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O ARGUMENTO DO AUDITRIO: O QUE DIZEM OS ALUNOS
SOBRE O ENSINO DE ARTE EM SUAS ESCOLAS?
Andrea Penteado De Menezes
Faculdade de Educao da UFRJ
Resumo
Nesse artigo apresento algumas concluses da tese de doutoramento intitulada O
Argumento do Auditrio: o que dizem os alunos sobre o ensino de arte em suas escolas?,
defendida na Faculdade de Educao da UFRJ em 2009. Partindo dos estudos de Cham
Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, que propem uma Nova Retrica como teoria quefundamente as verdades provisrias que se estabelecem atravs dos debates, proponho
pensarmos modos de introduzir os alunos nas discusses que estabelecem as normatizaes
escolares e, em especial, a construo dos currculos das disciplinas. Trago por premissa
que a atitude tica implica a garantia de participao dos vrios interlocutores interessados
em determinado tema nas discusses que os envolvem. Portanto, sendo o aluno um
beneficirio da instituio escolar, seria tico pensarmos modos de introduzi-lo nos debates
que ocorrem dentro das escolas. Assim, investigo as sugestes de duzentos e dez alunos das
redes pblica e privada do ensino fundamental do Rio de Janeiro, sobre os currculos de
arte em suas escolas, avaliando a contribuio que suas falas podem trazer para a
elaborao dessa disciplina. A teoria da Nova Retrica configura-se nesse estudo como
uma das metodologias possveis para que a participao dos alunos seja legitimada.
Palavras-chave: Nova Retrica, Currculo, Ensino de Arte.
Introduo
Em meus estudos tenho me reportado filosofia e ao campo do currculo para pensar
modos de tornar o ensino mais significativo para os estudantes e, neste processo, tenho
investido na hiptese de incentivar de modo cada vez mais legitimado a participao dos
discentes na formulao dos currculos que compem as diversas disciplinas escolares nas
construes formais, e at normativas, que envolvem o cotidiano escolar. Baseio meus
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estudos filosficos em Perelman & Olbrechts-Tyteca (2002) para pensar o dilogo como
forma tica dessa participao, e, no campo do currculo, em Goodson (1995) e Forquin
(1992), para analisar e compreender algumas configuraes scio-historicas que se
manifestam no formato curricular que hoje conhecemos nas escolas.
Perelman & Olbrechts-Tyteca em seu Tratado da Argumentao (2002), resgatam a
filosofia retrica de Aristteles e propem bases para uma nova retrica da
contemporaneidade. Os autores compreendem a retrica como uma filosofia que estuda os
argumentos que legitimam as verdades provisrias que se formam historicamente nas
sociedades, relativas a todo conhecimento que no demonstrativo.
Ao posicionar-me em relao ao universo escolar, observo a escola como uma
instituio que se configurou a partir do embate entre diversas teorias e posicionamentos
polticos, sem que possamos tom-la de modo inconteste. justamente por essacaracterstica que considero vlido colocarmos em pauta de discusso, constantemente, suas
formulaes, inclusive curriculares, evitando a submisso a um discurso autoritrio ou que
s se possa confrontar pela violncia. Como j coloquei, tenho considerado que tico na
escola seria discutir no somente a prpria tica com os alunos, mas todas as normas e
regulaes da instituio escolar, s quais, afinal, professores e estudantes so submetidos
(PENTEADO, 2009, p. 23). Para tanto, na teoria da Nova Retrica, o debate exige o
cumprimento de algumas premissas que garantam uma atitude tica entre os interlocutores.
Em primeiro, o reconhecimento de pares que dialogam, ou seja, a existncia de um orador e
de um auditrio; em segundo, de um acordo entre os interlocutores para que se estabelea a
comunicao, acordo este que firmado pelo orador, a partir de opinies aceitas por seu
auditrio, para que, ento, possa defender novas teses que as modifiquem ou as fortaleam.
Quando ocorre um debate argumentativo, fundamental que orador (aquele que apresenta
novas teses apreciao do auditrio) conhea, respeite e escute seu auditrio: o
importante na argumentao (...) o parecer daqueles a quem se dirige (2002, p.26).
Quando desdenhamos nossos interlocutores, ao invs de sermos ticos, garantindo a
discusso, damos espao para que surja a violncia como forma de soluo dos conflitos.
com base nessa premissa, considerando os alunos como interlocutores, que defendo sua
participao na formulao dos currculos.
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Por outro lado, Goodson (1995) e Forquin (1992) apontam para o fato de que, quanto
mais prximas do conhecimento cientfico acadmico, e quanto mais prximas das reas
que agregam valor simblico s profisses, mais poderosas tornam-se as disciplinas dentro
das escolas, de modo que poderamos conjecturar que o fortalecimento delas no se
beneficiaria de uma aproximao com os alunos j que, introduzir os estudantes nos
debates, coloc-los-ia como pares interlocutores do dilogo e presumiria estabelecer
diferentemente os poderes distribudos entre estes pares e o poder arregimentado para a
prpria disciplina.
Coloco estas questes iniciais porque estou consciente de que esta pesquisa apresenta
apenas uma contribuio parcial em relao s reflexes necessrias que precisam ser
estudadas se quisermos pensar uma escola tica e democrtica na qual haja a participao
legtima dos alunos nos debates.
A metodologia
Foi partindo desses questionamentos e proposies iniciais que realizei a pesquisa
que apresento nesse artigo, na qual apliquei questionrios a alunos do ensino fundamental
para que se colocassem em relao ao currculo da disciplina de arte em suas escolas uma
vez que a licenciatura em arte minha formao inicial , visando analisar no apenas suas
sugestes, mas a validade, em si, dessa aproximao.
inerente teoria da Nova Retrica no propor respostas totalizantes ou prescritivas
para as questes que analisa. Deste modo o objetivo deste trabalho foi o de analisar a fala
de um determinado recorte de alunos mais com o intuito de apresentar-se a si mesmo como
metodologia possvel para desenvolvermos currculos negociados em cada realidade
escolar, do que pretender uma normatizao daquilo que deveria ser um currculo de arte.
No mbito deste texto, estarei apresentando parte dos resultados da pesquisa emprica
e alguns pontos que me parecem relevantes de serem problematizados.
A pesquisa de campo consistiu-se na aplicao e anlise de questionrios, a alunos do
ensino bsico, compostos por seis questes que se referiam, em pares, aos seguintes motes:
1. O objeto arte; 2. Aprendizagem da arte e 3. Contedos curriculares em arte, conforme
apresento:
1) Descreva em algumas linhas o que se estuda nas aulas de arte.2) At o final do ano o que voc acha que ter aprendido nas aulas de arte?
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3) Como so as aulas de arte na escola? D um ou mais exemplos de aulas que vocteve.4) Descreva como foi alguma aula de arte que voc considerou especialmente boa.5) O que voc j estudou de arte com seu professor?6) O que voc sugeriria para se estudar nas aulas de arte?
Considerando que a LDB/96 (BRASIL, 1996) determina a obrigatoriedade da
disciplina, ministrada por um professor especialista, a partir do segundo ciclo do ensino
fundamental, delimitei meu objeto de estudo aos alunos recm-ingressos no currculo de
arte (atual 6 ano), para que eu pudesse registrar suas expectativas iniciais em relao
disciplina, e aos alunos que esto finalizando o ltimo ano do ensino fundamental (atual 9
ano), para ter a contrapartida daqueles que j passaram pelo programa completo.
Por residir e trabalhar na zona sul da cidade do Rio de Janeiro escolhi desenvolver a
pesquisa nessa regio, onde teria maior facilidade de aproximao com as instituiespesquisadas. Alm disso, apliquei a pesquisa em escolas da rede pblica e privada de
ensino para averiguar possveis desvios nos discursos dos alunos das distintas redes.
Partindo dessas escolhas, trabalhei com quatro escolas: duas escolas pblicas que tm se
destacado, segundo consulta informal a colegas professores que atuam na rede municipal de
ensino, pela qualidade do trabalho realizado em arte, s quais nominarei escola A e B; e
duas escolas privadas em que havia atuado como professora, o que facilitou aceite das
direes para a aplicao dos questionrios. Uma delas, escola C, localiza-se em um bairro
tradicional, de classe mdia, atendendo s famlias locais; a outra, escola D, rene alunos da
classe mdia alta e da classe alta carioca, oriundos de diferentes bairros da cidade. Nestas
escolas trabalhei com uma turma de cada uma das sries, em um total de quatro turmas de
6 ano e quatro turmas de 9 ano. Ao todo foram respondidos duzentos e dez questionrios.
Dada a caracterstica da teoria com que trabalho e do questionrio (que buscou
respostas qualitativas) no me preocupei com uma quantificao de dados que pudessem
ser considerados para uma posterior generalizao dos resultados com vista aplicao
imediata na docncia, mas considerei os nmeros que se destacaram por apontar
reincidncias marcantes em algumas respostas.
Alm disso, quero colocar que, na transcrio, a escrita dos alunos apresentada
entre aspas e foi respeitada em sua forma original, no havendo nenhum tipo de correo
gramatical e ortogrfica.
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Feito isso, procedi a uma anlise das estruturas argumentativas dos alunos, partindo
das categorias propostas por Perelman e Olbrechts-Tyteca em seu Tratado da
Argumentao (2002), o que s viria a aparecer ao longo da anlise.
Os nmeros significativos e o Argumento do Auditrio
Antes de adentrar os argumentos de alguns alunos, gostaria de chamar ateno para
peso das artes visuais, no ensino de arte, nas escolas pesquisadas. Nas escolas pblicas A e
B as aulas so ministradas por professores licenciados em artes visuais. J nas escolas
particulares, h mais de um professor e o ensino dividido entre as diferentes linguagens
estticas (cnicas, musicais e visuais). Com isto poderamos concluir que os alunos destas
escolas distribuiriam suas respostas entre estas linguagens, porm a primazia das artes
visuais, no entendimento do que vem a ser o ensino de arte, to marcante quanto nasescolas pblicas. Ressalto tambm que, em cerca de 70% das respostas, os alunos apontam
como mais significativas as aulas nas quais praticaram alguma linguagem, propondo, na
maioria, mais prticas para a disciplina. Por fim, a relao entre aquilo que os alunos
compreendem como sendo contedos especficos para o estudo de arte, aquilo que eles
propem para o currculo e o que eles dizem j terem estudado com seus professores,
muito estreita, o que evidencia nossa responsabilidade, como docentes, na formao das
opinies que nossos alunos possam ter sobre a disciplina.
Alunos do 6 ano
Estes alunos parecem ter suas opinies sobre os contedos de arte fundadas na
experincia concreta que a escola lhes proporciona, porm, eventualmente, ao sugerirem o
que gostariam de estudar tambm trazem algumas referncias de fora da rotina escolar.
Podemos observar que na escola A eles elencam contedos de desenho geomtrico
como componentes do currculo, provavelmente em funo desta instituio propor o
ensino da geometria. Um deles responde primeira pergunta enumerando cores primrias,secundrias, quentes, frias, ordinrias, tringulo, retngulo, quadrado etc... retas-enclinada
etc.... Na sexta questo, na qual lhe solicitado que sugira contedos para a disciplina,
ele apresenta um elenco muito prximo quele da primeira questo. A resposta de outro
aluno da mesma escola valoriza os estudos do desenho geomtrico justamente por serem
assuntos abordados dentro da instituio escolar: eu sugeriria que tivesse aulas de pintura
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e queria que tivesse os ngulos, porque uma das escolas que eu estudava, falava muito
sobre ngulos. O fato do aluno de ter tido acesso informao sobre ngulos atravs da
escola legitima este contedo, fazendo com que a instituio escolar surja como sujeito de
um argumento de autoridade, porm, ele agrega a possibilidade de estudar pintura,
contedo que no foi abordado na escola.
Na mesma instituio um dos alunos, que tambm coloca a geometria como contedo
estudado, ao ser indagado sobre suas sugestes para a disciplina, prope o estudo de obras
dos mestres da pintura. E ao descrever alguma aula de arte que considerou especialmente
boa, respondeu que foi no dia das Mes por causa do presente dos dia das Mes. Outro,
da mesma escola, cita a mesma aula, recorrendo ao argumento pragmtico1ao dizer (...)
foi muito legal fizemos um carto lindo!!! e sugere como contedos para as aulas:
Ensinar como desenhar direito, conhecer pinturas de pessoas como pintores clssicos,aprender a fazer pinturas, fazer mais trabalhos artesanais. As sugestes de ambos so
concretas e prticas, evocando um aprendizado imediato e, ainda, pressupondo uma
natureza essencial arte, j que entendem que h um modo de desenhar direito.
Essa caracterstica essencial ocorre tambm na escola B. Nesta escola no se trabalha
o desenho geomtrico, nem o conceito de arte como estudo da representao correta da
forma, seja pelo desenho artstico ou pela pintura. Ao falar sobre o que se estuda nas aulas
de arte, um dos alunos escreve: a desenhar.como pintar de maneira correta. Entretanto
nesta escola a proposta de ensino de arte se fundamenta nas manifestaes da arte
contempornea e, em especial, no ano em que foi aplicado o questionrio, 2006, em funo
da 27 Bienal de Arte de So Paulo, cujo tema foi Como viver junto, a professora
empenhou todos os alunos em um grande projeto interdisciplinar para a realizao de uma
exposio com o mesmo tema. Os alunos foram convidados a elaborar trabalhos em
diferentes linguagens artsticasinterferncias no ambiente, performances, arte conceitual,
construo de objetos, dana, entre outros. Justamente a montagem de uma instalao
realizada com barbante, proposta pela professora para introduzir os alunos no tema da
exposio, foi uma das aulas mais citadas como aula especialmente boa: eu tive uma
aula que todo mundo da escola enrolou e amarou um pedao de barbante e amarou um no
1Argumento no qual aprecia o acontecimento mediante suas conseqncias favorveis (PERELMAN &
OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 303).
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outro e boto na parede isso como viver junto. Essa do barbante essa ficou na memria.
Apesar do trabalho realizado nesta aula no oferecer modelos mais ou menos corretos de se
produzir arte, nem valorizar seu aspecto mais utilitrio, ao sugerir contedos para a
disciplina, este mesmo aluno escreve: como fazer coisa para casa com arte como porta
joias.
Este aspecto manufatureiro, concebido para o ensino das artes desde a virada do
sculo XIX para o sculo XX, no meio destes alunos parece conviver bem com outra
concepo de arte visual que se volta para a construo de significados sociais e levanta a
possibilidade de considerarmos trabalhar as matrias em seus diferentes vieses e
fundamentos, sem a necessidade de os polarizarmos em extremidades excludentes, mas que
sejam negociveis e intercambiveis, atendendo, tambm, s demandas estudantis e
permitindo uma melhor pedagogizao dos contedos.J nas escolas privadas, observo alunos que argumentam a favor do domnio da
linguagem e no propriamente a favor da serventia que o produto gerado em aula possa ter.
Na escola C onde os alunos tm aulas de msica com instrumentao em flauta doce, um
deles respondeu que uma aula especialmente boa foi a aula que eu aprendi o sib =
sibemol, que, foi o dia que eu aprendi a tocar a msica. isso a. Essa resposta sugere um
compromisso com a arte que se aproxima daquele que o artista busca em sua obra: domnio
da linguagem para poder se expressar. O mais importante, neste caso, foi desenvolver o
sopro para produzir a nota. Outros alunos da escola D tambm referenciam como aulas
especialmente boas aquelas nas quais desenvolveram elementos da linguagem visual e a
construo de significados novos em suas culturas. Cito dois alunos que, ao referirem-se a
uma mesma aula como especialmente boa, colocaram que foi a aula que ns fizemos uma
pintura gigante e legal, e tinha at a rocinha e, do outro aluno: foi quando ns fizemos
uma paisagem do Rio de Janeiro e botamos bonecos que ns mesmos fizemos, e ficou
muito legal. Essa resposta parece-me bem interessante pela incluso da Rocinha como
algo excepcional, o que supe que a arte permitiu a reordenao e re-significao de
elementos das experincias de vida.
As sugestes de contedos para se estudar em arte, nestas escolas privadas, tambm
se referem ao estudo das linguagens e seus elementos; aprender outras msicasna flauta;
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desenho, dana e tocar outros instrumentos; pintura, construo de objetos de argila,
maquetes feitas com material de barro..., etc.
Em todas as escolas, as sugestes se fundamentam em prticas que estes alunos j
vm tendo na classe e a referncia sobre a arte parece no ultrapassar as experincias
escolares. As respostas em geral mostram a relao entre o contedo estudado na escola e o
proposto pelas crianas. Nas situaes em que nas aulas h um vis utilitarista para a
aprendizagem da arte, estas prticas passam a ser a sugeridas pelos alunos; e nas escolas
que fundamentam seus ensinos no desenvolvimento de elementos formais para a expresso
artstica e para a construo de significados atravs da arte, os alunos sugerem mais destas
prticas. So poucas as respostas que do indcios de que estes alunos tm outras
convivncias com o universo artstico fora da escola. Por isso penso que deveramos
aprofundar nossos questionamentos quanto s bases filosficas de nossas aulas, e suapossvel pluralidade, j que a aprendizagem parece ocorrer como construo de um amplo
dilogo no qual, como docentes, acabamos por ocupar um papel central de oradores,
fornecendo as teses iniciais que fundamentaro os acordos com nossos alunos e suas
premissas posteriores.
Alunos do 9 ano
Os alunos do 9 ano parecem ter uma concepo de arte que ultrapassa a referncia
fundada apenas na experincia escolar. Um dos alunos da escola B ao relatar como so as
aulas de arte na escola coloca que so mais ou menos, porque na minha escola arte s
mexe com geometria, e na minha opinio arte tem que ser arte mesmo tipo pinturas,
quadros, desenhos, etc. Outro aluno, da escola privada C, respondeu que de significativo
sobre arte na escola no aprendeu muita coisa j que em seu entender a maioria das
escolas utiliza artes como um simples tampa buraco curricular, sem dar o devido valor a
matria, e se utiliza dela para impressionar os pais e deixar uma boa impresso da escola.
Na mesma escola, outro aluno refere-se da seguinte maneira a contedos que sugeriria para
o ensino de arte: Os contedos estudados so timos porm, deveriam desenvolv -los
mais ao longo do ano. Assim, teramos mais tempo para entendermos sua estrutura. Um
terceiro aluno, ainda, sugere o estudo de cinema, contedo que no trabalhado
regularmente nas aulas de arte da escola em que estuda.
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Estes alunos parecem compreender o currculo proposto por suas escolas como algo
que pode ser ampliado. Eles j somam outras referncias quelas oferecidas pela
experincia escolar e podem ampliar o dilogo, trazendo novas premissas e acordos para o
debate curricular.
A compreenso que eles tm da disciplina parece ser menos utilitria, pois evocam
tambm valores como o aprimoramento pessoal, o desenvolvimento da criatividade, etc.
Algumas das respostas dadas, quando lhes foi perguntado o que aprenderam de
significativo em arte durante os anos escolares, ilustram isto: aprimorei minha tcnica em
vrias coisas, de um aluno da escola D; com elas, aprendi a desenvolver a criatividade,
olhar artstico, aproveitar o que se tem de material ao seu redor para fazer objetos
interessantes, de um aluno da escola C; eu aprendi que desenhar faz bem para todos ns,
como pintar, desenhar, colar, recortar, aluno da escola A.Tambm merecem ateno algumas respostas quarta questo do questionrio, na
qual foi solicitado aos alunos que descrevessem alguma aula que tivessem considerado
especialmente boa por ter utilizado recursos interessantes. Assim, um dos alunos da escola
A relata que foi uma aula em que houve o uso do papelo. foi muito interessante porque
ns utilizamos um material que quase ningum usa e transformamos em arte. Um aluno da
escola C narra a seguinte aula: As aulas de artes cnicas, por utilizar recursos curiosos e
inusitados, como objetos e utenslios para criar histrias e permitir a imaginao aflorar, ao
mesmo tempo que ensina tudo que necessrio sem nem mesmo percebermos. Outro
aluno da mesma escola coloca: Concetrao, numa aula de artes em um outro colgio ns
treinamos concentrao antes de nos apresentar eu uso isso at hoje, e mais legal que voc
no precisa de quase nada para fazer isso, apenas imaginao.
Estas respostas tambm ajudam a reforar o pressuposto de que estes alunos
desenvolveram um entendimento sobre a arte que ultrapassa a compreenso da disciplina
como rea de fazeres concretos. Estes alunos esto avaliando tanto a arte, quanto o seu
ensino, a partir dos diferentes significados e valores que desenvolveram no apenas
dialogando com a prpria disciplina escolar.
possvel observar que a relao entre aquilo que j estudaram e aquilo que sugerem
como contedos para a disciplina j no to direta. Os alunos dos nono anos esto mais
aptos a sugerirem contedos novos, alm daqueles j vistos com seus professores. Um dos
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alunos da escola C quando sugere contedos para o currculo de arte, coloca: Todos os que
eu citei2, e se houvesse condies financeiras, cinema e fotografia tambm seria legal.
Outro aluno, da escola B, prope mais desenhos, mais coisas para estimular a
imaginao. A resposta de outro aluno, da escola D, foi: eu j sugeri muitas vezes, mas
acho que no ir acontecer, pois tem grandes chances de resultar em problemas. Algo
ligado a grafite, ou um aula sobre photoshop. Outro aluno da mesma escola sugere: mais
historia da arte e aplicao da mesma, mais uso de materiais diferentes evitando o lpis
normal e o papel normal.
Todos estes exemplos de contedos sugeridos pelos alunos esto apoiados nos
conhecimentos e saberes j adquiridos na escola, ou os reconhecem, mas tambm trazem
contribuies de suas experincias pessoais com arte que ocorreram fora da escola. H uma
riqueza de possibilidades, pois se podem ver sugestes bastante concretas e especficas nocampo do domnio das linguagens artsticas e tambm outras que visam o aprimoramento
de questes mais subjetivas de significao e interpretao da arte.
Problematizando e pensando possibilidades...
Os argumentos utilizados pelos alunos ao falarem sobre a disciplina de arte, quais
seus contedos especficos, as aprendizagens mais significativas que tiveram, bem como
suas sugestes, so argumentos de ligao que fundam a estrutura do real; ou seja,
argumentos que procuram a partir do caso particular, a lei ou estrutura que este revela
(PERELMAN, 1999, p. 119). Os alunos apiam-se em exemplos vivenciados, sobretudo
nas salas de aula, para compreenderem a disciplina, sintetiz-la e lanarem propostas.
Sobre esta forma de argumentao, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002, p. 399-407)
colocam que ela conta com os efeitos da inrcia j que o modelo tem como partida o
precedente a partir do qual se espera estabelecer uma nova regra. Em funo disso pode
parecer que haja certa imobilidade ou tendncia conservao dos acordos j estabelecidos;
entretanto, como apontam os autores, o argumento pelo modelo acarreta que haja um nvel
de desacordo sobre a matria em debate, ou no se justificaria evocar o exemplo para
estipular uma nova regra.
2O aluno refere-se aos contedos j citados nas respostas anteriores sobre o que estudou na escola.
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Por se apoiarem em modelos gerados pela prpria estrutura escolar, seria possvel
concluirmos ao final deste trabalho que no faz sentido trazer os alunos para debaterem o
currculo, mas noto que esta pesquisa pode implicar justamente o oposto: atravs dos
argumentos estudantis gostaria de trazer reflexo algumas questes.
Normalmente partimos da presuno de que sabemos as necessidades de nossos
alunos e que podemos pensar currculos ligados s suas realidades, porm sugiro que
devemos abrir espao para o debate a fim de confirmarmos ou no nossas presunes. Ora,
apenas 2% no total de alunos pesquisados responderam sexta questo (O que voc
sugeriria para se estudar nas aulas de arte?) dizendo que a proposta da escola j est tima.
Os demais tiveram sugestes a fazer, sendo que, destes, 90% usaram modelos de aulas,
atividades e contedos j experimentados na escola para tecer suas sugestes, porm
sempre partindo de um acordo parcial em relao ao que j foi visto e sugerindo ajustes noscontedos que podem ajudar a garantir um currculo mais significativo para os jovens.
Estes ajustes que poderiam, grosso modo, parecer insignificantes, na verdade so
contribuies possveis dos alunos que podem garantir uma construo tica e participativa
do currculo.
O que os questionrios nos mostram que a escola, e os adultos que formulam suas
propostas pedaggicas, carregam premissas e opinies sobre o ensino da arte e o iderio
formado neste consenso ponto de partida para a formao de opinies de nossos alunos,
da a inrcia e a sensao de que eles reforam o que j est dado. Acho, portanto,
interessante pensarmos ao menos trs questes: a primeira diz respeito a nossa
responsabilidade, no apenas como professores desta ou daquela disciplina especfica, mas
como sujeitos cujas concepes conceituais e filosficas sobre a cultura sero referncias
para a formao dos conceitos e valores de nossos alunos; a segunda refere-se a nossa
maior ou menor capacidade de estimular nossos alunos a perceberem o conhecimento em
um contexto que extrapola o escolar, para que possam trazer para a sala de aula outras
vivncias que eventualmente tenham no seu dia a dia; por fim poderamos pensar o quanto
estamos ou no preparados para aceitar e negociar o que nossos alunos esto propondo
trazer para dentro da escola.
Tendemos, pelo mesmo efeito da inrcia, a naturalizar aquilo que escolha e que
poderia ser discutido e revisto. Existe o risco de, pela imposio do modelo, o tomarmos
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pelo estatuto de fato, o que implica reduzir a construo do conhecimento prtica dos
saberes j legitimados, sem que criemos nada de novo nas diferentes reas do saber.
Portanto, podemos questionar a validade do modelo curricular com o qual vimos
trabalhando e redimension-lo de modo a compreend-lo no espao que lhe cabe: um
espao no qual sobre espao para que as pequenas mudanas, as novas propostas e as
diferenas surgidas nos debates possam vir a estabelecer-se.
Bibliografia
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Nacional . Braslia, 1996.
FORQUIN, Jean-Claude. Saberes escolares, imperativos didticos e dinmicas sociais.Teoria & Educao: Discurso pedaggico, cultura e poder, Porto Alegre, PannonicaEditora, n 5, p. 28-49, 1992.
GOODSON, Ivor F. Currculo: teoria e histria. Coleo Cincias sociais da educao.Petrpolis, RJ: Vozes, 1995, 7 edio.
PENTEADO, Andrea. tico discutir tica: pensando as possibilidades de introduziros alunos nos debates que organizam as instituies escolares . In OLIVEIRA & LINS(orgs.) tica e Educao: uma abordagem atual. Curitiba: Editora CRV, p.13-24, 2009.
PERELMAN, Cham. Imprio retrico: Retrica e Argumentao. Porto, Lisboa: AsaEditores, 1999.
PERELMAN, Cham & OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentao: ANova Retrica. So Paulo: Martins Fontes, 2002.