UNIVERSIDADEFEDERALDEMINASGERAIS
ESCOLADEMÚSICA
PROGRAMADEPÓS-GRADUAÇÃOEMMÚSICA
MARCOERNESTOTERUELCASTELLON
"BRAZILIANGUITARMUSIC":
IDENTIDADEEESTEREÓTIPONOREPERTÓRIOBRASILEIROPARAVIOLÃOSOLO
BeloHorizonte
2017
MARCOERNESTOTERUELCASTELLON
"BRAZILIANGUITARMUSIC":
IDENTIDADEEESTEREÓTIPONOREPERTÓRIOBRASILEIROPARAVIOLÃOSOLO
Dissertaçãoapresentadaàbancaexaminadoracomore-quisitoparcialàobtençãodotítulodeMestreemMúsicaLinhadepesquisa:PerformanceMusicalOrientador:Prof.Dr.FlávioTerrignoBarbeitas
BeloHorizonte
2017
AGRADECIMENTOS
GostariadeagradecerprimeiramenteaomeuorientadorProf.FlavioBarbeitas.Não
apenaspeloapoioincondicional,maspelapaciênciaecompreensãoalémdoimaginadocom
asminhaslimitaçõesecontextos.
Aosamigosquemeacompanharamcomocolegasdecurso-LucasTelles,LuísaMi-
tre,AndersonReise,emespecial,àHevelynCosta-pelasparcerias,conversas,desabafose
pormesalvaremmomentosdeapuro.AosamigosDuduBarrettoeFernandaZanonpelo
apoionavidapessoaleprofissional.
AoZé,Regina,GiordanoeVanda,pelaamizadedeumavidainteiraequelevareipara
sempreacadanovopasso.
ÀBethânia,companheiraderisos,choros(e leiturasdetextos)quenãomedeixou
sozinhooudesamparado.
Àprof.ªEditeRocha,pelaoportunidadedetrabalhoecrescimentonaelaboraçãoda
disciplinaàdistância“HistóriadaMúsicanoBrasil”eàProf.ªAnaCláudiaAssispelosvalio-
soscomentáriosepalavrasdeincentivoapósaqualificação.
Aoscontribuintesbrasileiros (quemerecemmuitomais retornoeconsideraçãode
nossaparteenquantopesquisadoreseprofissionais)eàCAPES,pelosuportefinanceiroes-
sencialpararealizarestetrabalho.
E,finalmente,aosmeusfamiliares(Rodolfo,Cecília,Antonia,Satish,VickoeVinnie),
pessoasquehabitamminhamenteecoraçãoequesãopartefundamentaldarazãodeviver
edeseguiremfrente.
RESUMO
Estetrabalhotemcomoobjetivosdebaterarelaçãoentreidentidadenacionaleeste-
reótipodentrodorepertóriobrasileiroparaviolãoemostraragrandediversidadedeesti-
losegênerosquesãodifundidosatravésdesserepertório.Paraisso,mefoqueinorepertó-
rio composto por tocautoresviolonistas nascidos a partir de 1950. Proponho a partir da
constataçãodequeoviolão,porestarassociadoadeterminadosgênerosdamúsicabrasi-
leirae,portanto,elevadoasímbolodebrasilidade,queaexpressão“BrazilianGuitarMusic”
acabousetornandoumrótulousadoparadesignarfazeresmusicaisligadosapenasànarra-
tivahegemônicadatradiçãobrasileira.Talfatocriaumadistorçãoeacabaporrelegarou-
tras formasdeabordaroviolãoanichosespecíficosecriaumavisãorasaeenviesadado
queéaproduçãoparaviolãohoje.Atravésdeumaabordagem interdisciplinar,buscando
auxílioemconceitosdahistóriaedasociologia,estetrabalhosepropõeconstruirumanova
formadeperceberorepertóriocontemporâneobrasileiro.
Palavras-chave:Violãocontemporâneobrasileiro.Músicabrasileiracontemporânea.Músi-
caeglobalização.Estereótipo.Identidadenacional.
ABSTRACT
Thepurposeofthisdocumentistodiscusstheinteractionsbetweennationalidenti-
tyandstereotypewithintheBrazilianclassicalguitar(“Violão”)repertoireanddisplaythe
varietyofstylesandgenresthatareperformedintheinstrument.TodosoIfocusedonthe
works of performer-composers born after 1950.Departing from the assumption that the
“Violão” was transformed into a symbol of brazilianness for being strongly associated to
specificgenresofBrazilianmusic,andtheresultofthisstrongassociationwasthatthelabel
“Brazilianguitar”wasboundtoimplyadeterminatetypeofmusicthatisdominantinBrazil
and is related to the “invention” of Brazilian tradition. This fact creates a distortion that
leadsothertypesofmusictothemarginofthedebatesofBrazilianmusicandfinallygivesa
distortedandbiasedviewofwhatthemusicalproductionforsologuitarinBrazil.Withan
interdisciplinaryapproachenlistinghistoricalandsociologicalconcepts, thepresentwork
aims topointnewandmorepertinentoptions tounderstand theBraziliancontemporary
repertoire.
Key-words:Braziliancontemporaryguitar.Braziliancontemporarymusic.Musicandglob-
alization.Stereotype.Nationalidentity.
LISTADEQUADROS
Quadro1:PartiturasdecompositoresbrasileirosdaGSP...................................................................39Quadro2:PartiturasdecompositoresbrasileirosdaMaxEschig....................................................43
LISTADEFIGURAS
Figura1:TrêsprimeirossistemasdeSaudadesNº3:I.Rituel,deRolandDyens.......................58Figura2:EscaladosmodosRéLídioeRéMixolídio................................................................................59Figura3:ScordaturadoviolãocomasextacordaafinadaemRéerealizaçãodoritmodobaiãonosbordões...................................................................................................................................................59Figura4:Texturacomoostinatodetresilloeacordesconstruídoscomsobreposiçõesdeterças,quintasesextas.Compassos28-33dePonteado,deAntônioMadureira........................60Figura5:Notasdepassagemnoscompassos1-3deRomançário,deAntônioMadureira.....60Figura6:Antecipaçõesnamelodiadoscompassos3-5dePonteado,deAntônioMadureira.........................................................................................................................................................................................61Figura7:Estruturamelódicaemterçasnoscompassos3-5dePonteado,deAntônioMadu-reira...............................................................................................................................................................................61Figura8:Texturacompedalnaviola-caipira.IntroduçãodapeçaSussa,dovioleiroSeuMi-nervino.........................................................................................................................................................................61Figura9:Notarebatidanoscompassos7-8dePonteado,deAntônioMadureira......................62Figura10:Perfilmelódicodoscompassos5-8deSaudadesNº3:II.Danse,deRolandDyens.........................................................................................................................................................................................63Figura11:Compassos33-37deSaudadesNº3:II.Danse,deRolandDyens................................64Figura12:Compassos11-15deMaracatu,deAntônioMadureira...................................................64Figura13:RiffcaracterísticodoRockcomousodaquartaaumentadanocompasso51deSaudadesNº3:III.FêteetFinal,deRolandDyens....................................................................................65Figura14:AcordescomaquartaaumentadaadicionadaemSaudadesNº3:FêteetFinal,deRolandDyens............................................................................................................................................................66Figura15:QuatroprimeiroscompassosdoPrelúdioemDóMaior,BWV846,deJ.S.Bach....71Figura16:QuatroprimeiroscompassosdeToada,deMarcoPereira.............................................72Figura17:QuatroprimeiroscompassosdeToadaseparadosemdoissistemas.......................72Figura18:DigitaçãodoquartocompassodeToada................................................................................73Figura19:ExemplodaescritadapolifoniavirtualeseuresultadosonoronaSarabandeBWV997deJ.S.Bach..............................................................................................................................................74Figura20:Polifoniavirtualnoscompassos7e8deToada..................................................................74Figura21:Resultantedapolifoniavirtualdoscompassos7e8........................................................75Figura22:Texturademelodiaacompanhadanoscompassos13ao16.........................................75Figura23:Separaçãodosplanosdoscompassos13-16........................................................................76Figura24:TemadaValsaOp.8,Nº3(compasso10)deAgustínBarrios.......................................78Figura25:VersãodomesmotemanosprimeiroscompassosdeFlordasÁguas.......................79Figura26:Encadeamentodoscompassos10-17daValsaOp.8,Nº3..............................................80Figura27:Encadeamentoharmônicodoscompassos1-8deFlordasÁguas..............................80Figura28:Baixosqueseintegraàmelodiacompassos9-15deFlordasÁguas.........................81
Figura29:Melodiaqueseintegraaosbaixoscompassos29-31deSonsdeCarrilhões,deJoãoPernambuco..............................................................................................................................................................81Figura30:RifffazendoalusãoaobradeJimmyPage,sistemas24-26............................................86Figura31:1ºsistemadeAnkh...........................................................................................................................87Figura32:Acordebaseadonosintervalosde4ªJustae7ªMaior.....................................................87Figura33:Oposiçãoentre2e3nossistemas10-11...............................................................................88Figura34:Texturapontilhistaescritanossistemas12-13,deAnkh................................................89Figura35:Escritadotrechoanteriorexpandidaemtrêsplanos.......................................................89Figura36:RiffqueiniciaasegundaseçãodeAnkh(sistema18)......................................................90Figura37:SeparaçãodosplanosdoRiffdosistema18deAnkh.......................................................90Figura38:DuasprimeirasfrasesdeDesafinado,deTomJobim........................................................95Figura39:EscalasLídiaeoctatônicasconstruídasapartirdanotaMi..........................................96Figura40:Utilizaçãodasescalaslídicaeoctatônicasnoscompassos8-15,deJobinianaNº3.........................................................................................................................................................................................96Figura41:TrechoTonalnoscompassos30-33deJobinianaNº3....................................................97Figura42:IntroduçãodeÁguasdeMarço,transcritaporNelsonFaria.........................................97Figura43:Compassos88-100deJobinianaNº3......................................................................................98Figura44:SeçãobaseadanoacordedeG7(#11),compassos94-111,deJobinianaNº3.......98Figura45:CélularítmicadoSambausadaporJorgeMorelemDanzaBrasilera.....................101Figura46:Progressãoharmônicadoscompassos4-12deDanzaBrasilera..............................101Figura47:Construçãofinaldoscompassos5-12deDanzaBrasilera..........................................102Figura48:Variaçãofeitanoscompassos53-60deDanzaBrasilera.............................................103Figura49:Expansãoemtrêssistemasdatexturadebig-banddoscompassos53-56deDan-zaBrasilera.............................................................................................................................................................103
SUMÁRIOINTRODUÇÃO........................................................................................................................................12CAPÍTULO1-(des)Construindoo“ClássicoViolãoPopularBrasileiro”..........................141.1Ponteando ............................................................................................................................ 14 1.2Temaevariações:ViolãoeIdentidadeNacionalnaproduçãoacadêmica ..................... 16 1.3Interlúdio:Identidadeeestereótipo .................................................................................. 24 1.3.1Conceituando:Estereótipo .......................................................................................... 24 1.3.2Conceituando:Identidade ........................................................................................... 25 1.3.3Criandoprodutos:AIndústriacultural ....................................................................... 27 1.3.4Desenvolvimento:processodetransformaçãodeidentidadeemestereótipo ...... 28
1.4Umcantinho,umviolão:identidadeNacional/Brasilidadenorepertóriobrasileiropa-raviolãoI(1900-1960) ............................................................................................................ 30 1.4.1Violãocomosímbolodebrasilidade:abrasilidadedoscompositoresviolonistas 30 1.4.2Violãocomosímbolodebrasilidade:AbrasilidadedoscompositoresdoNacional-Modernismo .......................................................................................................................... 33
1.5“Umcantinho,quantosviolões?”:IdentidadeNacional/Brasilidadenorepertóriobra-sileiroparaviolãoII(1961-) .................................................................................................... 35 1.6A“IndustriadoViolão”eaconfirmaçãodoestereótipo .................................................. 37 1.6.1Aspartituraspublicadas ............................................................................................. 39 1.6.2Análisedosdados ........................................................................................................ 44 1.6.3Osálbuns ...................................................................................................................... 46 1.6.4DiscosdeMúsicaLatino-Americana .......................................................................... 47 1.6.5DiscosdeMúsicaBrasileira ........................................................................................ 48 1.6.6Cruzamentodedados .................................................................................................. 49 1.6.7Conclusões .................................................................................................................... 50
CAPÍTULO2-(des)Construindoasidentidadesbrasileiras.................................................522.1“Comosetocaobaião?”:diferentesrepresentaçõesnordestinasnamúsicadeAntônioMadureiraeRolandDyens ....................................................................................................... 54 2.1.1SaudadesNº3ePonteado ............................................................................................ 57
2.2Traduzindooutrasbossas:oviolãocaleidoscópicodeMarcoPereira .......................... 66 2.2.1Toada ............................................................................................................................ 69 2.2.2FlordasÁguas .............................................................................................................. 77
2.3RockeVanguardaemAnkhdeRobertoVictório ............................................................. 82 2.3.1Ankh .............................................................................................................................. 83
2.4“IssoéBossa-Nova?”:JobinianaNº3deSérgioAssad ...................................................... 91 2.4.1JobinianaNº3 ................................................................................................................ 93
2.5“Sambadeoutraterra”:ElementosdoSambaemDanzaBrasilera,deJorgeMorel ..... 99 2.5.1DanzaBrasilera .......................................................................................................... 100
CONCLUSÃO........................................................................................................................................105REFERÊNCIAS.....................................................................................................................................107APÊNDICE1-Listasdepartituras..............................................................................................113APÊNDICE2-ListadeCDsdeMúsicaLatinacomcompositoresbrasileiros...............116APÊNDICE3-CDsdedicadosexclusivamenteàMúsicaBrasileira..................................122
12
INTRODUÇÃO
Aexpressão “violão brasileiro” carrega em si, aomesmo tempo, uma certa redun-
dânciaereducionismo.Porumlado,“violão”éumsubstantivousadoapenasnoBrasilpara
designaroinstrumentoque,naviradadoséculoXIXeraconhecido,emvirtualmentetodoo
restodomundoocidental,comoguitarra.Portanto,decertaformaaprópriapalavra“vio-
lão”járemeteaumaimagembrasileira,oquedispensariaoadjetivo“brasileiro”aofalarde
violão. Contudo, em se admitindoque aguitarra, ouo violão, é, naspalavrasde Sérgio e
OdairAssadnaapresentaçãodeseudisco“Oclássicoviolãopopularbrasileiro”,“omotorda
nossa evoluçãomusical” e que este instrumento “ganhou cores e nuances diferentes por
ondeandou”1cabeperguntar:violãobrasileiroouviolõesbrasileiros?
EssequestionamentosurgiudurantemeumestradonaUniversidadedoSuldaCali-
fórnia, nosEUA.Noperíodoentre agostode2012e agostode2014mantiveohabitode
sempreincluircompositoresbrasileirosemmeusprogramasdeestudo.Qualnãofoiami-
nhasurpresaaoperceberumasurpresaaindamaiordecolegaseprofessoresaoouviral-
gumasdaspeças.Nãoeraapenasumcontatocomonovo,eraumaevidentequebradeex-
pectativaaoouviremfazeresmusicaisquenãodialogavamcomouqueretrabalhavamtra-
çosconsideradoscaracterísticasdamúsicabrasileira.Eraasurpresacomadiversidadeem
umdosestadosmaisdiversosdaAméricadoNorte.
Essefatofezcomqueeupassasseaobservarquetipoderepertóriobrasileiroestava
sendo mais difundido no meio violonístico. Discos com títulos como “Brazil!”, “Brazilian
GuitarMusic”,“Samba!”geralmenteacompanhadosdecoresvivasouimagensqueremeti-
amalugaresexóticos,vinhampreenchidosdeobrasligadasaumabrasilidadetradicional.
Umabrasilidadedasíncope,deformaquesefezimportantequestionarcomoesseevidente
estereótiposeestabeleceu.
Amaioria das pesquisas sobre o repertório violonístico brasileiro corroboram, de
certaforma,essanarrativadeumabrasilidadeunificada.Entretanto,emumaanálisemais
atentaficaevidentequeorepertóriobrasileiroparaviolãoérepletodenuances,diversida-
de,degênerosquedialogamcomnovastribosurbanas,quenãosepreocupamcomanarra- 1ASSADeASSAD,2015.2VELLOSO,2010,p.20.
13
tivado“nacional”ouque,mesmotendoumaformulaçãomaisregionalista,evidenciamfor-
masnovasdearticularoqueeuchameide“brasilidadedasíncope”.
Sabendoqueamúsicaéumapartedaidentidadeculturaldeumpaíssefeznecessá-
riopesquisar,entenderoconceitodeidentidade.ParaissoosescritosdeStuartHalleZyg-
muntBaumanforamdeextremovalorparaentendercomoidentidadeéumaformadere-
presentaçãomutáveleconstruída.Outroconceitoquefoidegrandeutilidadefoiodeeste-
reótipo,que,talcomoentendidoporHomiBhabha,dependedaideiaderepetiçãoedeimu-
tabilidadeparaseestabelecer.
Acreditandoqueaarticulaçãodesseprocessosedápormeiodosintérpreteseseus
registros,durantemuitosanossubordinadosaumalógicademercadoatravésdasgravado-
ras,estetrabalhosepropõeaapontarcomoalógicadomercadoseaproprioudaideiade
brasilidadeparacriarumprodutoancoradonasexpectativasdopúblicomédio.
Demaneiraqueestetrabalhocontarácomdoiscapítulos.Oprimeiroprocura,inici-
almente, expor e articular os conceitos de identidade e estereótipo a partir da lógica do
mercadoculturalqueimpõeaprevisibilidadecomopontoatrativoparaadifusãodebens.A
partirdisso,procurou-seapresentarcomoaconstantepresençadepoucoscompositorese
gênerosdemúsicabrasileiraemregistrosfonográficosfavoreceuacriaçãodeumaexpecta-
tivaestereotipadadoqueéaproduçãobrasileiraparaviolão.
Osegundocapítuloécompostoporseisanálisesdepeçasescritasporcompositores-
violonistasnascidosapartirde1950.Foramescolhidoscompositoresquetenhamreconhe-
cimento nomeio violonístico nacional e/ou internacional, a saber: SérgioAssad, Antônio
Madureira,MarcoPereira,RobertoVictório, JorgeMoreleRolandDyens.Oobjetivoéde-
monstraremquepontoessescompositoresdialogamcomanarrativadebrasilidade,sendo
que a inclusão de compositores estrangeiros serve para ilustrar como essa brasilidade é
apreendidaporummúsicoquenãosejanativonopaís.
Acreditoqueexisteumadiversidademusicalnopaísqueestásendoofuscadapela
aindadominanteideiadeumabrasilidadeunificada.Amúsicadeumpaísquesofreutantas
transformaçõesnosúltimosanoseque,cadavezmais,seinsereemumcontextoglobal,de-
veseranalisadasoboprismadeperspectivasatuaiscomoadadiversidadeenãoporgran-
desnarrativasque,comopassardosanos,setornammaisdistantesdarealidade.
14
CAPÍTULO1
(des)Construindoo“ClássicoViolãoPopularBrasileiro”
1.1Ponteando
SenãosepodedizerqueoséculoXXconcentrouomaiornúmerodemudançasnas
relaçõessocioculturaisoutecnológicas,podemosdizerquefoinesseséculoqueasmudan-
çassesucederamdeformamaisrápidaetiveramimpactomais imediatoedifusonavida
daspessoas.Dentrodessecontextodemudanças,doiseventossãodeparticularinteresse
paraasreflexõesdestapesquisa:oadventodosmovimentosmodernistasnaprimeirame-
tadedoséculoXXeoavançododesenvolvimentotecnológico.
Osmovimentosmodernistastiveramgrandeimportânciadentrododesenvolvimen-
todasartesedasrelaçõessociais.Buscandorompercomastradiçõeseoacademicismovi-
gentese,aomesmotempo, tratandodeentenderederetratarasrápidas transformações
emqueviviam, artistas e intelectuais se articularamemdiversosmovimentosdiferentes,
muitasvezesdeconteúdofrancamentecontraditório,massempresemantendocoerentesà
ideiadeavançoemodernizaçãosocialeestética.DeacordocomahistoriadoraMonicaPi-
mentaVelloso,os
artistaseintelectuaissentiam-separticularmentemobilizadosaparticipardacons-truçãodanovasociedade.Acreditava-sequecaberiaàsartesrealizarumaduplata-refa:adestruiçãoeacriação,inspirando-senaintensidadedomomento.(VELLOSO,2010,p.18-19).
A “intensidadedomomento” a que se refereVelloso diz respeito tanto às tensões
provenientesdaPrimeiraGuerraMundial,quantoàdificuldadequeosprotagonistaseco-
adjuvantesdessesmovimentos sentiamao lidar comanova sociedade industrial.Velloso
aindaapontaráparaa importânciadosmovimentosmodernistasnosentidoemqueestes
15
transformamde“maneiraindelévelaconsciênciaepercepçãodomundo;consequentemen-
te,aprópriapercepçãodacultura”2.
Outroagentenessatransformaçãodaspercepçõesdemundoedaculturafoioavan-
çotecnológico.Emespecial,oadventodorádioedosaparelhosdegravaçãoeseusreprodu-
tores(gramofone).PauloPutermanvaiexporemIndústriaCultural:Aagoniadeumconcei-
to3queodesenvolvimentotecnológico“influenciaaculturaqueseproduz,alterandoradi-
calmenteascondiçõesdeacessoaela”4.Masquaissãoessascondiçõesdeacesso?
ComoopróprioPutermanexpõenolivro,essascondiçõesdeacessoestãoligadasa
fatoressocioeconômicosegeográficos.Ouseja,determinadosbensculturaispuderamser
maisdifundidosaumpúblicoquenãoteriameiosdeacessoaelesporcontadasgrandes
distâncias.Aomesmotempoessesbensse transformamemprodutosquesópoderãoser
acessadospormeiodopodereconômico,dificultandooacessoapessoasquenãodispõem
dedinheiroparaadquiriressesbens.Amúsicaserádiretamenteafetada,umavezque,co-
moeventoqueaconteceemumdeterminadolugaremdeterminadotempo,apossibilidade
deser transmitidaparaumlocalaquilômetrosdedistânciaouaindaacapacidadedeser
gravadaetransportadaaondequerqueseváeemqueseencontreumreprodutoréuma
verdadeirarevolução.Masomaisimportanteéque,alémdemodificararelaçãocomamú-
sica,oavançodatecnologiacriounovosprodutosdeconsumoquetinhamopodersimbóli-
codelegitimarsocialmentedeterminadosgênerosmusicais.
Aocriarnovosprodutos,aopassarafabricá-losemlargaescalaeofertarseusdife-
rentes“tipos”paradiferentespúblicosenichos,aindústriatambémcriaanecessidadede
inventarrótulosparaqualificaressesprodutos.Eorótulonecessitaconterumacaracterís-
ticaqueoidentifiqueeotornediferenciadoperanteoutros.Quaisasconsequênciasdisso?
É possível que esse tipo de funcionamento tenhaum impacto na percepção simbólica da
culturadeumpovoounação?
2VELLOSO,2010,p.20.31994.4Ibid,p.52.
16
1.2Temaevariações:ViolãoeIdentidadeNacionalnaproduçãoacadêmica
O intuitodestarevisãonãoésercompleta.Elabusca,muitomais,exporeajudara
entender as formas como o repertório brasileiro é retratado pelos intérpretes-
pesquisadores.Tambémnãoéobjetivo fazerumarevisãodetalhistadesta literatura,mas,
sim,clarificarquaisaspectosestãosendopesquisados.
Tiveacessoaumtotalde36trabalhosacadêmicosdepós-graduaçãoescritosentre
1990e2015,anodecomeçodestapesquisa(importantedestacarquegrandepartedesses
trabalhosestádisponívelembibliotecasdigitaisenosite“AcervoDigitaldoViolãoBrasilei-
ro). Desse total, 30 tinham como foco apenas um compositor. Entre esses compositores
pesquisados por meus colegas, os mais recorrentes foram Francisco Mignone, Radamés
Gnattali,MarcoPereiraeGarôto.Entretanto,nota-seumpredomíniodepesquisasfocadas
emcompositoresnascidosanteriormenteouatemasanterioresa1950.Tambémemlinhas
gerais, foi comumdetectar nesses trabalhos uma necessidade de incluir uma abordagem
biográfica,emmuitoscasosparasupriracarênciadeumaproduçãoacadêmicamaissiste-
matizadasobrealgunscompositores.
Parafinsderevisãobibliográfica,focareiminhaatençãoem6trabalhosespecíficos.
Trêsdelesportratarem,commaisprofundidadeteórica,sobreotemadaidentidadenacio-
naleosoutrostrêsporteremtratadodecompositoresnascidosapós1950-quetambémé
orecortetemporaldestetrabalho.OstrêsprimeirosaseremcomentadosserãoosdeCAR-
DOSO (2006), PEREIRA (2007), FRANCISCHINI (2012). E os demais são os de OLIVEIRA
(2009),LEMOS(2012)eTHOMAZ(2014).
OtrabalhodeCardoso5sefocanamúsicadocompositoreviolonistacariocaGuinga.
Asuapesquisatratade3questõesbásicas:aprincipalébuscarentenderaformacomqueo
músicoestruturaasualinguagemcomposicionalnoviolão,buscandoparaissodesvendar
asdiversasinfluênciasmusicaisquecompõemalinguagemdeGuinga.Nessesentido,Car-
dosoconstatouqueoviolonistaestabeleceumdiálogocomamúsicadeconcertobrasileira
atravésdas influênciasdaobraviolonísticadeVilla-Lobos,aomesmotempoque também
dialoga comasobrasdouniversodoviolão clássicodo compositor cubanoLeoBrouwer.
5“Umviolonista-compositorbrasileiro:Guinga,apresençadoidiomatismoemsuamúsica”(2006).
17
Emadiçãoaessasinfluências,CardosodemonstroucomoGuingatambémsevaledamúsica
popularbrasileiracitandoexemploscomoPixinguinha,DilermandoReiseJoãoPernambu-
co.
DuasabordagenssobreamúsicadeGuingasãodeespecialinteressenotrabalhode
Cardoso.AprimeiratratadeaveriguaroposicionamentodaobradeGuinganoquedizres-
peitoàquestãodo“nacionalemmúsica”.Mesmosemdesenvolverouexporteoriasespecí-
ficassobreidentidadenacional,oautordoestudoébem-sucedidoaoapontarcomoGuinga
“revela-seumlegítimorepresentante”daescoladoviolãobrasileiro6.Cardosotambémdei-
xaclaraapreocupaçãodocompositoremreconheceraimportânciadatradiçãodamúsica
brasileiraeutilizá-lacomoinspiração,modernizandoerecriandoessamesmatradição.
UmaspectointeressantedapercepçãodeGuingasobreamúsicabrasileiraéaponta-
doporCardoso:
“GuingaidentificaumapartedamúsicafeitanoBrasilcoma‘músicabrasileira’,rea-lizandonãoapenasadefesadamúsicanacional,mastambémdequalmúsicafeitanopaísélegítimaedignadesercolocadanopostode ‘a’músicanacional.Emsuainterpretaçãode ‘tradiçãodamúsicabrasileira’,excluiasvertentesmusicaisfeitasnoBrasilquenãolheinteressam,citandosomenteapartequelhepareceadequadodefender.Nãosetrata,portanto,deumcomprometimentocomamúsicaunicamen-teporserproduzidanoBrasil:trate-sedeumenvolvimentocomumtipoespecíficodemúsicabrasileira,naqualGuingaidentificaumaqualidadediferencial,eacolocaporistonolugarde‘a’tradiçãodamúsicabrasileira”.(CARDOSO,2006,p.51-52).
Aoutraabordagemdeinteresseaparecesobreodebatedacategorizaçãoestilística
daobradeGuingaentreosuniversosdamúsica“erudita”oudamúsica“popular”.Cardoso
constataque“umacaracterísticaprópriaaosviolonistascompositoreséaaproximaçãoque
realizamentreamúsicaeruditaepopular”7.OpesquisadorsevaledasdefiniçõesdeBour-
dieude“campodeproduçãodaindústriacultural“e“campodeproduçãodaculturaerudi-
ta”,quesãodistintostantonaformadeproduçãoquantonopúblicoaquemsedestinam.
Enquantooprimeirotendeaseguirasregrasdemercadoparadeterminaraaprovaçãodos
seusprodutos, destinados aumpúblico amplo, oúltimo costumaestabelecer a suaspró-
priasregrasdeproduçãodebensculturais,destinadosaumpúblicodetambémproduto-
6CARDOSO,2006,p.47.7CARDOSO,2006,p.60.
18
res8.Atestandoa impossibilidadedealinharGuingacompletamenteaqualquerumdestes
campos,CardosoutilizaoutracategorizaçãodeBourdieu,ade “práticaemviasdeconsa-
gração”.Naverdade,Cardosodizquetantoocampoda“músicapopularbrasileira”quanto
oviolãopoderiamserconsideradosdentrodesseconceito, jáqueambosbuscamatingiro
reconhecimentodascamadasmaisintelectualizadasdasociedade.Estaanáliseédeespecial
ajuda, pois ofereceuma ferramenta interessantepara analisar a receptividadedeumde-
terminadorepertório.
ApesquisadePereira9,porsuavez,tevecomofoconãoumcompositor,noqueelase
diferenciadamaioriadasdemais,masumrecortetemporalegeográficoespecífico:oRiode
Janeiroentreasdécadasde1900e1930.Oobjetivodotrabalhofoidarumnovoenfoqueà
produçãoviolonísticadaépoca,tentandodemonstraravariedadedeintérpretes,composi-
toreseestilospresentesduranteesseperíodo.
Pereiratraçaumperfildahistoriografiaacercadetemascomoidentidadenacionale
cultura brasileira, enfocando principalmente na questão da dicotomia entre “popular” e
“erudito”.Pereiraapontaqueexisteumatendênciaaumahistoriográficaaestabeleceruma
narrativacronológicasobreamúsicabrasileiraeque,naspesquisassobreoviolãosolista,
existeumatendênciaamenosprezaraquelescompositoresdasprimeirasdécadasdoséculo
XXcomo“incipientes”oumenosrelevantes.Pereiraapontaparaoaspectosimbólicoqueo
violãoadquiriudentrodaconstruçãodaidentidadenacional,separandoessaconstruçãoem
doismomentos.Oprimeiro,aindanoséculoXIX,quandopredominavam“asteoriasraciais,
(...),oviolãofezpartedosatributossociaisnegativosassociadosàpreguiça,badernaeatra-
sodasociedadebrasileira”10.Depoisoviolãoseriaelevadoasímbolonacional,pormeiodas
reelaboraçõesdasteoriasraciaisdoséculoXIX,sobinfluência,principalmentedeGilberto
Freyre.
Essasobservaçõesservemparaanalisaralegitimaçãosocialdealgunscompositores
soboenfoquedadicotomiaentreoPopulareErudito.Pereira,entretanto,apresentauma
abordageminovadora,aoafirmarque
8BOURDIEUapudCARDOSO,2006,p.61.9“Oviolãonasociedadecarioca(1900-1930):técnicas,estéticaseideologias”(2007).10PEREIRA,2007,p.113.
19
ascategoriasdeeruditoepopular,paraoviolãonoBrasil,sãobastanteimprecisas,porqueoinstrumento,alémdetertransitadoedetransitarentrediversosgrupossociais,temutilizadoumcaráterhíbrido,quefundeestilosetécnicas.Pode-sedizerque o aspecto híbrido do violão tambémpode ser observadonamaioria dos ins-trumentos musicais, porque os mesmos circulam entre diversos grupos sociais.Dessamaneira,caberiadizerqueascategoriasdeeruditoepopularsãoideológicaseanomeaçãoedistinçãodeumaoudeoutrafazpartedosdiscursosedisputasen-treosgruposdeumasociedade,nãohavendoinstrumentoqueestejaisoladoouuti-lizadoapenasporumúnicogruposocial.(PEREIRA,2007,p.48).
EstaconclusãoatingidaporPereiraédegranderelevânciaparaestapesquisapois
apontaqueafraquezadacategorizaçãoem“erudito”ou“popular”namúsicabrasileiratem
suasorigensjánoscomeçosdoséculoXX,oquemelevaaconcluirqueestefenômenoape-
nasganhoumaisforçaeamplitudenosúltimosanos,sendoqueonovo,então,nãoéofatoe
simasuaforma.
Pormeiodeanálisesauditivas,embasadasemteoriasdafenomenologiamusical,Pe-
reirabuscoutraçarassemelhançasediferençasestéticasetécnicasentreamúsicadeJoão
PernambucoedeoutrosquatrocompositoresatuantesnoRiodeJaneironoperíodoemfo-
co.Buscandoexplicaromotivodevárioscompositoresdaépocanãoseremconhecidos,a
pesquisadorachegouàconclusãoque
orepertórionãofoiexploradoporquenãoteveasortedesertranscritonaépocaouposteriormente,edenãoreceberoavaldosviolonistasatuaisparaseremexecuta-dos no repertório de concerto, como foi o caso de João Pernambuco e Levino daConceição.(PEREIRA,2007,p.111).
Pereiraconcluisuapesquisareafirmandoqueoambientemusicaldaépocaeradi-
nâmico,ondehaviaodiálogoentretradiçõesculturaisdiferenteseacriaçãodenovastradi-
ções,oqueéumasemelhançacomaspráticasatuaisdoviolão.Tambémapontaparacomo
aconstruçãodadicotomiaentreascategoriasdeeruditoepopularfoierguidaafimdees-
tabelecervaloresedistinçõessociaisancoradasemdemandasdaépoca,oqueérefletido
emcomoodiscursoacercadoviolãobrasileiroéestruturadohoje.
OfocodapesquisadeFrancischini(2012)11éaobradoviolonistaecompositorLau-
rindoAlmeida.Nocaso,opesquisadorbuscarelacionaraquestãodanarrativadaidentida-
denacionalcomanotóriamarginalizaçãodonomedeLaurindoAlmeidanaconstruçãohis-
11“LaurindoAlmeida:músicabrasileira,identidadeeglobalização”(2012).
20
toriográfica damúsica brasileira.Nessapesquisa é traçadoumperfil artístico-musical de
Laurindo Almeida, tratando de expor a diversa gama de atuações profissionais que este
exerceuenquantoviveunosEUA.
PormeiodeumaanálisedaproduçãodiscográficadeLaurindo,Francischiniexpõea
multifacetada carreiradoviolonistaque, alémde instrumentista, atuou como compositor
paracinemaeemgênerosvariadoscomoJazz,MúsicaBrasileiraeamúsicadeconcerto.Ar-
gumentandoque
coma IndústriaCulturalnorte-americanaemplenoprocessodecrescimento,ace-nando-lhe e algumas direções, a adoção contingencial de uma postura “eclética(frontalmenteopostoàestéticadapureza,exigidapelavertentenacionalistabrasi-leira) como parâmetro estético-musical garantiu a Laurindo maior inserção nocompetitivocenáriomusicalnorte-americano.(FRANCICHINI,2012,p.12).
EssamultifacetadaatuaçãoprofissionaldeLaurindo,mesmoquecontingencial,teria
lhe valido o esquecimento nas páginas da história damúsica brasileira por conta de seu
afastamentodastradiçõesmusicaisdopaís.Essefatoéanalisadosobreaóticadarelação
identidade-diferençaconcluindoque
as identidades que se constituem hegemônicas se estabelecem pela diferença, ouseja,pelamarginalizaçãodaoutra,oudasoutrasidentidades.Asaber:onacionalseestabelecepelamarginalizaçãodointernacional;otradicionalpelamarginalizaçãodomoderno;oeruditopelamarginalizaçãodopopular;eassimpordiante.(FRAN-CISCHINI,2012,p.24).
Opesquisador, finalmente,argumentaqueLaurindoAlmeidaseinsereemumcon-
texto demundialização, cujo resultado sobre as identidades é a fragmentação. Longe de
considerarumefeitonocivodentrodoqueelechamade“perfilidentitáriomusical”deLau-
rindo Almeida, o autor argumenta que essamultiplicidade de características identitárias
foramosmotivosparaosucessodeAlmeidanoexterior.Maisainda,eleconcluique “co-
habitandocomoutrasidentificações(latina,norte-americanaeoutras),abrasileiraacabou
porfigurarcomoumadas‘posiçõesdesujeito’deLaurindoAlmeida,comumrelativopoder
mercadológico”.12
12FRANCISCHINI,2012,p.158.
21
ApesquisadeFrancischinitambémfoidegrandeimportânciaparaesteestudopois
apontanamesmadireçãodereconheceraimportânciadadiferençanaconstituiçãodaiden-
tidadenacionale,assimcomoapesquisadePereira,porcorroboraropressupostodequeo
diálogocomoutrosfazeresmusicaiséumtraçocomumdamúsicabrasileira.
Asoutrastrêspesquisasqueserãobrevementeexpostassediferemdasanteriores
pornãotrataremdaquestãodaidentidadenacional.Noentanto,elasanalisamcomposito-
resqueestarãopresentesnestetrabalho,oqueastornaobviamentepertinentesporcom-
partilharem,alémdoscompositores,domesmorecortetemporal.Umdoscompositoresque
analisareinestetrabalho,equefoifocodapesquisadeOliveira(2009)13,éSérgioAssad.A
partirdaanálisedasuíteAquarelle,primeiraobradeSérgioAssadparaviolãosolo,Oliveira
tratadecaracterizara linguageminstrumentaldocompositor.Assumindoquese tratade
um compositor compráticashíbridas, Oliveira tenta também localizar os compositores e
vertentesmusicaisquetiveramimportânciadentrodaconstruçãodalinguagemcomposici-
onaldeAssad.Enfocareialgunsdessesaspectosnosegundocapítulo,quandoanalisareia
obraJobinianaNº3,tambémcompostaporAssad.
DevoressaltarqueconcordocomOliveiraaoclassificarAssadcomoumcompositor
compráticaseestéticahíbridas,entretanto,devoressaltarquenãocompartilhodoconceito
dehibridismo tal como ele o entende, ou seja, “a adoção por compositores de orientação
eruditademateriaisrítmico-melódico(sic)eestilísticooriundosdamúsicapopularsoba
óticacomposicionaldamúsicaculta”14.Estadefinição,aindaquenãoafeteouinvalideore-
sultadodapesquisadeOliveira,podecriarumentendimentoequivocadosobreoconceito,
comoparecetersidoocasodopróprioOliveiraaoapontar“osurgimentodohibridismodo
violãoclássicocomamúsicapopularnofinaldoséculoXX”15edepoisconcluirqueohibri-
dismoéumaprática comumna tradiçãodo violãobrasileiro.Oliveiradeixa transparecer
umarelaçãohierárquicaentreamúsicade concertoeamúsicapopular,ondeaprimeira
teriaumpapelativonaexploraçãodasegunda,relegandoamúsicapopularaumpapelpas-
sivoealienadoemrelaçãoàmúsicadeconcerto.
13“SérgioAssad:sualinguagemestético-musicalatravésdaanáliseAquarelleparaviolãosolo”(2009).14OLIVEIRA,2009,p.12.15OLIVEIRA,2009,p.16.
22
MarcoPereiraéoutrocompositorquefoifocodedoistrabalhosacadêmicos,LEMOS
(2011)eTHOMAZ(2014)equeterámúsicasanalisadasnestedocumento.Demaneirase-
melhanteàdeOliveira,LemospartedeumapeçadePereira,amúsicaSambaUrbano,para
entãochegaràsconclusõessobresuas influênciasesobreas linguagensmusicale instru-
mentaldocompositor.Paratanto,opesquisarutilizaaseparaçãodascaracterísticas“tradi-
cionais”e“nãotradicionais”dogêneroChôro.
Lemos,emsuadissertaçãodemestrado16,encontraasinfluênciastradicionaisnaes-
truturaçãorítmicadamúsicaanalisadaenaformacomoMarcoPereirautilizaalgumasdas
convençõestradicionaisdosambaedochôro.Comoinfluênciasnãotradicionaisencontrou
ousodeidiomatismos“comoasuspensãodocampoharmônicoapartirdouso(...)dopara-
lelismo”17oriundos,deacordocomLemos,das influênciasdasobrasdeVilla-LoboseLeo
Brouwer.Outrainfluênciaestruturaldamúsicadeconcertoseriao“equilibrodasvozesem
momentospolifônicos”18. LemostambémnotaainfluênciadoJazz,especialmentedosgê-
neros“Cool Jazz”eBe-Boppormeiodousode“acordesporquartas,escalasalteradas,de
tonsinteiroseousoextensivodeacordesalterados”19.
O pesquisador ainda conclui dizendo queMarco Pereira apresenta características
quese“enquadramnoprocessohistóricodoviolãopopularbrasileiroqueseiniciounoco-
meço20doséculoXX”21.Emboraaindaincorranaseparaçãoentre“popular”e“erudito”,no-
ta-sequeLemosconcordaqueoprocessodemescladeestilosfazpartedaproduçãobrasi-
leiraparaviolão.
Emoutradireção,apesquisadeThomaz22(2014)tentaconstruirumperfildoestilo
composicional de Marco Pereira buscando elementos unificadores em uma amostragem
maisabrangentedecomposiçõesdoviolonista-compositoremquestão.Partindo,também,
daconstataçãodaspráticashíbridasdeMarcoPereira,embasadaspelasdefiniçõesdePeter
16“OestilocomposicionaldeMarcoPereirapresentanaobraSambaUrbano.Umaabordagemapartirdesuasprincipaisinfluências:aMúsicaBrasileira,ojazzeamúsicaerudita”.17LEMOS,2012,p.5418LEMOS,2012,p.54.19Ibid.20Lemos,naverdade,escreve“finaldoséculoXX”,entretantosegueseuargumentocitandonomescomoJoãoPernambuco,AméricoJacomino,DilermandoReiseGarôtoqueestãolocalizadostemporalmentenoiníciodoséculoXX.21LEMOS,2012,p.55.22“AlinguagemmusicaleviolonísticadeMarcoPereira:umsimbiosecriativadediferentesvertentes”.
23
BurkeeAcácioPiedade,ThomazempreendeumaanálisedoarranjodamúsicaMyFunny
Valetine,chegandoàconclusãodequeeste“éumaamostradodiálogoentreastradiçõesda
músicapopularedamúsicaeruditanageraçãodeumprodutoartísticonovo,dedifícilen-
quadramento”23.
Emseguida,opesquisadorempreendeumaanálisedalinguagemdeMarcoPereira
seatendobasicamentenafusãodedoisaspectos.Oprimeiroéaassimilação(outradução)
deritmostradicionaisdamúsicabrasileiraparaoviolãoe,emseguida,alinguagemharmô-
nicadeMarcoPereira,apontandoqueeleutilizaváriosvoicingsrecorrentesdatradiçãodo
Jazznorte-americano.Tenhoaapontarqueo trabalhodeThomaz,nessesentido, foialta-
mentedetalhadoebem-sucedido.Entretanto,pareceterfaltadoevidenciarcommaisênfase
osaspectosdamúsicadeconcertonaobradePereira,talcomofeitoporLemos.
Pode-seconcluirque,seporumlado,estarevisãobibliográficarevelouquedesdeo
começodoséculoXXexiste,naproduçãobrasileiraparaviolão,umatendênciaaabsorver
influênciasdediversasculturase,também,umacertaliberdade,entreoscompositores,de
transitarementreoqueeramconsideradasaspráticaseosmateriaismusicaisoriundosda
músicadeconcertoeosdamúsicapopular-principalmentecomoapontadonapesquisade
Pereira(2007).Poroutrolado,essaspesquisasapontaramqueessaproduçãoesteve,eain-
daestáemalgunscasos,submetidaaocrivodascategorizaçõessociais,quenãolevavamem
consideraçãooconteúdomusicalpropriamentedito,mas,sim,asdistinçõessociaisbasea-
dasemnarrativasquelegitimavamorepertórioenquantonacionalouestrangeiro;ouen-
quanto“popular”ou“erudito”.Oriscoquesecorreaoanalisarumrepertóriocontemporâ-
neocomauxíliodeferramentas,ousobaóticadeumavisãodemundocadavezmaisdis-
tante,éodeperpetuarvícioscontidosnessesprópriosdiscursos.Nãosetratadeseparare
categorizar osmateriais e autores a partir de um conceito prévio e, sim, de evidenciar a
forma como eles trabalham e como isso dialoga com o contexto sócio-cultural brasileiro
contemporâneo.Oriscoquesecorreaquiéodenãoalcançarumacompletafusãoentrea
ferramentaeobjeto,maséocaminhoqueopteiparaestapesquisa
PormeiodapesquisadePereira,foipossívelconstataraimportânciadeumaabor-
dagemmaispanorâmicadorepertórioenãoapenasfocadaemumcompositor.Essetipode
23THOMAZ,2014,p.41.
24
abordagempodeapontarparanovasformasdeexporarelaçãoentreorepertóriobrasilei-
roeocontextosócio-históriconoqualeleseinsere,evitandoquegeneralizaçõesancoradas
emcasosespecíficossejamrealizadas.Énessesentidoquetentareicompreenderaprodu-
ção brasileira atual em relação ao contexto sócio-histórico brasileiro. Outra contribuição
quebuscoofereceréexporoconceitodeestereótipocomoumadasformasderepresenta-
çãosimbólicaapartirdavisãodooutro.Maisadiantenestecapítuloesseconceitoseráde-
senvolvido.
1.3Interlúdio:Identidadeeestereótipo
Minhahipótesenestetrabalhopartedaconstataçãoempíricadequeexisteumaex-
pectativaespecíficabaseadaemestereótipos,noquedizrespeitoaoconteúdomusical,do
público e dosmúsicos estrangeiros quando se fala emmúsica brasileira. Acredito que a
maior penetrabilidade social de gêneros comoChôro, Samba e Bossa-Nova alinhada com
um tardio desenvolvimento do repertório violonístico que contemplasse outros gêneros
(sejamdemúsicabrasileira,oudecorrentesmaisuniversalistascomoavanguarda)ajuda-
ramaenfatizarumfazermusicalqueserelacionamaiscomaconstruçãodanarrativade
identidadeNacionaldoiníciodoséculoXX,doquecomoatualcenáriosocioculturalbrasi-
leiro,maisdiverso,urbanoecosmopolita.
Querodividirorestantedestecapítuloemtrêsmomentos.Oprimeiroseráodeex-
posiçãodosconceitosqueusareinorestantedeste trabalhoecomoelesserelacionam.O
segundomomento seráumabreveexposiçãohistóricadodesenvolvimentodo repertório
violonísticobrasileiro.Por fim,gostariadeanalisar comoo repertóriocompostonosúlti-
mos30anosfoiabsorvidopelomeiodoviolãodeconcerto.
1.3.1Conceituando:Estereótipo
NestetrabalhousareioconceitodeestereótipodeacordocomodefinidoporHomi
Bhabhanoseulivro“OLocaldaCultura”(2013).ParaBhabhaoestereótipoé“umaforma
deconhecimentoeidentificaçãoquevacilaentreoqueestásempre‘nolugar’,jáconhecido,
25
ealgoquedeveseransiosamenterepetido”24.ParaBhabha,umestudiosodasrelaçõespós-
coloniais,estereótipodeveseranalisadosobaóticadofeticheFreudiano,porambosserem
“arecusadadiferença”25comomecanismodepoder.Nãovouentraremdetalhessobrea
visãodeBhabhanarelaçãodepoderdossujeitoscoloniais.Vouaquiextrapolaroconceitoe
aplicá-lonarelaçãodaIdentidadecomocampoda indústriacultural,considerandoquea
últimaseutilizadeculturaseidentidadesparacriarprodutoscomaceitaçãoepenetrabili-
dadenomercado.MasantesconcluosobreoestereótiponavisãodeHomiBhabha
O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação. É umasimplificaçãoporqueéumaformapresa,fixa,derepresentaçãoque,aonegarojogodadiferença(queanegaçãoatravésdoOutropermite),constituiumproblemaparaa representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais.(BHABHA,2013,p.130).
Édizer,portanto,queoestereótipoéumaformaderepresentaçãoquenãopermite
aoseuobjetoapossibilidadedaautodeterminaçãopormeiodaoposiçãocomaqueleque
Bhabhachamade“Outro”-umsujeitoexterno.Masanteséumarepresentaçãoquepermite
apenasaoagenteexternodeterminaraidentidadedosujeito-objeto.Emtermosmaissim-
ples:éumadeterminaçãoexercidade foraparadentro.Mascomooestereótipopodeser
umprodutodarelação identidadenacional-IndústriaCultural? Paraissocaberia,primeiro
definiroconceitodeidentidadenacional.
1.3.2Conceituando:Identidade
Stuart Hall divide os sujeitos e suas identidades em três tipos, sendo um deles a
“identidadedosujeitosociológico”26.Essetermoestabeleceaideiadequeumindivíduonão
é autodeterminado,mas sim um resultado da interação de seu “centro essencial” com o
meiosocialemquevive.Aidentidade,então,
nessa concepção sociológica, preencheo espaço entre o “interior” e o “exterior” -entreomundopessoaleomundopúblico. O fatodequeprojetamosa“nósmes-
24BHABHA,2013,p.117.25BHABHA,2013,p.129.26HALL,2015,p.11.
26
mos” nessas identidades culturais, aomesmo tempo em que internalizamos seussignificadosevalores,contribuiparaalinharnossossentimentossubjetivoscomoslugares objetivos que ocupamos nomundo social e cultural. A identidade, então,costura(ou,parausarumametáforamédica,“sutura”)osujeitoàestrutura.Estabi-lizatantoossujeitosquantoosmundosculturaisqueeleshabitam,tornandoambosreciprocamentemaisunificadosepredizíveis.(HALL,2015,p.11).
Essaéumaformachaveparaentenderarelaçãoqueseestabeleceentreindivíduoe
Nação.OmesmoHallvaidizerqueaprópriaNaçãoéumprodutordesentidos,um“sistema
de representação cultural.Aspessoasnão sãoapenas cidadãos legaisdeumanação; elas
participamdaideiadenação,talcomorepresentadaemsuaculturanacional”27.
Anarrativadeuma identidadenacional impõe,automaticamente,acriaçãodeuma
alteridade,umademarcaçãoquaseimediataentreaquiloqueénacionaleaquiloquenãoo
é.NaspalavrasdeBauman
a identidadenacional,permita-meacrescentar,nuncafoicomoasoutrasidentida-des.Diferentementedelas,quenãoexigiamadesãoinequívocaefidelidadeexclusi-va, a identidade nacional não reconhecia competidores, muitomenos opositores.[...]aidentidadenacionalobjetivavaodireitomonopolistadetraçarafronteiraen-tre“nós”e“eles”.(BAUMAN,2005,p.28).
Umadiferençaasenotarentre identidadenacionaleoestereótipoéadireçãodas
relações.Enquantoaidentidadebuscasedefiniratravésdoreconhecimentointernodaqui-
loque“sou”emrelaçãoaoque“nãosou”,oestereótipo,comoafirmaBhabha,éaafirmação
daquiloqueooutroé(ouimagino,oumeconvémqueseja).
Detalmaneiraqueageraçãodeestereótipodeumaculturanacionalseaproveitada
ideiadeunificaçãoedafidelidadeexigidapelaideiadeidentidadenacional.Entretanto,co-
moapontadoporBauman,aidentidadenacionaltratadeumanarrativaqueserviuàsaspi-
raçõespolíticasdoEstado-Naçãomodernoenãodeumacaracterísticanataentreosindiví-
duosdeumanação.
DeacordocomBauman,atualmenteanoçãodeidentidadeédiferente;ela
éreveladacomoalgoaserinventado,enãodescoberto;comoalvodeumaesforço,“umobjetivo”; comoumacoisaqueaindaseprecisaconstruirapartirdozeroouescolherentreasalternativaseentãolutarporelaeprotegê-lalutandoaindamais-mesmoque,paraqueessalutasejavitoriosa,averdadesobreacondiçãoprecária
27HALL,2015,p.30.
27
eeternamenteinconclusadaidentidadedevaser,etendeaser,suprimidaelabori-osamenteoculta.(BAUMAN,2005,p.22).
PortantoBaumanencaraa identidade comoumaconstruçãoquese fazapartirde
umdadodarealidadeenãoocaminhoinverso-construirumarealidadeapartirdeuma
imagemidealizada.UmdostraçosdachamadaPós-Modernidade–nostermosdeBauman,
ModernidadeLíquida–éacrescenteevidênciadaincompletudedaidentidade,ouseja,ofa-
todeque“afragilidadeeacondiçãoeternamenteprovisóriadaidentidadenãopodemmais
serocultadas28.
1.3.3Criandoprodutos:AIndústriacultural
RodrigoDuartededicaumapartedeseulivro“TeoriaCríticadaIndústriaCultural”a
explicarateoriadeAdornoeHorkheimer.Sobreofuncionamentodessaindústria,Duarte
explicaque
Aocontráriodosoutrosdoismodelosmencionados-odaarteculta“autônoma”eodaarte“leve”,popular,quepossuem,emdiferentemedidaecomdiferentesgrausdeelaboração,aespontaneidadedasexpressõesdeanseiosesentimentosdassoci-edadesemquesurgem-,aindústriaculturaléantesdetudo,umnegócioquetemseusucessocondicionadoaempréstimosefusõesdacultura,daarteedadistração,subordinando-setotalmenteàs jámencionadas finalidadesde lucroedeobtençãodeconformidadeaostatusquo.(Duarte,2003,p.59)
Duarteaindaexpõe,nosegundocapítulodeseulivro,comoosprodutosdaIndústria
Cultural precisam refletir uma preferência ou expectativa de seu público alvo. E é neste
pontoqueodiálogoentreasidentidadeseacriaçãodeprodutostendeagerarestereótipos.
Aodevolverumprodutoquecorrespondeaumapreferênciaouexpectativadopúblico,a
indústria incorre nomesmo fetiche da repetição que caracteriza o estereótipo. “Para de-
monstrar a divindade do real, a indústria cultural limita-se a repeti-lo cinicamente. Uma
provafotológicacomoessa,nãoérigorosa,maséavassaladora"29.
28HALL,2015,p.30.29DUARTE,2003,p.63.
28
Deformaquesecriaumasimplificaçãodaquiloqueéreal,objetivandoolucro.Esta
simplificaçãopermiteaconfirmaçãodaquiloqueaspessoasjáacreditamseroreal.Comoo
jácitadoPutermanafirma,
Osprodutosculturaisconstituemsempreummeiodecomunicação,namedidaemque serão consumidos por uma coletividade e, portanto, interpretados por esta(comoapalavraétambéminterpretadaparapoderfuncionar),nãofogemàregra,e,também,têmfunçãotantodeaproximaçãoquantodedistanciamento.(Puterman,1994:40)
1.3.4Desenvolvimento:processodetransformaçãodeidentidadeemestereótipo
Épossível,então,deformapertinente,gerarumarelaçãoentreindústriaculturale
identidadenacionalsemelhanteàquelarelaçãoexistenteentrecolonoecolonizado.Levan-
doemcontaquetantoparaaindústriacultural,quantoparaocolono,oimportanteéesta-
beleceruma formade tirarproveitodedeterminadascaracterísticasdocolonizadooude
determinada identidade (nacional), neste caso resultando na geração de um estereótipo.
Então,dopontodevistamercadológico,énaturalquehajaoestabelecimentodeestereóti-
posdentrodaelaboraçãoderótulosparaquesecrieoaspectodefixidezeprevisibilidade
comoobjetivodeseatingirosucessocomercial.
Ointeressanteénotarque,nocasodamúsicabrasileiraparaviolãosolista,essees-
tereótipoacaboucriandoumasituaçãoemqueseencontraporumladoarepetiçãoecon-
gelamentodeumdeterminadotipodelinguagem–que,nãoobstanteasuaimportânciano
desenvolvimentodamúsicabrasileira,nãocorrespondetotalmenteàspráticasvigentesna
produçãoatual.Poroutrolado,sedáumalegitimaçãodosgênerosbrasileirospormeioda
criaçãodeprodutosqueestariamligadosàumatradiçãoda“músicaerudita”.
Portanto,acreditoquesejapossívelapontarque,mesmonãoestandociente,ointér-
preteaoapresentarumaobraaovivo,oumesmoaoregistrá-laemáudio,participadacons-
truçãodesignificadosedenarrativassociais.Detalmaneiraqueasescolhasderepertório
dosintérpretessãocapazesdereforçarnarrativas,inclusiveasdeidentidadenacional,es-
tasjámoldadassobapressãodoestereótipo,especialmentequandoopróprioprodutofi-
nal,nocasodoregistrosonoro,secolocacomoalgorepresentativodedeterminadacultura.
29
Partindo desses pressupostos, eu atribuí à expressão “Brazilian Guitar Music” um
sentido particular. Não como um rótulo que se refere à produção brasileira para violão
propriamente dita,mas como uma ponte que conecta intérpretes e publico pormeio de
umanoçãocompartilhada, fixae idealizadadaquiloqueimaginamseramúsicabrasileira.
Emmuitos casos, comopoderá ser vistomais adiante, essa noção diz respeito àmúsica
composta, principalmente, na primeirametade do século XX na região sudeste do Brasil
(especialmentenoRiodeJaneiro),oumúsicasquedialoguemcomessecontextoespecífico.
Musicalmente falando, é um repertório que contém traços específicos de síncope
(como a famigerada “síncope característica”), uma harmonia triádica diatônica e gêneros
comooSambae,principalmente,oChôro.Excluindomúsicasecompositoresquenãocor-
respondamaessasespecificidades.
Opteipormanteraexpressãoeminglêsparamanteraideiadeumarelaçãoestabe-
lecidaapartirdeumobservadorexterno-mesmoquesepossadizerqueelaécomparti-
lhadaporcertapartedopublicoede intérpretesbrasileiros.Comissotambémépossível
evidenciara ideiade fixideze imutabilidade rígidaqueé impostaatravésdeumproduto
quesimplificaadiversidadeatualdaproduçãobrasileira.Essadiversidadeé frutodode-
senvolvimentosocialeculturaldopaísnosúltimos50anosenegaressadiversidadeede-
senvolvimento, ameuver, éumaabordagemmais conservadorae seguraemproldeum
produtoqueressoacomospreconceitoseexpectativasdopúblico.
Entenderaidentidadedoindivíduocomoalgoemperpétuatransformaçãoeenten-
deropapeldoindivíduocomopartedaproduçãodesentidodanaçãonoslevaasuporque
a noção debrasilidade, enquanto narrativa geradora de identificação, também é algo em
perpétuatransformação.Portanto,se,aoladodessaargumentação,aindaformosseguiras
premissas deMário de Andrade que, em 1928, assinalou que “o critério atual deMúsica
Brasileiradevesernãofilosófico,massocial;deveserumcritériodecombate”eque“ocri-
tériodemúsicabrasileirapraatualidadedevedeexistiremrelaçãoàatualidade”30,pode-
mosnosquestionar:qualocritérioatual,em2017,damúsicabrasileira?Qualéarealidade
socialqueamúsicaquefoiregistradaporintérpretesretrataouestáinserida?
30ANDRADE,2006,p.15.
30
1.4 Um cantinho, um violão: identidade Nacional/Brasilidade no repertóriobrasileiroparaviolãoI(1900-1960)
1.4.1Violãocomosímbolodebrasilidade:abrasilidadedoscompositoresviolonistas
EstudoscomoosdeTaborda(2011)eBartoloni(2015)traçamumhistóricodaim-
portânciaedopapeldoviolãonassociedadescariocaepaulista,respectivamente,napri-
meirametadedoséculoXX.Tabordaencontrouumasíntesedopapeldo instrumentoemumdocumentoproduzidoporAlexandreGonçalvesPinto31,quedivideessasfunçõesentre:
1)oviolãocomoacompanhadordasmodinhaselundus;2)acompanhadoremconjuntosde
músicainstrumental;3)oviolãocomosolistaemobrascompostasoutranscritasparaele.
Enquantoaomeiosocial,Tabordaressaltaque“oviolãoestevepresentenasociedadebrasi-
leira,tantonoscírculosdeelite,quantonasmanifestaçõesdascamadaspopulares”.32Assim
sendo,eranaturalqueuminstrumentocomooviolãofossecolocadojuntoàculturamestiça
eosnovosgênerosmusicaiscomosímbolodebrasilidade.
OconceitodesímboloéoprimeiroconceitotratadopelopsicólogoCarlJungnoen-
saio“Chegandoao inconsciente”33,quetratadeestabelecercomclarezaconceitosqueele
desenvolveuparaaanálisedossonhosdeseuspacientespormeiodapsicanálise.Entretan-
to,éumestudopertinente,umavezqueJungextrapolaoslimitesdapsicologiaparatratar
deconceitoscomimplicaçõessociais.ParaJung,símboloéo“termo,onomeoumesmouma
imagemquenospodeser familiarnavidacotidiana,emborapossuaconotaçõesespeciais
alémdeseusignificadoevidenteemanifesto”34.Jungapontaparaadimensãoamplaeine-
xata do símbolo dentro do inconsciente e de seu papel importante para a construção da
compreensão humana domundo. Uma vez que o intelecto do ser humano não consegue
compreender tudo ao seu redor, ele emprega a linguagem simbólica para atingir alguma
compreensãoedarsignificadoaoseuentorno.
Aindasobreossímbolos,Jungiráidentificardoistiposdesímbolos,osnaturaiseos
culturais.Ossímbolosnaturaisdizemrespeitoa imagensformadasnoinconscienteeque, 31TABORDA,2011,p.117.32TABORDA,2011,p.168.33In:“Ohomemeseussímbolos”.ConcepçãoeorganizaçãodeCarlJung.EditoraNovaFronteira:RiodeJaneiro,2008.34JUNG,2008,p.18.
31
porisso,écomumencontraremdiversostiposdesociedade,detemposhistóricosdistintos,
símbolossemelhantesouequivalentes.Jáossímbolosculturais,queinteressamaestapes-
quisa,sãoaquelesqueservemaumpropósitonarrativoequeforamelaboradasapontode
seremaceitasemsociedadescivilizadas.35
OssímbolosculturaissãomencionadosporHallaodizerque
Asculturasnacionaissãocompostasnãoapenasdeinstituiçõesculturais,mastam-bémdesímboloserepresentações.Umaculturanacionaléumdiscurso–ummododeconstruirsentidosqueinfluenciaeorganizatantoasnossasaçõesquantoacon-cepçãoquetemosdenosmesmos.(HALL,2015,p.31).
Podemosconcluirentãoqueosímboloéummeioparatrazerodiscursodaforma-
çãoe legitimidadedanaçãoaumplanodecifrávelparaascomunidadesesociedadesmo-
dernas.Eleserveparaexplicar,engajareunificaraspessoaspormeiodeideaiscomparti-
lhados.EssaideiaéecoadapornomesimportantescomooviolonistaFábioZanon.Eleafir-
maque“comoocaféeofutebol,oviolãoestáindissociavelmenteligadoaumavisãosócio-
culturaldoBrasil,enossaidentidademusicaléimpensávelsemasuapresença”36.Ainsti-
ganteafirmativadeZanonatribuiaoviolãoumafunçãosimbólicadecomunicar(represen-
tar)oqueé“serbrasileiro”.Emtermospráticos,oviolãoseriaoinstrumentoquenatural-
menteseenquadranosfazeresmusicaisbrasileiros.Mascomopodemosidentificarissono
violãoenamúsicaescritaparaoinstrumento?
Oviolão,nestecaso,funcionacomoumaespéciedemediadorentrea“Nação”(oua
músicanacional)eopovo.Suaimagemlembraráosgênerosmusicaisqueeleveicula.Estes
gêneros,porsuavez,sãomanifestaçõesqueexpressamascaracterísticasdoqueéchamado
debrasilidade.Emtermosmaisprecisamentemusicais,anarrativadabrasilidade,caracte-
rizada pela miscigenação (mestiçagem) do povo brasileiro, teve como símbolos gêneros
brasileirosqueuniamdepadrõesrítmicosdeorigemafricanaouafro-brasileiracomospa-
drõesmelódico-harmônicos europeus - como Samba, Chôro, Baião. Entretanto, constatar
issoétambémconstatararelegaçãoaosegundoplanodasinfluênciasindígenasdentroda
35Ibid:p.117.36ZANON,2006.
32
formaçãodopovobrasileiro, tornandoapróprianarrativadaunidadedamestiçagemum
tantofalhaouestereotipada.
Nomes como João Pernambuco, Canhoto, Garôto, e DilermandoReis são tidos por
muitoscomoosfundadoresdeumatradiçãoligadaaoviolão..Acreditoque,contextualizar
cadaumdosviolonistasmencionadosrelacionando-osatravésdesuasmúsicascomaquilo
queestavaemvoganaépocapossaajudaraentenderatrajetóriaecontextonoqualorepe-
tóriobrasileirosedesenvolveunesseperíodo.
Canhoto,omaisvelhodoscompositorescitados,éautordediversostangosemesti-
loargentinoe,também,deváriasvalsasdecaráterseresteiro,bemcomodediversosestilos
americanos,comoFox-troteRag-time.JoãoPernambucojápertenceaumageraçãoligada
aodescobrimentodamúsicapopularurbanaeregionalnordestina,tendocompostodiver-
soschôrosetendointegradooGrupodeCaxangáaoladodeCatullodaPaixãoCearense.Ga-
rôto é tido como umdos precursores da Bossa-Nova, tendo integrado o Bando da Lua e
acompanhadoCarmenMirandaemviagensaosEUAnadécadade40.Tambémdosanos40
é seu samba-exaltação “Lamentos doMorro”, uma de suas composiçõesmais conhecidas.
DilermandoReiscompôsdiversasValsaseChôros.Inclusive,chegouaserprofessordevio-
lãodopresidenteJuscelinoKubitschekjánosanos50.Mastambémfoiumdosprimeirosa
comporumbaiãoparaviolão,“Calanguinho”,que,mesmonãoapresentandoalgumascara-
terísticasestilizadasdobaiãodeLuizGonzaga,foiinfluenciadopeloenormesucessoqueo
gênerofazianopaísàépoca.
Umoutronomequenãomencioneianteriormentepornãoserumsolistadeviolão:
João Gilberto. Ele é reconhecido pela sutileza de suas interpretações, refletida principal-
menteemsuamaneiradecantaredeseacompanharaoviolão.Nocanto,Gilbertosenota-
bilizouporusarumadinâmicamaisbaixanavoz,deformacontráriaaoquefaziamoscan-
toresdaépoca,muitasvezescomvozesimitandoumcantooperístico.Noacompanhamen-
to,Gilberto ficouconhecidopelo“desencontro”entrea levadadoviolãoeocanto.Outros
nomesligadosàbossa-nova,masquetiverammaioratividadecomsolistas,lembradospor
Tinhorão no artigo “Os Pais da Bossa-Nova”37 são Luiz Bonfá, Laurindo Almeida e Baden
Powell.
37In:TINHORÃO,JoséRamos.MúsicaPopular:umtemaemdebate.3ªEd.SãoPaulo:Editora34,1997.
33
Estes podem ser considerados alguns dos fundadores do “clássico violão popular
brasileiro”38,querefletemuitobemofazermusicalnoBrasilatémeadosdosanos60dosé-
culoXX.
1.4.2Violãocomosímbolodebrasilidade:AbrasilidadedoscompositoresdoNacional-Modernismo
MáriodeAndradeatuoucomoespéciedeguiaestéticodoscompositoreseruditose
sepreocupoumuitomaiscomoestudodamúsicaquehojechamaríamosde folclóricado
quecomavalorizaçãodamúsicapopularurbana.Eletinhacomoobjetivoclarocriaruma
“música artística” que fosse reflexo da identidade do povo brasileiro. De forma que ele
acreditavaqueodeverdoscompositoreseraapreenderesseimagináriomusicalcomparti-
lhado.BarbeitassintetizadaseguinteformaopensamentoAndradiano
MáriodeAndradeincluinoEnsaio(sobreamúsicabrasileira)umesboçodeprojetoestéticodenacionalizaçãodamúsicaartística(erudita)queevoluiriaemtrêsfases,partindo exatamente da utilização ostensiva de ritmos e melodias folclóri-cas/populares(tesenacional),passandopeloamadurecimentocomposicionaldessautilização (sentimento nacional) até chegar ao ponto em que tanto os materiaisquanto a técnica de composição refletissem naturalmente, sem necessidade deafirmaçãovoluntariosa,abrasilidade(inconsciêncianacional).(BARBEITAS,2007:p.134)
É importante,entretanto,daratençãoaduascoisas:amúsicapopularquedeveria
seguirdeguiaemodeloparaMáriodeAndradeéamúsicafolclórica,aquelavindadeum
Brasilquenãoestivessesofrendocomasinfluênciasestrangeirasdaépoca.Notam-se,por-
tanto, doismovimentos de distinção no discurso andradiano: o primeiro que revela uma
diferençaentrepopular/folclóricoeamúsica“artística”;eosegundorelativoaautenticida-
dedamúsicapopularurbanaenquantogenuinamentebrasileira,umavezqueestariasujei-
taàsinfluênciasdosmodismosestrangeiros.
Contudo,éinteressantenotarqueaúnicapeçabrasileirapublicadaquesealinhava,
ou aomenos dialogava, comos ideais no nacional-modernismodeAndrade era oChôros
Nº1,deHeitorVilla-Lobos.ComoevidenciadopelopesquisadorHumbertoAmorimesta“foi
38TermoutilizadopelofamosoDuoAssadparadarnomeaoseucdcomemorativode50anosdecarreiraequeincluíapeçasdetodososcompositorescitados,comoformadetributoaessatradição.
34
tambémaprimeirapeçadocompositor,paraoinstrumento,aserpublicada”39,Villa-Lobos,
nessaépoca,jáhaviacompostoaValsaConcertoNº2e,aomenos,algumaspeçasdasuaSuí-
tePopularBrasileira40.AindadeacordocomAmorim,asprimeiraspublicaçõesdoChôros
Nº1sederamentreadécadade1920e1930,períodoemqueopesquisadortambémafirma
teremsidocompostosos12Estudoparaviolão.
Mesmocomtodaapopularidadedoviolãodentrodamúsicapopularbrasileira,aa
próximapeçaparaviolãodecompositornacionalistasóviriaaserpublicadaem1951.Tra-
ta-sedoPonteio,deCamargoGuarnieri,compostanadécadaem1944.HáaindaaSuíte,de
CésarGuerra-Peixe,obraquemesclatraçosnacionalistascomatécnicadodecafônica,com-
postaem1946equenãofoipublicadacomercialmenteatéhoje.Nesseperíodo,Villa-Lobos
jáhaviacompostotodoocorpodesuaobraparaviolãosolista,completadopeloscincopre-
lúdiosdadécadade1940.
Portanto,concluímosqueorepertóriobrasileiroparaviolãodaprimeirametadedo
séculoXXera formadobasicamentepelasmúsicasdoscompositores-violonistasquecom-
punhamchoros,maxixes,valsasentreoutrosgênerosdemúsicaurbana,epelaobradeVil-
la-Lobos-elemesmo,umviolonista.Essasituaçãosealteraapartirdadécadade50e,so-
bretudo,apartirdadécadade60.Desseassuntomeocupareimaisadiante;poragoragos-
tariadedesvendarquemsãoessescompositoresviolonistasquecompuseramocorpodo
repertórioviolonísticoentre1900e1950.
Odistanciamentoemrelaçãoaoviolãodoscompositoresmodernistaspodeserex-
plicadoporumaconjunçãodefatores,entreelesarelativaescassezdeviolonistasbrasilei-
rosqueestivessemmaisprofundamenteenvolvidoscomamúsicadeconcertonaprimeira
metadedoséculoXX;oestigmasocialqueacompanhavaa imagemdoviolão,nãoapenas
enquantoinstrumentodemenorimportância,mastambémligadoàsclassesmaisbaixasda
sociedadeeàboemia,eoprópriodesconhecimento,porpartedoscompositores,datécnica
deescritaparaviolão.
39AMORIM,2009,p.95.40AMORIM,2009,p.95.
35
1.5“Umcantinho,quantosviolões?”:IdentidadeNacional/Brasilidadenoreper-tóriobrasileiroparaviolãoII(1961-)
A partir dos anos 60, pode-se constatar uma ampliação do repertório violonístico
dentrodomeiodamúsicadeconcerto.Ladoaladocomessamudançadeatitudedoscom-
positores,hátambémummovimentodosintérpretesderesgatedorepertóriodecomposi-
tores-violonistasdaprimeirametadedoséculoXXpormeiodaediçãodepartiturase,jános
anos80,umaparecimentodeumanovageraçãodecompositores-violonistas.
Umacaracterísticaimportantedesterepertórioéagrandevariedadedeestilos,esté-
ticasegênerosqueeleofereceaointérprete.Nessesentido,orepertóriobrasileiroparavio-
lãoseinseriuemumcenáriodiferente,deummundomuitomaisglobalizado.Osociólogo
ZygmuntBaumandescreveonovocenáriodasculturaisglobalizadas
Axiologicamentefalando,asrelaçõesculturaisnãosãomaisverticais,mashorizon-tais:nenhumaculturapodeexigirsubserviência,humildadeousubmissãoàsoutrassimplesmente em nome da sua presumida superioridade ou progressis-mo.”(BAUMAN,2011,p.37,traduçãominha).41
Outroefeito,notadopelopróprioBauman,éaflexibilizaçãodosinteresseseaaber-
turaparaa individualidade,agoraaspessoasnãoprecisamse identificarapenascomum
tipodeideologiaougostoespecífico,oumesmolinhaestética.Nessesentido,osintérpretes
brasileirosexerceramumpapelimportante.
Épossíveldizerqueoaumentodeinteressedoscompositorespeloviolãosedeua
partirdeduasfigurasimportantes:TuríbioSantoseCarlosBarbosa-Lima.Sobreosegundo,
NortonDudequeescrevequeé“umdosmaisconceituadosviolonistas,tantoemconcertos,
comonaedição,transcriçãoecomissãodenovasobrasparaoinstrumento”42.ABarbosa-
LimasãodedicadasobrasdeFranciscoMignone,CarlosAlbertoPintoFonsecaeTheodoro
Nogueira,porexemplo.Todoscompositores ligadosaumaestéticanacionalista.Barbosa-
LimatambéméresponsávelpeladivulgaçãodaobradeIsaíasSáviodequemfoialuno.
41Textooriginal: “Axiologically speaking, cultural relationsareno longerverticalbuthorizontal:noculturecandemandorbeentitledtosubservience,humilityorsubmissiononthepartofanyothersimplyontheac-countofitsownassumedsuperiorityor‘progressiveness’”.42DUDEQUE,1994,p.103.
36
Para Márcia Taborda, que busca ressaltar a importância da sociedade carioca na
formação da identidade nacional, é como estabelecimento da carreira de Turíbio Santos
que “o violão brasileiro se faz presente no ambiente internacional”43. De fato, Santos de-
sempenhouumpapelfundamentalnodesenvolvimentodoviolãobrasileiro.Foioprimeiro
agravaros12EstudosdeVilla-Lobos,aindanosanos60,e,dentrodaeditorafrancesaMax
Eschig,elaborouaCollectionTuríbioSantos,quecontavacomobrasdediversoscomposito-
resbrasileirosde linguagensevertentesmusicaisdiferentescomoEdinoKrieger,Cláudio
Santoro,FranciscoMignone,RicardoTacuchian,MarlosNobre,AlmeidaPradoeRadamés
Gnattali.Falareiumpoucomaissobreessacoleçãonosegundocapítulo.Cabeaindaressal-
taropapeldeTuríbioSantosaoresgatar,nosanos70,aobrade JoãoPernambuco (ibid:
139).
Nota-sequeTuríbioSantoseBarbosa-Limaajudaramadilataravariedadeestilística
daproduçãobrasileiraparaviolão.Nãoapenasobrasdoscompositoresnacionalistasforam
incluídas,mas,também,compositoresdevanguarda-movimentoquepoucocontribuiucom
repertórioviolonísticonaprimeirametadedoséculo.Oresgatedeobrasdatradiçãodovio-
lãopopulartambéméimportante.
Jánosanos80aparecemnovoscompositoresviolonistascomoMarcoPereira,Paulo
Bellinati(queétambémresponsávelporelaborarumanovaediçãodasobrasdeGarôto)e
SérgioAssad.Amúsicadessescompositoressecaracterizanãoapenaspelaabordagemidi-
omáticaeparticulardoinstrumento,mastambémporumdiálogoabertodamúsicabrasi-
leiracomdiversasoutrastradiçõescomoJazzeamúsicadeconcerto,frutodesuasforma-
çõesmusicaisedarelaçãoqueestescompositorescultivaramcomoviolãoecomamúsica.
Aindanos anos80 surgemcompositores-violonistas ligados a outros tiposde ten-
dências.Em1982ocompositoreviolonistaAntônioMadureira,umadasmentescriativas
doQuintetoArmorial,lançaseuprimeiroCDsolo,contendopeçasdesuaautoria,trazendo
umdiscursonacionalistainfluenciadopelaideologiaArmorialdeArianoSuassuna.Surgem,
umpoucomaistarde,violonistas ligadosàmúsicadevanguardacomooscasosdeArthur
KampelaeRobertoVictório.
43TABORDA,2011,p.109.
37
Esta é uma lista extremamente curta e resumida de nomes que estão atuantes no
mundoviolonísitco como compositores. Escolhimencionar estespois é exatamenteneles
queestetrabalhoestaráfocado.Sãocompositoresque,deumacertaforma,aindaestãolo-
calizados-tantogeográficacomosimbolicamente-emumagrandenarrativaconstruídae
legitimada pelas regiõesmais desenvolvidas do país. É sem dúvida um recorte limitado,
aindaassimricoosuficienteparaservirdeilustraçãoàminhapremissa.
Nosegundocapítulotratareidaanálisedeobrasdeseiscompositoresparaevidenci-
arcomoabrasilidadetemsidoarticuladanorepertóriobrasileiromaisrecente.Queroago-
raseguirparaaterceiraeúltimapartedestecapítulo,ondevoutratardareceptividadedo
repertóriobrasileiroparaviolãonoscamposdaeditoraçãodepartiturasederegistrosfo-
nográficos.
1.6A“IndustriadoViolão”eaconfirmaçãodoestereótipo
Nesta parte do trabalho me proponho a analisar como os intérpretes e os meios
mercadológicos absorveram o repertório brasileiro para violão. Por “meiosmercadológi-
cos”entendotodosaquelesprodutosemateriaisqueajudemnadifusãodamúsica,sejam
elesCD’s/DVD’s,partituras,métodosoumesmolivros.Para ilustraressaminhapremissa,
queroexibiralgunsdadosretiradosdocatálogodeumadasmaioresdifusorasdamúsica
paraviolãoclássiconoexterior,nestecasoescolhiaGuitarSoloPublications(GSP),comba-
senosEstadosUnidos44.
AGSPéumselodepublicaçãodepartituras,métodoseCD’seseudono-fundador,
DeanKamei,recebeunoanode2014o“Industry leadershipaward”concedidopelaGuitar
FoundationofAmerica(GFA),umadasmaioresinstituiçõesdedicadasaoviolãodaatualida-
de45.LocalizadanacidadedeSanFrancisco,Califórniaetendopublicadopelaprimeiravez
44HáatualmenteiniciativascomoositeAcervoDigitaldoViolãoBrasileiro,umainiciativaqueproduziuatéagoratrêsconcursosdecomposiçãoparaviolão,contantocomumamploapoiodenomesimportantesdoins-trumento comoSérgioAssad,MarcoPereira eFábioZanon, tendoproduzido comoproduto, até agora, trêsCD’sedoisálbunsdepartiturasdosquaisfalareimaisadiantenestetrabalho.Recentemente,também,inciou-seaGuitarcoop,umacooperativadeviolonistasbrasileiroseestrangeirosquelançouseisCD’satéomomentoetêmproduzidoconteúdodisponívelemseucanalnaredesocialyoutube.com.45EumesmoestivepresentenaconvençãointernacionaldoGFAenacerimôniadepremiaçãoEntretanto,elepodeserverificadonoseguintelink:
38
em1985,aGSPconta,hoje,com265títulosemseucatálogodepartituras,quevãodear-
ranjosàcomposiçõesoriginaisparaoviolão46.Consultandoessecatálogoonline,constatei
queaGSPlista216títulosentrepartiturasemétodos,dosquais76sãodeautoriadecom-
positoresbrasileiros47, em termospercentuais equivale a29,8%,ou seja, quaseum terço
daspublicaçõesédecompositoresbrasileiros.Dos43CD’slançadospelaGSP,doze(27,9%)
sãodedicadosmajoritariamenteoucompletamenteàmúsicabrasileira.Ositeaindafornece
umalistados64artistasquepublicarampartiturasou lançaramCD’speloselo,dosquais
18sãobrasileiros(28,1%).
Apartirdessaslistas,podemosextrairqualéademandaqueaGSPestásuprindo.Ao
verosnomesdosartistas,ondeestãoincluídostrêsautoresdeobrasqueserãoanalisadas
nestetrabalho,vemosquetodoselesestãofortementeligadosaumalinhadefazermusical
que confirmaanarrativada “tradição inventada”brasileira.Nomes importantese emble-
máticosdentrodahistóriadoviolãonoBrasilcomoGaroto,DilermandoReiseBadenPo-
well,enomesigualmenteimportantes,porémmaisatuaiscomoAntônioMadureira,Marco
Pereira,PauloBellinatieSérgioAssad.Todosessesartistasajudamareforçaraimagempor
trásdorótulode“violãobrasileiro”eofatodeumadasmaioresprodutorasdemeiospara
violãodosEstadosUnidosfocarquase30%deseuslançamentosnessetipodeprodutosnos
apontaqualéointeressedeumaboaparceladopúblicoouvinteeprofissionaldeviolão.
Aconstruçãodeumrepertóriosedápormeiodaarticulaçãodosinteressesdevárias
partes,notadamenteintérpretes(contandoaquiamadores,performerseestudantes),públi-
coeindústria(caracterizadacomoaquelaquearticulaçãoentrepublicaçãodepartiturase
gravaçõesdeCD’s).Nãocabeaoescopodeste trabalhodeterminarporquaismecanismos
ou quais e como são as relações que se estabelecemdentro desse sistema. Dito isso,me
proponho nesta parte a analisar como amúsica brasileira para violão está representada
dentroda indústrianas suasduas formas:1)naspartituraspublicadas:quais composito-
res?Quaiseditoras?Quaisgêneros?E,emseguida2).Quaisobrasestãosendomaisgrava-
das?Quaisgêneros?Oobjetivofinalétentarentendercomofoiareceptividadedaspartitu-
raspublicadas.
https://guitarfoundation.site-ym.com/?HoFDKamei.Acessoem:28ago.2016.47HáaindatrêspublicaçõesdeautoriadeIsaíasSávio(incluindoasCenasBrasileiras),asquaisnãoconsidereiporSávioserdeorigemuruguaiaetertidosuaformaçãomusicalforadoBrasil.
39
1.6.1Aspartituraspublicadas
Alistagemdaspartiturasobedeceuaosseguintesprincípios:apenasobrasparavio-
lãosolista;listadasapenaseditorasquetenhamseucatálogoonlineeatualizado;asuaes-
pecificidade,ouseja,editorasdedicadasexclusivamenteoumajoritariamenteaorepertório
violonísticoe, finalmente,a representatividadedaeditoradentrodorepertório.De forma
quealgumasfaltasserãosentidas:osacervosdaseditorasbrasileirascomoIrmãosVitalee
aRicordiBrasileiraque,notadamente,sãoimportantesnaconstruçãodorepertórioviolo-
nísticobrasileiro.Entretanto,pelaprópriadificuldadedeacesso,emoutrospaíses,àsparti-
turas que são lançadas noBrasil -muitas delas fora de catálogo e difíceis de acessar até
mesmodentrodopaís–opteipornãoincluí-lasnestalistagem,acreditando,também,que
issonãoacarretouemperdasignificativaparaosfinsdestapesquisa.Abaixoestãoaslistas
daseditorasGSPeMaxEschig,asdemaispodemserencontradasnoApêndice1.Aslistasde
discospodemserencontradasnoApêndice2.
Quadro1:PartiturasdecompositoresbrasileirosdaGSP
GSP
COMPOSITOR
TÍTULO
EDITOR/TRANSCRITOR
1. LaurindoAlmeida TheGuitarWorksofLaurindoAlmeidaVol.1 Autor
2. LaurindoAlmeida TheGuitarWorksofLaurindoAlmeidaVol.3 Autor
3. LaurindoAlmeida TheGuitarWorksofLaurindoAlmeidaVol.3 Autor
4. SérgioAssad 3Divetimentos Autor
5. PauloBellinati PulodoGato Autor
6. PauloBellinati Aristocrática Autor
7. PauloBellinati DamadaNoite Autor
40
8. PauloBellinati TomePrelúdio Autor
9. PauloBellinati SeresteiraPaulista Autor
10. PauloBellinati Primorosa Autor
11. PauloBellinati Alvoroço Autor
12. PauloBellinati RostoColado Autor
13. PauloBellinati FoleNordestino Autor
14. PauloBellinati Embaixador Autor
15. PauloBellinati Emboscada Autor
16. PauloBellinati SaidoChão Autor
17. PauloBellinati 3EstudosLitorâneos Autor
18. PauloBellinati Jongo Autor
19. PauloBellinati SuíteContatos Autor
20. PauloBellinati ValsaBrilhante Autor
21. PauloBellinati Modinha Autor
22. PauloBellinati ChoroSapeca Autor
23. PauloBellinati ChoroSereno Autor
24. LuízBonfá 4Pieces CarlosBarbosa-Lima
25. Catullo 11ImmortalSongs CarlosBarbosa-Lima
26. EdmarFenício SuítedeHomenagem Autor
27. EdmarFenício Frevo Autor
41
28. EdmarFenício MessagetoJobim Autor
29. EdmarFenício 4RomanticWaltzes Autor
30. EdmarFenício VelhoTema Autor
31. EdmarFenício SãoSebastiãodoRiodeJaneiro Autor
32. EdmarFenício Baiãozinho Autor
33. Garôto TheGuitarWorksofGarôtoVol.1 PauloBellinati
34. Garôto TheGuitarWorksofGarôtoVol.2 PauloBellinati
35. WaldemarHenrique FiveSongsfromtheAmazons IsaíasSávio
36. AntônioCarlosJobim 9Pieces CarlosBarbosaLima
37. AntônioMadureira Ponteado Autor
38. AntônioMadureira Maracatu Autor
39. AntônioMadureira Romançário Autor
40. AntônioMadureira Rugendas Autor
41. AntônioMadureira Cecília Autor
42. AntônioMadureira ValsadeFimdeTarde Autor
43. ThiagodeMello SambaChorado CarlosBarbosa-Lima
44. FranciscoMignone 7ValsasdeEsquina CarlosBarbosa-Lima
45. PaulinhoNogueira 9Pieces CarlosBarbosa-Lima
46. MarcoPereira Bate-Coxa Autor
47. MarcoPereira FlordasÁguas Autor
42
48. MarcoPereira Plainte Autor
49. MarcoPereira Marta Autor
50. MarcoPereira TioBoros Autor
51. MarcoPereira TempodeFutebol Autor
52. MarcoPereira NumPagodeemPlanaltina Autor
53. MarcoPereira AmigoLéo Autor
54. MarcoPereira SeuToniconaLadeira Autor
55. MarcoPereira EstreladaManhã Autor
56. MarcoPereira Sambadalu Autor
57. MarcoPereira Nostálgicas1-5 Autor
58. MarcoPereira Elegia Autor
59. MarcoPereira Chama-me! Autor
60. Pixinguinha MusicoftheBrazilianMaster RolandDyens
61. Pixinguinha 8SoloPieces CarlosBarbosa-Lima
62. BadenPowell TheWorksofBadenPowellVol.1 EdmarFenício
63. DilermandoReis TheWorksofDilermandoReisVol.1 IvanPaschoito
64. DilermandoReis TheWorksofDilermandoReisVol.2 IvanPaschoito
66. Vários 12Modinhas CarlosBarbosa-Lima
43
Quadro2:PartiturasdecompositoresbrasileirosdaMaxEschig
MAXESCHIG
AUTOR
TÍTULO
EDITOR/TRANSCRITOR
1. MarceloCamargoFernandes Sonatina [S.I.]
2. EgbertoGismonti CentralGuitar Autor
3. EgbertoGismonti Variations Autor
4. RadamésGnattali PetiteSuite TuríbioSantos
5. RadamésGnattali BrasilianaNº13 TuríbioSantos
6. EdinoKrieger Ritmata TuríbioSantos
7. FranciscoMignone LendaSertaneja TuríbioSantos
8. MarlosNobre MomentosNº1 TuríbioSantos
9. MarlosNobre MomentosNº2 TuríbioSantos
10. MarlosNobre MomentosNº3 TuríbioSantos
11. MarlosNobre MomentosNº4 TuríbioSantos
12. MarlosNobre PrólogoeToccata,Op.65 MarceloKayath
13. JoséAntôniodeAlmeidaPrado LivrepourSixCordes TuríbioSantos
14. CláudioSantoro DoisPrelúdios TuríbioSantos
15. TuríbioSantos PrelúdioNº1 TuríbioSantos
16. TuríbioSantos PrelúdioNº2 TuríbioSantos
44
17. TuríbioSantos PrelúdioNº3 TuríbioSantos
18. TuríbioSantos PrelúdioNº4 TuríbioSantos
19. TuríbioSantos PrelúdioNº5 TuríbioSantos
20. TuríbioSantos PrelúdioNº6 TuríbioSantos
21. RicardoTacuchian LúdicaNº1 TuríbioSantos
22. NicanorTeixeira TroisCariocas Autor
23. HeitorVilla-Lobos ChôrosNº1 1ªEd.:Autor2ªEd.:FredericZigante
24. HeitorVilla-Lobos 5Preludes 1ªEd.:Autor2ªEd.:FredericZigante
25. HeitorVilla-Lobos 12Etudes 1ªEd.:Autor2ªEd.:FredericZigante
26. HeitorVilla-Lobos SuitePopulaireBresilienne 1ªEd.:Autor2ªEd.:FredericZigante
27. Vários(Anônimos) ChansonsBresiliennes,Vol.1 TuríbioSantos
28. Vários(Anônimos) ChansonsBresiliennes,Vol.2 TuríbioSantos
29. Vários(Anônimos) ChansonsBresiliennes,Vol.3 TuríbioSantos
1.6.2Análisedosdados Apartirdaslistaselaboradasfoipossívelchegaraalgumasconclusões.Aprimeiraé
o razoável interesse das editoras estrangeiras em publicarmúsica brasileira, temos aqui
representadaseditorassediadasnaAlemanha(ChanterelleVerlageTonos),EstadosUnidos
(GSP,Orphée,MelbayeColumbia),Canadá(D’Oz),Itália(Bérben)eFrança(MaxEshig).
A segunda conclusão é que se trata de amostragemdiversificada tanto emestilos,
quantoemépocas.TemosnacionalistasdoiníciodoséculoXX(comoVilla-LoboseMigno-
45
ne),ostocautores48dalistadeMárciaTabordaaparecempublicados(comoJoãoPernambu-
co,GarôtoeLaurindoAlmeida),tambémaparecemnomesligadosàmúsicadeconcertoede
umalinhamaiseclética(comoEdinoKrieger,RicardoTacuchianeAlexandreEisenberg)e
diversostocautorescontemporâneos(comoMarcoPereira,SérgioAssadePauloBellinati).
Emmenorgrau,masaindadignodecomentário,éapráticadatranscrição,variandoentre
grandes nomes da Bossa-Nova (como Jobim), modinhas imperiais, canções folclóricas e
nomesimportantesdamúsicainstrumental,comumdestaqueaointeressepelaobradeEr-
nestoNazareth. Focandona listadeMárciaTabordaencontramos7nomes (LaurindoAl-
meida, Luíz Bonfá, João Pernambuco, Garôto, Dilermando Reis, Baden Powell e Paulinho
Nogueira)dos26listados.
Nota-se que duas editoras se destacam na quantidade de partituras publicadas. A
primeira,combastantevantagem,éaamericanaGSPcom65títulosdivididosentre17au-
toresdiferentes(existemaisumacoleçãocomdiversosautores).JáafrancesaMaxEschig
publicou29títulosdivididoscontandocom13autoresdiferentes.Ofocodaspublicaçõesde
músicabrasileiradasduaseditorasébastantediferente.Enquantoaprimeiraservecomo
divulgadora,principalmente,deobrasdetocautores,poroutro lado,aMaxEschigpublica
obrasde“compositoresdeofício”,ouseja,aquelesquenãonecessariamenteinterpretamas
suasmúsicas.ComoaMaxEschigéumaeditoramaisantigaeligadaaumatradiçãodamú-
sicadeconcertoeuropeia,issonãoénenhumasurpresa.
OutrofatointeressanteéapresençaconstantedeTuríbioSantoscomoeditornaMax
Eschig.Nestafunção,Santosrealizouumtrabalhomuitoimportantededivulgaçãodenovas
obras brasileiras. Já na GSP podemos ver outros nomes importantes do violão brasileiro
como Carlos Barbosa-Lima,Marco Pereira e Paulo Bellinati. Estes trabalhando principal-
mentecomocompositoreseoprimeirocomotranscritoreeditordeobras.
48TermoutilizadoporStanleyFernandes(2014)paradesignaroscompositoresquealiamassuascomposi-çõesàprópriapráticainstrumental.Umtermomaisindependenteétocautoriaquedescreve“atividadesartís-ticasondeaindapersistemasnoções independentesdecomposiçãoeperformance.”.(FERNANDES,2014,p.108)
46
1.6.3Osálbuns
Àmedidaquebuscavaelaborarumaformadeanalisarcomoamúsicabrasileiraes-
tavarepresentadanadiscografiaviolonísticapós-1950medepareicomumproblema:are-
lativa escassezdediscosdedicados exclusivamente ao repertório brasileiro.Ainda assim,
encontreiumadiscografia,equivalenteemquantidade,demúsicalatino-americanaondea
músicabrasileiraseencontravapresente.Paraadequarapesquisaàrealidadedaprodução
fonográfica resolvi separar os discos em duas categorias: 1) aqueles que indicam conter
músicasdeconteúdoétnico/regionallatino(incluindoAméricaLatinaepaísesibéricos,es-
pecialmenteaEspanha)equecontenhammúsicabrasileira;2)discosdedicadosexclusiva-
menteàmúsicabrasileira.Dessaforma,pudemanteroscritériosparaincluiromaiornú-
merodediscospossívelafimdeterumaamostragemmaisamplaemaispróximaopossível
darealidade.Oscritériosparaqueosdiscosfossemincluídosnalistaforam:
1) Indicar, no título, uma possível identidade étnica/nacional: títulos como “Latin
AmericanGuitarMusic”,“BrazilianFestival”ecorrelatos;
2)Relevância e alcanceda gravação: prestígio das gravadoras, por exemplo, umdisco
lançadopelaDecca,DeutscheGrammophonneouNaxospossuiumgrandealcancecomerci-
al,comdistribuidorasdeCDsfísicosediscosdigitais.
3)Relevânciaealcancedointérprete: istopodedizerdarelevânciadointérpretetanto
dentrodonichodoviolãodeconcertobrasileiro,quantodoviolãoclássicomaisamplo.Daí
a presença de nomes como Pepe Romero, Turíbio Santos, Sharon Isbin,Marco Pereira e
PauloBellinati.
4)Ofácileconfiávelacessoedisponibilidade,parafinsdeconferênciadedados,emsi-
tesdosartistas,dasgravadorasouemplataformasdigitaisondeoartistatenhaqueautori-
zaradisponibilizaçãodoálbum(i.e.Spotify).
Discoseartistasqueseencaixaramem,aomenos,3dos4critériosforamincluídos.
Issonãoquerdizerqueestalistatenhaalgumaintençãodesercompleta,contendotodos
osdiscosondehajamúsicabrasileiraparaviolão,esimdeserumalistarepresentativa,de
maneiraqueacreditoqueosresultadossãobastanteconfiáveis.
47
1.6.4DiscosdeMúsicaLatino-Americana
Oprimeiroregistroencontradodediscodemúsicalatino-americanacomapresença
demúsicabrasileirafoide1969,comodiscodeTuríbioSantos“Classiquesd’AmeriqueLati-
ne”,lançadopeloseloErato,hojepartedaWarnerCompany.Nototalforamlistados15dis-
cos,todoslançadosnoexteriorenota-seumaumentoconsiderávelnolançamentodedis-
coscomessatemáticaapartirdadécadade1990.Nãocabeaestetrabalhoresponderou
apontarosmotivosdetalfato,maséumdadoaserconsideradoetecereialgumasconside-
raçõesàrespeitonofinaldestecapítulo.
Dentreoscompositoresbrasileiros,aquelequeapareceumaisvezesnasgravações
foiHeitorVilla-Lobos,figurandoem10discos,seguidodeJoãoPernambuco,em3,edeuma
sériedecompositoresqueaparecememdoisdiscos(TomJobim,DilermandoReiseIsaias
Sávio).Aobramaisgravadaé,poramplavantagem,oChôrosNº1,deHeitorVilla-Lobos.Cu-
riosoéofatodeasegundaobradecaráterbrasileiromaisgravadaéoChôrodaSaudade,do
paraguaioAgustínBarrios, com4gravações.Emseguida,SonsdeCarrilhões, de JoãoPer-
nambucoeaDanzaBrasilera,doargentinoJorgeMorel,comtrêsgravações.
Esse amplodomíniodeHeitorVilla-Lobosnas gravações solistas certamentepode
serexplicadopordiversosfatores:porcontadotempoemqueaobraestevepublicada,co-
moapontadoanteriormente,desdemeadosdadécadade1920;asexecuçõesemconcertos
porReginoSanzdelaMaza;easgravaçõesdefigurasimportantescomoJulianBreamea
suarelaçãoíntimacomAndrésSegovia,ambosfigurasimportantesdoviolãoclássicomun-
dial que certamente influenciaram também. É digno de nota como aBossa-Nova,mesmo
estandointimamenteligadaaoviolãoesendoconsideradaumforteprodutoculturalligado
aoBrasilfiguroupouconasgravações.Aindaéinteressantenotarqueháumapeçadecará-
terbrasileiro,compostaporestrangeiro,quefiguraentreumadasmaisgravadas,alcançan-
doomesmonúmerodegravaçõesdeSonsdeCarrilhões:aDanzaBrasileira,doargentino
JorgeMorel.Estapeçachegaaserrepresentanteisoladademúsicabrasileiranodisco“La-
tinAmericanGuitarFestival”,doviolonistaGeraldGarcia.EssaDanzaBrasileraéumadas
peçasqueserãoanalisadasnopróximocapítulo.
48
Tambémseobservaaausênciadequalqueroutrocompositordeoutrastendências
quenãoNacional-Modernista(naverdade,LorenzoFernandezéoúnicocompositordeste
grupo,alémdeVilla-Lobos,aserincluídoemalgumálbum)ouPopular/Crossover.Nãohá
nenhum compositor de vanguarda ouque tenha, aomenos, se relacionado comosmovi-
mentos vanguardistas noBrasil.Mais ainda, apenas um compositor nascido após 1950 é
incluídonasgravaçõesdeintérpretesestrangeiros:MarcoPereiraesuavalsaMarta,noál-
bumdeRicardoCobo,gravadopeloseloNaxos.
1.6.5DiscosdeMúsicaBrasileira
A quantidade de discos que contém apenasmúsica brasileira émuito próxima da
quantidadedediscoscommúsicaLatina.São18,sendoqueoprimeiro tambémfoiregis-
trado por Turíbio Santos, pelomesmo selo Erato. Valemencionar, inclusive, que Turíbio
Santoséo intérpretequegravoumaisdiscoscommúsicabrasileirapresentena listagem,
são5nototal.TuríbioSantosque,deve-sereforçar,exerceumtriplopapelnaconstruçãodo
repertóriobrasileiro:comointérprete,editorecompositor.
Essetraço,inclusive,éalgoqueaparececomfrequêncianestalistagem,aexistência
constantedeviolonistas-compositores.AlémdeTuríbioSantos,vemosMarcoPereiraePau-
loBellinatiquegravaramobrasprópriasetiveramobrasgravadasporoutrosviolonistasna
listae,mesmoquenãotenhafiguradonalistainterpretandosuasprópriasobras,SérgioAs-
sadtambémaparececomointérpreteecompositor.Decerta forma,esseéumtraçomar-
cantedamúsicabrasileiraparaviolãosolistaequepareceseconfirmaraolongodotempo.
Nesta listanãoháumdomíniotãograndedamúsicadeVilla-Lobos.Naverdade,o
compositorquefiguranamaiorquantidadediscoséJoãoPernambuco,em9dosdiscos,se-
guido,então,deVilla-Lobose,também,deGarôto,ambosaparecendoem8discos.Emse-
guidaaparecemTomJobimeMarcoPereira,em6discos.Aindaquehajaodomíniodeum
compositorapenas,éimportantesalientarquegrandepartedorepertórioé,defato,com-
postopor trêsnúcleosprincipais:arranjosdesucessosdocancioneiropopularbrasileiro;
porobrasdecompositores-violonistasdaprimeirametadedoséculoXX,maisligadosàtra-
diçãodoviolãopopularsolista;eapoucoscompositoresnacionalistas,principalmenteVil-
49
la-LoboseRadamésGnattali.Poucos sãoos compositoresgravadosquedialogamcomos
gênerosdevanguarda.
Apenas trêsdiscos trazemcompositorescomtendênciasmaisuniversalistas:Musi-
que Bresilenne, de Turíbio Santos,MúsicaNova do Brasil, de Sérgio Assad eNovaMúsica
Brasileira, deMário da Silva. Os dois últimos foram lançados de forma independente de
grandesgravadoraseoprimeirofoioúnicodentrodeumagrandegravadoraqueabriues-
paçoparamúsicadevanguardaousemumaestéticanacional.Comoacréscimodequeo
mais recente deles foi lançado em1997, e os outros dois hámais de 30 anos. Dentre os
compositoresqueestãonessesdiscos,oúnicoquerecebeumaisdeumagravaçãofoiEdino
Krieger,comapeçaRitmata,quefiguranosálbunsdeTuríbioSantoseMáriodaSilva.
OdiscodeMáriodaSilva,aliás,éoúnicodos18listadosquedemonstraalgumain-
tenção de contextualizar a produção brasileira para violão solista de umamaneiramais
ampla,ondeapareçamcompositoresligadosadiferentestendênciasedediferentesperío-
doshistóricos. Issopodeserumindicativo tantodaspreferênciasmusicaisdecada intér-
prete,comodaconcepçãodosálbuns,quantodepressãocomercialdasgravadoras,quando
houverapossibilidadedepressãonessesentido.
1.6.6Cruzamentodedados
Nas listasdeautorespublicadostemos40nomesdeautorespublicadosnosEUAe
naEuropa.Desses40,15nãoganharamnenhumagravação.Aomesmotempo,foipossível
contar36autoresquenãoestavamnalistadepartituraspublicadasapresentadanestetra-
balho,sendoqueapenasumdelesrecebeugravaçõestantodalistadediscosdemúsicalati-
no-americana,quantodalistadediscoscommúsicabrasileira,queéocompositorArmando
Neves.AmúsicaBeatrizdeChicoBuarquedeHollandaeEduLobo, autoresque também
nãoaparecemnaslistasdepartituraspublicadas,recebeuduasgravaçõesemálbunsdedi-
cadosàmúsicabrasileira.
Comrelaçãoàsmúsicaspublicadas,seporumladovárioscompositoresforamgra-
vados,nãosepodedizeromesmocomrelaçãoàsmúsicas.Algumasmúsicasobtiveram,na-
turalmente,maiorsucessoqueoutras,comoéoexemplodeSonsdeCarrilhõesedoChôros
Nº1. Essasduaspeças sãoexemplospertinentesdo tipode repertórioqueémaisusual-
50
menteassociadoao“BrazilianGuitarMusic”.SâodoischoroscompostosnoiníciodoSéculo
XX,comascaracterísticasquemencioneianteriormente(harmoniastriadicas,usodasínco-
pecaracterística).Obrascompostasemestilobrasileiro,comonocasode“DanzaBrasilera”
(queseráanalisadanosegundocapítulo),sãoumexemplocontundentedecomoessasca-
racterísticas são, de fato, absorvidas e reforçadas por artistas tanto na hora de compor,
quantonahorademontarseusrepertórios.
Poroutrolado,épossívelsesentirotimistaquantoàvariedadeequantidadedepar-
titurasdisponíveisparseremexploradas.
1.6.7Conclusões
Lembrandoquerestringimosnossaanáliseàslistaselaboradas,ofatodeumcompo-
sitornãohaverfiguradoentreoslistadosnãosignificaquenuncarecebeuumagravaçãoe,
sim, que ele não ficou entre discos que fazem referência a uma identidade nacional. Por
exemplo, AntônioMadureira teve obras gravadas por Cristina Azuma em um álbum que
agrupoumúsicas com outras temáticas. Muitos dos tocautores que não apareceram aqui
gravaramsuasobras,como,porexemplo,MaurícioMarquesePaulinhoNogueira.
Focando-meagoranasconclusões,épossívelconstatarqueotrabalhodegravarestá
intimamenteligadoàqueledecomporoueditar/arranjarpeças.Amaioriadasobrasedita-
dasoucompostasporTuríbioSantos,foramgravadasporele.Comojámencioneianterior-
mente,MarcoPereiraePauloBellinati sãoosmaiores responsáveispelo registrodesuas
músicasemfonograma.
Há,nasgravações,umadiversidadeaindamaiordoqueaquelaqueconstanaslistas
departituraspublicadas.Oqueapontaparaointeressedosintérpretespormúsicasnovas
oudiversasdaquelas“legitimadas”pelaindústriaviolonística.Tambémencontramos,ainda,
umconstanteusode transcrições.Grandepartedosálbunspossuemarranjosdecanções
folclóricasoudocancioneirodaMPB.
Emcomparaçãocoma listaelaboradaporMárciaTaborda,épossívelafirmarque,
doscompositoreslistados,apenasJoãoPernambuco,Garôtoe,atécertoponto,Dilermando
ReiseLuizBonfá tiverammaiorpenetrabilidadenorepertórioviolonístico.Éseguroafir-
marqueessescompositores,aoladodeVilla-Lobos,formamgrandepartedaimagemsono-
51
raligadaaoquechamamosde“violãobrasileiro”.Semsombradedúvida,sãomúsicosim-
portantíssimosnahistóriadamúsicanoBrasil, entretanto,épossívelobservarumacerta
distânciaemarriscaroutroscompositores,mesmoqueestessigamtambémumalinhaesté-
ticasemelhante.
Osmotivosparaissopodemserinúmerosevãodesdeproblemascomopagamento
dedireitosautorais, faltadeconhecimentodoprópriorepertórioe, inclusive,podevirde
pressõesdegravadoras.Entretanto,oproblemamaiorquequeroapontaréqueofocolimi-
tadorjogadosobreorepertórioafetanãoapenasfazeresmusicaisvanguardistasouuniver-
salistas,mastambémaprópriapercepçãodacapacidadecriativaediversificadadamúsica
brasileira atual. Essa diversidade estilística não é apontada apenas pela quantidade de
compositores;écorroborada,também,pelaricahistóriadodebateculturalnoBrasildesde
aviradadoséculoXXatéhoje.
Amúsicabrasileira é repletade sutilezas rítmicasoude referências extramusicais
que,paraosouvidosestrangeiros,podemnãoestarclaras.Aindamais,atécnicaeaprópria
estruturaharmônica,melódicaetexturaldasobrasparaviolãomudoubastanteemrelação
àqueladeJoãoPernambuco,GarôtooumesmoVilla-Lobos.Énessesentidoque,aoofuscar
asnuancespresentesnamúsicatradicionalbrasileiraeaoenfatizaracontinuidadeeauni-
dadeemdetrimentodasmudançasedadiversidadeemproldeumapráticaqueseiniciou
hácemanos,queaindústriatemrepresentadoaproduçãoviolonísticabrasileiradeforma
estereotipada.Nopróximocapítulotratareideapontaressasdiferençasediversidadesden-
trodeumrepertórioselecionadoemaisrecentetemporalmente.
52
CAPÍTULO2
(des)Construindoasidentidadesbrasileiras
Nocapítuloanteriorevidencieicomoamaioriadaspeçasqueaparecemassociadasa
umaimagemde“violãobrasileiro”foramcompostasnaprimeirametadedoséculoXX.Por-
tanto,essamúsicarefleteaspráticaseconvençõesdiferentesdaquelasquesãopraticadas
noBrasilmaisdecemanosdepois.Masquaisseriamessaspráticas?
Evidentementeelassãoinúmerase,defato,fogeaoalcancedestetrabalholistá-las
emsua totalidade.Decidi,porquestõespráticas, focar-meemanálisesdemúsicasdeseis
compositores,sendoquatrobrasileirosedoisestrangeiros.Aescolhadessescompositores
sebaseouprincipalmentenalegitimaçãoqueessesmúsicospossuemdentrodocenáriovio-
lonístico brasileiro e internacional. São eles: AntônioMadureira, Marco Pereira, Roberto
Victório,SérgioAssadeosestrangeirosRolandDyenseJorgeMorel.Fareiumabreveapre-
sentaçãodecadaumdelesantesdasanálisesdesuasrespectivaspeças.Gostaria,agora,de
justificarainclusãodedoiscompositoresestrangeiros,bemcomoarepresentatividadeesti-
lísticade cadaumdos compositoresbrasileiros.Para tal, tratarei a seguirdo conceitode
musicalidade.
De acordo com Piedade,musicalidade é “umamemóriamusical-cultural comparti-
lhadaconstituídaporumconjuntoprofundamenteimbricadodeelementosmusicaisesig-
nificaçõesassociadas”49.Piedadesustentaqueamusicalidadeéumacaracterísticaqueéde-
senvolvida e transferida dentro de sociedades que têm símbolos cultivados pelos seus
membros,equeéaprendidapormeiodocontatodiretocomepormeiodapráticadessa
musicalidade.MúsicoscomoJoãoPernambuco,Canhoto,GarôtoeDilermandoReisseriam
exemplosdessacomunhãodesignificaçõeseelementosmusicaise,decertaforma,setor-
narampartefundamentalda“memóriamusical-cultural”ligadaaoviolãobrasileiro.Aliando
issoaocontextobrasileirodoiníciodoséculoXX,ondeabuscadeidentidadeeraumguia
forte, é compreensível que se considere que estesmúsicos tenham construído a imagem
quetemoshojede“violãobrasileiro”.Suaspráticaseramsimplesmentereflexodomeioem
49PIEDADE,2011,p.104.
53
queestavaminseridosedapráticacorrentedaépoca.Elesseriamosverdadeirosfundado-
resdo“clássicoviolãopopularbrasileiro”50querefletemuitobemofazermusicalnoBrasil
atémeadosdosanos1960.Entretanto,mepareceincompletoanalisar,ouatémesmoexal-
tar,“oviolãobrasileiro”hojeatravésdoviésdeumtempo,quesenãoestátãodistante,jáé
completamentediferentedodehoje,ummundomuitomaisglobalizado.
Emummundoondeas identidades se tornamcadavezmaispulverizadasemúlti-
plas,épossívelafirmarqueasmusicalidadesexistentesdentrodeumpaísserãotãomúlti-
plas quanto as diferentes identidades que estão ali contidas. Isso não quer dizer que não
existaumatradiçãoestabelecidadentrodeumpaíscomooBrasil,apenasabreapossibili-
dadeparadiferentesarticulaçõeserepresentaçõesdessatradição.
ApartirdoconceitoexpostoporPiedadeedapremissadequea“brasilidade”éape-
nasmaisuma identidadedisponível emumpaísdiverso, torna-sepossível explicar como
compositoresestrangeirosseinteressametrabalhamascaracterísticasbrasileirasemsua
música.Deformaquesetornainteressantecolocardoiscompositoresestrangeirosdentro
deste trabalho para entender quais características damúsica brasileira eles trabalham e
comoastrabalham.
Asanálisesterãocomopontodepartidaasprópriasobras.Estabelecerummétodo
rígidodeanáliseparaobrasdeestilos, estéticasegêneros tãodistintos iria colidir coma
própriaintençãodestetrabalho.ComoopróprioAcácioPiedadeexpõenoartigo“Ousoda
linguagemnaanálisemusical”:Otextoanalítico,comoqualqueroutrotexto,estásempredentrodeummundodelinguagemhabitadopeloseuautoreoutrasvozesexternasouagentes,eportantoosvocabuláriosquehabitamestetextorefletemhistoricidades,subjetividadesene-xossocioculturaisparticulares.(Piedade,2015:p.199)
Como o objetivo deste trabalho é evidenciar as diferentes formas demusicalidade
dos autores estudados, torna-se pertinente partir domaterialmusical primário e não de
umametodologiaanalíticaquesubmeteomaterialaocrivodoseuprópriorigor.
50TermoutilizadopelofamosoDuoAssadparadarnomeaoseuCDcomemorativode50anosdecarreiraequeincluíapeçasdetodososcompositorescitados,comoformadetributoaessatradição.
54
2.1“Comosetocaobaião?”:diferentesrepresentaçõesnordestinasnamúsicadeAntônioMadureiraeRolandDyens
Se,namúsicabrasileira,aprimeirametadedoséculoXXfoimarcadaporumabusca
decomorefletiraidentidadenacionaleaimagemdopovopormeiodossons,nasegunda
metadedomesmoséculopodemosdizerqueestaidentidadefoi,decertaforma,sedimen-
tada.Aindaassim,algunspensadoreseartistascontinuarambuscandoeconstruindouma
narrativadaculturabrasileira,comofoiocasodeArianoSuassuna,quefundouomovimen-
toArmorialeconvidouAntônioMadureiraparaserumadasfigurasencarregadasdecriara
música armorial. Aomesmo tempo, vemos comomúsicos estrangeiros incorporaramele-
mentosdamúsicabrasileiraaoseufazermusical,comoéocasodofrancêsRolandDyens.
O compositor e violonista potiguar Antônio José Madureira foi a figura central e
principalcompositordoQuintetoArmorial,idealizadoporArianoSuassuna.Alémdosqua-
trodiscoscomoquintetoArmorial,tambémlançoudoisdiscossolo,interpretandomúsicas
desuaautoriaaoviolão.Dasobrasnessesdiscos,seisforampublicadaspelaGuitarSolo,de
SanFrancisconosEUA.
Ventura(2007)aofalarsobreaspartiturasdasmúsicasdoQuintetoArmorial,cha-
maaatençãoparaapoucaquantidadedessasobrasqueestão,defato,escritas.Eleaponta
doismotivosparaisto:oprimeiroéperdadepartedoacervoporcontadeumaenchente
emPernambuco;osegundoéqueosprópriosmúsicosnãoteriamfeitonovastranscrições
dasmúsicasparasemanterem fiéisà ideologiadaMúsicaedoMovimentoArmorial,que
preconizavaseaproximardasraízesnordestinasecomunicaraartepormeiodasperfor-
mances.Destemodo,podemosconcluirque,apesardeensaiosedaformaçãodosmúsicos,
nãoexistiaumatentativadecristalizarosarranjosequecadaperformanceteriaumaver-
sãodiferentedecadaobra.
OMovimentoArmorial,comoopróprioVenturadescreve,almejavatrazerumnovo
paradigmanacionaldaartepormeiodoqueArianoSuassunaconsideravaaformadecultu-
ramaispuranoBrasil:aculturapopulardoNordeste.Desta forma,elevisavaaumaarte
eruditaqueestivessetotalmenteancoradanaspráticaseformasdemanifestaçõesdacultu-
rapopular.Namúsica,issosedariapormeiodousodeinstrumentostípicos(viola-caipira,
rabeca,pífanosemarimbau),resgatandoassimasonoridadetípicanordestinadasartesdos
55
cantadorescomoosromanceseosdesafios,porexemplo.Emadiçãoaissoestariaapesqui-
sademelodiaseformasmusicaistípicasqueserviriamnãoapenascomobaseparaarran-
jos,mascomomaterialaserabsorvidonascomposiçõesprópriasdogrupo,assemelhando-
seumpoucoaosideaisAndradianos.
Por outro lado, como apontaBeavers (2006), RolandDyens pode ser considerado
umcompositorpós-moderno.IssoporqueDyens“embaçaadivisãoentregrandearteepe-
quenaarte,escolhendoobrasqueeleapreciadeacordocomasituação. Elepassadeum
estilomusicalaoutrodeacordocomsuavontade”51.Beaversexplicaqueessaversatilidade
deDyenscomocompositoreintérpreteadvémtantodasuaformaçãocomomúsicoclássico
noconservatóriodeParis,comodosexperimentoseaprendizadosqueelerealizouforados
estudosdoconservatório.Deacordocomoprópriocompositor“àmedidaqueeuescutava
algoquemeagradava,euincorporavaaquilonaturalmentenasminhascomposições”52.
AssimcomoBeavers,DavidTanembaum(2003) incluiRolandDyensemumgrupo
deviolonistas-compositoresquetêmobtidoenormeaceitaçãonomeioviolonísticointerna-
cional,continuandoatradiçãodecompositorescomoSor,Giuliani,TárregaeBarriose,ao
mesmotempo,dissolvendocadavezmaisasfronteirasentreamúsicadeconcertoeamú-
sicapopular,ouseja,éumageraçãocomaltograudepráticashíbridas,livresdeideologias
dicotômicas ou defensores de uma determinada linha estética. Esses compositores estão
muitomais preocupados emdecantar seus interessesmusicais e expô-los através de sua
músicaparaviolão,doque,necessariamentedefenderbandeirasideológicas.Nãoqueesse
tipodepráticanãotenhaespaço,masariquezaediversidadeculturalquecabemdentrode
uminstrumentocomooviolãoacabousendoomaioratrativoparaessesartistas.
Comtudoissoemmente,nãosurpreendequeofrancêsRolandDyenstenhacompos-
todiversasobrasemcaráterbrasileiroeescritodiversosarranjosparaobrasdecomposito-
resbrasileiroscomoBadenPowell,TomJobimePixinguinha.Dyensnasceuem1955eveio
afalecerduranteaelaboraçãodestetrabalho,emnovembrode2016,devidoaproblemas
desaúde,sendo,então,oúnicocompositoratersuaobraanalisadaquenãoestávivo.
51Textooriginal:“HeblursthedistinctionbetweenHighArtandLowArt,choosingWorkshelikesonacase-by-casebasis.Heslidesinandoutofvariousmusicalstylesatwill”.(BEAVERS,2006,p.20,traduçãominha).52DYENSapudBEAVERS,2006,p.20.
56
Portanto,observa-se,alémdasóbviasdiferençasestéticaseideológicas,tambémum
interessantepontodeconvergênciaentreamusicalidadeidealizadapeloarmorialAntônio
Madureiraeaqueladopós-modernistaRolandDyens:a relaçãodiretaentreamúsicaea
performance. Neste segmento, utilizarei três peças de Antônio Madureira, Ponteado, Ro-
mançárioeMaracatu commaiorênfasenaprimeira,eumadeDyens,SaudadesNº3,para
evidenciarasdiferençasnaspráticas interpretativasena formadearticularoselementos
damúsicabrasileira,especificamenteamúsicadoNordestedoBrasil,emsuascomposições.
EnquantoMadureiraeamúsicaarmorialbuscamestabelecerumarelaçãosimbiótica
entreespaçoesom-criandoassima“paisagemsonora”donordesteprofundo,comorelata
Ventura-,SaudadesNº3,deRolandDyenséumaformadehomenagemqueocompositor
“prestaaoBrasildeseusvinteanos”53,referênciaaotempoemquevisitoueviveunoBrasil.
Nafolhaderostoqueantecedeapartituraconstaumsubtítuloparaaobra“lembrançado
SenhordoBonfimdaBahia”,oque, juntocomevocativo títulodeSaudades,nosremetea
algoqueocompositortenhacarregadoconsigodesdeaBahiaequefazcomqueserecorde
sempredaquelelugarcomumarsaudoso.Claro,umalembrançasópoderepresentaruma
pequenapartedotodovisitadoporDyens.
Estasinformações,quevariamentreotrabalhomusicológicoeapercepçãosubjeti-
va,sãodegrandeimportânciaparaentenderaconstruçãodestasmúsicas,bemcomopara
estabelecercritérioscriativosecríticosparaumaabordageminterpretativa.
Estaseráumaanálisecomointuitodecompararcomoosdoiscompositoresexplo-
ramtópicasnordestinasdentrodesuasobrasetambémobservarsuasimplicaçõesinstru-
mentais.Paraissoseparareiasanálisesemdoismomentos:primeiramenteanalisareiSau-
dadesNº3,lançandomãodecomparaçõescomaspeçasdeMadureiraondeforpertinente;
em seguida farei considerações específicas às peças de AntônioMadureira. Desta forma,
podereilevantarcaracterísticasmusicaiscomunsacadaumadaspeçasepodereimededi-
carcommaisdetalhesàsmúsicasdeMadureiraquepossuemmenosindicaçõesinterpreta-
tivasqueadeRolandDyens.
53DYENS,2005,p.IV.
57
2.1.1SaudadesNº3ePonteado
As peças de AntônioMadureira diferem emmuito das de Roland Dyens tanto na
quantidadededesafiostécnicos,quantonaquantidadedeinformaçãoescritanapartitura.
Essasdiferenças,noentanto,nãodevemserusadasdejustificativaparaumtratamentodis-
plicentenaabordageminterpretativasdestasmúsicas.
Comojámencionado,grandepartedamúsicadeMadureiraestáligadaaomovimen-
to Armorial, que buscava,mais do que umamúsica nacionalista, construir uma simbiose
simbólicaentresomeespaço-ou“Paisagemsonora”comodizVentura.Destaforma,aonos
depararmoscomasobraspublicadasdeAntônioMadureirapodemosconcluirqueossím-
boloscontidosnapartiturasãoapenasumapequenapartedainformaçãonecessáriapara
entendereexecutaraobra,equeorestantepodeserencontradona ideologiaeestéticas
Armoriais.Masdoqueelastratamemtermosculturaisecomoissoserefletenamúsica?
DyenscompôsumasériedetrêsSaudadesemhomenagemàmúsicabrasileiraque
culminacomestaSaudadesNº3,amaislongaecontrastantedastrêspeças.Dessasmúsicas,
aprimeira e a terceira fazemalusãodireta aobaião, enquantoa segunda,dedicadaàAr-
minda-Villa-Lobos,trazaindicação“chorinho”notopodapágina.SaudadesNº3éumapeça
divididaemtrêsmovimentosquedevemsertocadossempausa.Osmovimentossão:I.Ri-
tuel;II.DanseeIII.Fête.
Rituel,ouRitual,éummovimentoqueestáescritoemumapáginaetemafunçãode
criarumaatmosferaquemescla“exotismo”eimprovisação.Ocaráterimprovisatóriodesta
seçãoéalcançadopormeiodaescritasemmétricaestabelecidaepelousoconstantedeace-
lerandosefermatasaolongodomovimento.Umaabundânciadestesrecursospodeserob-
servadanosquatroprimeirossistemasdaspeças.
58
Figura1:TrêsprimeirossistemasdeSaudadesNº3:I.Rituel,deRolandDyens
Umacaracterísticainteressantedesenotaréaquantidadedeindicaçõesinterpreta-
tivascontidasnessetrecho.EssetipodeescritaémuitocaracterísticodeRolandDyensnão
apenasemcomposiçõespróprias, comonosseusarranjose,nocasodestemovimentode
Saudades, buscaalcançar contrastesde cores, ataquese agógica como formade realçaro
caráterdeimprovisaçãodomovimento(pormaiscontraditórioqueissopossaparecer).
Oquechameide“exotismo”ficaporcontadousodasonoridadedosmodosmixolí-
dioe,principalmente,lídio.EssesmodosestãoconstruídossobreanotaRé,comopodeser
observadona figura2oqueexplicaautilizaçãodasextacordadoviolãoafinadaumtom
abaixo, desta forma aproveitando umamaior ressonância e ummaior número de cordas
soltascomafinalisdomodo.
59
Figura2:EscaladosmodosRéLídioeRéMixolídio
As trêspeçasdeAntônioMadureira tambémusamumcaráter francamentemodal,
como é característico damúsica do sertão nordestino.PonteadoeRomançárioutilizam a
típicaalternânciaentreosmodosRéLídioeRéMixolídio,comumaespecialênfasenaquar-
taaumentada(sol#),enquantoMaracatuestáemMiMixolídio.
Rituel funciona como uma forma de prelúdio que introduz o segundomovimento,
Danse. Estemovimento apresentaopadrão rítmicodo tresillo, típicodobaião, executado
nosbordões,deixandoclaroaqualdança(ougênero)otítulodestapartealude.Essetipode
texturaétambémusadoporAntônioMadureiraemPonteado.
Figura3:ScordaturadoviolãocomasextacordaafinadaemRéerealizaçãodoritmodobaiãonosbordões
Maisumavezpode-seobservarcomoestascordaturafavoreceocarátermodaldas
peças,umavezqueépossívelcriarumpadrãorítmicoquesebaseiaapenasnafinalisecofi-
nalis (fundamental e quinto grauda escala) usando apenas as cordas soltas, deixandoos
dedosdamãoesquerdalivresparaexecutaremasmelodiaseasharmonias.
Madureira trabalhaessa texturanasegundapartedePonteadopreenchendoacol-
cheiadosegundotempocomocoloridodaharmonia.
60
Figura4:Texturacomoostinatodetresilloeacordesconstruídoscomsobreposiçõesdeterças,quintasesex-tas.Compassos28-33dePonteado,deAntônioMadureira
Aconstruçãoharmônicadestetrechoé,naverdade,umasobreposiçãodeintervalos
dequintas, terças e/ou sextas, ainda reminiscentesdas conduçõesmelódicas tradicionais
daviola-caipira.Maisadiante,nafigura10,pode-seobservarqueDyensutilizaessatextura
comoumacompanhamentoemostinato,deixandoqueocoloridoharmônicosejasugerido
pelaharmonia.
CabefalarumpoucodaestruturaçãodamelodiaemDanse,emcomparaçãocomas
melodiascompostasporMadureira.OaspectomelódicoéfundamentalnasobrasdeMadu-
reira,umavezqueelasremetemdiretamenteàssonoridadesdosertãonordestino.Aestru-
turaçãobásicadasmelodiasdeMadureiraéfeitapormeiodosgrausconjuntose,majorita-
riamente, pelos intervalosmelódicos das terçasmaiores emenores. Esses intervalos são
intercaladosoraporornamentos,orapornotasdepassagem,comopodemosobservarnes-
tetrechodeRomançário:
Figura5:Notasdepassagemnoscompassos1-3deRomançário,deAntônioMadureira
Tambémpodemosencontraressetipodepreenchimentopormeiodeantecipações
emPonteado.
61
Figura6:Antecipaçõesnamelodiadoscompassos3-5dePonteado,deAntônioMadureira
Elaboreiumaversãocomasnotasque formamoesqueletomelódicoemdestaque
paraqueessaestruturaemterçasfiquemaisclara.
Figura7:Estruturamelódicaemterçasnoscompassos3-5dePonteado,deAntônioMadureira
Chamoaatençãoparaatexturaexpostanosexemplos4e5.Existeumpedalemrit-
modecolcheiasqueremeteàumatexturatípicadaviola-caipira.Compareoexemploabai-
xodamúsicaSussa,deautoriadovioleiroSeuMinervino54comoexemplodasFiguras4e5.
Figura8:Texturacompedalnaviola-caipira.IntroduçãodapeçaSussa,dovioleiroSeuMinervino
UmaformainteressantedeornamentaressesintervalosdeterçaapareceemPonte-
ado.Noexemploa seguir, épossívelnotaramelodiaconstruídacomumartifícioque,de
acordocomNóbrega(2000),oprópriocompositordenominoucomo“notarebatida”.
54In:deSOUZA,2005,p.71.
62
Figura9:Notarebatidanoscompassos7-8dePonteado,deAntônioMadureira
Vemosqueesseartifícioconsisteempreencherointervalodeterçacomumaespé-
ciede“notaguia”queorasetornapassagem,orasetornaapojatura,agrupandooresultado
emligadurasdeduasnotas.Esteéumefeitoquepodeserobservadoemoutrasmúsicasde
MadureirapresentesnosdiscosdoQuintetoArmorial,comoTorédodisco“DoRomanceao
Galope Nordestino” de 197455. Texturalmente as peças deMadureira sãomuito simples,
consistindobasicamentedemelodiaedepedais.Desta forma,nãoháumaconduçãohar-
mônicaquesejadeparticularimportância,asharmoniassurgemmaiscomoresultantesde
encadeamentosmelódicosemblocooudousodecordassoltas.Analisareimaisadiantees-
tesaspectos,naparteondefalareiespecificamentedasobrasdeMadureira.
JánapeçadeRolandDyensencontramosumarelaçãomaisintegradaentremelodia
eharmonia.Quantoaoaspectomelódico,éproveitosocompararaconstruçãomelódicado
segundomovimento“Danse”,deSaudadesNº3,comaqueladasobrasdeMadureira.Dyens
tambémutilizabastanteosmovimentosmelódicosporsaltodeterças.Noentanto,nota-se
queháumamaiorquantidadedeprogressãodearpejos.
55EsteexemplotambéméusadoporNóbrega.
63
Figura10:Perfilmelódicodoscompassos5-8deSaudadesNº3:II.Danse,deRolandDyens
Ofatodessetrechoserconstruídoclaramenteporarpejostambémafetadiretamen-
te a digitaçãodamão esquerda. Enquanto emPonteado, todoo trecho édigitadousando
apenasaprimeiracordadoviolão,Dyensutilizaposiçõesfixasdearpejoscomcadaumadas
notas sendo distribuída entre as três primeiras cordas do violão. Também se nota que
DyensacabausandoumatessituramaisextensaqueMadureira,alémdasfrasesseremmais
longas.Essedetalheéimportantepoisapontaparaosdiferentespontosdepartidadecada
compositor.EnquantoMadureira,paracriarocaráter“circular”dosmodos,remeteatessi-
turasmaiscurtas,muitocomumemmelodiasfolclóricasouregionais,Dyenssevaledeuma
tessituramaisampla,seaproveitandodobraçodoinstrumento.Issopodeserobservadona
seguintecomparaçãoentreoscompassos33-37deSaudadeseoscompassos11-14deMa-
racatu.
64
Figura11:Compassos33-37deSaudadesNº3:II.Danse,deRolandDyens
Figura12:Compassos11-15deMaracatu,deAntônioMadureira
Nota-sequeapeçadeMadureiraécompostaporpequenosfragmentosrítmicome-
lódicosquepodemseragrupadosemduasfrasesdedoiscompassos.Emadiçãoaisso,há
sempreumanotaquepredominaemcadaumadessassemi-frases,construindoumacondu-
çãodescendentedequatronotasbase(ré-si-fá#-mi)dentrodeumatessiturade9ªmaior.Já
apassagemcompostaporDyens,mesmoformadaporpequenassemi-frasestambém,pos-
65
suiumperfilmaissinuosoqueseinicianoagudo(fá#-sol#),atingeopontomaisgraveno
RébordãoeretornaaoRédaquartacordadoviolãocomumatessiturade11ªaumentada.
Observa-seque,nestetrecho,Dyenstambémtentouevocarasonoridadedosritmos
domaracatu.Épossívelencontrarsemelhançasnatexturaemdoisestratos:ummaisestáti-
coritmicamente;outrocomumaaltaincidênciadesíncopes,alémdaevidentediferençada
melodiacompostaporMadureiraestarnavozagudaeadeDyens,nobaixo.Outroponto
interessantedenotaraquiéousodatécnicados ligadossemanecessidadedoataqueda
mãodireitaemambososcasos.Oefeitofinaldestatécnica,devidoàregiãodoinstrumento
emqueelasocorrem,ébemdistinto.EnquantoemMadureiraencontramosumsommais
percussivoe“arranhado”,talvezevocandoalguminstrumentocomoumberimbau,emSau-
dadestemosumsommaischeioeaaveludado,quasealudindoaumcontrabaixotocadoem
pizzicato,umapossívelevocaçãoaumasonoridademaisjazzística.
Paraencerrarestaanálise,aúltimapartedeSaudadesNº3, intituladaFêteetFinal,
ouFestaeFinal,exploraaindamaisessacaracterísticadacolagem,damisturaedoecletis-
momusicaldeRolandDyens.Assimcomonoprimeiromovimento,Dyensexploraascarac-
terísticasdasescalasmixolídiae lídia,sóquedestavezelevariaentregênerosdamúsica
brasileira,comooBaiãoeoSamba,eestrangeiros,comooRock.
EleabreestapartecomumRiff,umacélularitmo-melódica,muitocaracterísticano
Rock, em conjunto com power-chords, que são acordes formados apenas por quartas ou
quintas.
Figura13:RiffcaracterísticodoRockcomousodaquartaaumentadanocompasso51deSaudadesNº3:III.
FêteetFinal,deRolandDyens
Emseguidaele vai seutilizardeumapequenaponte coma funçãodeestabelecer
umaquebrarítmica,ondeelevaialternarentrediferentescompassos,atéapresentaruma
sequência harmônica com o ritmo de samba. Harmonicamente é interessante notar que
66
Dyensutilizaacordescomaquartaaumentadaacrescidadesdeocompasso51,comoapon-
tadonaFigura12.Dyensutilizaesseprocedimentoemtodososgênerosreferenciados,ser-
vindo-sedeidiomatismoscomoascordassoltas.
Figura14:AcordescomaquartaaumentadaadicionadaemSaudadesNº3:FêteetFinal,deRolandDyens
Tendoemvistaoquefoiexposto,querotornarclaroomotivodeiniciarestasanáli-
ses com uma comparação entre dois compositores tão diferentes. Nomeumodo de ver,
DyenseMadureirarepresentamdoispolosopostosdevisãodeBrasil.AntônioMadureira
compôssuaspeçasnatentativadeevocarasorigensdopovobrasileirodesdesuaformação,
comodiza ideologiaArmorial.Ele tentaencontraraunidadequetornaabrasilidadealgo
comumemtodososbrasileiros,aindaquepartindodeumavisãoregional.Poroutrolado,
Dyensé,comojádisse,umcosmopolita.Elenãoselimitaacomporapartirdesuanaciona-
lidadefrancesa,muitomenostempudordeseapropriardeoutrasidentidadesparacons-
truir suamúsica. Nesse sentido, Dyens coloca a questão dabrasilidade não apenas como
umaquestãorelativaaoBrasil,mas,sim,comomaisumadaspossíveisidentidadesdiversas
disponíveisepassíveisdeseremarticuladasetrabalhadas.
2.2Traduzindooutrasbossas:oviolãocaleidoscópicodeMarcoPereira
Comnumerosaproduçãoartísticanomeiodamúsicapopular,MarcoPereirasees-
tabeleceuatualmentecomo instrumentistaearranjador,mantendo, também,outrasativi-
dadesparalelastãoprolíficasquanto:adocênciaeacomposição.Nestapequenaintrodução,
meocuparei de fatos que estãomais diretamente ligados à atividade como compositor e
instrumentistadePereira.Paraumabiografiamaisdetalhadadacarreirado tocautor, re-
comendoaleituradadissertaçãodeRafaelThomaz(2012).
67
A atividade profissional deMarco Pereira se dá, como jámencionado, dentro dos
meiosdaMPBedaMPBI,ouBrazilianJazz.Entretanto,nãosedeveconfundiraatividade
profissionaldelecomuma“necessidade”derotularasuaobra.Comotratareidedemons-
traradiante,amúsicadeMarcoPereiraérepletadeconteúdomusicalesimbólicoqueper-
mitequeseabordeestasobrascomoverdadeiras“obrasdeconcerto”.Esseéotipodere-
sultadodeumaatividadehíbrida,ondeoprodutoproduzidoporalguémcommúltiplasati-
vidadesouinteressesacabacedendoespaçoparadiferentesabordagens.
Entretanto,encerraraatividadedeMarcoPereiraapenasnoâmbitodamúsicapo-
pularnãoécorreto.AocontráriodoqueSwanson(2004)afirma,otrânsitodeMarcoPerei-
rapelogênerodamúsicaclássicaoueruditaécomprovadodeváriasmaneiras.Oscargos
queocupouequeocupa,respectivamente,comoprofessornaUnBenaUFRJ–oprimeiroa
convitedeninguémmenosqueCláudioSantoro–,alémdesuaconstanteapariçãoemeven-
tosconsagradosaomeioespecíficodoviolãoclássico(comoaconvençãonacionaldaGuitar
FoundationofAmericaem2009enasériepaulista“MovimentoViolão”)comprovamessa
atividademultifacetadadePereira.
OpróprioMarcoPereirafalou,ementrevistaàFábioZanon,sobreaorigemdesuas
atividadescomocompositorearranjador:
Eusemprefiz... todasascoisasqueeufiz,eufaziapelanecessidadedeteralgumacoisapratocardaquelejeito.Éengraçado:àsvezeseuqueriaumdeterminadotipodemúsicaenãotinha.Entãoaíeu,senãotinhaalgumacoisaqueeupudessearran-jar,né?Porqueeugostomuitodefazerarranjopraviolão,adaptarcançõesetemasvariados,masquandonãotinhaaíeuacabavafazendo.56
Namesmaentrevista,Pereiratambémfaladaconcepçãosonoradasuamúsicapara
violãoedesuaorigem:
Eutenhoumaformaçãomuitosólidanoviolão,dentrodaescoladoviolãoclássico.Ondevocêbuscaobstinadamenteoacabamento,buscaafinalização.Todososmeusarranjoseascomposiçõestêmumconteúdomuitograndedacoisadoviolãoclássi-comesmo,desseviolãoorquestral,denso.Àsvezesvocêficameiobusypratocares-sasnotastodas.57
56MarcoPereiraementrevistaaFábioZanonnaRádioCultura.57Ibid.
68
OmaisinteressanteasernotadonestaúltimafaladePereiraéadescriçãodesuas
composiçõesearranjoscomodensos.Emmúsica,densidadeéumtermogeralmenteutiliza-
doparasereferiràquantidadedeplanosdentrodeumadeterminadamúsica,geralmente
ligadamaisàmúsicaorquestral,devidoaonúmeroderecursosdisponíveis,desdeavarie-
dadedetimbresatéonúmerodeinstrumentistas.Aofalardascaracterísticasdo“violãoor-
questral”,Pereirareferenciaacapacidadeinerentedoinstrumentodecriarumgrandenú-
merodenuancestexturaisetimbrísticas,comoveremosmaisadiante.Noentanto,cabees-
sa distinção dada ao violão clássico em relação ao violão popular (seja Brasileiro ou de
qualqueroutro)jáqueparecehaverumapredileçãoportexturasmaishomofônicaseque
privilegiamlinhaseharmoniasemdetrimentodojogodeplanos.
AindafaltariaexplicarcomofoiabertoocaminhodePereiraemdireçãoaumaativi-
dademaisamplacomointérpreteecompositor.DentrodajácitadaentrevistacomZanon,
Pereiraprossegue:
MorandoemParis,eutiveumcontatomuitopróximocomopessoaldoJazz,osmú-sicosdeJazzquemoravamemParis.Issomexeumuitocomaminhacabeça.Duascoisasquemefaziampensar,porexemplo,oviolãoclássico,naépoca,sofriamuitopreconceito.Eumesmopercebique,emumdeterminadomomento,euestavaque-rendonegaressafacetapopulardoviolão.Pareciaqueeuestavatentandoqueren-doprovarqueoviolãoerauminstrumentonobrecomoosoutrostambém.Ojazzabriupramimumanovaperspectiva.Perspectivacriativa,emprimeirolugar,e,de-pois,apossibilidadedetocarcomoutraspessoasdeumamaneiramaislivre.Acoi-sadaimprovisação.Issotudomechamoumuitoaatenção,fiqueicertoqueeunãoqueriamaisseguiracarreiradeviolonistaclássico.58
Complementaraessadeclaração,existeoutraondePereirarevelaquefoidevidoao
seuretornoaoBrasil,quandofundouocursodeviolãodaUniversidadedeBrasília,quede-
cidiuque“nãoqueriaabrirmãodenadaquehaviaconquistado”–fazendoreferênciaàsua
relaçãoinicialcomamúsicabrasileira,comsuaformaçãodemúsicoclássicoesuaperspec-
tivamais“livre”advindadoJazz.EcomoessamúsicahíbridadeMarcoPereirarelacionae
manifestaesseselementos?
Doisconceitossãodegrandeajudapararesponderàessaquestãonocasodamúsica
deMarcoPereira:traduçãoculturaleapropriação,citadosporPeterBurkeemseulivroCul-
turalHibridity(2009).DeacordocomBurke,atraduçãoculturalganhouforçanomeioda 58Ibid.
69
Antropologiaduranteosanos50e60efoicunhadoparaexplicarcomoantropólogosatri-
buíamtermoschavesparapalavrasfaladasporpovosquesecomunicavamemumidioma
diferentedodosantropólogos.Esteconceito,aindasegundoBurke,jáextrapolouasfrontei-
rasondeteveorigemejáinclui“ospensamentoseaçõesdetodos”.Opróprioautoraponta
ousodesseconceitoparaanalisarmúsicasaodizer:
“Inthehistoryofartormusic,itmaybeilluminatingtothinkinsimilarterms.Forexample,arecentstudyoftheallaturcastyleofmusic,amusicstyleinspiredbythemusicoftheOttomanEmpire,hasdecribeditas‘asetofprinciplesoftranslationasmuch(ormorethan)asetofimitativedevices’.Thisinsightisprobablyapplicableto other genres and illustrates with particular clarity the value of the term as amoresubtlealternativetosimpleideasofimitation.”(BURKE,2009:58)
Jáaapropriação59édefinidadeoutraformaporBurke:entreváriasexplicações,co-
moaformadecaptar,porumadeterminadacultura,aquiloqueédemaiorinteressepara
umadeterminadapráticasemterque,necessariamente,absorvertodasascaracterísticas.
BurkeaindacitaoMovimentoAntropofágicocomoumaformademanifestaraapropriação
tipicamentelatino-americanae,maisespecificamente,brasileira.
Passarei às análises ondemostrarei como, comuma combinaçãode apropriação e
tradução,MarcoPereiraconseguiucriarobrassingularescomumreconhecívelcaráterbra-
sileiro.Veremoscomoessesprocedimentospodemacontecerpormeiodeharmonias,tex-
turas,melodiaseatémesmonaescritadasobras.
2.2.1Toada
EmToada,épossívelobservarousodeapropriaçõesmusicaisporpartedePereira
Estapeçapertenceàsuíte“Perequetés”eéumadasobrasmaisrecentesdeMarcoPereira.
Nestaobraemparticular,Pereiraseaprofundanaspráticasderessignificaçãoeapropria-
ção,aomesmotempoemquedialogacomatradiçãodamúsicaclássicaocidentalecomas
ideiasdonacional-modernismodeMáriodeAndrade.
59Cabeaquiressaltarquenãotratodoconceitodeapropriaçãocultural,significandoumaformadeanulaçãodeumaculturasubjugadaporumaculturadominante,comotratadonosestudosculturaispós-colonialistas.Falodaapropriaçãodecaracterísticasqueumindivíduoutilizaráparaformarseufazermusical.
70
EmEnsaio sobre amúsica brasileira, ao tratar da forma,Mário deAndrade afirma
quea“formaSuíte,sériededanças,nãoépatrimôniodepovonenhum”equeéumaforma
presentedentrodastradiçõesdasrodasinfantis,dosmaracatusnordestinos,reisadosefes-
tassulinas60.Isso,aliadoaonúmerodedançascaracterísticasbrasileiras,seriaomotivoda
formasuíteseencaixarbemdentrodoidealdemúsicanacionaldopoetamodernista.Con-
tudo, Andrade faz a crítica aos compositores por não terem a criatividade de nomear de
formamaisoriginalsuassuítes,algoquefossealémde“SuiteBrasileira”efizesseumarefe-
rênciamaisespecíficaàculturabrasileira,usandoMaracatu,ouFandangoparanomearsuas
suítes.Elesugerequeoscompositoresinventassemosnomesdesuassuítes“comoa‘1922’
deHindemith oua ‘ltWien’deCastelnuovo-Tedesco.” (Ibid).Andradevaialémechegaa
sugerirumaestruturaparaassuítesdecompositoresbrasileiros:
“Imagine-seporexemploumasuíte:1-Ponteio(prelúdioemqualquermétricaoumovimento);2-Cateretê(bináriorápido);3-Coco(bináriolento),(polifoniacoral),substitutivodasarabanda;4-Moda ouModinha (em ternário ou quaternário), substitutivo da Ariaantiga;5-Cururú (pra utilização de motivo ameríndio), (pode-se imaginar umadança africana para empregarmotivo afro-brasileiro), (semmovimentopredeterminado);6-Dobrado (ouSambaouMaxixe), (binário rápidoou imponente final).”(ANDRADE,2006:57)
TendoemvistaasorientaçõesesugestõesdeMáriodeAndrade,aSuite“Perequetés”
deMarcoPereiraseencaixaperfeitamentedentrodospadrõesdonacionalmodernismo,a
considerarqueaestruturadasuítedestecompositoréumpoucodiferente.Asuíteécom-
postaporquatromovimentosondeoprimeiromovimentoéaToada,queireianalisarmais
adiante;osegundoéumMaxixe,dançaquerepresentaoespaçourbanobrasileirocomuma
fortevertenterítmica;oterceiroéumaChula,nestecasosereferindoàdançaquesepratica
norecôncavobaiano;oquartoeúltimomovimentoéumavirtuosísticaValsa.Comaexce-
çãodoMaxixe,asoutrasformasnãoaparecemnassugestõesdeMáriodeAndrade,mesmo
quenãosejaabsurdopensarqueeleestariadeacordoemusaroutrasdançastradicionais
brasileirasalémdassugeridasporele.Tambémé interessantenotarquese tratadeuma
60ANDRADE,2006,p.53.
71
sucessãodedançasbempeculiaresedeorigensdiversas,mostrandoquePereiranãoestava
preocupadoemseguirosmoldesdassuítesbarrocas,queintercalamummovimentolento
comoutromovimentomaismovido.
Noentanto,Toadapareceterumpapelqueremeteàfunçãodosprelúdiosnassuítes
barrocas.Emseulivro“RitmosBrasileiros”,MarcoPereiraexplicaquetoadaépraticadaem
diversaspartesdopaísequeadquirediferentessignificadosemcadaumadelas,nãotendo,
portanto,umacaracterísticaquelhesejarecorrente.Masfazaressalvadequeécomumna
MPBousodetoadaslentasusadaspara“cançõesdecaráternostálgicoemelancólico”61.De
fato,osexemplosqueMáriodeAndradeforneceemseuensaiode1917atestamqueatoa-
dapodeadquirirritmos,perfismelódicoseafetosdiversos.Aindaassim,Andradenosdiz
queécomumnastoadasaformabináriasemrepetição62.
ToadadeMarcoPereiratemumandamento lentoeumfluxocontínuodesemicol-
cheias ao longo da peça. Ao analisar os primeiros quatro compassos damúsica, pode-se
constatarqueopadrãodosarpejosé reminiscentedoPrelúdioemDóMaiorBWV846do
primeiro livrodoCravoBem-Temperadode JohannSebastianBach,comoobservamosnas
figuras15e16abaixo.
Figura15:QuatroprimeiroscompassosdoPrelúdioemDóMaior,BWV846,deJ.S.Bach
EcomoestepadrãofoitraduzidoparaaescritaviolonísticanapeçaToada:
61PEREIRA,2007,p.50.62ANDRADE,2006,p.49.
72
Figura16:QuatroprimeiroscompassosdeToada,deMarcoPereira
Seacomparaçãonãoforclaraosuficiente,umrecursodoquallanceimãoparares-
saltaressarelação,foiorganizarasnotaseatexturaemdoissistemas,demaneirasimilarà
deBach63:
Figura17:QuatroprimeiroscompassosdeToadaseparadosemdoissistemas
Escrevendodesta forma,a funçãoharmônicadecadaumadasnotasse tornamais
perceptível–evidenciandooencadeamentoi-IV-VII-i. Esseprocedimentoajudaaexplicar
melhoraseparaçãodasvozesetambémcomopodeajudaraanalisareescolherdeforma
crítica o dedilhado para essa passagem.No compasso 4, Pereira utiliza umadigitação de
mãoesquerdaquecolocaosieoré#nasegundacorda.Oresultadoéque,aosecolocaro
63Noteque,mesmoestandoemduasclavesdiferentes,mantiveasregrasdaescritaparaviolão,ouseja,asnotassoamumaoitavaabaixodoindicadonapartitura.
73
dedo2soboré#osideixaautomaticamentedesoar.Abaixo,sugiroumasoluçãosimplese
quenãoacarretaumaperdadefluêncianapassagem.
Figura18:DigitaçãodoquartocompassodeToada
Maisumavezocompositorpaulistadialogacomumatradição,destavezseapropri-
andodeumaideiaharmônicaeformalparaconstruirasuaprópriasuítedecaráternacio-
nal.AssimcomoveremosemFlordasÁguas,Pereiranãousaumareferência literal,elea
transformaeadaptadeacordocomocontexto.Nestecaso,oviolonistaremeteao“caráter
nostálgicoemelancólico”dastoadasdocancioneirodaMPBqueelemesmocitou.Paraal-
cançar tal efeito, aprimeira transformação foi alteraromododa tonalidadedeDóMaior
paraMimenor,umatonalidademais fechada.EssamudançatambémpossibilitouquePe-
reirautilizasseumrecursoidiomáticoquedarámaiorsustentaçãoàestruturaharmônicae
melódicadapeça:ascordassoltasdoviolão.
Pereiraseutilizadascordassoltasparacriarharmoniasmaismodernas,mastam-
bémparacriaralgunspedais.Nosmesmosquatroprimeiroscompassos,percebe-secomoa
notasi(segundacordasoltadoviolão)fazpartedetodosospadrõesdearpejoseaospou-
cosvaisedeslocandoritmicamente,comissoassumindodiferentesfunçõesdentrodocon-
textoharmônico.
Outrorecursoutilizadoéoda“polifoniavirtual”.Pereirautilizadepequenostrechos
deperfilmelódicocontrastantecomocélulasdescendentesintercaladascomoutrasascen-
dentes,oumelodiasqueseseparamporcontadoregistrodatessitura(umrecursomuito
comumnasobrasdeBachequeéapontado,porexemplo,porFrankKoonceemseulivrode
transcrições para violão das obras para alaúde de Johann Sebastian). Abaixo, podemos
comparar,porexemplo,naSarabandedaSuiteBWV997,paraalaúdeequepossuiumatex-
turamuitosimilaràdeToada:
74
Figura19:ExemplodaescritadapolifoniavirtualeseuresultadosonoronaSarabandeBWV997deJ.S.Bach
Fonte:Koonce,2002
Toadapossuidiversaspassagensondepodeserencontradoessetipodetextura.A
títulodeexemplo,escolhioscompassos7e8aseguir:
Figura20:Polifoniavirtualnoscompassos7e8deToada
Nestecasoespecífico,tireiproveitodadivisãocriadanosprimeirosquatrocompas-
sosqueindicaramumatexturaatrêsvozesparaguiarminhainterpretação.Avozmaisgra-
vejáestádevidamenteescritaedestacadacomashastesviradasparabaixo.Paraseparar
asvozesdocontraltoedosopranomeguieipeloprincípiodasimilaridadenacondução.As-
sim,osopranoseguiuumperfildegrausconjuntos,enquantoocontraltoquasesempreestá
emgrausdisjuntos(terças).Podemosobservaroresultadosonoroidealdapolifoniaabai-
xo:
75
Figura21:Resultantedapolifoniavirtualdoscompassos7e8
Adigitaçãosugeridapelocompositortambémfuncionabemnestecaso.Aexceçãoa
serfeitaéapartedestacadaemvermelhonocompasso8,ondeoré#docontraltoacabará
sendosilenciadopelofábequadrodosopranoporestaremdigitadosnaquartacorda.Infe-
lizmente,paraestecaso,umatentativadedigitaroré#nasextacasadaquintacordaimpli-
cariaemmaiordificuldadetécnica,comumagrandeextensãodosdedos1e4damãoes-
querda,quepodeafetarafluênciadapassagem.
Outro recurso,muito similar ao da polifonia virtual, é amelodiamisturada como
acompanhamento.Pormeiodesterecursoépossívelcriarumatexturaambígua,quepode
tantosugerirumamelodiaemarpejo,quantoumatexturademelodiaacompanhada,coma
notamaisagudadoarpejosedestacandocomomelodia.Esteéumrecursonaturaldovio-
lãoeestápresenteemváriosexemplosdaliteraturadesdeorepertórioclássicocomSore
Aguadoatépeçascontemporâneas.
Figura22:Texturademelodiaacompanhadanoscompassos13ao16
76
Neste trecho,adificuldade foiencontraraseparaçãoentreoacompanhamentoea
melodia, principalmentenos compassos13 e 15.No compasso13, o que tornadifícil é a
proximidadeda tessitura.Épossívelencararomibemoldoquarto tempocomomelodia.
Contudo,considerandoqueoprimeirominocompasso13éresultadodaconduçãomelódi-
cadocompasso12earepetiçãodasnotassiedóemumperíodomuitocurtodetempo,op-
teiporsepararestasduasnotascomoacompanhamentoeaplicaramesmalógicaparaase-
gundametadedocompasso.Essaabordagemseconfirmaaoobservarmososdoisprimeiros
tempos do compasso 14.No compasso 15, quase que intuitivamente a primeira e última
semicolcheiadecadatempounem-separaformarumamelodiaquealternaentrenotasme-
lódicascomopassagens,apojaturaebordaduras.Arealizaçãoempartituraseriaassim:
Figura23:Separaçãodosplanosdoscompassos13-16
Para finalizar, é possível identificar emToada duas seçõesbemdelimitadas, como
apontadoporMáriodeAndrade,dedezesseiscompassoscada.Ondeaprimeiraestánatô-
nicaMimenoreterminacomumamodulaçãoparasuatonalidaderelativa,SolMaior.Tam-
bémépossívelencontraraolongodapeçadiversasalusõesàs“baixarias”dosviolõesdos
chorosedasserestas,mesmocomapresençaconstantedeumanotamaisgrave,oqueaca-
baporreforçaressasugestãopolifônicanatexturadaobra.
EstesaspectosintrínsecosàobraToada,dizemnãoapenasdamúsica,masdaspráti-
caseinteressesdeMarcoPereira.Aobranãoéapenasumpasticheouestilizaçãodeumgê-
77
nerobrasileiro.Aidentidadeouapelonacionaldapeçaétambémconfirmadopelodiálogo
simbólicoemusicalqueapeçaestabelececomatradiçãodoviolãoclássicoedoviolãobra-
sileiro.Asescolhasdocarátereandamentodapeça,queevocaramessearsaudosodatoa-
da,foramressaltadasaoseremcolocadasemcontrapontocomasreferênciasexternasàpe-
ça.ApartirdapercepçãodaimportânciadasobrasdeBachparaaconstruçãobasedaobra,
podemosconfrontarnossapercepçãoparaasdiferençasdecaráterecontextoquetornam
estapeçatãobrasileiraquantoqualquertoadadeorigemfolclórica.
2.2.2FlordasÁguas
OpróprioMarcoPereira classificaFlordasÁguasnoencartedoseudiscoOriginal
(2003) como “uma valsa brasileira emum tempo; uma valsa rápida quemarca apenas o
primeirodostrêstemposqueacompõem.Foiescritaem1989efoiinspiradaemumapeça
deAgustinBarrios”64.Aindanestepequenotexto,Pereiradiztercompostoapeça“princi-
palmentesemum“desenvolvimentoracional”.
Aquicabemalgumasconsideraçõessobreotermo“valsabrasileira”quePereirauti-
lizacomogênerodesuaobra.Avalsa,mesmosendoumgênerodeorigemfrancamenteeu-
ropeia, sepopularizounotavelmentenoBrasil.Emsuapesquisa “CircularidadeCultural e
Nacionalismonas’12Valsasparaviolão’deFranciscoMignone”,de1995,Barbeitas(1995)
traça,alémdeumpanoramahistóricosobreasorigenseuropeiasdavalsa,umhistóricoda
valsanoBrasil.Nessehistórico,explicacomooschorõeseseresteirosincorporaramavalsa
àssuaspráticasnoiníciodoSéculoXX,moldandooquemaistardeviriaaseravalsabrasi-
leira.
ÉdeespecialinteressearelaçãocíclicaqueencontramosentreBarrioseMarcoPe-
reira.Comovimosnocapítuloanterior,AgustínBarriosteveumimpactoprofundodentro
docenáriomusicaleviolonísticobrasileiro.Barriosviajoupordiversascidadesbrasileiras,
teve contato commúsicos brasileiros e chegou a escrever peças em estilo brasileiro. Ao
mesmotempo,porcontadapopularidadealcançadapeloparaguaioduranteasturnêsem-
64Textooriginal:“ThisisaBrazilianwaltzinonetempo;aquickwaltzthatpulsesonlyonthefirstofthethreebeatswhichcomprise it. Itwaswrittenin1989andwasinspiredbyapiecebyAgustinBarrios”.(PEREIRA,2003,traduçãominha).
78
preendidasnoBrasil,suaobraalcançougrandepopularidadeentreosviolonistasdestepa-
ís.InteressantenotarqueIsaíasSáviojáhaviaeditadoalgumasobrasdeBarriosnoBrasile
oviolonistaGeraldoRibeirojáhaviagravadoumdiscocomobrasdeBarriosantesdolan-
çamentodofamosodiscodeJohnWilliamsnosanos70.Destaforma,podemosdizerqueas
obrasdeBarriostambémajudaramaformarpartedorepertóriodeidiomatismosdeparte
dosviolonistasbrasileiros,comoMarcoPereira,quefoialunodeSávio.Eissoserefleteem
FlordasÁguas,comooprópriocompositordavalsadeixouclaroemseudepoimento.
AobradeBarriosquePereirausoude“matériaprima”foiaValsaOp.8,nº3.Estaé
umavalsaaoestilodeChopin,natonalidadederémenor,comummaterialmelódicocarac-
terísticoqueserepetenodecorrerdaprimeirapartedessavalsa.MarcoPereiraseapropria
dessacélulamelódicaexplicitamenteparaconstruirasduasseçõesdeFlordaÁguas.Outras
similaridadesemergememoutraspartes,masa intencionalidadedelasnãopossoafirmar
comsegurança.Entretanto,éinteressantenotarque,deformaconscienteouinconsciente,
MarcoPereiraconseguiuextrairdeumaseçãodamúsicadeBarrios,materialdebaseparaa
suaprópriamúsica.
Figura24:TemadaValsaOp.8,Nº3(compasso10)deAgustínBarrios
Expus apenas os compassos acima paramostrar comoMarco Pereira trabalha, no
começodesuaobra,nãoapenasabordadura,mastodoogestoqueBarriosconstróitam-
bémnasuavalsa,numatoclarodeapropriação.
79
Figura25:VersãodomesmotemanosprimeiroscompassosdeFlordasÁguas
Nessaapropriação,MarcoPereiratrabalharátrêsnuancesinteressantesquediferem
dascaracterísticasdavalsadeBarrios,demonstrandooatodeapropriaçãocomodescrito
porBurke,ondeocompositorretirouomaterialquelheinteressavaeoadaptouàsuaprá-
ticaespecífica.
Omaterialdeinteressefoi,evidentemente,operfilmelódicoeaestruturafraseoló-
gica.TantoBarriosquantoPereirainiciamamelodianoquintograudaescala(anotalá,em
BarrioseanotamiemPereira)eseutilizamdabordadurasuperiorparacriarumcaráter
obsessivode repetição.Essa repetição conduzaumaescaladescendenteque se iniciano
quintocompasso,ondepodemosobservarumapequenainfluênciajazzísticaquediferencia
umaescaladaoutra.EnquantoaescaladeBarriosémaistradicionalnotratamentométrico,
MarcoPereirautilizaumdeslocamentoapartirdasegundacolcheiadocompassoseis.Esse
deslocamento,realizadopormeiodeligadosdescendentes,acentuaocontratempoerealça
ointervalodesegundamenorentrecadanotaagrupada.
Aharmoniaexerceumduplopapelnestaapropriação.Se,porumlado,eladelineiaa
construçãofraseológica,poroutro,énaconstruçãoharmônicaquesedáamaiordiferença
entreBarriosePereiranestapassagem.Constata-seumaforteinfluênciadoJazz,comuma
harmoniacarregadadenotasadicionaisequefogeaosimplesencadeamentotriádicotradi-
cional da valsa brasileira. Rafael Thomaz (2011) enfocou o trabalho harmônico feito em
FlordaÁguas,edemonstroucomoPereiraseutilizadoacréscimodesétimas,nonasedé-
cimas terceirasemvoicings típicosdo Jazz.Aqui,entretanto,mecabeexporasdiferenças
80
nessetratoharmônicoemcomparaçãocomBarrios,evidenciando,maisumavez,econfir-
mandoainfluênciaJazzísticanestaobra.
Figura26:Encadeamentodoscompassos10-17daValsaOp.8,Nº3
Ambosostrechosseconduzemaumafrasequeseinicianosegundograudastona-
lidadescorrespondentes.AharmoniadeBarriosnestetrechoétotalmentediatônica,seuti-
lizandoapenasdosacordesbásicoscaracterísticosdomodomenor(i,Veii).Jáoencadea-
mentoharmônicodeFlordasÁguasémaiscromáticoevisitaregiõesdistantesdatonalida-
deoriginal.NotamosqueosegundoacordedoencadeamentoéumG#713queé,naverda-
de,umadominantedoC#mpresentenatonalidade.Emseguida,eleapresentaumG7que
nãoéumacordediatônico,poisfuncionacomoumSubVparaoacordedeF#7queéado-
minantedosegundograu(Bm).
Figura27:Encadeamentoharmônicodoscompassos1-8deFlordasÁguas
EsseencadeamentoharmônicoéconstruídodeformaidiomáticaporMarcoPereira
apartirdaconduçãocromáticadosbaixos,queseinicianatônicalá(quintacordasoltado
violão)eseencerranomi(quartacordadoviolão).Noentanto,essaconduçãomelódicados
baixoséparcialmenteofuscadajustamenteporessedeslocamentonoregistrodobaixoen-
treosbordõesdoviolão.Oqueacontecenessapassagemserepeteemváriaspartesdamú-
sica, a melodia passa a ocupar a tessitura do baixo e, eventualmente o inverso também
acontece.
81
Figura28:Baixosqueseintegraàmelodiacompassos9-15deFlordasÁguas
Nacontinuaçãodapeça,ondesãoapresentadasas“baixarias”reminiscentesdocho-
ro,tambémapontadasporThomaz65seobservaqueobaixoqueseinicianofinaldocom-
passo12acabaseresolvendocomomelodianocompasso15.Istoéalgocomumempeças
deviolonistaspopulares,ondeograude idiomatismoéextremamentealto.Podemosob-
servarissoempeçasdeJoãoPernambucocomoSonsdeCarrilhões.
Figura29:Melodiaqueseintegraaosbaixoscompassos29-31deSonsdeCarrilhões,deJoãoPernambuco
SãoemtrechoscomoestesqueaafirmaçãodeMarcoPereirasobreadensidadede
suasobrassefazclara.EnquantoasobrasdecompositorescomoJoãoPernambuco,Diler-
mandoReiseCanhoto, ligadosexclusivamenteàspráticasdamúsicapopular,apresentam
umgraude idiomatismoqueacabase sobrepondoà clareza textural, asobrasdePereira
caracterizam-se por umamaior clareza desse parâmetro. Entretanto, justamente por ser
umapráticaidiomáticadoviolão,émuitonaturalquePereiralancemãodessemecanismo
técnico-musicalparajogarcomessetipodeambiguidadeinerenteaoinstrumento. 65ANDRADE,2006,p.53.
82
Pormeiodasanálisesdestasduaspeças,foipossívelidentificarcomoMarcoPereira
dialogacomdiversastradiçõeseidentidades,sejamelasadoviolãobrasileiro,adoviolão
jazzistaouadoviolãodeconcerto.Vimostambémcomoaformaçãocomoinstrumentista
clássicotemumpapelpreponderantenaconstruçãodasmesmasenãoserestringeapenas
àssuaspráticasdeperformanceaovivo,umavezqueosmateriaisdealgumasobrassão
diretamente derivados de obras de autores damúsica de concerto. Aomesmo tempo ele
trabalhaemumuniversoquedialogacomatradiçãomusicalbrasileiraestabelecida,atra-
vésdegêneroseformaspopulares.
2.3RockeVanguardaemAnkhdeRobertoVictório
RobertoVictórioé,semdúvidas,umexemploàpartenestetrabalho.Nãosóéativoe
profícuocomocompositor,comotambématuacomointérpreteedivulgadordesuasobras,
alémdeagitadorculturalpromovendoamúsicadevanguardaemCuiabáecomoprofessor
e acadêmico dentro da UFMT. Demaneira tal que émuito difícil separar essas diversas
identidadesquecaracterizamRobertoVictóriodentrodocenáriomusicalbrasileiro.Ainda
queamaiorpartedesuaatuaçãocomoperformersejadedicadaàregênciaouaoviolonce-
lo,RobertoVictórioétambémviolonista,tendoestudadocomJodacilDamascenonoRiode
Janeiro,tendoplenodomínioeconhecimentodoscaminhosdoinstrumento,oquefazcom
quesuavastaobraparaviolãosejaextremamentebemescritaeidiomáticanoinstrumento.
Dentrodocontextodestetrabalho,Victórioéumaespéciederepresentante(ouher-
deiro) das VanguardasModernas iniciadas com Koellreutter. Suamúsica está escrita em
umalinguagemmuitodiferentedetodasasoutrasqueanaliseianteriormente.Semdúvidas,
buscasemprealongareampliaroslimitesdalinguagemmusical.Entretanto,aprópriaobra
deRobertoVictórioqueanalisarei,podeserenquadradaemumaperspectivadiferente,ar-
risco a dizer, verdadeiramente pós-moderna.De forma queAnkh não é umamúsica com
uma linguagematreladaunicamenteaos ideaisdamúsicadevanguardaouexperimental.
Elafazusodoselementosquesãooriundosdeumgêneroqueéraramenteligadoàidenti-
dademusicalbrasileira:oRock.
NaspalavrasdePaulodeTarsoSalles:
83
Consideramos válida a proposição de um modelo aproximado ao de Ramaut-Chevassus(1998))ondeopós-modernismoépercebidomaiscomoumconceitochavedoquepropri-amentecomoaeclosãodeumestiloespecificamentemusical.Daíresultaquesobachancelade‘pós-modernismo’estãoagrupadastendênciasmusicaisdenaturezatotalmentediversa.(SALLES,2005:160)
ComoumexemplomaisamplodissodentrodaobradeVictório,citoseutrabalhode
pesquisadamúsicadaetniaBororonoMatoGrosso,queresultouno livro“MúsicaRitual
Bororo e oMundoMítico Sonoro”. Como resultadomusical, suas pesquisas o levaram a
comporaTrilogiaBororo,umasériedetrêspeçasdecâmaraonde,alémdeutilizarelemen-
tosgravadosnaprópriatriboBororoetrabalhadosemformaeletrônica,Victóriotambém
lançamãodosprópriosinstrumentosétnicosdatribo.Estefazermusicalé,emsimesmo,já
algodiferenciadodentrodaproduçãomusicalbrasileira.Aomesclarotrabalhodepesquisa
musicológicodepovosindígenasbrasileiros,práticaquedialogaedesenvolve,decertama-
neira,ospreceitosnacionalistas,emesclaresseselementoscomaspráticasdamúsicade
Vanguarda, como a eletroacústica e o atonalismo, Victório estabelece um diálogo que se
adiouduranteanosnaproduçãomusicalbrasileira,entreatradiçãoindígenaeamúsicade
Vanguarda.DemaneiraqueseconcluiqueVictórioaproveitaaomáximoosdiferentesma-
teriaismusicaisaquetemacessoparaconstruirasuamúsica.
2.3.1Ankh
TantooRockquantoamúsicadeVanguardaforam,cadaumàsuamaneira,tratados
comoaquiloqueGuilhermeNascimentochamademúsicamenor66.Referindo-seàmúsica
devanguarda,oautorexpandeoconceitodeliteraturamenordeFranzKafka,etratanãoa
músicamenorenquantoqualidade,masmenornosentidodolugarqueessasmúsicasocu-
pam frente ao que está instituído. No cenário musical brasileiro, Nascimento enfoca os
compositoresnascidosapós1950equeteriamcomeçadosuasatividadesnofimdosanos
80,cuja“produçãoencontra-se,namaiorpartedoscasos,ausentedasrádios,TV’s,livrose
lojasdediscoalémdeconfinadaaencontrosespeciaisdestinadosàsuaapreciação”.67Para
Nascimento,amúsicadominantenoBrasiléaMúsicaPopularBrasileira,seguidadaMúsica
66NASCIMENTO,2005.67NASCIMENTO,2005,p.56.
84
PopularAmericana.Defato,essasensaçãodeNascimentoécorroboradapelosfatoshistóri-
cosesociaisdamúsicanoBrasil.
Entretanto,essepredomínio,especialmentedacançãopopularbrasileira,nãodeixou
deexcluiroutrosgênerosdemúsicafeitosnoBrasil. IdelberAvelarapontaparaaposição
periférica–poderíamosdizermenor–naqualoRock,maisespecificamenteoHeavyMetal,
seencontravanasociedadebrasileira“esmagadoestéticaemoralmentepeladireitaecultu-
ralepoliticamentepelaesquerda,oHeavyMetalsemprefoiintensamenteinterpeladopor
demandasconflitantesdeadvindasdevárioslados”68.
Noartigocitado,AvelartraçaumhistóricodabandamineiraSepulturaedetodosos
valoressimbólicosqueelatevequeenfrentardentrodosdebatesculturaisbrasileirosaté
conseguir se firmarcomoumabandabrasileira.EmdireçãoconcordantecomadeNasci-
mento,Avelardizqueoescopoderitmosegênerosconsideradosbrasileirosiadesdegêne-
rostradicionaiscomoSambaeChôro,passandoporritmoscomoMaracatuechegandoao
BRockdebandascomoosTitãseLegiãoUrbanaejuntoscompunhamorótulodaMPB.En-
tretanto,ouvintesemúsicosdeHeavyMetalquenãoseidentificavamcomnenhumdosou-
trosficavamexcluídosdanarrativadaMPB.ParaAvelar,o
Sepulturadenunciouoconceito(deMPB)emsuatotalidade.Aosimplesmentene-garorótulo,eles,naprática,expuseramasua(dorótulo)falsauniversalidade,suadependência em uma exclusão prévia, sua confiança em uma abjeção instituída(Avelar,2003:342)
Interessante notar, contudo, que no Brasil acontece um dos maiores festivais de
Rockdomundo,oRockinRio(iniciado,curiosamente,em1985períodoqueAvelarchama
de“revoluçãodoHeavyMetal").Portanto,deumamaneiradiferente,oRockmaispesado
tambémfoicolocadoemumlugardemúsicamenor,necessitandosemprecombateresele-
gitimar,comofezoSepultura.DessamaneiraseamúsicadeVanguardanãotemespaçope-
loisolamentoemrelaçãoaopúblico,oRocknãotinhaoendossamentointelectualbrasilei-
ro.
Ankhéumamúsicacheiadesimbolismos,acomeçarpelonome.Ankhéumantigo
símboloegípciogeralmenterelacionadocomavitalidadeecomavidaapósamorte.Esse
68AVELAR,2003,p.330.
85
símbolofoiusadoporváriasbandasdeRock,principalmentenosanos70.AindaqueAnkh
nãosejaumamúsicaquecontempleatotalidadedascaracterísticasqueogêneroRockcon-
templa,comoasdistorçõesdasguitarraseopesodabateria,podemosdizerqueestaho-
menagemqueVictórioprestaaoRock,nomínimo,trataderefletirváriosdosaspectossim-
bólicostantonassuasdescriçõesdecarátercomonosefeitossonorosindicados.
Emsuadissertaçãodemestrado,ANDRADA(2013)traçaumperfilsimbólicodoHe-
avyMetalapartirdedepoimentosdedoisjovensadmiradoresdogênero.Emumcertopon-
to,Andradaapontaosignificadoextramusicaldogênero,ondeapesquisadoraafirmaque
“oheavymetaltransgrideamúsicaesetornaummododevidanoqualseprocuraviverao
máximodeummodoquesugereliberdade,coragemequebrasdelimites–sejamelespes-
soaisoudasociedadedeumaformageral.”69
OutroelementoimportantedentrodoHeavyMetalapontadoporAndradaéopower
chord(acordeconstruídoporsobreposiçãodafundamental,quintajustaeoitava).Estetipo
deacorde“éabasedometal,aomesmotempoquetambémseconfiguracomoumametáfo-
raparaomesmo,poistaltécnicatrazconsigoaarticulaçãodopoder,fatoresse,importante
ecrucialnaexperiênciadoHeavyMetal”.70
PortantooHeavyMetal,comooRockdemaneiramaisgeral,éumgêneroquesim-
bolizaaliberdadeeoempoderamentodaquelesquesesentemmarginalizadosemrelação
aostatuquo,eopowerchordéomaterialmusicalquesimbolizaesseidealcompartilhado.
Levandoemcontaqueesseacordeéextremamente idiomáticonaguitarraelétrica–eno
violão,quecompartilhadamesmaafinação–asuautilizaçãoeobrasparaviolãosoloéape-
nasumaquestãodeadaptação.
Apeçaestádivididaemduassessõescontrastantes,maisemtermosdecaráterdo
quedematerial, umavezqueeste é retiradodeumapequena frasede5 compassosque
aparecenomeiodasegundaparte.DeacordocomopróprioVictório,essematerialéremi-
niscentedaaudiçãodeumatrilhasonoracompostapor JimmyPage,guitarristadabanda
LedZeppelin,atravésdorádio.Omaterialéoseguinte:
69ANDRADA,2012,p.31.70WALSERapudANDRADA,2012,p.30.
86
Figura30:RifffazendoalusãoaobradeJimmyPage,sistemas24-26
Oiníciodomaterialapareceemvermelho.Comopodemosnotaréumapequenapar-
tecompostaprincipalmenteporpower-chordseumpedalnasextacordado instrumento.
Este riff fornece três tipos de intervalos que serão usados na construção das texturas e
harmoniasao longodapeça:asoitavas,quintasequartasque formamospowerchords;o
intervalodesemitomesuainversão,a7ªmaior,derivadodomotivodestacadoemverde;a
repetiçãodeummesmoacorde,comodestacadoemazul;e,finalmente,aoposiçãoentrea
subdivisãoternáriaebináriacomopodeserobservadoemtodootrecho.
Aprimeira seçãoocupaas trêsprimeiraspáginas (ou17primeiros sistemas) e se
caracterizapelousoconstantedeumamétricalivre.Aindaqueexistaumapequenasubse-
çãoondeamétricaéescrita,adisposiçãodosmateriaismefazacreditaremumaseçãoúni-
ca.Nestaprimeiraparte,jápodemosobservarapresençadepraticamentetodososmateri-
aisderivadosdaparáfrasequeVictóriofezdeJimmyPage.
87
UtilizareioprimeirosistemaparailustraralgumasformascomasquaisVictóriouti-
lizaesseselementos:
Figura31:1ºsistemadeAnkh
Inicialmente, emazul, já senotao intervalode semitomentreLáeLáb.AnotaLá
continuará por parte do primeiro sistema como pedal. O segundo quadro, em vermelho,
contémdoiselementos:ointervalodeoitavaearepetiçãodamesmaaltura.Jánoquadro
verde,observamosaconstruçãodeumpedalemquartascomosbordõesabertosdoviolão
(Mi, Lá, Ré) e um intervalo de semitom em intervalo harmônico de quartas paralelas
(Dó#/Fá#-Ré/Sol).Oquadroemamarelocontémumaconstruçãoharmônicaquederiva
dasobreposiçãodosintervalosdequartajustaede7ªmaior(inversãodasegundamenor).
Figura32:Acordebaseadonosintervalosde4ªJustae7ªMaior
Comosepodeobservar,oacordeéconstruídoapartirdobaixoFá,contendouma4ª
justa(Fá-Sib)euma7ªmaior(Fá-Mi),explicandoageraçãodointervaloharmônicodotrí-
tono entre Sib-Mi pela sobreposição desses dois intervalos a partir do Fá. Finalmente, o
quadroemroxoapresentaaconstruçãodeumaacordequartal.Ointeressantedestegesto,
88
équeanotamaisgrave,oMidasextacorda,seriaapróxima4ªjustaapósoSiagudodoúl-
timoacorde,formandoumainversãodeumacordequartal.
Dentrodaprimeiraparte,aoposiçãoentreapulsaçãoternáriaebináriaéarticulada
edesenvolvidadediversasmaneirasdiferentes.Comoporexemplonossistemas10e11.
Percebe-sequeaqui,apesardamétricaescrita,a ideiageraldepulsoémenosimportante
doqueaoposiçãoentreo3eo2,porvezescomdiferentesvaloresrítmicos(comotrêsfu-
sasseguidasdeduascolcheias,ouduascolcheiasseguidasdequiálterasdetrês).Noexem-
ploabaixo,osquadrosvermelhosrepresentamosgruposde3eosquadrosverdesosgru-
posde2.
Figura33:Oposiçãoentre2e3nossistemas10-11
Emseguida,nossistemas12e13,alémdessaoposiçãoobservamosumatexturaque
evocaopontilhismotexturaldasobrasdodecafônicasdeAntonWebern.
89
Figura34:Texturapontilhistaescritanossistemas12-13,deAnkh
Opróximoexemplodemonstraa ideiapontilhistaelaboradaemtrêssistemas.Per-
cebe-secomoostrêsplanostêmmotivossonorosbemmarcantesedistintosentresi.
Figura35:Escritadotrechoanteriorexpandidaemtrêsplanos
Asegundaseçãoseinicianosistema18.Omaterialutilizadoépraticamenteomes-
mo daquele usado na primeira parte. Entretanto, cabe tecer algumas considerações com
respeitoàconstruçãotexturaldestaparte.ÉinteressantenotarcomoVictóriorealizauma
sobreposiçãodeestratossonorosemdiversaspassagensdestaseção,Porexemplo,nopró-
priosistema18.
90
Figura36:RiffqueiniciaasegundaseçãodeAnkh(sistema18)
Estapassagempodeserdesmembradaemtrêsestratossonorosque,emborainde-
pendentessearticulamparacriaraoposiçãoentreapulsaçãoternáriaebinária.Doisdes-
sesplanossãopedais,ummaisgrave(comumpedalnobordãoMi),outrocompedalnoin-
tervaloharmônicode4ª justaentreRéeSol.Aoutrapartesemoveemquartasparalelas
caminhandoentreosdoispedais.Oexemploabaixoilustraessaseparaçãodosplanossono-
ros.Emboraindependentes,essesplanossearticulamparacriaraoposiçãoentreapulsa-
çãoternáriaebinária.
Figura37:SeparaçãodosplanosdoRiffdosistema18deAnkh
PoderiasefazerumaexaustivaanálisedetodasasformascomasquaisVictórioarti-
culouoselementosmatrizdestapeça.Há,porexemplo,váriasoutrasformasmaislivresda
oposiçãoternáriaebinária,outrasconstruçõesdetexturasinteressantesediversasinver-
sõesdeacordesdequartaquecriamharmoniasinteressantes.Entretanto,gostariadevol-
tarafalardosignificadosimbólicoquepodemosextrairdestapeça.
Nessesentido,Anhkestabeleceumdiálogoentredoisestilosmusicaisqueforamco-
locados,demaneirasdistintas,àmargemnosdebatessobreartebrasileira.Aomesmotem-
91
po,auniãodessesdoisgênerosdemúsicamenor,emAnhk,parecedevolveràmúsicacon-
temporâneadevanguardaopoderde comunicaçãoede compartilhamentodeambientes
comopúblico.
2.4“IssoéBossa-Nova?”:JobinianaNº3deSérgioAssad
SérgioAssadéumdosnomesmaisimportantesdoviolãobrasileirodasúltimasdé-
cadas.Alémdemanteruma intensaatividadenoduoquemantemcomseu irmão,Odair,
tambémécompositor,arranjadorefoiduranteváriosanosprofessordoConservatóriode
SanFrancisco,nosEUA.Comointérprete,principalmenteemduo,foimuitoassociadoàmú-
sicabrasileiraporsuasperformancesdearranjosdecompositorescomoEgbertoGismonti,
HeitorVilla-Lobos,HermetoPaschoal e, também,por sua relaçãopróximacomaobrade
RadamésGnattali.Tambéméresponsável,comovistonocapítuloanterior,porterorgani-
zadoumacoleçãonaeditorafrancesaHenryLemoine,onde,alémdesuaspeças,publicou
composiçõesdeMarcoPereira,MaurícioMarqueseNonatoLuiz.Aspeçasmaisrecentesde
SérgioAssadestãosendopublicadaspelaeditoracanadenseDobermannYppan.
Onúmerodesuaspublicaçõesparaviolãosolochegaacontar13títulos.Apenasa
Aquarelle eumadaspeçasque integraa suíteSummerGarden (Farewell) foramgravadas
emdiscosquetêmamúsicabrasileiracomotemáticaequeestão listadosneste trabalho.
OutrasobrasparaviolãosolodeAssadreceberamgravaçõesemoutrosregistros,entreos
quaissedestacaodoviolonistaAliékseyVianna,lançadoem2005peloseloGSP,ondefo-
ramregistradasaspeçasdeSérgioAssadquehaviamsidopublicadasatéentão–alémde
Aquarelle,ThreeGreekLetters,Sonata,3Divertimentos,FantasiaCariocaeJobinanaNº3.
ÉdifícilapontarprecisamenteummotivoparaoaparentesucessodeAquarelleem
detrimentodasoutraspeças.ThiagoOliveira,emsuapesquisademestradodefendidaem
2009,apontoualgumascaracterísticasquepodemajudaraentenderessapreferência.Entre
elas,ofatodeAquarelleconterumaforteinfluênciadarítmicabrasileiraeodeseraprimei-
raobraparaviolãosolocompostaporSérgioAssadmeparecempreponderantes,umavez
queosdesafiostécnicosdeAquarelleeJobinianaNº3aspeçasseequivalem.Semdúvidas,
JobinianaNº3guardaváriasoutrassemelhançascomAquarelleemtermosdematerialusa-
92
do.Amaneiradearticularessematerial,entretanto,podenãocorresponderàsexpectativas
queotítulodestapeçasugere.
JobinianaNº3fazpartedeumasériedepeçasemhomenagemaocompositorAntô-
nioCarlosJobim.SérgioAssadescrevenoencartedocddeAliékseyViannaqueestamúsica
éum“desenvolvimentodesua(deJobim)famosacançãoDesafinado”71.Consideroqueeste
éapenasopontodepartidadapeça,comoserádemonstrado.Épossívelencontrarinfluên-
ciasdo compositor cubanoLeoBrouwer edamúsica impressionista francesa (que Jobim
diziatambémterestudadomuito,comopodeserconstatadoemumaentrevistadopróprio
aoprogramaRodaVivadaTVCultura,em199372).
A canção Desafinado é uma das pedras de toque do movimento bossanovista e
exemploexaustivamenteusadodasofisticaçãomelódico-harmônicadogêneroedacapaci-
dademetalinguísticadasletrasoriundasdaparceriaentreTomJobimeNewtonMendonça.
OviolãoteveumpapelmuitoimportantenaBossa-Nova.OmusicólogoBrasilRochaBrito,
emartigocontidonolivroOBalançodaBossa,organizadoporAugustodeCampos,descre-
veassimopapeldoviolãonaBossa-Nova:
4. Interpretaçãoaoviolãooucongênere.Nopopuláriobrasileiro, comoemalgunsoutros, veio a surgir como tempoumaestilísticados instrumentosdessa família,porobrade instrumentistasdeescola.Entretanto,demodogeral, nosúltimos30anos, tais instrumentos foram relegados aumsegundoplano.ABN (Bossa-Nova)revalorizou-os. Isso se deve, principalmente, a JoãoGilberto, que surgiu em1958emnossocenáriomusical,cantandoetocandoviolão,conseguindonoinstrumentoefeitos nunca antes conseguidos no jazz ou qualquer outramúsica regional, queremnossopopulário.Aintroduçãodousodeacordescompactos,deelevadatensãoharmônica,amarcaçãodosbeatsemdefasamentoetc.,sedevemaeleefizerames-cola.(BritoinCampos,1960:34)
InteressantenotarnodiscursodeBritoumaobservaçãosobrea “revalorizaçãodo
violãoeoutrosinstrumentosdessafamília”pormeiodaatuaçãodeJoãoGilbertonomovi-
mentobossanovista.Comoexpostonoprimeirocapítulo,naprimeirametadedoséculoXXo
violãoeratidocomouminstrumentoligadoàmalandragemeàsclassesmaisbaixasdaso-
ciedade.Sepeloladocultural,issolhegarantiuaassociaçãoaumaamplagamadegêneros
damúsicabrasileira–ecomoconsequênciaostatusdesímbolodebrasilidade–doponto 71VIANNA,2005.72Somenteemversãodigital.Disponívelem:https://www.youtube.com/watch?v=DoVAdtnxse4&t=233s
93
devistadaestratificaçãosocial,issolhevaleuumaconotaçãonegativaqueorelegouàmar-
ginalidade.
É um lugar comum dentro do meio violonístico, mais especificamente do “violão
clássico”,acreditarqueareivindicaçãodalegitimidadedoinstrumentosedeupelosesfor-
çosapenasdeviolonistascomoAndrésSegóvia,NarcisoYepeseJulianBream.Entretanto,o
comentáriodeBritoapontaparaumadireçãoquetambémpodetercolaborado:umgênero
musicaloriundodaclassemédiacariocacontribuiuparaoreerguimentodostatussocialdo
instrumento.
2.4.1JobinianaNº3
Gostaria,nocasodestapeçadeSérgioAssad,proporqueaanálisesebaseienase-
guinteafirmaçãodeSantuzaCambraiaNavessobrealinguagemdeTomJobim.Apesquisa-
doraafirmaque“Tomsempresecolocouentreomínimoeomáximo,entreomodernoeo
modernista,porvezesmobilizandoasduasmodalidadesnormalmentevistascomoexclu-
dentesnumamesmaobra”73.Gostariadeexploraraoposiçãoentre“mínimo”e“máximo”e
dacaracterizaçãodeTomJobimcomoumartistaaomesmotempo“moderno”e“modernis-
ta”.
ParaNaves,TomJobimatuavacomoumartista“’moderno’prontoparacriarono-
vo”74aomesmotempoemquesealinhavacomartistasdoNacionalModernismoBrasileiro,
comoVilla-Lobos,aoterumaatituderenovadoraetambémdemonstrandoenormerespeito
pelatradiçãoquehaviasidoherdada75.Jáaideiade“mínimo”e“máximo”àqualserefere
NavesdizrespeitoànovaconcepçãosonoraqueaBossa-Novatrouxeemsuainterpretação.
Umaideiamaisconcretaeobjetivadaoposiçãoentre“mínimo”e“máximo”éexpostapor
Navesemoutrotextoaoexplicar:
Aformaorquestralquepassouaprevalecernaexecuçãodamúsicapopularapartirdofinaldosanos30,instituídaprincipalmenteporRadamésGnattaliePixinguinhacomobaseparaseusarranjosespetaculares-comoéocasode“AquareladoBrasil”- e caracterizadapelo usode umgrande conjunto de instrumentos é substituída
73NAVES,2015,p.144.74NAVES,2015,p.128.75NAVES,2015,p.128.
94
porumaformaçãocamerísticadeviolão,pianopercussãoebaixo.Edamesmafor-ma que a percussão é discreta, sem nenhum apelo ostentatório e suavizada peloempregodavassourinha,ousodavoztambémsecolocadeoutramaneira,substi-tuindoomodelovirtuosísticodatradiçãooperísticapeloprocedimentodedialogarcomoinstrumentomusical.(Naves,2010:p.26-27)
Portanto,paraNaves,oconceitode“mínimo”e“máximo”estáligadoàinstrumenta-
çãoeàmaneirade interpretaramúsicadaBossa-Nova,masnãosó.Apesquisadoratam-
bémapontaparaousoeconômicodemateriaisparaconstruirasmelodiasdealgumascan-
çõesdeJobimcomo“GarotadeIpanema”e“Corcovado”(Naves,2011),quenãodesenvol-
vemmuitoamelodiaepossuemumatessiturarelativamentepequena.
Maisespecificamentesobre“Desafinado”,Navesescrevequeestacanção
Permite,pelomenos,dois tiposde leitura:paraumouvidomenosatentoa inova-çõesmusicais, trata-sedeumacançãosentimental,emborase lidecomatemáticaamorosademaneiracool,irônicaesofisticada;paraalguémacostumadoàsexperi-mentaçõesjazzísticas,letraemúsica,emfrancainteração,remetemaexperimentosvanguardistas que violam os padrões convencionais da recepção musical. Porexemplo,nomomentoexatoemquesepronunciaasílabatônicadapalavra“desa-finado”,surgenoplanodamúsicaumacordeimprevisto,sendoanotaseguinteumsemitomabaixodoqueseriadeseesperar(umabluenoteparaempregaratermi-nologia jazzística). Assim, toda a passagem representa uma transgressão aos pa-drõesharmônicosdamúsicapopularconvencional.(Naves,2001:p.14)
Acreditoque,nacanção,apassagemàqualNavesserefere,naverdade,encontra-se
naprimeira fraseda versão gravadapor JoãoGilberto e que se encontra reproduzidano
exemploabaixo.Nota-sequeanotaesperada,comoapontadoporSantuzaCambraiaNaves,
é oRé, enquanto a queo ouvinte recebe é oDó#que, adicionado àharmonia, formaum
acordedeG7(#11).
95
Figura38:DuasprimeirasfrasesdeDesafinado,deTomJobim
DemaneirasimilaràqueRobertoVictóriotrabalhaemAnkh,SérgioAssadtambém
retiraomaterialmusicaldeumpequenotrechodeoutramúsica.Nocaso,setratadotrecho
acimaapresentadoeque foicomentadoporNaves.AdiferençaestáemqueSérgioAssad
nãose limitaráautilizarelementoapenasdeste trecho,oumesmoapenasdeDesafinado,
fazendoreferênciasaoutrasobrasaolongodapeça.
SérgioAssad,contudo,nãomoldasuapeçacomoumaespéciede“pastiche”ouem
homenagemexplícitaàTom JobimouàBossa-Nova.Oqueo compositor faz,naverdade,
deriva não apenas dosmateriais,mas das possibilidades que eles geram. Como exemplo,
gostariadefalarumpoucodalinguagemmelódico-harmônicanaqualAssadtrabalhaeque
estáligadaàspossibilidadesdoacordedetipologiaX7(#11).Estetipodeacordepermitea
utilizaçãodediversasescalas.NocontextodeDesafinado,esseacordeestáfuncionandoco-
moumadominantesecundária(V/V),coma11ªaumentadasendooriginadadaescalade
96
Sol Lídio.Outra possibilidadede escalas é aquela das chamadas escalas simétricas, entre
elasaescalahexatônica(oudetonsinteiros)easescalasoctatônicas(ou,comoconhecidas
nomeiodamúsicapopular“Dom-Dim”e“Dim-Dom”).Combasenessasopções,Assadcons-
trói,porexemplo,aprimeirapartedeJobiniana.
Figura39:EscalasLídiaeoctatônicasconstruídasapartirdanotaMi
Noseguintetrecho,épossívelencontrartodasessasescalas.Percebe-setambémque
háumapolarizaçãoquecolocaanotaMicomocentrotonal.Entretanto,Assadnãodefinese
estamos tratando de um centro tonal (oumodal)maior oumenor. Enquanto no quadro
vermelhoeleutilizatantooSolnaturalquantooSol#,nospróximosdoiscompassoseleuti-
lizaráapenasumououtro,criandoessasensaçãodeindefinição.
Figura40:Utilizaçãodasescalaslídicaeoctatônicasnoscompassos8-15,deJobinianaNº3
97
Essa indecisão(ou instabilidade) tonalé,porvezes, intercaladacomtrechosclara-
mentetonais.
Figura41:TrechoTonalnoscompassos30-33deJobinianaNº3
QuasetodososacordesnessapartefazempartedatonalidadedeMiMaior.Éinte-
ressantenotarcomoAssadutilizadiversascordassoltasparaadicionardissonânciasesus-
pençõesaalgunsacordes.Chamaaatençãoqueessesvoicingsdosacordesacabamcriando
uma sonoridade diferente daquela geralmente presente em músicas da Bossa-Nova que
costumamterumaconduçãoem“fôrmas”.
Asegundaparte,nocompasso88comumostinatoharmônico,fazumasutilreferên-
ciaàintroduçãodamúsica“ÁguasdeMarço”,deTomJobimeViníciusdeMoraes.Essain-
troduçãoétãoemblemáticaqueoguitarristaeviolonistaNelsonFariaaincluiunoseulivro
sobreritmosbrasileirosaoviolão.
Figura42:IntroduçãodeÁguasdeMarço,transcritaporNelsonFaria
98
EmJobinianaNº3essepadrãofoilevementealterado.Vejamosabaixo:
Figura43:Compassos88-100deJobinianaNº3
Essatransiçãoabrecaminhoparaatrocadousodasescalasoctatônicaspelasonori-
dadedaescaladetonsinteiros.Comoépossívelobservarnoseguintetrecho,aconstrução
destapartesedáapartirdeinversõesdoacordedeG7eG7(#11).
Figura44:SeçãobaseadanoacordedeG7(#11),compassos94-111,deJobinianaNº3
Osegundoacordeéjustamenteomesmotipodeacordedestacadonosegundocom-
passodeDesafinado.Tendocomobaseesseacorde,apartirdocompasso104inicia-seuma
frasequesebaseianaescaladetonsinteiroseéapoiadonessasonoridadequeAssadconti-
nuaaconduçãodapeçaparaofinal.
99
Diversasoutrascaracterísticaspoderiamserapontadasparadestrincharosmateri-
aisdeJobinianacomoastransposiçõesemintervalosdeterçaqueSérgioAssadusa,acria-
çãodediversospedaisqueajudamacriarumasensaçãodeestatismoeascitaçõesaoutras
obrasdeJobimeaobrasdocompositorcubanoLeoBrouwer.Entretanto,acreditoqueos
pontos destacados já sãomais que suficientes para entender como Sérgio Assad articula
elementosdamúsicadeTomJobimdeumamaneirainusitadaeparticular.
Naverdade,essaelaboraçãonãoapenasda linguagemdeTomJobim–compositor
que se tornou sinônimodemúsicabrasileira tantonacionalquanto internacionalmente –
mas também de um gênero que teve como um de seus maiores intérpretes um cantor-
violonista,evitaoóbvioouoesperado.Assaddialogacomsuasmaioresinfluências,trans-
formandoessesmateriaismusicais,associadosaumgêneromuitasvezestaxadodecomer-
cial,emumapeçadensa,queraramenteatendeàsexpetativasdeintérpreteseouvintesem
suatotalidade.
Retornandoaos termosdeNaves (“moderno”/”modernista”, “máximo”/”mínimo”),
podemosperceberqueAssadexpandeaspossibilidadesdeummaterialrestritoparacom-
porumaobradefôlego,cominúmerasnuances.Essasnuancesprestamhomenagemaum
númeroamplodetradiçõesmusicais,ouidentidadesmusicaiscomasquaisAssadseidenti-
fica.Dessaforma,a“brasilidade”emJobinianaNº3nãopartedeumconjuntodeconcepções
préviassobreoqueéamúsicabrasileira.Elasefazreconheceraoidentificarasorigensda-
quelesmateriaisqueforamarticulados.Essabrasilidade“dissolvida”(decantada)evidencia
novasformasdeexpressarainfluênciadeelementosqueformaramumgêneroimportante
damúsicabrasileira,sem,necessariamente,referenciardeformaexplícitaouprevisível.
2.5“Sambadeoutraterra”:ElementosdoSambaemDanzaBrasilera,deJorgeMorel
Oargentino,radicadonosEUA,JorgeMoreléumviolonistaecompositorquefocoua
sua carreirana interpretaçãode suaspróprias obras.Hoje com86 anos,Morel teveuma
ativacarreiradesolistachegandoagravardiscospelatradicionalgravadorabritânicaDec-
ca.Elemesmodefineque“quemtemumbomouvido,percebequeparatocarMisioneraou
100
DanzaBrasilera, requer-seum treinamento clássico”76. GrandepartedasobrasdeMorel
sãobaseadasemritmosegênerosdemúsicapopular,aindaassimnolivro“TheMagnificent
GuitarofJorgeMorel:aLifeinMusic”(2007)Morelmostraumaatitudeumtantohostilno
queserefereafazeresmusicaisdemassa. Ocompositorcomentaodesinteressequetem
comrelaçãoagênerosurbanoscomoRapeRock.Nãoqueroestenderestesegmentosobre
as opiniões pessoais de JorgeMorel. Entretanto, quero, sim, apontar algumas influências
quefizerampartedaformaçãomusicaldocompositor.
Ficaclaronomesmolivroqueagrandepartedesuaformaçãomusicalfoiinformada
epreenchidapeloJazznorteamericano.ComoTinhorãoapontou,músicoscomoFrankSi-
natraeChetAtkinslançaramdiscosdeBossa-NovaeessessãoalgunsdosmúsicosqueMo-
relretratacomgrandeorgulhoterencontrado.NãoéextravagantesuporqueMoreltenha
absorvidograndepartedeseuconhecimentosobremúsicabrasileiradediscosqueregis-
travamapenasaquelasmúsicasquetiverammaiordestaquedentrodocenárioamericano.
2.5.1DanzaBrasilera
Éumdesafioperigosoquererapontarelementosestereotípicosemumacomposi-
ção.Analiso,àluzdoconceitodeestereótipo,umadesuasobrasmaisfamosasegravadas,a
DanzaBrasilera.Amúsicaemquestãoé incluídaemdiversosdiscoscomtemática latino-
americana,incluindoaíojáapresentadodiscoAireLatino,doviolonistaescocêsDavidRus-
sell,quevenceuoGrammylatinodemelhordiscodemúsicaclássicaem2004.
Éumapeçamuitobemconcebidaparaoinstrumento,queseutilizadediversosidi-
omatismoscomocampanellas,paralelismosecordassoltasparacriarumefeitointeressan-
teeexótico.Esseefeitoexóticoéalcançadopormeiodaestilizaçãoeapropriaçãodealgu-
mascaracterísticasdoSamba.Entretanto,nãopossodeixardefazerumacríticaaaspectos
muitorestritoseóbvioscomqueMorelseutilizadogênero.Ocompositorseutilizadecélu-
lasquesãorepetidastantasvezesecomtãopoucasvariaçõeseinteraçõesqueacabator-
nandopossíveltraçarumparaleloentreoconceitodeestereótipoexpostonoprimeirocapí-
tuloea formacomqueosmateriaismusicaissãoarticuladosnestamúsica. Istonãoéum
76 “Anybodywhohasanearmustunderstandthat toplay ‘Misionera’or ‘DanzaBrasilera’requiresclassicaltraining”.(Morel,2007,p.145,traduçãominha).
101
juízodevaloracercadamúsicae, tampouco,no tocanteàshabilidadesmusicaisde Jorge
Morel.Falareiumpoucodaobraparateceralgunscomentáriosposteriormente.
AsprimeirasimpressõesdeDanzaBrasileiraquepodemoslevantaréadeumapeça
escritaporumestrangeiro.Otítulo,evidentementeescritoemespanhol,aindicaçãodean-
damentoAllegro(TempodiSamba).Nestepontopercebe-sequeháumacordoentrecom-
positoreintérpretesobreocarátereandamentodeumSamba.
Acélulapadrãobásicaqueseráusadaaolongodapeçaéapresentadanaintrodução
daobra,nosquatroprimeiroscompassos.
Figura45:CélularítmicadoSambausadaporJorgeMorelemDanzaBrasilera
Essematerial sincopado – característico de diversos gêneros demúsica brasileira
comoSamba,Maxixe,ChôroeBossa-Nova–éapresentadoacimaemtrêsdiferentesvaria-
ções.Aprimeiraéaplicadasobreumaharmoniadiatônica,dentrodatonalidadedeláme-
nor.
Figura46:Progressãoharmônicadoscompassos4-12deDanzaBrasilera
Asduasfrasessãobemsemelhantes,comaprimeiraterminandonumapequenapo-
larizaçãodarelativamaior.Poroutrolado,senotaoextensousodeacordesdesétimaea
102
preferência por acordes em “bloco”, uma característica peculiar do acompanhamento da
Bossa-Nova,emespecialdeJoãoGilberto.OresultadofinaldeMorelétrabalhadopormeio
daantecipaçãodealgunsacordesnaumacolcheiadecadatempo,algoigualmentecaracte-
rísticodoacompanhamentodaBossa-NovaedoSamba.
Figura47:Construçãofinaldoscompassos5-12deDanzaBrasilera
Oquetemosacimaéoresultadofinal.Nota-seumcertoestatismonamelodia,cons-
truídabasicamentecomnotasrepetidasearpejossobreaharmonia.Aconduçãodobaixo
também é relativamente básica, com poucas inversões e privilegiando, principalmente, a
conduçãoporquintas.
Alémdepequenasvariaçõesrítmicas,oprincipalmecanismodevariedadequeMo-
relutilizaéatextura.ExisteumaevidenteintençãodeevocarumatexturadeBigBand.Po-
demosnotar isso comasharmoniasparalelasqueacompanhamamelodianosprimeiros
compassos, mas também em alguns procedimentos utilizados no trato da textura. Por
exemplo,apartirdocompasso53:
103
Figura48:Variaçãofeitanoscompassos53-60deDanzaBrasilera
Nota-se neste trecho comoMorel diminui o ritmodasmudanças harmônicas para
criarumasensaçãodemenormovimento.Elealiaissoàrarefaçãodadensidadetexturalao
arpejarosacordes.Percebanoexemploabaixocomoépossíveldividiressapassagemem
trêsdiferentesestratos:
Figura49:Expansãoemtrêssistemasdatexturadebig-banddoscompassos53-56deDanzaBrasilera
EsteexemploéapenasumadasformascomasquaisMorelcriacontrastesnapeça
sem,necessariamente,seutilizardemodulaçõesharmônicasououtrostiposdecontrastes,
sejamrítmicosoumesmomelódicos.
UmproblemaquepodeserapontadonapeçadeJorgeMoreléarepetiçãoconstante
dacélularítmicaapresentadanafigura45.Comosepodeobservar,éumacélulaqueéreti-
radada“batida”deJoãoGilberto.Praticamenteapeçainteirabaseia-senestematerial,com
pouquíssimasvariações.Levandoemcontaoteordiatônicodaharmoniaeaestruturação
104
melódica,arriscodizerqueMorel,nestapeça,optoumuitomaispeloexotismodassíncopes
brasileirasseencaixandonadefiniçãodeestereótipoquelanceimãonocapítuloanterior.
Evidentemente que se trata de uma peça de compositor estrangeiro que prestou
umahomenagemaoBrasil e, estaanálise,nãobuscaservirdecrítica sobreavalidadeda
mesma.Essejulgamentoquemdásãoosintérpretesemconjuntocomopúblico,eaquanti-
dadedegravaçõeseosucessoqueDanzaBrasileraalcançoucomambossãoprovasdesua
importâncianomeioviolonístico.
Para concluir esta análise,percebe-seque JorgeMorelutilizaummotivo rítmicoe
exploraaspossibilidadesdeconstruçãotexturalcomalgunscoloridosharmônicosquenão
se distanciam tanto da tonalidade original. Também vimos que ele utiliza extensões de
acordesou funçõesharmônicasquecriamumasensaçãoestáticaourarefeita,queécom-
pensadapelomovimento rítmico.Ou seja, háuma sobrecargada funçãoestrutural queo
ritmoetexturadesempenhamnestamúsica,deixandodeladooutroselementostípicosda
músicabrasileira comoasmodulaçõespara tonsvizinhos, que conferemumcontraste às
diferentessessõesdasmúsicas;ousodecontrapontosnosbaixos;oumesmoaconstruçãoe
variaçãodemelodias.
EmcomparaçãocomamúsicadeSérgioAssadanteriormenteanalisada,pode-sedi-
zerqueguardamsemelhanças.Entretanto,oestatismoemJobinianaserefletenousocons-
tantedepedaisrítmico-melódicoseemumaconduçãomelódicoharmônicaexpandida,pelo
usodeescalassimétricas.JáMorel,emumcontextotonal,seatémaumusomuitobásicoe
repetitivodefunçõesharmônicasdestoandodousonoSambamaistradicionalounaBossa-
Nova.
105
CONCLUSÃO
Serianatural,aofimdeumtrabalhocomoeste,cairnaarmadilhadeapontarsimila-
ridadesedistinçõesentreaspeçasa fimdecriarumanovanarrativadebrasilidade.Não
obstante,aspalavrasdopoetaFerreiraGullaremseutexto“Caráternacionaldaarte”apon-
tamparaumaformadeescapardessaarmadilha.
Emqueconsisteocaráternacionaldaarte?Émuitodifícildefini-loabstratamente.Dequalquermodo,deve-selevaremcontaquenãoexisteumaartenacionalaquese chegará fatalmente, cedo ou tarde, a partir de determinadas premissas que sepossamdefinirhoje;algoassimcomoumaentidade idealaserconcretizada.Não.Creio,pelocontrário,que,qualquerquesejaocaráterquevenhaaternofuturoaartebrasileira,seráantesoprodutodaimaginaçãocriadoradosartistas,desuaca-pacidadede formularemtermosdeexpressão individualavastae indeterminadaexperiênciaqueconstituinossaculturaplásticaepictórica.(Gullar,2006:p.83)
Evidentementequeocasodamúsicabrasileiraparaviolãonãoédiferente.Também
épossívelpensaraintervençãodeGullarnãoemtermosdofuturo,mas,sim,dotempopre-
sente.Ascaracterísticasdorepertórioviolonísticonacionalsãoaquelasqueseouvemcada
vezqueumacordadeumviolãoépinçada.Deformaqueseriainoportunonestetrabalho
criarcategoriasarespeitodo“repertóriobrasileiro”partindodeumrecortetãopequenoe
específico.Istoposto,aindaépossível,sim,repensaropapeldointérpretecomoumativo
criadoredifusordesentidosesímbolos.
Se porum lado ficou evidentequeo estereótipodemúsica brasileira foi gerado a
partir de uma articulação entre intérpretes, gravadoras e casas de publicação, por outro
podemoscolocaressefatoemperspectivaereorientarexpectativas.Duranteboapartedo
séculoXX,terumaobragravadaoupublicadaeraalgoquenãoestavaaoalcancedetodos.
Com isso, realizar umououtro se tornava, quaseque automaticamente, não apenasuma
maneiradedivulgarumamúsica,mas,também,umamaneiradelegitimar,deendossarde-
terminadasnarrativasedistinçõessociais.Semembargo,ocontextoatualdiferemuitoda-
quelequesetinhaatéofinaldosanos2000.
Acapacidadederealizarregistrossonoros“caseiros”ecomumaexcelentequalidade
aumentounamesmamedidaemqueacapacidadededivulgaçãoedistribuiçãodessemate-
rialtambémseabriuparaintérpretesecompositoresatravésdasmídiasdigitais.Platafor-
106
masdestreamingtornammaisfáciladifusãoglobaldeumagravaçãoeintérpretesnãopre-
cisammaissesujeitararestriçõeseexigênciascontratuaisdegravadorasedistribuidoras–
que,nocasodoviolão,sempreserestringiramapouquíssimos.Comojácitado,MarcoPe-
reiraéexemplodisso.Pormeiodeseusiteelevendesuasobrase,alémdisso,seusálbuns
estão, quase todos, disponíveis em plataformas de streaming como o Spotify. Há ainda o
exemplo do também já citado Concurso Novas, que não faz restrição ou distinção entre
obras“populares”,“eruditas”,“devanguarda”ou“regionalistas”.
Nãosetratadeignorarojáconsolidadocânonedamúsicabrasileira.Essaseriauma
tarefaqueasprópriasobrasanalisadasaquirefutariam.Oqueessesobjetosdeestudocor-
roboraméaideiadeque,mesmoprestandotributoerespeitoàtradiçãomusicalbrasileira
épossívelpensaretrabalharessaherançadediversasformasdiferentes.Aindaqueestran-
geiro,RolandDyens realizou isso comparticular sucessoeprocurei apontarpormeioda
comparação comMadureira de se apresentarem essas diferenças de poéticas e estéticas.
UmparaleloparecidopoderiasertraçadocomJobinianaNº3easpeçasdeMarcoPereira
quepartilhamuma influênciadonichodaMúsicaPopularBrasileira– tantodas canções,
quantodoinstrumental.Porfim,aobradeRobertoVictóriopermiteexpandirapercepção.
Assimsendo,cabeanós,intérpretes,sermossensíveiseperspicazesnamaneirade
encararmosaconstruçãodosrepertóriosenossasinterpretações.Nãosetratamaisdeele-
varoviolãoaumcertostatusdereconhecimento,oudedemonstrarperíciastécnicasfasci-
nantes.Nobresquesejamessasmetas,opúblico–eocontexto–pedemhojepormensa-
gensdediversidadeseporopçõesdeabordagens.
Deixo aqui, por fim, alguns questionamentos para futuras pesquisas: como são os
repertórios brasileiros de regiões tão esquecidas nos trabalhos acadêmicos, – uma falha
destapesquisatambém,infelizmente–comooNorteouoCentro-Oestedopaís?Queoutras
formasdeidentidadesearticulam?Ecomoelasserelacionamcomanarrativadabrasilida-
de?Comcertezanãoconseguiriaresponderaestasperguntas todasnoespaçodestapes-
quisa,massãocaminhosqueprecisamsertrilhadosparamelhorentenderessemosaicodi-
versoqueéaculturabrasileiraumavezque“otodoimaginadoédefatomaisirrealdoque
asomadaspartes”77.
77SCHWARTZapudBAUMAN,2005.
107
REFERÊNCIASReferênciasdetexto:ANDRADA, LúciaVulcanode.Wewhoare not as others: análise de noções de violência nomoshapartirdoHeavyMetal.2013Dissertação(MestradoemMúsica).UFMG,BeloHori-zonte,2013.ANDRADE,Máriode.Ensaiosobreamúsicabrasileira.4.ed.BeloHorizonte:Itatiaia,2006.AVELAR,Idelber.HeavyMetalinpostdictatorialBrazil:Sepulturaandthecodingofnationali-tyinsound.Journaloflatinamericanculturalstudies.Vol12,Nº3,2013.pp.329-346BARBEITAS,Flavio.Música,culturaenação.Artefilosofia.OuroPreto,n.2,p.127-145,janei-ro,2007.________________.CircularidadeCulturalenacionalismonasdozevalsasparaviolãodeFranciscoMignone.1995.143pp.Dissertação(MestradoemMúsica)UFRJ,RiodeJaneiro,1995.________________.Oviolão“emtrânsito”:entresímbolodebrasilidadeeveículodaglobalizaçãomusical.Textomanuscritoemviasdepublicação.BARTOLONI, Giacomo.Violão:O instrumento da alma brasileira. 1a. Ed. Curitiba: Prismas,2015.BAUMAN,Zygmunt.Cultureinaliquidmodernworld.1st.ed.[S.l.]:PolityPress,2011.________________.Identidade:entrevistaaBenedettoVecchi.Trad.CarlosAlbertoMedeiros.RiodeJaneiro:Zahar,2005.BEAVERS.Sean.HomageinthesologuitarmusicofRolandDyens.2006.Tese(DoutoradoemMúsica).Tallahassee,FloridaStateUniversity/CollegeofMusic,2006.BHABHA,HomiK.OLocal da cultura.Trad.MiryamÀvila, ElianeLourençodeLimaReis,GláuciaRenateGonçalves.2ªed.BeloHorizonte.EditoraUFMG,2013.BURKE,Peter.CulturalHibridity.1st.ed.[S.l.]:PolityPress,2009.BRITTO,BrasilRocha.BossaNova.InCAMPOS,Augustode(org).Balançodabossaeoutrasbossas.5ªed.SãoPaulo:EditoraPerspectiva,2012,p.17-40.CARDOSO,ThomasFontesSaboga.Umviolonista-compositorbrasileiro:Guinga.Apresençadoidiomatismoemsuamúsica.2006.Dissertação(MestradoemMúsica).UFRJ,RiodeJanei-ro,2006
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112
Discog-DiscografiadeTuríbioSantoshttps://www.discogs.com/artist/1928057-Turibio-Santos(acessoem:15jun.2017)DiscosdoBrasil-Basededadosdadiscografiabrasileirahttp://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/indice.htm(acessoem:30jun.2017)HenryLemoinehttps://www.henry-lemoine.com/en(acessoem:30jun.2017)MelBayPublicationshttps://www.melbay.com(acessoem:30jun.2017)MilosKaradaglic-páginadoartistanositedagravadoraDeutscheGrammphon.http://www.deutschegrammophon.com/en/artist/karadaglic/biography(acessoem:15jun.2017)ZANON,Fábio.ProgramaViolão:MarcoPereira.Disponívelemhttp://vcfz.blogspot.com.br/2007/04/66-marco-pereira.html(acessosrealizadosentrede-zembrode2016eabrilde2017)
113
APÊNDICE1-LISTASDEPARTITURAS
HenryLemoine
Autor
Título
Editor/Transcritor
1. SérgioAssad 3GreekLetters Autor2. SérgioAssad Aquarelle Autor3. SérgioAssad JobinianaNº3 Autor4. NonatoLuíz SuiteSextaRé Autor5. CelsoMachado ToadasBrasileiras Autor6. CelsoMachado Choroso Autor7. CelsoMachado ChorataBrasileira Autor8. CelsoMachado FrevoBajado Autor9. CelsoMachado Ponteado Autor10. MaurícioMarques ImpressõesBrasileirasNº1 Autor11. MarlosNobre EntradaetTango RobertoAussel12. MarlosNobre Reminiscências,Op.78 RobertoAussel13. MarlosNobre Rememórias,Op.79 RobertoAussel14. HeitorVilla-Lobos BachianasNº5:I.Ária
(Cantilena)RolandDyens
15. Vários(CelsoMa-chado/PaulinhoNogueira/HamiltonCosta)
3BrazilianMasters CristinaAzuma
Melbay/Chanterelle
Autor Título Editor/Transcritor
1. LaurindoAlmeida TheCompleteLaurindoAlmeidaAnthologyofGui-
tarSolos
RonPurcell
2. LaurindoAlmeida Soledad Autor3. EdmarFenício FamousChôros,Vol.3 Autor4. Garôto 3Chôros LaurindoAlmeida5. RadamésGnattali 10Studies Autor6. RadamésGnattali 3ConcertStudies Autor7. RadamésGnattali Saudades LaurindoAlmeida8. RadamésGnattali AlmaBrasileira RaphaelRabello
114
9. AntônioCarlosJo-bim
JobimforClassicalGuitar PauloBellinati
10. JoséAlbertoKaplan Sonatina ÁlvaroPierri11. HonorinoLopes LínguadePreto GianniPalazzo12. ErnestoNazareth GuitarSoloAnthology FlávioHenriqueMedei-
ros/CarlosAlmada13. JoãoPernambuco FamousChôros,Vol1 EdmarFenício/Turíbio
Santos/DilermandoReis14. HeitorVilla-Lobos OGinêtedoPierrozi-
nho/ModinhaAlbertoLage/IsaiasSávio
15. Vários AnthologyofPopularBra-zilianMusicofthe19th
Century
FlávioHenriqueMedei-ros/CarlosAlmada
ColumbiaC.O./EditionsOrphée/Bérben/d’Oz/Tonos/Margaux
Autor Títulos Editor/Transcritor
1. SérgioAssad SeisBrevidades Autor2. SérgioAssad Imbricatta Autor3. SérgioAssad VariacionesSudamerica-
nasAutor
4. SérgioAssad SuiteBrasileiraNº3 Autor5. SérgioAssad SuiteBrasileiraNº4 Autor6. SérgioAssad ValsadeOutono Autor7. SérgioAssad Eli’sPortrait Autor8. SérgioAssad Sandy’sPortrait Autor9. LuizBonfá ManhãdeCarnaval Jean-MarieRaymond10. LuizBonfá ManhãdeCarnaval Cyrloud11. FranciscoAraújo VirtuosoWaltzNº1 Autor12. AlexandreEisen-
bergPrelúdio,CoraleFuga S.I.
13. CarlosAlbertoPin-toFonseca
7BrazilianStudies CarlosBarbosa-Lima
14. MozartCamargoGuarnieri
EstudosNº2eNº3 AngeloGilardino
15. JoãoPernambuco SonsdeCarrilhões SophoclesPappas16. FranciscoMignone 12StudiesVol.1 CarlosBarbosa-Lima17. FranciscoMignone 12StudiesVol.2 CarlosBarbosa-Lima18. RonaldoMiranda Appassionata FábioZanon19. ErnestoNazareth TheMusicofErnestoNa-
zarethMarcTeicholz/SérgioAs-
sad20. BadenPowell Songbook.Vol.1 KurtKoch/WilfriedSen-
115
ger21. BadenPowell Songbook.Vol.2 IvoCordeiro/Bernard
Stahl22. BadenPowell Songbook.Vol.3 FábioShiroMonteiro23. JoséAntôniode
AlmeidaPradoSonateNº1 DagobertoLinhares
24. JoséAntôniodeAlmeidaPrado
Poesilúdio DagobertoLinhares
25. NicanorTeixeiraValsinhas,PreludioseEs-
tudos[S.I.]
26. HeitorVilla-Lobos ChôrosNº1 SóphoclesPappas27. Vários(Anônimos) TenBrazilianFolkTunes IsaíasSávio/CarlosBarbo-
sa-Lima
116
APÊNDICE2-LISTADECDSDEMÚSICALATINACOMCOMPOSI-
TORESBRASILEIROS
Osquadrosforamelaboradosparaquealgumasinformaçõesficassemclaras:artista,
títulodoálbum,gravadoraeanodelançamento.Foramlistadasapenasaspeçasdecompo-
sitoresbrasileirosouqueremetamàalgumgênerodamúsicabrasileira,mesmoquecom-
postasporestrangeiros.
Artista/Título/AnodagravaçãoTuríbioSantos-ClassiquesD’AmeriqueLatine(Erato,1969)
Obrascomcaráterbrasileiro:HeitorVilla-Lobos:ChôrosNº1,Valsa-Chôro
Totaldefaixas:9
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros1 0
Artista/Título/AnodagravaçãoOscarCáceres-TresorsD’AmeriqueLatine(Erato,1977)
Obrascomcaráterbrasileiro:HeitorVilla-Lobos:ChôrosNº1,Valsa-Chôro,ChôrinhoAgustínBarrios:ChôrodaSaudade
Totaldefaixas:17
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros1 1
117
Artista/Título/AnodagravaçãoAngelRomero-ATouchofRomance(Telarc,1989)
Obrascomcaráterbrasileiro:AgustínBarrios:ChôrodaSaudade
Totaldefaixas:21
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros0 1
Artista/Título/AnodagravaçãoGeraldGarcia-LatinAmericanGuitarFestival(Naxos,1990)
Obrascomcaráterbrasileiro:JorgeMorel:DanzaBrasilera
Totaldefaixas:21
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros0 1
Artista/Título/AnodagravaçãoPepeRomero-LaPaloma:SpainandLatinAmericaFavorites(Phillips,1991)
Obrascomcaráterbrasileiro:HeitorVilla-Lobos:ChôrosNº1JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhões
Totaldefaixas:21
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros2 0
118
Artista/Título/AnodagravaçãoSharonIsbin-RoadtotheSun:LatinRomancesforGuitar(Virgin,1992)
Obrascomcaráterbrasileiro:TomJobimCaminhodoSolHeitorVilla-LobosMelodiaSentimental;EstudoNº8
Totaldefaixas:14
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros2 0
Artista/Título/AnodagravaçãoEduardoFernandez-LaDanza!:GuitarMusicfromLatinAmerica(Decca,1996)
Obrascomcaráterbrasileiro:HeitorVilla-Lobos:ChôrosNº1,SuitePopularBra-sileiraOscarLorenzoFernandez:VelhaModinhaAgustínBarrios:ChôrodaSaudade
Totaldefaixas:26
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros2 1
Artista/Título/AnodagravaçãoSharonIsbin-JourneytotheAmazon(Teldec,1997)
Obrascomcaráterbrasileiro:LaurindoAlmeida:HistóriadoLuarThiagodeMelloAHugforPixinguinha;CantosdoChefeNº2:UirapurudoAmazonas;LagodeJa-nauacá;CantosdoChefeNº1:AchamadadosVen-tos;ChôroAlegre;CavaleirosemArmaduraIsaíasSávio:Batucada
Totaldefaixas: Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros
119
17 2 1
Artista/Título/AnodagravaçãoManuelBarrueco-CantosyDanzas(EMI,1997)
Obrascomcaráterbrasileiro:HeitorVilla-Lobos:BachianasBrasileirasNº5:I.ÁriaRadamésGnattali:DansaBrasileira
Totaldefaixas:18
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros2 0
Artista/Título/AnodagravaçãoRicardoCobo-LatinAmericanGuitarMusic(Naxos,2003)
Obrascomcaráterbrasileiro:DilermandoReis:SeElaPerguntar;PromessaMarcoPereira:Marta
Totaldefaixas:16
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros2 0
Artista/Título/AnodagravaçãoDavidRussell-AireLatino(Telarc,2004)
120
Obrascomcaráterbrasileiro:JorgeMorel:DanzaBrasileraAgustínBarrios:ChôrodaSaudadeDilermandoReis:SeelaPerguntar,XodódaBaia-naHeitorVilla-Lobos:ChôrosNº1GuidoSantorsola:ChôroNº1JoãoPernambuco:Reboliço,SonsdeCarrilhões
Totaldefaixas:21
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros2 3
Artista/Título/AnodagravaçãoDavidRussell-SonidosLatinos(Telarc,2009)
Obrascomcaráterbrasileiro:AgustínBarrios:MaxixeHectorAyala:ChôroArmandoNeves:ChôroNº2,ValsaNº3
Totaldefaixas:23
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros1 2
Artista/Título/AnodagravaçãoPabloSainzVillegas-Americano(HarmoniaMundi,2015)
Obrascomcaráterbrasileiro:HeitorVilla-Lobos:PrelúdiosNº1eNº3JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhõesLuízBonfá:PasseionoRio
Totaldefaixas:18
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros3 0
121
Artista/Título/AnodagravaçãoMilosKaradaglic-Latino(DeutscheGrammophone,2012)
Obrascomcaráterbrasileiro:JorgeMorel:DanzaBrasileraHeitorVilla-Lobos:Mazurka-Chôro,PrelúdioNº1IsaíasSávio:Batucada
Totaldefaixas:16
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros2 1
Artista/Título/AnodagravaçãoMilosKaradaglic-Canción(DeutscheGrammophone,2013)
Obrascomcaráterbrasileiro:JorgeBen:MasqueNadaAntônioCarlosJobim:GarotadeIpanemaHeitorVilla-Lobos:EstudoNº11,EstudoNº12,Ba-chianasNº5:I.Ária
Totaldefaixas:13
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros3 0
122
APÊNDICE 3 - CDs DEDICADOS EXCLUSIVAMENTE À MÚSICABRASILEIRA
Estesquadrosforamelaboradosdemaneirasemelhante.Entretanto,listamostodas
asfaixas,jáquesetratamdeálbunsquepretendemretratarumaimagemdoqueéamúsica
brasileira. Incluíeventuaiscompositoresestrangeiros,mesmoqueamúsicanãoremetaà
gênerostradicionalmentebrasileiros,jáqueosprópriosinterpretesasincluíramnosdiscos.
Artista/Título/AnodagravaçãoTuríbioSantos-MusiqueBresilienne(Erato,1976)
Repertório:• HeitorVilla-Lobos:SuítePopularBrasileira
(-ValsaChôro),ChôrosNº1• JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhões,Jon-
go(Interrogando)• MarlosNobre:MomentosNº1• EdinoKrieger:Ritmata• AlmeidaPrado:LivrePourSixCordes• Anônimo:TrêsCançõesFolclóricas
Totaldefaixas:11
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros5(+1Anônimo) 0
Artista/Título/AnodagravaçãoTuríbioSantos-ChôrosdoBrasil(Erato,1977)
Repertório:• JoãoPernambuco:Dengoso,Graúna,Póde
Mico,SonsdeCarrilhões,Interrogando• AlfredoMedeiros:ChôroTriste• NicanorTeixeira:CariocaNº1,CariocaNº2• Garôto:TristezasdeumViolão• DilermandoReis:DoutorSabe-Tudo,Ma-
goado,XodódaBaiana• AgustínBarrios:ChôrodaSaudade
Totaldefaixas:13
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros6 1
Artista/Título/AnodagravaçãoTuríbioSantos-ViolãoBrasil(Kuarup,1980)
123
Repertório:
• HeitorVilla-Lobos:5Prelúdios• ErnestoNazareth:Batuque,Floraux• HenriqueAlvesdeMesquita:BatuqueCa-
racterístico• DilermandoReis:TempodeCriança• Vários:Pout-pourride4CançõesFolclóri-
cas
Totaldefaixas:10
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros4(+1Anônimo) 0
Artista/Título/AnodagravaçãoSérgioAssad-MúsicaNovadoBrasil(Funarte,1981)
Repertório:
• LinaPiresdeCampos:PrelúdioeTocattina• MárcioCôrtes:Verdades• NestordeHollancaCavalcanti:SuíteQua-
drada• PedroCameron:Repentes• AlmaralVieira:DivagaçõesPoéticas
Totaldefaixas:20
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros5 0
Artista/Título/AnodagravaçãoTuríbioSantos-DansesduBrésil(Erato.1985)
Repertório:• LuísGonzaga:Pout-pourri(AsaBranca,Ju-
azeiro,Baião,AssumPreto)• RadamésGnattali:BrasilianaNº13• TuríbioSantos:PrelúdioNº3,PrelúdioNº4• HeitorVilla-Lobos:Valsa-Chôro,Prelúdio
Nº3,PrelúdioNº4• MarlosNobre:1ºCicloNordestino• ErnestoNazareth:Escovado,Tenebroso
Totaldefaixas:21
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros6 0
124
Artista/Título/AnodagravaçãoTuríbioSantos-OViolãobrasileirodeTuríbioSantos(Columbia,1989/1993)
Repertório:• Pixinguinha/BeneditoLacerda:UmaZero• Garôto:JorgedoFusa,ChôroTristeNº2,
LamentosdoMorro• TuríbioSantos:ValsaPagu• RadamésGnattali:PequenaSuíte,Brasilia-
naNª13• JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhões,Gra-
úna,Dengoso,Jongo(Interrogando)• LuizGonzaga:PoutPourri(AsaBranca,Ju-
azeiroeBaião)• LevinoFerreira:ÚltimoDia• Senô:DudanoFrevo• NelsonFerreira:Gostosão
Totaldefaixas:19
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros9 0
Artista/Título/AnodagravaçãoGeraldGarcia-BrazilianPortrait(Naxos,1989)
Repertório:• LuízBonfá:ManhãdeCarnaval,Passeiono
Rio• TomJobim:Wave,GarotadeIpanema,
SambadoAvião• IsaiasSávio:Serões,Batucada,SonhaIaiá• JoãoPernambuco:SenhodeMagia,Póde
Mico• HeitorVilla-Lobos:5Prelúdios,ChôrosNª1• LaurindoAlmeida:Braziliance• BadenPowell:RetratoBrasileiro,Deveser
Amor,CantodeOssanha• CelsoMachado:XarangadoVovô• Anônimo:3CançõesFolclóricas
Totaldefaixas:23
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros8(+1Anônimo) 0
Artista/Título/AnodagravaçãoPauloBellinati-GuitaresduBrésil(GHA,1990)
125
Repertório
• PauloBellinati:PulodoGato,CabraCega,AFuriosa,UmAmordeValsa, Lun-Duo,ValsaBrilhante, Modinha, Lenço Atrás, Jongo,BaiãodeGude
Totaldefaixas:10
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros1 0
Artista/Título/AnodagravaçãoPauloBellinati:Serenata:Choros&WaltzesofBrasil(GSP,1993)
Repertório:• PauloBellinati:ChôroSereno,UmAmorde
Valsa,ChôroSapeca,ValsaBrilhante,Cadên-cia,Contatos
• BadenPowell:ChôroparaMetrônomo• TomJobim:Luiza,Garôto(Chôro)• LaurindoAlmeida:Serenata• ArmandoNeves:BemRebolado(Chôro
Nº8)• DilermandoReis:SeelaPerguntar,Noite
deLua• RadamésGnattali:Chôro,Valsa
Totaldefaixas:14
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros7 0
Artista/Título/AnodagravaçãoTuríbioSantos-FantasiaBrasileira(Visom,1994)
Repertório• TuríbioSantos:SuiteTeatrodoMaranhão• Guinga:SeteEstrela,Sinuoso,IgrejadaPe-
nha,NítidoObscuro,VôAlfredo• L.M.Gottschalk:FantasiasobreoHinoNa-
cionalBrasileiro,Op.69• HeitorVilla-Lobos:SuítePopularBrasileira• AgustínBarrios:LaCatedral
Totaldefaixas:17
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros3 2
126
Artista/Título/AnodagravaçãoMarcoPereira-Elegia:VirtuosoGuitarMusicfromBrazil(Channel,1995)
Repertório:• MarcoPereira:SambaUrbano,Flordas
Águas,LadeiradeSãoRoque,Elegia,Bate-Coxa,Fantasiasobre“MulherRendeira”
• Canhoto:Imagem,ComMaisdeMil• Pixinguinha:Carinhoso• DilermandoReis:SeElaPerguntar• Garôto:Desvairada,JorgedoFusa• JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhões
Totaldefaixas:13
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros6 0
Artista/Título/AnodagravaçãoMáriodaSilva-NovaMúsicaBrasileira(Ind.,1997)
Repertório:• Garôto:LamentosdoMorro,JorgedoFusa• WaltelBranco:Argamassa,NinhodeCobra• JoséEduardoGramani:Pinho• RadamésGnattali:DançaBrasileira• EdinoKrieger:Ritmata• JaimeZenamon:TheBlackWidow• GuilhermeCampos:Desenvolvimento5• OctávioCamargo:Desafignado• NortonDudeque:Peçaparaviolão• ChicoMello:Dança
Totaldefaixas:12
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros9 1
Artista/Título/AnodagravaçãoGrahamAnthonyDevine-ManhãdeCarnaval:GuitarMusicFromBrazil(Naxos.
2004)
127
Repertório:• MarcoPereira:NumPagodeemPlanaltina,
Plainte,Pixaim,OChôrodeJuliana• LuízBonfá:ManhãdeCarnaval• HeitorVilla-Lobos:MelodiaSentimental• RonaldoMiranda:Appassionata• SérgioAssad:Aquarelle• JoãoPernambuco:Graúna,PódeMico,
SonsdeCarrilhões• TomJobim:GaroradeIpanema,Luiza• EgbertoGismonti:ÁguaeVinho• RaphaelRabello:SeteCordas
Totaldefaixas:17
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros9 0
Artista/Título/AnodagravaçãoMarcoPereira-ValsasBrasileiras(Garbolights/GSP,2000)
Repertório:• MarcoPereira:Marta,Plainte• Canhoto:ManhãsdeSol• Garôto:Desvairada• ErnestoNazareth:Eponina• ChicoBuarque/EduLobo:Beatriz• TomJobim:Luíza• TomJobim/ChicoBuarque:EuteAmo• Guinga:CartadePedra(IgrejadaPenha)• HélioDelmiro:EmotivaNº1
LeandroBraga:ValsaNegraTotaldefaixas:
10Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros
10 0
Artista/Título/AnodagravaçãoJoãoKouyoumdjian-Sufboard:SoloGuitarWorksfromBrazil(Pomegranate,
2013)
128
Repertório:• TomJobim:Surfboard,Garoto(Chôro)• JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhões• HeitorVilla-Lobos:PrelúdioNº5,Estudo
Nº8,ChôrosNº1• MarcoPereira:Bate-Coxa• Garôto:JorgedoFusa,GenteHumilde• ChicoBuarque/EduLobo:Beatriz• RaimundoPenaforte:Prelúdio,Zurraço• RichardCalderoni:Balaio
Totaldefaixas:13
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros8 0
Artista/Título/AnodagravaçãoFlávioApro-TheBrazilianGuitar(BrilliantClassics,2014)
Repertório:• JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhões• AlbertoNepomuceno:SuíteAntiga-Ária• ErnestoNazareth:Odeon• Garôto:Desvairada,Esperança• PauloBellinati:Modinha• RafaelAltro:Homenagem• LeoBrouwer:SonatadelCaminante• LuisBarbieri:ASantaCeiasegundoAthay-
de• EgbertoGismonti:DançadasCabeças
Totaldefaixas:10
Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros8 1
Artista/Título/AnodagravaçãoFlávioApro-OViolãoBrasileiro(DeliraMusic,2014)
Repertório:• AryBarroso:AquareladoBrasil• AlvinoArgollo:Garoto(ChôroNº3)• SérgioAssad:Aquarelle• Canhoto:AbismodeRosas• RadamésGnattali:TocataemRitmode
SambaNº1• UlissesRocha/SylvanoMichelino:Rua
Harmonia• MarcoPereira:NumpagodeemPlanaltina• PauloBellinati:Jongo• AntonioRibeiro:Toada
129
• DorivalCaymmi:PortoTotaldefaixas:
12Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros
10 0
Artista/Título/AnodagravaçãoXuefeiYang-ColoursofBrazil(Decca,2016)
Repertório:• LuízBonfá:ManhãdeCarnaval• TomJobim:AFelicidade,Luiza• MarcoPereira:Bate-Coxa• SérgioAssad:Farewell• Garôto:Desvairada,LamentosdoMorro,
GenteHumilde• JoãoPernambuco:SonsdeCarrilhões,Gra-
úna,Interrogando• Pixinguinha:UmaZero• ErnestoNazareth:Odeon• BadenPowell:ValsaSemNome• HeitorVilla-Lobos:Valsa-Chôro,Schottish-
Chôro,MazurkaChôro• DilermandoReis:XodódaBaiana,Eterna
Saudade,UmaValsaeDoisAmoresTotaldefaixas:
19Compositoresbrasileiros Compositoresestrangeiros
11 0