Endipe 2010 a Penteado

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    O ARGUMENTO DO AUDITRIO: O QUE DIZEM OS ALUNOS

    SOBRE O ENSINO DE ARTE EM SUAS ESCOLAS?

    Andrea Penteado De Menezes

    Faculdade de Educao da UFRJ

    Resumo

    Nesse artigo apresento algumas concluses da tese de doutoramento intitulada O

    Argumento do Auditrio: o que dizem os alunos sobre o ensino de arte em suas escolas?,

    defendida na Faculdade de Educao da UFRJ em 2009. Partindo dos estudos de Cham

    Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, que propem uma Nova Retrica como teoria quefundamente as verdades provisrias que se estabelecem atravs dos debates, proponho

    pensarmos modos de introduzir os alunos nas discusses que estabelecem as normatizaes

    escolares e, em especial, a construo dos currculos das disciplinas. Trago por premissa

    que a atitude tica implica a garantia de participao dos vrios interlocutores interessados

    em determinado tema nas discusses que os envolvem. Portanto, sendo o aluno um

    beneficirio da instituio escolar, seria tico pensarmos modos de introduzi-lo nos debates

    que ocorrem dentro das escolas. Assim, investigo as sugestes de duzentos e dez alunos das

    redes pblica e privada do ensino fundamental do Rio de Janeiro, sobre os currculos de

    arte em suas escolas, avaliando a contribuio que suas falas podem trazer para a

    elaborao dessa disciplina. A teoria da Nova Retrica configura-se nesse estudo como

    uma das metodologias possveis para que a participao dos alunos seja legitimada.

    Palavras-chave: Nova Retrica, Currculo, Ensino de Arte.

    Introduo

    Em meus estudos tenho me reportado filosofia e ao campo do currculo para pensar

    modos de tornar o ensino mais significativo para os estudantes e, neste processo, tenho

    investido na hiptese de incentivar de modo cada vez mais legitimado a participao dos

    discentes na formulao dos currculos que compem as diversas disciplinas escolares nas

    construes formais, e at normativas, que envolvem o cotidiano escolar. Baseio meus

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    estudos filosficos em Perelman & Olbrechts-Tyteca (2002) para pensar o dilogo como

    forma tica dessa participao, e, no campo do currculo, em Goodson (1995) e Forquin

    (1992), para analisar e compreender algumas configuraes scio-historicas que se

    manifestam no formato curricular que hoje conhecemos nas escolas.

    Perelman & Olbrechts-Tyteca em seu Tratado da Argumentao (2002), resgatam a

    filosofia retrica de Aristteles e propem bases para uma nova retrica da

    contemporaneidade. Os autores compreendem a retrica como uma filosofia que estuda os

    argumentos que legitimam as verdades provisrias que se formam historicamente nas

    sociedades, relativas a todo conhecimento que no demonstrativo.

    Ao posicionar-me em relao ao universo escolar, observo a escola como uma

    instituio que se configurou a partir do embate entre diversas teorias e posicionamentos

    polticos, sem que possamos tom-la de modo inconteste. justamente por essacaracterstica que considero vlido colocarmos em pauta de discusso, constantemente, suas

    formulaes, inclusive curriculares, evitando a submisso a um discurso autoritrio ou que

    s se possa confrontar pela violncia. Como j coloquei, tenho considerado que tico na

    escola seria discutir no somente a prpria tica com os alunos, mas todas as normas e

    regulaes da instituio escolar, s quais, afinal, professores e estudantes so submetidos

    (PENTEADO, 2009, p. 23). Para tanto, na teoria da Nova Retrica, o debate exige o

    cumprimento de algumas premissas que garantam uma atitude tica entre os interlocutores.

    Em primeiro, o reconhecimento de pares que dialogam, ou seja, a existncia de um orador e

    de um auditrio; em segundo, de um acordo entre os interlocutores para que se estabelea a

    comunicao, acordo este que firmado pelo orador, a partir de opinies aceitas por seu

    auditrio, para que, ento, possa defender novas teses que as modifiquem ou as fortaleam.

    Quando ocorre um debate argumentativo, fundamental que orador (aquele que apresenta

    novas teses apreciao do auditrio) conhea, respeite e escute seu auditrio: o

    importante na argumentao (...) o parecer daqueles a quem se dirige (2002, p.26).

    Quando desdenhamos nossos interlocutores, ao invs de sermos ticos, garantindo a

    discusso, damos espao para que surja a violncia como forma de soluo dos conflitos.

    com base nessa premissa, considerando os alunos como interlocutores, que defendo sua

    participao na formulao dos currculos.

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    Por outro lado, Goodson (1995) e Forquin (1992) apontam para o fato de que, quanto

    mais prximas do conhecimento cientfico acadmico, e quanto mais prximas das reas

    que agregam valor simblico s profisses, mais poderosas tornam-se as disciplinas dentro

    das escolas, de modo que poderamos conjecturar que o fortalecimento delas no se

    beneficiaria de uma aproximao com os alunos j que, introduzir os estudantes nos

    debates, coloc-los-ia como pares interlocutores do dilogo e presumiria estabelecer

    diferentemente os poderes distribudos entre estes pares e o poder arregimentado para a

    prpria disciplina.

    Coloco estas questes iniciais porque estou consciente de que esta pesquisa apresenta

    apenas uma contribuio parcial em relao s reflexes necessrias que precisam ser

    estudadas se quisermos pensar uma escola tica e democrtica na qual haja a participao

    legtima dos alunos nos debates.

    A metodologia

    Foi partindo desses questionamentos e proposies iniciais que realizei a pesquisa

    que apresento nesse artigo, na qual apliquei questionrios a alunos do ensino fundamental

    para que se colocassem em relao ao currculo da disciplina de arte em suas escolas uma

    vez que a licenciatura em arte minha formao inicial , visando analisar no apenas suas

    sugestes, mas a validade, em si, dessa aproximao.

    inerente teoria da Nova Retrica no propor respostas totalizantes ou prescritivas

    para as questes que analisa. Deste modo o objetivo deste trabalho foi o de analisar a fala

    de um determinado recorte de alunos mais com o intuito de apresentar-se a si mesmo como

    metodologia possvel para desenvolvermos currculos negociados em cada realidade

    escolar, do que pretender uma normatizao daquilo que deveria ser um currculo de arte.

    No mbito deste texto, estarei apresentando parte dos resultados da pesquisa emprica

    e alguns pontos que me parecem relevantes de serem problematizados.

    A pesquisa de campo consistiu-se na aplicao e anlise de questionrios, a alunos do

    ensino bsico, compostos por seis questes que se referiam, em pares, aos seguintes motes:

    1. O objeto arte; 2. Aprendizagem da arte e 3. Contedos curriculares em arte, conforme

    apresento:

    1) Descreva em algumas linhas o que se estuda nas aulas de arte.2) At o final do ano o que voc acha que ter aprendido nas aulas de arte?

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    3) Como so as aulas de arte na escola? D um ou mais exemplos de aulas que vocteve.4) Descreva como foi alguma aula de arte que voc considerou especialmente boa.5) O que voc j estudou de arte com seu professor?6) O que voc sugeriria para se estudar nas aulas de arte?

    Considerando que a LDB/96 (BRASIL, 1996) determina a obrigatoriedade da

    disciplina, ministrada por um professor especialista, a partir do segundo ciclo do ensino

    fundamental, delimitei meu objeto de estudo aos alunos recm-ingressos no currculo de

    arte (atual 6 ano), para que eu pudesse registrar suas expectativas iniciais em relao

    disciplina, e aos alunos que esto finalizando o ltimo ano do ensino fundamental (atual 9

    ano), para ter a contrapartida daqueles que j passaram pelo programa completo.

    Por residir e trabalhar na zona sul da cidade do Rio de Janeiro escolhi desenvolver a

    pesquisa nessa regio, onde teria maior facilidade de aproximao com as instituiespesquisadas. Alm disso, apliquei a pesquisa em escolas da rede pblica e privada de

    ensino para averiguar possveis desvios nos discursos dos alunos das distintas redes.

    Partindo dessas escolhas, trabalhei com quatro escolas: duas escolas pblicas que tm se

    destacado, segundo consulta informal a colegas professores que atuam na rede municipal de

    ensino, pela qualidade do trabalho realizado em arte, s quais nominarei escola A e B; e

    duas escolas privadas em que havia atuado como professora, o que facilitou aceite das

    direes para a aplicao dos questionrios. Uma delas, escola C, localiza-se em um bairro

    tradicional, de classe mdia, atendendo s famlias locais; a outra, escola D, rene alunos da

    classe mdia alta e da classe alta carioca, oriundos de diferentes bairros da cidade. Nestas

    escolas trabalhei com uma turma de cada uma das sries, em um total de quatro turmas de

    6 ano e quatro turmas de 9 ano. Ao todo foram respondidos duzentos e dez questionrios.

    Dada a caracterstica da teoria com que trabalho e do questionrio (que buscou

    respostas qualitativas) no me preocupei com uma quantificao de dados que pudessem

    ser considerados para uma posterior generalizao dos resultados com vista aplicao

    imediata na docncia, mas considerei os nmeros que se destacaram por apontar

    reincidncias marcantes em algumas respostas.

    Alm disso, quero colocar que, na transcrio, a escrita dos alunos apresentada

    entre aspas e foi respeitada em sua forma original, no havendo nenhum tipo de correo

    gramatical e ortogrfica.

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    Feito isso, procedi a uma anlise das estruturas argumentativas dos alunos, partindo

    das categorias propostas por Perelman e Olbrechts-Tyteca em seu Tratado da

    Argumentao (2002), o que s viria a aparecer ao longo da anlise.

    Os nmeros significativos e o Argumento do Auditrio

    Antes de adentrar os argumentos de alguns alunos, gostaria de chamar ateno para

    peso das artes visuais, no ensino de arte, nas escolas pesquisadas. Nas escolas pblicas A e

    B as aulas so ministradas por professores licenciados em artes visuais. J nas escolas

    particulares, h mais de um professor e o ensino dividido entre as diferentes linguagens

    estticas (cnicas, musicais e visuais). Com isto poderamos concluir que os alunos destas

    escolas distribuiriam suas respostas entre estas linguagens, porm a primazia das artes

    visuais, no entendimento do que vem a ser o ensino de arte, to marcante quanto nasescolas pblicas. Ressalto tambm que, em cerca de 70% das respostas, os alunos apontam

    como mais significativas as aulas nas quais praticaram alguma linguagem, propondo, na

    maioria, mais prticas para a disciplina. Por fim, a relao entre aquilo que os alunos

    compreendem como sendo contedos especficos para o estudo de arte, aquilo que eles

    propem para o currculo e o que eles dizem j terem estudado com seus professores,

    muito estreita, o que evidencia nossa responsabilidade, como docentes, na formao das

    opinies que nossos alunos possam ter sobre a disciplina.

    Alunos do 6 ano

    Estes alunos parecem ter suas opinies sobre os contedos de arte fundadas na

    experincia concreta que a escola lhes proporciona, porm, eventualmente, ao sugerirem o

    que gostariam de estudar tambm trazem algumas referncias de fora da rotina escolar.

    Podemos observar que na escola A eles elencam contedos de desenho geomtrico

    como componentes do currculo, provavelmente em funo desta instituio propor o

    ensino da geometria. Um deles responde primeira pergunta enumerando cores primrias,secundrias, quentes, frias, ordinrias, tringulo, retngulo, quadrado etc... retas-enclinada

    etc.... Na sexta questo, na qual lhe solicitado que sugira contedos para a disciplina,

    ele apresenta um elenco muito prximo quele da primeira questo. A resposta de outro

    aluno da mesma escola valoriza os estudos do desenho geomtrico justamente por serem

    assuntos abordados dentro da instituio escolar: eu sugeriria que tivesse aulas de pintura

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    e queria que tivesse os ngulos, porque uma das escolas que eu estudava, falava muito

    sobre ngulos. O fato do aluno de ter tido acesso informao sobre ngulos atravs da

    escola legitima este contedo, fazendo com que a instituio escolar surja como sujeito de

    um argumento de autoridade, porm, ele agrega a possibilidade de estudar pintura,

    contedo que no foi abordado na escola.

    Na mesma instituio um dos alunos, que tambm coloca a geometria como contedo

    estudado, ao ser indagado sobre suas sugestes para a disciplina, prope o estudo de obras

    dos mestres da pintura. E ao descrever alguma aula de arte que considerou especialmente

    boa, respondeu que foi no dia das Mes por causa do presente dos dia das Mes. Outro,

    da mesma escola, cita a mesma aula, recorrendo ao argumento pragmtico1ao dizer (...)

    foi muito legal fizemos um carto lindo!!! e sugere como contedos para as aulas:

    Ensinar como desenhar direito, conhecer pinturas de pessoas como pintores clssicos,aprender a fazer pinturas, fazer mais trabalhos artesanais. As sugestes de ambos so

    concretas e prticas, evocando um aprendizado imediato e, ainda, pressupondo uma

    natureza essencial arte, j que entendem que h um modo de desenhar direito.

    Essa caracterstica essencial ocorre tambm na escola B. Nesta escola no se trabalha

    o desenho geomtrico, nem o conceito de arte como estudo da representao correta da

    forma, seja pelo desenho artstico ou pela pintura. Ao falar sobre o que se estuda nas aulas

    de arte, um dos alunos escreve: a desenhar.como pintar de maneira correta. Entretanto

    nesta escola a proposta de ensino de arte se fundamenta nas manifestaes da arte

    contempornea e, em especial, no ano em que foi aplicado o questionrio, 2006, em funo

    da 27 Bienal de Arte de So Paulo, cujo tema foi Como viver junto, a professora

    empenhou todos os alunos em um grande projeto interdisciplinar para a realizao de uma

    exposio com o mesmo tema. Os alunos foram convidados a elaborar trabalhos em

    diferentes linguagens artsticasinterferncias no ambiente, performances, arte conceitual,

    construo de objetos, dana, entre outros. Justamente a montagem de uma instalao

    realizada com barbante, proposta pela professora para introduzir os alunos no tema da

    exposio, foi uma das aulas mais citadas como aula especialmente boa: eu tive uma

    aula que todo mundo da escola enrolou e amarou um pedao de barbante e amarou um no

    1Argumento no qual aprecia o acontecimento mediante suas conseqncias favorveis (PERELMAN &

    OLBRECHTS-TYTECA, 2002, p. 303).

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    outro e boto na parede isso como viver junto. Essa do barbante essa ficou na memria.

    Apesar do trabalho realizado nesta aula no oferecer modelos mais ou menos corretos de se

    produzir arte, nem valorizar seu aspecto mais utilitrio, ao sugerir contedos para a

    disciplina, este mesmo aluno escreve: como fazer coisa para casa com arte como porta

    joias.

    Este aspecto manufatureiro, concebido para o ensino das artes desde a virada do

    sculo XIX para o sculo XX, no meio destes alunos parece conviver bem com outra

    concepo de arte visual que se volta para a construo de significados sociais e levanta a

    possibilidade de considerarmos trabalhar as matrias em seus diferentes vieses e

    fundamentos, sem a necessidade de os polarizarmos em extremidades excludentes, mas que

    sejam negociveis e intercambiveis, atendendo, tambm, s demandas estudantis e

    permitindo uma melhor pedagogizao dos contedos.J nas escolas privadas, observo alunos que argumentam a favor do domnio da

    linguagem e no propriamente a favor da serventia que o produto gerado em aula possa ter.

    Na escola C onde os alunos tm aulas de msica com instrumentao em flauta doce, um

    deles respondeu que uma aula especialmente boa foi a aula que eu aprendi o sib =

    sibemol, que, foi o dia que eu aprendi a tocar a msica. isso a. Essa resposta sugere um

    compromisso com a arte que se aproxima daquele que o artista busca em sua obra: domnio

    da linguagem para poder se expressar. O mais importante, neste caso, foi desenvolver o

    sopro para produzir a nota. Outros alunos da escola D tambm referenciam como aulas

    especialmente boas aquelas nas quais desenvolveram elementos da linguagem visual e a

    construo de significados novos em suas culturas. Cito dois alunos que, ao referirem-se a

    uma mesma aula como especialmente boa, colocaram que foi a aula que ns fizemos uma

    pintura gigante e legal, e tinha at a rocinha e, do outro aluno: foi quando ns fizemos

    uma paisagem do Rio de Janeiro e botamos bonecos que ns mesmos fizemos, e ficou

    muito legal. Essa resposta parece-me bem interessante pela incluso da Rocinha como

    algo excepcional, o que supe que a arte permitiu a reordenao e re-significao de

    elementos das experincias de vida.

    As sugestes de contedos para se estudar em arte, nestas escolas privadas, tambm

    se referem ao estudo das linguagens e seus elementos; aprender outras msicasna flauta;

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    desenho, dana e tocar outros instrumentos; pintura, construo de objetos de argila,

    maquetes feitas com material de barro..., etc.

    Em todas as escolas, as sugestes se fundamentam em prticas que estes alunos j

    vm tendo na classe e a referncia sobre a arte parece no ultrapassar as experincias

    escolares. As respostas em geral mostram a relao entre o contedo estudado na escola e o

    proposto pelas crianas. Nas situaes em que nas aulas h um vis utilitarista para a

    aprendizagem da arte, estas prticas passam a ser a sugeridas pelos alunos; e nas escolas

    que fundamentam seus ensinos no desenvolvimento de elementos formais para a expresso

    artstica e para a construo de significados atravs da arte, os alunos sugerem mais destas

    prticas. So poucas as respostas que do indcios de que estes alunos tm outras

    convivncias com o universo artstico fora da escola. Por isso penso que deveramos

    aprofundar nossos questionamentos quanto s bases filosficas de nossas aulas, e suapossvel pluralidade, j que a aprendizagem parece ocorrer como construo de um amplo

    dilogo no qual, como docentes, acabamos por ocupar um papel central de oradores,

    fornecendo as teses iniciais que fundamentaro os acordos com nossos alunos e suas

    premissas posteriores.

    Alunos do 9 ano

    Os alunos do 9 ano parecem ter uma concepo de arte que ultrapassa a referncia

    fundada apenas na experincia escolar. Um dos alunos da escola B ao relatar como so as

    aulas de arte na escola coloca que so mais ou menos, porque na minha escola arte s

    mexe com geometria, e na minha opinio arte tem que ser arte mesmo tipo pinturas,

    quadros, desenhos, etc. Outro aluno, da escola privada C, respondeu que de significativo

    sobre arte na escola no aprendeu muita coisa j que em seu entender a maioria das

    escolas utiliza artes como um simples tampa buraco curricular, sem dar o devido valor a

    matria, e se utiliza dela para impressionar os pais e deixar uma boa impresso da escola.

    Na mesma escola, outro aluno refere-se da seguinte maneira a contedos que sugeriria para

    o ensino de arte: Os contedos estudados so timos porm, deveriam desenvolv -los

    mais ao longo do ano. Assim, teramos mais tempo para entendermos sua estrutura. Um

    terceiro aluno, ainda, sugere o estudo de cinema, contedo que no trabalhado

    regularmente nas aulas de arte da escola em que estuda.

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    Estes alunos parecem compreender o currculo proposto por suas escolas como algo

    que pode ser ampliado. Eles j somam outras referncias quelas oferecidas pela

    experincia escolar e podem ampliar o dilogo, trazendo novas premissas e acordos para o

    debate curricular.

    A compreenso que eles tm da disciplina parece ser menos utilitria, pois evocam

    tambm valores como o aprimoramento pessoal, o desenvolvimento da criatividade, etc.

    Algumas das respostas dadas, quando lhes foi perguntado o que aprenderam de

    significativo em arte durante os anos escolares, ilustram isto: aprimorei minha tcnica em

    vrias coisas, de um aluno da escola D; com elas, aprendi a desenvolver a criatividade,

    olhar artstico, aproveitar o que se tem de material ao seu redor para fazer objetos

    interessantes, de um aluno da escola C; eu aprendi que desenhar faz bem para todos ns,

    como pintar, desenhar, colar, recortar, aluno da escola A.Tambm merecem ateno algumas respostas quarta questo do questionrio, na

    qual foi solicitado aos alunos que descrevessem alguma aula que tivessem considerado

    especialmente boa por ter utilizado recursos interessantes. Assim, um dos alunos da escola

    A relata que foi uma aula em que houve o uso do papelo. foi muito interessante porque

    ns utilizamos um material que quase ningum usa e transformamos em arte. Um aluno da

    escola C narra a seguinte aula: As aulas de artes cnicas, por utilizar recursos curiosos e

    inusitados, como objetos e utenslios para criar histrias e permitir a imaginao aflorar, ao

    mesmo tempo que ensina tudo que necessrio sem nem mesmo percebermos. Outro

    aluno da mesma escola coloca: Concetrao, numa aula de artes em um outro colgio ns

    treinamos concentrao antes de nos apresentar eu uso isso at hoje, e mais legal que voc

    no precisa de quase nada para fazer isso, apenas imaginao.

    Estas respostas tambm ajudam a reforar o pressuposto de que estes alunos

    desenvolveram um entendimento sobre a arte que ultrapassa a compreenso da disciplina

    como rea de fazeres concretos. Estes alunos esto avaliando tanto a arte, quanto o seu

    ensino, a partir dos diferentes significados e valores que desenvolveram no apenas

    dialogando com a prpria disciplina escolar.

    possvel observar que a relao entre aquilo que j estudaram e aquilo que sugerem

    como contedos para a disciplina j no to direta. Os alunos dos nono anos esto mais

    aptos a sugerirem contedos novos, alm daqueles j vistos com seus professores. Um dos

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    alunos da escola C quando sugere contedos para o currculo de arte, coloca: Todos os que

    eu citei2, e se houvesse condies financeiras, cinema e fotografia tambm seria legal.

    Outro aluno, da escola B, prope mais desenhos, mais coisas para estimular a

    imaginao. A resposta de outro aluno, da escola D, foi: eu j sugeri muitas vezes, mas

    acho que no ir acontecer, pois tem grandes chances de resultar em problemas. Algo

    ligado a grafite, ou um aula sobre photoshop. Outro aluno da mesma escola sugere: mais

    historia da arte e aplicao da mesma, mais uso de materiais diferentes evitando o lpis

    normal e o papel normal.

    Todos estes exemplos de contedos sugeridos pelos alunos esto apoiados nos

    conhecimentos e saberes j adquiridos na escola, ou os reconhecem, mas tambm trazem

    contribuies de suas experincias pessoais com arte que ocorreram fora da escola. H uma

    riqueza de possibilidades, pois se podem ver sugestes bastante concretas e especficas nocampo do domnio das linguagens artsticas e tambm outras que visam o aprimoramento

    de questes mais subjetivas de significao e interpretao da arte.

    Problematizando e pensando possibilidades...

    Os argumentos utilizados pelos alunos ao falarem sobre a disciplina de arte, quais

    seus contedos especficos, as aprendizagens mais significativas que tiveram, bem como

    suas sugestes, so argumentos de ligao que fundam a estrutura do real; ou seja,

    argumentos que procuram a partir do caso particular, a lei ou estrutura que este revela

    (PERELMAN, 1999, p. 119). Os alunos apiam-se em exemplos vivenciados, sobretudo

    nas salas de aula, para compreenderem a disciplina, sintetiz-la e lanarem propostas.

    Sobre esta forma de argumentao, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002, p. 399-407)

    colocam que ela conta com os efeitos da inrcia j que o modelo tem como partida o

    precedente a partir do qual se espera estabelecer uma nova regra. Em funo disso pode

    parecer que haja certa imobilidade ou tendncia conservao dos acordos j estabelecidos;

    entretanto, como apontam os autores, o argumento pelo modelo acarreta que haja um nvel

    de desacordo sobre a matria em debate, ou no se justificaria evocar o exemplo para

    estipular uma nova regra.

    2O aluno refere-se aos contedos j citados nas respostas anteriores sobre o que estudou na escola.

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    Por se apoiarem em modelos gerados pela prpria estrutura escolar, seria possvel

    concluirmos ao final deste trabalho que no faz sentido trazer os alunos para debaterem o

    currculo, mas noto que esta pesquisa pode implicar justamente o oposto: atravs dos

    argumentos estudantis gostaria de trazer reflexo algumas questes.

    Normalmente partimos da presuno de que sabemos as necessidades de nossos

    alunos e que podemos pensar currculos ligados s suas realidades, porm sugiro que

    devemos abrir espao para o debate a fim de confirmarmos ou no nossas presunes. Ora,

    apenas 2% no total de alunos pesquisados responderam sexta questo (O que voc

    sugeriria para se estudar nas aulas de arte?) dizendo que a proposta da escola j est tima.

    Os demais tiveram sugestes a fazer, sendo que, destes, 90% usaram modelos de aulas,

    atividades e contedos j experimentados na escola para tecer suas sugestes, porm

    sempre partindo de um acordo parcial em relao ao que j foi visto e sugerindo ajustes noscontedos que podem ajudar a garantir um currculo mais significativo para os jovens.

    Estes ajustes que poderiam, grosso modo, parecer insignificantes, na verdade so

    contribuies possveis dos alunos que podem garantir uma construo tica e participativa

    do currculo.

    O que os questionrios nos mostram que a escola, e os adultos que formulam suas

    propostas pedaggicas, carregam premissas e opinies sobre o ensino da arte e o iderio

    formado neste consenso ponto de partida para a formao de opinies de nossos alunos,

    da a inrcia e a sensao de que eles reforam o que j est dado. Acho, portanto,

    interessante pensarmos ao menos trs questes: a primeira diz respeito a nossa

    responsabilidade, no apenas como professores desta ou daquela disciplina especfica, mas

    como sujeitos cujas concepes conceituais e filosficas sobre a cultura sero referncias

    para a formao dos conceitos e valores de nossos alunos; a segunda refere-se a nossa

    maior ou menor capacidade de estimular nossos alunos a perceberem o conhecimento em

    um contexto que extrapola o escolar, para que possam trazer para a sala de aula outras

    vivncias que eventualmente tenham no seu dia a dia; por fim poderamos pensar o quanto

    estamos ou no preparados para aceitar e negociar o que nossos alunos esto propondo

    trazer para dentro da escola.

    Tendemos, pelo mesmo efeito da inrcia, a naturalizar aquilo que escolha e que

    poderia ser discutido e revisto. Existe o risco de, pela imposio do modelo, o tomarmos

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    pelo estatuto de fato, o que implica reduzir a construo do conhecimento prtica dos

    saberes j legitimados, sem que criemos nada de novo nas diferentes reas do saber.

    Portanto, podemos questionar a validade do modelo curricular com o qual vimos

    trabalhando e redimension-lo de modo a compreend-lo no espao que lhe cabe: um

    espao no qual sobre espao para que as pequenas mudanas, as novas propostas e as

    diferenas surgidas nos debates possam vir a estabelecer-se.

    Bibliografia

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