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1 Cadernos Novas Alianças 3 Comunicação e Mobilização Social Orientações para incidir em políticas públicas

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Cadernos Novas Alianças

3Comunicação eMobilização Social

Orientações para incidir em políticas públicas

Passo�1 > Entender o Legislativo2

Livro3_Comunicação eMobilização Social

Ficha catalográfica (catalogação-na-publicação)

C739 Comunicação e mobilização social: orientações para incidir em políticas públicas / Texto Andi/Oficina de Imagens. 2.ed. — Belo Horizonte: Oficina de Imagens, 2009.80 p.; (Coleção Cadernos Novas Alianças; 1)

1. Comunicação. 2. Mídia. 3. Políticas Públicas. I. Andi/Oficina de Imagens.

CDU: 659.3(81)

Realização Programa Novas AliançasCoordenação do projeto Karla NunesSupervisão editorial Adriano GuerraEdição Rachel CostaTexto - Parte 1 ANDI Texto - Parte 2 Oficina de ImagensRevisão Camila Andrade ReisProjeto gráfico e diagramação Henrique CarvalhoTiragem 2.000 exemplaresImpressão Formato Artes Gráficas

2ª edição – Belo Horizonte, novembro de 2009.

Oficina de Imagens – Comunicação e EducaçãoRua Salinas, 1.101, Santa Tereza, Belo Horizonte/MG – CEP: 31015-365Telefone: (31) 3465-6800 [email protected]

* Os conteúdos deste caderno foram baseados na publicação “OrçamentoPúblico, Legislativo e Comunicação – Três eixos estratégicos para incidên-cia nas políticas públicas” (Programa Novas Alianças, 2007)

Cadernos Novas Alianças_ Orientações para incidir em políticas públicas

Passo�1 > Entender o Legislativo 3

ESTA PUBLICAçãO é PARTE INTEGRANTE da série “Cadernos NovasAlianças – Orientações para incidir em políticas públicas”, cole-ção que reúne referências e conceitos relevantes sobre temas comoOrçamento Público, Legislativo, Comunicação e MobilizaçãoSocial. A proposta da série é fomentar, nas organizações e movi-mentos sociais, o desenvolvimento de estratégias que busquemampliar e garantir a efetiva participação da sociedade civil nosprocessos de elaboração e deliberação das políticas públicas, emespecial aquelas relacionadas à promoção e defesa dos direitos decrianças e adolescentes.

A coleção é resultado da experiência acumulada pelo ProgramaNovas Alianças, iniciativa que aposta na articulação de parceriase ações em rede que tenham como foco a incidência sobre aspolíticas e o Orçamento Público destinados a crianças e adoles-centes. Desde 2006, o Novas Alianças desenvolve oficinas de for-mação, ações de comunicação e mobilização social e atividadesde incidência no âmbito do poder público e da sociedade civil.O objetivo do programa é desenvolver e aperfeiçoar a capacida-de dos conselhos de políticas públicas e das organizações sociaisde incidir, monitorar e avaliar os investimentos governamentaisnas esferas municipal e estadual, além de incentivar a constru-ção de alianças com o Poder Legislativo e com os veículos decomunicação.

A ação é coordenada pela Oficina de Imagens, em aliança estraté-gica com a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), aFrente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente deMinas Gerais, a Fundação Avina, a Fundação Vale, o InstitutoÁgora em Defesa do Eleitor e da Democracia, o Instituto Caliandrae o Instituto C&A. Conta ainda com o apoio da Comissão de Parti-cipação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, daFrente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e do Adoles-cente do Estado de Minas Gerais e do Centro de Apoio Operacio-nal às Promotorias de Infância e Juventude do Ministério Públicode Minas Gerais.

>APRESENTAÇÃO

íNdiCE

PARTE 1_A MídiA NO CONTExTO dEMOCRáTiCO

introdução_ Página 7

Passo 1_ Mídia e democracia. Página 8

Passo 2_ A regulação dos meios de comunicação. Página 18

Passo 3_ Jornalismo e agenda social. Página 38

Passo�1 > Entender o Legislativo 5

PARTE 2_A COMuNiCAÇÃO PARA A MObiLizAÇÃO SOCiAL

introdução_ Página 51

Passo 1_ Mobilizar vontades. Página 52

Passo 2_ Planejamento da comunicação. Página 57

Passo 3_ Mapeamento da realidade. Página 64

Passo 4_ Tornando-se um comunicador. Página 66

Passo 5_ diálogos com a imprensa. Página 72

Apêndice_ Glossário de jornalismo. Página 77

PARTE 1

A MídiA NO CONTExTOdEMOCRáTiCO

Hoje em dia, ouve-se muito falar que“vivemos na sociedade da informação”.Mas você já parou para pensar o queisso significa? Em nenhum outromomento da história foi possível aces-

sar tantas informações, tão rapidamente e por meiostão diversos. Alguns especialistas arriscam afirmarque 80% do que sabemos é resultado do que vemose ouvimos na mídia. No Ocidente, de acordo comdados publicados no livro “Mídia, Educação e Cida-dania” (Editora Vozes, 2005), de Pedrinho A. Gua-reschi e Osvaldo Biz, os adultos ficam de 25h a 30hpor semana na frente da tevê. Isso sem contar otempo gasto com jornais, revistas, internet e outrosmeios de comunicação. Diante dessa explosão deinformações, o maior desafio é saber lidar com osdiferentes conteúdos informativos com os quaistemos contato diariamente. Afinal, a informação porsi não basta. é preciso saber transformá-la emconhecimento, pois é este que agrega valor ao querecebemos. Por outro lado, o acesso a informaçõesde qualidade é o que permite ao cidadão tomar asmelhores decisões, participar plenamente do pro-cesso democrático e exercer seus direitos. Isso refor-ça a necessidade de debate sobre a correlação entreo papel da mídia e o fortalecimento da democracia.

Passo�1 > Mídia e democracia8

NOS úLTIMOS SéCULOS, a atuação dos meios de comunicação passoua estar fortemente conectada à consolidação dos modelos demo-cráticos de governo, o que fez com que a existência de meios livresde informação e expressão tenha se tornado um dos principaisfundamentos para a existência das democracias.

Não é à toa que muitos estudiosos do assunto passaram a defendera ideia de que, mais do que um ator relevante das democracias, amídia representaria um quarto poder – em uma referência aos TrêsPoderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário. Tama-nha relevância atribuída aos meios de comunicação estaria rela-cionada, em grande parte, à potencial função social que elesdesempenham. Dentre esses possíveis papéis, poderíamos desta-car o dever de levar informações contextualizadas para a popula-ção, a capacidade de influenciar na definição dos temas prioritá-rios da agenda pública e a atuação no monitoramento e no contro-le social dos atores políticos. Mas será que a mídia, de maneirageral, tem cumprido adequadamente esses papéis?

Antes de responder a essa questão é importante entender o atualcenário dos meios de comunicação no Brasil, conhecendo, aindaque brevemente, os mecanismos públicos dos quais dispomos hojepara regular suas atividades. Também é necessário identificarquais são os principais elementos que formam uma atuação social-mente responsável da mídia – especificamente, de uma de suasatividades mais relevantes: a imprensa (ou jornalismo). Por fim,procuramos trazer uma série de orientações que podem servircomo referência para qualificar o diálogo entre os atores sociais eos profissionais da imprensa. São sugestões e dicas práticas a

1234>Mídia e democracia

PASSO

Passo�1 > Mídia e democracia 9

serem levadas em conta no momento de se estabelecer uma rela-ção com os jornalistas e veículos de comunicação (Veja mais naParte 2, passo 5, “Diálogos com a imprensa”, na pág. 72).

1.1�A�imPortânciA�dAs�informAções

Nos primórdios da humanidade, a linguagem oral sempre foi res-ponsável por transmitir, de geração em geração, histórias, costu-mes, tradições e valores. O membro mais velho do grupo era muitorespeitado porque tinha mais conhecimento e informações. Porém,com sua morte, uma parte da história daquele grupo se perdia.

Com a criação do alfabeto, tornou-se possível guardar esses con-teúdos por muito mais tempo. Porém, a reprodutibilidade dosmanuscritos era pequena, pois sua produção era artesanal edemandava tempo. Esse processo só iria se tornar mais eficienteem meados do século 15, com a criação da prensa, pelo alemãoJohannes Gutenberg. A invenção possibilitou a impressão de livros– como os conhecemos hoje – em larga escala, revolucionando aprodução e a distribuição da informação e possibilitando umamaior socialização do conhecimento.

A partir do século 19, com o fortalecimento da imprensa, a mídiapassa a se mostrar mais presente como protagonista do processodemocrático. Esse impacto se amplia no século seguinte, com osurgimento do rádio – que teve seu apogeu nas décadas de 1940 e1950 – e da televisão. Nos anos 1960, outra invenção serve de pre-lúdio a uma nova era: é criada a rede mundial de computadores.Inicialmente projetada para acessorestrito, torna-se de uso público emmaio de 1995. Desde então, tem contri-buído para ampliar ainda mais ainfluência dos meios de comunicaçãonas sociedades contemporâneas, derru-bando fronteiras e modificando nossanoção de espaço, distância e tempo.

O desenvolvimento dos meios decomunicação tem feito com que, cadavez mais, seja reconhecido o papelcentral que desempenham nos siste-mas democráticos. Prova disso é que a

A internet foi criada pelodepartamento de defesa

dos EuA e surgiu comacesso restrito a

militares e pesquisado-res, como um sistema de comunicação estratégicapara a descentralização

de informações

Passo�1 > Mídia e democracia10

liberdade de expressão e a liberdade de imprensa foram conside-rados direitos fundamentais de todas as pessoas, de acordo com omovimento internacional de defesa dos direitos humanos. Artigossobre o tema podem ser encontrados tanto em documentos inter-nacionais, como a Convenção Interamericana de Direitos Huma-nos e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto emnacionais, como a Constituição Federal de 1988 (Veja mais em “Naletra da lei”, na pág. 11).

1.2�ÓticA�de�direitos

Se lermos com atenção o artigo 19 da Declaração Universal dosDireitos Humanos, perceberemos duas fortes menções. A primeira,ao direito à informação, que significa ser bem informado e ter a pos-sibilidade de buscar informação livremente em qualquer lugar. Asegunda, ao direito à comunicação, ou seja, a garantia de que todosos indivíduos possam expressar livremente suas ideias e opiniões.

Quando falamos desse último direito, podemos imaginar diferen-tes formas de exercê-lo. Alguns exemplos são discursar em praçapública – como faziam os gregos na Ágora –, fazer uma passeata,publicar um manifesto, escrever um artigo em um jornal ou con-

ceder uma entrevista a uma emissorade tevê. Não resta dúvida, contudo, deque há uma clara diferença entreexpressar nossas ideias em um bancode praça e conceder uma entrevista nohorário nobre da televisão. Mídiascomo o rádio, a tevê e os jornaisimpressos – denominadas meios decomunicação de massa –, conseguemabranger um grande volume de pes-soas. Nos dias de hoje, com a existên-cia de grandes grupos empresariais decomunicação – muitos deles de cará-ter multinacional – já é possível “falar”,simultaneamente, para bilhões de pes-soas, como acontece durante a trans-missão da Copa do Mundo de Futebol,vista ao mesmo tempo em diversospontos do mundo.

olhAr�de�PesquisAdor_No final do século 20, com a impor-tância crescente dos meios de comu-nicação na vida das pessoas, novosestudos começaram a apontar a rela-ção entre mídia e democracia. O novoobjeto de pesquisa deu origem ametodologias específicas, voltadaspara a análise da relação entre o nívelde liberdade de imprensa das naçõese o seu grau de desenvolvimentodemocrático. Exemplo disso é o ran-king criado pela ONG norte-america-na Freedom House. O levantamento,que é divulgado anualmente, mostraque, em 2008, o brasil ocupava a 91ªposição, entre as nações com impren-sa considerada “parcialmente livre”(atrás de países como Chile, CostaRica, Espanha e Portugal).

Passo�1 > Mídia e democracia 11

Diante de tal contexto, o direito humano à comunicação acabapor se tornar desigual, já que apenas um número limitado depessoas – no caso, aqueles que detêm a propriedade dos meiosde comunicação de massa – consegue efetivamente manifestaras suas ideias e opiniões de forma ampla perante a sociedade.Com isso, um dos potenciais problemas enfrentados pelasdemocracias passa a ser uma pequena pluralidade de vozes nodebate público.

Tendo em vista esses limites, fica mais fácil entender que, emuma sociedade democrática, a liberdade de expressão não podeser entendida apenas como uma liberdade negativa, pela qual“ninguém me proíbe de falar”. Ao contrário: essa é uma liberda-de que precisa ser associada ao direito positivo de participaçãona esfera pública. Diferentemente do que ocorre em regimesautoritários de governo, nos quais se torna necessário lutar pelodireito de se manifestar, em uma democracia isso não basta. é

na�letra�da�leiVários documentos nacionais e internacionais já fazem referência à liberdadede expressão como direito. Conheça alguns deles abaixo:

declaração�universal�dosdireitos�humanos

Art. 19: Todo o indivíduo tem direito à liberdadede opinião e de expressão; este direito inclui aliberdade de, sem interferências, ter opiniões ede procurar, receber e difundir informações eideias por quaisquer meios, independentemen-te de fronteiras

convenção�interamericanade�direitos�humanos

Art. 13: Toda pessoa tem direito à liberdade depensamento e de expressão. Este direito com-preende a liberdade de buscar, receber edifundir informações e ideias de toda natureza,sem consideração de fronteiras, seja verbal-mente ou por escrito, ou de forma impressa ouartística, ou por qualquer outro processo desua eleição

constituição�federal Art. 5º: (...) ix – É livre a expressão da ativida-de intelectual, artística, científica e de comuni-cação, independentemente de censura oulicença (...)

Passo�1 > Mídia e democracia12

preciso assegurar também que os indivíduos tenham condiçõeseconômicas, sociais, políticas e técnicas para produzir e difun-dir suas próprias informações.

A diversidade e a pluralidade nos meios de comunicação sãotambém pontos centrais para a garantia dessa liberdade, defen-de a colombiana Catalina Botero e o guatemalteco Frank La Rue,relatores para Liberdade de Expressão pela Organização dosEstados Americanos (OEA) e pela Organização das Nações Uni-das (ONU), respectivamente.

“O guarda-chuva da liberdade de expressão se ampliou. O direi-to começou protegendo os indivíduos e sofreu um giro concei-tual importante. O que se protege hoje na liberdade de expres-são é a possibilidade de que exista debate público, vigoroso,

aberto, plural. Não só ‘poder falar’,mas ‘ter os meios para falar’”, ressal-tou Botero durante o seminário Mor-daças Invisíveis: Novas e VelhasBatalhas à Diversidade na Radiodifu-são, realizado na cidade de BuenosAires, Argentina, em novembro de2008.

Durante o mesmo encontro, confian-te em melhorias nesse âmbito, LaRuecomplementou: “Vejo que no futuroteremos uma demanda mais amplade formas diversas de expressão,indo de crianças a povos indígenas,todos tentando ter acesso a mecanis-mos alternativos de expressão –como rádios ou tevês comunitárias(...). Acredito que teremos maiordemanda por liberdade de expressãoe tenho, pessoalmente, uma visão oti-mista de que isso vai forçar os Esta-dos a terem um papel proativo”.

os�meios�de�comunicAção�e�A�imPrensA_É importante ter clareza conceitual nouso da expressão “meios de comuni-cação”. Em seu sentido mais amplo,o termo abrange mídias como o rádio,o cinema, a televisão, os jornaisimpressos e a internet, entre outros.Entretanto, quando nos referimos àimprensa ou ao jornalismo isso envol-ve somente os espaços ou veículosnoticiosos – radiofônicos, televisivos,impressos ou de internet –, responsá-veis por produzir e divulgar notícias einformações para a sociedade.A principal diferença que precisa ficarclara nesse contexto, portanto, dizrespeito aos tipos de conteúdo. A títu-lo de ilustração, podemos apontar trêscategorias mais comuns de conteúdomidiático: de entretenimento (filmes,novelas, desenho animado, revistaem quadrinhos, programas de humoretc.), publicitários e jornalísticos.

1.3��fortAlecendo�o�controle�democrático

Se partirmos da perspectiva de que a liberdade de expressão é umprincípio fundamental, a concentração da capacidade de difundirinformações nas mãos de poucos grupos deverá ser encaradacomo uma ameaça tão grave a essa liberdade quanto à censuragovernamental. No entanto, diferentemente do que se observa emuma ditadura, na qual o controle tem um caráter autoritário, nassociedades democráticas são constituídos mecanismos legítimosde regulação dos meios de comunicação, de forma a assegurarequilíbirio no exercício da liberdade de expressão.

Dessa maneira, como define a ANDI no documento “Mídia e Políti-cas Públicas de Comunicação”, produzido em parceria com a Funda-ção Ford, “se um dos objetivos do controle da propriedade e do con-teúdo dos meios de comunicação é garantir que a sua função primor-dial – a consolidação do sistema democrático – se dê da melhorforma imaginável, a regulação desses meios pode e deve incluir ins-trumentos que permitam uma maior pluralidade de vozes”.

Vale esclarecer um equívoco comum no debate sobre o controledas atividades da mídia. Diferentemente do que ocorria no perío-do da ditadura, quando o governoexercia a censura sobre o que osmeios de comunicação veiculavam,no Estado democrático a palavracontrole não é sinônimo de censu-ra. é recorrente a confusão entre osdois termos, apesar do DicionárioHouaiss da Língua Portuguesa, porexemplo, definir a palavra “contro-le” como sinônimo de “regulação” –ideia presente em expressões como“controle social”, “controle consti-tucional” e “controle democrático”.

Até mesmo o termo “regulação” –associado ao estabelecimento denormas democráticas – ainda hoje éfrequentemente associado à censu-

Passo�1 > Mídia e democracia 13

fAtores�de�risco_de acordo com o pesquisador e espe-cialista em Sociedade da informação,Sean Ó Siochrú – fundador da CRiS(Communication Rights in the Informa-tion Society) –, existem alguns fatoresque podem colocar em risco o plenoexercício do direito à comunicação.Entre eles:• Concentração da propriedade damídia nas mãos de poucos grupos;• interesse único na produção do lucro,via publicidade;• Propriedade intelectual que restringe oacesso ao conhecimento e a sua demo-cratização;• Perspectivas neoliberais de desenvol-vimento das telecomunicações, quereforçam a exclusão digital.

Passo�1 > Mídia e democracia14

ra no Brasil. Muitas vezes, para que fique claro esse sentido, cos-tuma-se associar à palavra o adjetivo “democrática”, para se deixarclaro que o objetivo de determinada política regulatória não é cen-surar os meios de comunicação.

1.3.1�regulAções�internAcionAis

Até o final do século 19 só havia preocupação com regulação damídia impressa, pois esta era o único meio de comunicação demassa que existia. A partir do século 20, porém, com o surgimen-to do rádio e, mais tarde, da televisão, uma nova questão entrouem pauta: como administrar o uso do espectro eletromagnético,pelo qual acontecem as transmissões radiofônicas e televisivas.

Não havia regulação no início das retransmissões, o que geravainterferências nas frequências por conta do uso concomitante dasondas dos rádios por militares, empresas privadas e radioamadores.Essa situação passou então a ser uma grande preocupação dos gover-nos, uma vez que o espectro eletromagnético é um recurso público

o�papel�do�estadoExistem várias maneiras de se construir um sistema regulatório democráticodos meios de comunicação, que garanta a necessária diversidade de vozes nodebate público. Em síntese, poderíamos apontar três diferentes formas de oEstado assumir essa função:

estado�proprietário estado�promotor estado�regulador

disponibiliza à popula-ção espaços comobibliotecas e centros dedocumentação;É o gestor do espectroeletromagnético, consi-derado um bem públicoa ser administrado;Possui emissoras derádio e televisão, direta-mente exploradas porórgãos estatais.

Formula e implementapolíticas, planos e estra-tégias públicas para odesenvolvimento dosetor de comunicações;Realiza investimentos nainfraestrutura e concedeincentivos e subvenções.

Fixa regras de instala-ção e operação da infra-estrutura e dos serviços,assim elimina os dese-quilíbrios e as incertezasprejudiciais aos investi-mentos e à atuaçãoempresarial, bem comoà ação das organizaçõespúblicas.

Passo�1 > Mídia e democracia 15

e finito, no qual podem operar apenas um número limitado de agen-tes – o que exige uma ordenação.

Para resolver o problema, os países começaram a adotar diferentesmodelos de concessão do espectro, aprimorando-os ao longo dosanos, acompanhando o próprio desenvolvimento tecnológico dosmeios de comunicação. Na França, por exemplo, as concessões pas-saram a ser uma atribuição do próprio governo. Na Inglaterra, foi cria-da uma autoridade independente para a radiodifusão – a BritishBroadcasting Company (BBC).

O Canadá optou por um sistema híbrido, no qual o espectro é divi-dido entre o governo e o setor privado. Nos EUA, a opção foi pelotrusteeship, modelo pelo qual as empresas recebem concessõespúblicas do Estado, que apenas coordena o órgão regulador res-ponsável por conceder as frequências.

1.3.2 regulAção�brAsileirA

No caso do Brasil, conforme estabelece nossa Constituição, qual-quer cidadão pode ter um jornal ou uma revista, não sendo preci-so autorização do governo. Isso significa que o Estado não definenenhum tipo de controle sobre quem cria esses veículos de comu-nicação. No entanto, seu proprietário estará sujeito a outras legis-lações nacionais – como o Código Penal e o Estatuto da Criança edo Adolescente, dentre outras – que definem regras para questõescomo, por exemplo, o uso da imagem, danos morais e a exposiçãopública de processos judiciais. Até abril de 2009, os veículos dejornalismo impresso estavam sujeitos à chamada “Lei de Impren-sa”, de 1967, que foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal porsua incompatibilidade com a Constituição de 1988 (Veja mais em“Fim da Lei de Imprensa”, na próxima página).

Em relação aos veículos de radiodifu-são (canais de tevê ou estações derádio), além de terem de cumprir taislegislações, é necessária ainda umaconcessão pública – uma autorizaçãoexpedida pelo Congresso Nacional –para que possam operar. Vale destacar

No brasil, as concessõespúblicas valem por 10anos para as rádios e

por 15 anos para asemissoras de tevê

Passo�1 > Mídia e democracia16

o que diz o jornalista e professor daUniversidade de São Paulo, EugênioBucci: “O cidadão é o dono das fre-quências exploradas pelas empresas.A frequência pela qual são transmiti-das as ondas eletromagnéticas perten-ce ao povo e, em nome dele, é conce-dida à empresa privada.”

Os meios de comunicação eletrônicos,portanto, são o que chamamos de ser-viços públicos, categoria na qual estátambém o fornecimento de água, deenergia elétrica e de telefonia, porexemplo. Quando o serviço de telefo-nia não está sendo realizado de formaeficiente, o governo pode intervir paraque ele seja regularizado. Da mesmaforma deveria ocorrer com as emisso-ras de rádio e tevê. Quando não esti-vessem cumprindo seu papel de edu-car, entreter com qualidade e ética,além de informar e disseminar a cultu-ra – aspectos explicitados pela legisla-ção brasileira do setor –, deveriam per-der o direito à concessão. Para que issoaconteça, é preciso que dois quintosdo Congresso Nacional aprove taldecisão. Mas apesar de prever umprazo relativamente longo para as con-cessões, na prática as renovações noBrasil são automáticas e não estão vin-culadas a uma avaliação do trabalhoda emissora.

Já no caso da internet, como se trata deum sistema de comunicação cujo uso érelativamente recente e cujo funciona-mento é permeado de particularida-des, as medidas de regulamentação

fim�dA�lei�de�imPrensA_Em abril de 2009, o Supremo TribunalFederal revogou a Lei 5.250, de 9 defevereiro de 1967, conhecida como"Lei de imprensa", uma das últimaslegislações da época da ditadura mili-tar que ainda vigorava. O texto puniajornalistas que cometessem supostosdelitos de imprensa, como calúnia,injúria e difamação. Permitia a apreen-são de veículos midiáticos que pertur-bassem a ordem social e ofendessema moral e os bons costumes. Puniaquem vendesse e/ou produzisseesses materiais e previa a censuraaos espetáculos e diversões públicas.Além disso, controlava o direito deresposta – sendo a desregulamenta-ção desse último um dos pontos maisdelicados da discussão em torno dasuspensão da lei.Com a revogação, criou-se um vaziode leis sobre a imprensa no brasil.Ficou a cargo dos juízes basearem-sena Constituição e nos Códigos Penal eCivil para julgar as ações. O presiden-te da Associação brasileira de impren-sa (Abi), Maurício Azêdo, em matériapara o Observatório do direito àComunicação, no dia 5 de maio de2009, "(...) considera dispensável aregulação por lei de qualquer aspectorelacionado à imprensa, pois a Consti-tuição Federal deixa claro que aimprensa (...) não carece de leis infra-constitucionais". Na mesma matéria, apresidente da Associação brasileira deJornais (ANJ), Judith brito, discorda edefende ser "óbvio que eventuaiserros cometidos no jornalismo têm deser punidos. Para isso, deve haver (...)uma legislação mínima, que garantaos direitos individuais diante do direitomaior da sociedade à liberdade deexpressão(...)."

Passo�1 > Mídia e democracia 17

ainda são incipientes em todo oplaneta. No Brasil, atualmenteestá tramitando no Congresso umprojeto de lei, já aprovado noSenado, que propõe uma série demedidas regulatórias para o setor.O PL 83/2003 tem como objetivodefinir condutas criminosas reali-zadas mediante o uso da rede decomputadores ou que sejam prati-cadas contra redes de computado-res, dispositivos de comunicaçãoou sistemas informatizados.

Trata-se de uma questão bastante polêmica. Grupos de defesa dademocratização da comunicação, como é o caso do Coletivo Inter-vozes e da Associação Software Livre, argumentam que a aprova-ção desse projeto introduziria regras bastante genéricas acerca dasações na internet, limitando a liberdade de expressão e criminali-zando atividades relativas à propriedade intelectual antes mesmoda construção de uma legislação específica para regulamentar osdireitos civis digitais. Ou seja, a definição de crimes e penas seriaanterior à de direitos e deveres dos cidadãos na era digital.

Encontrar formas de regular a internet

sem cercear os direitosdos internautas é umdos novos desafios a

serem enfrentados pelos legisladores

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação18

1234>A regulação dos

meios de comunicação

PASSO

OS PROCESSOS REGULATóRIOS DO CAMPO DA COMUNICAçãO podem serestudados a partir de dois objetivos principais, especialmente nocaso do rádio e da tevê: a regulação de infraestrutura e a regulaçãode conteúdo. Essas perspectivas, contudo, não são estáticas. Hámuitos temas que combinam uma discussão de infraestrutura e deconteúdo. Não é possível debater, por exemplo, o padrão de TVdigital adotado pelo País sem relacionar as escolhas mais estrutu-rais (como a quantidade de canais possíveis e as opções de intera-tividade) às oportunidades que se abrem para a veiculação denovos conteúdos. Ainda assim, essa distinção nos permite umamelhor compreensão do cenário atual e dos desafios que se colo-cam para a área.

2.1�regulAção�de�infrAestruturA

Um dos campos estratégicos no processo regulatório dos meiosde comunicação diz respeito ao controle de propriedade e aoslimites e responsabilidades impostos aos indivíduos e empresasque atuam no setor. Não é por acaso que o processo de constru-ção de modelos de regulação nessa área sempre foi foco de dis-puta política entre interesses públicos e privados.

Ao contrário do que o nome sugere, a infraestrutura aqui men-cionada não diz respeito a um tema exclusivamente técnico outecnológico – envolvendo o suporte físico ou o equipamento

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 19

para a veiculação dos conteúdosdos meios de comunicação. Impli-ca também questões relacionadasà exclusão social. Afinal, não épossível pensar a comunicação – oacesso a ela e sua promoção – semlevar em conta que ela é um direi-to de todos.

O controle da mídia envolve umcenário marcado por fortes inte-resses de mercado, o que acabafavorecendo, em muitas situações,a prevalência da busca por audiência (e pelos lucros) em detri-mento da promoção do direito à comunicação. é nesse contex-to que a atuação do Estado ganha relevância.

Para o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, Ale-xandre Faraco, a regulação da infraestrutura no setor de comu-nicações não deve perder de vista questões como o pluralismoe o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, ele propõe que osseguintes aspectos sejam considerados:

• Limites e controle da propriedade das empresas do setor: Acomunicação é hoje um grande negócio e abrange um podero-so mercado internacional. Um dos riscos mais evidentes nessecenário é a concentração da propriedade nas mãos de poucosgrupos empresariais. A existência de monopólios (apenas umgrupo toma conta do mercado, sem concorrência) ou oligopólio(há concorrência, mas poucos grupos dominam o mercado) éuma ameaça à liberdade de expressão dos diferentes atoressociais, pois garante apenas a alguns poucos o pleno exercíciodesse direito.

• Definição de limites para evitar que um único grupo decomunicação tenha abrangência sobre toda a audiência doPaís, em um determinado setor: é o que acontece na Alema-nha, por exemplo, onde as empresas de radiodifusão (rádio etevê) não podem atingir mais de 30% da audiência. Lá, se umadeterminada empresa ultrapassa esse limite fica impedida deadquirir novas licenças na área de comunicação.

A Constituição de 1988estabelece a

complementaridadeentre os sistemas

público, privado e estatalde radiodifusão,

favorecendo a diversidade de atores

nesse setor

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação20

• Impedir a propriedade cruzadaentre companhias de radiodifusão eoutros meios de comunicação: Signi-fica a propriedade, pelo mesmo grupoempresarial, de diferentes tipos demídia do setor de comunicações. Porexemplo: tevê aberta, tevê por assina-tura, rádio, revistas, jornais e, maisrecentemente, telefonia (fixa, celular emóvel, via satélite), provedores deinternet, transmissão de dados etc. NoBrasil, ao contrário do que ocorre emvários países, existe acúmulo de pro-priedade por parte dos principais con-glomerados de comunicações (Vejamais em “Nas mãos de poucos”) – mui-tos são donos de empresas de radiodi-fusão (rádio e televisão) e, ao mesmotempo, de mídia impressa (jornais erevistas).

• Limite à propriedade de emissoraspor parte de políticos e parentes:Trata-se de um problema histórico dosetor de comunicações do Brasil e deoutros países cuja estrutura democrá-tica ainda é frágil, nos quais as conces-

sões públicas do sistema de radiodifusão acabam transformadasem moeda de troca entre aliados políticos. Isso apesar de nossalegislação impedir que representantes políticos sejam proprietá-rios de emissoras de tevê e de rádio. Nesse tipo de cenário, comonão é novidade para quase ninguém, o uso político dos meioscomunicação pode favorecer determinados grupos, criando umasituação de desequilíbrio nos processos democráticos – por exem-plo, no caso das eleições.

• Incentivo à constituição de um amplo sistema público de comu-nicação: Cabe ao Congresso Nacional hoje, no Brasil, conceder odireito de instalação de rádios e tevês de caráter comunitário – ou

nAs�mãos�de�Poucos_de acordo com um estudo realizadoem 2002 pelo instituto de Estudos ePesquisas em Comunicação(EPCOM), no brasil, seis redes priva-das de radiodifusão controlam, pormeio de 138 grupos afiliados, outros668 veículos de comunicação. Ou seja,grandes grupos empresariais sãodonos, ao mesmo tempo, de diferentestipos de mídia, o que é proibido em mui-tos países por ser uma ameaça à plura-lidade de vozes e, consequentemente,à democracia. uma excelente iniciativapara identificar quem são esses gran-des grupos é o projeto “donos daMídia”, que reúne dados públicos einformações cedidas pelas empresasde comunicação para montar um pano-rama bastante abrangente do setor nobrasil, mostrando as relações econômi-cas que permeiam os regimes de infor-mação brasileiros. O projeto – que setornou público por meio do websitewww.donosdamidia.com.br – nas-ceu na década de 1980, fruto de umtrabalho pioneiro do jornalista daniel Herz.

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 21

seja, cuja abrangência e audiência são restritas a uma determina-da comunidade – e de caráter educativo. Organizações sociais,associações de bairro e outros grupos organizados podem solicitaresses tipos de concessão. A ampliação desse sistema público é, noentanto, uma antiga luta dos movimentos dedicados à democrati-zação da comunicação.

2.1.1�sistemAs�comPlementAres

Visando a um cenário democrático no campo da comunicação,composto por diversos atores, a Constituição de 1988 estabeleceua complementaridade dos sistemas público, privado e estatal deradiodifusão. Isso significa que o Brasil optou por incentivar acoexistência desses três modelos, possibilitando que haja umadiversidade de emissoras no âmbito da radiodifusão. Na prática,porém, ocorre uma grande concentração de meios no sistema pri-vado frente a um sistema público inexpressivo.

Isso é prejudicial para a sociedade brasileira, porque se há umgrande volume de concessões nas mãos da iniciativa privada, acomunicação sofre maiores impactos dos interesses comerciais.No entanto, o fato de contarmos com um forte sistema privado nãodeve ser visto como algo negativo. A questão central, nesse caso,é garantir a existência de mecanismos democráticos de regulação– que assegurem que a mídia comercial respeite as diretrizeslegais. Por outro lado, é preciso equilibrar melhor a proporção doespaço ocupado por cada um dos três sistemas e outorgar partedas concessões a organizações da sociedade civil, garantindomecanismos de financiamento.

Em uma tentativa de reforçar o sistema público de comunicação,em outubro de 2007 o Governo Federal criou a Empresa Brasil deComunicação (EBC). Segundo a própria EBC, seu surgimento visa“suprir uma lacuna no sistema brasileiro de radiodifusão com oobjetivo de implantar e gerir os canais públicos, aqueles que, porsua independência editorial, distinguem-se dos canais estatais ougovernamentais”.

O novo órgão nasceu da união dos patrimônios e do pessoal daEmpresa Brasileira de Comunicação (Radiobrás) e da Associação

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação22

de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp) – esta últimaresponsável por emissoras como a TVE-Rio de Janeiro, a TVE-Maranhão e a Rádio-MEC. Como fruto da nova empresa, emdezembro de 2007 foi ao ar a TV Brasil, canal criado sob o forma-to das tevês públicas. Entretanto, há uma grande polêmica emtorno da empresa, com várias críticas a sua estruturação (Veja maisem “Público ou estatal?”, na página ao lado).

sistema�estatal�x�sistema�públicoÉ comum haver confusões ao se fazer a distinção entre os sistemas público eestatal de comunicações. Muitas pessoas chegam, inclusive, a pensar queambos são a mesma coisa, o que é um erro. Confira abaixo as diferenças entreesses sistemas:

características mídia�pública mídia�estatal

gestão Sociedade civil organizada Três Poderes, noâmbito das três esfe-ras da Federação

conteúdo Plural e diverso, com finalidadepública

interesse público eações de cada um dospoderes

Público-alvo Todos os segmentos da população Todos os segmentosda população

financiamento Prioritariamente estatal, mas com-binado com doações e apoios cul-turais. O recurso chega por fundospúblicos e por vinculações fixas dealíquotas de impostos, o quegarante a independência dessesveículos em relação ao governo

Estatal

exemplo O modelo clássico de mídia públi-ca apontado pelos especialistas éa emissora britânica bbC. No bra-sil, alguns exemplos são as tevêseducativas – como a TV Cultura,de São Paulo –, as tevês e rádioscomunitárias, as tevês universitá-rias e a recém-criada TV brasil

TV Justiça, TV Câma-ra, TV Senado eRádio Nacional sãoreferências de mídiaestatal no brasil

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 23

• A estrutura de financiamento, que disporia de recursos ainda limitados e nãofavoreceria a independência do veículo;

• A composição e atuação do Conselho Curador da entidade, indicado pelaPresidência da República;

• A convivência na EbC de atividades de cunho estatal, como é o caso dosserviços prestados pela EbC Serviços, que opera o Canal NbR, a “Voz dobrasil”, os programas “Café com o Presidente” e “bom dia, Ministro”;

• denúncias de ingerências políticas na linha editorial do noticiário;• dificuldades de acesso, já que a TV brasil ainda não chega a muitas locali-

dades brasileiras.Fonte: direito de Comunicação na Sociedade da informação (www.crisbrasil.org.br) e site daEmpresa brasil de Comunicação (www.ebc.com.br).

Público�ou�estatal?Ainda em fase de implementação, a TV brasil tem sido alvo de desconfiançaquanto ao seu caráter público. dentre os principais pontos em debate estão:

2.1.2�Ao�contrário�dA�lei

Em diversos momentos da história política brasileira, as conces-sões públicas de rádio e tevê serviram de moeda de troca, em umclaro exemplo de clientelismo. Pesquisa realizada pelo sociólogoVenício A. Lima para o site do Observatório da Imprensa levantouque, em 2003, dos 51 membros da Comissão de Ciência, Tecnolo-gia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados – res-ponsável por fazer a análise dos pedidos de outorga e renovaçãode concessões públicas de emissoras de radiodifusão – 16 eramsócios ou diretores de 37 concessionárias.

E, na legislatura que vai até 2011, 48 deputados federais (dos 513)e 20 senadores (entre os 81) são sócios ou diretores de empresasde comunicação, segundo dados do site “Os Donos da Mídia”(donosdamidia.com.br). Esse cenário contraria as determinaçõesde nossa Constituição (Veja mais em “Desrespeito à lei”, na pág.24) e nos ajuda a dimensionar a dificuldade em alterar algumasregras na regulação dos meios de comunicação, a fim de torná-losmais democráticos.

O período em que mais se observou o uso político das concessõesfoi durante o governo do ex-presidente José Sarney. Na dissertaçãode mestrado “A batalha invisível da Constituinte: interesses priva-

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação24

dos versus caráter público da radiodifusão no Brasil”, o jornalistaPaulino Motter identificou que sob a responsabilidade do presi-dente maranhense houve 1.028 outorgas de concessões de rádio etevê. Todas entre os anos de 1985 a 1988, quando as concessõesdeixaram de ser uma atribuição do Executivo e passaram para aalçada do Congresso Nacional.

é interessante notar que a maior parte das autorizações (52%) foiconcedida nos últimos nove meses da Constituinte. Outro detalheque chama a atenção é que dos 91 parlamentares que receberamconcessões de rádio e/ou tevê, 92,3% votaram a favor do presiden-cialismo e 90,1% a favor do mandato de cinco anos, que fez comque Sarney ficasse um ano a mais no poder.

2.2.�regulAção�de�conteúdo

O acesso e o direito à informação,como vimos, são diretrizes fundamen-tais para a consolidação da democra-cia. Nesse sentido, qualquer políticaregulatória dos meios de comunicaçãosó tem sentido se levar também emconsideração os impactos gerados nasociedade pelos diferentes conteúdos– filmes, novelas, documentários,entrevistas, programas humorísticos,publicidade etc. – produzidos pelamídia. Controle que, como menciona-mos anteriormente, não deve ser con-fundido com censura.

Todavia, se na regulação de infraestru-tura o papel preponderante é do Esta-do, no controle democrático do con-teúdo entram também em cena as pró-prias empresas, as organizações dasociedade civil e as universidades,entre outros atores. Isso pois um dosobjetivos centrais da regulação de con-teúdos da mídia é assegurar, entre

desresPeito�à�lei_Veja abaixo o trecho da ConstituiçãoFederal no qual se proíbe que parla-mentares possuam concessões públi-cas de veículos de comunicação:Art. 54 – Os deputados e Senado-res não poderão:i – desde a expedição do diploma: a) Firmar ou manter contrato compessoa jurídica de direito público,autarquia, empresa pública, socie-dade de economia mista ou empre-sa concessionária de serviço públi-co, salvo quando o contrato obede-cer a cláusulas uniformes. (...)ii – desde a posse:a) ser proprietários, controladoresou diretores de empresa que gozede favor decorrente de contrato compessoa jurídica de direito público, ounela exercer função remunerada;O texto diz ainda que os mesmospoderão perder o cargo se infringi-rem qualquer uma das proibiçõesestabelecidas no artigo anterior.

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 25

outros aspectos, que os mesmos não violem os direitos humanos,especialmente de crianças e adolescentes, e que a diversidade deopiniões, culturas e realidades do País seja retratada.

Atualmente, existem vários mecanismos, tanto no Brasil como emoutros países, que permitem ao Estado estabelecer um controledemocrático dos conteúdos. A seguir passaremos a descreveralguns dos principais instrumentos existentes.

2.2.1 clAssificAção�indicAtivA

A classificação indicativa é uma política que estabelece, de acor-do com a idade, quais os conteúdos audiovisuais apropriados ouinapropriados para crianças e adolescentes. No Brasil, a Constitui-ção Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente definemcomo responsabilidade do Poder Executivo o monitoramento e aclassificação das produções audiovisuais. Longe de constituir-secomo uma ameaça à liberdade de expressão, a classificação buscagarantir o cumprimento do direito à informação de qualidade,assim como colaborar para a construção de uma sociedade maiscrítica e consciente.

Atualmente, sempre que vamos ao cinema ou assistimos a umprograma de televisão, vemos a menção à qual faixa etária a pro-dução não é recomendável – no início dos programas é comumlermos a frase: “Este programa é desaconselhável para menores de12 anos”, por exemplo. Isso é resultado de um processo intenso dediscussões que se iniciou em governos anteriores e teve grandesavanços a partir de 2006, quando o Ministério da Justiça lançou aportaria 1.100, regulamentando o exercício da classificação dediversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas acinema, vídeo, DVD, jogos eletrônicos, jogos de interpretação(RPG) e congêneres.

Em julho de 2007 – após amplo debate com a sociedade civil,especialistas e empresários – o Ministério da Justiça divulgou umanova portaria (1.220), regulamentando o novo sistema de classifi-cação dos conteúdos da tevê (Veja mais em “Novas regras”, na pág.26). A medida, contudo, foi questionada por setores do empresa-riado, especialmente no que diz respeito à exigência de vincu-

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação26

lação da classificação a faixas dehorário e o respeito aos fusos-horá-rios vigentes no Brasil. Outro pontopolêmico foi o não cumprimento,por parte das empresas, da classifi-cação indicativa durante a vigênciado horário de verão – isso após auto-rização dada pelo Ministro da Justi-ça. A medida foi questionada peloMinistério Público Federal em repre-sentação junto à Justiça Federal, queaprovou o requerimento do MPF.

Nesse sentido, além dos muitosavanços da política de classificaçãoindicativa, o acompanhamento dasociedade e dos órgãos públicos defiscalização permanece um compo-nente fundamental para que asnovas regras sejam devidamentecumpridas.

• A introdução de uma nova faixa de classificação: "não recomendado paramenores de 10 anos"

• Exigência de informações sobre a classificação antes e durante a exibição deobras audiovisuais, por intermédio de imagens e textos em português e emLibras (Língua brasileira de Sinais);

• Respeito aos fusos horários locais para a veiculação de programas;• Fim da análise prévia para programas televisivos (que existia na proposta

anterior), sendo que o conteúdo considerado inadequado para determinadafaixa horária pode ser reclassificado pelo Ministério da Justiça caso haja dis-cordância com a autoclassificação produzida pelas empresas;

• dispensa a propagandas, programas jornalísticos, esportivos e eleitorais depassarem pela classificação indicativa.

novas�regrasConfira as principais mudanças inseridas pela portaria 1.220, válidas desdejulho de 2007:

Para mais informaçõessobre a classificação indicativa, acesse apublicação “Classificaçãoindicativa – Construindoa cidadania na tela da tevê” (ANdi e Secretaria Nacional daJustiça, 2006), disponível no site daANdi (www.andi.org.br)

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 27

2.2.2�direito�de�resPostA

Historicamente associado ao iníciodo debate sobre a liberdade deimprensa, o direito de resposta é uminstrumento previsto pelas maisdiversas legislações ao redor domundo. Há, basicamente, duas cate-gorias principais: anterior à veicula-ção de determinado conteúdo (exante) ou posterior (ex post), isto é, nasequência da veiculação de algumaafirmação/conteúdo que tenha feridoos direitos ou a reputação de alguém.No caso do direito ex ante caberia, principalmente, aos próprios jor-nalistas assegurar que nas reportagens em que se debate um temapolêmico estivessem presentes as opiniões divergentes – trata-se daregra básica do jornalismo de “sempre ouvir o outro lado”.

Já o direito de resposta posterior à veiculação dos conteúdos éuma medida que exige, geralmente, a reclamação pela via judicial.No caso do Brasil, a Constituição de 1988 prevê o direito de res-posta como pressuposto da liberdade de informação, abrangendoquaisquer veículos de comunicação social. O uso pleno desse ins-trumento tem sido dificultado pela ausência de regulamentaçãoclara. Com a revogação da Lei de Imprensa – que já era limitada erefém de um ranço autoritário da época de sua implementação – ovazio regulatório ainda permanece.

2.2.3�regionAlizAção

O artigo 221 da Constituição Federal estabelece a necessidade deregionalização da produção cultural, artística e jornalística, con-forme percentuais estabelecidos em lei. Essa foi uma das formasencontradas pelo Estado brasileiro para garantir que a diversidadecultural e as diferentes realidades do País estivessem representa-das nos meios de comunicação. Contudo, observando mais aten-tamente a programação oferecida pelas redes de rádio e tevê,podemos perceber que o foco da produção ainda está centrado noeixo Rio de Janeiro/São Paulo.

No artigo 5º da Constituição Federal “éassegurado o direito de

resposta, proporcionalao agravo, além da

indenização por danomaterial, moral ou à

imagem”

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação28

Em 1991, a deputada Jandira Feghali (PC do B/RJ), apresentou oprojeto de lei (PL) 256/91 para regulamentar o inciso III do artigoconstitucional que trata da regionalização da programação. Na pro-posta, a deputada sugere que 30% da programação das emissoras,veiculada entre 7h e 23h, deverá ser composta por produçõesregionais, sendo 15% de programas jornalísticos e 15% de progra-mas que valorizem a cultura local. Em 2004, passados 15 anos, oPL foi aprovado na Câmara e encontra-se, desde outubro de 2006,no Senado Federal, esperando aprovação para virar lei.

2.2.4 direito�de�AntenA

Mecanismo já implementado em alguns países, o direito de antenatem como objetivo assegurar aos diversos grupos sociais e políticos– minorias, partidos e organizações da sociedade civil, por exem-plo – a participação na programação das emissoras de rádio e tevê.A partir desse recurso, as empresas seriam obrigadas a ceder umespaço em sua grade para a veiculação de produções realizadas pordiferentes atores sociais.

No Brasil, somente os partidos políticos têm efetivamente assegu-rado o direito de antena – o Horário Eleitoral Gratuito é um exem-plo –, pois são amparados pela legislação eleitoral. Esse espaço,entretanto, muitas vezes é utilizado a serviço de candidaturasespecíficas, quando deveria servir para a apresentação dos progra-mas e propostas mais amplos dos partidos.

2.2.5�controle�dA�PublicidAde

A regulação da publicidade veiculada nos meios de comunicaçãoé outro recurso importante de que os governos podem dispor paraassegurar o direito de cidadãos e cidadãs. Na opinião do cientistapolítico e professor da Universidade de Brasília, Luiz FelipeMiguel, esse é um setor estratégico, merecedor de atenção, pois osefeitos da publicidade comercial sobre a sociedade, sobre ospadrões de comportamento e sociabilidade e sobre a própria demo-cracia são extremamente relevantes.O Brasil já reúne vários exemplos de controle dos conteúdos publi-citários, como é o caso das propagandas de cigarro, proibidas noPaís, e de bebidas com alto teor alcoólico, que só podem ser exibi-

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 29

das entre 21h e 6h. Também está emtramitação na Câmara dos Deputa-dos do projeto de lei 5.921/2008,que visa proibir a veiculação depublicidade dirigida a crianças. Oprojeto se baseia na ideia – já pre-sente no Código de Defesa do Con-sumidor – de que é abusiva a propa-ganda que se aproveita “da deficiên-cia de julgamento e de experiênciada criança”. Em alguns países comoa Suécia, a Noruega e a Bélgica, apropaganda de produtos infantis já éproibida, sob a justificativa de quetais conteúdos incentivam o consu-mo precoce.

Ainda em relação à publicidade, épreciso atenção à propagandagovernamental. Anualmente, osgovernos municipais, estaduais efederal investem um volumeexpressivo de recursos públicospara a veiculação da publicidadeoficial. é comum, nesses casos, queos governos acabem optando porveicular sua propaganda somentenos meios com os quais têm umarelação politicamente amistosa.Nesse sentido, fortalecer mecanis-mos éticos de uso das verbas publi-citárias, assegurando um processo democrático na distribuiçãodas mesmas, representa um relevante mecanismo de regulação.

2.3�defesA�dA�sociedAde

Combinados, a Constituição Federal, a Lei da Ação Civil Pública eo Código de Defesa do Consumidor são legislações que permitemjuridicamente aos cidadãos brasileiros protegerem os seus direitosperante a mídia. A essa lista é possível acrescentar ainda o Estatu-

o�Preço�do�silêncio_Nos países da América Latina, o usode verbas publicitárias oficiais comomeio para influenciar o trabalho damídia – de maneira indireta ou sutil –ganhou destaque na publicação “Opreço do silêncio: Abuso da publici-dade oficial e outras formas de cen-sura indireta na América Latina”,produzida com base na pesquisaelaborada pela Asociación por losDerechos Civiles da Argentina, comfinanciamento da ONG Open Socie-ty. Lançado em 2008, o relatórioinvestigou casos de uso da publici-dade estatal para influenciar o noti-ciário da imprensa, bem como outrasformas de interferência indireta dosgovernos. Foram analisados setepaíses latino-americanos: Argentina,Chile, Colômbia, Costa Rica, Hondu-ras, Peru e uruguai. A pesquisa foirealizada, em grande parte, entrejaneiro e outubro de 2007 e concluiuque na maioria dos países analisa-dos havia abusos constantes porparte dos funcionários, que manipu-lam a distribuição de publicidadecom fins políticos e pessoais, emuma clara violação das normas inter-nacionais e regionais que protegema liberdade de expressão.

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação30

to da Criança e do Adolescente (ECA), que também trata da rela-ção infância/adolescência e mídia (Veja mais em “Criança e mídiasob a ótica do ECA” e na seção “2.5. Entre a lei e a realidade”, napg. 34). Para fazer valer esses direitos em situações de abuso damídia, a sociedade pode recorrer ao Ministério Público (MP).

Um caso exemplar foi o do movimento GLBTT (Gays, lésbicas, bis-sexuais, transexuais e transgêneros) que, se sentindo agredido coma representação de homossexuais, recorreu ao MP em 2005 contrao “Tardes Quentes”, do apresentador João Kleber, e conseguiu tiraro programa do ar. O espaço foi ocupado por vários direitos de res-posta que se transformaram no programa homônimo: “Direito deResposta”, veiculado durante várias semanas no final de 2006.

Outra maneira de pressionar os meios de comunicação por quali-dade é por meio de campanhas. Uma delas é a campanha “Quemfinancia a baixaria é contra a cidadania”, (www.eticanatv.org.br)desenvolvida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dosDeputados e organizações da sociedade civil. A iniciativa temcomo objetivo promover o respeito aos direitos humanos e à digni-dade do cidadão nos programas de televisão.

Art.�17 O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação daimagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espa-ços e objetos pessoais.Art.�71 A criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, espor-tes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condiçãopeculiar de pessoa em desenvolvimento.Art.�74 O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões eespetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que nãose recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.Parágrafo único – Os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos deve-rão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à entrada do local de exibição, infor-mação destacada sobre a natureza do espetáculo e a faixa etária especificada nocertificado de classificaçãoArt.�75 Toda criança ou adolescente terá acesso às diversões e espetáculos

>>

criança�e�mídia�sob�a�ótica�do�ecAEmbora não haja um capítulo específico sobre o tema, vários artigos do ECA refe-rem-se aos direitos de meninos e meninas relacionados à mídia. Conheça-os:

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 31

públicos classificados como adequados à sua faixa etária.Parágrafo único – As crianças menores de dez anos somente poderão ingressar epermanecer nos locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas dospais ou responsávelArt.�76 As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomen-dado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísti-cas, culturais e informativas.Parágrafo único – Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem avisode sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou exibiçãoArt.�247 divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qual-quer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento poli-cial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atri-bua ato infracional.Pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em casode reincidência.§ 1° – incorre na mesma pena quem exibe, total ou parcialmente, fotografia decriança ou adolescente envolvido em ato infracional, ou qualquer ilustração quelhe diga respeito ou se refira a atos que lhe sejam atribuídos, de forma a permitirsua identificação, direta ou indiretamente.§ 2° – Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou tele-visão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determi-nar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora atépor dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números.Art.�253�Anunciar peças teatrais, filmes ou quaisquer representações ou espetá-culos, sem indicar os limites de idade a que não se recomendem:Pena - multa de três a vinte salários de referência, duplicada em caso de reinci-dência, aplicável, separadamente, à casa de espetáculo e aos órgãos de divulga-ção ou publicidadeArt.�254�Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diversodo autorizado ou sem aviso de sua classificação:Pena – multa de vinte a cem salários de referência; duplicada em caso de reinci-dência a autoridade judiciária poderá determinar a suspensão da programação daemissora por até dois diasArt.�255 Exibir filme, trailer, peça, amostra ou congênere classificado peloórgão competente como inadequado às crianças ou adolescentes admitidosao espetáculo:Pena – multa de vinte a cem salários de referência; na reincidência, a autoridadepoderá determinar a suspensão do espetáculo ou o fechamento do estabeleci-mento por até quinze diasArt.�256 Vender ou locar a criança ou adolescente fita de programação em vídeo,em desacordo com a classificação atribuída pelo órgão competente:Pena – multa de três a vinte salários de referência; em caso de reincidência, aautoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por atéquinze dias

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação32

2.4�controle�sociAl�dA�imPrensA

Como vimos, em função dos princípios da liberdade de expressãoe, principalmente, de imprensa, os conteúdos jornalísticos nãoestão sujeitos a políticas regulatórias como a classificação indica-tiva. O que não impede que a imprensa não esteja também sujeitaaos processos de controle social de sua atividade. Além do direitode resposta, citado anteriormente, há outros recursos que podemser usados com esse objetivo. Entre eles, podemos citar os obser-vatórios de mídia e o ombudsman.

2.4.1�ombudsmAn

Também conhecido como ouvidor – apesar de no jornalismo suafunção ir além de estabelecer um canal de comunicação com asociedade –, esse profissional ainda é raro nas empresas de mídiabrasileiras. Sua principal função é receber reclamações e críticasdo público e analisar criticamente o material veiculado, expondopublicamente suas impressões. No caso de jornais, revistas e sites,isso geralmente é feito por meio de uma coluna; no caso do rádioou tevê, em um programa específico. No Brasil, alguns dos veícu-los que possuem a figura do ombudsman são os jornais Folha de S.Paulo (que foi pioneiro no País na criação desse serviço) e O Povo,de Fortaleza, além de emissoras como a TV Cultura e de portais deinformação on-line como IG e UOL.

Apesar de relativamente nova em nosso País, a função é bem anti-ga em outras nações. Já no início da década de 1980 foi criada aOrganization of News Ombudsmen (Organização de Ombudsmende Imprensa), com o objetivo de reunir profissionais de vários paí-ses e compartilhar experiências. Hoje, integram o grupo mais de 70desses jornalistas, de todo o mundo.

2.4.2.�A�sociedAde�como�observAtÓrioNos últimos anos, tem crescido noBrasil o número de organizações enúcleos de estudo voltados para omonitoramento da atuação da impren-sa e o fomento à melhoria da qualida-

O primeiro jornal domundo a contar com um ombudsman foi o Yomiuri Shimbum, deTóquio, em 1951

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 33

de das mensagens produzidas e veiculadas pela mídia. Um dosexemplos desse tipo de iniciativa é o trabalho desenvolvido pelaprópria Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) e pelaRede ANDI Brasil – Comunicação pelos Direitos da Criança e doAdolescente.

Outras experiências nesse sentido também vêm conseguindo pro-mover um debate crítico sobre a atuação dos meios noticiosos.Uma das mais antigas é o Observatório da Imprensa, que hoje pos-sui um programa televisivo (veiculado na rede pública de TV), umprograma de rádio (com transmissão em diversas emissoras) etambém um site.

Assim como o Observatório da Imprensa, vale a pena citar pro-jetos como o SOS Imprensa e o Núcleo de Estudos sobre Mídia ePolítica (NEMP), da Universidade de Brasília; o Midiativa e aRioMídia; o Canal da Imprensa, entre outros que também discu-tem de forma crítica os conteúdos da mídia. No final de 2005, foicriada a Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (Renoi),reunindo cerca de 20 instituições de vários estados brasileiros.

ANdi www.andi.org.brCanal da imprensa www.canaldaimprensa.com.brMidiativa www.midiativa.org.brMonitor de Mídia www.univali.br/monitorNúcleo de Estudos sobre Mídia e Política www.unb.br/ceam/nempObservatório da imprensa www.observatoriodaimprensa.com.brObservatório do direito à Comunicação www.direitoacomunicacao.org.brRioMídia www.multirio.rj.gov.br/riomidiaSOS imprensa www.unb.br/sos/site/index.htmRede ANdi brasil www.redeandibrasil.org.br

de�olho�na�imprensaAbaixo, uma lista com algumas organizações que acompanham o trabalho damídia brasileira:

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação34

2.5 entre�A�lei�e�A�reAlidAde

Traçado esse breve cenário das diferentes políticas de regulaçãodos meios de comunicação, é importante refletirmos sobre o con-texto brasileiro. Mesmo que já tenhamos apontado algumas dasdiretrizes legais existentes no País, vale a pena destacar as dificul-dades que ainda enfrentamos no âmbito das legislações.

No setor de comunicações e de imprensa, o Brasil convive comleis ultrapassadas – o que é especialmente preocupante em se tra-tando de uma área em constante transformação. Não bastasseisso, o País ainda não conta com uma legislação consolidada queintegre as diretrizes regulatórias dos diferentes meios de comuni-cação de massa. Da mesma forma, a Constituição Federal, quetrouxe avanços na regulação desse setor ao dedicar um de seuscapítulos ao assunto, ainda tem vários artigos que não foramregulamentados – notadamente, aqueles que se referem à demo-cratização dos meios de comunicação, às concessões públicas e àpropriedade dos meios.

Além disso, há forte pressão por parte dos próprios meios de comu-nicação para que a situação continue como está, já que isso favoreceem grande parte as empresas. Isso faz com que o Estado brasileironão implemente efetivamente processos de democratização dacomunicação no País.

Assim, apesar de contar com um sistema de comunicação bemdesenvolvido, o Brasil ainda está muito atrasado em relação aoutras nações quando o assunto são os marcos legais. A primeiratransmissão de rádio no território brasileiro foi em 1922, porém aslegislações iniciais do setor só foram criadas a partir do primeirogoverno de Getúlio Vargas, na década de 30, com os decretos20.047/1931 e 21.111/1932. Com a expansão do rádio e o surgi-mento da tevê, foi promulgada, em 1962, a Lei 4.117, conhecidacomo Código Brasileiro de Telecomunicações, aprovada sob muitapressão de políticos e empresários do setor.

Depois vieram ainda o decreto-lei 236/1967, estabelecendo frágeislimites à posse de emissoras de radiodifusão; o capítulo da Cons-tituição de 1988 dedicado à comunicação; a Lei do Cabo; o decre-

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 35

to 2.108/1996, com algumas inovações na área de radiodifusãocomercial; a Lei Geral de Telecomunicações, que não trata daradiodifusão; a Lei das Rádios Comunitárias e, desde junho de2006, o decreto 5.820, que trata da TV digital. Enfim, um emara-nhado de leis e decretos, muitos dos quais sem regulamentação, oque acaba criando uma confusão regulatória no setor e possibilitao uso político das concessões.

é importante ter em foco também que, no Brasil, conforme apon-tado pela publicação “Mídia e Políticas Públicas de Comunica-ção” (ANDI, 2007), hoje, pelo menos o Ministério das Comunica-ções, o Ministério da Justiça, o Ministério da Cultura, o Congres-so Nacional e a Anatel dividem diferentes atribuições no tocan-te à regulação das comunicações.

Mas isso não é o suficiente. Para o especialista Murilo CésarRamos, professor da Universidade de Brasília (UnB), é necessárioum marco regulador que consolide a legislação existente, vistoque o atual cenário constitui um ambiente pouco propício para aconvergência entre os interesses da sociedade civil, das empresase do Estado. Ramos critica, porém, a ideia de dar um aspectomeramente técnico a esse debate, como geralmente acontece, eafirma que essa é uma discussão também de cunho político.

Ministério da Comunicações www.mc.gov.brAgência Nacional de Telecomunicações (Anatel) www.anatel.gov.brFórum Nacional pela democratização dos Meios de Comunicação (FNdC) www.fndc.org.brColetivo brasil de Comunicação Social (intervozes) www.intervozes.org.brCampanha CRiS (Communication Rights in the information Society – direito de Comunicação na Sociedade da informação) www.crisbrasil.org.brinstituto de Estudos e Projetos em Comunicação (indecs) www.indecs.org.br

Por�dentro�da�legislaçãoPara conhecer um pouco mais sobre democratização dos meios de comunica-ção e concessões públicas, acesse os seguintes endereços eletrônicos:

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação36

2.5.1�conferênciA�nAcionAl�de�comunicAção

Recentemente, o debate sobre o direito à comunicação tem se inten-sificado. Um exemplo é a convocação, em 2009, da 1ª ConferênciaNacional de Comunicação (Confecom). O encontro é resultado deuma reivindicação histórica da sociedade brasileira, que vemdemandando novos espaços para uma reflexão sobre o marco regu-latório e as políticas de comunicação no País. De forma inédita, aconferência reunirá os atores-chave para o aprimoramento do marcoregulatório relativo à mídia: governo, empresas de comunicação eorganizações da sociedade civil.

As conferências são espaços nos quais a sociedade civil, em conjun-to com o poder público, debate e propõe temas fundamentais para acondução das políticas públicas. No campo da comunicação, esseinstrumento ainda não havia sido usado. Áreas como Saúde, Educa-ção, Direitos Humanos, Cidades, Segurança Alimentar e Nutricio-

Art.�220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informa-ção, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,observado o disposto nesta Constituição.§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plenaliberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social,observado o disposto no art. 5º, iV, V, x, xiii e xiV.§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.§ 3º – Compete à lei federal: i – Regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Públicoinformar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem,locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; ii – Estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibili-dade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisãoque contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos,práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos,medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do incisoii do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre osmalefícios decorrentes de seu uso.§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, serobjeto de monopólio ou oligopólio.

o�que�diz�a�constituição�brasileiraNa Carta Magna há três artigos relacionados ao acesso e à produção de mídia:

Passo�2 > A regulação dos meios de comunicação 37

� � � � �

§ 6º – A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licençade autoridade.Art.�221 A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão aten-derão aos seguintes princípios:i – Preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;ii – Promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção indepen-dente que objetive sua divulgação;iii – Regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme per-centuais estabelecidos em lei;iV – Respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.Art.�223�Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão eautorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observadoo princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.§ 2º – A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovaçãode, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.§ 3º – O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais apósdeliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.§ 4º – O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo,depende de decisão judicial.§ 5º – O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emisso-ras de rádio e de quinze para as de televisão.

nal, Meio Ambiente, Cultura, Assistên-cia Social, Juventude, Crianças e Ado-lescentes, entre outras, têm realizadocom frequência suas conferências.

Assim como em Conferências deoutras áreas, o encontro nacional seráprecedido de etapas regionais – orga-nizadas entre municípios ou gruposde municípios e, posteriormente, nosestados –, que definirão as principais propostas a serem apresen-tadas à etapa nacional. A contribuição de todos nesse processoregional é fundamental para que a conferência reflita os anseiosda população no que diz respeito ao tema da comunicação. Com aconvocação da Confecom, abre-se um espaço para a sociedadebrasileira consolidar um modelo mais participativo de formulaçãode políticas públicas na área da comunicação.

Mais informações sobre a primeira

Conferência Nacional de Comunicação

podem ser obtidas no site www.proconferencia.org.br

Passo�3 > Jornalismo e agenda social38

1234>Jornalismo

e agenda social

PASSO

Nos primeiros passos deste caderno tratamos da mídia de formamais ampla, referindo-nos à relação entre mídia e democracia, aodireito à comunicação, à regulação democrática dos meios decomunicação, à distância entre as leis e a realidade, entre outrosaspectos. Neste capítulo vamos nos concentrar em uma área damídia ligada à informação e uma das mais importantes para asociedade: a imprensa.

Já vimos que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa sãofundamentais numa democracia, mas só recentemente a sociedadepassou a ter essa consciência e a oportunidade de conhecer seusdireitos em relação à comunicação. A invenção da prensa, em 1450,por Gutenberg, revolucionou a maneira de as pessoas se relaciona-rem umas com as outras, suas formas de aprender, expressarem seuspontos de vista e compartilharem informações e conhecimento.Com o surgimento das primeiras publicações impressas, tornou-sepossível que conteúdos que antes ficavam restritos a poucos privile-giados fossem socializados, simultaneamente, para um grandenúmero de pessoas. Era o início da era da comunicação de massa.

As novas perspectivas criadas pelo invento de Guternberg rapida-mente chamaram a atenção dos donos do poder, que logo passarama estabelecer mecanismos de controle para a produção e distribuiçãodas informações. No século 16, por exemplo, o rei Henrique VIII, da

Inglaterra, determinou que os livros só poderiam ser publicadosno país caso as editoras tivessem uma licença do governo britâni-co. O exemplo histórico nos ajuda a perceber como, desde seusprimórdios, os meios de comunicação passaram a ocupar umlugar central na sociedade.

Com o surgimento dos primeiros jornais regulares de notícias, jáno século 17, ficou evidente o forte impacto que esses veículostinham na sociedade – notícias publicadas em jornais e boletinslogo se tornavam tema de conversa nas praças, bares e espaçospúblicos em geral. Isso revelava um dos grandes poderes que aimprensa passou a deter em suas mãos: a capacidade de influen-ciar os assuntos discutidos pelos diferentes atores sociais.

Passo�3 > Jornalismo e agenda social 39

• Oferecer à sociedade informação confiável e contextualizada – de tal maneiraque os cidadãos e as cidadãs possam participar mais ativamente da vida polí-tica, fiscalizando e cobrando a promoção de seus direitos;

• Ser pluralista na construção de uma agenda de debates prioritários, contribuin-do para que temas de alta relevância para o desenvolvimento humano possamalimentar a esfera pública de discussões a partir do envolvimento de um maiornúmero de atores;

• Exercer controle social em relação aos governos e às políticas públicas, deforma a colaborar para que os governantes (e também o setor privado e asociedade civil) sejam mais responsáveis na formulação, na execução, nomonitoramento e na avaliação dessas políticas.

A�imprensa�na�atualidadedando um salto no tempo e chegando aos dias de hoje, não restam dúvidas deque a imprensa continua a ocupar um espaço central nas sociedades democrá-ticas. Se focarmos nossas reflexões nos impactos que os meios de comunica-ção geram no âmbito das políticas públicas, poderíamos apontar três caracterís-ticas estratégicas:

3.1 quAlidAde�dAs�informAções

Uma das importantes contribuições que a imprensa pode oferecerao processo de consolidação das sociedades democráticas estárelacionado à divulgação de informações que, historicamente,sempre ficaram sob controle de um reduzido número de pessoas.Os profissionais do jornalismo têm uma enorme responsabilidade

Passo�3 > Jornalismo e agenda social40

social: levar para todos os cidadãos e cidadãs informações contex-tualizadas sobre as ações governamentais e sobre outras questõesde interesse coletivo. O jornalismo pode, portanto, oferecer aosindivíduos oportunidades para se colocarem – favoravelmente ounão – frente às políticas públicas e às propostas governamentais.

Muitas vezes, é a cobertura da imprensa que leva à populaçãoinformações sobre serviços de relevância pública, sobre os diferen-tes aspectos de um mesmo tema ou sobre direitos que possuem eprecisam ser buscados.

Quando a imprensa coloca luz sobre o processo eleitoral para aescolha dos conselheiros tutelares de um município, orientando apopulação sobre como participar – seja como candidato ou comoeleitor –, ela está exercendo sua tarefa de levar informações con-textualizadas para a sociedade.

Dessa forma, quando explora o contexto dos fatos, quando desen-volve um enfoque plural, abrindo espaço para diferentes atoressociais ou quando traz orientações a seus leitores, ouvintes outelespectadores sobre um determinado assunto, a imprensa podecontribuir diretamente para fortalecer a busca dos indivíduos porseus direitos como cidadãos.

3.2�AgendAmento

Outro papel relevante dos veículos de imprensa diz respeito à suacapacidade de influenciar a construção da agenda pública. Em outraspalavras, isso significa dizer que os temas abordados pela mídia, viade regra, serão os temas priorizados pelos governos – e pelos atoressociais e políticos de maneira geral – no momento de definir suaslinhas de atuação. Por outro lado, os assuntos “esquecidos” pelos jor-nalistas dificilmente conseguirão receber atenção da sociedade e,consequentemente, dos decisores públicos (Veja mais em “Por exem-plo”, na pág. 42). é a chamada Teoria do Agendamento (ou na expres-são em inglês, agenda-setting).

Essa talvez seja a característica da mídia mais reconhecidapelas pessoas. é comum ouvir a frase “o que não está na mídianão é importante”. Apesar de conter um certo exagero, tal

Passo�3 > Jornalismo e agenda social 41

expressão é uma tradução popular para o que dizem os estudio-sos da Teoria do Agendamento.

Reconhecer e entender tal característica da imprensa é um passoimportante para os movimentos e organizações sociais pensaremnos jornalistas como aliados estratégicos e não como adversários.Estabelecer um diálogo ético e construtivo com esses profissionaispode contribuir para aumentar a visibilidade de temas e causassociais que normalmente recebem pouca atenção da sociedade.

Vale destacar, no entanto, que a presença de um assunto nas pági-nas de jornal, nos programas de rádio ou na tela da tevê não repre-senta a única condição para que ele seja levado em consideraçãopelos governos e pelos parlamentos. O trabalho de incidência polí-tica, por exemplo, também pode favorecer esse processo. Da

• A mídia é a principal provedora de informações para que os cidadãos sesituem no mundo social. É por meio dela que um grande número de pessoasse informa sobre a atuação de seus candidatos e define o seu voto, porexemplo;

• A mídia é a principal difusora dos discursos dos candidatos à liderança políti-ca. Para falar com o maior número de eleitores possível, uma das principaisestratégias dos políticos é recorrer aos meios de comunicação;

• Em conjunto, os dois primeiros aspectos geram um terceiro: o fato de queboa parte da ação política se dirige à mídia. Os políticos de hoje se valem deestratégias para garantir uma cobertura positiva da imprensa em relação aoseu trabalho e, com isso, influenciar seus possíveis eleitores;

• Os meios desempenham um papel significativo nas trocas comunicativas noseio da própria elite política – muitas vezes, o conflito e os diálogos entrepolíticos são travados propositalmente por meio da mídia, com o objetivoquase sempre de ampliar a repercussão das diferentes posições;

• Por fim, a mídia, ao mesmo tempo em que interfere no processo de formula-ção da agenda pública debatida no dia-a-dia, realiza a fiscalização (ou deve-ria realizar) dos atores do cenário político (função de “cão de guarda”).

mundo�políticoNão demorou muito para que a capacidade da imprensa de influenciar direta-mente os diversos contextos sociais fosse percebida e apropriada pelos atoresdo mundo político. Hoje em dia, não seria absurdo dizer que é impossível exer-cer a política sem recorrer aos meios de comunicação. No documento “Mídia ePolíticas Públicas de Comunicação” estão apontados cinco aspectos, queexplicam essa relevância:

Passo�3 > Jornalismo e agenda social42

mesma forma, é necessário conside-rar que questões que afetam muitodiretamente a vida das pessoas –como saúde e educação – sempreserão foco de atenção de governan-tes e parlamentares, independente-mente de estarem ou não tão presen-tes na imprensa.

3.3�cão�de�guArdA

Ao mesmo tempo em que influenciaa construção da agenda pública, aimprensa pode fiscalizar a atuaçãodo Estado e da administração públi-ca. Para diversos estudiosos da

comunicação, a liberdade de imprensa assegura aos profissio-nais da notícia uma voz independente e a capacidade de moni-torar as instituições públicas.

Esse papel dos meios de comunicação foi chamado pelos espe-cialistas de “cão de guarda” (ou watchdog, na expressão eminglês). O termo indica o potencial da mídia em alertar a socie-dade sobre equívocos e acertos dos governos e de outras insti-tuições públicas. A imprensa tem, assim, o dever de informara população sempre que descobrir atividades corruptas, mal-versação de verbas e políticas públicas ineficazes na promoçãodo desenvolvimento.

Entretanto, a mídia pode fazer mais que denunciar as atitudesgovernamentais antiéticas ou corruptas: ela tem condições deanalisar e monitorar os resultados das políticas públicas, veri-ficando se cumprem os resultados esperados e prometidos,inclusive fornecendo espaço para que os atores sociais envol-vidos expressem suas opiniões. Nesse sentido, o acompanha-mento, não apenas do lançamento oficial de projetos, mas desua continuidade, da idoneidade em sua execução e de seusresultados é – ou deveria ser – uma das responsabilidades cen-trais dos jornalistas.

Por�exemPlo_É comum no brasil a constante reto-mada de uma discussão que aconte-ce desde a aprovação do Estatuto daCriança e do Adolescente: a reduçãoda maioridade penal. Muitos doscasos de violência praticada por ado-lescentes, quando recebem destaquena imprensa, acabam gerando, emmeio à comoção pelo crime cometido,a volta do debate sobre a idadepenal. Como consequência, geral-mente o assunto ganha força nosespaços políticos – como o Congres-so Nacional. Esse é um bom exemploda capacidade de agendamento dosmeios de comunicação.

Passo�3 > Jornalismo e agenda social 43

3.4�jornAlismo�de�quAlidAde

Apesar de toda a relevância para as sociedades democráticas, osmeios de comunicação são também alvo de críticas e reclamaçõesde cidadãos e cidadãs insatisfeitos com sua atuação, geralmenteem casos relacionados aos conteúdos da tevê, como vimos em“Defesa da sociedade” (págs. 27-28). A imprensa, apesar de contarcom maior credibilidade não está imune a críticas à sua atuação –casos de denúncias infundadas, ataques políticos ou informaçõesequivocadas são exemplos de situações em que a qualidade do tra-balho jornalístico é posta a prova.

Essas falhas na cobertura jornalística abrem espaço para a perguntasobre a quem caberia garantir um jornalismo de qualidade. Muitosdiriam que às empresas de comunica-ção e a seus profissionais. Isso semdúvida é verdade, mas não apenas. Otrabalho da imprensa exige a contribui-ção de diferentes atores sociais, senãode toda a sociedade. Por isso, mais quecriticar, é necessário que cada um dossegmentos envolvidos exerça seu papelna qualificação do jornalismo.

No campo social, o fortalecimento dobom jornalismo – capaz de contribuirpara a cidadania e para o desenvolvi-mento do País – exige principalmente oaprimoramento do diálogo entre gesto-res públicos, especialistas, representan-tes dos movimentos sociais e comuni-cadores. Mais do que querer converteresses profissionais em militantes dascausas que defendemos ou em meros“instrumentos utilitários” para a trans-missão das informações que nos inte-ressam, o relacionamento com os jorna-listas exige a construção de um diálogoético e qualificado. Afinal, todos temosresponsabilidades a cumprir (Veja maisem “O papel de cada um”, na pág. 44).

“Não estamos pedindoque os jornalistas

transformem-se em ativistas e comecem aacenar bandeiras, mas

eles não podem ser apenas observadores

passivos da miséria e daescassez a seu redor.

Serão o comprometimentoe o profissionalismo de

bons jornalistas queassegurarão uma

cobertura inteligente eaprofundada do

desenvolvimento”Kunda dixit,

editor-chefe do Nepali Times. Mídia and Good Governance - unesco

estado

• Formular e implementar legislações consistentes para regu-lação dos meios de comunicação, visando garantir a liber-dade de expressão e de imprensa e a definição de limites eresponsabilidades para a atuação dos diversos agentes;

• Ter ética nos investimentos realizados em publicidade estatal;• investir no fortalecimento do sistema público de comunicação;• Garantir o pleno acesso à informação pública.

grupos�de�comunicação�

• Assegurar condições de trabalho justas para os jornalistas; • Apoiar e reconhecer os jornalistas que cobrem temas

sociais e ligados ao desenvolvimento;• Estimular a prática do jornalismo investigativo;• Oferecer oportunidades de qualificação profissional;• Garantir que a realidade local também seja foco do noticiário;• Assegurar o direito de resposta;• instituir recursos como ombudsman, conselhos de leitores,

códigos de ética, entre outros mecanismos de monitoramen-to do trabalho e de garantia da qualidade;

• implementar políticas de responsabilidade social corporativaque também envolvam os departamentos de jornalismo;

• Atuar com transparência nas relações com grupos políticose/ou econômicos.

sistemas�de�responsabili-zação�da�mídia�(observatóriosde�imprensa�eoutros)

• Monitorar o conteúdo editorial de empresas de comunicação;• Promover uma leitura crítica da cobertura da imprensa;• desenvolver metodologias capazes de fortalecer a consciên-

cia do público, dos jornalistas e das empresas de mídia emrelação às questões centrais da agenda social;

• Acompanhar os problemas estruturais da mídia.

entidades�de�classe�e�instituições�deaprimoramentoprofissional�(Associações,�federações�etc.)

• Manter ativa a mobilização pelos direitos trabalhistas;• Fiscalizar as empresas e incentivá-las a assegurar condi-

ções de trabalho que viabilizem um jornalismo de qualidade;• Possibilitar a constante capacitação dos jornalistas, ofere-

cendo oportunidades e pressionando as empresas a fazê-lo.

Passo�3 > Jornalismo e agenda social44

o�papel�de�cada�umA seguir procuramos apontar, de forma sintética, os papéis de diferentes segmentos sociais na garantia de qualidade na atividade jornalística:

Passo�3 > Jornalismo e agenda social 45

universidades

• incluir no currículo de Comunicação e/ou Jornalismotemas sociais e do desenvolvimento;

• Promover estudos e pesquisas sobre a interface entre Jor-nalismo e temáticas de cunho social e de desenvolvimento.

jornalistas

• Ter consciência dos limites impostos pela formaçãopessoal e pela formação acadêmica;

• Assumir efetivamente um compromisso profissional eético na cobertura jornalística;

• Garantir em suas reportagens a pluralidade de fontesde informação, de forma a fortalecer a contextualiza-ção da cobertura;

• Fomentar o jornalismo investigativo;• investir permanentemente em sua própria capacitação.

Atores�sociais(sociedade�civil,empresas,�agências�internacionais,�especialistas)

• Ter transparência quando for fonte de informação;• Ampliar e qualificar seu diálogo com os profissionais

da notícia;• Atuar como colaborador para a produção de informações

qualificadas e não somente como relações públicas;• Ter proaatividade em relação aos espaços de opinião,

produzindo artigos e incentivando outros atores a fazê-lo;• Criar e oferecer oportunidades de qualificação aos jorna-

listas sobre os temas e causas defendidos pelas organi-zações e movimentos sociais;

• Promover prêmios de jornalismo e outras estratégiasde reconhecimento ao bom jornalismo.

sistema�público�eprivado�de�ensinobásico

• integrar à grade curricular do ensino básico conteúdosou disciplinas relacionados à leitura crítica da imprensa(educação para a mídia, educomunicação etc.);

• Promover uma articulação entre seus processos deensino e extensão e o trabalho desenvolvido pelasorganizações da sociedade civil e por veículos decomunicação.

cidadãos�e�cidadãs

• Formar e exercer uma leitura crítica e consistente dosconteúdos editoriais veiculados pela mídia;

• Manter uma constante interação com as redações, pormeio de cartas, e-mails, telefonemas e outros recursos.

Passo�3 > Jornalismo e agenda social46

3.4.1� imPrensA�e�desenvolvimento

Da mesma forma que a imprensa mantém uma relação direta comos mecanismos que contribuem para a consolidação da democra-cia, ela também desempenha um papel central para o debate daspolíticas de desenvolvimento de um país. Ao observarmos o traba-lho jornalístico a partir dessa perspectiva, fica claro porque seuimpacto nas sociedades contemporâneas vem sendo estudado cadavez mais por especialistas de um novo campo de conhecimento,chamado de comunicação para o desenvolvimento.

O conceito de comunicação para o desenvolvimento é abrangentee abarca as mais diversas manifestações comunicacionais, quandobuscam incidir em aspectos sociais, culturais, econômicos eambientais, para citar alguns exemplos. Nesse sentido, pode-seafirmar que os níveis de democratização e de liberdade de expres-são e de imprensa de uma nação são também fatores determinan-tes de seu processo de desenvolvimento.

é o que afirma, por exemplo, o ex-presidente do Banco Mundial,James D. Wolfensohn: “Uma imprensa livre não é um luxo. Ela estáno núcleo do desenvolvimento equitativo. Os meios podem expora corrupção. Podem se manter vigilantes em relação às políticaspúblicas, lançando luz sobre as ações governamentais. E permitemàs pessoas exprimir suas diferentes opiniões sobre governança ereformas, além de contribuir na construção dos consensos públi-cos necessários às mudanças”.

Não por outra razão, o indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de Eco-nomia e um dos formuladores do conceito de DesenvolvimentoHumano, enfatiza: “a liberdade de imprensa exige a nossa maisforte defesa, entretanto a imprensa tem tanto obrigações quantodireitos. Na verdade, a liberdade de imprensa define ambos – umdireito e um dever – e nós temos boas razões para lutar pelos dois”.Inúmeros exemplos desse importante papel desempenhado pelaimprensa poderiam ainda ser apontados. A cobertura de temasrelacionados à saúde talvez seja, atualmente, um dos mais reco-nhecidos (Veja mais em “O exemplo da saúde”, na pág. 47). Aoorientar a população sobre fatos relacionados a doenças e epide-mias, os meios de comunicação desempenham função fundamen-

Passo�3 > Jornalismo e agenda social 47

tal para assegurar que o maiornúmero possível de pessoas tenhaacesso às informações necessárias,exercendo o chamado jornalismopreventivo.

Entre as funções que cabem à mídia,no âmbito do desenvolvimento, valerelembrar aquelas abordadas ante-riormente: produção de informaçõescontextualizadas no campo da cida-dania; agendamento dos temassociais relevantes; e controle socialdas instituições públicas.

3.4.2�indicAdores�dedesenvolvimento�dA�mídiA

Reconhecendo a necessidade dacontribuição de vários atores e esferas sociais para o desenvolvi-mento de uma mídia transparente, diversa e independente, o Con-selho Intergovernamental do Programa Internacional para oDesenvolvimento da Comunicação, da Unesco, se propôs a iden-tificar as características-chave de um sistema midático no qualpossam prosperar a liberdade de expressão, a independência e opluralismo dos meios.

O fruto dessa iniciativa está descrito na publicação “Indicadores deDesarrollo Mediático: marco para evaluar el desarrollo de los mediosde comunicación social” (Unesco, 2008). O texto oferece um conjun-to de indicadores que orientam um diagnóstico do estado dos meiosde comunicação dentro de um determinado contexto nacional, comoinsumo para os esforços de desenvolvimento do setor.

Buscando captar as formas como a mídia impacta sobre os meca-nismos democráticos, os indicadores abrangem um amplo lequede categorias, desde a existência de um marco regulatório que pro-teja e promova a liberdade de expressão (papel determinante doEstado) até a ausência de concentração da propriedade e a existên-

o�exemPlo�dA�sAúde_No artigo que submeteu ao GlobalForum on Media Development, reali-zado na Jordânia em 2005, WarrenFeek, diretor executivo da The Com-munication Initiative afirma que umvolume maior e mais qualificado deinformações sobre saúde leva aresultados positivos em várias áreas.uma pesquisa abrangente realizadano continente africano, por exemplo,concluiu que “há uma associaçãoforte, persistente e na direção espera-da entre exposição a meios de comu-nicação de massa e comportamentoreprodutivo na áfrica, isto é, maiorconhecimento e uso de contracepti-vos, intenção de uso de contracepti-vos no futuro, preferências por menornúmero de filhos etc.”.

Passo�3 > Jornalismo e agenda social48

cia de meios independentes e pluralis-tas. Os indicadores também buscamavaliar a responsabilidade social dasempresas e a autorregulação, a partici-pação da sociedade civil e a qualidadeda capacitação profissional e institu-cional (aqui as universidades são ele-mentos fundamentais).

3.5�infânciA�e�AdolescênciA

Quando observamos o debate sobremídia e desenvolvimento a partir dosdireitos de crianças e adolescentes, umexemplo chama a atenção: a contribui-ção oferecida pela imprensa brasileira aessa agenda, a partir dos anos 1990.Desde a aprovação do Estatuto daCriança e do Adolescente, a atividadejornalística passou a ocupar um papelcentral tanto na disseminação dos prin-cípios estabelecidos pela nova Leiquanto na discussão sobre os progres-sos e as deficiências das políticas públi-cas direcionadas a essa população.

Essa constatação não significa que a cobertura jornalísticasobre infância e adolescência não continue apresentando limi-tes ou equívocos. Mas o fato é que o interesse da imprensasobre a temática cresceu vertiginosamente – e com repercus-sões muito positivas. O registro desse processo vem sendofeito, ano a ano, pelas metodologias de monitoramento e análi-se de mídia desenvolvidas pela ANDI – Agência de Notíciasdos Direitos da Infância.

Ao longo de 2007, por exemplo, 54 diários brasileiros acompa-nhados pela ANDI publicaram 149.640 textos que abordavamcentralmente questões relativas ao público infanto-juvenil. Dezanos antes (1996), haviam sido identificados somente 10.540

“Enquanto houver umacriança fora da escola,um jovem sem acesso à qualificação profissio-nal, um menino carregando uma enxadano lugar de um lápispara ajudar a família acomer, será papel daimprensa mostrar essarealidade e perguntar seé isso o que queremospara nós. A respostacaberá a cada cidadão.Mas a obrigação decontar essas histórias énossa, jornalistas.”Luciana Constantino, Jornalista Amiga da Criança, Estado de S. Paulo (brasil)

Passo�3 > Jornalismo e agenda social 49

notícias, veiculadas por um númerosemelhante de jornais. Essa amplia-ção de mais de 1.000% no volumeda cobertura sobre as questões prio-ritárias para os direitos das novasgerações é, por si só, um claro indi-cador de que o assunto ganhou rele-vância na esfera pública. Mas valedestacar também avanços relativosao foco temático: pautas da área deEducação deixaram para trás a quin-ta posição, entre os 20 assuntosmonitorados pela ANDI em 1996,para consolidar-se no topo da lista –colocação muito mais adequada,convenhamos, no contexto de umPaís que pretende enfrentar as desi-gualdades sociais a partir de ummodelo mais inclusivo de desenvol-vimento.

reconhecimento�Público_No brasil, diversas iniciativas reco-nhecem e incentivam a produção dereportagens com foco no desenvolvi-mento social e humano. Meioambiente e educação, por exemplo,são temas de concursos como o Prê-mio docol/ Ministério do MeioAmbiente de Jornalismo e do PrêmioiGE de Jornalismo, desenvolvidopela Fundação Lemann.Outro exemplo é o diploma JornalistaAmigo da Criança, concedido pelaANdi a profissionais de comunicaçãocom reconhecida atuação na cobertu-ra de assuntos relacionados aodesenvolvimento infanto-juvenil. Atual-mente, 346 profissionais de todo obrasil são diplomados – um reconhe-cimento ao exercício jornalístico quese referencia nos princípios do Estatu-to da Criança e do Adolescente.

50

PARTE 2

A COMuNiCAÇÃO PARA AMObiLizAÇÃO SOCiAL

51

Falamos da importância da mídia no con-texto dos regimes democráticos e sobre anecessidade de os movimentos sociaisestabelecerem bons canais de diálogo comos jornalistas. Entretanto, o papel da

comunicação para a mobilização social não podeestar restrito ao universo da mídia e dos grandes veí-culos jornalísticos. Sua função é maior. Lembremosque sempre que nos dirigimos ao outro – seja pelafala, por palavras escritas ou por expressões corpo-rais – estamos exercendo um ato comunicativo.Dessa forma, há uma outra dimensão da comunica-ção, mais direta e que ocorre sem a mediação dosveículos de imprensa, que é fundamental para osprocessos de incidência realizados pela sociedadecivil. Estamos falando do uso das ferramentas decomunicação para a mobilização de vontades e paraa convocação de parceiros para a mudança social.Sem construir alianças, é impossível alterar asmazelas que assolam nossa sociedade. E sem boasestratégias de comunicação, torna-se difícil encon-trar apoio para realizar as ações urgentes que levarãoa mudanças nessa realidade.

52 Passo�1 > Mobilizar vontades

GRANDE PARTE DA AçãO DESENVOLVIDA pelos movimentos sociais é demobilização. Sem apoio, dificilmente uma organização conseguirápromover mudanças capazes de gerar a transformação necessária.Para que isso ocorra, é preciso que estejam juntos os cidadãos, asorganizações sociais e o poder público, todos afinados em busca deum mesmo ideal. A comunicação surge como base para esse pro-cesso. Afinal, mobilizar é comunicar sentidos, compartilhar expec-tativas, discutir e construir consensos e estratégias em torno de ummesmo horizonte.

1.1.�dimensões�dA�mobilizAção

Os pesquisadores Bernardo Toro eNísia Werneck, em “Mobilização Social– Um modo de construir a democraciae a participação” (Autêntica, 2004)definem mobilizar como “convocarvontades para atuar na busca de umpropósito comum, sob uma interpreta-ção e um sentido também compartilha-dos”. Esse processo se dividiria emquatro etapas, que explicamos emseguida.

1Formulação do imaginário: Con-siste no compartilhamento de umasérie de conceitos e ideias, e deve

12345>Mobilizar vontades

PASSO

mAis�que�mídiA_Quando falamos em comunicação,não raro associamos o termo ao jor-nal, às revistas, à televisão, ao rádioe à internet. Mas é importante enten-dermos que comunicação é algo bemmaior. A palavra vem do latim com-municare e significa participar, fazer,saber, tornar comum. Assim, comuni-cação, comunhão e comunidade sãopalavras que têm a mesma raiz eestão relacionadas à mesma ideia dealgo compartilhado. Quando vocêcomunica alguma coisa a alguém,torna aquilo comum a ambos. Quan-do se publica uma notícia ela passa afazer parte da comunidade. Comuni-car faz parte do processo social bási-co, primário, que torna possível avida em sociedade.

Passo�1 > Mobilizar vontades 53

acontecer de forma atrativa e convo-cante. Na área da infância, por exem-plo, é desejável que todos entendamque essa é uma fase especial para odesenvolvimento humano e que, porisso, merece proteção integral.

2Definição do campo de atua-ção: Tem a ver com a delimita-ção dos papéis de cada ator

social. De acordo com Bernardo Toroe Nísia Werneck, muitas pessoas estão dispostas a participar, masquerem fazê-lo na área em que atuam, por meio das atividades querealizam. Isso pode ser aplicado aos públicos envolvidos no pro-cesso de incidência sobre o Orçamento da Criança e do Adolescen-te (OCA): o Executivo deve destinar recursos e executar as políticaspúblicas da área. O Legislativo precisa garantir que a peça orça-mentária contemple verbas para as ações voltadas para o públicoinfanto-juvenil, além de monitorar o ritmo e a qualidade dos inves-timentos realizados pelo Executivo. Já a imprensa deve cumprirsua função de “cão de guarda”, acompanhando e cobrando dopoder público a efetivação dos compromissos assumidos.

3Coletivização: Permite que os atores mobilizados para umadeterminada ação percebam que não estão agindo isolada-mente. Isso garante estabilidade à mobilização social e, ao

mesmo tempo, exige que os interesses se desloquem do terrenoindividual para o coletivo. Um exemplo de como se dá a coletivi-zação é o trabalho de conscientização para se entender a violaçãodos direitos da criança e do adolescente como um problema detoda a sociedade, e não apenas do indivíduo que foi violado e desua família. Na área da infância e da adolescência a coletivizaçãoé importante para que a proteção aos direitos de meninos e meni-nas seja de fato integral.

4Acompanhamento: é o processo que permite a quem estáparticipando da ação e à sociedade em geral aferir o resulta-do do trabalho. Isso é fundamental para a legitimação da

causa e do movimento social. Também favorece a entrada denovos membros e mantém aceso o entusiasmo dos que participam.

Comunicar é uma dasmaneiras de mobilizar asociedade para que elaajude na garantia dosdireitos previstos peloEstatuto da Criança e doAdolescente

Passo�1 > Mobilizar vontades54

é comum, por exemplo, realizar emdatas comemorativas, como o aniver-sário do Estatuto da Criança e do Ado-lescente, eventos de avaliação dosavanços e desafios enfrentados desde apromulgação da Lei. Essa reflexão per-mite às pessoas e às organizações enga-jadas mensurar os resultados do seutrabalho e identificar rotas de atuaçãoque precisam ser revistas.

Nas quatro dimensões da mobilizaçãosocial, a comunicação é fundamental.Sua dimensão simbólica está presentena formulação do imaginário. A adesãode novos membros e a continuidadedos trabalhos está diretamente ligada àcapacidade de comunicar as possibili-dades de agir dentro de cada campo deatuação. E, por fim, é por meio de açõese instrumentos de comunicação que sepromove a coletivização das ideias edos trabalhos, assim como o acompa-nhamento das atividades.

o�conceito�de�infânciA_Hoje temos muita familiaridade com otermo “infância”, mas, se olharmospara o passado, veremos que sua ori-gem é relativamente recente, datadado século xVii. durante a maior partede sua existência, a humanidade nãofez distinções entre crianças, adoles-centes e adultos. Foi por meio de pro-cessos históricos que comportamen-tos que antes eram vistos de formanatural – como o envolvimento demeninos e meninas em trabalhospesados e insalubres – passaram aser repensados e revistos. No casobrasileiro, atualmente temos o Estatu-to da Criança e do Adolescente, ummarco regulatório avançado e consis-tente, mas que precisa ainda sermelhor incorporado pela sociedade.Por isso é importante trabalhar junto àpopulação para que esse imaginárioem torno da infância e da adolescên-cia, baseado na proteção integral e naresponsabilidade de todos, torne-seconhecido por toda a sociedade.

localização�espacial:�É a identificaçãodos públicos dentro da área de atuaçãogeográfica do movimento, que podeser, por exemplo, uma rua, uma cidade,um país etc.informação: Consiste no reconheci-mento dos projetos ou das iniciativassociais pelo público. isso pode aconte-cer tanto de forma planejada e mediadapor veículos de comunicação, quantotambém em esferas informais, como

nas conversas cotidianas. julgamentos: A partir das informaçõesrecebidas das várias fontes as pessoastêm condições de criar seu próprio jul-gamento, definindo se concordam ounão com a ação. Ação: Muitas pessoas não apenas con-cordam com o que está sendo feito,como resolvem aderir à proposta. Odesafio é fazer com que esse engaja-mento ocorra de forma coesa e contínua.

Localizaçãoespacial

informação Julgamento Ação

vínculo

Passo�1 > Mobilizar vontades 55

No livro “Comunicação e Estratégias de Mobilização Social” (Autêntica,2004), organizado por Márcio Simeone Henriques, a comunicação é apon-tada como essencial aos movimentos sociais, uma vez que permite a gera-ção e a manutenção de vínculos com seus públicos, por meio do reconhe-cimento da existência e da importância de cada um, assim como do com-partilhamento de sentidos e valores. Para Bernardo Toro e Nísia Werneck,as características da mobilização social – de processo de compartilhamen-to de interpretações, sentidos e discursos – permitem que ela seja reconhe-cida como um ato de comunicação.

1.2�criAndo�vínculos

Mobilizar é criar vínculos, mas, da mesma forma que há várias dimensõesdentro da mobilização social, a vinculação também pode ser subdivididaem diversas fases – que variam de acordo com a intensidade com que públi-co e mobilizadores estão ligados. Segundo Márcio Simeone Henriques, em“Comunicação e Estratégias de Mobilização Social”, os esforços mobiliza-dores devem ter como horizonte a corresponsabilização dos indivíduos.Mas até se chegar a esse ponto, há vários outros níveis de vinculação, quepodem ser vistos na tabela abaixo:

bRAGA, Clara S,; HENRiQuES, Márcio S.; MAFRA, Rennan L. M. O Planejamento da comunicação para amobilização social: em busca da co-responsabilidade. in: HENRiQuES, Márcio S. (org.). Comunicação eestratégias de mobilização social. belo Horizonte: Autêntica: 2004.

Coesão Continuidade Corresponsabilidade Participação institucional

corresponsabilidade: Ocorre quando opúblico se sente responsável pelo sucessoda iniciativa, entendendo a sua participa-ção como parte essencial do todo.Participação�institucional: É o estágiono qual os públicos têm um vínculo maisforte, concretizado em relações contra-tuais. Entretanto, um projeto de mobiliza-

ção não deve buscar a participação institu-cional de todos os seus públicos, emtodos os momentos, pois isso o descarac-terizaria. de um sistema aberto, no qualas pessoas se inserem pela mobilização,passaria a ser um sistema fechado epouco flexível, o que oferece o risco deengessamento burocrático.

Este é o nível ideal de mobilização para as organizações sociais

Passo�1 > Mobilizar vontades56

Durante todo o processo, a difusão de informações a respeito daação e de seus promotores é fundamental para que as pessoas osconheçam, saibam de suas propostas e objetivos, formem julga-mento e optem por participar ou não das ações – seja de maneirapontual ou no cotidiano do movimento.

No caso do trabalho de monitoramento e incidência do OCA emseu município, você iniciará o trabalho tendo em vista todos osmoradores da cidade. Entretanto, isso não basta. O ideal é que oindivíduo ou a organização alcancem um nível de informação talque emitam um julgamento positivo, de forma que se sintam con-vidados a participar, mas não apenas “uma vez ou outra”, e sim demaneira coesa e contínua. Esse é o caminho para que se chegue aonível desejado por todos os processos de mobilização: a corres-ponsabilidade, com todos os integrantes sentindo-se responsáveispelo sucesso da iniciativa.

Passo�2�> Planejamento da comunicação 57

O tema orçamento público traz um desafio especial à mobiliza-ção. Até bem pouco tempo, as leis orçamentárias ficavam restri-tas aos gabinetes dos técnicos das administrações públicas e oacesso a esses documentos ainda é um desafio em muitos muni-cípios. Como a participação social na gestão dos recursos públi-cos é relativamente recente no Brasil, é natural que as pessoasreajam com estranheza ou mesmo com certa desconfiança quan-do são convidadas a participar de uma iniciativa que propõe oenvolvimento dos cidadãos na elaboração e monitoramento dasleis orçamentárias.

Assim, ao se pensar na mobilizaçãosocial, mais do que sensibilizar aspessoas para a importância da pro-teção integral à criança e ao adoles-cente, é preciso mostrar que todospodem e devem contribuir com oprocesso de construção e de moni-toramento das políticas públicas.

Mas esse processo de convocação das pessoas à participação deve serbem pensado, sob risco de se ter um efeito contrário. A tendência dosindivíduos é de se afastar quando não conseguem compreender suafunção e os propósitos da ação. Por isso, antes de iniciar as atividadespráticas, deve-se planejar como será feito o processo de mobilização,quem deve ser convocado e qual o papel de cada um.

12345Planejamento

da comunicação

PASSO

<

As peças orçamentáriassão documentos

públicos e todos os cida-dãos têm o direito de

acessá-las

Passo�2�> Planejamento da comunicação58

2.1�Por�que�comunicAr

Antes de produzir um folheto ou buscar o apoio do jornal local,por exemplo, é preciso saber o que se pretende alcançar com essasiniciativas. Para responder a esse questionamento, é necessário umbreve diagnóstico sobre as mudanças pretendidas pela organizaçãoe como se espera que a comunicação possa contribuir para queisso ocorra (Veja mais em “Cinco Perguntas”).

O monitoramento do processo orça-mentário oferece várias razões para seinvestir em comunicação. Sem oacompanhamento da elaboração, daaprovação e da execução das leis orça-mentárias, por exemplo, as entidadese, sobretudo, os Conselhos, têm pou-cas chances de incidir sobre a formu-lação das políticas públicas. Mais queisso: para se angariar parceiros – tantona esfera governamental quanto nasociedade –, são fundamentais estraté-gias de comunicação.

2.2 PArA�que�comunicAr

Enquanto o “por quê” ajuda no diagnóstico da realidade, o “paraquê” leva à projeção de uma situação desejada. Por exemplo, se emseu município é diagnosticada a baixa participação da comunida-de no monitoramento do orçamento, é possível definir como obje-tivo a ampliação da divulgação das datas de elaboração e aprova-ção das peças.

Determinar esses objetivos influencia diretamente todos os outrospassos, como a escolha do meio a ser utilizado e o tipo de informa-ção que será divulgada. Assim, evita-se o gasto de recursos e deesforços em ações ou produtos isolados. Deve-se ter em mente quequalquer recurso de comunicação, quando usado de maneira iso-lada, perde a força. Estratégias mais amplas, que contemplam arealização de ações integradas e voltadas aos diferentes públicos,obtêm mais resultado.

cinco�PerguntAs_um auxílio para identificar as razõespara se incidir sobre o orçamento:• Já existe alguma ação de monitora-mento do orçamento público? • A elaboração e a aprovação das leisse dá de forma participativa? • As crianças e os adolescentes têmtodos os seus direitos garantidos? • As organizações da sociedade civilconseguem mobilizar cidadãos epoder público?• A população reconhece e legitima omonitoramento do orçamento?

Passo�2�> Planejamento da comunicação 59

Por exemplo, para ampliar a divulgação do ciclo orçamentário,podem-se produzir programas de rádio ou folhetos informativos,mas também podem ser realizadas reuniões envolvendo a comu-nidade ou atividades educativas nas escolas. Comunicar semsaber “para que” é como dar um tiro no escuro. Pode-se até acer-tar o alvo, mas será por pura sorte.

2.3�com�quem�comunicAr

O passo seguinte na definição das estratégias de comunicação é aidentificação dos públicos visados, que precisam ser atendidos emsuas singularidades – a linguagem e os recursos usados para sefalar com os jovens, no contexto escolar, não podem ser os mes-mos que os usados com os vereadores, por exemplo.

Após identificar quem são esses públicos estratégicos (Veja maisem “Não podem faltar”), deve-se organizar um banco de dadoscontendo informações básicas sobre quem são, qual papel cum-prem dentro do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e doAdolescente e em quais momentos devem ser convocados.

com�quem�comunicar? Por�quê?

conselho�municipal�dos�direi-tos�da�criança�e�do�Adolescen-te�(cmdcA)

É responsável pela formulação das políti-cas públicas na área e, por isso, deve terpapel ativo na definição dos investimentos

conselhos�temáticos

São responsáveis pela discussão deoutras áreas relacionadas à infância eadolescência, como a educação, a saúde,a assistência, a cultura e o esporte

conselhos�tutelares

São a porta de entrada das denúncias eviolações e, portanto, podem oferecerimportantes indicadores para a elabora-ção das políticas

>>

não�podem�faltarAlguns dos principais públicos no processo de monitoramento do ciclo orçamentário:

Passo�2�> Planejamento da comunicação60

estruturas�de�atendimentoda�assistência�social

Os Centros de Referência da Assistência Social(CRAS) e Centros Especializados (CREAS) sãoporta de entrada para uma série de violaçõescontra crianças e adolescentes e podem contri-buir para a formulação das políticas públicas

organizações�da�sociedade�civil

As organizações sociais são uma importanteponte entre as discussões estratégicas realiza-das em nível regional e nacional e a realidadelocal. Algumas, por realizarem o atendimentodireto de crianças e adolescentes, podem ajudara sinalizar as políticas necessárias na área

executivo

É o responsável por elaborar as peças orçamen-tárias e as políticas públicas. deve ser sensibili-zado para os ganhos da participação social, queajuda no desenvolvimento de ações coerentescom as demandas da sociedade e com as dis-cussões mais avançadas em torno dos temas

legislativoAprova as leis e monitora a execução orçamen-tária. É um importante elo entre a sociedade civile as esferas de tomada de decisão

sistema�de�justiça�(juízes,�promotores�de�justiça�e�defensores�públicos)

devem zelar pelo cumprimento das leis e tam-bém podem apoiar o movimento social no pro-cesso de incidência em favor de políticas públi-cas que cumpram com os direitos das crianças edos adolescentes

crianças,�adolescentes�esuas�famílias

São os principais interessados nas ações e, porisso, devem ser sempre envolvidos no debate

imprensaTem papel fundamental na formação da opiniãopública e é estratégica ao controle social, porsua função de watchdog

Público�interno

É importante que todos que atuam em Conse-lhos e em organizações sociais conheçam acausa e as estratégias de ação

com�quem�comunicar? Por�quê?

Passo�2�> Planejamento da comunicação 61

2.4 o�que�comunicAr

Após ter clareza sobre quais atoressociais devem ser convocados parao processo de monitoramento doorçamento público é preciso esco-lher os meios adequados para seestabelecer o diálogo e quais serãoos assuntos tratados (Veja mais em“Para falar do OCA”). Para tal, deve-mos lembrar que é preciso sensibi-lizar as pessoas naquilo que é desua competência, pois a motivaçãopara participar vem da capacidadede ver oportunidades claras deatuação.

Mas uma só peça de comunicaçãonão é capaz de dar conta de todas asdemandas identificadas nos passosanteriores, pois os conteúdos aserem trabalhados com os diferentes públicos devem ser variados,assim como a forma de fazê-lo. é um erro pensar que é possívelsintetizar tudo em uma peça ou ação única. A singularidade dospúblicos e dos conteúdos deve ser compreendida e, a partir disso,refletir nas estratégias de comunicação desenhadas. Mas devemosfrisar que essa diversificação não necessariamente vai encarecer arealização das ações de comunicação. Como veremos adiante, asoportunidades para se comunicar são inúmeras e muitas vezesnão é preciso pagar por elas.

2.5�como�comunicAr

Geralmente, as ações de comunicação costumam partir logo do“como”: as organizações constatam a necessidade de estabelecerdiálogo com seus interlocutores, olham para as ferramentas que têmà disposição e, a partir disso, escolhem qual meio irão usar . Mas,embora seja comum, essa não é a atitude certa. Como vimos, parase chegar até aqui, há todo um processo anterior de planejamento,fundamental para definir os melhores instrumentos a serem usados.

PArA�fAlAr�do�ocA_Algumas dicas podem ajudar namobilização da sociedade para temasrelacionados ao orçamento público.um primeiro passo é ter em menteque ao realizar o controle social,todos saem ganhando, pois se garan-te um melhor investimento dos recur-sos públicos. Outro ponto fundamen-tal é reunir informações diversas quepermitam montar um bom panoramada realidade social das crianças edos adolescentes de seu município. Apartir disso, busque mostrar como adestinação dos recursos (ou a ausên-cia dela) impacta sobre a vida dessesmeninos e meninas. informação dequalidade e bem contextualizada éfundamental para um bom processode comunicação.

Passo�2�> Planejamento da comunicação62

é claro que pensar sobre os recursosdisponíveis é fundamental, mas essenão deve ser o único aspecto observa-do. Quais são os impactos gerados, porexemplo, pela confecção de um folhetodestinado a uma população cujo índicede analfabetismo é alto? As pessoasirão compreender a mensagem impres-sa no papel? Não seriam obtidosmelhores resultados se, em vez dofolheto, fossem usadas as rádios locais?

Para medir os resultados das ações de comunicação, é importan-te checar se as mensagens estão sendo bem recebidas, ou seja, seestão surtindo o efeito desejado. Uma forma de se garantir esseretorno é pensar em modelos interativos de contato, que garan-tam aos interlocutores a possibilidade de dialogar e propor críti-cas e sugestões. Um bom exemplo são os espaços para comentá-rios dos leitores existentes em páginas da internet – principal-mente nos blogs.

2.6 quem�vAi�comunicAr

Para colocar em prática as estratégias de comunicação desenhadaspor meio desse pequeno planejamento que fizemos nas últimaspáginas, é necessário que a organização ou o movimento socialadote outro posicionamento, alicerçado na abertura de canais dediálogo e da criação de oportunidades para interagir com seusdiversos públicos. Isso deve ser feito por todas as pessoas quefazem parte da instituição, e não apenas pelos diretores.

Para operar o planejamento de comunicação uma contribuiçãobastante válida é dada pela presença de um profissional de comu-nicação. Muitas vezes é inviável à organização ou movimentosocial contratar um funcionário com essas habilidades, mas hámaneiras de se criar parcerias para a permuta de um profissionalda área. Uma das possibilidades é procurar universidades que ofe-reçam o curso de Comunicação Social, desenvolvendo, junto aosprofessores da instituição de ensino, projetos de comunicação quesejam realizados no espaço da organização social.

Poder�de�sedução_Não adianta investir uma quantidadeconsiderável de recursos na impres-são de um boletim que não sejavisualmente atrativo ou de um spotde rádio que seja longo e cansativo.uma das chaves da comunicação é“seduzir” o público, ou seja: uma boapeça de comunicação – seja elaimpressa, radiofônica, de web ouaudiovisual – precisa chamar a aten-ção das pessoas.

Passo�2�> Planejamento da comunicação 63

Além disso, é importante organizar-se internamente para a formação deum grupo que fique responsável porresponder pelas ações de comunica-ção. Se várias organizações sociaise conselhos estiverem participandoda mobilização, o ideal é que nessegrupo estejam presentes represen-tantes dos vários parceiros, garan-tindo a pluralidade de vozes e visões.A divisão de tarefas também develevar em conta as possibilidades dediálogo que cada membro tem juntoaos públicos considerados estratégi-cos para a mobilização social.

Todos precisam estar bem informados sobre o o que está sendofeito e quais são as causas defendidas. São as próprias pessoasque participam da ação as responsáveis por ampliar o proces-so de comunicação.

Compartilhar as responsabilidades entreos diversos integrantes

do processo de mobiliza-ção é fundamental para que todos se

sintam corresponsáveis pelas ações

Passo�3 > Mapeamento da realidade64

PARA COMUNICAR ALGO BEM, é preciso conhecer profundamente oassunto. Não podemos informar sobre o que não sabemos. é fun-damental que todo movimento social, entidade ou conselho tenhaclareza sobre sua área de atuação. Assim, no caso do processo demonitoramento do orçamento público, se o objetivo é buscar maise melhores investimentos, é necessário que saibamos quais são asreais demandas – e isso não pode partir de intuição ou de avalia-ções superficiais.

Outro ponto importante é identificar a qual esfera de governo cor-respondem os problemas encontrados. Se é uma questão em nívellocal, por exemplo, quem deve responder perante a sociedade é opoder público municipal. Sem essa distinção, de nada adiantalevantar uma demanda. Para saber quais são as responsabilidadesde cada uma das esferas governamentais pode-se recorrer aos mar-cos legais – leis e resoluções de cada área –, aos planos elaboradospelos conselhos setoriais e ao detalhamento contido no próprioorçamento público.

O mapeamento é composto basicamente por dois tipos de dados:os quantitativos e os qualitativos. Os primeiros dizem respeito àquantidade de determinados produtos ou sobre a capacidade deatendimento dos serviços. Por exemplo: quantas creches existemno município? Quantas crianças são atendidas? Quantas não con-seguem ser inseridas neste atendimento? No segundo caso, busca-se a avaliação dos serviços. Por exemplo: as famílias consideramque as creches têm cumprido seu objetivo educacional?

12345>Mapeamento da realidade

PASSO

Passo�3 > Mapeamento da realidade 65

montando�o�mapaSaiba quais são as principais informações que devem ser reunidas e ondepodem ser obtidas:

o�que�é onde�obter

dados�consolidados

Vários órgãos públicos econselhos possuem infor-mações consolidadassobre a situação de meni-nos e meninas. bastaentrar em contato e reque-rer esse material

Conselhos Tutelares, Cen-tros de Referência da Assis-tência Social, secretarias deSaúde e Educação, Ministé-rio Público etc.

dados�de�observação

Algumas demandas nãoaparecem em registrosnuméricos, mas podem serpercebidas pela observa-ção atenta dos equipamen-tos públicos existentes

A própria população podeajudar na avaliação dessesserviços. Podem, por exem-plo, apontar para a necessi-dade de mais áreas de lazerou creches

diagnóstico

Existem informações quenunca foram pesquisadase que são de difícil acesso.Nesses casos, recomenda-se a realização de diag-nósticos específicos

Para serem produzidos, osdiagnósticos exigem investi-mento financeiro. Por isso, éinteressante garantir recur-sos para a sua realizaçãojunto aos governos estaduale federal

Passo�4 > Tornando-se um comunicador66

Após identificar públicos e conteúdos que precisam ser trabalha-dos, é hora de colocar a “mão na massa” e partir para a produçãodos materiais. Ter peças próprias de comunicação permite às orga-nizações ou ao movimento social problematizar as questões que lheinteressam de forma mais cuidadosa, além de poder mostrar o anda-mento dos seus trabalhos e prestar contas de suas ações – o que for-talece o vínculo de corresponsabilidade entre seus integrantes ecolaboradores. Para apoiar uma iniciativa, as pessoas precisamconhecê-la e ter ciência e de como se pretende mudar a realidade aa partir das ações planejadas.

Existem várias opções de produtos eespaços de comunicação. Para ajudar adecidir pela melhor alternativa, elen-camos algumas das possibilidadesabaixo. Antes de escolher, lembre-sesempre de avaliar as capacidades téc-nicas e de mão-de-obra necessáriaspara a realização do recurso desejado.

4.1 imPressos

São ainda a demanda mais recorrenteentre conselhos, organizações e movi-mento social. Permitem o registroduradouro e podem ser facilmente dis-tribuídos e armazenados. Mas é preci-

12345>Tornando-se um comunicador

PASSO

quAntidAde�x�quAlidAde_A difusão do tema mobilizador podeacontecer por meio da comunicaçãode massa ou dirigida. No primeirocaso, são usados os veículos decomunicação instituídos – comocanais de TV, rádio, jornais ou revis-tas. isso permite que, rapidamente,determinado assunto ou organizaçãosocial esteja presente na esfera públi-ca, dando grande visibilidade àcausa. Entretanto, o aprofundamentodo debate só é obtido por meio dacomunicação dirigida. Nesta as estra-tégias são desenvolvidas para seremaplicadas de forma direta com deter-minado público. É uma ação menosabrangente, mas mais focada.

Passo�4 > Tornando-se um comunicador 67

so lembrar que boa parcela da população brasileira tem dificulda-des para ler, por isso essa opção pode não ter o impacto esperado.

Ao se optar pelas informações impressas em papel, o formato e a lin-guagem escolhidos precisam guardar relação com o perfil das pessoaspara as quais a publicação é voltada. Se for para um público jovem,por exemplo, podem-se explorar formas mais ousadas e linguagensmais experimentais. Se for para pessoas com menos escolaridade, ostextos precisam ser menores, mais objetivos e complementados porimagens que ajudem a compreender o conteúdo.

Para�pôr�no�papelConheça, em linhas gerais, as etapas de produção de materiais impressos:

Processo o�que�é

Projeto�gráficoÉ a “cara” do que será produzido, quando se define o tama-nho, a forma, como serão dispostas as informações, o tipode papel a ser usado, quantas cores terá a impressão etc.

linha�editorialdiz respeito à organização do conteúdo, definindo-se comoserá feita a divisão dos temas e qual será a linguagem usada

Produção

Processo de definição do que será tratado e de reunião des-sas informações. Assim, em um primeiro momento é impor-tante pensar em quais perguntas devem ser respondidas eonde essas respostas podem ser encontradas; depois, éhora de produzir o texto

diagramaçãoÉ a organização do texto na página, realizado por meio deprogramas específicos como Quarkxpress e indesign.

impressão

dependendo da complexidade, a reprodução pode ser feitapor meios de fotocópias, em impressoras comuns, ou, emcasos mais complexos, em gráficas – nestas a qualidade doserviço é melhor, mas o preço é bem mais elevado

distribuição

É uma das partes mais importantes, pois diz respeito à cir-culação do que foi produzido. É preciso pensar antecipada-mente em quais lugares haverá distribuição e quem serãoos responsáveis. deve-se evitar a cena comum de pilhas dematerial impresso “encalhados” em instituições que investi-ram uma quantia considerável de recursos para produzi-los

Passo�4 > Tornando-se um comunicador68

4.1.1.�jornAl�murAl

é uma ferramenta barata e simples deser criada e atualizada. Consiste em uminformativo que será afixado como ummural, para as pessoas lerem de pé. Porvisar um público que está de “passa-gem”, precisa ter textos curtos. Os títu-los devem ser chamativos e estar emfontes grandes, que sejam legíveis à dis-tância. O conteúdo trabalhado develevar em conta os locais em que essematerial será afixado, pois isso determi-na o público que terá acesso. O jornal

mural é uma boa ferramenta para divulgar informações relativas àexecução orçamentária, podendo ser afixado nos Conselhos e nasorganizações sociais por onde circulam os públicos que precisam sersensibilizados para a causa. A produção é simples: os conteúdospodem ser digitados em um programa de edição de textos e afixadasas páginas em um mural, como se cada folha fosse uma seção.

4.1.2�folder

Instrumento impresso de divulgação que traz de forma rápida,atraente e objetiva as principais informações sobre o movimento, acausa, a instituição, o projeto ou o evento. O folder institucionalgeralmente descreve resumidamente o propósito de um projeto eas formas de atuação. é interessante que tenha caráter mais atem-poral, ou seja, que não traga informações que sejam superadasrapidamente, a fim de que possa ser usado por um bom período. Oideal é que seja produzido por um profissional ou alguém comexperiência em edição desse tipo de material, que consiga sintoniaentre as imagens e textos usados.

4.2�sPots�de�rádio

São peças de curta duração produzidas para a veiculação em rádio.Cada programa aborda um tema e pode trazer dicas para a popula-ção sobre como ter mais informações sobre o assunto. é uma boaopção nas regiões em que as pessoas têm dificuldades em com-

você�sAbe�o�que�é�um�fAnzine?_�É um material impresso produzidopor meio da colagem de textos, gra-vuras, fotos etc. Tem dimensõespequenas, geralmente em formato debolso e com um número reduzido depáginas – o que torna seus textosbem curtos. O fanzine é bastanteinformal, produzido de forma artesa-nal, geralmente contando com oapoio dos participantes da organiza-ção. É uma boa ferramenta para setrabalhar com adolescentes.

Passo�4 > Tornando-se um comunicador 69

preender textos escritos. Para pro-duzir os spots, uma dica é buscar aparceria de rádios locais. Antes departir para o estúdio para a grava-ção, é importante escrever um rotei-ro com o que será falado e escolhera trilha sonora, com músicas ououtros sons que irão compor a pro-dução. Lembre-se sempre de que otexto para rádio deve ser curto, comfrases diretas. O ouvinte não teráchance de ouvir novamente, porisso é preciso ser o mais claro possí-vel e, caso necessário, falar a infor-mação (como números de telefone eendereços) mais de uma vez .

4.3.�eventos

Atividades como lançamentos, inaugurações, encontros e seminá-rios são sempre um bom gerador de mídia espontânea, que é aque-la obtida por meio da veiculação, sem pagamento, de matérias nosveículos de comunicação. As organizações ou o movimento socialpodem lançar mão desse tipo de iniciativa quando precisam criarum fato que atraia a atenção da sociedade para o seu trabalho. Naárea da infância e da adolescência são comuns as passeatas emdias como o 18 de Maio, que marca o combate ao abuso e à explo-ração sexual, ou o 12 de Junho, data internacional de luta contra otrabalho infantil.

4.4.�vídeo

Tem a vantagem de permitir uma abordagem bem educativa sobreo tema tratado. Imagine um vídeo que se proponha a explicar ociclo orçamentário. é possível mostrar, por meio de textos, ima-gens e sons, o funcionamento da Câmara e da própria prefeitura.Entretanto, é uma ferramenta que exige mais cuidado na produ-ção, já que combina vários recursos – áudio, vídeo e texto. Alémdisso é também uma opção mais cara quando comparada àsdemais e também de distribuição mais difícil.

outros�sistemAs�de�som_Além das rádios, mensagens emáudio podem ser transmitidas devárias outras formas. Em cidadesmenores, é comum a comunicaçãovia carros de som, rádio-poste, “rádioda feira” ou pela torre da igreja. Paraesse tipo de veiculação, um bomrecurso é usar um “slogan”, que éuma frase de efeito que chama aatenção do público para o que é dito,facilitando a memorização da infor-mação. Porém, cuidado, pois oexcesso de informação sonora podeincomodar as pessoas e gerar umresultado inverso ao desejado, repe-lindo o público ao invés de atraí-lo.

Passo�4 > Tornando-se um comunicador70

4.5�internet

Com o acesso cada vez mais fácil, ainternet tem se tornado uma dasprincipais fontes de informação e decompartilhamento de conteúdos daatualidade. Há diversas ferramentasque podem ajudar na veiculação deinformação sobre os temas trabalha-dos para a mobilização social. Aqui,apresentamos apenas três – os sites,os blogs e os e-groups – mas éimportante que, na medida do pos-sível, busquemos sempre renovar

nossos conhecimentos sobre a internet, uma vez que uma dascaracterísticas desse meio é a dinamicidade com a qual se renova.

4.5.1.�site

é um espaço virtual composto por uma ou mais páginas e que podeser acessado por meio de um endereço eletrônico. As organizaçõessociais podem, por meio de seus sites, disponibilizar um grandecontingente de informações sobre seu trabalho e sobre sua estrutu-ra – como seu histórico, suas diretrizes (missão, princípios, objeti-vos, estratégias, metas), seus projetos (apresentação, resultados,produtos), sua proposta metodológica e sua equipe. é importanteque esses espaços sejam sempre atualizados, pois, na internet, esseé um indicador de confiabilidade da informação disponibilizada.Também podem ser postados nos sites boletins eletrônicos e agen-das de eventos. A interação com quem visita o espaço vistual tam-bém é importante e pode ser feita por meio de recursos que vãodesde um simples “fale conosco” – no qual é disponibilizado o con-tato por e-mail – até salas de bate-papo e fóruns eletrônicos.

4.5.2 blogs

é uma espécie de site simplificado, com menos ferramentas, mas,em contrapartida, gratuito e bem mais simples de ser construído.Para se ter um blog, basta criar uma conta em um dos provedoresdisponíveis. Há vários, mas os mais populares são o Blogger

O brasil é um dos países onde a população passa maistempo conectada nainternet, e isso deve ser levado em conta na hora de se pensar em estratégias de comunicação

Passo�4 > Tornando-se um comunicador 71

(www.blogger.com) e o Wordpress(www.wordpress.com). Para ser umblogueiro, deve-se ter alguns cuida-dos: o conteúdo deve ser semprerenovado e, sempre que possível, ointernauta deve ser chamado à par-ticipação (por exemplo, por meio deindagações nos posts, provocando oleitor a participar da discussão pormeio de comentários). Outra dica éformar uma rede de blogs amigos,que tragam informações sobreassuntos afins.

Hoje em dia, uma ferramenta que tem se tornado famosa é o Twit-ter (www.twitter.com), uma espécie de microblog no qual as pos-tagens não podem ter mais de 140 caracteres. Para quem nuncausou, pode parecer pouco, mas essas pequenas mensagens têm, acada dia, ganhado mais importância na difusão de informações.Elas são usadas conjugadas com links, que são ligações comoutras páginas da web. Assim como os blogs, este é um serviçogratuito, basta acessar o site e criar uma conta.

4.5.3�e-grouPs

é uma ferramenta que permite oredirecionamento de uma mensa-gem eletrônica para todos os ende-reços de e-mail cadastrados. Facili-ta o compartilhamento de informa-ções e pode ser usado como espa-ço virtual para a tomada de deci-sões operacionais. A ferramentamais conhecida é o Yahoo!Grupos(www.yahoo.com.br/grupos), quetambém é gratuito.

A�línguA�dA�internet_Acabamos de usar o termo “post” e overbo “postar”, mas você sabe o queisso significa? A palavra vem doinglês “post”, que significa “carta” ou“enviar pelo correio”. Na blogosfera,que é o nome dado para o mundodos blogs, “post” se tornou o termousado para designar tudo aquilo queé disponibilizado pelo blogueiro.Quando você publica um texto e ima-gens em seu blog, está criando um“post”. À essa ação, damos o nomede “postar”.

Por sua maior proximidade com as

tecnologias de informa-ção e comunicação, os

adolescentes podem ajudar muito na edição

de texto, áudio e vídeo,assim como na

manutenção de ferra-mentas web

Passo�5 > diálogos com a imprensa72

12345>diálogos com

a imprensa

PASSO

O jornalismo tem um papel fundamental na construção da opiniãopública, o que é importante, pois as mudanças sociais só acontecemquando são entendidas e consideradas desejáveis por várias pes-soas. Além disso, como vimos na seção “3.3. Cão de guarda” (pág.40), a imprensa é estratégica para o controle social ao monitorar asatividades do poder público. Assim, torna-se fundamental estabele-cer um canal de diálogo junto aos jornalistas aberto à discussão e àabordagem de temas relacionados ao orçamento público.

Para isso, é preciso novamente planejar a ação. Os veículos decomunicação estão abertos à proposição de pautas da sociedade,mas para que elas sejam aceitas, precisam ser levadas ao lugarcerto e na hora certa.

5.1�mAPeAmento�dos�veículos

Um primeiro passo é identificar os veículos junto aos quais sepretende atuar, como jornais, rádios, TVs e sites. Não se esque-ça dos veículos comunitários e daqueles que, embora de outrascidades, retransmitam a programação para seu município. Essasinformações devem ser organizadas em um banco de dados, reu-nindo informações sobre em quais dias e horários acontece areunião de pauta (que é o momento quando são fechados osassuntos que serão tratados), quem é o responsável por receberas sugestões de pauta (qual o telefone e e-mail dessa pessoa e em

Passo�5 > diálogos com a imprensa 73

quais horários ela está na empresa), qual a periodicidade doveículo e, no caso do rádio e da TV, quais os horários de trans-missão dos programas.

5.2�sensibilizAção

Quando estamos falando de temas que exigem certo conhecimen-to – como o orçamento público e as políticas sociais –, uma estra-tégia interessante é promover algumas oficinas com os comunica-dores de sua cidade. Isso pode ocorrer por meio de um encontroúnico, em que jornalistas de vários veículos são convidados a com-parecer em um mesmo dia ou horário, ou em reuniões nas redaçõesdas empresas jornalísticas. Em municípios maiores, geralmente asegunda opção é a mais acertada, pois é muito difícil que a empre-sa libere o funcionário para participar de um evento. Nos doiscasos, lembre-se: o dia-a-dia de um jornalista é corrido, por isso oideal é que a formação seja breve (não demore muitas horas) e obje-tiva. Busque reunir informações práticas, que permitam ao jorna-lista pensar em pautas, como por exemplo, como identificar quan-to da verba prevista já foi executada ou se houve redução, de umano para outro, dos recursos destinados para determinada área.

5.3�contAto

O momento de falar com o jornalistaé uma das partes mais importantes,pois é quando, de fato, o “peixe évendido”. Para ter mais chances desucesso, é fundamental saber comquem você irá falar (geralmente, amelhor pessoa é o editor ou o pautei-ro) e ligar no momento certo. Dentroda dinâmica de funcionamento dosveículos de comunicação, há doishorários em que nunca se deve ligar:durante a reunião de pauta e duranteo fechamento. Por isso, sempre anoteem seu banco de dados os melhores horários para falar com o jorna-lista. Há também muitos repórteres e editores que dão resposta pore-mail. Identifique-os e, nesses casos, dispense o telefone.

vAlores�notíciA_Algumas coisas viram notícia, outrasnão. Mas por que isso acontece? Porquede maneira voluntária ou não há umprocesso de seleção do que irá entrarno jornal, realizado por meio de crité-rios que estabelecem valores aosassuntos. Em primeiro lugar vem o ine-ditismo (a novidade é sempre vistacom bons olhos), depois, entramoutros fatores, como a importância dospersonagens envolvidos, o impactoque isso pode ter com o público queconsome a mídia em questão e o refle-xo do tema para a população em geral.

Passo�5 > diálogos com a imprensa74

Uma ferramenta fundamental decontato com as redações são osreleases. Eles são textos bem sim-ples, claros e objetivos sobre deter-minado assunto – pode ser sobre umevento, a divulgação de uma dado,uma denúncia ou o lançamento deum projeto. Em geral, não passam deuma página e, de forma bem resumi-da, reúnem as informações maisimportantes sobre o que se quercomunicar à imprensa.

é importante valorizar o tema, mos-trando a relação que possui com a vidadas pessoas. Em caso de cerimônias ououtros eventos em que haja personali-dades públicas, isso também deveestar registrado, pois é uma forma deatrair jornalistas. Não se esqueça decolocar, de forma bem destacada, onome, a função e os telefones de con-tato das pessoas que podem passarmais informações sobre o assunto.Essas pessoas devem ser avisadas pre-viamente, pois precisam estar dispos-tas a fazer o atendimento à imprensa.

5.4�Atendimento

Quando uma organização ou movimento social começa a estabe-lecer um bom relacionamento com a mídia, é comum que os jor-nalistas, por iniciativa própria, passem a buscá-lo para ter infor-mações, dados ou entrevistados para suas matérias. Quando issoacontece, é sinal de que a organização ou movimento social estásendo reconhecido como um bom interlocutor. Portanto, organi-ze-se e seja ágil nos retornos para não causar uma má impressãoe perder o contato com o repórter.

O termo press releasevem do inglês e significa, literalmente,“soltura à imprensa”.deriva do título queabria os comunicadosnos EuA: “for immediaterelease”, ou “para divulgação imediata”

Produzindo�um�releAse_Seis perguntas podem ajudar nahora de escrever o texto que seráenviado aos jornalistas:n o�quê? (Qual é a informação prin-

cipal? Qual é o assunto do texto?)n quando? (data e horário, para o

caso de eventos)n onde? (Local)n como?�(Como o trabalho ou ação

será realizada?)n Por�quê?�(Quais são os objetivos

daquela ação, evento etc.)n quem?�(Quais são as pessoas e ins-

tituições envolvidas com o assunto?)

Passo�5 > diálogos com a imprensa 75

Algumas dicas podem ajudar bastante:

n Tenha sempre em mãos dados atualizados sobre a situação dainfância e da adolescência no município, sem esquecer denúmeros oriundos da análise orçamentária. Isso ajuda a dimen-sionar o problema discutido e a realidade enfrentada;

n Organize um “banco de fontes” (com nome, profissão, área deatuação e telefones de contato) que permita indicar, com rapi-dez e precisão, as pessoas mais indicadas para falar de assun-tos que você ou sua organização não dominam;

n Mantenha arquivados e conheça bem a Constituição Brasileirae o Estatuto da Criança e do Adolescente;

n Saiba o que os jornais regionais e nacionais têm falado sobre crian-ças e adolescentes. A partir desse conhecimento, pode-se sugeriroutras abordagens ou emitir opiniões que levem as pessoas a refle-tir sob pontos de vista que não estão contemplados na cobertura.O entrevistado pode, por exemplo, inserir dados do orçamento emsua fala e levar ao público informações que ele desconheça.

5.5 entrevistA

é um dos momentos mais importantes no processo de produção jor-nalística, mas também é um dos que mais gera polêmica. é comumouvir relatos de conselheiros, integrantes de movimentos sociais edo poder público que foram entrevistados e que reclamam do des-preparo dos comunicadores ou de erros na informação veiculada.

Mas é preciso fazermos ponderações: o processo de comunicaçãoestá sujeito a várias interferências e ruídos e não raro uma pessoafala uma coisa e seu interlocutor entende outra. é claro que hácomunicadores mal intencionados e que distorcem o que foi dito,mas, em geral, o desconhecimento sobre o assunto e os “ruídos” dacomunicação são os fatores que mais ocasionam mal entendidos.

Assim, ao ser convidado para uma entrevista, lembre-se de quevocê é corresponsável por aquela informação que será veiculadae, por isso, precisa ter clareza ao passá-la ao jornalista.

Passo�5 > diálogos com a imprensa76

Procure�saber o assunto que será abordado na entrevista, se não dominá-lo,indique outras fontes;

seja�breve, claro e objetivo nas respostas;

Prepare-se para perguntas ruins ou mal formuladas, assim como perguntasirônicas e agressivas. Muitas pessoas não concordam com determinações doECA e podem fazer perguntas como: “Mas você não acha que o Estatuto‘passa a mão na cabeça’ desses meninos?”. Mantenha a calma e respondacom serenidade e bons argumentos;

reúna�material de consulta e esteja bem informado;

mostre o contexto mais amplo no qual as políticas públicas estão envolvidas:quem são os executores, quais são os prazos, quanto existe de recurso e deonde ele vem;

opte por conversar pessoalmente com o jornalista, sempre que possível.dessa forma, o diálogo estabelecido é mais produtivo e é mais fácil esclarecerdúvidas e estreitar o relacionamento.

nA�horA�h_Antes de uma entrevista, há algumas atitudes que podem ajudar:

Apêndice > Glossário de jornalismo 77

Conhecer o vocabulário específico do Jornalismo pode contribuirpara facilitar o diálogo com as redações. Abaixo, apresentamos umpequeno glossário com os termos mais comuns:

Artigo: Texto jornalístico que traz a interpretação ou opinião do autorsobre determinado assunto. Não é de autoria exclusiva de jornalistas.

Box: Informações curtas, complementares à matéria, diagramadasde modo diferente – usualmente, dentro de caixas de texto.

Chamada: Informação resumida de um assunto, localizada na pri-meira página de um jornal, revista ou caderno. Serve para atrair aleitura. No caso de telejornais, recebem o nome de escalada e sãofeitas pelo apresentador, no início do telejornal.

Clipping: Publicação que reúne as notícias veiculadas nos meiosde comunicação sobre determinado assunto, empresa ou pessoa.A matéria pode ser recortada do veículo impresso, tendo-se o cui-dado de anotar o nome do jornal, a editoria, a página e o dia emque foi publicada. O clipping também pode ser eletrônico, conten-do as notícias veiculadas em rádio ou tevê.

Cobertura: Captação de material (informações, entrevistas e fotos)sobre um fato, realizada pela equipe de reportagem.

Edição: Processo de escolha e finalização do material informativo

APÊNdiCE_ Glossário de jornalismoA

Apêndice > Glossário de jornalismo78

– texto, áudio ou imagens. Também é usado para designar o produ-to final, por exemplo: a edição da noite do telejornal ou a ediçãoda semana da revista.

Editoria: São as áreas temáticas em que se dividem as redações.Por exemplo, editoria de Esportes, de Cidades, de Política, de Eco-nomia, entre outras.

Editorial: Artigo publicado em jornais (geralmente na página doisdo primeiro caderno) ou em revistas, que reflete a linha editorialdo veículo, ou seja, sua opinião sobre determinado assunto. Podehaver mais de um editorial em uma mesma edição.

Em off: Abreviatura de off the record; é a informação confidencialdada pelo entrevistado ao jornalista, com a condição de não serpublicada ou, caso seja veiculada, de não ser creditada à fonte.

Expediente: Espaço onde são publicados os nomes dos editores,repórteres e colaboradores, além de endereços e telefones paracontato com o veículo de comunicação.

Intertítulo: Pequeno título colocado no meio do texto para separaruma parte importante da matéria e dar leveza à diagramação.

Legenda: Texto curto que explica uma foto ou ilustração.

Lide: Técnica de introdução do texto jornalístico, que consiste em reu-nir, no primeiro parágrafo, uma síntese da notícia. Deve responder àsperguntas básicas: Quem? O quê? Quando? Onde? Como? Por quê?

Mailing: Lista de contatos sobre veículos de comunicação, conten-do nomes, telefones, fax, e-mails, cargos e editorias dos jornalistas.

Manchete: Título da reportagem principal do jornal ou revista, publi-cado na primeira página, ou da reportagem principal de cada página.

Matéria: Conteúdo de uma notícia ou reportagem.

Notícia: é o relato de um fato. Não é o fato propriamente dito, maso olhar, a interpretação de um jornalista sobre o que aconteceu.

Apêndice > Glossário de jornalismo 79

Olho: Texto curto e em destaque,localizado, geralmente, entre ascolunas do corpo da notícia, queressalta algum aspecto importanteda matéria.

Pauta: Assuntos previstos na cober-tura jornalística e que podem virarnotícia. A pauta é um roteiro quecontém, inclusive, a indicação ousugestão sobre como deve ser trata-do o tema e as pessoas que podemser entrevistadas. Em geral, é capta-da pelo pauteiro ou editor e discuti-da por toda a equipe.

Pingue-pongue (ou “pingue”):Entrevista estruturada no formatode perguntas e respostas.

Pirâmide invertida: Técnica de estruturação do texto em que ahierarquização dos parágrafos é feita seguindo a importância dasinformações apuradas. Assim, parte-se do lide e desenvolve-se amatéria partindo do mais para o menos importante.

Reportagem: Matéria jornalística mais aprofundada. Diferencia-seda notícia por ser um relato mais longo, que dá ênfase à contex-tualização do que houve, com recorrência a diferentes fontes deinformação.

Retranca: Texto complementar à matéria principal. Também equi-vale ao nome dado a determinada matéria dentro da redação, paraque possa ser identificada por todos os profissionais envolvidosem sua edição e veiculação.

Release: Texto de de divulgação produzido por jornalistas quetrabalham nas assessorias de imprensa e distribuído para os veí-culos de comunicação.

nA�áreA�dA�infânciA_datas que podem gerar matérias:janeiro/�fevereiro: Época de matrí-cula escolarmarço: (8) dia internacional da Mulhermaio:�(18) dia de Enfrentamento àViolência e à Exploração Sexual deCrianças e Adolescentesjunho: (4) dia internacionalmentededicado às crianças vítimas de vio-lência; (12) dia internacional de Com-bate ao Trabalho infantiljulho: (13) Aniversário do Estatutoda Criança e do AdolescenteAgosto: (11) dia do Estudante; (21- 28)Semana da Pessoa com deficiência;outubro: (12) dia da Criança;novembro: (20) dia da ConsciênciaNegra;dezembro: (1) dia Mundial de LutaContra a Aids; (2) dia da Saúde

Fonte: Mídia e Conselhos -- Um guia para encurtar

a distância entre Conselhos, mídia e sociedade

Apêndice > Glossário de jornalismo80

Comitê GestorAdriano Guerra (Secretário Executivo)Alcione Rezende Bruno Vilela Carla Freitas Eliziane Lara Karla Nunes Paula Kimo

Aliança EstratégicaAgência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas GeraisFundação AVINAFundação ValeInstituto ÁgoraInstituto CaliandraInstituto C&AOficina de Imagens – Comunicação e Educação (coordenação)

ApoioAssembleia Legislativa de Minas Gerais / Comissão de Participação Popular e Frente Parlamentar de Defesa dos Direitos da Criança e doAdolescente Ministério Público de Minas Gerais / Centro de Apoio Operacional àsPromotorias de Infância e Juventude

oficina de imagens