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Do confinamento ao acolhimento: um estudo
antropológico sobre o corpo e sua relação
com as novas formas de cuidado em Saúde
Mental
Cristiane Moura Lopes Universidade Federal de Juiz de Fora
Introdução
Neste trabalho, objetivamos analisar o processo da
Reforma Psiquiátrica visando como os corpos dos ‘loucos’
passam a estar associados à nossa cotidianeidade, de outro
modo, como esses indivíduos com ‘pertubações físico-morais’
saem de uma rede complexa fundamentada nos Hospitais
Psiquiátricos e vão para as redes de cuidado extra-hostipalar.
No primeiro tópico, O desencantamento do corpo,
aponto algumas interpretações sobre o corpo e sobre a
corporeidade humana como sendo um fenômeno social e
cultural. No segundo, A loucura inscrita nos corpos insanos,
evidencio os diferentes momentos e aparatos institucionais que
conduziram a loucura e os ‘loucos’ do Hospital Psiquiátrico ao
Centro de Atenção Psicossocial - CAPs. Por fim, nas
considerações finais do trabalho intitulada: Do Hospital
Psiquiátrico ao CAPs – os corpos insanos estão entre nós,
ressalto a importância de se pensar nos novos modos de cuidado
em Saúde Mental levando em consideração o deslocamento dos
doentes mentais às novas redes de atenção.
Para desenvolver esse trabalho, elegeu-se como método
uma revisão bibliográfica acerca dos estudos sobre o corpo,
sublinhando a corporalidade dos doentes mentais, antes e depois
da Reforma Psiquiátrica no Brasil. A especificidade dessa leitura
consiste em pensar o deslocamento dos corpos dos doentes
mentais dos Hospitais Psiquiátricos, entendidos como uma
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InstituiçãoTotal para os Centros de Atenção Psicossocial -
CAPS; como ponto de análise para a compreensão da Reforma
Psiquiátrica no Brasil.
1– O Desencantamento do Corpo
Será em consonância à perspectiva de Le Breton, que
iremos abordar a questão da “corporeidade humana como
fenômeno social e cultural, matéria simbólica, objeto de
representações e de imaginários.” (LE BRETON, 2002:14). A
corporeidade tomada nesse sentido expressa a singularidade
desse novo olhar nos estudos sobre o corpo, uma vez que
considera antes de tudo, uma incidência social sobre o corpo.
Ultrapassando os limites biológicos, já não se considera o
homem como um produto de seu corpo; ao contrário, ele agora é
visto como o que produz as qualidades de seu corpo em sua
interação com outros homens.
O texto de 1936, “As técnicas do Corpo”, também pode
ser considerado uma referência nos estudos sobre corporeidade
humana como fenômeno social e cultural e por isso, merece
algumas considerações; seu autor, Marcel Mauss, chama a
atenção para o fato de que as técnicas corporais - principal
expressão dos indivíduos - “as maneiras pelas quais os homens,
de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, sabem
servir-se de seu corpo” – podem ser vistas como elo entre o
indivíduo e a sociedade. (MAUSS, 2003:401).
Mais do que um simples arranjo de movimentos físico-
psíquicos, as técnicas corporais são os reflexos sociais; na
medida em que cada sociedade possui seus hábitos próprios terá,
por conseguinte, suas próprias técnicas corporais para os
expressarem. Sob essa ótica, a técnica é antes de tudo uma força
educadora, mesmo porque para cada técnica há uma
aprendizagem, como disse Mauss ao citar o exemplo de se
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reconhecer a diferença da marcha inglesa para a marcha
francesa. Consideramos que o mesmo mecanismo que
acionamos para ver essa distinção – das marchas - é o mesmo
que nos faz reconhecer a diferença de um doente para um doente
mental.
Outros dois processos podem ser compreendidos a partir
desse enfoque: o processo de socialização (através da
transmissão e da adequação às técnicas do corpo) e o processo
de mortificação social (através da imposição ao cumprimento de
normas específicas que destroem a autonomia do indivíduo) –
que acontece a todo indivíduo que passa por algum tempo
dentro de uma Instituição Total.
Nossos movimentos, gestos, ‘atos técnicos’ nos
parecem sem significados e por isso, se tornaram pura e
simplesmente naturais; os naturalizamos e ponto final.
Esquecemos, entretanto, que neles estão embutidos uma gama
de símbolos, sistemas de idéias e significados sociais que estão
imersos nos corpos dos indivíduos, tenham eles consciência
disso ou não.
Que correlações podemos pensar entre os ‘atos técnicos
de Mauss e a questão corporal? Eis, que para o autor citado, o
corpo é o primeiro e o mais natural objeto técnico do homem, e
será através desse corpo que todas as técnicas serão, por um lado
ensinadas e por outro apreendidas.
Robert Hertz, como Mauss, contribuiu para mostrar os
limites do enfoque puramente fisicalista, ao abordar a questão da
proeminência da mão direita nas sociedades humanas,
comprovou que os canhotos eram estatisticamente menos
numerosos que os destros. Para cada 100, 2 eram canhotos. As
razões fisiológicas são secundárias quando se observa o
obstáculo cultural formado pelas representações sempre
negativas associadas à mão esquerda e positivas à mão direita. A
oposição não é somente física, mas também moral: a esquerda
implica deformação, e a direita o certo. Apesar de não ter
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dirigido sua argumentação a teoria darwiniana, ele comprova os
limites do enfoque biológico.
Compartilhando com Mauss, Le Breton e Hertz, nós
concluímos que o fisiológico está subordinado à simbologia
social; esse é o ponto que nos interessa.
Convergindo com a problemática que foi delineada – a
de se pensar o corpo – cabe explicitarmos nossas escolhas
epistemológicas que fluíram rumo à articulação de duas
vertentes importantes na interpretação sobre o corpo: a noção de
embodiment – corpo experenciado e a noção de habitus – corpo
socializado.
1.1 – Corpo Socializado e Corpo Vivido: Habitus e
Embodiment
A compreensão da relação entre o indivíduo e sua
cultura, pautada no corpo, poderá ser pensada através da
abordagem do tema do corpo como meio de construção da
pessoa ou na abordagem da experiência vivida do corpo, na sua
experiência cotidiana, ou para expressá-lo de outro modo, no
corpo experimentado.
O projeto de se pensar a “experiência” a partir de uma
reflexão sobre o corpo teve em Maurice Merleau-Ponty seu
grande expoente; sua obra “Fenomenologia da Percepção”
(publicada em 1945) se tornou um marco nas discussões sobre
embodiment nas Ciências Sociais. Sua abordagem não se dá a
partir de um corpo constituído, mas de um “corpo vivido”,
experenciado – de ser-no-mundo – que habita o mundo, ou seja,
que estabelece relações.
O corpo é o veículo do ser no mundo, e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente neles.(MERLEAU-PONTY, 1999:122)
O corpo é o fundamento de nossa experiência no mundo,
dimensão mesma de nosso ser, lócus de onde emanam e onde
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são armazenadas nossas experiências, portanto, não é
simplesmente matéria inerte ante o espetáculo da cultura, é
"corpo vivido". A análise do que poderíamos chamar de
"experiências" do corpo dá-nos a possibilidade de uma
compreensão do relacionamento do indivíduo com o seu corpo,
alavancando-nos para uma reflexão maior: a que se refere ao
processo de encorporação, que transforma em invisível toda
ação simbólica que perpassa o sujeito.
Thomas Csordas, no texto "Palavras dos seres sagrados:
um estudo de caso em fenomenologia cultural" (1994) toma o
mundo no sentido do concreto, do vivido. Este autor considera
que existem determinados fenômenos que não podem ser
explicados pelo paradigma da representação, uma vez que existe
uma dimensão da vida social que é vivida através do corpo e que
não passa pela representação; é o caso quando o indivíduo está
em transe e fala línguas.
Essa questão, também foi discutida por Miriam Cristina
Rabelo e Paulo César Alves:
Imiscuída no corpo, a subjetividade já não pode mais ser entendida como espaço bem demarcado de existência pessoal... No corpo, encontramos uma dimensão de existencial social anônima, pré-pessoal, que nos remete para a esfera do hábito arraigado, da ação irrefletida, de aspirações não articuladas e disposições sedimentadas e dificilmente acessíveis à reflexão.(RABELO e ALVES, 2004: 175). Na mesma direção, Pierre Bourdieu expõe sua teoria
sobre o corpo ao falar de um senso corporificado do jogo social
que opera sem passar pela consciência do indivíduo. Desta
forma, as experiências adquiridas no jogo social se transformam
em esquemas corporais que expressam a modalidade singular do
ser no mundo enquanto membro de uma tradição, de uma
cultura, de uma classe. Está certo que não são as condições
objetivas que causam as práticas, ou vice-versa; entre uma e
outras temos o habitus, o mediador que faz com que práticas e
idéias de dado sujeito pareçam sensatas e razoáveis. Ele -
habitus - é o princípio gerador das práticas e, em sua relação
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com o repertório total de práticas sociais, o princípio unificador
(Bourdieu,1987).
Forma particularmente ejemplar del sentido práctico como ajuste anticipado a las exigencias de un campo, lo que el lenguage deportivo lhama el "sentido do juego" ...da una idea suficientemente exacta del encuentro cuasi-milagroso entre el habitus y un campo, entre la historia incorporada y la historia objetivada, que hace posible la antecipación cuasi-perfecta del porvenir inscrito en todas las conficguraciones concretas del juego." (BOURDIEU, 1991:113)
A proposta sociológica especificamente sobre o corpo
em Bourdieu permite-nos pensar a produção do corpo com base
na história incorporada pelas disposições. O habitus é capital
nesse empreendimento, pois nos possibilita entender a
corporificação da história, ou seja, a internalização desta nos
corpos dos indivíduos. Sem esses conceitos, nosso estudo
certamente perderia o sentido, já que nossa proposta é estudar o
corpo dos doentes mentais antes e depois da Reforma
Psiquiátrica, enfocando como essa corporalidade se associa à
nossa cotidianeidade. Passemos, então, ao estudo da localização
e do deslocamento desses corpos em nosso cenário social.
2 – A Loucura inscrita nos corpos insanos 2.1 – Hospital Psiquiátrico: Instituição Total
Segundo Michel Foucault o século XVII pode ser
caracterizado como o período da “Grande Internação”; será
entre os muros do internamento que pobres, vagabundos,
presidiários e “cabeças alienadas” farão parte da mesma
paisagem que outrora excluíra e segregava os indivíduos,
inicialmente demarcados pela lepra e depois pelas doenças
venéreas. Mais precisamente na segunda metade deste século
ter-se-á a criação de vastas casas de internamento, que apesar de
não se assemelharem a nenhuma idéia médica, prescrevem e
estabelecem o controle, a justiça e a repressão dos indivíduos.
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Na Inglaterra, essas casas se denominavam inicialmente de
‘houses of correction’ depois se tornaram conhecidas como
‘workhouses’ (a primeira em 1575); nos países de língua alemã
têm-se as casas de correição – as chamadas de “Zuchthäusern”
(a maioria do século XVII) , e na França o grande expoente foi o
Hospital Geral , Paris – fundado em 1656.
No século XVII e XVIII, o pensamento e a prática da
medicina não têm a unidade ou pelo menos a coerência que nela
agora conhecemos. Será, pois, através do asilo de Philippe Pinel
na França e dos retiros de Samuel Tuke na Inglaterra que a
psiquiatria positiva do século XIX encontrará os loucos. A
passagem da loucura para o âmbito patológico; ou melhor, a
mudança da concepção clássica da loucura para seu
enquadramento pela emergência do saber psiquiátrico não foi
imediata e nem simples assim; a própria idéia de loucura – a que
os gregos chamam de “mória” e os italianos de “pazzia” - já se
diferenciava da concepção vigente na Idade Média - visto como
uma consciência dos poderes trágicos do mundo.
(ROTERDAM, 1991). Na Idade Clássica, a loucura se
encontrava no campo da razão encarnada em homens concretos,
presentes no mundo social.
A partir do projeto de um “jardim das espécies”,
classifica-se e agrupa-se as doenças, numa tentativa de
apreender uma consciência dessa loucura. A psiquiatria foi
criando o quadro nosológico das perturbações conhecidas como
“doença dos nervos” ao utilizar dos mesmos recursos
investigativos da botânica. (FOUCAULT, 1999)
Através da “idéia de nervoso”- século XVIII - se
reordenou uma totalização individualizante do homem. Os
“nervos”, observados enquanto expressão da fisicalidade do
indivíduo, assumiram de modo crescente uma significação
monista (junção do corpo e espírito), traduziram as
“pertubações físico-morais” resultantes de uma combinação
entre o organismo e os modos e efeitos do comportamento dos
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indivíduos (DUARTE, 1986).
Num movimento contínuo, os que têm problemas dos
‘nervos’ vão sendo progressivamente isolados dos outros
sujeitos que ocupavam o mesmo espaço que ele. A loucura foi
se afirmando como um saber psiquiátrico e um espaço e um
saber próprio foram se constituindo: o Hospital Psiquiátrico e a
Psiquiatria. A psiquiatria encontrou a sua pátria – o espaço do
internamento e nele fará todo o investimento possível para
definir seus discursos e suas práticas durante séculos, que só terá
suas bases abaladas pelo contraponto da Reforma Psiquiátrica
no século XX. Será exatamente o abalo à essa estrutura secular
de exclusão que iremos abordar a seguir.
2.2 - A Reforma Psiquiátrica
No Brasil o início do processo de Reforma Psiquiátrica
data-se do final da década de 70, resultado da crise no modelo
de assistência centrado no hospital psiquiátrico, por um lado, e
na eclosão, por outro, dos diversos movimentos sociais pelos
direitos dos pacientes psiquiátricos, além de sofrer influência
direta de iniciativas estrangeiras, como as comunidades
‘terapêuticas’ e a Antipsiquiatria, na Inglaterra; a Psiquiatria
Comunitária ou Preventiva, nos EUA; e no final da década de
1960, a Psiquiatria democrática, na Itália. Estas iniciativas:
Experiências que se opunham à prevalência da atenção à fisicalidade da doença mental e, principalmente, ao isolamento terapêutico, reinvindicando a necessidade da desinstitucionalização.(VENÂNCIO, 1993:127). Podemos considerar três momentos históricos que
caracterizam as etapas do processo de desinstitucionalização da
assistência psiquiátrica no Brasil: o primeiro de 1978 à 1991, é
evidenciado como o período em que se fizeram presentes às
críticas ao modelo hospitalocêntrico – movimento social em prol
dos direitos dos pacientes; o segundo, de 1992 à 2000, período
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em que se começa efetivamente a implantação da rede extra-
hospitalar e também a ser instituído as primeiras normas federais
para fiscalização e avaliação dos hospitais psiquiátricos, e o
terceiro, após 2001, marcado pelo respaldo jurídico e sobretudo
pela aprovação da Lei Federal Paulo Delgado 10.216/2001-
PT/MG. (BRASIL, 2005).
Apesar de não instituir mecanismos claros para a
extinção dos manicômios, esta lei - “Dispõe sobre a proteção e o
direito das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental” - é um
marco impulsionador à Reforma no país. A partir deste ano, a
saúde mental experimenta uma importante expansão que se dá
através de financiamentos instituídos pelo Ministério da Saúde
para os serviços abertos e substitutivos ao hospital psiquiátrico
em todo o país, é o caso das Portarias: Nº 1174/GM de 7 de
Julho de 2005 e Nº 245/GM de 17 de Fevereiro de 2005.
A partir de então, a Reforma Psiquiátrica se consolida
como política oficial do governo federal, e desta forma, o
Hospital Psiquiátrico - o dispositivo institucional mais evidente
do modo asilar – passa a ser cada vez mais atingido e criticado.
Outras formas, e perspectivas vão sendo desenvolvidas em prol
de um atendimento psicossocial em oposição ao modelo
hospitalocêntrico. São eles: os CAPs, as Residências
Terapêuticas, os Ambulatórios de Saúde Mental, os Centros de
Convivência e Cultura, as Equipes Matriciais de Referência e os
Hospitais-Dias. Neste trabalho, iremos abordar o CAPs: Centros
de Atenção Psicossocial.
De acordo com o Relatório 2003-2006 do Ministério da
Saúde intitulado “Saúde Mental no SUS: acesso ao tratamento e
mudança do modelo de atenção” (2007), podemos entender o
CAPs como:
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) Serviços de saúde municipais, abertos, comunitários, que oferecem atendimento diário às pessoas com transtornos mentais severos e persistentes, realizando o
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acompanhamento clínico e a reinserção social destas pessoas através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É função dos CAPS prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as internações em hospitais psiquiátricos; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais através de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação e dar suporte à atenção à saúde mental na rede básica.(BRASIL, 2007:63)
O interessante para nós, é destacar o fato que se por um
lado, o que se vê é a redução dos leitos psiquiátricos (Tabela 01)
e dos investimentos financeiros (Tabela 02) destinados aos
Hospitais psiquiátricos, por outro, se têm a expansão e
consolidação dessas redes novas de atenção à Saúde Mental
substitutivas ao modelo hospitalocêntrico (Tabela 03):
Tabela 01 – Número de Leitos de Hospitais Psiquiátricos no Brasil (2002-2006)
Ano Nº de Leitos de Hospitais Psiquiátricos 2002 51.393 2003 48.303 2004 45.814 2005 42.076 2006 39.567
Fonte: Em 2002-2003, SIH/SUS, Coordenação Geral de Saúde Mental e
Coordenações Estaduais. Em 2004-2006, PRH/CNES
Tabela 02 - Proporção de recursos do SUS destinados aos Hospitais Psiquiátricos e aos Serviços Extra-Hospitalares nos anos de 1997, 2001 e 2004
Composição de Gastos 1997 2001 2004 % Gastos Hospitalares em Saúde Mental
93,14 79,54 63,84
% Gastos Extra-hospitalares em Saúde Mental
6,86 20,46 30,16
Total 100,00 100,00 100,00
Fonte : Ministério da Saúde
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Tabela 03 - Expansão dos Centros de Atenção Psicossocial (2002-2006)
Tipo de Serviço
2002 2003 2004 2005 2006
CAPS I 145 173 218 283 439 CAPS II 186 208 236 271 320 CAPS III 19 24 29 26 37 CAPSi 32 37 44 56 77 CAPSad 42 58 78 102 138 Total 424 500 605 738 1011
Fonte: Coordenação Geral de Saúde Mental
Observação: CAPS I – municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes; CAPS II – população entre 70.000 e 200.000 habitantes; CAPS III população acima de 200.000 habitantes, CAPS i II – Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes, CAPS ad II – Serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com
transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias
psicoativas.
Por meio de mecanismos regulatórios o Estado
contribuiu efetivamente para a desconstrução do modelo asilar.
Mecanismos de avaliação e redução de leitos psiquiátricos,
institucionalizados pelo governo federal como “Programa
Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria
(PNASH/Psiquiatria)” e o “Programa Anual de Reestruturação
da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH)”; aliados à
expansão de uma rede de atenção aberta e comunitária, permitiu
a redução e substituição significativa de leitos psiquiátricos e o
fechamento de vários hospitais psiquiátricos em péssimas
condições de funcionamento.
Destaca-se um dado extremamente relevante: em 2006
atingiu-se a marca de mais de 1000 CAPS cadastrados e em
funcionamento no SUS. Dados como esse e os das tabelas
anteriores, nos permitiu concluir que inexoravelmente há um
deslocamento dos indivíduos com transtornos mentais dos
Hospitais Psiquiátricos para os CAPs, que precisa ser
considerado. A problemática não está somente circunscrita nas
Instituições que asseguram o novo modelo de assistência em
Saúde Mental; ela invade um outro campo, que ainda não foi
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bem delimitado, o sócio-cultural. Agora, a “Casa Verde”
(ASSIS, 1998) abriu suas portas. Dentro dela o saber psiquiantre
e fora dela os ‘loucos’.
Considerações finais – Dos Hospitais Psiquiátricos aos CAPs: Os Corpos Insanos estão entre nós Sabe-se que por muito tempo o transtorno psiquiátrico
esteve diretamente associado ao isolamento, ao afastamento e à
exclusão social. Entre os muros do internamento, nenhuma
lógica operou em favor do indivíduo contribuindo para a sua
reinserção na sociedade. O sistema de atendimento baseado na
internação por tempo indeterminado é o triunfo da tutela, pois
representa proteção total e quase uma substituição jurídica
completa do sujeito pelo Estado, que através da medicina
psiquiátrica cuidará dele. A partir do momento em que se propõe
a substituição desse modelo, torna-se necessário rever o estatuto
da tutela. (PEDRO, P.G, 1992).
A partir de mecanismos institucionais assegurados pelo
Estado, novos modos de atenção à Saúde Mental foram se
expandindo e consolidando, os chamados “modos
psicossociais”; em oposição ao “modo hospitalocêntrico/asilar”
que progressivamente está sendo substituídos por aqueles. Como
princípio fundamental preconizou-se a prestação de uma
assistência fornecida pelo Estado que procurasse garantir um
contato do indivíduo doente com a sociedade. Entretanto, o que
está subjacente, é a proposta de se reformular os espaços para a
‘diferença’ da qual a chamada doença mental era a expressão.
Não se trata de discutir apenas a questão da psiquiatria, das
técnicas de atendimento ao paciente psicótico fora do registro de
internação. É necessário supor que o paciente sairá desse
território excludente para ocupar o espaço de liberdade da polis.
Dois aspectos suplementares à alienação, que vão de
encontro ao paradigma da Saúde Mental, mostrando que ao
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contrário do que se pensa, acabam afirmando ainda mais o poder
da psiquiatria: o primeiro relativo à perpetuação no tempo –
cronicidade – incurabilidade de fato; o segundo relativo à
perpetuação no espaço – alguns casos exigem a inclusão, o que
acaba limitando e relativizando a concepção dos modelos
alternativos. Chegou-se a ‘deshospitalizar’ o doente mental, mas
não “desinstitucioná-lo”. A deshospitalização não conduziu o
doente mental à sociedade, essa é a nossa questão, simplesmente
o deslocou de um tipo de Instituição a outras, ainda especiais a
ele, ou melhor, simplesmente colocou a sua presença em
evidência, antes oculta e até esquecida nos asilos.
Seu corpo, expressão evidente de sua existência e de sua
doença - sua forma de estar-no-mundo, não está mais preso entre
os muros do internamento, está diante de todos, está exposto,
está aí, nas ruas, entre e no meio de nós. Não se trata mais de um
doente mental, mas de um doente mental entre nós; não se pode
mais excluí-lo é preciso aceitá-lo, será?
Numa volta de todo o argumento exposto no tópico sobre
o corpo e partindo do pressuposto de que nossa forma de estar-
no-mundo é corporal, propomos pensar o trajeto que esses
corpos estão fazendo levando em consideração o habitus. Ao
deslocarem dos Hospitais Psiquiátricos para os CAPs, esses
corpos não passam despercebidos nesse novo trajeto que estão
realizando, são imbuídos e enrustidos de uma série de símbolos
e significados que exaltam positivamente a loucura. Ela não será
esquecida, será ainda mais lembrada; será vista, percebida,
observada e criticada por todos nós que a encontraremos em
qualquer dia e em qualquer esquina; ela não está entre os muros
seculares da exclusão e confinamento, ela está diante de nós,
está nos corpos insanos. Consideramos, que a loucura têm o seu
habitus específico, e será justamente por meio deste que iremos
não só reconhecer os ‘loucos’ que estão por aí mas também
discriminá-los e estigmatizá-los.
Este estudo: “Um estudo antropológico dos corpos e sua
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relação com o processo de desinstitucionalização psiquiátrica
no Brasil”, nos permitiu abordar a questão levando em
consideração principalmente à questão dos indivíduos que
possuem esses transtornos mentais; não poderia ser de outra
forma, isso é o que fundamente nossa hipótese - já que é nos
corpos que os problemas mentais se inscrevem, por isso, utilizei
a expressão ‘corpos insanos’.
A multiplicidade de estratégias, intervenções, pesquisas e
visões existentes na área da saúde, são indicadores mais que
nítidos sobre a valorização de novos olhares que transpassam ao
simples modelo biomédico. A antropologia se inscreve, assim,
numa relação de complementariedade aos outros modelos que
abordam a saúde, ao evidenciar o universo social e cultural em
que os indivíduos estão presentes.
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