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4. PROCEDIMENTO ESPECIAL DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

4.1. Fundamentos do tribunal do júri

A doutrina diverge quanto à origem do tribunal do júri. No Brasil, a Constituição de 1988 assegura que o tribunal popular julgará os crimes dolosos contra a vida, prevendo a possibilidade de que seja sua compe-tência ampliada por lei. No contexto mundial, a organização e competên-cia do tribunal do júri variam em conformidade com o sistema adotado em cada país. A idéia do tribunal popular é a de que os casos importan-tes sejam julgados por pessoas que formam a comunidade, tal como o acusado seja parte desta, vale dizer, a noção que se tem do júri popular é a de que o julgamento se dê pelos pares do réu.

A origem do tribunal do júri é visualizada tanto na Grécia como em Roma, havendo quem veja um fundamento divino para a legitimidade desse órgão. Sob essa inspiração, o julgamento de Jesus Cristo, mal-grado desprovido das garantias mínimas de defesa, é lembrado como um processo com características que se assemelham ao júri. De lado as controvérsias sobre a origem, a maior parte da doutrina indica como raiz do tribunal do júri a Magna Carta da Inglaterra, de 1215, bem como seu antecedente mais recente, a Revolução Francesa de 1789.

No Brasil, desde a Constituição Imperial de 1822, o tribunal popular é órgão com competência para julgar crimes que afetam determinados bens jurídicos, em especial, os crimes contra a vida. A única Constitui-ção que não trouxe previsão do tribunal popular foi a Carta de 1937, que foi outorgada e inaugurou um período ditatorial, instaurando-se dúvida quanto a sua subsistência até o ano de 193818. Com a Constituição do Brasil de 1988, o tribunal do júri foi confirmado como direito e garantia fundamental. Garantia de sujeição ao tribunal popular, nos crimes de sua competência, para atendimento ao devido processo legal. E direito, conferido de forma ampla, de participar da atividade do Judiciário, na condição de jurado (juízes leigos). Partilhamos portanto, do magistério de Guilherme Nucci, que sustenta: “não deixamos de visualizar no júri, em segundo plano, mas não menos importante, um direito individual, consistente na possibilidade que o cidadão de bem possui de partici-

18. ARAÚJO, Gladston Fernandes de. Tribunal do júri: uma análise processual à luz da Constituição Federal. Niterói: Impetus, 2004. p.13.

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par, diretamente, dos julgados do Poder Judiciário. Em síntese: o júri é uma garantia individual, precipuamente,mas também um direito indivi-dual. Constitui cláusula pétrea na Constituição Federal (cf. art. 60, § 4º, IV)”19.

4.2. Princípio reitores

A Constituição, em seu art. 5º, inc. XXXVIII, assenta os princípios do tribunal popular: (1) plenitude de defesa; (2) o sigilo das votações; (3) a soberania dos veredictos; e, (4) a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida.

A plenitude de defesa revela uma dupla faceta, afinal, a defesa está dividida em técnica e autodefesa. A primeira, de natureza obrigatória, é exercida por profissional habilitado, ao passo que a última é uma facul-dade do imputado, que pode valer-se do direito ao silêncio. Prevalece no júri a possibilidade não só da utilização de argumentos técnicos, mas também de natureza sentimental, social e até mesmo de política crimi-nal, no intuito de convencer o corpo de jurados. E se o réu, no interroga-tório em plenário, apresenta tese defensiva distinta do seu advogado? Entendemos que as duas devem ser levadas à votação dos jurados, apesar do STF já ter se manifestado que devem ser quesitadas apenas as teses sustentadas pela defesa técnica, dando evidente prevalência a esta última20.3

Com a recente reforma do procedimento do júri, o quesito obrigatório sobre se o réu deve ser absolvido, gizado no inciso III, do art. 483, CPP (com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008), fi ndou por abranger tanto a tese do acusado quanto a do seu advogado. Com efeito, o §2º, do art. 483, CPP, corrobora essa conclusão, ao impor que, mesmo que tenha o júri afi rmado a materialidade e a autoria do fato (nos dois primeiros que-sitos), deve ser formulado quesito específi co com a seguinte redação: “o jurado absolve o acusado?”. Como se depreende, tal questão engloba todas as teses de defesa.

O sigilo das votações envolve o voto e o local do voto. Para evitar intimidação dos jurados, as votações ocorrem em uma sala especial,

19. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2007. p.667.

20. STF – 2ª T. – HC 72.450/SP – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJ 24/5/1996. p.17413.

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com a presença das pessoas indispensáveis a esse ato processual: o juiz, os jurados, o membro do Ministério Público, o advogado e os auxi-liares da justiça (art. 481, CPP, redação anterior). Com o advento da Lei n.º 11.689/2008, a nova redação do artigo 485, CPP, dispõe que, ao fi nal dos debates e “não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o ofi cial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fi m de ser procedida a votação”. Em acréscimo, o seu § 1º preconiza que “na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo”.

Para assegurar o sigilo – e cumprir a Constituição –, é adequado que o juiz se acautele para suspender a divulgação dos demais votos assim que se definir a votação de cada quesito, evitando que seja o sigilo vio-lado por uma eventual votação unânime20-A. Nesse sentido, por nós de-fendido antes da Lei n.º 11.689/2008, as novas redações dos parágrafos 1º e 2º, do art. 483, CPP, estabelecem que: (1) “a resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos” relativos à autoria e à materialidade delitiva “encerra a votação e implica a absolvição do acu-sado”; e, (2) “respondidos afi rmativamente por mais de 3 (três) jurados” tais quesitos, “será formulado quesito com a seguinte redação: ‘O jurado absolve o acusado?’”.

A soberania dos veredictos alcança o julgamento dos fatos. Os ju-rados julgam os fatos. Esse julgamento não pode ser modificado pelo juiz togado ou pelo tribunal que venha a apreciar um recurso. Daí que em hipótese de julgamento manifestamente contrário à prova dos autos, a apelação provida terá o condão de nulificar o julgamento e mandar o acusado a um novo júri. Note-se que o tribunal não altera o julgamento para condenar ou absolver o acusado, ou mesmo para acrescer ou supri-mir qualificadora. Como a existência do crime e de suas circunstâncias é matéria fática, sobre ela recai o princípio da soberania dos veredictos, não podendo seu núcleo ser vilipendiado, senão por uma nova decisão do tribunal popular. Contudo, em prol da inocência, tal princípio não é absoluto, admitindo-se que o Tribunal de Justiça absolva de pronto o réu

20-A. SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Constituição e sigilo das votações no júri: o resul-tado unânime. In: Direitos Fundamentais na Constituição de 1988: estudos comemorativos aos seus vinte anos. Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar (org.). Porto Alegre: Núria Fabris, 2008. p. 301.

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condenado injustamente pelo júri em sentença transitada em julgado, no âmbito da ação de revisão criminal.

O tribunal do júri, com competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, veio com seu conteúdo mínimo definido pela Constituição da República. Houve época em que outros crimes, diversos dos dolosos contra a vida, eram também julga-dos pelo tribunal do júri, a exemplo dos crimes de imprensa. Atualmente, não há lei ordinária alargando a competência desse tribunal popular.

Para evitar a extinção do instituto, o constituinte protegeu assim sua competência mínima, em cláusula pétrea gizada no capítulo dos direitos fundamentais. Além do núcleo básico constitucional, vão também a júri as infrações comuns conexas aos crimes dolosos contra a vida. Desta forma, outros crimes comuns que não os dolosos contra a vida podem ser apreciados pelos jurados, desde que exista conexão, e mesmo que a infração conexa seja de menor potencial ofensivo, será atraída ao pro-cedimento escalonado do tribunal popular.

Advirta-se que o genocídio, por ser crime contra a humanidade, não irá a júri, da mesma forma que o latrocínio, que é crime contra o patrimô-nio ( Súmula nº 603, STF).

4.3. Características

a) Órgão heterogêneo: na Constituição de 1988, o júri popular é reafirmado como órgão do Poder judiciário. Sua composição é formada por um juiz-presidente e por vinte e cinco jurados, nos termos da nova redação do art. 433, CPP, dada pela Lei n.º 11.689/2008 (antes o CPP previa o número de vinte e um jurados), dos quais sete compõem o Con-selho de Sentença. O juiz-presidente aplica o direito de acordo com os fatos que são julgados pelos jurados. Aquele, o juiz do direito, estes, o juiz dos fatos. Sobre aquele, não vigora o princípio da soberania dos veredictos, pelo que o tribunal pode reformar sua sentença, para majorar ou minorar a pena por ele aplicada. Já quanto ao julgamento dos fatos pelos jurados, não cabe ingerência pelo órgão de segundo grau de ju-risdição.

b) Órgão horizontal: não há de se falar em hierarquia entre o juiz pre-sidente e os jurados. Têm funções diversas, e a conjugação de esforços faz a harmonia do tribunal.

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c) Órgão temporário: o tribunal funcionará durante alguns períodos do ano. Desta forma, a reunião do júri é período do ano em que o mes-mo opera, ao passo que a sessão do júri concentra a realização do jul-gamento. Pelo alto número de crimes dolosos contra a vida, não é raro que o tribunal, notadamente nas capitais, opere durante todos os meses do ano.

d) Decisões por maioria de votos: não é necessário, ao contrário do que ocorre no júri norte-americano, que haja unanimidade na votação. Basta a obtenção de quatro votos num determinado sentido, para que se tenha a majoritariedade na votação de cada quesito. Como salientamos acima, somos partidários de que o magistrado deve zelar para evitar a unanimidade, para que indiretamente não seja quebrado o sigilo das vo-tações, afinal, havendo unanimidade, todos saberão que os jurados, em sua totalidade, se inclinaram em favor desta ou daquela tese, o que pode desaguar eventualmente em retaliação. Foi, aliás, o que fez o legislador recentemente, prevendo bastar a resposta de mais de três jurados em um dado sentido, a fi m de resguardar o sigilo das votações (art. 483, §§ 1º e 2º, CPP, com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008).

4.4. RITO ESPECIAL DO JÚRI: JUDICIUM ACCUSATIONIS

Para que se tenha início uma ação penal de forma válida, não se prescinde de um suporte probatório mínimo. A ação penal se reveste de requisitos, entre eles o da justa causa para o seu oferecimento. Os crimes dolosos contra a vida deixam, em regra, vestígios. Isso leva a concluir que o exame de corpo de delito é quase sempre documento indispensável para a comprovação da materialidade delitiva. Daí que se terá, antes do oferecimento da denúncia, um inquérito policial prévio que a instruirá. Isso não descarta a possibilidade de denúncia com outras pe-ças de informação, mas apenas salienta que a regra será a instauração de um inquérito policial para que o suporte probatório inicial seja formado de maneira regular.

O entendimento do procedimento especial para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida deve partir da visão estrutural do seu pro-cesso. O seu rito processual é escalonado, isto é, bifásico, com duas fases bem distintas: (1) a primeira fase (parecida com a do rocedimen-to comum ordinário, porém com modifi cações recentes conferidas pela Lei n.º 11.689/2008, que inaugurou alegações escritas preliminares e inverteu o rito, com a realização do interrogatório e de debates orais

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ao fi nal), diferenciando-se sobremodo a partir do encerramento da ins-trução): chama-se juízo de admissibilidade, sumário da culpa, juízo de acusação ou judicium accusationis; e, (2) a segunda fase só ocorrerá se pronunciado o acusado, ou seja, se admitida a acusação, com a pro-lação de um juízo de admissibilidade positivo pelo juiz sumariante (juiz singular): denomina-se judicium causae ou juízo de mérito, onde os fatos serão apreciados pelos jurados, sob a presidência do juiz-presidente do tribunal do júri.

Como se depreende, o divisor de águas das duas fases do rito esca-lonado do júri é a decisão de pronúncia. Havendo a pronúncia e ocorrida a sua preclusão, “os autos serão ebcaninhados ao juiz presidente do tribunal do júri” (art. 421, caput, CPP, com redação determinada pela Lei n.º 11.689/2008). Com a reforma processual penal, o CPP não fala mais em abertura de prazo para o oferecimento do libelo-crime acusatório (que era a petição inicial, apresentada pelo Ministério Público ou quere-lante, da segunda fase, do judicium causae). Com a nova redação do art. 422, CPP, o libelo-crime acusatório não é mais apresentado (evitando reconhecimento desnecessário de nulidades ou delongas processuais em face de sua eventual defi ciência ou ausência de apresentação). A pronúncia passou, então, a ser o referencial para a delimitação da acu-sação (como antes já o era, tanto que o libelo deveria ser o seu espelho fi el, com acréscimo de agravantes), sem necessidade de que o membro do Parquet se manifeste obrigatoriamente no prazo de cinco dias. Ago-ra, preclusa a pronúncia, o juiz, no prazo de cinco dias, determinará a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para apresentação dos nomes das testemunhas que irão depor em plenário.

Dessarte, enquanto a primeira fase se inicia com a denúncia, com a formação da relação processual a partir do seu recebimento e da cita-ção do acusado, desenvolvendo-se perante o juiz singular (sumariante), responsável pela formação da culpa, a segunda etapa tem seu curso iniciado com a preclusão da pronúncia, seguida de apresentação de rol de testemunhas e dos preparativos para o plenário do tribunal do júri.

A primeira fase, então, será inaugurada com a denúncia ou queixa subsidiária, podendo ser recebida ou rejeitada. O órgão da acusação poderá arrolar até oito testemunhas. Recebida a denúncia, antes das modifi cações introduzidas pela Lei n.º 11.689/2008, seguia-se o rito do procedimento comum ordinário. Agora, o CPP prevê que “o juiz, ao

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receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias” (nova redação do art. 406, caput, CPP). Esse prazo deve ser contado a partir do efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento em juízo do réu ou de seu defensor quando inválida a citação ou realizada esta por edital. Em outras palavras, o prazo não é contado a partir da juntada aos autos do mandado, mas da realização da diligência (§ 1º, art. 406, CPP, nova redação).

O interrogatório não é mais o primeiro ato de instrução juntamente com as diligências requeridas pelo Ministério Público ou querelante na inicial acusatória, porém, na tendência de realçar seu caráter de meio de defesa, o interrogatório é o último ato da instrução, depois da produção de prova testemunhal, pericial e demais diligência, contudo antes dos debates orais fi nais.

Outrossim, não se fala mais em defesa prévia, no prazo de três dias, mas de resposta prévia com teor análogo às alegações fi nais escritas do procedimento revogado. O rol de testemunhas de cada acusado, até o número de oito, deve ser apresentado na sua resposta preliminar es-crita. Nos termos do § 3º, do art. 406, CPP (nova redação dada pela Lei n.º 11.689/2008), “na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justifi -cações, especifi car as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualifi cando-as e requerendo sua intimação, quando necessário”. As exceções serão autuadas e processadas em apartado, a teor do art. 95 a 112, CPP (art. 407, CPP, nova redação).

Caso não seja apresentada a defesa (resposta preliminar escrita), no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, em até dez dias, abrindo-lhe vista dos autos (art. 408, CPP, nova redação). Depois de apresentada a defesa, o Ministério Público ou o querelante será ouvido sobre as preliminares e os documentos carreados, a teor do art. 409, CPP (redação dada pela Lei n.º 11.689/2008).

Em seguida – concluída essa fase preliminar do judicium accusatio-nis –, o juiz designará audiência de instrução, para que sejam inquiridas testemunhas, e determinará a realização de diligências requeridas pelas partes (art. 410, CPP, nova redação).

Sobre o ponto, o novel art. 411, CPP, reza que, na audiência de instrução, será tomada, se possível, as declarações do ofendido, bem

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como serão inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem. As diligências e perícias deverão estar concluí-das quando da realização dessa audiência. Isso porque, por força do princípio da concentração dos atos processuais, será a audiência de instrução o momento para esclarecimentos dos peritos (sobre a perícia e o laudo), acareações e reconhecimento de pessoas e coisas. Em se-guida, será interrogado o acusado, com a realização dos debates orais ao fi nal. Como já se disse, foram suprimidas as alegações escritas no prazo de cinco dias, sendo fi nalizada a primeira fase do júri com os debates orais.

Antes das alterações feitas pela Lei n.º 11.689/2008, uma vez conclu-ída a instrução, não havia fase de diligências tal como se dá com o rito comum ordinário. As partes eram notificadas para, querendo, apresentar alegações finais, em cinco dias, não se oportunizando juntada de docu-mentos, face à disposição anterior do CPP de que não seria juntado do-cumento algum nesta fase do processo (redação anterior do § 2º, do art. 406, CPP). Excepcionalmente, se um documento essencial para evitar a pronúncia não estivesse nos autos, poderia ser apresentado, mitigando-se os rigores da lei.

Agora, perdeu relevo tal discussão, pois o momento preclusivo para a conclusão da instrução da primeira fase é a audiência de instrução, que deve concentrar todos os atos e diligências pendentes. É verdade que a intenção do legislador pode ser frustrada em razão de motivos que fujam ao controle do juízo, a exemplo de diligências efetivadas por carta precatória, que estejam pendentes de cumprimento em juízo ter-ritorial diverso (deprecado). Isso não retira o mérito das disposições se coadunarem com o princípio da economia processual.

Nessa esteira, a nova redação do §1º, do art. 411, CPP, prevê que “os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento do juiz” e o seu § 2º arremata que “as provas serão pro-duzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Trata-se de uma espécie de saneamento anterior à audiência de instrução, para que ela seja realiza-da no momento em que o processo esteja em condições de amadurecer. Em acréscimo, o CPP determina que “nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer” (§7º, art. 411, CPP) e que “a teste-munha que comparecer será inquirida, independentemente da suspen-

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são da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput” do art. 411 (§ 8º).

O desfecho do judicium accusationis se dava após o oferecimento das alegações finais, primeiro pelo Ministério Público e depois pela defesa. Com o advento da Lei n.º 11.689/2008, esse momento acontecerá após as alegações orais, apresentadas nos termos do § 4º do art. 411, CPP: “as alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente, à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez)”. Caso haja “mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto para a acusação e a defesa de cada um deles será individual” (§ 5º). A manifestação do assistente de acusação terá lugar após a do Ministério Público, concedendo-se 10 (dez) minutos. Nesse caso, será prorrogado por igual período o tempo de manifestação da defesa (§ 6º).

O § 9º, do art. 411, CPP (nova redação), estatui que encerrados os debates, o juiz proferirá sua decisão imediatamente, ou o fará em dez dias, ordenando, para tanto, a conclusão dos autos. O procedimento de-ve ser concluído no prazo máximo de noventa dias (art. 412, CPP, nova redação).

Pode, então, o magistrado adotar as seguintes posturas: (1) pro-nunciar o réu; (2) impronunciá-lo; (3) absolvê-lo sumariamente; e, (4) desclassificar a infração dolosa contra a vida. Decidindo por pronunciar o réu, terá cabimento o início da segunda fase, assim que precluso o julgado por ausência de interposição de recurso ou por confirmação do tribunal ao apreciá-lo. Nas demais hipóteses, abrevia-se o rito, não ha-vendo início do juízo de mérito perante o tribunal popular, ressalvado o caso de pronúncia de um dos acusados, quando mais de um figurar no pólo passivo da ação penal.

Antes do advento da Lei n.º 11.689/2008, com a preclusão da deci-são de pronúncia, o Ministério Público ou o querelante era intimado para, em cinco dias, oferecer o libelo-crime acusatório. O CPP não prevê mais tal peça processual, mas tão somente a abertura do prazo de cinco dias às partes para apresentar rol de até cinco testemunhas cada.

A título histórico, calha registra que o libelo era a petição inicial da segunda fase, valendo salientar que, na primeira fase, o juiz se limita a pronunciar o réu pelo cometimento do crime doloso contra a vida, re-metendo, por conseqüência, os delitos conexos a julgamento pelo júri. O libelo, então, era uma petição técnica, desenvolvida em linguagem

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articulada, e que deveria ser o espelho da pronúncia, isto é, não poderia descrever conduta que não tivesse sido reconhecida expressamente na decisão de pronúncia. Era no libelo-crime que o promotor de justiça ou procurador da república pedia a condenação do acusado, arrolava as testemunhas até o número de cinco e pleiteava as diligências indispen-sáveis para o julgamento plenário.

O libelo-crime acusatório era peça obrigatória. Delimitava a acu-sação, com o acréscimo de agravantes em relação à pronúncia (que não pode fazer menção a agravantes). Com a Lei n.º 11.689/2008, a pronúncia, por si só, delimitam a acusação. As agravantes poderão ser debatidas em plenário. A vantagem da desnecessidade do libelo-crime acusatório, é a de sua falta ou defi ciência não redundar mais em nuli-dade processual. Com efeito, antes, se necessário, o juiz comunicava a não apresentação do libelo aos órgãos de corregedoria do Ministério Público, invocando por analogia até mesmo o art. 28 do CPP, para que o Procurador Geral designasse outro membro para oferecê-lo. O libelo não era recebido se fosse elaborado em desconformidade com a pronúncia, porquanto fato dessa espécie ensejava nulidade absoluta a partir da sua apresentação ao processo.

Quando recebido era o libelo-crime, a defesa era intimada para, em cinco dias, oferecer contrariedade ao libelo, em cinco dias. A não apresentação da contrariedade não produzia efeito algum. Daí que sua supressão pela Lei n.º 11.689/2008, além de prática, é irrelevante pro-cessualmente, já que era facultativo o ser oferecimento. Era na con-trariedade, contudo, que a defesa deveria arrolar as testemunhas que desejasse ouvir em plenário, até o número de cinco. A não indicação de testemunhas no libelo e na contrariedade acarretava a preclusão de produção de prova testemunhal na sessão plenária. Da mesma manei-ra, decorrido in albis o prazo de cinco dias para apresentação do rol de testemunhas, consoante o novo rito, preclusa fi cará a oportunidade para produção de prova oral testemunhal pelas partes em plenário (art. 422, CPP).

Realizadas as diligências requeridas pelas partes, serão iniciados os preparativos para a sessão do tribunal do júri. O juiz, desse modo, deliberará sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no plenário do júri. Adotadas as providências devidas, o juiz presidente: (1) “ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa”; e, (2)

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“fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri” (art. 423, I e II, CPP, nova redação). Com a previsão de lançamento de relatório prévio nos autos, não será mais impositivo que o juiz faça a sua leitura durante a sessão de julgamento em plenário.

Até a sessão, documentos e objetos podem ser juntados ou apensa-dos ao processo, desde que haja comunicação à parte contrária em até três dias de antecedência do julgamento do acusado, conforme redação antiga do art. 475, CPP. Com a vigência da nova redação dada ao art. 479, CPP, pela Lei n.º 11.689/2008, passou a ser necessária apenas a juntada de tais objetos e documentos com antecedência mínima de três dias, dando-se ciência à outra parte, não sendo permitida, durante o jul-gamento, “a leitura de documento ou a exibição de objeto” que desaten-da essa condição. O parágrafo único desse dispositivo arremata que se compreende na proibição “a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografi as, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados”. Daí que o não atendimento dessa providência implica nulidade do julga-mento, se alegada em tempo oportuno. O acolhimento da impugnação da juntada de documento importa que não haja menção a respeito dele durante a sessão, sob pena de nulidade. O que se pretende é que não sejam as partes surpreendidas às vésperas do julgamento.

Para a sessão plenária, a Lei n.º 11.689/2008 trouxe algumas ino-vações ao CPP. O sorteio dos sete jurados que comporão o Conselho de Sentença se fará dentre vinte e cinco jurados (não mais vinte e um jurados) com dezoito ou mais anos de idade. O processo não será mais relatado pelo juiz, pois o relatório já estará exarado nos autos previa-mente à sessão.

Destarte, “prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o as-sistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação” (art. 473, caput, CPP, nova reda-ção). Quando da inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, “o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo” (§ 1º). Já “os jurados poderão formular perguntas ao ofendi-

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do e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente” (§ 2º), seguindo a regra do sistema presidencialista.

Na sessão plenária, é facultado às partes e aos jurados requerimen-tos de “acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclareci-mento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refi ram, exclusi-vamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis” (§ 3º).

Ao fi nal, será o acusado interrogado, se estiver presente. Sua presen-ça é obrigatória na sessão de julgamento quando estiver preso por crime, caso em que a sessão pode ser adiada, salvo se for apresentado pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor (§ 2º, art. 457, CPP, nova redação). Se estiver solto, bastará sua intimação da data do julgamento. Durante o período em que permanecer no plenário do júri, não será permitido o uso de algemas no acusado, “salvo se abso-lutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemu-nhas ou à garantia da integridade física dos presentes” (art. 474, CPP).

A teor do art. 475, CPP (nova redação), “o registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação mag-nética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fi delidade e celeridade na colheita da prova”. Sem embargo, “a transcri-ção do registro, após feita a degravação, constará dos autos” (parágrafo único).

Depois de concluída a instrução e encerrados os debates, serão, ao fi nal, votados os quesitos pelos jurados e proferida uma sentença, pelo juiz-presidente, seja de absolvição, seja de condenação. Para tanto, com se está vendo, os jurados assistirão a uma autêntica instrução durante a sessão de julgamento (judicium causae), com a exposição das teses da acusação e da defesa. A sentença do juiz presidente deverá se conformar com o que pontificado pelos jurados nas respostas aos quesitos. Com essa visão panorâmica do rito bifásico do procedimento para os crimes dolosos contra a vida, será retomado o estudo, de maneira mais detalha-da, a começar das sentenças possíveis no momento do encerramento da instrução da primeira etapa, após terem sido apresentadas as alegações finais.

4.5. “Sentença” de pronúncia

O Código de Processo Penal, em seu art. 413, caput e § 1º (no-va redação dada pela Lei n.º 11.689/2008), chama de “sentença de

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pronúncia” a decisão a ser exarada quando o juiz estiver “convencido da materialidade do fato e da eixstência de indícios sufi cientes de autoria ou de participação”. A pronúncia conterá fundamentação que se limite “à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios sufi cientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especifi car as circunstâncias qualifi -cadoras e as causas de aumento de pena”. A sentença de pronúncia não põe propriamente termo ao processo, mas fixa os limites da imputação para que tenha início a segunda fase a partir de sua preclusão (não sendo mais seu marco primeiro o libelo-crime acusatório, extinto com a recente reforma do CPP).

A sentença de pronúncia tem a natureza de uma decisão interlocu-tória mista não terminativa. É mista porque encerra uma fase sem por fim ao processo e é não terminativa por não decidir o meritum causae (se julgasse o mérito seria definitiva). Não há através dela julgamento do mérito condenatório da ação penal. Apenas há juízo de admissibilidade da acusação. Enquanto para o recebimento da denúncia se faz preciso um suporte probatório mínimo, para a pronúncia se requer um suporte probatório mais robusto, médio, que, no entanto, não é equivalente ao conjunto probatório que se exige para a condenação. Na sentença de pronúncia não há juízo de certeza do cometimento do crime, porém é mister que haja possibilidade da acusação, ou seja, o contexto proces-sual deve evidenciar que os fatos estão aptos a serem julgados pelos leigos, seja para absolver ou condenar o acusado.

Se, de plano, o juiz vê que não há possibilidade de condenação váli-da, mercê da insuficiência probatória, não deverá pronunciar o acusado. É o que dispõe explicitamente o art. 414, CPP (nova redação), ao dizer que “Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios sufi cientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamenta-damente, impronunciará o acusado”, ressalvando que, “enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova” (parágrafo único). Note-se que vigora, nesta fase, a regra do in dubio pro societate: existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular. É o júri o juiz natural para o pro-cessamento dos crimes dolosos contra a vida. Não deve o juiz togado substituí-lo, mas garantir que o exercício da função de julgar pelos leigos seja exercida validamente.

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Entendendo por admitir a acusação o juiz pronunciará o réu. A pro-núncia é uma decisão com fundamentação técnica. Não deve tecer va-lorações subjetivas em prol de uma parte ou de outra. As teses da acu-sação e da defesa não são rechaçadas na totalidade. O magistrado fará menção da viabilidade da imputação e da impossibilidade de se acolher naquele momento, por exemplo, a tese da legítima defesa, salientando a possibilidade do júri acolhê-la ou rejeitá-la. É o júri o juiz dos fatos e a pronúncia fará um recorte deles, admitindo os que se sustentam e recu-sando aqueles evidentemente improcedentes. O juiz togado não deverá exarar motivação tendenciosa ou que tenha o condão de influenciar os jurados com a sua leitura em plenário.

A sentença de pronúncia não deve apreciar circunstâncias judiciais, atenuantes ou agravantes, nem tampouco de privilégio que reduza a pena. A matéria de individualização da pena não faz parte da pronúncia. Acolhendo circunstâncias dessa qualidade, o juiz estaria a fundamentar a pronúncia de molde a influenciar os jurados. Acabaria por revelar um juízo absolutório ou condenatório, ainda que de maneira discreta. A pro-núncia, congruente com a denúncia e com a instrução criminal realizada na primeira fase, destina-se ao exame da admissibilidade dos fatos para o fim de serem apreciados pelo Conselho de Sentença em plenário.

Destarte, a sentença de pronúncia conterá um relatório e uma fun-damentação que aprecie as provas, sem aprofundar qualquer juízo de condenação. É uma sentença “sem mérito”. As teses de defesa são en-frentadas, contudo, se não houver certeza de que, por exemplo, uma excludente de ilicitude restou configurada, o juiz não declara que a tese é sem cabimento: antes, deve ele afirmar que a dúvida que recai sobre a tese não autoriza seu acolhimento imediato, razão pela qual deve ser assegurado o julgamento do réu pelo tribunal popular. Acatada a impu-tação do crime contra a vida, o juiz examinará o suporte probatório dos crimes conexos, para, ao final, em sendo o caso de pronúncia, admitir a acusação.

As qualificadoras são também enfrentadas, pois não são circunstân-cias agravantes, mas fatos que compõem a tipicidade. O tipo qualificado ou a circunstância qualificadora tem limites penais expressos e envol-vem fatos distintos ou que acrescem o tipo simples fundamental. Daí ser importante sublinhar que a qualificadora deve ser admitida ou rejeitada em compasso com o que restou provado no curso da instrução criminal. Nesse ponto, o juiz não está descendo à matéria de individualização da

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pena. A seu turno, circunstâncias ou causas de aumento específicas, previstas no próprio tipo penal, em seus parágrafos, são admitidas. Tam-bém as causas que permitem a aferição do tipo penal por extensão, compondo o próprio tipo base, como a tentativa, o concurso de pessoas e as hipóteses de omissão penalmente relevante, são admitidas (art. 13, § 2º, CP). Diferentemente, o art. 7º da Lei de Introdução ao CPP é ex-presso ao vedar na pronúncia causa especial de diminuição de pena.

É assim que o novo § 1º, do art. 413, CPP (redação dada pela Lei n.º 11.689/2008), não dissente do entendimento aqui esposado, ao avivar que “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da mate-rialidade do fato e da existência de indícios sufi cientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especifi car as circunstâncias qualifi cadoras e as causas de aumento de pena”.

Se ocorrer erro de tipificação dos fatos narrados na inicial acusató-ria, caberá ao magistrado corrigi-lo no momento da pronúncia, dando a estes o enquadramento adequado, valendo-se do instituto da emendatio libelli, afinal o réu defende-se dos fatos, tratando-se aqui de mero erro de tipificação (nova redação do art. 418, CPP, antes inferida do antigo art. 408, § 4º, CPP).

Já se os fatos revelados na instrução da primeira fase forem distin-tos dos narrados na denúncia, como a descoberta de qualificadora não contemplada na descrição da inicial, deve o magistrado, antes de proferir a pronúncia, abrir vistas ao MP para que adite a inicial, e na seqüência, oportunizar que a defesa se manifeste, em até três dias, podendo indi-car até três testemunhas para combater os fatos novos, aplicando-se, portanto, o instituto da mutatio libelli (art. 384, CPP), fazendo valer na primeira fase o princípio da correlação, ou seja, o equilíbrio entre a deci-são e aquilo que foi pedido. Com a reforma processual penal introduzida pela Lei n.º 11.689/2008, o legislador consagrou essa nossa posição na nova redação do §3º do art. 411, CPP, dirimindo divergências doutriná-rias (contra a tese que inadimitia a mutatio libelli no rito do júri por falta de previsão expressa): “encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384”.

A pronúncia tem uma técnica específica. A rigor, o réu é pronunciado pelo crime contra a vida ou pelos crimes contra a vida. Não é o réu pro-nunciado pelos crimes conexos. Se o acusado é pronunciado pelo crime

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contra a vida e foi denunciado também por outro crime àquele conexo, o juiz declarará levados ao júri, por conseqüência, os delitos conexos. A pronúncia é relativa ao delito contra a vida, suas qualificadoras e causas de aumento. Não há menção a agravantes, atenuantes ou circunstân-cias de privilégio: o magistrado admite a acusação e pronuncia o réu pelo delito doloso contra a vida. Havendo delito conexo, declarará este remetido ao júri, por decorrência. A inclusão de eventual circunstância agravante é encargo do Ministério Público ou querelante, por ocasião dos debates orais em plenário (não mais por ocasião do libelo-crime acusatório, extinto que foi pela Lei n.º 11.689/2008).

Prolatada a pronúncia, devem ser dela intimados o Parquet, o acu-sado e seu defensor, notadamente porque um dos efeitos da pronún-cia, uma vez mantida a prisão com base na presença dos requisitos da preventiva, é a superação da alegação de constrangimento ilegal. A sistemática de intimação sofreu alteração em face do advento da Lei n.º 11.689/2008. Agora a intimação da pronúncia será feita (art. 420, CPP): (1) “pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Mi-nistério Público” (inclua-se nesta epígrafe o defensor público, diante de prerrogativa funcional); (2) “ao defensor constituído, ao querelante e ao assistente do Ministério Público, na forma do disposto no § 1o do art. 370”, CPP, ou seja, “por publicação no órgão incumbido da publi-cidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado”; e, (3) por edital ao acusado solto que não for encontrado (Parágrafo único).

Pela importância histórica, um efeito da pronúncia que carece ser mencionado era o de lançamento do nome do réu no rol dos culpados (antigo art. 408, § 1º, CPP), constante de “disposição, anacrônica e até injusta”, que, antes mesmo da reforma processual penal recente, tinha sido tacitamente “revogada pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988, ao consagrar o princípio do estado de inocência”. No entanto, outros efeitos fortes subsistem: a sentença de pronúncia, uma vez não recorrida pelos interessados, “apresenta efeitos preclusivos de natureza processual, ante a imutabilidade de sua afirmação sobre a admissibilidade da acusação que encaminha para decisão final pelo tribunal do júri”. É desse modo que o art. 421, CPP, deixa assentado que “preclusa a de-cisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri”. De mais a mais, a sentença de pronúncia e a decisão confirmatória de pronúncia proferida pelo tribunal em grau de recurso cau-sam a “interrupção da prescrição da pretensão punitiva (art. 117, II, CP)”.

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Há possibilidade de correção da pronúncia. Trata-se de uma nova decisão de pronúncia do acusado, exarada em decorrência de circuns-tância ulterior não conhecida ou não ocorrida no momento da decisão judicial. Um exemplo clássico é o do acusado pronunciado por homicídio tentado, cuja vítima morre dias depois em decorrência da conduta crimi-nosa. É indispensável a relação de causalidade. A correção da pronúncia estava gizada na antiga redação do art. 416, CPP. Constatada situação tendente à modificação da pronúncia, devem ser previamente ouvidos Ministério Público e defesa. É nesse sentido que o § 1º do art. 421, CPP (nova redação), a propósito prevê que “ainda que preclusa a decisão de pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a classifi ca-ção do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público”, sendo os autos conclusos para decisão em seguida (§2º)21.

Por fim, na pronúncia deve o magistrado decidir se o réu enfrentará a segunda fase de julgamento em liberdade ou não, e a nosso ver, só terá cabimento o encarceramento se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva. Com a vigência da reforma processual penal dada pela Lei n.º 11.689/2008, ao pronunciar o acusado, “se o crime for afi an-çável, o juiz arbitrará o valor da fi ança para a concessão ou manutenção da liberdade provisória” (§ 2º, art. 413, CPP, nova redação). De outro lado, o magistrado decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a neces-sidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas” cautelares privativas de liberdade (§ 3º). Não fala mais o Código de Pro-cesso Penal que o juiz recomendará o réu na prisão em que se encon-tra, indicando ter alijado defi nitivamente do sistema a prisão decorrente da pronúncia. Remetemos o leitor ao Capítulo sobre prisões cautelares, onde enfrentamos a impropriamente chamada prisão decorrente de pro-núncia, hoje não contemplada pelo CPP.

4.6. Impronúncia

A decisão de impronúncia não julga o mérito da denúncia, tendo, pois, conteúdo terminativo. É autêntica sentença porque encerra o pro-cesso (ou, quando mais de um acusado, põe fim ao processo quanto ao que foi impronunciado), embora não aprecie os fatos com profundidade

21. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.493.

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por deficiência probatória. A impronúncia encerra o judicium accustionis sem inaugurar a segunda fase.

A anterior redação do art. 409, do Código de Processo Penal, que continha o preceito normativo da impronúncia, avivando que “se não se convencer da existência do crime ou de indício suficiente de que seja o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a denúncia ou a queixa”. Agora, a previsão da impronúncia vem no art. 414, CPP, ao dizer que “não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indí-cios sufi cientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamen-te, impronunciará o acusado”, eslarecendo, em seu parágrafo único, que “enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova”. Em face de se cuidar de uma espécie de coisa julgada secundum eventus littis – que não tem o condão de imunizar o acusado contra uma nova denúncia com novas provas (a simili do enunciado n.º 524, da Súmula do STF) –, o aludido dispositivo estampa a possibilidade de reabertura do processo criminal.

A regra que vigora na fase do encerramento da primeira etapa do rito escalonado do júri é o in dubio pro societate, segundo entendimento corredio . A impronúncia deve ter lugar em situações excepcionais. O juiz deve zelar para que não seja afastada a competência constitucional dos jurados. Releva perceber, de um lado, que a pronúncia requer conjunto de provas mais robusto que aquele suporte probatório mínimo que se faz necessário para o recebimento da denúncia e, de outro, que não deve ir a júri fato que não esteja sustentado por prova apta à condenação do acusado ou que não tenha indicativo de possibilidade de seu reforço probatório ulterior, especialmente no plenário do julgamento. A atividade hermenêutica, como se depreende, é importantíssima para se exarar esse ato judicial.

Contra a impronúncia não é mais cabível recurso em sentido estrito (fi cando revogada segunda parte do inciso IV, do art. 581, CPP). Nos termo do art. 416, CPP (nova redação), para vergastar a impronún-cia será cabível apelação, destacando-se sua natureza de sentença terminativa. O recurso de apelo não tem o chamado efeito regressivo (aquele que autoriza o juiz prolator da decisão se retratar e modificar o mérito do julgado). Se, de acordo com a disposição revogada, o magis-trado que impronunciou o réu, ao receber o recurso em sentido estrito contra esta decisão, podia, antes de determinar o seu processamento ou a sua remessa para o tribunal com competência para apreciá-lo,

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proferir juízo de retratação, com a conseguinte pronúncia do acusado primeiramente impronunciado, a partir da nova redação do art. 416, CPP, o cabimento de apelo afasta o efeito regressivo. Diferentemente, sendo o réu primeiramente pronunciado, contra essa decisão será ca-bível recurso em sentido estrito, podendo o juiz constatar seu equívoco e resolver por impronunciá-lo.

Essa advertência é ligada ao que a doutrina veio chamar por des-pronúncia. Despronúncia equivale a impronúncia de um acusado que, inicialmente, havia sido pronunciado. A despronúncia pode se dar pelo juiz de primeiro grau ou pelo tribunal. Haverá despronúncia pelo juiz que prolatou a decisão quando ele se retrata ao apreciar a admissibili-dade de recurso em sentido estrito interposto, alterando sua decisão de pronúncia para impronúncia. De outro prisma, caso o juiz não se retrate e resolva sustentar sua decisão, ainda que pelos próprios fundamentos nela lançados, encaminhará os autos ao tribunal ad quem, que, apre-ciando o mérito do recurso em sentido estrito pode reconhecer que não foi correta a pronúncia, despronunciando (ou impronunciando) o réu.

4.7. Sentença de absolvição sumária

A absolvição sumária do crime contra a vida julga o mérito da ação penal, em momento antecipado. É semelhante ao que se tem como jul-gamento antecipado da lide no processo civil. A denúncia é julgada im-procedente e, por força da coisa julgada material formada, não pode ser reiniciada demanda penal pelos mesmos fatos narrados na peça acu-satória. A sentença de absolvição sumária encerra a primeira fase do rito escalonado do júri, sem dar seguimento à segunda relativamente ao réu absolvido sumariamente. Como essa decisão afasta a competência constitucional do tribunal popular, só é admissível sua prolação em ca-sos onde não existam dúvidas da ocorrência de excludente de ilicitude ou de excludente de culpabilidade.

Nesse sentido, a primeira parte da redação anterior do art. 411, CPP, dispunha que “o juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu”. Haverá absolvição sumária quando restar patente que o fato impu-tado foi praticado em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento do dever legal (excludentes de ilicitude, art. 23, I, II e III, CP) ou em situação de inimputabilidade (doença mental, desenvol-

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vimento mental incompleto ou retardado e embriaguez não voluntária, artigos 26 e 28, §1 º, CP).

A absolvição sumária por inimputabilidade do agente tem dado azo ao que se conhece por absolvição imprópria. A sentença é absolutória porque o réu que praticou o crime em situação como a de doença mental é “isento de pena”, consoante o teor do art. 26, do Código Penal.

Essa isenção, todavia, é substituída pela aplicação de uma “medida de segurança”. Vale dizer, embora o réu não seja terminologicamente “condenado”, a ele é imposta uma sanção denominada eufemisticamen-te de “medida de segurança”. A medida de segurança, aplicada pelo juiz singular, amputa a competência do júri, com esteio no laudo psiquiátrico acostado aos autos.

Assim procedendo, isto é, “absolvendo sumária e impropriamente” o acusado supostamente portador de enfermidade mental à época do fato denunciado, o juiz viabiliza que, na prática, o réu não tenha possibilidade de, através de seu defensor, sustentar outras teses de defesa perante o plenário. Essa constatação parece indicar a necessidade de se tomar um novo rumo e, fazendo prevalecer a Constituição – que estatui a com-petência do tribunal do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida –, proscrever, de uma vez por todas, o instituto da absolvição imprópria, haja vista que se olhada, em sua essência, ela não passa de uma condenação disfarçada por um rótulo que lhe é bem característico: a medida de segurança.

Acatando entendimento semelhante ao por nós defendido o legis-lador da reforma do Código de Processo Penal (realizada pela Lei n.º 11.689/2008), expressamente estatuiu, em seu art. 415, que “o juiz, fun-damentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando”: (1) – “pro-vada a inexistência do fato”; (2) “provado não ser ele autor ou partícipe do fato”; (3) “o fato não constituir infração penal”; e, (4) “demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime”, salientando contudo, em seu parágrafo único, que não será o caso de se absolver sumariamente em caso de “inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva”. É, como se infere, um bom indicativo de reconhecer que a medida de segurança não é algo tão vantajoso ao acusado de modo a suprimir-lhe o direito de se defender em plenário, salvo justifi cativa bastante.

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Um ponto a se destacar quanto aos casos de excludente de ilicitude é se é possível, antes mesmo de iniciar a ação penal, ser arquivado o inquérito policial, sem a necessidade de denúncia e instrução para, só na fase do encerramento do judicium causae, ser proferida sentença de absolvição sumária. A resposta vai depender do suporte probatório que se tenha acerca da excludente de ilicitude. Assim, se o inquérito policial estampa cabalmente um fato praticado em legítima defesa, não haven-do indicativo de situação contrária, o pedido de arquivamento formulado pela acusação é de ser acolhido pelo juiz. Ao revés, se não estiver clara a situação excludente, a denúncia deve ser apresentada e recebida, o que não impede que, no correr da instrução, fique patente que realmente a conduta foi cometida em legítima defesa, dando espaço a uma absol-vição sumária. Ainda aqui, se subsistir alguma dúvida quanto à exclu-dente, o juiz deverá pronunciar o réu, porquanto in dubio pro societate, remetendo o feito para julgamento pelo tribunal do júri.

Não obstante tenha sido revogada a segunda parte da redação an-terior do art. 411, CPP, que previa que, em caso de absolvição sumária, o juiz devia recorrer “de ofício de sua decisão” e que “este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação”, forçoso é reconhecer que ele permanece no sistema, em face do enunciado do art. 575, II, CPP. Analisando o recurso “de ofício”, é possível concluir: (1) o recurso de ofício não é propriamente um recurso, sendo chamado mais tecnicamente de reexame necessário ou remessa necessária para decisões relevantes que o legislador entendeu por bem condicionar seus efeitos a sua confirmação pelo órgão colegiado superior, ou seja, se os autos não forem remetidos para reapreciação da decisão pelo tribunal, não haverá trânsito em julgado (Súmula nº 423, STF); (2) o recurso de ofício tem efeito suspensivo, o que, segundo a redação do revogado art. 411, CPP, poderia aparentemente legitimar a manutenção da prisão de acusado que permaneceu respondendo o processo preso preventiva-mente, até que houvesse confirmação da absolvição sumária proferida pelo juiz de primeiro grau pelo tribunal; e, (3) só a absolvição sumária de crime doloso contra a vida é que dá ensejo à remessa necessária, ou seja, se a excludente de ilicitude for reconhecida em sede de arquiva-mento de inquérito policial, por não se tratar de absolvição sumária, mas de decisão de arquivamento do procedimento preliminar, não caberá a “interposição de recurso de ofício”.

Como se infere, a letra do dispositivo revogado e, de certa forma, a do art. 574, II, CPP, são capazes de deixar o aplicador do direito em

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situação de perplexidade. A redação do Código de Processo Penal, de 3 de outubro de 1941, foi inspirada em ideologia que nutria considerável desconfiança na magistratura de primeira instância. Na época, por outro lado, o Ministério Público não estava constituído como uma instituição essencial à democracia. A realidade atual evidencia um Ministério Pú-blico forte com quadros providos mediante concurso público e com es-trutura refratária a omissões. Deveras, pode o Parquet, contra a decisão de absolvição sumária, interpor apelação (art. 416, CPP, nova redação). De outro lado, o horizonte atual tende a centrar maior confiança na ma-gistratura de primeiro grau, evidenciando a desnecessidade do controle do reexame necessário, notadamente quando se observa um consenso doutrinário em considerar absurda a atribuição de efeito suspensivo a absolvição sumária para o fim de desautorizar a revogação de prisão preventiva do réu. Desta forma, cremos que a manutenção da prisão na pendência do reexame necessário não subsiste.

Por derradeiro, é preciso se fazer uma nota sobre os crimes cone-xos ao crime doloso contra a vida abrangido pela absolvição sumária. Havendo crimes conexos, o juiz que absolver sumariamente o acusado deve determinar a extração de cópias dos autos, remetendo-as ao juízo competente.

4.8. Decisão de desclassificação da infração penal contra a vida

É mister deixar bem vincado que a desclassificação que se tem em vista aqui é a do crime contra a vida para outro delito que não seja de competência do tribunal do júri. Desclassificação tem a ver com uma nova definição jurídica dada aos fatos pelo juiz. A decisão de desclassificação da infração penal contra a vida tratada neste tópico é a prolatada pelo juiz singular, no rito dos crimes dolosos contra a vida, quando do encer-ramento de sua primeira fase. O magistrado, apreciando os fatos, reco-nhecerá que o crime ali descrito é diverso de quaisquer tipificações de delitos contra a vida. Note-se bem que o juiz não deve dizer o tipo que entende enquadrada a conduta descrita. A opinio delicti é do Ministério Público. Ele deve apenas afirmar que não se trata de crime contra a vida e que, por tal razão, não é o júri competente para apreciar o processo. É uma decisão que assenta a incompetência do júri, ou seja, uma decisão declinatória.

A desclassificação tem, portanto, a natureza de uma decisão interlo-cutória modificadora de competência. O art. 419, CPP (com nova reda-ção dada pela Lei n.º 11.689/2008), prevê a decisão desclassifi catória

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ao avivar que “quando o juiz se convencer, em discordância com a acu-sação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja”, fi cando a disposição deste último magistrado, o acusado preso (parágrafo único).

Prolatada a decisão desclassificatória, o processo não segue de ime-diato para o juiz declinado ou para o setor de distribuição criminal. An-tes, é aguardado o decurso do prazo de recursos. Contra a decisão de desclassificação é cabível recurso em sentido estrito, a ser interposto tanto pela acusação quanto pela defesa, por se cuidar de decisum que conclui pela incompetência do juízo, a teor do art. 581, II, CPP. Só depois de transcorrido in albis o lustro recursal de cinco dias é que este fato é certificado e o feito segue o destino declinado. Em outras palavras, só depois de preclusa a decisão de desclassificação do crime doloso contra a vida que o processo deixa a vara do tribunal do júri, sendo remetido ao juízo criminal competente ou ao setor de distribuição.

Ponto controvertido é saber se o juiz que receber os autos com deci-são de desclassificação preclusa pode ou não argüir conflito de compe-tência. A compreensão dos fatos e da narrativa processual é essencial para se admitir ou não a argüição. Se com o juiz recebedor dos autos for verificada situação que leve a prescrição dos fatos – tal como ocorre com o decorrer de mais de vinte anos sem causa interruptiva válida –, a inadmissão do conflito é de rigor. A solução, antes de ser fechada, dá ensejo a uma série de ordens fáticas, que impõe a conclusão de que o jurista hodierno não deve pensar com lastro em standarts, regras toma-das isoladamente, dogmas ou preconceitos.

Em verdade, não é de se afastar a instauração de conflito ulterior, se o juiz que recebeu os autos não dispunha de elementos aptos para recusar a competência, quando seria inadmissível a argüição do conflito com base naquele contexto processual. É que pode o magistrado singu-lar, para quem foram remetidos os autos, se deparar, na fase de prola-ção de sentença, com a não comprovação de elementar que seria apta a desclassificar o delito contra a vida, tal como ocorre com a presença elementar “subtração” junto com o fato “matar alguém” (art. 121, caput, CP). A solução que se propõe, levando em conta que o processo já es-tará, perante outro juízo, acrescido com outras provas, sendo, de certa forma, distinto do que antes estava na vara do júri, é que ao juiz singular seja possível, “no momento de prolatar a sentença, sem perder de vista

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o que decidido primeiro pelo juiz do júri – e, se o caso pelo tribunal que apreciou o [primeiro] conflito [eventualmente suscitado] –, simplesmente devolver os autos ao juiz sumariante, com decisão fundamentada que indique, verbi gratia, as razões que entendeu inexistente a subtração tendente a colmatar o conceito do crime de latrocínio (art. 123, § 3º, CP)”22.6Infere-se assim que há inversão do juiz que terá o ônus de, nessa nova hipótese, instaurar o conflito: o juiz da vara do júri.

Esclarecida a questão, impende perlustrar que remetido os autos ao juiz competente, será dada vista dos autos à defesa, que poderá indicar testemunhas, desde que ainda não ouvidas. Após, abre-se a possibilida-de de requerimento de diligências complementares em 24 horas para e a acusação e em igual prazo para defesa, sucedendo-se às alegações finais (art. 500, CPP), e depois sentença.

Por último, calha chamar a atenção para o fato de que se o acusado estiver preso quando da missão de decisão de desclassificação – e sem prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 419, CPP, que impõe que o acusado preso fi que à disposição do juízo recebedor dos autos –, deve o juiz declinante manifestar-se expressamente sobre a segregação cautelar, mantendo-a ou relaxando-a, motivadamente. Tal precaução é imprescindível especialmente porque o envio dos autos a outro juízo le-va tempo, o que pode fazer com que uma prisão legal se resvale em ilegal. Se for a hipótese de manutenção da prisão cautelar, o juiz decli-nante deve comunicar imediatamente essa decisão ao juízo ou setor de distribuição destinatário dos autos, com a urgência necessária, evitando que alguém permaneça preso sem a ciência da autoridade judicial com-petente, nos termos da Constituição (art. 5º, LXII).

4.9. Rito especial do júri: judicium causae

A segunda fase do rito do júri, o judicium causae, só será iniciada se houver pronúncia de acusado em delito doloso contra a vida. Aliás, a consumação da delimitação do thema decidendum para os jurados só ocorrerá com a preclusão da pronúncia, isto é, com a certidão de que esta decisão precluiu para o Ministério Público e para a defesa, mercê de

22. ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Preclusão da decisão desclassificatória no rito do júri: (im)possibilidade de argüição de conflito de competência. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006. p.61.

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não ter sido interposto recurso em sentido estrito, ou caso apresentado, após o seu julgamento defi nitivo.

Note-se que se houver mais de um acusado, o prosseguimento do processo pode se tornar diferenciado em relação a eles em virtude de fatores também distintos, tais como: (1) o juiz pode pronunciar apenas um acusado e impronunciar o outro ou os demais, quando só haverá judicium causae para o primeiro; (2) dois acusados são pronunciados, mas só um deles recorre em sentido estrito, hipótese em que em face do acusado contra o qual a sentença de pronúncia precluiu prosseguirá o processo, sendo, ao final, submetido a júri; (3) dois acusados são ab-solvidos sumariamente e, por apelação do Ministério Público (de acordo com a nova redação do art. 416, CPP), o tribunal reforma a sentença em relação a um deles, decisão esta que, uma vez preclusa, remeterá ape-nas um dos réus a júri; e, (4) dois acusados são pronunciados, ambos recorrem, porém um o faz intempestivamente, o que implica preclusão da pronúncia no tocante a ele, oferecimento de rol de testemunhas e sua submissão a júri antes do réu que apresentou recurso no prazo legal.

Essa advertência é relevante para avivar que a regra, o ideal, é que todos os réus de um mesmo fato ou de fatos conexos participem de um julgamento único: um único júri para todos. A exceção – ou o que deveria ser exceção – é a realização de um júri para cada acusado. O aplicador do direito deve estar atento para que manobras não sejam realizadas pa-ra o único fim de driblar a fi nalidade de se ter um único julgamento para acusados de crimes dolosos contra a vida em dado processo.

Bem colocados esses pontos, o que releva vincar bem é que a pre-clusão da pronúncia é pressuposto para o início da segunda fase do rito do júri. Ela é a delimitação da acusação a ser formulada perante os jurados. Antes do advento da nova redação do art. 420, CPP, hipó-tese de crise de instância (com a suspensão do processo por falta de intimação do acusado), era bem corriqueira no processo penal. Dizia a anterior redação do art. 414, CPP, que, nos crimes inafiançáveis, a intimação da decisão de pronúncia deveria ser feita pessoalmente ao réu, além da necessidade de intimação do advogado. Se o réu não fosse encontrado para ser intimado, o processo ficaria, de todo modo, suspenso na pendência da realização do ato, sendo o feito paralisado, sem sua extinção. Enquanto isso, o prazo prescricional, por ausência de previsão legal em contrário, corria normalmente. Já se a infração era afiançável, admitia-se até mesmo a intimação por edital, com prazo

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de 30 dias, correndo o feito à revelia (art. 415, CPP, redação anterior). Com a entrada em vigor da atual redação do art. 420, parágrafo único, CPP (conferida pela Lei n.º 11.689/2008), não há mais distinção de tratamento entre acusados por crime afi naçável ou inafi ançável. Agora, “será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado”, in-dependentemente da natureza do crime doloso contra a vida, evitando a indesejável crise de instância.

Com a imutabilidade do thema decidendum, haverá possibilidade de oferecimento de rol de testemunhas pelas partes, até o número de cin-co para cada, no mesmo prazo de cinco dias em que era apresentado o libelo-crime acusatório anteriormente à alteração legislativa trazida pela Lei n.º 11.689/2008. O libelo era a petição inicial da segunda fase do júri, retratava a pronúncia e fixava a amplitude da acusação que não podia ultrapassar seus limites, porém se admitia que fi casse aquém, na esteira de que o papel atual do Ministério Público no processo criminal é dúplice, agindo não só como parte, mas também como fiscal da lei, sem estar obrigado a acusar a todo custo. Com a supressão do libelo, a pronúncia passou a ser o único parâmetro para a delimitação da acu-sação, fi cando a acusação livre para sustentar em plenário circunstân-cias agravantes que antes deveriam ser consignadas no libelo-crime acusatório.

4.10. Libelo

O estudo do libelo-crime acusatório tem importância histórica, mercê de não ser mais previsto na legislação processual penal a partir do ad-vento das modifi cações inseridas pela Lei n.º 11.689/2008. Com a visão desse instituto, é possível entender, de um lado, os limites que a tese de acusação encontra na segunda fase do rito do júri, bem como das desvantagens do reconhecimento judicial de nulidades que poderiam ser sanadas, sem a necessidade de se dar prevalência exagerada à forma em detrimento do conteúdo do ato processual.

Com essa advertência, pode-se afi rmar que o libelo era a peça inau-gural do juízo de mérito (judicium causae). Era formulado consoante re-gras legais estabelecidas no Código de Processo Penal. Sua forma não era livre, tal como se dá na denúncia. Ao revés, o libelo devia ser feito sob a forma de articulado, vale dizer, os fatos deviam ser relatados parte por parte, a começar do fato principal, passando pelas qualificadoras e, se houvesse, circunstâncias agravantes.

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O fito desse desmembramento fático era o de delimitar a acusação da forma mais compreensível para os jurados e, mormente, de modo a servir de parâmetro para a elaboração da quesitação. Os quesitos ti-nham, portanto, como ponto de partida o libelo, sendo acrescidos pelas teses da defesa. Com a reforma do procedimento do júri, foi simplifi cado o rito com a supressão do libello, tornando a pronúncia o parâmetro ex-celente para o desenrolar de toda a segunda fase do júri, inclusive para a elaboração dos quesitos, que também foram simplifi cados.

De acordo com o texto revogado, uma vez preclusa a sentença de pronúncia, o escrivão certificava este fato e abria vista ao Ministério Pú-blico para o oferecimento do libelocrime, em cinco dias. O libelo era peça essencial, pressuposto indeclinável para o processamento do acusado. O prazo de seu oferecimento era impróprio, dando azo a delongas pro-cessuais. As formalidades que eram exigidas pela legislação e as irregu-laridades ocorridas na sua apresentação ensejavam uma série de ale-gações de nulidades do próprio libelo-crime e dos atos dele decorrentes. Ademais, o não oferecimento no prazo poderia ensejar comunicação do juiz ao procurador-geral e/ou aos órgãos de corregedoria, já que, por for-ça da Constituição de 1988, sem efi cácia estava o art. 419, CPP (em sua redação anterior), que previa aplicação de multa ao promotor desidioso e a nomeação de advogado para fazer as vezes do MP (promotor ad hoc). Restava, pois, provocar o procurador geral para que suprisse a omissão e, para tanto, podia designar outro membro do MP para apresentação do libelo.

Sendo a ação penal iniciada por queixa subsidiária da pública, o pra-zo que tinha o querelante para oferecer o libelo era de dois dias (art. 420, CPP, redação anterior). Se não o fizesse, os autos seguiam com vista ao Parquet para apresentá-lo, quando se cuidasse originariamente de delito de ação penal pública incondicionada, sob o qual não recai perempção (causa extintiva de punibilidade).

A compreensão das regras do libelo, ora suprimiddo pelo legislador, era importantíssima, destacando-se: (1) nunca houve libelo bifronte no direito brasileiro, ou seja, o libelo era dirigido tão-somente ao juiz-presi-dente do tribunal do júri – embora fosse lido pelo promotor ou procurador da república no plenário –, não havendo que se falar em uma parte fática endereçada aos jurados e outra de aplicação do direito destinada ao juiz togado; (2) o libelo era individual: para cada acusado, era exigido um libelo, com sua qualificação pormenorizada – se fossem dois acusados,

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dois libelos –, da mesma forma que para cada réu havia – e ainda con-tinua existindo – uma quesitação específica; (3) o libelo era dividido em tantas séries de quesitação quantos crimes conexos fossem imputados ao acusado, obedecendo cada série à linguagem articulada, isto é, o fato criminoso e suas circunstâncias deveriam ser desmembrados por artigos, a começar do fato principal; (4) o libelo era o espelho fiel da pro-núncia, não podendo incluir qualificadora ou crime conexo não reconhe-cido na decisão de admissibilidade da acusação, sob pena de nulidade (o Ministério Público que não recorreu da pronúncia, não pode discordar dela depois de preclusa); (5) como na pronúncia o juiz não pode fazer menção a circunstâncias agravantes, era no libelo que o Parquet deveria cuidar para que as agravantes possíveis fossem incluídas, sob pena de preclusão (agora, com a extinção do libelo-crime, o local próprio para a alegação de agravantes é a sessão popular, durante os debates da segunda fase do rito do júri, na esteira do entendimento prevalecente de que era simples faculdade do promotor apresentar as agravantes no libelo, pelo que podia sustentá-las apenas no plenário de julgamento; (6) era no libelo que deveria ser apresentado rol de até cinco testemunhas, oportunidade em que o membro do Ministério Público deveria requerer as respectivas oitivas com caráter de imprescindibilidade, já que, se não o fizesse, não poderia exigir suspensão do julgamento pela ausência de uma delas ou condução coercitiva de eventual depoente faltoso residen-te na comarca (caso se tratasse de testemunha militar deveria requerer a requisição ao chefe do respectivo serviço); (7) deveriam ser requeridas, no libelo, as diligências indispensáveis ao julgamento plenário, tal como se dá com o pedido de apreensão de armas ou objetos que interessam ao esclarecimento dos fatos; e, (8) ao final do libelo, o órgão acusador deveria pedir a condenação do acusado nas penas do crime a ele impu-tado, com as qualificadoras pertinentes, causas de aumento específicas e agravantes, sempre de forma congruente com a pronúncia, não caben-do, naquela oportunidade, incluir circunstância de privilégio, atenuante ou mesmo a argumentação de continuidade delitiva (caso entendesse existir circunstância minorante, de benefício ao acusado ou de excluden-te de ilicitude, o promotor de justiça ou procurador da república deveria mencioná-los por ocasião dos debates).

Ademais, necessário enfatizar que se o libelo fosse apresentado em desconformidade com as regras do Código de Processo Penal – com a potencialidade de causar nulidade do processo a partir dele, inclusi-ve do julgamento plenário –, caberia ao juiz-presidente não recebê-lo,

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devolvendo-o ao órgão do Ministério Público para que apresentasse ou-tro, em quarenta e oito horas (art. 418, CPP, redação anterior). O libelo defeituoso era tão grave para o processo penal por crime contra a vida, que o Código autorizava a postura ativista do juiz para fi scalizar sua exatidão, evitando-se marchas e contramarchas processuais que o tor-nem ineficiente. Com as modifi cações introduzidas no CPP pela Lei n.º 11.689/2008, as discussões de nulidades relativas ao libelo-crime acu-satório perderam relevo. Seu estudo interessa, contudo, para se com-preender melhor regras incidentes na pronúncia (o divisor de águas das duas fase do júri e também, quando preclusa, o ponto inicial da segunda estapa) e na quesitação.

4.11. Contrariedade ao libelo

A apresentação de resposta ao libelo-crime acusatório pela defesa era uma faculdade. Após apresentado o libelo pelo Parquet e recebido pelo juiz, este ordenava a notifi cação do acusado e de seu defensor para apresentar contrariedade. A ausência de sua apresentação não implicava, portanto, em qualquer nulidade. O prazo para apresentação da contrariedade era de cinco dias (art. 421, parágrafo único, CPP, redação anterior). Na prática, era a oportunidade para que o acusado e seu defensor providenciassem a juntadadocumentos, requerimento de diligências e oitiva de testemunhas em plenário, com caráter de imprescindibilidade, caso não quisessem correr riscos de não produzir tais provas.

4.12. Desaforamento

Desaforamento é o deslocamento da competência do processo de crime doloso contra a vida para a comarca mais próxima. Essa alteração do foro do julgamento é de natureza excepcional, sendo necessário para o seu deferimento, a incidência de um dos seus pressupostos específi -cos. A idéia que norteia o desaforamento é a de que o júri não possa ser realizado no local do cometimento do delito sem que haja risco para o julgamento, seja no tocante à parcialidade do júri, seja quanto à segu-rança do acusado. Permeia a interpretação/aplicação do art. 427, CPP, a atenção para o clamor público e para a possível influência do poder econômico ou político existente no foro competente.

O desaforamento, via de regra, só pode ocorrer após a preclusão da pronúncia do Acusado. Não é o desaforamento admitido na pendência

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de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julga-mento, salvo, neste último caso, “quanto a fato ocorrido durante ou após a realização a realização de julgamento anulado (§ 4º, do art. 427, CPP, acrescentado pela Lei n.º 11.689/2008).

Não existe um termo fi nal para que seja o feito desaforado. Presentes os motivos, pode haver o deslocamento do processo para a comarca mais próxima. O desaforamento tanto pode se dar por iniciativa da par-te quanto do juiz, sempre perante o tribunal de segunda instância ao qual está vinculado o juízo. Quando requerido pela parte, o juiz prestará informações, sendo seguida de decretação do desaforamento ou seu indeferimento pelo tribunal. Se a provocação para o desaforamento se der por iniciativa do juiz, mediante representação, não há que se falar em solicitação de informações ao magistrado. Bastará a decisão do tribunal decretando ou denegando o desaforamento.

O desaforamento, requerido pelas partes ou representado pelo juiz, poderá ser decretado pelos seguintes motivos (art. 427, CPP, nova reda-ção): (1) se o interesse da ordem pública o reclamar; e, (2) se houver dú-vida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu. Existe ainda um outro motivo de desaforamento que não pode se dar a pedido do magistrado, mas tão somente das partes (defesa e Ministério Público), qual seja: quando o julgamento não se realizar no prazo de seis meses contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia (confor-me nova redação dada ao art. 428, CPP, pela Lei n.º 11.689/2008).

Antes da alteração legislativa, o prazo dessa hipótese de desafora-mento era de um ano a contar do recebimento do libelo (parágrafo úni-co, art. 424, redação anterior), dede que a defesa ou o réu não tivesse dado causa à demora). Agora, a nova redação do art. 428, CPP, reza que o desaforamento poderá ser ordenado, “em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, conta-do do trânsito em julgado da decisão de pronúncia”, não se computan-do na contagem de tal período “o tempo de adiamentos, diligências ou incidentes de interesse da defesa” (§ 1º). Todavia, “não havendo exces-so de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento” (§ 2º).

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Por fim, sublinhe-se que o desaforamento deverá acontecer “para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas”, conforme a nova redação do art. 427, CPP. Uma vez desaforado o julgamento não cabe, em regra, reafora-mento, em face da preclusão. O óbice subsiste mesmo se desaparecida a razão que determinou o deslocamento da competência. Todavia, se no foro de destino sobrevierem motivos para que o processo seja reaforado e se no de origem as razões tiverem cessado, o reaforamento – com retorno do processo ao foro original – é, excepcionalmente, possível. As-segurando o contraditório e a ampla defesa, o STF assevera, na Súmula n º 712, que se for determinado o desaforamento sem prévia oitiva da defesa, a decisão é nula.

4.13. INSTALAÇÃO DA SESSÃO DO JÚRI

4.13.1. Noção de sessão do júri

Estando o processo maduro para o julgamento pelo tribunal do júri, o juiz-presidente providenciará os preparativos para a sessão. A sessão do júri é termo que recai em certa ambigüidade na prática forense. Isso porque em comarcas onde são realizados julgamentos de vários proces-sos de crimes dolosos contra a vida por períodos sucessivos, tem-se o hábito de se dar o nome de sessão à pauta do júri de determinado mês, por exemplo, onde se encontram listados dez processos prontos para julgamento. De outro ângulo, a sessão do júri (sessão de instrução e julgamento) é também a sucessão de atos processuais que compõem o julgamento de um único processo relativo a um acusado ou a vários acusados em co-autoria.

Esclarecida a ambigüidade – que pode até inexistir naquelas comar-cas menores onde raramente é realizado um tribunal do júri e foi de certa forma suprida pela inclusão da epígrafe “organização da pauta”, a partir do art. 429, CPP, pela Lei n.º 11.689/2008, fazendo menção a uma reunião periódica do júri –, tem importância comentar as providências iniciais para a organização da pauta júri, a começar pela alistagem geral de jurados.

4.13.2.Alistamento dos jurados

Antes da organização da pauta, do sorteio e da convocação dos jura-dos para a reunião periódica ou extraordinária, será elagorada a listagem

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geral de jurados, com a indicação das respectivas profi ssões. Essa lista deve ser anualmente completada (§ 5º, art. 426, CPP). O alistamento do jurados é procedido pelo juiz presidente, nos termos do art. 425, CPP (nova redação dada pela Lei n.º 11.689/2008). Os jurados serão alista-dos com base em informações prestadas ao magistrado por entidadades idôneas (públicas e/ou privadas), de que reunem as condições para o exercício da função (considerada serviço público relevante), mormente que sejam “cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneida-de” (art. 436, CPP).

O número do universo dos jurados para a formação da lista geral foi aumentado pela reforma processual penal, em razão de que o art. 425, CPP, passou a estabelecer que “anualmente, serão alistados pelo presidente do tribunal do júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e qui-nhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos) nas comarcas de menor população”. O número de jurados poderá ser ampliado nas comarcas onde houver necessidade, bem como pode ser “organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna espe-cial” (§ 1º).

4.13.3. Organização da pauta

Como se infere, a organização da pauta do júri pressupõe o alista-mento dos jurados em uma lista geral. O art. 429, CPP (nova redação), estabelece que ressalvado “motivo relevante que autorize alteração na ordem dos julgamentos, terão preferência”: (1) “os acusados presos”; (2) “dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão”; e, (3) “em igualdade de condições, os precedentemente pronun-ciados”. Para viabilizar o julgamento dos processos incluídos na pauta do júri da reunião periódica, evitando adiamentos para uma futura pauta, o §1º, do art. 429, CPP, preconiza que “antes do dia designado para o primeiro julgamento da reunião periódica, será afi xada na porta do edifí-cio do Tribunal do Júri a lista dos processos a serem julgados, obedecida a ordem prevista no caput deste artigo”, devendo o juiz presidente reser-var “datas na mesma reunião periódica para a inclusão de processo que tiver o julgamento adiado” (§ 2º).

Ainda como providências para a organização da pauta, o art. 430, CPP (nova redação), averba que “o assistente somente será admitido

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se tiver requerido sua habilitação até 5 (cinco) dias antes da data da sessão na qual pretenda atuar”. Em acréscimo, a nova redação do art. 431, CPP, dispõe que, quando o processo estiver “em ordem, o juiz presidente mandará intimar as partes, o ofendido, se for possível, as testemunhas e os peritos”, se existir requerimento neste sentido último, “para a sessão de instrução e julgamento”.

4.13.4. Sorteio e convocação dos jurados

A teor do art. 432, CPP, “em seguida à organização da pauta, o juiz presidente determinará a intimação do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública para acompanharem, em dia e hora designados, o sorteio dos jurados que atuarão na reunião pe-riódica”. Esse sorteio é presidido pelo juiz e será feito “a portas abertas, cabendo-lhe retirar as cédulas até completar o número de 25 (vinte e cin-co) jurados, para a reunião periódica ou extraordinária”. Como se vê, não prevê mais o Código, após a entrada em vigor das modifi cações introdu-zidas pela Lei n.º 11.689/2008, que as cédulas da urna geral sejam reti-radas por um menor de dezoito anos (art. 428, CPP, redação anterior). O próprio juiz é quem retirará as cédulas da urna relativa à lista geral.

Ainda sobre o sorteio, importa observar que: (1) será ele “realizado entre o décimo quinto e o décimo dias úteis antecedentes à instalação da reunião” (§ 1º); (2) “a audiência de sorteio não será adiada pelo não comparecimento das partes (§ 2º); (3) “o jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído para as reuniões futuras” (§ 3º); (4) “os jurados sorteados serão convocados pelo correio ou por qualquer outro meio hábil para comparecer no dia e hora designados para a reunião, sob as penas da lei”, com a transcrição dos dispositivos atinentes à dis-ciplina da função de jurado (art. 434, parágrafo único, CPP); e, (5) “serão afi xados na porta do edifício do tribunal do júri a relação dos jurados convocados, os nomes do acusado e dos procuradores das partes, além do dia, hora e local das sessões de instrução e julgamento” (art. 435, CPP).

4.13.5. Função de jurado

O Código de Processo Penal traz o regramento da função do jurado, verberando que “o serviço do júri é obrigatório” e que “o alistamento com-preenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneida-de” (art. 436, caput, CPP, nova redação dada pela Lei n.º 11.689/2008),

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não podendo nenhum cidadão “ser excluído dos trabalhos do júri ou dei-xar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profi ssão, classe social ou econômica, origem ou grau de instrução” (§ 1º). De outra parte, “a recusa injustifi cada ao serviço do júri acarretará multa no valor de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a condição econômica do jurado” (§ 2º). Também será imposta multa “ao jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no dia marcado para a sessão ou retirar-se antes de ser dispensado pelo presidente” no valor “de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com a sua condição econômica” (art. 442, CPP).

Sem embargo, algumas pessoas, em razão do exercício de cargo, função pública, mandato eletivo ou por situações particulares justifi cá-veis, são isentas do serviço do júri, quais sejam: (1) “o Presidente da República e os Ministros de Estado”; (2) “os Governadores e seus res-pectivos Secretários”; (3) “os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais”; (4) “os Prefeitos Municipais”; (5) “os Magistrados e membros do Ministério Pú-blico e da Defensoria Pública”; (6) “os servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública”; (7) “as autoridades e os servidores da polícia e da segurança pública”; (8) “os militares em servi-ço ativo”; (9) “os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram sua dispensa”; e, (10) “aqueles que o requererem, demonstrando justo impedimento”.

A resusa do serviço do júri, quando fundada em convicção religiosa, fi losófi ca ou política, importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. Note-se que aqui o cidadão apresenta justifi cativa que afasta a aplicação da multa do § 2º, do art. 436, CPP. Contudo, a ele é imposta a prestação de serviço alternativo, que é “o exercício de ativida-des de caráter administrativo, assistencial, fi lantrópico ou mesmo produ-tivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fi ns” (art. 438, §1º, CPP), devendo ser fi xado pelo juiz em compasso com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (§ 2º).

Outrossim, “o exercício efetivo da função de jurado constituirá ser-viço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento defi nitivo” (art. 439, CPP), passando a ter o direito de “preferência, em

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igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, me-diante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção funcional ou remoção voluntária” (art. 440, CPP).

Por fi m, anote-se que a função de jurado é regrada ainda pelas se-guintes disposições: (1) “nenhum desconto será feito nos vencimentos ou salário do jurado sorteado que comparecer à sessão do júri” (art. 441, CPP); (2) “somente será aceita escusa fundada em motivo relevan-te devidamente comprovado e apresentada, ressalvadas as hipóteses de força maior, até o momento da chamada dos jurados” (art. 443, CPP); (3) “o jurado somente será dispensado por decisão motivada do juiz pre-sidente, consignada na ata dos trabalhos” (art. 444, CPP); (4) “o jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável cri-minalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados (art. 445, CPP); e (5) “aos suplentes, quando convocados, serão aplicáveis os dispositivos referentes às dispensas, faltas e escusas e à equipa-ração de responsabilidade penal prevista no art. 445” (art. 446, CPP).

4.13.6. Reunião e sessões do tribunal do júri

A instalação da sessão de instrução e julgamento do júri – dia do julgamento de um processo com um ou mais acusados da prática de crime doloso contra a vida – é iniciada com a conferência, pelo juiz-presidente, das cédulas com os nomes dos vinte e cinco jurados sor-teados dias antes (antes da Lei n.º 11.689/2008 esse número era de vinte e um jurados), mandando que o ofi cial de justiça faça o pregão quando verifi car, pela chamada feita com base na lista dos vinte e cinco jurados (art. 462, CPP), que houve o comparecimento de pelo menos quinze deles (art. 463, § 1º, CPP). São desses vinte e cinco jurados que serão sorteados os sete que farão parte do conselho de sentença.

Nos termos do § 2º, do art. 463, CPP, “os jurados excluídos por impe-dimento ou suspeição serão computados para a constituição do número legal”. Caso não haja o número de quinze jurados, “proceder-se-á ao sorteio de tantos suplentes quantos necessários, e designar-se-á nova data para a sessão do júri” (art. 464, CPP), de tudo consignando em ata (art. 465, CPP).

As partes devem estar atentas ao andamento da sessão. A preclu-são, em regra, tem incidência para o fi m de sanar nulidades que não se-jam absolutas, isto é, aquelas que não tragam prejuízo para a defesa ou

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para a acusação de forma irremediável devem ser aduzidas no momento oportuno, sob pena de não ser permitido mais fazê-lo. Daí que assim que o juiz constatar o comparecimento de quinze jurados, com a abertura da sessão (o juiz declará a abertura dos trabalhos, ex vi do art. 463, CPP), a parte interessada terá o ônus de alegar a nulidade que entende ser argüida em seu favor. Sobre ela o juiz decidirá, consignando-se em ata. Pode se exemplifi car com a juntada de provas novas por uma das partes. O CPP determina que do documento novo trazido aos autos, seja juntado com atencedência mínima de três dias do início da sessão, dando-se ciência à parte contrária. A rigor, o documento sequer pode ser encionado durante o julgamento.

O juiz deve se acautelar para que júri não seja adiado, especialmente considerando o trabalho que se tem com sua preparação. Algumas fal-tas podem ser imperativas para inviabilizar a realização do julgamento. A propósito, para que a falta de tesemunha ao plenário seja capaz de adiar o julgamento a parte deve arrolá-la no momento adequado (art. 422, CPP), com a menção de seu caráter de imprescindibilidade. Nessa hipótese, sua ausência pode determinar sua condução coercitiva ou o adiamento da sessão, caso não seja possível encontrá-la no dia do jul-gamento (art. 461, CPP).

A ausência do acusado solto que tenha sido devidamente intimado não justifi ca sua condução coercitiva, nem tampouco o adiamento do júri. Já se estiver preso, sua presença é obrigatória, ressalvado pedido expresso de dispensa subscrito pelo réu e por seu advogado. Já a au-sência injustifi cada do defensor constituído e do membro do Ministério Público, impõe o adiamento para a data mais próxima. Quanto às faltas injustificadas, cabíveis são as providências disciplinares junto aos ór-gãos de corregedoria das respectivas instituições.

Como se infere, não mais prevê o CPP, após o advento da Lei n.º 11.689/2008, o adiamento da sessão diante da ausência do réu por cri-me inafiançável, só realizando o júri sem a presença do acusado quando se cuidasse de crime afiançável, com comprovação de sua intimação, aliada de não apresentação de justifi cativa de motivo legítimo (art. 451, §1º, CPP, redação anterior). Agora, só há obrigatoriedade de compareci-mento do acusado intimado se este estiver preso. Ainda assim, pode ser dispensada sua presença, mediante requerimento dele e de seu advoga-do. Caso o réu esteja solto, é possível não só a realização do julgamento sem a sua presença, como também sua intimação por edital (art. 457, CPP, nova redação).

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Com essas observações, é importante volver para os enunciados que tratam das sessões do tribunal do júri no Código de Processo Penal reformado. O tribunal popular deve se reunir “para as sessões de ins-trução e julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária” (art. 453). O juiz presidente, até o momento de abertura dos trabalhos da sessão, “decidirá os casos de isenção e dispensa de jurados e o pedido de adiamento de julgamento, mandando consignar em ata as deliberações” (art. 454).

Caso o Parquet não compareça, tem incidência o art. 455: “o juiz pre-sidente adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, cientifi cadas as partes e as testemunhas”. Nos termos do seu parágrafo único, “se a ausência não for justifi cada, o fato será imediata-mente comunicado ao Procurador-Geral de Justiça com a data designa-da para a nova sessão”.

De outra banda, se a falta, sem motivo legítimo, for do advogado do acusado, será comunicado o fato ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão (art. 456). Se não houver “escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado no-vamente”, caso em que “o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias” (§§ 1º e 2º).

Conforme o art. 457, “o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado”. O tratamento é di-ferenciado de forma plausível, eis que, de um lado, o acusado solto é dispensado de comparecer e, de outro, a fi gura do assistente não invalida a acusação, diante da presença do Ministério Público. No que toda ao querelante, sua ausência enseja perempção caso se trate de ação penal de iniciativa privada. Se a ação penal privada for subsidiária da pública, deve o Parquet retomá-la para o fi m de ser realiado o júri, sem que seja ele adiado.

As solicitações “de adiamento e as justifi cações de não compareci-mento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamen-te submetidos à apreciação do juiz presidente do tribunal do júri” (§ 1º, art. 457), valendo enfatizar que “se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reu-

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nião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor” (§ 1º).

No tocante à disciplina do comparecimento das testemunhas, o art. 458 preconiza que a ausência de testemunha, sem justo motivo, impli-cará a multa de no valor “de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos (§ 2º, art. 436), sem prejuízo da ação penal pela desobediência (art. 458). Sem embargo, nenhum desconto será feito nos vencimnetos o salário da tes-temunha (art. 459). Destaque-se, ainda que “o julgamento não será adia-do se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização” (art. 461). Sobre esse ponto, duas regras merecem relevo: (1) “se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente sus-penderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução” (§ 1º); e, (2) “o julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha não ser encontrada no local indicado, se assim for certifi cado por ofi cial de justiça” (§ 2º).

4.14. Formação do conselho de sentença

Comparecendo as partes, as testemunhas e o número mínimo de jurados – estando em ordem a sessão já instalada –, será realizado o sorteio dos sete jurados que formarão o conselho de sentença, com a observação de que “antes de constituído o Conselho de Sentença, as testemunhas serão recolhidas a lugar onde umas não possam ouvir os depoimentos das outras” (art. 460, CPP, nova redação).

Deveras, nos termos do art. 463, CPP, estando presentes, “pelo menos, 15 (quinze) jurados, o juiz presidente declarará instalados os trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento”. A seguir, “o ofi cial de justiça fará o pregão, certifi cando a diligência nos autos” (§ 1º).

É mister notar a existência de impedimentos, suspeições e incompa-tibilidades legais de que cuidam os artigos 448 a 449, CPP. Desse modo, incompatibilidade, suspeição e/ou impedimento poderão existir, em face de parentesco com o juiz, com o promotor ou com o advogado, bem como na hipótese de servir no mesmo conselho marido e mulher, ascen-dente e descendente, sogro e genro ou nora, irmãos e cunhados durante

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o cunhadio, tio e sobrinho, bem como padrasto, madrasta ou enteado. É de se salientar que o jurado que compôs o conselho de sentença do júri anterior do mesmo processo – julgamento, por exemplo, anulado pelo tribunal por ter se dado de forma contrária à prova dos autos – estará im-pedido de participar da nova sessão, sob pena de nulidade (Súmula n.º 206, STF). Da mesma forma, não poderá servir o jurado que tiver mani-festado prévia disposição em absolver ou condenar o acusado. Todavia, se for realizada a sessão com tais nulidade, ela só será reconhecida se o voto de um jurado tiver sido definidor do resultado do julgamento.

O sorteio dos sete jurados se dá nome por nome, com possibilidade de manifestação de recusa, primeiro pela defesa e, depois, da acusação. As recusas podem ser com ou sem justifi cativa. O Código estabelece o número de até três recusas sem motivação, isto é, as chamadas recu-sas peremptórias. Assim, tanto a defesa quanto o Ministério Público poderão recusar a participação de jurado no conselho de sentença sem indicar qualquer justifi cativa, dentro da estratégia traçada. Além das re-cusas peremptórias, podem ocorrer recusas justifi cadas. Nesse caso, a parte que recusar o jurado será instada pelo juiz a apresentar prova de sua alegação, podendo o magistrado aceitar as razões ou rejeitá-las. As recusas justifi cadas não têm número de limitação legal, já que estão vinculadas ás hipóteses de suspeição e de impedimento. Se em face das recusas não restar o número de jurados para compor o conselho de sen-tença, acontece o que se chama de estouro de urna, marcando-se nova data para o julgamento de um ou mais dos acusados, com separação de processos, com convocação de suplentes.

Na forma do art. 469, CPP, com redação determinada pela Lei n.º 11.689/2008, “se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas po-derão ser feitas por um só defensor”. Por sua vez, “a separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sen-tença” (§ 1º), com a observação de que uma vez “determinada a separa-ção dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, aplicar-se-á o critério de preferência do art. 429”, a começar pelo acusado que estiver preso, com mais tempo de prisão e, por derradeiro, os precedentemente pronunciados (§ 2º).

Uma vez formado o conselho de sentença, todos os presentes de-vem se posicionar de pé, juntamente com o juiz, para a tomada de

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compromisso dos jurados, que prometerão julgar com imparcialidade e justiça a causa posta em mesa, consoante os ditames da convicção íntima (art. 472, CPP). O parágrafo único deste dispositivo estatui que “o jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do re-latório do processo”.

4.15. Atos instrutórios

Com o conselho de sentença completo, terá lugar a instrução em ple-nário. Não mais inicia ela com o ato de apregoar e qualifi car o réu. Não é mais o seu interrogatório o primeiro ato instrutório a ser realizado. Houve inversão do rito, para enfatizar o direito à ampla defesa e ao contraditório e, também na fase do judicium causae, o interrogatório do acusado que estiver presente será tomado ao fi nal, porém, antes dos debates orais. Desse modo, segue-se a tendência de acentuar o caráter de meio de defesa do interrogatório.

Será iniciada, então a instrução plenária no momento em que “o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofen-dido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação” (art. 473, caput, CPP, com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008). Para a oitiva “das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, man-tidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo” (§ 1º). Já os jurados só “poderão formular perguntas ao ofendido e às testemu-nhas, por intermédio do juiz presidente” (§2º).

Veja-se que, havendo testemunhas a serem ouvidas, serão tomados os respectivos depoimentos de modo que uma não ouça o depoimento das outras. São ouvidas primeiro as testemunhas arroladas pela acu-sação. Por último, são ouvidas as indicadas pela defesa. É possível a oitiva de pessoas que não tenham o dever de dizer a verdade, sendo consignada sua qualidade de informante. Sob outro prisma, os jurados podem solicitar que seja tomado por termo o depoimento de pessoa não arrolada expressamente no libelo ou na contrariedade, cujo nome tenha surgido durante a sessão. Nessa hipótese, é possível inclusive a suspen-são do julgamento para que seja diligenciado o paradeiro do depoente e, em caso extremo, é admissível a dissolução do conselho de sentença se

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persistir a necessidade do jurado em ouvir a pessoa apontada, a teor do art. 481, CPP (nova redação).

De acordo com o § 3º, do art. 473, CPP, “as partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refi ram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cau-telares, antecipadas ou não repetíveis”. Não há mais possibilidade de requerimento de leitura de todas as peças do processo, como estratégia da defesa ou da acusação para tornar o processo mais demorado. Caso deseje ler alguma peça processual, a parte deverá assim proceder du-rante sua sustentação oral.

Não obstante as divergências sobre a natureza do interrogatório, a disciplina normativa vigente a partir da Lei n.º 10.792/2003, que conferiu nova redação ao art. 185, CPP, evidencia ser ele meio de defesa, es-pecialmente porque antes de ser interrogado, o acusado pode silenciar, sem que isso possa ser considerado em prejuízo de sua defesa, nos termos da Constituição do Brasil. Ao final do interrogatório, as partes podem fazer reperguntas, para que o réu esclareça algum ponto de suas declarações. Deve-se permitir que sejam feitas diretamente, sem o in-termédio do juiz presidente. No entanto, se este interceder, haverá mera irregularidade.

O iterrogatório será o último ato instrutório, sem prejuízo da possibi-lidade de reinquirição dos depoentes durante a sessão plenária. Com a nova disciplina legal, não vem o interrogatório em primeiro lugar, seguido do relatório do processo, com a narração dos atos processuais de maior relevância (art. 466, caput, CPP, redação anterior). Agora, o relatório do processo é lançado aos autos antes da sessão de julgamento e o inter-rogatório é o ato de encerramento da instrução que precede os debates orais. Na forma dos §§ 1º e 2º, do art. 474, CPP, “o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular, diretamente, perguntas ao acusado”, enquanto “os jurados formularão perguntas por intermédio do juiz presidente”.

Por último, o art. 475, CPP, aviva que “o registro dos depoimen-tos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a ob-ter maior fi delidade e celeridade na colheita da prova”. A sua vez, “a transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos” (parágrafo único).

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4.16. Debates e poderes do juiz

Depois de concluídos os atos de instrução, serão iniciadas as sus-tentações orais, a começar pela da acusação. O promotor de justiça ou o procurador da república – dividindo o tempo com o assistente de acusa-ção, se houver – terá até uma hora e meia (não mais duas horas, como antes do advento da Lei n.º 11.689/2008) para produzir a acusação, sen-do acrescida de uma hora se mais de um acusado estiver sendo julgado.

Na sua sustentação oral, o Ministério Público Ministério Público fará a acusação “nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, ustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante”. O libelo-crime acusatório foi suprimido pela reforma processual e o parâmetro para a formulação da acusação oral passou a ser unicamente a pronúncia, conferindo liberdade ao Parquet para sustentar em plenário a existência de agravantes. O assistente se manifestará oralmente depois do Ministério Público (§1º). Caso se trate de “ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro lugar o querelan-te e, em seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a titularidade da ação”.

Note-se que o Parquet, malgrado esteja limitado pela pronúncia, não está impedido de pedir menos do que nela contido ou de requerer a absolvição. Os jurados – que se manterão incomunicáveis entre si, sob pena de multa na forma do art. 436, § 2º, CPP, – poderão solicitar a indi-cação da página dos autos ou do documento pelo orador, nos termos do parágrafo único, do art. 480, CPP (nova redação).

Sem embargo, a teor do art. 478, CPP, “durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências”: (1) “à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que benefi ciem ou prejudiquem o acusado”; e, (2) “ao silêncio do acu-sado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo”.

A defesa seguirá com sua sustentação, pelo prazo de uma hora e meia (não mais duas horas, como antes do advento da Lei n.º 11.689/2008), sendo aumentada de uma hora quando existir mais de um réu (art. 477, § 2º, CPP). Sendo vários os defensores, eles combinarão entre si a divisão do tempo. O advogado do acusado responderá a acusação, definindo a tese de defesa.

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Após sua oratória, poderá haver réplica por parte do Ministério Pú-blico, querelante e/ou assistente, pelo tempo de uma hora (não mais de trinta minutos, como antes da vigência da Lei n.º 11.689/2008), elevado esse tempo ao dobro se existirem mais de um réu. O tempo de réplica será dividido conforme convencionarem os oradores. Havendo réplica, a defesa poderá apresentar tréplica (resposta à réplica), pelo mesmo tem-po de uma hora (se um acusado estiver sendo julgado), sendo duplicado se o julgamento for de mais de um acusado.

Naturalmente, se não houver réplica do acusador, não será oportuni-zada tréplica à defesa. Para tanto, quando o juiz-presidente ao indagar se o Ministério Público deseja replicar, ele deve se limitar a dizer não. Havendo manifestação do acusador no sentido de responder à sustenta-ção oral da defesa, ainda que de forma singela, tal comportamento será havido como réplica, dando lugar à tréplica. Durante os debates, o juiz-presidente e os jurados não poderão se ausentar. Caso haja necessida-de, o julgamento deve ser suspenso, inclusive o tocante à marcação do tempo para a sustentação respectiva. Aos jurados e ao juiz-presidente não é dado sinalizar favoravelmente a qualquer uma das teses. Havendo dúvida por parte de algum dos membros do conselho de sentença, essa pode ser dirigida ao orador por intermédio do juiz.

O juiz regulará os debates, tomando as providências para que sejam os respectivos tempos registrados e para que seja mantida a ordem da sessão. O magistrado tem o poder de polícia necessário para mandar retirar as pessoas inconvenientes. O juiz também disciplinará os apartes (intervenções de um orador na fala do outro) que, atualmente conta com previsão expressa no inciso XII, do art. 497, CPP (com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008), quando a parte contrária estiver com a pala-vra, pelo prazo máximo de até três minutos para cada aparte requerido, acrescendo o tempo da parte que teve sua sustentação interrompida.

Encerrados os debates, o juiz indagará se os jurados estão aptos a julgar os fatos. Nesse momento, o conselho de sentença pode pedir es-clarecimentos. Tudo com o objetivo de que a conduta imputada e a tese de defesa tenham sido bem compreendidas. Os jurados terão conheci-mento, nessa altura, dos quesitos a que deverão responder. Serão eles lidos em plenário, com explicação dos signifi cados correspondentes. Os debatedores também a eles terão acesso, podendo apontar incorreções e a necessidade de ajustes consoante o desenvolvimento do que for sustentado durante a sessão.

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4.17. Formulação dos quesitos e votação

A formulação dos quesitos no júri sofreu considerável alteração com o advento da reforma processual penal da Lei n.º 11.689/2008. Segui-se a tendência de simplifi car a formulação e entendimento dos quesitos, reservando aos jurados sua função de juiz dos fatos. A título de registro histórico e da percepção dos problemas que podem decorrer da má for-mulação da quesitação, faremos menção ao texto revogado.

Dispunha o então art. 480, CPP, que “lidos os quesitos, o juiz anun-ciará que se vai proceder ao julgamento, fará retirar o réu e convidará os circunstantes a que deixem a sala”. Fechadas as portas – na sala deno-minada de secreta, quando possível fazer a votação em sala especial – e “presentes o escrivão e dois ofi ciais de justiça, bem como os acusadores e os defensores, que se conservarão nos seus lugares, sem intervir nas votações, o conselho, sob a presidência do juiz, passará a votar os que-sitos que lhe forem propostos” (art. 481, CPP, redação anterior).

Os quesitos eram formulados de maneira técnica. Retratava, em cer-ta medida, o fato consoante articulado no libelo-crime acusatório (ho-je suprimido pela reforma processual penal). Para cada acusado (em hipótese de co-autoria e participação), há um questionário específico. Havendo mais de um crime, para cada um deles haverá uma série de quesitos. É o que dispõe o § 6º, do art. 483, CPP (nova redação). A ela-boração dos quesitos, em caso de mais de um crime, começará pela do crime contra a vida. A existência de crime contra a vida é pressuposto da competência dos jurados. Negada a existência de delito contra a vi-da, com desclassifi cação para outro delito, cessa a competência do júri, passando esta ao juiz-presidente, que proferirá a sentença de imediato. Daí a relevância de se saber a ordem dos quesitos.

De acordo com o texto anterior, essa ordem era iniciada pelo fato principal. O juiz deveria indagar, por exemplo, se o acusado, no dia e local mencionados no libelo, realizou conduta que produziu lesões des-critas no laudo de exame de corpo de delito. A resposta negativa a esta questão, tornava prejudicada as demais, com a absolvição do réu. Ha-vendo resposta afimativa, questionava-se se as lesões teriam sido causa da morte da vítima (em caso de acusação de homicídio consumado) ou se agindo daquela forma, o acusado deu início à prática de crime de ho-micídio que não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade (hipótese de homicídio tentado).

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A depender da tese da defesa, após a defi nição do fato fundamental, eram formulados os quesitos correspondentes a ela. Segundo o STF, na Súmula nº 162, é “absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando os quesitos da defesa não precederem aos das circunstâncias agravantes“. Se fosse o caso de alegação de legítima defesa, os quesitos deveriam ser desmembrados em tantos quantos componham suas elementares, ou seja, haveria uma pergunta a respeito de suposta agressão prévia por parte da vítima, outra se essa agressão teria sido injusta, outra se teria sido atual e outra, caso negada a anterior, se teria sido iminente. Sendo respondidas afirmativamente todas as questões, restava acolhida a tese de legítima defesa. Caso contrário, teria sido rejeitada a tese de defesa, tendo seguimento os demais quesitos sobre as qualifi cadoras, causas de aumento e de diminuição, circunstâncias agravantes e atenuantes, sendo nulo o julgamento por falta de quesito obrigatório (Súmula n.º 156, STF).

A Lei n.º 11.689/2008 simplifi cou sobremodo a quesitação. Agora se-rá seguida a ordem do art. 483, CPP (nova redação), questionando-se o Conselho de Sentença tão-somente sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser abolvido. Dessarte, “os quesitos serão redigidos em proposições afi rmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com sufi ciente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes” (art. 482, parágrafo único, CPP).

Decerto, os questitos serão formulados na seguinte ordem e per-guntando precisamente sobre: (1) a materialidade do fato (descrição do crime); (2) a autoria ou participação (se o acusado executou a ação ou para o seu resultado concorreu); (3) se o acusado deve ser absolvido; (4) se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; (5) se existe circunstância qualifi cadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acu-sação.

A resposta em sentido negativo, “de mais de 3 (três) jurados, a qual-quer dos quesitos referidos nos incisos I (materialidade do fato) e II (au-toria ou participação) do caput do art. 483, CPP, encerra a votação e implica a absolvição do acusado (§1º). De outra vertente, “respondidos afi rmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos

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incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: ‘O jurado absolve o acusado?’”, pergunta esta que abrange todas as teses de defesa.

Uma vez que os jurados decidam pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: (1) causa de dimi-nuição de pena alegada pela defesa; e, (2) circunstância qualifi cadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação (§ 3º, art. 483, CPP).

Outrossim, se “sustentada a desclassifi cação da infração para outra de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido após o segundo ou terceiro quesito, conforme o caso” (§ 4º). Também se “sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada ou havendo divergência sobre a tipifi cação do delito, sendo este da competência do tribunal do júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito”.

Não há mais espaço para indagações sobre circunstâncias agravan-tes ou atenuantes, sendo a apreciação destas de competência do juiz-presidente por se tratar prepoderantemente de matéria de direito.

Encerrada a votação do crime doloso contra a vida – e tendo sido ele apreciado pelos jurados, sem que tenha sido desclassifi cado para delito de competência diversa do júri –, será seguida a seqüência da votação dos crimes conexos. Em caso de mais de um acusado, a votação será tomada a começar pelo que teve participação de maior importância. O juiz deve cuidar para esclarecer os quesitos, de molde a evitar contradi-ção que comprometa a validade do julgamento.

Fazendo um cotejo com a disciplina anterior sobre a elaboração dos quesitos, dispostas na antiga redação do art. 484, parágrafo único, CPP, pode-se concluir que a complexidade da formulação das idaga-ções ensejavam maiores possibilidades de reconhecimento de nuli-dade. Calha, portanto, registrar o regramento que vigorava antes do advento da Lei n.º 11.689/2008, para o fi m de atestar a conclusão aqui expendida: (1) “o primeiro deveria versar sobre o fato principal, de con-formidade com o libelo”; (2) se alguma circunstância não fizesse parte da essência do fato principal, seria desdobrada em outro quesito; (3) as questões sobre as teses de defesas tinham lugar após o quesito sobre a letalidade, indagando-se sobre desclassificação, excludentes de ilicitude e de cupabilidade, inclusive relativamente aos excessos do-

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loso ou culposo, se reconhecida alguma dessas; (4) se fossem aduzi-das causas de aumento de pena ou qualifi cadoras, eram perguntadas após as quesitações atinentes às teses defensivas, também de forma destacada; (5) quando haviam mais de um réu, teria lugar uma série de quesitos para cada um, com séries também diversas quando variados fossem os pontos da acusação; (6) “quando o juiz tivesse que fazer diferentes quesitos, deveria formulá-los em proposições simples e bem distintas, de maneira que cada um deles pudesse ser respondido com suficiente clareza”; (7) haveria quesito para cada circunstância agra-vante (constante do libelo, pondo ênfase que não deveveria prevalecer o antigo texto do CPP que possibilitava a inclusão de agravante sus-citada nos debates, sem prévia consignação na petição inicial do judi-cium causae); e, (8) ao final, era indagada a existência de circunstância atenuante específica ou genérica.

A tomada dos votos ocorrerá de quesito por quesito. O juiz mandará distribuir cédulas opacas, sete delas com a palavra “sim” e sete com a palavra “não”. A cada quesito formulado, com a explanação necessária de seu signifi cado, passarão duas urnas: (1) a primeira recolherá os votos de cada um dos jurados; e, em seguida, (2) a segunda recolherá o descarte. Antes de ser formulada a pergunta subseqüente, será apurado o resultado da questão que lhe antecede. Se o delito contra a vida, res-ponsável por fi xar a competência do júri, for desclassificado, a compe-tência dos jurados cessa, sendo o julgamento, de conseguinte, cometido ao juiz-presidente (art. 492, § 2º, CPP). Verifi cando que restaram pre-judicados os quesitos subseqüentes, o juiz assim o declarará (art. 490, parágrafo único, CPP).

O juiz-presidente deve cuidar para que seja mantido o sigilo da vo-tação. Cautela especial merece, a propósito, a possibilidade de vota-ção unânime. O que se propõe, para garantir o sigilo preconizado pela Constituição, é que a apuração seja suspensa assim que defi nido o quarto voto vencedor, também em compasso com o CPP que, em seu art. 488, dispõe que “as decisões do júri serão tomadas por maioria de votos”.

Com efeito, como esteio na disposição constitucional do “sigilo das votações, a interpretação que se chega é a de que, após a Carta Maior de 1988”, os textos dos artigos 487 e 488 do Código de Processo Penal “se completam, porém, entendendo-se declarados os votos afi rmativos e negativos em cada quesito submetido à votação, até que se atinja a maio-

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ria de votos de um ou outro sentido”23.7Foi o que acabou sufragando o legislador da reforma processual penal do rito do júri, consoante já visto.

4.18. Sentença e ata da sessão

Todas as ocorrências da sessão deverão ser registradas em ata. A parte interessada ou que entender prejudicada por alguma decisão do juiz-presidente, deve consignar os seus protestos de imediato na ata, para que reitere em eventual apelação. Caso não haja reclamação opor-tuna, haverá preclusão sobre o ponto, notadamente quando se cuidar de nulidade relativa, que depende de alegação tempestiva. Daí a necessi-dade de atenção especial dos membros da acusação e dos defensores durante a sessão plenária.

Por sua vez, a sentença, não havendo desclassifi cação do crime con-tra a vida, deve ser lavrada pelo juiz-presidente em conformidade com o que decidido pelos jurados alusivamente aos fatos. Destarte, a sentença poderá ser: (1) de absolvição, caso em que o réu deverá ser posto em liberdade de plano, caso esteja preso, relevando notar que “se houver absolvição imprópria, ou seja, o reconhecimento da inimputabilidade, impõe-se, neste caso, medida de segurança”; (2) de desclassifi cação do crime doloso contra a vida, quando o juiz-presidente terá a competência para julgar os fatos de forma mais ou menos ampla a depender da forma do quesito cuja resposta ensejou a desclassifi cação, haja vista que se o juiz tiver maior liberdade para defi nir juridicamente os fatos, a classifi ca-ção é denominada doutrinariamente de própria, enquanto se o júri indicar o crime que foi cometido – como se dá com o reconhecimento de culpa no homicídio (homicídio culposo) –, a desclassifi cação é imprópria. Caso a desclassifi cação implique no reconhecimento que se trata de infração de menor potencial ofensivo, deve o juiz presidente, aguardando a pre-clusão dos recursos, enviar os autos aos juizados especiais criminais; e (3) de condenação, quando o juiz deverá narrar o julgamento pelos jura-dos e, em seguida, aplicar e dosar a pena, justifi cando a decretação ou a manutenção da prisão, se presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 492, I, “e”, CPP).

23. SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Constituição e sigilo das votações no júri: o resultado unânime. In: Direitos fundamentais na Constituição de 1988: estudos comemorativos aos seus vinte anos. Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar (org.). Porto Alegre: Núria Fabris, 2008. p.301.

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A decisão no júri é subjetivamente complexa, pois cabe ao juiz pre-sidente elaborar a sentença de acordo com a votação efetuada pelos jurados, sendo decisão de um órgão colegiado heterogêneo. Acabada a sentença, todos voltarão ao plenário, onde esta será lida pelo juiz, saindo as partes já intimadas para apresentação de eventual recurso, encerrando-se a sessão de julgamento (art. 493, CPP).

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