OS
GRANDESIMPOSTORES
&As verdadeiras histórias por trás de famosos
mistérios históricos
JA N B O N D E S O N
Tradução
Paulo Afonso
Rio de Janeiro | 2014
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1
O Delfim Desaparecido
&
o p r í n c i p e l u í s c a r l o s , segundo filho do rei Luís XVI, da França, e da
rainha Maria Antonieta, nasceu no dia 27 de março de 1785. Ao descrever
seus primeiros anos de vida, historiadores sentimentais referiam-se a ele
como o mais feliz dos jovens príncipes. E é verdade que não parecia haver
muita tristeza em sua vida. De olhos azuis e longos cachos louros, ele
era um garoto bonito, inteligente, dinâmico e de riso fácil. Seus orgu-
lhosos pais eram loucos por ele e frequentemente compareciam às suas
aulas ou observavam suas brincadeiras. Especialmente devoto à mãe, Luís
Carlos adquiriu o hábito de levar para ela flores de um pequeno jardim,
do qual ele mesmo cuidava. Em 1789, seu irmão mais velho, Luís José,
morreu de tuberculose. Luís Carlos se tornou então o delfim, ou seja, o
herdeiro do trono. Nessa época, Maria Antonieta o descreveu em uma
carta: ele era um garoto forte e saudável, com um temperamento alegre e
despreocupado. Alheio à própria importância, ficou mais feliz em herdar
o cachorro do irmão do que em se tornar o herdeiro da coroa francesa.
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A vida do delfim mudaria para sempre ainda naquele mesmo ano,
quando mulheres proletárias marcharam sobre Versalhes e obrigaram a
família real, cercada por uma multidão ululante, a retornar com elas
a Paris. O rei e a rainha permaneceram no Palácio das Tulherias como
pouco mais que cativos, peões valiosos que os revolucionários mantinham
em seu poder. Em junho de 1791, o corajoso nobre sueco Axel von Fersen
retirou a família real das Tulherias em uma carruagem, furtivamente, na
esperança de alcançar o quartel-general do marquês de Bouillé, um dos
comandantes das forças monarquistas. Na cidade de Varennes, já perto da
área controlada por elas, a família real foi detida pela guarda nacional.
Devotado monarquista, o duque de Choiseul esvaziou as ruas com uma
tropa de quarenta hussardos e se ofereceu para escoltar o rei até um lugar
seguro. Mas o vacilante Luís XVI não quis ser resgatado, nem mesmo
permitiu que seus filhos fossem salvos, sob a alegação de que o sangue
Duas gravuras do verdadeiro Luís Carlos. A da direita, de 1792, foi baseada em um retrato pintado por Kucharsky; a da esquerda,
provavelmente, é uma combinação de outros retratos.
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de seus súditos poderia ser derramado. Uma decisão que ele lamentaria
amargamente. A viagem a Varennes terminou com a família real sendo
recolocada na carruagem e escoltada de volta a Paris, numa longa e exaus-
tiva viagem, em meio a multidões furiosas. Os enraivecidos sans-culottes
cuspiram no rosto do rei, rasgaram o vestido da rainha e quase mataram
de medo o jovem delfim. Como resultado dessa malograda tentativa de
fuga, a família real foi aprisionada na torre do Templo, em Paris.1
A torre do Templo, em Paris.
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NO TEMPLO
o t e m p l o p e rt e n c e r a aos Cavaleiros Templários. Sua elevada torre
assomava sobre as casas parisienses desde o século XIII. Era uma grande
construção quadrada, com cerca de 45 m de altura; suas paredes tinham
três metros de espessura. A rainha foi aprisionada em um quarto no ter-
ceiro andar da torre, juntamente com a filha Maria Teresa. A irmã do
rei, Madame Elizabeth, ficou no quarto adjacente. Um terceiro quarto,
menor, era ocupado por Monsieur e Madame Tison, dois idosos con-
tratados como criados, mas cuja verdadeira ocupação era espionar pri-
sioneiros reais. O rei ocupava um conjunto de quartos no segundo andar,
juntamente com Cléry, o criado. No quarto andar, havia uma galeria onde
os prisioneiros tinham permissão para caminhar e respirar ar fresco; uma
divisória separava a área destinada ao rei da parte reservada para suas
parentas. O delfim dormia no quarto do rei, no segundo andar. Conta-se
que, certa vez, quando um operário estava reforçando uma das portas,
o rei o ajudou, para mostrar ao delfim como utilizar as ferramentas.
O operário comentou que, quando o rei fosse libertado, poderia dizer que
ajudara a construir sua própria prisão. O rei deu um suspiro profundo,
conjeturando sobre quanto tempo ainda permaneceria encarcerado por
seu próprio povo. O delfim, que entendia o que estava acontecendo com
seus pais, ficou perplexo.
Revoltada com o modo como sua família vinha sendo tratada, a rainha
esperava que os exércitos austríacos e prussianos, que haviam invadido
a França revolucionária, viessem em seu auxílio. No dia 2 de setembro,
soube-se em Paris que Verdun havia caído e que os invasores se aproxi-
mavam. Isso provocou distúrbios generalizados. A princesa de Lamballe,
dama de companhia da rainha, foi capturada nas ruas de Paris e esquar-
tejada pela turba. Suas vísceras foram atiradas aos cães e seu coração foi
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cozido e comido pelos enlouquecidos sans-culottes. Esses então espetaram
sua cabeça numa estaca e a levaram até uma barbearia para receber um
penteado. Depois marcharam com ela até o Templo, para exibi-la a Maria
Antonieta.
Sabendo muito bem que poderia haver tentativas de resgatar a família
real, os revolucionários não paravam de aumentar a segurança da torre.
Portas duplas e aferrolhadas bloqueavam o acesso à escada em espiral de
uma das torretas. A porta externa da torre permanecia trancada e guardada
por duas sentinelas. Um muro elevado foi construído ao redor da torre, e
vigiado dia e noite. No lado de fora desse muro, havia uma guarnição de
pelo menos duzentos soldados, alguns dos quais vigiavam a única saída,
na rua do Templo. À noite, guardas dormiam nas antecâmaras do rei e da
rainha. O andar térreo da grande torre era uma sala de reuniões para os
revolucionários que administravam o Templo; assim, a qualquer som de
lutas, reforços estariam prontamente disponíveis. Para ser bem-sucedido,
um plano para o resgate de qualquer membro da família real teria de
contar com uma bem-organizada ajuda externa. Diversos monarquistas
em Paris conspiravam para salvar o rei, com destaque para o barão de
Batz, um aventureiro que vivia imaginando esquemas rocambolescos ao
estilo do Pimpinela Escarlate,* embora com menos habilidade e determi-
nação. O rei e a rainha também tinham uma grande amiga na Inglaterra:
Charlotte Atkyns, uma antiga atriz que gastou muito tempo e dinheiro
* Protagonista de uma série de romances escritos entre 1905 e 1940 pela baro-
nesa Emma Orczy — escritora britânica nascida na Hungria —, todos ambientados
durante a Revolução Francesa em seu período mais sinistro, conhecido como
“O Terror”. Pimpinela Escarlate é a identidade secreta de Sir Percy Blakeney, um
baronete inglês que se dedica a salvar indivíduos condenados à guilhotina. A cada
resgate bem-sucedido ele deixa um cartão com a imagem de uma pequena flor, uma
pimpinela escarlate, hábito que lhe valeu o apelido. (N.T.)
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em planos amalucados concebidos por uma gangue de marginais fran-
ceses, que se diziam monarquistas para ludibriá-la, mas estavam apenas
arrancando seu dinheiro.2
O rei e a rainha ainda esperavam que as tropas austríacas e prussianas
viessem em seu socorro, mas os exércitos franceses prevaleciam em várias
batalhas. Em setembro de 1792, a França se tornou uma república; os car-
cereiros comunicaram aos prisioneiros do Templo que agora eles eram
apenas o cidadão Capeto e sua esposa. O passo seguinte foi o julgamento
do rei por traição. Quando ele foi levado para a Convenção Nacional, em
dezembro de 1792, o delfim foi entregue à sua mãe e se mudou para o
terceiro andar da torre do Templo. No dia 20 de janeiro de 1793, o delfim
Luís XVI arrancado de sua família e levado para a guilhotina. Esta cena dramática se tornou um tema recorrente em gravuras populares após
a restauração da monarquia Bourbon.
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viu seu pai pela última vez. O rei, aparentemente calmo e controlado, fez
o filho prometer que jamais vingaria a sua morte. Na manhã seguinte,
foi executado. Mais tarde, no mesmo dia, Maria Antonieta informou a
Luís Carlos que seu pai estava morto e que ele era agora o rei Luís XVII
da França.
Como resultado da execução do rei, diversos países, entre eles a Grã-
Bretanha e a Rússia, juntaram-se às fileiras dos inimigos da França revolu-
cionária. Além disso, um dos principais comandantes militares franceses,
o general Dumouriez, mudou de lado e se tornou monarquista. Na região
da Vendeia, houve uma bem-organizada rebelião monarquista. Mas os
líderes revolucionários reagiram em todas as frentes. Em abril de 1793,
foi instituído o Comitê de Segurança Pública, com amplos poderes para
formar novos exércitos e combater os inimigos da França — internos e
externos. Elementos moderados foram aos poucos afastados dos centros
de poder, dando lugar a extremistas. Jacques René Hébert, editor do
jornal populista Le Père Duchesne, era o pior do bando: abertamente advo-
gava que a viúva Capeto e toda a sua prole fossem exterminadas de uma
vez por todas. Anaxágoras Chaumette, procurador da Comuna de Paris,
concordava plenamente com sua opinião de que a França deveria ser
expurgada dos monarquistas. As lutas internas entre as diferentes facções
de revolucionários eram ferozes, pois esta era a época do Terror, quando
milhares de pessoas eram guilhotinadas. A Comuna, sempre em guarda
contra tentativas de resgatar a família real do Templo, redobrou suas pre-
cauções: criou um sistema em que funcionários de confiança, os cha-
mados comissários do Templo, inspecionavam os quartos todos os dias
para verificar se os reais prisioneiros estavam seguramente trancados e
rigorosamente vigiados.
No início de maio de 1793, Luís Carlos se queixou de dor de cabeça,
febre intermitente e uma pontada em um lado do tronco que o impedia
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de rir. As súplicas da rainha para que ele fosse examinado por um médico
foram ignoradas por vários dias, mas o médico da prisão, o dr. Thierry,
acabou sendo chamado. Embora os medicamentos que prescreveu tenham
sido em grande parte placebos, pelos padrões da medicina moderna,
Luís Carlos se recuperou completamente em poucas semanas. No mês
seguinte, ele sofreu um acidente durante uma brincadeira, quando
estava cavalgando um cabo de vassoura. Com muita dificuldade, a rainha
conseguiu de novo os cuidados de um médico. Um especialista em
hérnias, o dr. Pipelet, prescreveu um curativo, que logo curou o garoto.
Luís Carlos teve então uma dor abdominal. O dr. Thierry suspeitou de
vermes. Enemas vermífugos foram então aplicados com sucesso conside-
rável: o paciente excretou uma prodigiosa quantidade de vermes e, uma
vez mais, pareceu curado. Os médicos retornaram para examiná-lo mais
uma ou duas vezes, mas não prescreveram nenhum remédio, e não há
registro de que Luís Carlos tenha reclamado de qualquer mal-estar.
O CARCEREIRO SIMON E SEU PUPILO
na n o i t e d e 3 de julho de 1793, um destacamento de seis guardas
irrompeu no quarto da rainha e tirou Luís Carlos de sua companhia.
O garoto foi transferido para o velho quarto de Luís XVI no segundo
andar, onde foi recebido por seu novo tutor, o sapateiro Antoine Simon.
Após uma vida de obscuridade, esse indivíduo chamara a atenção dos
terro ristas no poder como leal republicano. O plano de Chaumette e
Hébert era separar Luís Carlos de sua família e fazê-lo perder qualquer
ideia de privilégio. Simon não poderia oferecer muita coisa a seu pupilo
em termos de educação formal, sendo ele mesmo completamente anal-
fabeto. Mas fez o melhor que pôde para transformar o pequeno Capeto,
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como o menino era chamado, em um pequeno sans-culotte: através da imi-
tação de seu tutor, Luís Carlos foi ensinado a praguejar desbocadamente,
a cantar canções revolucionárias e a se comportar como um moleque
de rua parisiense. Simon e seus amigos ficavam extasiados quando o
garoto se referia à mãe e à tia como “aquelas vagabundas miseráveis”.
Maria Teresa escreveu mais tarde que uma de suas lembranças mais mar-
cantes dessa época era a de ouvir seu irmão cantando “a Carmagnole, a
Marselhesa e outras canções horríveis do mesmo tipo”, acompanhado
por Simon.3
Historiadores monarquistas têm retratado Simon como um monstro
que torturava Luís Carlos. Ele era com certeza um sujeito estúpido e mal-
educado, que gostava de intimidar seu pupilo e o obrigava a servi-lo à
mesa. Às vezes, quando Luís Carlos fazia alguma travessura ou quando
precisava dar vazão à própria agressividade, Simon batia no menino. Mas
há sólidos indícios de que, com o tempo, ele e sua esposa começaram
de fato a gostar do garoto nobre que lhes fora confiado. Para ajudá-lo a
se esquecer de sua mãe, eles lhe deram um cachorro grande, chamado
Castor, uma gaiola com canários, um pombal e uma mesa de bilhar.
Simon também gostava de jogar damas com ele. Com o tempo, Simon foi
abrandando a dureza do tratamento e começou a receber uma legião de
visitantes. O pequeno Capeto dispunha de uma boa dose de liberdade, e
até tinha permissão para brincar com a filha da lavadeira do Templo fora
da torre. Ele era bem-alimentado, andava limpo e decentemente vestido.
O objetivo claro era converter o menino em um instrumento servil das
autoridades, e não matá-lo ou lhe causar algum mal.
Parte do esquema de Chaumette e Hébert era virar Luís Carlos contra
sua mãe. Quando Simon relatou que, mais de uma vez, vira seu pupilo
“se entregando a um passatempo de garotos, nocivo à sua saúde e à sua
moral”, Hébert concebeu um plano diabólico: fez Luís Carlos confessar
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que na verdade fora sua mãe que o ensinara a se masturbar e, quando
dividira o leito com ela, cometera incesto várias vezes. Hébert também
questionou a natureza de um inchaço que aparecera nos testículos do
menino alguns meses antes. Não seria o resultado de uma doença venérea,
transmitida a ele por sua própria mãe? Ele e Chaumette tentaram per-
suadir o dr. Pipelet a concordar com essa teoria, mas o médico se recusou
com indignação. Então, eles forçaram Luís Carlos a assinar uma decla-
ração acusando sua mãe e sua tia de incesto. É curioso que a assinatura no
fim desse hediondo documento seja grande e garatujada, muito diferente
da caligrafia esmerada que cobre os cadernos do garoto; provavelmente
porque ele fora drogado ou embriagado antes de ser coagido a assinar
O príncipe, ainda pequeno, é espancado por Simon, seu brutal carcereiro. Gravura extraída do livro de Luise M. Mühlbach Marie Antoinette and Her Son
(Maria Antonieta e seu filho — Nova York, 1867).
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o papel. Essa declaração foi acrescentada à lista de acusações contra a
rainha, quando ela foi julgada por traição. No momento em que sua irmã
e sua tia foram confrontadas com essas escandalosas mentiras, o pequeno
Capeto foi rude e insidioso, em especial com Madame Elizabeth, a quem
acusou de tê-lo ensinado a se masturbar. Sua irmã, Maria Teresa, então
com 15 anos, foi atormentada durante três horas; enquanto era subme-
tida às mais vis insinuações, seu irmão permaneceu alegre como sempre,
balançando as pernas e frequentemente se intrometendo na conversa
para contradizê-la. Quando a rainha foi confrontada com as acusações
do filho, respondeu que a natureza só poderia sentir repugnância diante
daquelas incríveis falsidades. Em 16 de outubro de 1793, Maria Antonieta
foi guilhotinada. No mesmo dia, seu filho, de 8 anos, dava alegres risadas
em companhia de Simon e seus amigos, jogava bilhar e bebia vinho. Ele
nunca soube da morte de sua mãe.
Durante vários meses, Luís Carlos viveu com Simon e a esposa na
torre do Templo. O sapateiro fora elogiado por Chaumette e Hébert por
ter ajudado a virar o menino contra sua mãe. E poderia esperar fama e
fortuna se conseguisse persuadir seu pupilo a acrescentar mais acusações
contra Madame Elizabeth. Obedientemente, o pequeno Capeto divulgou
que ela tinha um método para enviar mensagens secretas e que, segundo
suas suspeitas, fabricava moedas falsas na prisão. Dessa vez, suas histórias
despertaram menos interesse. Simon percebeu que as coisas estavam
mudando. No início de janeiro de 1794, ele foi destituído de seu posto
e teve de se mudar da torre às pressas, embora obtivesse permissão para
morar no Templo por duas semanas. O mais importante, segundo lhe
parecia, era afastá-lo de seu pupilo. Tempos mais tarde, Simon disse a
amigos que o pequeno Capeto ficara triste ao vê-lo partir, pois esperava se
tornar aprendiz de Simon e aprender a fazer sapatos. O sapateiro, apesar
de sua rudeza, também demonstrou tristeza ao ver seu pupilo pela última
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vez, e até disse a dois dos guardas que gostaria de ter adotado o garoto,
se isso lhe fosse permitido. Seu último ato oficial foi celebrado no dia 19
de janeiro, quando entregou as chaves dos aposentos da prisão a quatro
comissários, que assinaram um certificado declarando que ele lhes entre-
gara o prisioneiro Capeto em boas condições de saúde.
EMPAREDADO VIVO
c h e g a m o s ag o r a à parte mais enigmática do mistério do Delfim
Desa pa recido. Durante o período que Luís Carlos passou com Simon,
muitas pessoas o viram: amigos e companheiros de copo de Simon,
guardas, comissários que faziam suas rondas e pessoas que queriam
vê-lo por curiosidade. Mas em meados de janeiro tudo mudou. Um dos
quartos do segundo andar, provavelmente o mesmo antes usado como
sala de jantar do rei, foi transformado em uma masmorra. Em sua sólida
porta foi aberto um postigo gradeado, de modo a permitir que os guardas
entregassem comida ao prisioneiro sem terem de abrir as trancas. A janela
foi coberta e protegida com barras de ferro, o que deixava o prisioneiro
em quase total escuridão naquele aposento úmido e nada acolhedor. No
terceiro andar, Maria Teresa se convenceu de que seu irmão fora levado
embora, pois já não o ouvia cantando e gritando em companhia de seu
mentor. Na verdade, após o bulício da saída de Simon e sua esposa, a
torre estava silenciosa como um túmulo.
Em janeiro de 1794 e em vários meses subsequentes não há nenhum
registro a respeito da criança aprisionada na torre do Templo. Só podemos
especular sobre os sentimentos do prisioneiro solitário em sua lúgubre
masmorra. Um dos guardas declarou que o Menino do Templo (como o
chamarei daqui por diante) permanecia a maior parte do tempo em sua
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