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Page 1: FELICIDADE CLANDESTINA CLARICE LISPECTOR Professora Margarete

FELICIDADE CLANDESTINAFELICIDADE CLANDESTINA

CLARICE LISPECTORCLARICE LISPECTOR

Professora MargareteProfessora Margarete

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Vida e obraVida e obra

Clarice Lispector nasceu na Ucrânia em Clarice Lispector nasceu na Ucrânia em 1925 e morreu no Rio de Janeiro ao 52 1925 e morreu no Rio de Janeiro ao 52 anos de idade. anos de idade.

Veio para o Brasil com dois meses de Veio para o Brasil com dois meses de idade. Seus pais eram imigrantes russos. idade. Seus pais eram imigrantes russos. Até doze anos viveu em Recife onde Até doze anos viveu em Recife onde estudou até o início do curso secundário estudou até o início do curso secundário quando veio para o Rio de Janeiro.quando veio para o Rio de Janeiro.

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Enquanto cursava a Faculdade Nacional de Enquanto cursava a Faculdade Nacional de Direito, escrevia, hábito que adquirira desde Direito, escrevia, hábito que adquirira desde os seus 16 anos.os seus 16 anos.

Seu primeiro livro “Perto do Coração Seu primeiro livro “Perto do Coração Selvagem” publicado no ano em que se Selvagem” publicado no ano em que se formou em Direito, tinha 19 anos e formou em Direito, tinha 19 anos e trabalhava na mesma época como redatora trabalhava na mesma época como redatora da Agência Nacional.da Agência Nacional.

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Casa-se com um diplomata e acompanha o Casa-se com um diplomata e acompanha o marido à Europa onde vive por cinco anos.marido à Europa onde vive por cinco anos.

De 1952 a 1960, viveu nos Estados Unidos e De 1952 a 1960, viveu nos Estados Unidos e dessa data em diante residia no Rio de Janeiro dessa data em diante residia no Rio de Janeiro onde faleceu prematuramente em 1977.onde faleceu prematuramente em 1977.

““Somos criaturas que precisam mergulhar na Somos criaturas que precisam mergulhar na profundidade para lá respirar, como o peixe profundidade para lá respirar, como o peixe mergulha na água para respirar, só que minhas mergulha na água para respirar, só que minhas profundidades são no ar da noite. A noite é nosso profundidades são no ar da noite. A noite é nosso estado latente. E é tão úmida que nascem estado latente. E é tão úmida que nascem plantas.”plantas.”

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““Em casas as luzes se apagam para que se Em casas as luzes se apagam para que se ouçam mais nítidos os grilos, e para que os ouçam mais nítidos os grilos, e para que os gafanhotos andem sobre as folhas quase gafanhotos andem sobre as folhas quase sem as tocarem, as folhas, as folhas, as sem as tocarem, as folhas, as folhas, as folhas, _ na noite a ansiedade suave se folhas, _ na noite a ansiedade suave se transmite este através do oco do ar, o vazio transmite este através do oco do ar, o vazio é um meio de transporte.”é um meio de transporte.”

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característicascaracterísticas

Clarice Lispector é o principal nome da literatura Clarice Lispector é o principal nome da literatura Modernista de 1945, juntamente com Guimarães Modernista de 1945, juntamente com Guimarães Rosa.Rosa.

Seu estilo intimista, introspectivo, vasculha e Seu estilo intimista, introspectivo, vasculha e pesquisa o ser humano buscando entender o que pesquisa o ser humano buscando entender o que significa “estar no mundo”, o que se passa no significa “estar no mundo”, o que se passa no íntimo das pessoas e, principalmente no íntimo da íntimo das pessoas e, principalmente no íntimo da mulher.mulher.

Ela mesma afirma: “Ela mesma afirma: “não tem pessoas que cosem não tem pessoas que cosem para fora? Eu coso para dentro.”para fora? Eu coso para dentro.”

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Nesse mergulho e nessa busca do Nesse mergulho e nessa busca do serser em em oposição ao oposição ao não-sernão-ser, Clarice utiliza o , Clarice utiliza o fluxofluxo da da consciênciaconsciência, expressão não linear e às vezes , expressão não linear e às vezes ilógica do monólogo interior.ilógica do monólogo interior.

Seu mundo é abstrato e nebuloso como a mente Seu mundo é abstrato e nebuloso como a mente humana que ainda procura um significado para a humana que ainda procura um significado para a existência.existência.

Seus romances são, portanto, Seus romances são, portanto, predominantemente de ação interna, onde o predominantemente de ação interna, onde o mundo da realidade concreta é apenas entrevisto mundo da realidade concreta é apenas entrevisto em lampejos e frestas.em lampejos e frestas.

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Para Clarice Lispector o que interessa não é Para Clarice Lispector o que interessa não é o fato em si, mas a repercussão do fato no o fato em si, mas a repercussão do fato no indivíduo.indivíduo.

A linearidade narrativa, ou seja, a seqüência A linearidade narrativa, ou seja, a seqüência lógica de começo, meio e fim perde também lógica de começo, meio e fim perde também sua importância, pois ao desenrolar-se das sua importância, pois ao desenrolar-se das emoções e reações das personagens pouco emoções e reações das personagens pouco importam as origens ou as conclusões.importam as origens ou as conclusões.

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Resumo dos contosResumo dos contos

FELICIDADE CLANDESTINA: a narradora FELICIDADE CLANDESTINA: a narradora descreve a filha de um livreiro. Trata-se de uma descreve a filha de um livreiro. Trata-se de uma menina gorda, baixa, sardenta e de cabelos menina gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados, com excessivamente crespos, meio arruivados, com talento para a crueldade. Apesar de ter muitos talento para a crueldade. Apesar de ter muitos livros, não lê. A narradora, entretanto, adora ler. A livros, não lê. A narradora, entretanto, adora ler. A menina sardenta então diz que emprestaria o livro menina sardenta então diz que emprestaria o livro As Reinações de Narizinho, se a narradora fosse As Reinações de Narizinho, se a narradora fosse buscá-lo na casa.buscá-lo na casa.

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A narradora vai. Mas a dona do livro diz que o A narradora vai. Mas a dona do livro diz que o emprestou a outra menina. A partir daí, emprestou a outra menina. A partir daí, diariamente a narradora vai diariamente a narradora vai à casa da menina, na à casa da menina, na esperança de conseguir o livro que tanto quer ler, mas esperança de conseguir o livro que tanto quer ler, mas sempre há uma desculpa. Um dia, a mãe da menina de sempre há uma desculpa. Um dia, a mãe da menina de cabelos ruivos percebe a contínua presença da outra cabelos ruivos percebe a contínua presença da outra menina e vai à frente da casa. Lá descobre a filha que tem: menina e vai à frente da casa. Lá descobre a filha que tem: egoísta e cruel, pois o livro nunca saíra de casa. A egoísta e cruel, pois o livro nunca saíra de casa. A narradora o recebe e o usufrui aos poucos, como quem narradora o recebe e o usufrui aos poucos, como quem não quer gastar a felicidade. Sua relação com o livro mais não quer gastar a felicidade. Sua relação com o livro mais parece a de uma mulher com seu amante.parece a de uma mulher com seu amante.

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Miopia ProgressivaMiopia Progressiva

O narrador conta sobre um menino que usava óculos e O narrador conta sobre um menino que usava óculos e sobre sua relação com os familiares, que agiam segundo sobre sua relação com os familiares, que agiam segundo suas falas mais ou menos originais.suas falas mais ou menos originais.

Iria passar uma semana na casa de uma prima que não Iria passar uma semana na casa de uma prima que não tinha filhos. Passou os dias preparando-se, criando tinha filhos. Passou os dias preparando-se, criando expectativas, imaginando o “dia inteiro” que passaria com expectativas, imaginando o “dia inteiro” que passaria com ela e o amor inteiro que receberia. Surpreendeu-se, ela e o amor inteiro que receberia. Surpreendeu-se, porém, de início: ela tinha um dente de ouro e o deixou à porém, de início: ela tinha um dente de ouro e o deixou à vontade para brincar. A forma de amá-lo era deixá-lo viver vontade para brincar. A forma de amá-lo era deixá-lo viver e ele sentiu-se amado, e “e ele sentiu-se amado, e “foi como se a miopia passasse e foi como se a miopia passasse e ele visse claramente o mundo ou a miopia mesmo é que o ele visse claramente o mundo ou a miopia mesmo é que o fizesse enxergar.”fizesse enxergar.”

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Uma amizade sinceraUma amizade sincera

O narrador conta a história de sua amizade com um moço O narrador conta a história de sua amizade com um moço do Piauí. Diz do início entusiástico, das longas conversas, do Piauí. Diz do início entusiástico, das longas conversas, da necessidade de contato, que aos poucos se foi da necessidade de contato, que aos poucos se foi esvaindo, pela falta do que dizer.esvaindo, pela falta do que dizer.

A família do narrador mudou-se, então ele e o amigo foram A família do narrador mudou-se, então ele e o amigo foram morar juntos na casa vaga, mas apesar de unidos, morar juntos na casa vaga, mas apesar de unidos, sentiam-se sós. Eram sinceros um com o outro sempre. O sentiam-se sós. Eram sinceros um com o outro sempre. O amigo teve problemas com a Prefeitura; juntos lutaram amigo teve problemas com a Prefeitura; juntos lutaram pela solução. Venceram, mas estavam desiludidos. Não pela solução. Venceram, mas estavam desiludidos. Não percebiam que estar era também dar. Então o amigo percebiam que estar era também dar. Então o amigo voltou do Piauí e o narrador tirou férias.voltou do Piauí e o narrador tirou férias.

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Restos de carnavalRestos de carnaval

A narradora lembra a expectativa do carnaval, A narradora lembra a expectativa do carnaval, quando tinha oito anos, mesmo dele quase não quando tinha oito anos, mesmo dele quase não participando: ficava ao pé da porta com um lança-participando: ficava ao pé da porta com um lança-perfume e um saco de confete. Não a perfume e um saco de confete. Não a fantasiavam. Mas houve um carnaval diferente: fantasiavam. Mas houve um carnaval diferente: sobrou papel crepom cor-de-rosa da fantasia da sobrou papel crepom cor-de-rosa da fantasia da filha da vizinha, que resolveu premiar a menina filha da vizinha, que resolveu premiar a menina com as sobras de uma fantasia de rosa. Os com as sobras de uma fantasia de rosa. Os preparativos a deixaram tonta de felicidade. No preparativos a deixaram tonta de felicidade. No dia do carnaval, cabelos enrolados, fantasia no dia do carnaval, cabelos enrolados, fantasia no corpo... Só faltava pintar os lábios e o rosto, a corpo... Só faltava pintar os lábios e o rosto, a mãe adoeceu.mãe adoeceu.

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Destino impiedoso! Ela teve que correr à Destino impiedoso! Ela teve que correr à farmácia buscar remédio. Correu entre farmácia buscar remédio. Correu entre serpentinas e gritos de carnaval. Horas serpentinas e gritos de carnaval. Horas depois, a casa calma, a irmã a pintou, mas depois, a casa calma, a irmã a pintou, mas o encanto havia fugido. Pôs-se à porta, mas o encanto havia fugido. Pôs-se à porta, mas não se animava. Até que um menino de uns não se animava. Até que um menino de uns 12 anos lhe sorriu e jogou confete sobre sua 12 anos lhe sorriu e jogou confete sobre sua cabeça. Sentiu-se reconhecida. Enfim uma cabeça. Sentiu-se reconhecida. Enfim uma “rosa”.“rosa”.

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O grande passeioO grande passeio

Conta a história de uma velha: Conta a história de uma velha: Mocinha (Margarida), que vivia de esmolas no Rio Mocinha (Margarida), que vivia de esmolas no Rio

de Janeiro, mas era natural do Maranhão. Uma de Janeiro, mas era natural do Maranhão. Uma senhora a trouxera para ficar num asilo, mas a senhora a trouxera para ficar num asilo, mas a abandonou. Dormia agora num quartinho de abandonou. Dormia agora num quartinho de fundos de uma casa grande. A família que a fundos de uma casa grande. A família que a acolheu pouco a percebia, mas depois de um acolheu pouco a percebia, mas depois de um tempo resolveram livrar-se dela e a levaram a tempo resolveram livrar-se dela e a levaram a Petrópolis, onde morava um dos irmãos. Não Petrópolis, onde morava um dos irmãos. Não tiveram coragem de levá-la à casa do irmão, tiveram coragem de levá-la à casa do irmão, indicaram o caminho. indicaram o caminho.

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O irmão não a quis. (No decorrer desses O irmão não a quis. (No decorrer desses episódios, sabe-se que a Mocinha passeia episódios, sabe-se que a Mocinha passeia por Petrópolis, bebe água na fonte, escora-por Petrópolis, bebe água na fonte, escora-se numa árvore e morre.se numa árvore e morre.

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Perdoando DeusPerdoando Deus

A narradora ia feliz. Sentia-se acariciar A narradora ia feliz. Sentia-se acariciar Deus. Ia plena e maternal. Então quase Deus. Ia plena e maternal. Então quase pisou num rato morto e tudo se transformou: pisou num rato morto e tudo se transformou: apavorou-se, correu. Depois refletiu, quis apavorou-se, correu. Depois refletiu, quis ser lógica, entender o porquê do contraste. ser lógica, entender o porquê do contraste. Decepcionava-se com Deus que estragara Decepcionava-se com Deus que estragara seu momento sublime com aquela imagem seu momento sublime com aquela imagem nojenta.nojenta.

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Depois refletindo-se sobre si e sua vida, Depois refletindo-se sobre si e sua vida, seus “talvez” e suas certezas, percebe que seus “talvez” e suas certezas, percebe que inventou “Deus” como ser contrário a ela. inventou “Deus” como ser contrário a ela. Então percebe que se ela não quiser a si Então percebe que se ela não quiser a si mesma, a vida não fará sentido e enquanto mesma, a vida não fará sentido e enquanto “eu inventar Deus, Ele não existe.”“eu inventar Deus, Ele não existe.”

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Come, meu filhoCome, meu filho

Relata a conversa de uma criança, Relata a conversa de uma criança, Paulinho, com o pai ou mãe, na hora da Paulinho, com o pai ou mãe, na hora da refeição. Paulinho relata suas experiências, refeição. Paulinho relata suas experiências, sua forma de ver o mundo, é prolixo. O sua forma de ver o mundo, é prolixo. O adulto é sucinto e objetivo e quer que o filho adulto é sucinto e objetivo e quer que o filho coma e não fale.coma e não fale.

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tentaçãotentação

É uma cena lírica. A menina ruiva com soluço É uma cena lírica. A menina ruiva com soluço sentada nos degraus de sua casa em frente à rua. sentada nos degraus de sua casa em frente à rua. Ninguém passava. Sol. A menina segurava uma Ninguém passava. Sol. A menina segurava uma bolsa velha com a alça partida. Então se bolsa velha com a alça partida. Então se aproximou sua outra metade: da esquina vinha aproximou sua outra metade: da esquina vinha um cão “basset” ruivo, acompanhando uma um cão “basset” ruivo, acompanhando uma senhora. O cão estanca. Ambos se olham, se senhora. O cão estanca. Ambos se olham, se querem, se perdem, se identificam como se cada querem, se perdem, se identificam como se cada um fosse a metade de um inteiro.um fosse a metade de um inteiro.

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Entregues ao fascínio do reconhecimento. Entregues ao fascínio do reconhecimento. “Mas ambos eram comprometidos: ela com “Mas ambos eram comprometidos: ela com sua infância impossível, ele, com sua sua infância impossível, ele, com sua natureza aprisionada.” o “basset” ruivo natureza aprisionada.” o “basset” ruivo finalmente saiu sonâmbulo, sem voltar-se finalmente saiu sonâmbulo, sem voltar-se para a menina vermelha, que o para a menina vermelha, que o acompanhou com os olhos até dobrar a acompanhou com os olhos até dobrar a esquina.esquina.

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O ovo e a galinhaO ovo e a galinha

O ovo, tema do conto, parece também um subterfúgio. Às O ovo, tema do conto, parece também um subterfúgio. Às vezes parece ser a representação da vida, outras da vezes parece ser a representação da vida, outras da liberdade, ou a verdade, ou a opressão, ou algo para liberdade, ou a verdade, ou a opressão, ou algo para desviar a atenção da essência, ou a própria essência. desviar a atenção da essência, ou a própria essência. Após muitas considerações, algumas lógicas outras Após muitas considerações, algumas lógicas outras alucinantes e subjetivas, sobre o ovo, a narradora passa a alucinantes e subjetivas, sobre o ovo, a narradora passa a dizer de um “eles” indeterminado, que manipula, que dizer de um “eles” indeterminado, que manipula, que permite, que sugere, que instrui, que obriga, mas que não permite, que sugere, que instrui, que obriga, mas que não consegue eliminar totalmente a vontade e a consciência.consegue eliminar totalmente a vontade e a consciência.

A palavra, no conto, funciona como disfarce da realidade. A palavra, no conto, funciona como disfarce da realidade. Muitas e convertidas palavras geram contradições que Muitas e convertidas palavras geram contradições que escondem a verdade.escondem a verdade.

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Cem anos de PerdãoCem anos de Perdão

A narradora conta que quando menina, A narradora conta que quando menina, ficara fascinada por rosas e como começou ficara fascinada por rosas e como começou a roubá-las em jardins. Diz também que a roubá-las em jardins. Diz também que roubava pitangas e comia, pois elas roubava pitangas e comia, pois elas mesmas, maduras, pedem para serem mesmas, maduras, pedem para serem colhidas, “em vez de amadurecer e morrer colhidas, “em vez de amadurecer e morrer no galho, virgens.”no galho, virgens.”

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A Legião EstrangeiraA Legião Estrangeira

A narradora, mãe de quatro filhos, conta que A narradora, mãe de quatro filhos, conta que receberam de presente, em véspera de Natal, um receberam de presente, em véspera de Natal, um pinto. Isso trouxe a sua memória um fato antigo: a pinto. Isso trouxe a sua memória um fato antigo: a relação com Ofélia e seus pais, vizinhos de relação com Ofélia e seus pais, vizinhos de apartamento. A família de Ofélia mostrava-se apartamento. A família de Ofélia mostrava-se superior, mas um dia a menina Ofélia começou a superior, mas um dia a menina Ofélia começou a freqüentar a casa da narradora, que não atinava freqüentar a casa da narradora, que não atinava com o motivo, principalmente porque a menina, com o motivo, principalmente porque a menina, empertigada, censurava as ações da narradora.empertigada, censurava as ações da narradora.

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Um dia, perto da Páscoa, a narradora comprou Um dia, perto da Páscoa, a narradora comprou um pintinho para os filhos. Quando Ofélia soube um pintinho para os filhos. Quando Ofélia soube da presença do pinto, incentivada pela narradora, da presença do pinto, incentivada pela narradora, assumiu (transformou-se) a criança que sufocava assumiu (transformou-se) a criança que sufocava em si. Brincou com o bichinho e se fez silêncio no em si. Brincou com o bichinho e se fez silêncio no local. A narradora pôde trabalhar sossegada. local. A narradora pôde trabalhar sossegada. Ofélia finalmente foi embora. A narradora, então Ofélia finalmente foi embora. A narradora, então inquieta, constatou que o pinto ficava morto no inquieta, constatou que o pinto ficava morto no chão da cozinha.chão da cozinha.

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Os ObedientesOs Obedientes

Trata-se de um relato singular, que recria a rotina Trata-se de um relato singular, que recria a rotina desmotivadora de um casal, que vai vivendo por desmotivadora de um casal, que vai vivendo por viver, sem ter consciência nem de sua realidade viver, sem ter consciência nem de sua realidade medíocre, nem da realidade que os cerca. São medíocre, nem da realidade que os cerca. São pessoas anônimas, iguais a outras pessoas, que pessoas anônimas, iguais a outras pessoas, que se submetiam ao irremediável da vida. Raramente se submetiam ao irremediável da vida. Raramente percebiam algo diferente. A mulher, mais solitária percebiam algo diferente. A mulher, mais solitária e próxima do sonho, chegou a cogitar ter outro e próxima do sonho, chegou a cogitar ter outro homem. homem.

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O homem imaginou que a vida poderia ser O homem imaginou que a vida poderia ser os prazeres de muitas aventuras amorosas. os prazeres de muitas aventuras amorosas. Ela, porém, sob fantasia contínua, sentiu a Ela, porém, sob fantasia contínua, sentiu a vida mais alargada e complexa.vida mais alargada e complexa.

Um dia, ela se viu no espelho, com Um dia, ela se viu no espelho, com cinqüenta e tantos anos, um dente cinqüenta e tantos anos, um dente quebrado e jogou-se pela janela do quebrado e jogou-se pela janela do apartamento. Ele andava perplexo, como apartamento. Ele andava perplexo, como quem vai cair de bruços mais adiante.quem vai cair de bruços mais adiante.

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A Repartição dos PãesA Repartição dos Pães

Era sábado, os convidados para o almoço Era sábado, os convidados para o almoço não estavam à vontade. Cada um pensando não estavam à vontade. Cada um pensando no tempo perdido daquele encontro não no tempo perdido daquele encontro não desejado.desejado.

A dona da casa, porém, recebeu a todos A dona da casa, porém, recebeu a todos com prazer. Quando, finalmente, foram com prazer. Quando, finalmente, foram levados à sala de jantar, todos ficaram levados à sala de jantar, todos ficaram deslumbrados com a fartura e beleza da deslumbrados com a fartura e beleza da refeição preparada. Era algo que fascinava.refeição preparada. Era algo que fascinava.

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Era a oferta do melhor a quem ali estivesse, Era a oferta do melhor a quem ali estivesse, não importava quem. E todos comiam não importava quem. E todos comiam fartamente, sem culpa e sem gula, com o fartamente, sem culpa e sem gula, com o prazer do sabor do alimento, cativados pela prazer do sabor do alimento, cativados pela cordialidade honesta daquela ceia. Todos cordialidade honesta daquela ceia. Todos como um, repartindo o gozo e o pão.como um, repartindo o gozo e o pão.

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Uma EsperançaUma Esperança

O conto relata uma cena em família, quando um O conto relata uma cena em família, quando um inseto “esperança” pousa na parede, os filhos inseto “esperança” pousa na parede, os filhos vêem e exclamam. Descreve-se, então, a vêem e exclamam. Descreve-se, então, a fragilidade do inseto, sua sutileza, lerdeza, fragilidade do inseto, sua sutileza, lerdeza, incompetência... Como se falassem da outra incompetência... Como se falassem da outra esperança. Impedem que uma aranha coma o esperança. Impedem que uma aranha coma o inseto e tudo termina com a reflexão da mãe, a inseto e tudo termina com a reflexão da mãe, a narradora, que sentiu uma vez uma esperança narradora, que sentiu uma vez uma esperança pousando em seu braço e não soube o que fazer. pousando em seu braço e não soube o que fazer. Era como se uma flor nascera em sua pele, mas Era como se uma flor nascera em sua pele, mas depois não lembra o que aconteceu.depois não lembra o que aconteceu.

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MacacosMacacos

A narradora conta como, perto do Ano-Novo, um A narradora conta como, perto do Ano-Novo, um mico entrou em casa e lá permaneceu por uns mico entrou em casa e lá permaneceu por uns dias, com sua vivacidade e reboliços, até que dias, com sua vivacidade e reboliços, até que meninos do morro a livraram do suplício.meninos do morro a livraram do suplício.

Um ano depois, comprou na rua a Lisette, uma Um ano depois, comprou na rua a Lisette, uma macaquinha, pensando nos filhos. Lisette era macaquinha, pensando nos filhos. Lisette era calma até demais. Aí a mãe estranhou e calma até demais. Aí a mãe estranhou e descobriu que a calma era doença. No veterinário, descobriu que a calma era doença. No veterinário, com oxigênio e soro melhorou um pouco. Ficou com oxigênio e soro melhorou um pouco. Ficou com o veterinário para curá-la, mas morreu no dia com o veterinário para curá-la, mas morreu no dia seguinte para dó das crianças.seguinte para dó das crianças.

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Os Desastres de SofiaOs Desastres de Sofia

Sofia conta como, com nove anos, tornara-se o Sofia conta como, com nove anos, tornara-se o suplício do professor. Ela o irritava, provocava-o, suplício do professor. Ela o irritava, provocava-o, mas queria o seu bem, embora se sentisse odiada mas queria o seu bem, embora se sentisse odiada por ele. Ela não suportava vê-lo contendo-se para por ele. Ela não suportava vê-lo contendo-se para não expulsá-la da classe. Não gostava de estudar, não expulsá-la da classe. Não gostava de estudar, as alegrias dos dias a ocupavam.as alegrias dos dias a ocupavam.

Um dia tiveram que fazer uma composição a partir Um dia tiveram que fazer uma composição a partir de um relato do professor. Ela foi a primeira a de um relato do professor. Ela foi a primeira a terminar. Queria exibir-se, mas tirou de dentro de terminar. Queria exibir-se, mas tirou de dentro de si um final avesso à história ouvida.si um final avesso à história ouvida.

Page 33: FELICIDADE CLANDESTINA CLARICE LISPECTOR Professora Margarete

Durante o recreio voltou à sala para pegar algo e viu-se só Durante o recreio voltou à sala para pegar algo e viu-se só ante ao professor. Agora, sem a turma, sentia-se ante ao professor. Agora, sem a turma, sentia-se intimidada, ainda mais quando o professor a interpelou intimidada, ainda mais quando o professor a interpelou sobre o final do seu texto cujo conteúdo mencionava um sobre o final do seu texto cujo conteúdo mencionava um tesouro inesperado. Ela pensou que conseguiria enganar o tesouro inesperado. Ela pensou que conseguiria enganar o professor, pois inventava aquilo, e o mestre a olhava com professor, pois inventava aquilo, e o mestre a olhava com um sorriso, dizendo-lhe que ela era uma menina um sorriso, dizendo-lhe que ela era uma menina engraçada. Finalmente ela conseguiu livrar-se da situação engraçada. Finalmente ela conseguiu livrar-se da situação e saiu correndo pelo pátio até cansar, a cabeça não e saiu correndo pelo pátio até cansar, a cabeça não entendendo bem o que se passara. Por fim, compreendeu. entendendo bem o que se passara. Por fim, compreendeu. Apesar de tudo o que fizera ao professor, ele percebeu a Apesar de tudo o que fizera ao professor, ele percebeu a individualidade dela e reconheceu nela sua qualidade. individualidade dela e reconheceu nela sua qualidade. Quando ela se deu conta disso, sentiu-se pela primeira Quando ela se deu conta disso, sentiu-se pela primeira vez, amada.vez, amada.

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A criadaA criada

Descrição poética de Eremita, a criada que fazia Descrição poética de Eremita, a criada que fazia os serviços domésticos como alguém talhado os serviços domésticos como alguém talhado exatamente para aquilo. Parecia viver num mundo exatamente para aquilo. Parecia viver num mundo profundo e misterioso, mas sem a verdadeira profundo e misterioso, mas sem a verdadeira consciência da profundidade da floresta em que consciência da profundidade da floresta em que mergulhava. É verdade que comia o pão de modo mergulhava. É verdade que comia o pão de modo furtivo e que levava pequenas coisas da furtivo e que levava pequenas coisas da despensa, mas isso não chegava a perturbar.despensa, mas isso não chegava a perturbar.

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A MensagemA Mensagem

São quinze páginas em que Clarice privilegia a São quinze páginas em que Clarice privilegia a epifania (revelação). O conto relata o epifania (revelação). O conto relata o relacionamento de um rapaz (dezesseis anos) e relacionamento de um rapaz (dezesseis anos) e uma garota (dezessete). Estudam na mesma uma garota (dezessete). Estudam na mesma escola. Eles têm em comum a “angústia” e escola. Eles têm em comum a “angústia” e querem ser diferentes dos outros. No começo há querem ser diferentes dos outros. No começo há o encanto de se sentirem únicos, nem se o encanto de se sentirem únicos, nem se percebem masculino e feminino. Depois, viram percebem masculino e feminino. Depois, viram rotina seus encontros e fazem esforço para rotina seus encontros e fazem esforço para estarem juntos. estarem juntos.

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Após a última aula do último dia letivo, caminham juntos. Após a última aula do último dia letivo, caminham juntos. Terão que se separar, mas têm medo do mundo, sua Terão que se separar, mas têm medo do mundo, sua relação era uma espécie de proteção. Mas, prensados na relação era uma espécie de proteção. Mas, prensados na estreita calçada, entre um ônibus e uma casa velha estreita calçada, entre um ônibus e uma casa velha “angustiada”, libertam-se um do outro. Estão prontos para “angustiada”, libertam-se um do outro. Estão prontos para andar sozinhos. Despedem-se com um aperto de mãos. andar sozinhos. Despedem-se com um aperto de mãos. Ela se afasta fêmea, ele a vê distanciar-se seguro. Mas Ela se afasta fêmea, ele a vê distanciar-se seguro. Mas quando ela corre para pegar o ônibus, de repente, ele quando ela corre para pegar o ônibus, de repente, ele sente algo novo: sente falta da mulher. Em torno, tudo é sente algo novo: sente falta da mulher. Em torno, tudo é seco e ele está só e sem defesa, e diz: “mamãe.” seco e ele está só e sem defesa, e diz: “mamãe.”

Epifania: primeiro a descoberta do outro, que lhe parece Epifania: primeiro a descoberta do outro, que lhe parece um igual; depois a percepção de si mesmo, e novamente a um igual; depois a percepção de si mesmo, e novamente a solidão.solidão.

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Menino a Bico de PenaMenino a Bico de Pena

O narrador busca a visão da criança (do O narrador busca a visão da criança (do bebê) reconhecendo o mundo e o mostra bebê) reconhecendo o mundo e o mostra desse ângulo inusitado. As experiências do desse ângulo inusitado. As experiências do bebê, a baba, o sono, a mãe, o aconchego, bebê, a baba, o sono, a mãe, o aconchego, a solidão, a percepção das coisas, a a solidão, a percepção das coisas, a segurança da mãe, a fralda seca...segurança da mãe, a fralda seca...

É um conto sobre o qual é melhor não dizer, É um conto sobre o qual é melhor não dizer, mas ler.mas ler.

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Uma História de Tanto AmorUma História de Tanto Amor

Relata a relação de afeto que uma menina Relata a relação de afeto que uma menina dedicava a duas galinhas: Petrina e Petronilha. dedicava a duas galinhas: Petrina e Petronilha. Cuidava delas com muito carinho.Cuidava delas com muito carinho.

Um dia em que estava em casa de parentes, Um dia em que estava em casa de parentes, comeram Petronilha. Quando voltou e soube, comeram Petronilha. Quando voltou e soube, odiou quem participou da comilança, odiou quem participou da comilança, especialmente o pai. A mãe, porém, lhe disse que especialmente o pai. A mãe, porém, lhe disse que quando se comem os bichos, eles se incorporam quando se comem os bichos, eles se incorporam a nós e ficam mais parecidos com a gente.a nós e ficam mais parecidos com a gente.

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A menina teve outra galinha, já que Petrina A menina teve outra galinha, já que Petrina também morreu. O novo amor, Eponina, já também morreu. O novo amor, Eponina, já foi um amor mais realista. A menina já sabia foi um amor mais realista. A menina já sabia o fim das galinhas. Assim, quando mataram o fim das galinhas. Assim, quando mataram Eponina, comeu-a mais que os outros, por Eponina, comeu-a mais que os outros, por amor à galinha. Era uma menina feita para amor à galinha. Era uma menina feita para o amor. Então cresceu e aí havia os o amor. Então cresceu e aí havia os homens.homens.

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As águas do mundoAs águas do mundo

Relata o banho matinal de uma mulher no Relata o banho matinal de uma mulher no mar. Este a mais ininteligível das mar. Este a mais ininteligível das existências não humanas; aquela, o mais existências não humanas; aquela, o mais ininteligível de todos os seres vivos.ininteligível de todos os seres vivos.

O conto mostra a integração de um no O conto mostra a integração de um no outro: ela dentro do mar, ele dentro dela aos outro: ela dentro do mar, ele dentro dela aos goles.goles.

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A Quinta HistóriaA Quinta História

De como se vai do simples para o complexo. Ou De como se vai do simples para o complexo. Ou de como matar baratas pode significar mais que de como matar baratas pode significar mais que apenas matá-las.apenas matá-las.

São cinco versões para o mesmo fato: matar São cinco versões para o mesmo fato: matar baratas. Na primeira, apenas as mata com uma baratas. Na primeira, apenas as mata com uma mistura de açúcar, farinha e gesso. A segunda mistura de açúcar, farinha e gesso. A segunda versão torna-se assassinato, pois entra o desejo, versão torna-se assassinato, pois entra o desejo, o rancor, o método para matá-las. A terceira o rancor, o método para matá-las. A terceira história se detém mais no efeito: as baratas história se detém mais no efeito: as baratas mortas, enrijecidas como estátuas em Pompéia.mortas, enrijecidas como estátuas em Pompéia.

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A quarta narrativa imagina a possibilidade A quarta narrativa imagina a possibilidade de refazer esse ritual todas as noites, então de refazer esse ritual todas as noites, então opta por uma dedetização em vez de tornar-opta por uma dedetização em vez de tornar-se prisioneira do vício. A quinta versão é só se prisioneira do vício. A quinta versão é só sugerida pelo título: “ Leibnitz e a sugerida pelo título: “ Leibnitz e a Transcendência do Amor na Polinésia.”Transcendência do Amor na Polinésia.”

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Encarnação InvoluntáriaEncarnação Involuntária

Pela observação, a narradora encarna na Pela observação, a narradora encarna na pessoa observada, aí compreende-lhe os pessoa observada, aí compreende-lhe os motivos e a perdoa.motivos e a perdoa.

Foi assim que no avião encarnou na Foi assim que no avião encarnou na missionária e lhe percebeu a auto-anulação. missionária e lhe percebeu a auto-anulação. Vê-se o contraste e o embate das duas Vê-se o contraste e o embate das duas personalidades: o recato de uma, o desejo personalidades: o recato de uma, o desejo da outra.da outra.

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A narradora chega a ver-se, desde que nasceu, A narradora chega a ver-se, desde que nasceu, como encarnações de outros, mas às vezes como encarnações de outros, mas às vezes sente-se tomada pelo próprio fantasma e isso é sente-se tomada pelo próprio fantasma e isso é um festa para ela.um festa para ela.

Uma vez, também em viagem, encontrou uma Uma vez, também em viagem, encontrou uma prostituta perfumadíssima que hipnotizava um prostituta perfumadíssima que hipnotizava um homem. Tentou imitá-la ante o homem ao alcance homem. Tentou imitá-la ante o homem ao alcance de sua visão. Mas o homem lia o New York Times de sua visão. Mas o homem lia o New York Times e o perfume dela é discreto. Não deu certo.e o perfume dela é discreto. Não deu certo.

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Duas Histórias a Meu ModoDuas Histórias a Meu Modo

O narrador diz ter feito um “exercício de escrever” e tomou O narrador diz ter feito um “exercício de escrever” e tomou como base uma história de Marcel Aymé.como base uma história de Marcel Aymé.

Félicien, dono de vinhedos, não gostava de vinho. Aliás, Félicien, dono de vinhedos, não gostava de vinho. Aliás, seus vinhedos eram os melhores da região. Félicien não seus vinhedos eram os melhores da região. Félicien não podia demonstrar o que sentia sobre o vinho, e, auxiliado podia demonstrar o que sentia sobre o vinho, e, auxiliado pela mulher, fingia. Então Aymé pára essa história e em pela mulher, fingia. Então Aymé pára essa história e em Paris conta sobre Etienne Duvilé, funcionário público, Paris conta sobre Etienne Duvilé, funcionário público, pobre, que gosta de mesa farta e vinho, e não os tem.pobre, que gosta de mesa farta e vinho, e não os tem.

Tinha uma sede tamanha que quase mata o sogro Tinha uma sede tamanha que quase mata o sogro parasita. Duvilé enlouquece e no sanatório só bebe água.parasita. Duvilé enlouquece e no sanatório só bebe água.

Enquanto isso, Félicien pegou gosto pelo vinho.Enquanto isso, Félicien pegou gosto pelo vinho.

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O Primeiro BeijoO Primeiro Beijo

Iniciava-se o namoro e com ele o ciúme. Ela quis Iniciava-se o namoro e com ele o ciúme. Ela quis saber se ele havia beijado uma mulher antes dela. saber se ele havia beijado uma mulher antes dela. Ele diz que sim. Ela quer saber quem. Ele tenta Ele diz que sim. Ela quer saber quem. Ele tenta contar.contar.

Ele, garoto, ia numa excursão, com ônibus, serra Ele, garoto, ia numa excursão, com ônibus, serra acima. Gritos, farra, risos, falas... Garganta seca e acima. Gritos, farra, risos, falas... Garganta seca e nem sombra de água. O jeito era juntar saliva e nem sombra de água. O jeito era juntar saliva e engolir. Não tirava a sede. Sol do meio-dia, sem engolir. Não tirava a sede. Sol do meio-dia, sem brisa. A sede enorme. brisa. A sede enorme.

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Finalmente o ônibus parou num chafariz de pedra. Finalmente o ônibus parou num chafariz de pedra. Conseguiu correr e ser o primeiro. Olhos fechados, Conseguiu correr e ser o primeiro. Olhos fechados, entreabriu os lábios e colou-os ao orifício donde vertia entreabriu os lábios e colou-os ao orifício donde vertia água. Que delícia! Era a vida voltando. Já podia abrir os água. Que delícia! Era a vida voltando. Já podia abrir os olhos. Aí, viu junto da cara dois olhos de estátua de olhos. Aí, viu junto da cara dois olhos de estátua de mulher. Era da boca da mulher que jorrava a água. mulher. Era da boca da mulher que jorrava a água. Confuso na sua inocência, olhou a estátua nua. Ele a Confuso na sua inocência, olhou a estátua nua. Ele a havia beijado. Ficou vermelho, perturbado no meio dos havia beijado. Ficou vermelho, perturbado no meio dos outros, sentindo o mundo se transformar, e algo novo outros, sentindo o mundo se transformar, e algo novo acontecendo: teve sua primeira ereção e de repente se acontecendo: teve sua primeira ereção e de repente se encheu de orgulho, pois se tornara homem.encheu de orgulho, pois se tornara homem.

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Clarice Lispector pertence a geração Modernista Clarice Lispector pertence a geração Modernista de 1945.de 1945.

De 1945 aos nossos dias tem-se a Literatura De 1945 aos nossos dias tem-se a Literatura Contemporânea.Contemporânea.

A geração de 45 caracteriza-se essencialmente A geração de 45 caracteriza-se essencialmente pela pesquisa em torno da linguagem.pela pesquisa em torno da linguagem.

Durante o período de 1930 a 1945, tanto a Durante o período de 1930 a 1945, tanto a literatura quanto as artes plásticas no Brasil foram literatura quanto as artes plásticas no Brasil foram essencialmente ideológicas, voltadas para a essencialmente ideológicas, voltadas para a discussão dos problemas brasileiros.discussão dos problemas brasileiros.

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Em 1945 terminou a Segunda Guerra Mundial e, Em 1945 terminou a Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, a ditadura de Vargas. O mundo passou no Brasil, a ditadura de Vargas. O mundo passou a viver a Guerra Fria, e o Brasil, um período a viver a Guerra Fria, e o Brasil, um período democrático e de acelerado desenvolvimento, que democrático e de acelerado desenvolvimento, que chegaria à euforia no governo de Jucelino chegaria à euforia no governo de Jucelino Kubitschek (1956 – 1961)Kubitschek (1956 – 1961)

Menos exigidos social e politicamente, os artistas Menos exigidos social e politicamente, os artistas empreendiam uma pesquisa estética em busca de empreendiam uma pesquisa estética em busca de novas formas de expressão.novas formas de expressão.

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Na literatura, ao lado de obras que Na literatura, ao lado de obras que mantinham certa preocupação social e mantinham certa preocupação social e davam continuidade até ao regionalismo, davam continuidade até ao regionalismo, começaram a se destacar produções começaram a se destacar produções literárias em que a grande novidade era a literárias em que a grande novidade era a pesquisa em torno da própria linguagem pesquisa em torno da própria linguagem literária.literária.

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A poesia de 45 trouxe ao cenário das A poesia de 45 trouxe ao cenário das discussões literárias a seguinte proposição: discussões literárias a seguinte proposição: a poesia é a arte da palavraa poesia é a arte da palavra. Esse princípio . Esse princípio implicava a alteração de pontos de vista da implicava a alteração de pontos de vista da poesia de 30, que já tinha sido social, poesia de 30, que já tinha sido social, política, religiosa, filosófica...política, religiosa, filosófica...

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Na prosa retoma e aprofunda a sondagem Na prosa retoma e aprofunda a sondagem psicológica que já vinha sendo psicológica que já vinha sendo desenvolvida, especialmente por autores desenvolvida, especialmente por autores como Mário de Andrade e Graciliano como Mário de Andrade e Graciliano Ramos. É o que se verifica, por exemplo, Ramos. É o que se verifica, por exemplo, nos contos e romances de nos contos e romances de CLARICE CLARICE LISPECTOR E LYGIA FAGUNDES LISPECTOR E LYGIA FAGUNDES TELLES.TELLES.

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Clarice LispectorClarice Lispector

Introduzia em nossa literatura novas técnicas de Introduzia em nossa literatura novas técnicas de expressão, que obrigavam a uma visão de expressão, que obrigavam a uma visão de critérios avaliativos. Sua narrativa subverte com critérios avaliativos. Sua narrativa subverte com freqüência a estrutura dos tradicionais gêneros freqüência a estrutura dos tradicionais gêneros narrativos (o conto, a novela, o romance), quebra narrativos (o conto, a novela, o romance), quebra a seqüência “começo, meio e fim”, assim como a a seqüência “começo, meio e fim”, assim como a ordem cronológica, e funde a prosa à poesia ao ordem cronológica, e funde a prosa à poesia ao fazer uso constante de imagens, metáforas, fazer uso constante de imagens, metáforas, antítese, símbolos, sonoridade etc.antítese, símbolos, sonoridade etc.

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Fluxo da consciência epifaniaFluxo da consciência epifania

Aspecto inovador da prosa de Clarice é o fluxo de Aspecto inovador da prosa de Clarice é o fluxo de consciência, uma experiência mais radical do que consciência, uma experiência mais radical do que a introspecção psicológica, já praticada por vários a introspecção psicológica, já praticada por vários escritores desde o Realismo no século XIX.escritores desde o Realismo no século XIX.

Muitas vezes, além do fluxo de consciência, as Muitas vezes, além do fluxo de consciência, as personagens de Clarice vivem também um personagens de Clarice vivem também um processo epifânico. ( o termo epifania tem sentido processo epifânico. ( o termo epifania tem sentido religioso, significando “revelação”.) esse processo religioso, significando “revelação”.) esse processo pode ser irrompido a partir de fatos banais do pode ser irrompido a partir de fatos banais do cotidiano: um encontro, um beijo, um olhar, um cotidiano: um encontro, um beijo, um olhar, um susto.susto.

Page 55: FELICIDADE CLANDESTINA CLARICE LISPECTOR Professora Margarete

A personagem, mergulhada num fluxo de A personagem, mergulhada num fluxo de consciência, passa a ver o mundo e a si consciência, passa a ver o mundo e a si mesma de outro modo. É como se tivesse mesma de outro modo. É como se tivesse tido, de fato, uma revelação e, a partir dela, tido, de fato, uma revelação e, a partir dela, passasse a ter uma visão mais aprofundada passasse a ter uma visão mais aprofundada da vida, das pessoas, das relações da vida, das pessoas, das relações humanas etc.humanas etc.

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Esses momentos epifânicos são Esses momentos epifânicos são dilacerantes e dão origem a rupturas de dilacerantes e dão origem a rupturas de valores, questionamentos filosóficos e valores, questionamentos filosóficos e existenciais, permitindo a aproximação de existenciais, permitindo a aproximação de realidades opostas, tais como nascimento e realidades opostas, tais como nascimento e morte, bem e mal, amor e ódio, matar ou morte, bem e mal, amor e ódio, matar ou morrer por amor, seduzir e ser seduzido etc.morrer por amor, seduzir e ser seduzido etc.

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