Estados um aprofundamento de
suas relações exteriores. O século XVIII, caracterizado pelo uso do espaço
geográfico para fins de poder, foi marcado por trocas constantes de alianças e
posições estratégias, onde a diplomacia serviu para antecipar eventos e decisões. O
sistema europeu, sem dúvidas, foi marcado pelo uso do direito e da busca pela
segurança ao invés do princípio de dinastia. O ponto culminante do processo foi a
16
SICARI, op. cit., p. 16. 17
Ibid., p. 17.
16
Revolução Francesa, pois, justamente quando os Estados usavam o equilíbrio para
obter benefícios e evitar o domínio predominante de um país sobre os outros, a
França quebrou o ideal de equilíbrio tentando impor-se como força hegemônica,
levando os outros Estados a perceberem que suas próprias políticas levaram a essa
atitude francesa.18
A derrota de Napoleão, em 1814, na batalha de Waterloo, significou uma
mudança drástica no equilíbrio do poder europeu. A Rússia surgia como uma grande
vitoriosa e havia expandido suas fronteiras na Ásia. No outro extremo, a Inglaterra,
apesar da independência de suas colônias na América, mantinha sua hegemonia
como potencia comercial e industrial. Assim, os soberanos se reúnem em Viena com
a finalidade de organizar o sistema de Estados Nações que surgia na Europa e
estabelecer certas normas de convivência. No Congresso de Viena, em 1815, ocorre
então, dentre outras decisões, a normatização dos serviços diplomáticos e a
representação das potências como parte do serviço público. Ressalte-se:
Outra importante realização concreta foi a progressiva institucionalização
das missões diplomáticas permanentes. O diplomata tem o próprio poder
discricionário de ação restringido pelo processo de regulamentação do
ordenamento: os deveres diplomáticos progressivamente diferenciaram-se
dos outros aspectos da atividade estatal, no campo das relações
internacionais. A partir da definitiva sistematização do Ministério das
Relações Internacionais, a atividade diplomática adquire maiores
coordenação e unidade de ação.19
1.2 SÉCULO XX – PERÍODO ENTRE GUERRAS
No século XX ocorrem duas grandes Guerras Mundiais, as quais
provocaram mudanças profundas na realidade social internacional, culminando pela
18
FLORISTÁN, Alfredo. Historia Moderna Universal. Barcelona: Ariel, 2002. 19
SICURI, op. cit., p. 18.
17
busca de “um interesse comum superior.”20
Haja vista que o mundo forjado pelo Congresso de Viena se desmoronou
totalmente com a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, e poucos
anos depois emergiu a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945. O século XX foi
caracterizado por Hobsbawm21 como o mais sangrento da história conhecida da
humanidade.
Em conjunto com os planos de reconstrução dos países e de suas
economias foi necessário revisar os princípios vigentes da convivência internacional.
Neste período a diplomacia assume as seguintes características22:
1 - Aberta ou pública: fato este que se inicia com a publicação e registro de todos os
tratados internacionais;
2 - Diplomacia de blocos: com a Segunda Guerra Mundial se originam grandes
blocos de países divididos por estados de ideologia ocidental, os estados de
ideologia socialista ou comunista e os estados que declaram neutros ou não
comprometidos.
3 - Participação de governos e povos: as relações diplomáticas tem lugar entre
governos e povos.
4 - A opinião pública: adquire sua atual importância nas relações entre os estados,
tanto no âmbito interno como internacional.
5 - Os objetivos econômicos: adquirem transcendência no panorama diplomático.
6 - Diplomacia multilateral: as missões permanentes se tornam influentes nos
organismos internacionais, e a Diplomacia Multilateral - que tem lugar em suas
assembleias - adquire elevada importância, transformando-se em Diplomacia de
Conferência, se redimensionando e criando a Diplomacia Parlamentar. Os
20
Ibid., p. 19. 21
HOBSBAWM, Eric. Guerra y Paz en el siglo XXI. Barcelona: Crítica, 2007. 22
CABALLERO, Blanca López. La diplomacia y sus protocolos. Madrid: Ediciones Protocolo, 2006.
18
organismos internacionais adquirem elevada importância, diante do que todo novo
Estado que alcança a independência almeja entrar para a Organização das Nações
Unidas, como se esta admissão fosse a consagração de sua soberania.
7 - Diplomacia técnica: muitas das decisões são tomadas em reuniões de técnicos. A
necessidade de aprofundamento e de conhecimento técnico faz com que surja
espaço na Diplomacia Tradicional, assim como experts em determinada área são
requeridos como assessores ou conselheiros nestas reuniões. Entretanto,
reconhece-se a Diplomacia Tradicional como principal nas relações bilaterais entre
os Estados.
8 - Democratização de muitos costumes diplomáticos: em ocasiões onde se faz
presente a violência na linguagem chegando a extremos inesperados, com o uso de
linguagem nunca antes empregado no marco das negociações.
9 - Desaparecem as delegações: estas missões diplomáticas inferiores a das
Embaixadas foram muito importantes na história, como evidencia o fato de que antes
da Segunda Guerra Mundial o número de Delegações era muito superior ao das
Embaixadas. Contudo, a partir da Carta de São Francisco, redigida em 1945, a
maioria das delegações foram elevadas ao nível de Embaixadas e poucos Estados
abriram novas delegações, sendo que na atualidade as delegações foram
praticamente extintas. Não obstante, a sua figura segue como juridicamente
possível, de acordo com os postulados da Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas de 1961. A extinção destas determina por sua vez o fim dos Enviados
Extraordinários e Ministros Plenipotenciários, titulares da mesma, como chefes de
Missões Permanentes.
10 - Abandono da Doutrina da Extraterritorialidade: conceito este que imperou por
séculos no Direito Internacional, considerando que os agentes diplomáticos e as
19
sedes diplomáticas não estavam abaixo da soberania do Estado receptor. Esta
doutrina foi abandonada de forma paulatina pela jurisprudência internacional, por
compreender-se que não correspondia com a realidade. Obviamente, o território da
Missão Diplomática está juridicamente situado no território receptor, mas a
imunidade que é reconhecida nas missões diplomáticas não é extraterritorial, senão
decorrente de um direito sui generis visando a possibilidade de independência da
gestão diplomática. Importa salientar que esta prerrogativa não se origina em
relação ao território, apenas às pessoas que nele vivem e trabalham. Na atualidade,
o término da extraterritorialidade é utilizado impropriamente por determinados
autores como sinônimo de imunidade diplomática em geral ou de inviolabilidade em
particular.
11 - Reconhecimento do princípio de igualdade jurídica dos Estados: este
reconhecimento em escala mundial representa inigualável progresso para estruturar
e preservar uma ordem internacional justa e equitativa. Igualmente tem contribuído
para o melhoramento das relações entre os Estados, por ser um elemento
fundamental para a coexistência pacífica.
1.3 ENFOQUE BRASILEIRO
A Convenção de Viena é o marco para a diplomacia mundial na atualidade.
Mas antes dela, assim como inúmeros países, o Brasil valeu-se dessa arte. Neste
particular, o corpo consular foi criado pelo Decreto n. 520 de 1847. A Lei n. 614, de
22 de agosto de 1851, organizou o corpo diplomático brasileiro. O Decreto n. 941, de
1852, fixou o número e categorias das missões diplomáticas convenientes nos
países estrangeiros.
A fim de efetuar uma síntese das relações diplomáticas brasileiras buscou-
20
se a visão econômica no âmbito internacional, a qual foi de extrema importância
para o desenvolvimento do país.
A atuação brasileira nas relações internacionais remonta os anos 1840,
quando a diplomacia contornou com sucesso o conflito de interesses entre
importadores de manufaturados, as elites e exportadores de produtos primários, os
quais sustentavam a massa de escravos e trabalhadores livres.23
No período republicano ocorreu um ajuste na apropriação do aparelho do
Estado, ocupado pela aristocracia fundiária ou por políticos, sendo alcançado pelos
novos ricos que dele eram excluídos em razão da vitaliciedade dos cargos. Nas
relações exteriores, neste período, face a influência de conservadores, ocorre a
restrição de interesses nacionais quanto a agroexportação.
No Governo de Getúlio Vargas ocorre o rompimento da ideologia de Estado
para as elites e das elites, alternando o foco das elites para a sociedade,
compreendida de ordem complexa e de múltiplos interesses, trazendo a tona um
paradigma desenvolvimentista e acoplando para si a política exterior e o setor
externo. Essa mudança provocou posteriormente a modernização brasileira, fazendo
com que o país emergisse na comunidade das nações como potência média. A
diplomacia nos anos 1960 mudará para uma política de comércio exterior de
substituição de exportações, etapa esta que visava o progresso econômico.
Entretanto, a falta de estabilidade monetária e/ou endividamento trouxe
percalços à política econômica de crescimento acelerado. Mesmo com a
internacionalização de empreendimentos, a substituição de exportações não
promoveu a diminuição da desigualdade social.
23
CERVO, Amado Luiz. Política exterior do Brasil. Política Externa. Plenarium, Brasília: Coordenação de Publicações do Centro de Documentação e Informação, Câmara dos Deputados, ano II, n. 2, Novembro de 2005, p. 10-27.
21
Durante o período Fernando Henrique Cardoso ocorre a esterilização da
noção de interesse nacional, impregnando o processo decisório com concessões
sem contrapartida, tal como ocorreu na época da Independência. Disto resultou a
necessidade do próximo governante trazer para si a responsabilidade de recuperar
as grandes idéias nacionais e apoiar o processo de desenvolvimento. Para tal, foi
necessário o rompimento com o modelo vigente, atenuando a vulnerabilidade
externa, financeira, tecnológica e empresarial. A diplomacia recupera a sua
autonomia decisória entrando nas relações internacionais com senso de
reciprocidade. Tem-se, pois, que:
O multilateralismo, como a política exterior em seu conjunto, abandonou a
ilusão kantiana e recuperou a função de preencher requisitos de interesse
nacional. Entretanto, as autoridades econômicas não acompanharam a
mudança na área da política externa e reagiram sem projeto nacional
catalisador.24
Ao Estado cabia o controle visando induzir o crescimento dependente de
fatores externos, idéia esta que foi deixada de lado ante a necessidade de buscar o
desenvolvimento autônomo (fatores internos).
A diplomacia brasileira ainda caminha para a busca de um Estado
desenvolvimentista, compondo forças nos âmbitos interno e externo, buscando o
alcance de potência mundial, tal como
os conceitos de Estado liberal conservador, de senso realista, porém
mantenedor da infância social; desenvolvimentista, com capacidade
comprovada de induzir progresso acelerado; normal, subserviente,
destrutivo e regressivo; e logístico, padrão de conduta internacional das
grandes potências, cujo primeiro ensaio aqui já está em andamento. 25
24
Ibid., p. 23. 25
Ibid., p. 24.
22
Percebe-se que o Brasil possui uma história recente no âmbito diplomático
internacional atrelado muito às questões desenvolvimentistas. Fator este que não
impele a atuação do diplomata no exterior. Razão pela qual, o próximo capítulo
evidencia as exigências para se tornar um profissional à altura de representar o país
como diplomata em missões permanentes ou na solução de conflitos.
23
2 NATUREZA E FORMAÇÃO DA CARREIRA DIPLOMÁTICA
No Brasil, a carreira de diplomata se encontra vinculada a uma instituição
burocrática, por meio da qual o candidato ingressa em uma carreira estruturada,
possuindo regras explícitas de seleção e ascensão funcional. Existe no país apenas
uma escola responsável pela formação de diplomatas, criada em 1946: o Instituto
Rio Branco (IRBr). Dessa forma, os diplomatas brasileiros se formam pelo IRBr e
integram o quadro de funcionários da carreira diplomática do serviço exterior,
estando vinculados ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) – Itamaraty.
Portanto, a diplomacia brasileira se encontra restrita a uma única instituição, atuando
como controladora e fomentando o recrutamento e o treinamento de diplomatas.26
Normalmente são ofertadas 100 vagas anuais pelo Itamaraty. Em 2008
haviam 75 candidatos por vaga, em 2009 era de 87 e em 2010 foi de 82. O
candidato, quando é aprovado pelo Instituto Rio Branco, durante os dois anos de
curso já recebe salário inicial à base de R$ 12.413,00 para o cargo de terceiro
secretário. O cargo mais elevado, denominado de embaixador ou ministro de 1ª
classe, tem salário fixado em R$ 18.478,00. 27
Antes de adentrar ao processo de carreira diplomática importa esclarecer as
instituições a que se encontra vinculado o diplomata, como Itamaraty e Instituto Rio
Branco.
2.1 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - ITAMARATY
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) é o órgão político da
26
MOURA, Cristina Patriota de. O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira: um estudo de carreira e socialização. Rio de Janeiro: FGV, 2007. 27
CONTEUDO DIPLOMATICO. Para ser diplomata e ganhar R$ 18.478 basta ter curso superior. Disponível em: http://conteudodiplomatico.blogspot.com.br/2011/05/sobre-carreira-de-diplomata.html. Acesso em: 21 fev. 2011.
24
Administração direta cuja missão institucional é auxiliar o Presidente da República
na formulação da política exterior do Brasil, assegurar sua execução, manter
relações diplomáticas com governos de Estados estrangeiros, organismos e
organizações internacionais e promover os interesses do Estado e da sociedade
brasileira no exterior. Ocupa-se da política externa e relações internacionais nos
planos bilateral, regional e multilateral, excetuando-se nos atos e iniciativas de
cooperação financeira internacional, função esta a cargo do Ministério da Fazenda.28
O Ministério das Relações Exteriores é originário do Ministério dos Negócios
Estrangeiros do Império, criado no período colonial por um alvará de 1736, assinado
por D. João V, concomitantemente com duas outras secretarias: Estado dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra. Em maio de 1822 ocorre o desmembramento,
decretado por D. Pedro I, dividindo-se em Secretaria de Estado dos Negócios da
Guerra e Secretaria de Estado dos Negócios do Reino e Estrangeiros. Com a
independência, passa-se a denominar-se Secretaria de Estado dos Negócios
Estrangeiros. Com o advento da República, a denominação se modifica para a
atualmente utilizada: Ministério das Relações Exteriores. A designação de Itamaraty
identifica a SERE – sede da chancelaria brasileira, nome este oriundo do antigo
Palácio do Barão de Itamaraty. No início dos anos 1970 foi trasladado ao novo
Palácio Itamaraty localizado em Brasília.29
As áreas de competência do MRE são:
1. política internacional; 2. relações diplomáticas e serviços consulares;
3. participação nas negociações comerciais, econômicas, técnicas e
culturais com governos e entidades estrangeiras; 4. programas de
cooperação internacional e de promoção comercial; e 5. apoio a
28
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Conheça o Ministério. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-ministerio/view. Acesso em 21 jan. 2012. 29
CASTRO, Flávio Mendes de Oliveira. História da Organização do Ministério das Relações Exteriores. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983.
25
delegações, comitivas e representações brasileiras em agências e
organismos internacionais e multilaterais.30
Quanto às competências de trabalho têm-se as seguintes:
1. executar as diretrizes de política exterior estabelecidas pelo Presidente
da República;
2. propor ao Presidente da República linhas de atuação na condução dos
negócios estrangeiros;
3. recolher as informações necessárias à formulação e execução da política
exterior do Brasil, tendo em vista os interesses da segurança e do
desenvolvimento nacionais;
4. contribuir para a formulação e implementação, no plano internacional, de
políticas de interesse para o Estado e a sociedade em colaboração com
organismos da sociedade civil brasileira;
5. administrar as relações políticas, econômicas, jurídicas, comerciais,
culturais, científicas, técnicas e tecnológicas do Brasil com a sociedade
internacional;
6. negociar e celebrar tratados, acordos e demais atos internacionais;
7. promover os interesses governamentais, de instituições públicas e
privadas, de empresas e de cidadãos brasileiros no exterior.31
Importa salientar que o Ministro de Estado das Relações Exteriores, titular
da Chancelaria, não necessariamente precisa ser um diplomata, sendo o posto
tradicionalmente ocupado desde o Império por políticos eleitos. Contudo, os demais
cargos, iniciando pelo Secretário Geral das Relações Exteriores, são privativos da
carreira diplomática, face a necessidade de um elevado grau de profissionalização
em relação a serviços similares de outros países.32
De acordo com o artigo 2º da Lei n. 7.304, de 22 de setembro de 2010, o
MRE apresenta-se assim constituído:
Art. 2
o O Ministério tem a seguinte estrutura organizacional:
I - órgãos de assistência direta e imediata ao Ministro de Estado:
(...)
II - órgão central de direção: Secretaria-Geral das Relações Exteriores:
30
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, op. cit.. 31
Id. 32
CASTRO, op. cit..
26
III - órgãos de assessoria ao Secretário-Geral:
(...)
IV - unidades descentralizadas:
(...)
V - órgãos no exterior:
(...)
VI - órgãos de deliberação coletiva:
(...)
VII - entidade vinculada: Fundação Alexandre de Gusmão.
Parágrafo único. O conjunto de órgãos do Ministério no Brasil denomina-se
Secretaria de Estado das Relações Exteriores.33
Nesse sentido, a Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE) se
encontra organizada em três áreas funcionais.
Vale a pena especificar que as três grandes áreas funcionais da SERE são
as seguintes: uma administrativa e de serviços gerais (inclusive comunicações e
arquivo), outra de natureza política (relações bilaterais e assuntos políticos
multilaterais e regionais) e uma terceira para a área econômica abrangendo o setor
da integração regional. Cada uma delas é dirigida por um Subsecretário Geral, o
qual deve ser necessariamente um ministro de primeira classe, que se reporta ao
Secretário Geral e comanda o trabalho de chefes de Departamento, ministros de
segunda classe, aos quais incumbe coordenar as tarefas regimentais de suas
divisões, comandadas por conselheiros. Existem ainda na estrutura do MRE uma
Consultoria Jurídica, uma assessoria parlamentar, serviços de comunicações e de
imprensa, de controle contábil e um “corregedor”, entre outros cargos próprios às
burocracias ministeriais.34
A movimentação do quadro funcional ocorre mediante uma alternância de
postos e funções, as quais giram em torno de 3 anos, e dois períodos de 3 anos
33
PLANALTO. Lei n. 7304. Disponível e: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7304.htm. Acesso em: 21 jan. 2011. 34
CASTRO, op. cit..
27
cada em missões no exterior. 35
2.2 O INSTITUTO RIO BRANCO
O Instituto Rio Branco (IRBr) foi criado em 18 de abril de 1945, em
comemoração do centenário do nascimento de José Maria da Silva Paranhos Junior
– o Barão do Rio Branco, o patrono da diplomacia brasileira. O Curso de Preparação
à Carreira de Diplomata estabeleceu-se a partir de março de 1946, cuja primeira
turma foi composta de 27 Cônsules de Terceira Classe, como se chamavam então
os Terceiros-Secretários de hoje. A formação se dá em um processo contínuo,
iniciando-se com o Curso de Formação, posteriormente para o Curso de
Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD), para Segundos Secretários e o Curso de
Altos Estudos (CAE) para Conselheiros.36
Entre seus objetivos encontram-se: harmonizar os conhecimentos adquiridos
nos cursos universitários com a formação para a carreira diplomática; desenvolver a
compreensão dos elementos básicos da formulação e execução da política externa
brasileira; e iniciar os alunos nas práticas e técnicas da carreira.
Face as necessidades de ajustes nas normas e nos programas do Instituto,
foram alteradas algumas prerrogativas na formação do diplomata. A partir de 1967,
passou-se a exigir dos candidatos ao concurso o primeiro ano de curso superior,
exigência que se estendeu, em 1968, para o segundo ano e, em 1985, para o
terceiro. Desde 1994, tornou-se pré-requisito curso superior de graduação plena.
35
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Ministério das Relações Exteriores. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do e ALVES, Geraldo Magela (coords.). Enciclopédia de Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2002. Vol. II. 36
INSTITUTO RIO BRANCO. O Instituto. Disponível em: http://www.institutoriobranco.mre.gov.br/pt-br/o_instituto.xml. Acesso em 21 jan. 2011.
28
2.3 NATUREZA, FORMAÇÃO E TRABALHO DIPLOMÁTICO
Importa salientar que a característica principal da carreira diplomática é a
competitividade, face a exigência de cursos de treinamento e de exames de
passagem para a ascensão a escalões superiores, a saber: Curso de
Aperfeiçoamento de Diplomatas, para os candidatos a primeiro secretário; e, Curso
de Altos Estudos, sendo obrigatória apresentação e defesa de uma tese, para os
conselheiros aspirando passar a ministro de segunda classe.37
Para entrar no IRBr é necessário a inscrição para concurso de admissão,
devendo o candidato ser brasileiro nato, estar em dia com o serviço militar e com as
obrigações de eleitor; ter bons antecedentes, e ter concluído curso superior
reconhecido de graduação plena.38
Quando o candidato é aprovado no concurso, realiza um estágio de dois
anos, organizado de forma similar ao curso de mestrado, e adentra a carreira
diplomática como Terceiro Secretário. Os cargos seguintes na carreira são conforme
hierarquia: Segundo Secretário, Primeiro Secretário, Conselheiro, Ministro de
Segunda Classe e Ministro de Primeira Classe (Embaixador).
Nos dois primeiros anos de carreira, ou seja, no decorrer do Programa de
Formação e Aperfeiçoamento – Primeira fase (PROFA-I), fornecido pelo IRBr, o
terceiro secretário efetua estágio em departamento do MRE no Brasil.
Com o aperfeiçoamento da carreira o diplomata passa metade do tempo no
Brasil, podendo atuar em cinco segmentos principais39:
a) Geográfica: monitorando e acompanhando determinados países. A função
37
ALMEIDA, op. cit.. 38
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Carreira Diplomática. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/divulg/p2/carreira-diplomatica-1. Acesso em: 30 jan. 2011. 39
INSTITUTO RIO BRANCO. Perguntas freqüentes. Disponível em: http://www.institutoriobranco.mre.gov.br/pt-br/perguntas_freq%C3%BCentes.xml. Acesso em: 30 jan. 2011.
29
dos diplomatas é se dividir em grupos que acompanham regiões diferentes
tornando-se o contato no Brasil das missões, embaixadas ou consulados desses
locais. Existem departamentos específicos para a América Central e Caribe, África I,
II e III, Ásia Central, entre outros.
b) Temática: os diplomatas se tornam responsáveis por um grupo de temas,
estudando as novidades pertinentes a este grupo, as quais possam ser
interessantes às negociações brasileiras. Os departamentos envolvidos são: temas
educacionais, energia nuclear e temas científicos e tecnológicos.
c) Promoção Comercial: esta área é responsável pela promoção do
comércio exterior brasileiro. Nela os diplomatas buscam aproximar-se dos
empresários, estrangeiros ou nacionais, visando a ampliação de oportunidades de
negócios, captação de recursos, entre outros.
d) Consular: este departamento efetua a assistência aos brasileiros que se
encontram no estrangeiro. É feita tanto aos indivíduos, como no suporte para a
emissão de documento ou para a resolução de casos específicos, quanto no
acompanhamento de comunidades brasileiras no exterior.
e) Administrativa: esta área mantém o MRE funcionando como uma
estrutura empresarial, comportando a Divisão de Pessoal, Setor de Arquitetura e
Engenharia e a Coordenação de Licitações.
Os diplomatas podem ocupar postos no exterior após os primeiros dois anos
de carreira. O trabalho no exterior é organizado de acordo com as relações do Brasil
com o país hospedeiro, assim, cada representação se torna diferenciada. Os cinco
setores mais comuns de trabalho são40:
a) Político: com o objetivo de monitoração e relatos contínuos à Brasília
sobre a conjuntura política, econômica e social do país em que se encontra, 40
Id.
30
buscando auxiliar no processo de decisão sobre política externa.
b) Comercial: visa a promoção de interesses comerciais do Brasil com o
mundo, buscando apoio aos exportadores brasileiros na promoção de seus serviços
e produtos no exterior.
c) Consular: busca a promoção de assistência e proteção aos cidadãos
brasileiros que se encontram no exterior, mediante atuação dos consulados gerais e
consulados.
d) Cultura: visa a divulgação da cultura e dos valores brasileiros no país
hospedeiro, trabalhando de forma conjunta com a mídia, formadores de opinião e
produtores culturais locais.
e) Administrativo: gerencia postos brasileiros em outros países, cuidando da
manutenção do patrimônio ao orçamento.
Importa salientar que os alunos do PROFA-I que obtiverem as melhores
classificações possuem prioridade na escolha de suas vagas. O trabalho no exterior
é identificado por região segundo classes A, B, C ou D, as quais variam de acordo
com a importância das relações exteriores brasileiras com o país hospedeiro e a
qualidade de vida no local. Nos postos C, o tempo de serviço é contado em dobro,
enquanto que nos do tipo D, em triplo.
A atuação do diplomata no exterior pode se dar em embaixadas, consulados
ou vice-consulados ou em delegações, missões ou escritórios41.
a) Embaixadas: o Brasil tem 92 embaixadas para dar suporte aos brasileiros
no exterior. No Brasil, as embaixadas internacionais se encontram localizadas em
Brasília, sendo representada por 90 países. Este é o nível mais elevado de uma
representação estrangeira, sendo responsável pelo relacionamento entre
41
BRASIL. Infraestrutura. Embaixadas. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/sobre/turismo/infraestrutura/embaixadas. Acesso em: 31 jan. 2011.
31
organismos internacionais e negociações entre países. No caso, cabe ao
Embaixador conduzir uma Embaixada.
b) Consulados ou Vice-Consulados: sua função principal é fornecer
assistência e proteção de seu país a cidadãos que se encontram em viagem ou
morando no exterior. O Brasil possui 112 países com consulados em seu território e
está representado em 68 cidades nos cinco continentes. É responsabilidade dos
diplomatas lotados proteger os interesses de quaisquer pessoas brasileiras, sejam
elas pessoas físicas ou jurídicas. Uma das responsabilidades é a expedição de
passaportes e vistos. A chefia dos Consulados ou Vice-Consulados se dá por um
Cônsul. As Embaixadas também contam com seções consulares, as quais atuam
como os Consulados.
c) Delegações, Missões ou Escritórios: são compostos por grupos de
diplomatas que atuam em um organismo internacional. Atualmente, o Brasil possui
delegações permanentes juntos à ALADI, ao Mercosul, à Unesco, Nações Unidas e
Comunidades Européias. Os escritórios, por sua vez, são representações brasileiras
sem a existência de embaixadas ou consulados, contudo, são movidos por
interesses brasileiros nascentes. Atualmente, o Brasil possui um Escritório Comercial
em Taipé (Taiwan) e um Escritório de Representação em Ramallah (Palestina).
O embaixador quando se encontra em atuação é assistido por um ministro-
conselheiro, o qual dirige os trabalhos no exterior, sendo que a lotação de cada
posto é fixada em portaria ministerial. Uma grande embaixada ou delegação pode
comportar mais de doze de diplomatas, ao passo que os pequenos postos podem
possuir apenas um embaixador, ou, eventualmente um ministro comissionado e um
secretário.42
42
ALMEIDA, op. cit..
32
Geralmente, o serviço no exterior necessita de três tipos de funcionários:
assistentes de chancelaria, oficiais de chancelaria e diplomatas. Os assistentes de
chancelaria possuem nível médio e prestam apoio administrativo aos servidores da
carreira diplomática em Brasília e nas representações brasileiras no exterior. O
acesso à função se dá por concurso público.
Os oficiais de chancelarias possuem formação superior e prestam apoio
técnico-administrativo às tarefas de natureza diplomática e consular em Brasília e
nos postos de representação no exterior. O acesso à carreira também se dá
exclusivamente por concurso público.
Os diplomatas, por sua vez, possuem atribuições essencialmente políticas,
cujas finalidades são:
Representar o Brasil perante a comunidade de nações; colher as
informações necessárias à formulação da política externa; participar de
reuniões internacionais e, nelas, negociar em nome do país; assistir às
missões no exterior; proteger os compatriotas e promover a cultura e os
valores do povo brasileiro. Com esse mister, tratam dos assuntos mais
diversos. Desde paz e segurança até normas de comércio e relações
econômicas e financeiras, direitos humanos, meio ambiente, tráfico de
drogas e fluxos migratórios, passando, naturalmente, por tudo que diga
respeito ao fortalecimento dos laços de amizade e cooperação do Brasil
com seus parceiros externos.43
A diplomacia econômica brasileira, conduzida em órgãos multilaterais como
ONU, UNCTAD, GATT, FMI e Banco Mundial, contribuiu para uma melhor inserção
internacional do país, a despeito mesmo do relativo fechamento de sua economia e
de seu processo de industrialização. Nesse sentido, ao MRE cabe a coordenação de
esforços do Brasil em prol de uma inserção exitosa do país na economia mundial,
demarcada por dois processos complexos e complementares: a globalização dos
43
INSTITUTO RIO BRANCO, op.cit..
33
circuitos produtivos e dos fluxos financeiros; e, a regionalização, isto é, a
constituição de blocos comerciais e agrupamentos econômicos de vocação
liberalizante. Na esfera política, o Brasil participa dos debates em torno da reforma
da Carta da ONU, o que poderia levar à ampliação do número de membros
permanentes de seu Conselho de Segurança, ao qual o Brasil está naturalmente
vocacionado como nação relevante no quadro dos países em desenvolvimento.44
44
ALMEIDA, op. cit..
34
3 IMUNIDADES E PRIVILÉGIOS DIPLOMÁTICOS
Inicialmente faz-se necessária uma exposição sobre o significado de
imunidade e privilégio para, posteriormente, adentrar na base histórica e sua
aplicabilidade.
Por privilégio compreende-se:
sm. Vantagem concedida a uma ou mais pessoas, com exclusão de outros
e contra a regra geral: os privilégios da nobreza. Licença, permissão
especial ou pessoal. Direito, prerrogativa: presidir por privilégio de idade.
Dom natural: a fala é um privilégio do homem.45
Imunidade por sua vez indica:
sf. Isenção de impostos, deveres, encargos etc. Privilégio, direito,
prerrogativa: imunidades diplomáticas. Biologia. Resistência natural ou
adquirida de um organismo vivo a um agente infeccioso (micróbios) ou
tóxico (venenos, toxinas de cogumelos).46
Importa salientar que a imunidade é a prerrogativa outorgada a alguém para
que se exima de certas imposições legais em virtude do que não é obrigado a fazer
ou a cumprir certos encargos ou obrigações determinados em caráter geral. Para
Moreira Lima:
É no campo das relações internacionais que esse conceito goza de maior
relevância. A imunidade diplomática consiste na soma de isenções e
prerrogativas concedidas aos agentes diplomáticos para assegurar-lhes, no
interesse reciproco dos Estados, a independência necessária ao perfeito
desempenho de sua missão.47
45
DICIONÁRIO PORTUGUÊS ONLINE. Privilégio. Disponível em: http://www.dicio.com.br/privilegio/. Acesso em: 10 fev. 2012. 46
DICIONÁRIO PORTUGUÊS ONLINE. Imunidade. Disponível em: http://www.dicio.com.br/imunidade/. Acesso em: 10 fev. 2012. 47
MOREIRA LIMA, Sérgio Eduardo. Privilégios e imunidades diplomáticos. Brasília: Instituto Rio Branco/Fundação Alexandre de Gusmão, 2002, p.34.
35
3.1 ORIGEM E FUNDAMENTO DOS PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES
No âmbito do Direito Internacional, privilégio e imunidade diplomática
possuem fundamento na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas –
CVRD (1961) e na Convenção de Viena Sobre Relações Consulares (1963), ambas
regem as relações diplomáticas.48 É importante esclarecer que as duas convenções
são divididas pela natureza do serviço prestado: diplomático e consular. Enquanto o
diplomata representa o Estado de origem (Estado Acreditante) junto à soberania
local visando o trato bilateral dos assuntos de Estado, o cônsul representa o Estado
de origem visando cuidar no território onde atua dos interesses privados envolvendo
seus concidadãos ou assuntos de comércio exterior – exportação e importação.49
O fundamento dos privilégios e imunidades diplomáticas possui origem muito
mais antiga, abrangendo a história da relação dos povos desde os seus primórdios.
Mesmo a CVRD ressalta esse atributo ao indicar em seu preâmbulo, que, “desde
tempos remotos, os povos de todas as nações têm reconhecido a condição dos
agentes diplomáticos”. O Direito Internacional, por sua vez, respeitou essa condição
e codificou os princípios e regras consuetudinárias correspondentes. Situação
fartamente confirmada na doutrina, como abaixo:
Imbuídos, inicialmente, de caráter religioso, foram, através dos tempos,
absorvidos pelo direito consuetudinário e por acordos bilaterais, até serem,
mais recentemente, incorporados a convenções internacionais e à
legislação de número crescente de países. Essenciais à condução das
relações entre Estados, essas prerrogativas permitem a seus
representantes exercer suas funções no Estado acreditado livres de
pressões locais. Podem eles, assim, comunicar-se com seus próprios
governos, negociar em seu nome, representá-los e defender seus
interesses nacionais de forma independente das autoridades do Estado que
os recebe.50
48
REZEK, José Francisco. Direito internacional público. Curso elementar. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. 49
ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2000. 50
MOREIRA LIMA, op. cit., p.9.
36
A problemática se encontra no fato de que de um lado esses privilégios e
imunidades são considerados imperativos no relacionamento entre os povos, mas,
de outro, a crescente complexidade das relações internacionais e o aumento
contínuo do número dos seus agentes criaram polêmica entre o alcance das
prerrogativas diplomáticas e a proteção adequada dos interesses dos Estados
acreditados e dos seus nacionais. Neste sentido:
Essa polêmica e o dilema que ela coloca foram observados, notadamente,
em países possuidores de poder judiciário forte e de opinião pública ciosa
dos seus direitos e disposta a restringir as prerrogativas diplomáticas
sempre que lhes parecesse constituir ameaça a esses direitos.51
Para se ter uma noção da causa dessa polêmica é necessária a análise do
que a regra jurídica tem a expor sobre o tema, a qual se encontra regida pela CVRD
em seu artigo 31 e seu alcance no artigo 37 conforme segue52
Artigo 31
1. O agente diplomático gozará da imunidade de jurisdição penal do Estado
acreditado. Gozará também da imunidade de jurisdição civil e
administrativa, a não ser que se trate de:
a) uma ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado
acreditado, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado
acreditante para os fins da Missão;
b) uma ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado
e não em nome do Estado, como executor testamentário, administrador,
herdeiro ou legatário;
c) uma ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial
exercida pelo atente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções
oficiais.
2. O agente diplomático não é obrigado a prestar depoimento como
testemunha.
3. O agente diplomático não está sujeito a nenhuma medida de execução, a
não ser nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do parágrafo 1.º deste
artigo e desde que a execução possa realizar-se sem afetar a inviolabilidade
de sua pessoa ou residência.
51
Id. 52
MRE. Convenção de Viena. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/m_multidiplo.htm. Acesso em: 10 dez. 2011.
37
4. A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado
acreditado não o isenta da jurisdição do Estado acreditante.
(...)
Artigo 37
1. Os membros da família, de um agente diplomático que com ele vivam
gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29 a 36,
desde que não sejam nacionais do Estado acreditado.
2. Os membros do pessoal administrativo e técnico da Missão, assim como
os membros de suas famílias que com eles vivam, desde que não sejam
nacionais do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente,
gozarão dos privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29 a 35, com
a ressalva de que a imunidade de jurisdição civil e administrativa do Estado
acreditado, mencionada no parágrafo 1º do artigo 31, não se estenderá aos
atos por eles praticados fora do exercício de suas funções; gozarão também
dos privilégios mencionados no parágrafo 1º do artigo 36; no que respeita
aos objetos importados para a primeira instalação.
3. Os membros do pessoal de serviço da Missão, que não sejam nacionais
do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente, gozarão de
imunidades quanto aos atos praticados no exercício de suas funções, de
isenção de impostos e taxas sobre os salários que perceberem pelos seus
serviços e da isenção prevista no artigo 33.
4. Os criados particulares dos membros da Missão, que não sejam
nacionais do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente,
estão isentos de impostos e taxas sobre os salários que perceberem pelos
seus serviços. Nos demais casos, só gozarão de privilégios e imunidades na
medida reconhecida pelo referido Estado. Todavia, o Estado acreditado
deverá exercer a sua jurisdição sobre tais pessoas de modo a não interferir
demasiadamente com o desempenho das funções da Missão.
Percebe-se pelos artigos acima que a imunidade diplomática alcança não
apenas o quadro funcional estrangeiro, mas também, familiares dos diplomatas que
habitam com ele.
Importa salientar que a imunidade consiste na soma de isenções e
prerrogativas concedidas aos agentes diplomáticos assegurando-lhes, no interesse
recíproco dos Estados, a independência necessária ao perfeito desempenho de sua
missão. De fato tais prerrogativas subtraem certas pessoas à autoridade e à
competência jurisdicional do Estado acreditado. Assim, “Considera-se que há
38
imunidade quando alguém não está sujeito a uma norma de Direito interno ou à sua
sanção; e que há privilégio quando uma regra especial de Direito interno substitui a
norma ordinária.”53
Os privilégios abrangem todo o quadro funcional diplomático oriundo do
Estado acreditante e não recrutado ‘in loco’, ao qual se atribui ampla imunidade de
jurisdição civil e penal, tornando-se fisicamente invioláveis; igualmente possuem
imunidade tributária, excetuando-se a impostos indiretos incluídos no valor de bens
ou serviços e propriedades localizadas em território local.
A partir da breve explanação sobre a origem e contexto que envolve os
privilégios e imunidades é fundamental um aprofundamento do tema imunidade,
conforme se descreve a seguir.
3.2 TIPOS DE IMUNIDADE
De acordo com a CVRD há três principais títulos relativos à imunidade: as
imunidades relacionadas ao local da missão e aos seus arquivos; as imunidades
relativas ao trabalho da missão; e as imunidades e privilégios pessoais do agente
diplomático.
3.2.1 Inviolabilidade da missão diplomática
Esta regra é aceita mundialmente e considerada a mais importante das
prerrogativas. Em sua forma embrionária era destinada à inviolabilidade pessoal do
agente. Atualmente, procede o comentário da Comissão de Direito Internacional no
sentido de que a inviolabilidade dos locais da missão não é uma consequência da
53
MOREIRA LIMA, op. cit., p. 34.
39
inviolabilidade do chefe da missão, mas um atributo do Estado acreditante em
virtude do fato de os locais serem usados como sede da missão.
Conforme o artigo 3054 da CVRD há nítida distinção entre as prerrogativas
que incumbem à missão e as que se aplicam ao pessoal diplomático. A
inviolabilidade da missão se for relacionada a das residências do pessoal
diplomático resultaria da inviolabilidade pessoal. O princípio da inviolabilidade, seja
dos locais da missão diplomática, seja da pessoa do agente diplomático, é entendido
em seu sentido absoluto, conforme se depreende dos artigos 2255 e 2956. Ao Estado
acreditado cabe não apenas respeitar a inviolabilidade da missão e do agente
diplomático como também garantir-lhes a segurança e a proteção apropriadas.
Importa salientar o alcance da inviolabilidade na matéria penal, salientando
que os diplomatas e integrantes do pessoal técnico-administrativo da missão gozam
de imunidade penal ilimitada que se projeta sobre os membros de suas famílias. No
caso de um homicídio passional, uma agressão, um furto comum, todos estarão
isentos de processo local. Entretanto, tal fato não livra o agente da jurisdição de seu
estado de origem quanto ao crime praticado, pois, retornando à origem o diplomata
responde ali pelo crime cometido. Mas, a investigação policial local não é impedida
do processo de investigação, preparando a informação sobre a qual se presume que
a justiça do Estado acreditante processará o agente beneficiado pelo privilégio
diplomático.
54
Artigo 30. 1. A residência particular do agente diplomática goza da mesma inviolabilidade e proteção que os locais da Missão. 2. Seus documentos, sua correspondência e, sob reserva do disposto no parágrafo 3º do artigo 31, seus bens gozarão igualmente de inviolabilidade. 55
Artigo 22. 1. Os locais da Missão são invioláveis. Os agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão. 2. O Estado acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas para proteger os locais da Missão contra qualquer instrução ou dano e evitar perturbações à tranqüilidade da Missão ou ofensas à sua dignidade. 3. Os locais da Missão, seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da Missão, não poderão ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. 56
Artigo 29. A pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado tratá-lo-á com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade.
40
Tal assertiva é observada na jurisprudência brasileira na área Penal e
Tributária, conforme segue:
HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - IMUNIDADE
DIPLOMÁTICA: - GOZANDO O PACIENTE DE IMUNIDADE
DIPLOMÁTICA, GARANTIDA PELA CONVENÇÃO DE VIENA, CONCEDE-
SE-LHE HABEAS CORPUS FACE O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
Acordão: CONCEDER A ORDEM PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL.
DECISÃO UNÂNIME.57
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
ART. 535 DO CPC. RECURSO ORDINÁRIO EXECUÇÃO FISCAL.
ESTADO ESTRANGEIRO. TAXAS DE LIMPEZA E ILUMINAÇÃO PÚBLICA.
IMUNIDADE FISCAL. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. CONVENÇÕES DE
VIENA, DE 1961 E 1963. 1. Os Estados estrangeiros gozam de imunidade
de jurisdição e tributária, com esteio, respectivamente, nos arts. 23, da
Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, e 32, da Convenção de
Viena sobre Relações Consulares, estando, assim, isentos do pagamento
de tributos que recaiam sobre seu patrimônio ou lhes sejam exigidos pela
prestação não individualizada de serviços. Precedentes: RO n.º 49/RJ, Rel.
Min. José Delgado, DJU de 07/11/2006; RO n.º 46/RJ, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, DJU de 13/02/2006; RO n.º 45/RJ, Rel. Min. Castro Meira,
DJU de 28/11/2005; RO n.º 35/RJ, Rel. Min. Teori albino Zavascki, DJU de
05/08/2004. 2. A prerrogativa institucional de imunidade absoluta de
jurisdição, em se tratando de matérias de ordem estritamente pública ou
tributária, alcança os Estados estrangeiros. 3. É indevida a cobrança de
taxas de limpeza e iluminação pública, porquanto declaradas
inconstitucionais em razão da ausência de especificidade. 4. Embargos de
declaração acolhidos sem efeitos infringentes. Acordão: Vistos, relatados e
discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA TURMA do Superior
Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas a seguir, por unanimidade, acolher os embargos de
declaração, sem efeitos infringentes, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda
(Presidenta), José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro
Relator.58
No caso do corpo consular os crimes podem ser processados e punidos in
loco, salvo aqueles diretamente relacionados com a função consular, como a
57
535490 DF, Relator: DEOCLECIANO QUEIROGA, Data de Julgamento: 18/06/1990, Turma Criminal, Data de Publicação: DJU 03/04/1991 Pág. : 6.302. 58
43 RJ 2005/0066435-7, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 24/03/2008, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 14.04.2008 p. 1.
41
outorga fraudulenta de passaportes e a falsidade na lavratura de guias de
exportação.59
Existe na jurisprudência brasileira caso de retirada da imunidade por parte
do país acreditante de corpo consular, conforme segue:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. INDÍCIOS DE AUTORIA E
MATERIALIDADE DELITIVAS. DIREITO INTERNACIONAL. CONVENÇÃO
DE VIENA SOBRE RELAÇÕES CONSULARES. FUNCIONÁRIO
CONSULAR: IMUNIDADE RELATIVA. HABEAS CORPUS. RENÚNCIA DA
IMUNIDADE PELO ESTADO ACREDITANTE. EXERCÍCIO DA
SOBERANIA. JURISDIÇÃO DO ESTADO ACREDITADO. OBEDIÊNCIA À
NORMA PAR IN PAREM NON HABET IMPERIUM. INCONSISTÊNCIA DO
PLEITO.
1. A Convenção de Viena de 1963 autoriza a instauração de procedimentos penais contra funcionários consulares (artigo 41), estabelecendo, todavia, diretrizes com a finalidade de que não sejam prejudicadas as suas funções consulares. 2. In casu, na condição de Cônsul-Geral do Estado de El Salvador, não foram violados os direitos assegurados ao paciente pela Convenção de Viena de 1963, tendo sido tomadas todas as providências pertinentes a esse fim. 3. Devidamente informado, o Estado de El Salvador, exercendo a sua soberania, retirou os privilégios e imunidades do ora paciente (com base no artigo 45 da Convenção de Viena de 1963), não havendo que se falar em imunidade em vigor. 4. O direito à imunidade não
deve ser aplicado de forma automática pelo Estado acreditado, diante da circunstância de que pode haver a renúncia quanto a ela, justificando-se a suspensão do processo até que o Estado acreditante se manifeste quanto o seu direito à imunidade jurisdicional ou pela renúncia a essa prerrogativa. 5. Foram observadas as formalidades legais para o recebimento da denúncia, não tendo sido demonstrados, de plano, motivos que possibilitem trancamento da Ação Penal nº 2007.34.00.032890-1/DF. 6. Constrangimento ilegal inocorrente. Ordem denegada.
60
Existe o caráter absoluto da inviolabilidade das missões diplomáticas, mas,
estas, segundo a CVRD, podem ser recusadas, conforme consta do artigo 41,
parágrafo 3, a saber:
Artigo 41.
(...)
59
REZEK, op. cit.. 60
Processo nº HC 2009.01.00.045158-6/DF - Habeas Corpus TRF1, Relator: Desembargador Federal Hilton Queiroz, Órgão julgador: Quarta Turma, Publicação: 22/09/2009 e-DJF1 p.517, Data da decisão: 14/09/2009.
42
3. Os locais da Missão não devem ser utilizados de maneira incompatível
com as funções da Missão, tais como são enunciadas na presente
Convenção, em outras normas de direito internacional geral ou em acordos
especiais em vigor entre o Estado acreditante e o Estado acreditado.
Destarte, há um limite para a inviolabilidade, devendo o agente diplomático
estar ciente dessa limitação e em função do princípio da reciprocidade não exceder
os limites legais. Sobre a questão de abuso importa salientar:
Não resta dúvida de que todo princípio geral pode dar lugar a abusos, mas,
também, não há dúvida de que todo direito o pode também. No caso do
caráter absoluto da inviolabilidade da missão diplomática, entre o abuso do
direito e o abuso da exceção, este é mais perigoso nas relações entre os
Estados.61
A seguir mais algumas jurisprudências referentes ao tema da imunidade
diplomática:
DIREITO INTERNACIONAL E TRABALHISTA. RECLAMATÓRIA MOVIDA
CONTRA CONSULADO-GERAL DE PAÍS ESTRANGEIRO, POSTULANDO
VERBAS LABORAIS POR SERVIÇOS PRESTADOS NO BRASIL.
IMUNIDADE JURISDICIONAL AFASTADA. I. A imunidade de jurisdição de
Estado estrangeiro não alcança litígios de ordem trabalhista decorrentes de
relação laboral prestada em território nacional e tendo por reclamante
cidadã brasileira aqui domiciliada. II. Precedentes do STJ. III. Recurso
ordinário improvido. Acordão: Vistos e relatados estes autos, em que são
partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, à unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário, na forma do
relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs.
Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Fernando Gonçalves.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Resumo Estruturado: DESCABIMENTO, EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
JULGAMENTO DO MÉRITO, RECLAMAÇÃO TRABALHISTA,
FUNDAMENTAÇÃO, IMUNIDADE DIPLOMATICA, HIPOTESE, EX-
EMPREGADO, CONSULADO, PAIS ESTRANGEIRO, PRETENSÃO,
RECEBIMENTO, CREDITO TRABALHISTA, INEXISTENCIA, IMUNIDADE
DIPLOMATICA ABSOLUTA, PAIS ESTRANGEIRO, REFERENCIA,
DEBITO TRABALHISTA, DECORRENCIA, CELEBRAÇÃO, CONTRATO DE
TRABALHO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, BRASIL, CARACTERIZAÇÃO,
61
NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Rio de Janeiro: Ministério das Relações Exteriores, 1967, p. 107, apud MOREIRA LIMA, op. cit., p. 47.
43
ATO DE GESTÃO, APLICAÇÃO, TESE, IMUNIDADE DIPLOMATICA
RELATIVA, JURISPRUDENCIA DOMINANTE, DIREITO INTERNACIONAL
PÚBLICO, PRECEDENTE, STF, STJ.62
ESTADO ESTRANGEIRO. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO RELATIVA.
ARTIGO 32 DO DECRETO N.º 56.435/65 (PROMULGAÇÃO DA
CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS). 1. A
decisão proferida pelo Tribunal Regional encontra-se consonante com a
reiterada jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Federal, no sentido
da inexistência de imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros
perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando a causa tiver origem
em atos de mera gestão revestidos de natureza trabalhista. Origina-se o
entendimento atualmente adotado pelo excelso Pretório, por sua vez, da
adesão à teoria da imunidade relativa de jurisdição dos Estados soberanos,
segundo a qual, tendo em vista o novo quadro normativo delineado no
cenário dos direitos internacional e comparado, subordina-se a imunidade
de jurisdição à natureza do ato que tiver motivado a instauração da causa
em juízo. 2. Nessa linha, é perfeitamente possível concluir pela inexistência
de afronta ao artigo 32 do Decreto n.º 56.435/65, por meio do qual a
Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas de 1961 ingressou no
ordenamento jurídico interno -, uma vez que a adoção da relativização da
imunidade de jurisdição vai ao encontro do espírito que se imprimiu ao
referido Tratado Internacional, que, em seus consideranda, explicita não
terem os privilégios e imunidades diplomáticas o intuito de beneficiar
indivíduos, mas apenas de -garantir o eficaz desempenho das funções das
Missões diplomáticas, em seu caráter de representantes dos Estados-. 3.
Agravo de instrumento a que se nega provimento.63
EXECUÇÃO. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO
INTERNACIONAL. A imunidade de execução dos Estados Estrangeiros e
Organismos Internacionais não é absoluta, podendo ser objeto de penhora
os bens que não estiverem abrangidos pelos privilégios e imunidades
diplomáticas concedidas pelas Convenções de Viena de 1961/1963 ou
Tratados Internacionais equivalentes. Precedentes do excelso STF, do col.
TST e deste egr. Regional.[...]" (TRT da 10ª Região, AP 00049-2006-004-
10-00-7, Relatora Desembargadora Heloisa Pinto Marques, publicado em
31/10/2008). Acordão Por tais fundamentos, ACORDAM os
Desembargadores da egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional do
Trabalho da 10ª Região, conforme certidão de julgamento (à fl. retro),
aprovar o relatório, conhecer do agravo interposto e, no mérito, negar-lhe
provimento, nos termos do voto da Juíza Relatora. Ementa aprovada.64
62
23 PA 2002/0096286-5, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 27/10/2003, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 19.12.2003 p. 464. 63
19846920105100000 1984-69.2010.5.10.0000, Relator: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 04/05/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/05/2011. 64
1283200500510007 DF 01283-2005-005-10-00-7 , Relator: Juíza Elke Doris Just, Data de Julgamento: 04/02/2009, 3ª Turma, Data de Publicação: 13/02/2009.
44
Existe ainda outro subtema relacionado à inviolabilidade da missão
diplomática, que é a questão do asilo diplomático.
A inviolabilidade do local da missão diplomática é questionada no tocante a
existência consagrada do asilo diplomático. Haja vista que o uso do local da missão
para fins de asilo requer autorização especial do Estado acreditado. Enquanto que
outros autores não reconhecem fundamento jurídico no uso dos locais da missão
diplomática para fins de asilo. Situação esta que gera uma reação de abusos
gerando controvérsias na Comissão de Direito Internacional e negociações da
CVRD. No Brasil, o Departamento de Estado se mantém orientado “no sentido de
evitar a concessão de asilo, exceto nos casos de perseguição política ou religiosa
com iminente risco de vida.”65
Na prática, porém, embaixadas americanas em países do Leste Europeu, ao
longo dos anos, concederam asilo sempre que tal medida pudesse ser bem recebida
pelo Congresso e pela opinião pública americanos.
Entretanto, importa salientar que:
o dispositivo sobre imunidade de jurisdição do agente diplomático constitui,
sob o aspecto judicial e administrativo, o mais importante para o
estabelecimento correio das prerrogativas decorrentes do status do agente
diplomático, e para o exame pelos tribunais das questões sobre Direito
Diplomático, que, na maioria dos casos, envolvem imunidade de jurisdição
civil e penal do agente diplomático.66
3.2.2 Imunidade de jurisdição
A questão da imunidade de jurisdição penal e a imunidade de jurisdição civil
65
MOREIRA LIMA, op. cit., pp.48-49. 66
Ibid, p. 49.
45
do agente diplomático foram estabelecidas como regra de Direito Internacional nos
séculos XVI a XVIII, as quais, por tradição histórica e jurídica, eram consideradas
derivadas do princípio absoluto da inviolabilidade do representante. 67
Importa salientar que os privilégios e as imunidades decorrem do ato de
notificação ou de acreditamento do agente diplomático pelo Estado acreditante junto
ao Ministério do Exterior do Estado acreditado, processo este que não é automático
e nem unilateral. Assim, a aceitação do agente diplomático constitui atributo da
soberania do Estado acreditado. A CVRD não chega propriamente definir o que seja
um diplomata, mas fixa as normas para sua caracterização:
a) terem eles, em princípio, a nacionalidade do Estado acreditante (art. 8,
parágrafo l);
b) serem eles assim reconhecidos pelo Estado acreditante (art. 9), por meio
de consulta ou comunicação formal ao Estado acreditado (pedido de
agrément, no caso de chefe da missão, de acordo com o art. 4; beneplácito,
nos casos de adido militar, naval ou aéreo (art.7), e notificação ao Ministério
das Relações Exteriores nos demais casos, nos termos dos arts. 10 e 43);
c) serem personae gratae do Estado acreditado (art.9, parágrafo 1).68
Os casos de não-concessão de agrément são pouco frequentes, ao contrário
dos de não-aceitação de acreditamento de agente diplomático. Estes ocorrem mais
comumente por razões como: o cometimento de grave abuso de imunidade em
matéria penal, quando tenha servido anteriormente no país; o acreditamento numa
categoria superior à que lhe corresponde, apenas para gozo de privilégios mais
amplos; o acreditamento de nacionais do Estado acreditado; o acreditamento de
agente diplomático ou funcionário administrativo além da cota estipulada por ocasião
do estabelecimento de relações diplomáticas ou por acordo posterior.
67
REZEK, op. cit.. 68
MOREIRA LIMA, op. cit., p. 52.
46
3.2.3 Imunidade de jurisdição penal
Ao contrário do que ocorre com a imunidade de jurisdição civil a imunidade
de jurisdição penal é absoluta para o agente diplomático.69 A possibilidade de a
Justiça do Estado acreditado vir a julgar o agente diplomático em caso de renúncia
expressa da imunidade não altera o sentido absoluto da imunidade penal, conforme
salienta-se a seguir:
Do direito internacional provêm as chamadas imunidades diplomáticas, que
excluem os representantes de governos estrangeiros da jurisdição penal do
Estado onde se encontram acreditados. Não ficam propriamente fora do
domínio da lei penal, porque permanecem vinculados ao preceito devendo
evitar a prática de atos que ela define como puníveis, e o ato dessa
natureza que pratiquem mantém seu caráter de ilícito. Mas escapam à
conseqüência jurídica, que é a punição. Poder-se-ia ver, então, na função
pública que exercem, uma causa pessoal de exclusão de pena. Mas, na
realidade, esta exclusão resulta da exclusão de jurisdição. Os agentes
diplomáticos escapam à jurisdição criminal do estado em que se encontram
acreditados, porque continuam submetidos à do seu próprio Estado, que
pode julgá-los e puni-los.70
Contudo, no artigo 32 da CVRD há possibilidade do Estado acreditante
renunciar à imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das demais
pessoas que gozam de imunidades, os quais são raros.
Importa salientar que:
A imunidade da jurisdição penal não significa, porém, impunidade; assim
como a imunidade de jurisdição civil não é sinónimo de irresponsabilidade.
A CVRD previu em seu artigo 31, parágrafo 4, que o agente diplomático não
está isento da jurisdição do Estado acreditante, ou seja, responderá perante
os tribunais de seu pais pelos ilícitos que, porventura, venha a praticar
quando em função no exterior, desde que a ação seja transferida para
aqueles tribunais.71
69
Artigo 31, parágrafo 1 da CVRD. 70
BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 246. 71
MOREIRA LIMA, op. cit., p. 53.
47
A própria CVRD indica a inexistência de impunidade conforme seu artigo 41,
“todas as pessoas que gozem de privilégios e imunidades diplomáticos deverão
respeitar as leis e regulamentos do Estado acreditado.” (grifo nosso). Observa-se
que os casos de violação das leis penais do Estado acreditado têm motivado a
virtual expulsão do agente diplomático, ao ser declarado persona non grata.
Existem casos onde ocorre de forma concomitante imunidade penal e civil,
como por exemplo, danos ocasionados por diplomatas na direção de veículos, onde
entende-se que a imunidade penal deve ser mantida, mas cabendo ao Estado
acreditante renunciar à imunidade em matéria civil, para que a vítima possa
conseguir uma indenização pecuniária. Na prática, raramente ocorre a renuncia à
imunidade por parte do Estado acreditante, optando-se por uma composição fora
dos tribunais, “por meio do pagamento de uma indenização, condicionada, em geral,
à desistência da ação pelo reclamante.”72
Não houve consenso sobre a matéria em Viena, sendo que alguns países
como Suíça e os EUA vieram a aplicar esse procedimento administrativo, que
restringe a imunidade de jurisdição do agente diplomático. Assim, foi aprovada em
Conferência a seguinte recomendação:
o Estado acreditante deve renunciar à imunidade de membro de sua missão
diplomática no tocante a reclamações civis por parte de pessoa do Estado
acreditado, quando isto puder ser feito sem impedir o exercício das funções da
missão, e que, quando não se renunciar à imunidade, o Estado acreditante deverá
empenhar-se para alcançar uma solução justa da reclamação.73
3.2.4 Exceções à imunidade de jurisdição civil e administrativa
De acordo com a CVRD, artigo 31, parágrafo 1, o agente diplomático terá
72
Ibid., p. 55. 73
NASCIMENTO E SILVA, op. cit., p. 146, apud MOREIRA LIMA, op. cit., p. 55.
48
imunidade de jurisdição civil e administrativa, excetuando-se os casos de:
a) ação sobre imóvel privado situado no território do Estado acreditado,
salvo se o agente diplomático o possuir por conta do Estado acreditante
para os fins da missão;
b) ação sucessória na qual o agente diplomático figure, a título privado e
não em nome do Estado, como executor testamentário, administrativo,
herdeiro ou legatário;
c) ação referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial
exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções
oficiais.
A CVRD ao indicar as hipóteses em que o agente diplomático está sujeito à
jurisdição local estabeleceu distinção entre as exceções específicas (parágrafo l do
artigo 31) e as exceções genéricas (renúncia à imunidade, artigo 32; gozo de
imunidades por nacionais do Estado acreditado, artigos 37 e 38; e sujeição à
jurisdição do Estado acreditante, artigo 31, parágrafo 4). Para o pessoal
administrativo e técnico da missão, as exceções são mais amplas face ao fato de
que a imunidade de jurisdição civil e administrativa só se aplica aos atos praticados
no exercício da função (artigo 37).
Na legislação brasileira, com previsão no Código Civil (art. 11, nos
parágrafos 2 e 3), os governos estrangeiros não podem adquirir bens imóveis ou
susceptíveis de desapropriação, excetuando-se “prédios necessários à sede dos
representantes diplomáticos ou dos agentes consulares”. O Decreto-Lei nº 4.331, de
1º de junho de 1964, permitiu aos governos estrangeiros adquirirem imóveis para
residência de seus funcionários na nova capital.
Dentre as exceções previstas, uma delas refere-se à ação sucessória, na
qual o agente diplomático figure, a titulo privado, como executor testamentário,
administrador, herdeiro ou legatário, casos estes raríssimos de aplicação.
A exceção relativa às atividades comerciais ou à profissão liberal exercidas
49
pelo agente diplomático fora de suas funções, possui caráter recente.
Salienta-se que essas exceções fortalecem a tendência em favor da
aplicação restrita da doutrina da imunidade jurídica do agente diplomático.
3.2.5 Teoria da imunidade relativa de jurisdição
Inicialmente, importa salientar que a imunidade absoluta de jurisdição
implica na concepção de que os Estados estrangeiros soberanos, os seus bens e os
seus representantes oficiais seriam isentos da jurisdição local, a não ser que esses
Estados nela consentissem, sendo apreciadas por via diplomática ou numa
assembléia internacional, a menos que o Estado estrangeiro renunciasse a essa
imunidade.74
Entretanto, no período de 1950 a 1990, observa-se a queda da teoria da
imunidade absoluta de jurisdição face ingerências do Estado em domínios
pertencentes a esfera privada. Após as Grandes Guerras ocorre uma maior
presença do Estado em atividades comerciais, levando alguns países, na defesa de
interesses de pessoas físicas e jurídicas nacionais, a buscarem diminuir a rigidez da
distinção entre os atos jure imperii e os atos jure gestionis, colocando sob este
conceito os atos que, embora praticados pelo Estado, tivessem cunho comercial.
Neste particular:
Assim, os primeiros, jure imperii, como expressão do poder estatal, de sua
autoridade soberana, continuariam a gozar de imunidade de jurisdição,
enquanto os segundos, jure gestionis, por caracterizarem uma atividade
privada, notadamente na esfera comercial, seriam, pela sua natureza, atos
insusceptíveis de se beneficiarem de quaisquer imunidades apesar de
praticados por Estados soberanos.75
74
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. 75
MOREIRA LIMA, op. cit., p. 61.
50
Face a necessidade de evolução doutrinária, a prática jurídica de alguns
países promoveu a teoria da imunidade relativa ou restrita de jurisdição, a qual se
embasa na premissa de que no caso de atividades comerciais o Estado estrangeiro
não poderia se valer da imunidade, tendência esta adotada pelos tribunais europeus.
A legislação brasileira tem evoluído de acordo com a construção
jurisprudencial dos tribunais nacionais, tendendo no sentido da restrição da
imunidade jurisdicional dos Estados, mas, de forma geral, há o predomínio da tese
da imunidade jurisdicional absoluta. Por exemplo:
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO - RECLAMAÇÃO TRABALHISTA - LITÍGIO
ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO -
EVOLUÇÃO DO TEMA NA DOUTRINA, NA LEGISLAÇÃO COMPARADA E
NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DA
IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À IMUNIDADE JURISDICIONAL
MERAMENTE RELATIVA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO
CONHECIDO. OS ESTADOS ESTRANGEIROS NÃO DISPÕEM DE
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, PERANTE O PODER JUDICIÁRIO
BRASILEIRO, NAS CAUSAS DE NATUREZA TRABALHISTA, POIS ESSA
PRERROGATIVA DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO TEM
CARÁTER MERAMENTE RELATIVO. - O Estado estrangeiro não dispõe de
imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro,
quando se tratar de causa de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes do
STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644). - Privilégios diplomáticos não
podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o
enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável
detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de
essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o
princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito
internacional. O PRIVILÉGIO RESULTANTE DA IMUNIDADE DE
EXECUÇÃO NÃO INIBE A JUSTIÇA BRASILEIRA DE EXERCER
JURISDIÇÃO NOS PROCESSOS DE CONHECIMENTO INSTAURADOS
CONTRA ESTADOS ESTRANGEIROS. - A imunidade de jurisdição, de um
lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias
autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois - ainda que guardem
estreitas relações entre si - traduzem realidades independentes e distintas,
assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de
desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual
impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial
condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução,
não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante
Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados
51
estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza
trabalhista. Doutrina. Precedentes.76
O Supremo Tribunal Federal reconhece não ter mais como sustentar a regra
do Direito Internacional no que se refere à imunidade absoluta, face sua derrocada
frente as grandes democracias ocidentais, as quais passaram a adotar um novo
caminho.77
Afinal, não é justo deixar de responsabilizar o Estado estrangeiro, face a não
existência de imunidade absoluta quanto a ele, conforme segue:
A imunidade de execução é relativa e, quanto à de jurisdição, normalmente,
o juiz deve olhar para a natureza da matéria e retomar uma distinção – que
os administrativistas já tinham enterrado, entre os atos de império e os atos
de gestão, o que não é muito simples, mas útil – ou seja, deveríamos olhar
para a finalidade do bem. Se o bem é utilizado para uma finalidade
soberana, de império, seria imune à execução, do contrário, poderia ser
executado, penhorado, etc.78
No âmbito internacional a posição do governo brasileiro é de defesa da
doutrina da imunidade de jurisdição absoluta do Estado. Contudo, em 1985, nas
instruções à Missão junto à Organização dos Estados Americanos para a
participação brasileira no Grupo de Trabalho da Comissão de Assuntos Jurídicos e
Políticos do Conselho Permanente da OEA, “admitiu-se a inevitabilidade de certas
exceções ao princípio amplo da imunidade, mas que a delegação brasileira deveria
buscar reduzi-las ao mínimo”.79
76
RE 222368 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 30/04/2002, DJ 14-02-2003 PP-00070 EMENT VOL-02098-02 PP-00344. 77
REZEK, Francisco. A imunidade do Estado Estrangeiro à jurisdição local. O problema da execução na Justiça do Trabalho, Revista Synthesis, Direito do Trabalho Material e Processual, São Paulo, n. 22, jun.96. 78
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Id.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema imunidade e privilégios diplomáticos é bastante controverso, pois
além de abranger várias áreas do Direito (civil, penal, tributário, internacional, entre
outros), encontra-se intimamente ligado à tradição e à função precípua da
diplomacia: solução de conflitos e busca de paz. A história demonstrou que no
decorrer da evolução da carreira diplomática a essência negocial transformou-se, em
determinados momentos, em espionagem. Obviamente, o descrédito do cargo
diplomático e das Missões de Paz ficou latente pelos fatos ocorridos e por muitos
anos o corpo diplomático foi visto com ressalvas. Contudo, a diplomacia atualmente
inicia um novo ciclo na história da humanidade, onde tenderá a assumir o seu papel
na nova ordem internacional.
Importa salientar que os diplomatas possuem um novo objetivo face a
sociedade internacional ter se tornado uma sociedade eminentemente política e
econômica. Novos temas abrem espaço no âmbito mundial, como os blocos
geoeconômicos, a centralização da economia, problemas socioeconômicos e
ambientais.
É nesse cenário que o Direito Internacional tem que ser redimensionado,
visando regular o comportamento dos Estados nesta nova ordem, proporcionando
espaço para criação e elaboração de regimentos, métodos, políticas, princípios,
procedimentos e instituições para restabelecer a ordem e a justiça nas relações
internacionais.
O tema proposto de privilégios e imunidades diplomáticas expõe muito bem
a necessidade de reavaliação e o uso de bom senso, por parte dos Estados e seus
emissários, visando atuar de acordo com o princípio da reciprocidade. As
prerrogativas diplomáticas devem resguardar a função exercida, ou seja, a ênfase da
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diplomacia é transferida do indivíduo representante para a respectiva missão
diplomática, a qual inegavelmente limitará a imunidade pessoal.
Infelizmente, a adoção de leis e jurisprudências restritivas deve-se aos
abusos cometidos por alguns que se beneficiam das prerrogativas diplomáticas.
Muitas vezes, o desrespeito às leis do Estado acreditado provoca animosidade na
sociedade em relação ao agente diplomático, face o inconformismo de suas ações
delituosas se encontrarem impunes.
Observa-se, na verdade, que a preservação dos privilégios e imunidades
diplomáticas dependerá exclusivamente de cada país, no esforço de prevenir a
ocorrência de abusos que comprometam essas prerrogativas, a fim de evitar ações
que provoquem o seu progressivo cerceamento. Portanto, a tendência é que exista
uma política embasada em leis e normas pertinentes que desestimule práticas
irregulares, abrangendo não apenas o abuso do agente diplomático, mas
igualmente, de abusos provocados pelos Estados acreditantes ou praticados com o
seu aval.
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