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5.5. definição

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epistemologia médica e gnosiologia da medicina

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Page 1: 5.5. definição

Fundamentos Epistemológicos da Medicina

8.5. Definição Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr.

O momento da definição consiste em uma etapa importante da construção do

conhecimento. Etimologicamente, definição é uma palavra que se origina do

latim definire, definitio, de finis (que significa fim), trata-se de um conceito que

ultrapassa muito os limites da lógica e significa limite, fronteira.

O termo definição está dicionarizado como: enunciado dos atributos essenciais e

específicos de algo, de modo a fazê-lo inconfundível com outro, ainda que

semelhante; além do que pode significar manifestar-se com exatidão, esclarecer

precisamente; estabelecer o significado de nomes ou de outros signos

empregados; definir também pode encerrar o sentido de demarcar, fixar,

estabelecer; decisão, decreto; ajuizar o sentido ou o objetivo de certos conceitos

como: interpretação, declaração, resolução, decisão, explicação. Estes muitos

sentidos refletem a multiplicidade de significações desta expressão no

conhecimento comum (mesmo culto).

A definição de um objeto pode ser baseada em caracteres concretos ou

abstratos, descritivos ou explicativos. As definições científicas devem estar

baseadas em explicações.

Como instrumento do conhecimento científico, a definição científica deve resumir o

que se conhece de mais essencial sobre a coisa ou o termo definido com ela

enquanto situa esta coisa ou termo em um contexto da mesma classe de

referência. O mais importante é que a classe de referência seja natural

(contenha elementos de um único tipo natural) e a diferença específica seja

exclusiva.

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O termo definição pode ser empregado em muitas atividades cognitivas científicas ou não científicas. No âmbito da lógica e da teoria do conhecimento, quando se trata de uma definição incompleta ou provisória, em vez do termo definição, deve-se empregar o termo delimitação, que é como se deve referir a uma tentativa de definição que resulte obviamente incompleta, ainda que ela possa ser tida por admissível, mesmo que não seja satisfatória, principalmente por não haver outra melhor para substituí-la. Na lógica formal definir é a maneira mais ou menos estática de explicar as coisas como coisas dadas e estáveis; na lógica dialética, definir se refere sempre à dados como processos em desenvolvimento e em relação com outras e neste desenvolvimento e nestas relações que se encontram suas características essenciais e, por isto, o fundamento de suas definições.

Classicamente se denomina definiendum ao símbolo ou coisa que estiver sendo

definido; e definiens, os termos empregados em uma definição.

Sócrates e Aristóteles empregaram o termo definição para indicar o preciso

significado de uma palavra que empregassem, a definição nominal (que se

diferencia da definição factual ou real, referente a uma coisa objetiva). Numa

exposição científica que empregue termos ambíguos, estes devem ser definidos

no interior do texto ou em um glossário anexo.

Bunge ensina que uma definição é estritamente uma correspondência signo-

signo, que consiste em uma operação puramente conceitual, na qual se introduz

formalmente um novo termo em um sistema de signos (uma linguagem ou uma

teoria) e se especifica sua exata significação.

A definição é um instrumento do conhecimento científico que emprega o dado

essencial da coisa estudada que foi levantado na explicação. ê possível

reconhecer na definição apenas uma maneira particular e padronizada de expor

a explicação. Pode-se dizer que a definição é o segundo nível de sintetização

do conhecimento sobre o objeto, depois da primeira síntese havida na

conceituação; uma síntese a partir de suas relações com outras coisas.

Como acontece com os conceitos, juízos, descrições e explicações, existem

definições científicas e definições do senso comum.

Embora as definições existam simultaneamente no conhecimento científico e no

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senso comum, as definições científicas constituem momento essencial do

procedimento de conhecer cientificamente e são componentes importantes do

patrimônio científico e nenhuma teoria poderia ser edificada sem elas. Sua

subestimação há de resultar em um prejuízo para o procedimento de conhecer,

explicar, prever (e transformar) o mundo e o que acontece nele.

A clássica definição: o homem é um animal racional situa o definido (homem) em dois níveis, primeiro, em uma classe de referência (animal) e, ao fim, declara sua qualidade específica tida como mais importante (ser racional).

Pode-se definir homem, a partir da classe de referência animal, de muitas outras maneiras: animal que ama, animal que fala, animal que trabalha. E todas serão certas, na dependência do referencial teórico que empreguem.

As definições científicas devem obedecer ao máximo aos critérios de cientificidade aceitos pela cultura em um certo momento de sua evolução. Atualmente, é possível aceitar como muito valiosos os critérios de cientificidade fornecidos por Marilena Chaui desde o ponto de vista dos construtivistas. 1

Tais critérios são:

a) que haja coerência (isto é ausência de contradições factuais ou entre os princípios teóricos de apoio);

b) que os modelos dos objetos sejam construídos com base em recursos metodológicos e técnicos aceitáveis;

c) que os resultados obtidos possam corrigir os modelos teóricos e práticos empregados em sua elaboração.

Definição: Instrumento do Conhecimento

Como instrumento da gnosiologia, e até mesmo na elaboração do conhecimento

vulgar, a definição pode ser entendida como a expressão breve e completa

daquilo que significa um vocábulo ou o que se deve entender por alguma coisa.

Esta definição de definição é bastante aceitável porque qualquer definição deve

1 Chaui, M., Convite À Filosofia, 7a. edição, ed. <199>tica, S.Paulo, 1996, p. 253.

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ser a melhor e mais sintética resposta que se possa dar à indagação: o que é esta coisa?

Como parece óbvio e acontece em todas as dimensões da filosofia, as

definições sofrem a influência do estado do conhecimento sobre a coisa

definida, das teorias empregadas em sua elaboração e no estudo desse objeto e

das ideologias existentes. Por isto, são fenômenos dinâmicos e aperfeiçoáveis.

A definição é uma exigência do conhecimento exato, por isto, o conhecimento

científico a exige.

Além disto, a definição é a instância cognitiva que permite a utilização do

conceito de uma coisa no raciocínio científico, o que é mais uma razão para os

cientistas não prescidirem dela.

Mesmo na linguagem comum, a definição substitui uma longa descrição por um

rótulo sintético; por isto, pode-se dizer que definir é sintetizar a descrição,

empregando aqueles atributos que a coisa ou a palavra definida tem de mais

essencial.

Como acontece com as outras etapas do conhecimento, as definições científicas

diferem das vulgares, principalmente em termo de exatidão ou rigor.

Uma definição científica deve expressar as propriedades e relações específicas

daquilo a que se refere. No conhecimento científico, definir implica na

identificação do definido em dois planos: um, genérico, denotativo (ou intensivo) que

designa uma classe de objetos à qual o termo pode ser aplicado; e, outra,

conotativa (ou extensiva), que expressa sua(s) propriedade(s) específica(s) ou

típica(s). Por isto, a definição de uma condição patológica exige a declaração de

sua classe e de sua espécie patológica. Adiante, trata-se mais acuradamente

disto.

Um mesmo objeto, fenômenos ou processo pode ser bem definido com diversas definições, Mas uma boa definição não deve ser aplicável a mais de uma categoria específica de coisas. O homem é um animal social, o homem é um animal que trabalha, o homem é um animal que fala, o homem é um animal que tem sentimentos. Assim como estas, muitas outras definições podem ser atribuídas aos seres humanos.

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Tipos de Definição: Palavras ou Coisas

Existem diversos tipos de definição, sendo cada um deles um procedimento

lógico que, em princípio, deve poder servir à finalidade para a qual estiver sendo

usada a definição. Deve poder servir, por exemplo, para distinguir, encontrar ou

construir qualquer objeto teórico; para formular o significado de um novo termo

ou especificar o sentido exato de um outro termo já existente.

Levando em conta o seu objeto, as definições se dividem em dois grupos:

- definições nominais e

- definições reais.

A divisão das definições em nominais e reais, é uma sobrevivência do conflito

medieval entre os nominalistas e os realistas. Definem-se palavras para explicar

as coisas que elas expressam, o seu significado.

A definição nominal tem como objeto uma palavra, refere-se ao exato significado

de uma palavra. Enquanto a definição de uma coisa, a delimitação da essência

específica de um objeto ou fenômeno da realidade é a definição real. Qualquer

um destes dois tipos de definição (na verdade, indeslindáveis) deve ser um

instrumento lógico a serviço do conhecimento, sintetizando a descrição e,

quando possível, resumindo a explicação.

Já se viu que, como acontece com os conceitos, haver quem contraponha neste campo do conhecimento, dois tipos de definições: as nominais e as reais. (Que, igualmente, seria melhor denominar definições sobre as palavras e sobre as coisas da realidade).

Os positivistas e os neopositivistas tendem a negar cientificidade às definições reais, empregando exclusivamente definições nominais como instrumentos de sua ciência e do seu pensamento científico. A exclusividade da definição nominal característica dos neopositivistas, permite a re-edição contemporânea do nominalismo medieval. Ao fim e ao cabo, trata-se de polêmica com pouco valor. Na verdade, a tentativa de separar a definição nominal da definição real, à semelhança do esforço de separar a ideia,a palavra e a coisa no conceito, encobre quase sempre uma tentativa de escamotear a realidade das coisas, a realidade e cognoscibilidade do mundo ou da fração do mundo que estiver sendo estudada; uma maneira de

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permitir moldar as conclusões ao interesse de quem as constrói; muito mais um golpe intelectual que uma manobra intelectual legitima.

A definição nominal é um artificialismo criado pelos nominalistas para simplificar a linguagem científica, fugir do psicologicismo e do platonismo (do subjetivismo, portanto) e facilitar seu uso por computadores. Contudo não simplificou (pois impõe a obrigação de criar uma imensidão de categorias. Tentando evitar o subjetivismo, caiu no objetivismo (erro metodológico análogo). Apenas facilitou eu emprego por computadores. Quem pretender estudar melhor o termo pode buscar em Bunge. 2

A construção das definições, principalmente das definições científicas, depende

do estado do conhecimento sobre a coisa definida e do conhecimento de que

elabora a definição. As coisas sobre as quais só se têm conceitos descritivos,

recebem descrições descritivas (que se referem apenas À sua aparência, como

J. é o aluno mais baixo do quinto ano). Quando a coisa já se expressa por

conceitos explicativos, pode ser definida de modo genético ou essencial.

Quando se considera o alcance cognitivo da definição, ela ainda pode ser:

definição descritiva, definição essencial e definição genética; a definição

operacional é um importante recurso para disciplinar a investigação científica.

A definição descritiva se reporta apenas a características descritivas da coisa

definida, por isto, é insuficiente do ponto de vista da ciência e só deve ser usada

quando não houver outra alternativa.

A definição essencial ou definição lógica de um coisa é a enunciação de seu

gênero ou espécie e da diferença específica que a singulariza (v.g. o oxigênio é

um elemento químico - o gênero - cujo peso atômico é 16 - diferença específica)

ou a enumeração de suas partes essenciais (em termos de propriedades e

relações). Numa enfermidade, qualquer enfermidade, a definição essencial deve

incluir a etio-patogenia e a característica clínica tida como mais típica.

Uma definição genética se refere à origem da coisa descrita. No caso de uma

enfermidade, a definição genética seria a definição (ou o diagnóstico) que

apontasse para a etiologia, para a causação da enfermidade, para os fatores

2 Bunge, M., Filosofia Básica: semântica, Ed. EPU, S.Paulo, vol. 1, pp. 21 e segs.

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etiológico, especificando suas noxas (fatores causais).

A verdadeira definição científica é a definição lógica ou essencial. Em Medicina, principalmente em psiquiatria, o diagnóstico se confunde muito mais com a definição do que com o conceito, mesmo que se trate de um conceito explicativo. Os diagnósticos médicos de entidades clínicas, em geral, são definições essenciais, mas os diagnósticos etiológicos são definições genéticas.

Forma particular de definição descritiva é a definição operacional, obtida mediante

operações experimentais e seu resultado objetivo é acessível diretamente à

observação empírica ou à quantificação. MAISONNEUVE diz que um conceito é

operatório (ou operacional) quando pode ser definido por certos indicadores claramente designados, ligados a certos procedimentos cujo resultado observável se torna diretamente

controlável. 3 A definição operacional representa um esforço para ampliar a

cientificidade das definições descritivas.

Tal qual sucede com as outras modalidades de definição, um mesmo termo

pode receber diversas definições operacionais. Também as definições

convencionadas destinadas a viabilizar ou homogeneizar um procedimento

metodológico costumam ser chamadas operacionais ou operativas, mas isto não

parece correto como procedimento rigorosamente científico, devendo-se

diferenciar as definições operacionais das definições convencionadas (ainda que

estas últimas objetivem propósitos operativos ou, melhor dizendo, objetivos

operacionais).

Definição científica

Exatamente da mesma maneira que acontece com a conceituação e com a

explicação, também pode haver uma definição científica e uma definição do

senso-comum. E, também como acontece no conceito e na explicação, a

diferença é resultado do grau de exatidão, que é muito maior na definição

científica. A definição científica constitui, sempre, a maneira mais completa e

exata de se definir alguma coisa, dentro das possibilidades viáveis em um certo

3 Maissonneuve, J., Introdução À Psicossociologia, Ed. Nacional/EDUSP, S.Paulo, 1977.

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momento, em um certo processo de investigação.

A definição operacional é, como já se viu, uma tentativa de garantir o máximo de

cientificidade para uma definição ou a expressão um conceito.

Quando se compara o conhecimento científico com o senso comum, nota-se que

existe uma razoável analogia conceitual entre o que acontece aos conceitos

comuns e os conceitos científicos e o que se passa entre as definições vulgares

e as definições da ciência. Não obstante, estas duas instâncias definidoras não

devem ser confundidas.

A definição comum é aquela da linguagem comum, com a qual é dicionarizada.

Padece do defeito adicional de parecer conhecida pela familiaridade que se tem

com ela, o que é mais um fator de tendenciosidade. A definição científica deve

ter sentido preciso com o qual é empregado na terminologia científica e é

construída com mais rigor e exatidão, permitindo maior certeza e precisão.

Erro metodológico é empregar uma definição vulgar originada do senso comum

e suficiente para seus propósitos, em uma tarefa científica, mesmo que tal

definição esteja rigorosamente correta para os efeitos que ela foi construída.

Analogamente, também é procedimento metodológico bastante inadequado

convencionar definições operacionais distantes da realidade factual para chegar

a conclusões desejadas.

BACHRACH 4 menciona um terceiro tipo de definição, a definição poética (ou

definição literária) que é um artifício literário que se concretiza em um jogo de

palavras que produz um efeito eufônico que agrada, mas cujo poder

comunicativo ainda é menor que a definição vulgar. Em ciência, empregar

definições literárias ou poéticas pode resultar muito pior que usar as definições

comuns.

Também existe analogia positiva entre as definições comuns e as definições

científicas. Ambas, seguem o mesmo caminho em sua edificação e as coisas de

que tratam somente são rigorosamente definidas depois de explicadas. Não

4 BACHRACH, A.J., Introdução À Pesquisa Psicológica, Ed. EPU, S.Paulo, 1974, p.53.

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havendo explicação para que se construa uma definição satisfatória, é

necessário criar um artifício lógico para contornar esta dificuldade. Uma

definição de coisa não explicada é sempre uma definição convencionada

determinada pelos interesses de quem a propõe. Um artifício lógico para definir

pode ser a definição operacional.

Operacionalidade

A operacionalidade é uma tendência da filosofia moderna derivada do

empirismo, muitas vezes chamada impropriamente de operacionalismo, que

sintetiza o positivismo lógico e o pragmatismo e pretende que a significação de

qualquer conceito seja determinada apenas pela descrição das operações

utilizadas para formá-lo e verificá-lo, conduzindo inevitavelmente à

superestimação das palavras e das ideias frente às coisas.

Confusão difundida e ampliada pela má tradução de termos ingleses terminados em ism, como operacionalism, neuroticismo e criticism, que podem resultar em palavras portugueses terminadas com os sufixos dade ou ismo (redundando em significações diferentes, na dependência do contexto). Criticism, neuroticism e operacionalism devem ser traduzidos como crítica, neuroticidade e operacionalidade ou operacionalismo, dependendo da intenção comunicativa de quem fala.

Os operacionalistas pretendem que os conceitos científicos sejam definições passíveis de serem reduzidas a termos empíricos.

A rigor, denomina-se operacionalismo somente ao recurso prático utilitário usado para contornar a impossibilidade de definir uma coisa; assim, empregam-se criteriosamente os elementos de sua descrição para torná-la reconhecível e melhorar a confiabilidade de seu emprego.

Deveria haver algum esforço para diferenciar a operacionalidade (recurso legítimo de sistematização e exatidão da descrição) do operacionalismo (atitude reducionista). Contudo, isto não parece ser feito.

De fato, neste terreno, parece ser necessário diferenciar o que seria operacionalismo (superestimação, reducão abusiva ou exclusivação das definições operacionais) da operacionalidade, ou seja, o emprego ponderado e adequado dos procedimentos operacionais em programas de investigação ou na elaboração de teorias científicas. Porque o recurso às definições operacionais, desde que contido em um procedimento metodológico

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controlado que impeça seus descaminhos, pode ser muito útil, principalmente para pesquisas clínicas ou relacionadas a variações dos quadros clínicos de enfermidades.

Contudo esta diferenciação entre operacionalismo e operacionalidade não é sequer tentada por muitos que estão envolvidos na negação ou na defesa dos recursos metodológicos operacionais. E talvez esta tentativa não se faça porque seus adversários não valorizam suficientemente esta providência, enquanto seus utilizadores devem tirar algum proveito desta ambiguidade. Que, de resto, lhes pareceria insuportável noutro contexto.

A rigor, deve ser unicamente à exclusividade, ao exagero ou à superestimação do emprego das definições operacionais que se poderia denominar operacionalismo, uma forma de reducionismo verbalista e idealista que marca o positivismo lógico e o empirismo americano que são duas tendências da Filosofia da ciência que exercem muita influência, não apenas na Medicina, mas em toda atividade científica contemporânea e são dependentes deste reducionismo para conduzir a termo seus programas de investigação. E como estas duas tendências filosóficas se prestam muito ao momento presente que vive a sociedade norte-americana, ela passa a ser imposta ideologiamente a todo o mundo marginal de sua cultura.

Definição Operacional

As definições operacionais são instrumentos utilitários para garantir maior

confiabilidade à observação científica garantindo maior consistência aos

significados dos termos e medidas e ampliando a validade dos conceitos

descritivos. Isto é, pretende-se que o emprego das definições operacionais nos

procedimentos da ciência possa facilitar o trabalho científico e garantir maior

confiança aos seus achados, sobretudo quando se referem a termos

convencionados ou a procedimentos e escalas de medidas e outros

procedimentos baseados no conhecimento apenas descritivo.

Entretanto, deve-se convir que, quando as premissas de um raciocínio se

resumirem ou estiverem exclusivamente baseados em definições operacionais

convencionadas, pode-se chegar facilmente a qualquer conclusão desejada,

seja qual for, desde que elas tenham sido apontadas pelas premissas. Não

sendo por acaso que sejam cultivadas pelos pragmatistas.

O pragmatismo é a tendência filosófica que emprega um critério de

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utilidade para substituir o critério de verdade. Para eles, uma proposição deve ser tida como verdadeira enquanto for útil. Por isto, para estes operadores, as definições operacionais são reconhecidas por sua utilidade, não pela sua validade.

Neste último caso, parece lógico que sua comprovação ou rejeição deva ser

determinada pela comparação com o real, com a coisa definida, quando isto for

possível, em suma a busca da validade. E não com uma configuração lógica

determinada por ela mesma, como acontece quando a comparação é feita com

um protótipo construído com a própria definição operacional (exercício de

fidedignidade).

Deve-se tomar cuidado para não confundir a operacionalidade (qualidade

indispensável ou muito importante para toda atividade científica) com o

operacionalismo (que consiste na supervalorização ou exclusivização dos

recursos técnicos e metodológicos reconhecíveis como operacionais.

Na prática da investigação factual, as definições operacionais se assemelham

aos axiomas e os postulados, enquanto recursos teóricos do conhecimento

formal, tal como são empregados nos estudos filosóficos e nos jogos lógicos.

A ciência não teria chegado onde chegou sem empregar estes recursos operacionais, mas deve-se ter presente que eles são apenas isto: recursos e não os objetivos ou o conteódo da epistemologia ou da metodologia.

Os axiomas e os postulados são artefatos lógicos semelhantes às definições operacionais empregadas para facilitar ou possibilitar os procedimento racionais, principalmente a solução de problemas lógicos. Preenchem o vazio do não conhecido, ajudam a elaborar novos conhecimentos. Não são o conhecimento.

Postulado é o conceito, a proposição, o argumento u a teoria que se tioma convencionadamente como verdadeiro e um raciocínio.

Axioma é a proposição evidente por si mesma, tida por verdadeira, indemonstrável ou sem necessidade de demonstração. Nas ciências sociais, as definições vulgares funcionam mais ou menos como axiomas.

Para os operacionalistas a definição operacional deve ser usada em para

substituir uma definição essencial impossível (o que deve-se denominar definição

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convencionada) ou como uma definição hipotética a ser confirmada no

procedimento experimental.

Analogamente com o que acontece aos axiomas e postulados, as definições

operacionais que pretendem se referir a entidades clínicas, mas são validadas a

partir de outro nível de organização patológica (como os sintomas ou as

síndromes, por exemplo, que têm menor grau de complexidade factual)

desempenham o papel de postulados. As definições operacionais são, por assim

dizer, postulados factuais. E assim devem ser tratadas.

Embora muitos dos procedimentos de muitos autores indiquem diferente, ao menos para alguns outros, a operacionalidade (operacionalism) não deve ser entendida como um sistema filosófico. Para estes, o que se denomina "operacionalism "não é mais que uma abordagem operacional, uma espécie de artifício quedeve se contentar a ser um conjunto de procedimentos técnicos para lidar com operações de verificação e não com a elaboração de conceitos, teorias ou, muito menos, com definições, nos termos em que se coloca neste texto sobre teoria do conhecimento geral e médico. Parece bastante conveniente buscar a operacionalidade, sem decair no operacionalismo, até porque ele não parece muito sério.

Nas ciências sociais e psicológicas modernas, principalmente da Medicina, especialmente da psiquiatria norte-americana, as definições operacionais ganharam grande prestígio, ainda que o recurso nem sempre seja bem usado.

A conduta “operacionalista” não desfruta aprovação unânime. BUNGE (em

Epistemologia, p.144.> nega qualquer importância a este recursos e afirma que

aquilo que amiúde é chamado "definição operacional" não é definição nem é

operacional, mas simplesmente uma relação entre variáveis inobserváveis, de

uma parte, com variáveis observáveis ou mensuráveis, de outra. Sendo que as

segundas agem como indicadores ou índices das primeiras. O que, segundo ele

(e com bastante razão) resulta em uma hipótese e não em uma definição.

Nestes instrumentos operativos, a verdade resulta ser convencionada em sua

elaboração e não surge como resultado da investigação científica, o que facilita

muito qualquer mistificação.

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Em trabalho muito interessante traduzido no Brasil, McHugh e Slavney 5

apontam para uma série de características propostas por Feigl 6 para permitir ter

certeza sobre o que é a operacionalidade e, com isto, poder identificar com

certeza as definições operacionais.

Para McHugh e Slavney, o operacionalismo é um procedimento técnico

investigatório que lida com conceitos. Deste ponto-de-vista mais restrito sobre o

operacionalismo como recurso pragmático, os conceitos que têm valor para as

ciências concretas devem ser definíveis por operações que sejam: logicamente

consistentes e suficientemente definidos, se possível, quantitativamente;

empiricamente construídas e terem ligações ostensivas com o observável;

tecnicamente possíveis, comunicáveis e reprodutíveis. Ademais, devem visar a

criação de conceitos que funcionem em leis ou teorias de maior previsibilidade.

Para estes autores, todas as definições operacionais necessitam ter as

seguintes qualidades essenciais: a) serem logicamente consistentes; b) estarem

suficientemente definidas, se possível, quantitativamente; ç) terem sido

empiricamente construídas e terem ligações ostensivas com o observável; d)

serem tecnicamente possíveis; e) serem comunicáveis e reprodutíveis; e, por

último, f) devem visar a criação de conceitos que funcionem em leis ou teorias

de maior alcance de previsibilidade.

O emprego de conceitos operatórios ou operacionais fazem parte de um esforço

para elaborar raciocínios psicológicos, médicos e sociológicos em uma

linguagem, rigorosamente científica, na medida em que se estabelecem

variáveis que podem permitir a descoberta das relações que eles mantêm entre

si ou com o que há no resto do mundo. Para isto, necessita-se elaborar

definições que sejam exatas, unívocas e coerentes entre si e com os objetos e

fenômenos que pretendem definir.

Neste sentido, desde o ponto de vista operacional (mas não necessariamente

5 McHugh, P.R. e Slavney, P.R., as Perspectivas da Psiquiatria, Ed. Artes médicas, P. Alegre, 1989, p. 18. 6 <eigl, H. Operacionalism and Scientific Method, Psichological Review, 52, 1945..

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radicalmente operacionalista) um conceito deve ser considerado como sendo

operatório ou operacional quando puder ser definido por certos indicadores

claramente designados, ligados a certos procedimentos, cujo resultado é

possível de ser observado e diretamente controlado. Por isto, os conceitos

operatórios podem ser um artifício expositivo ou classificatório, mas jamais

permitem a elaboração de definições científicas devido a sua incapacidade para

explicar e, por isto, para construir leis. 7

Por tudo isto, também se pode afirmar que as definições operacionais servem

aos propósitos unicamente descritivos dos positivistas e finda por permitir a

maior objeção ao seu emprego quando se pretendem classificações heurísticas.

Como Construir Definições

As definições não podem e não devem ser elaboradas ao gosto de quem o faz,

nem pode ser confundidas com a conceituação ou a descrição. Existem regras

estabelecidas para elaborar definições e estas regras devem ser seguidas

estritamente quando se tratar de definições para emprego científico. Como

acontece com os conceitos, com as descrições e com as explicações em

ciência, as definições científicas são mais exigentes de sistematicidade,

objetividade e precisão.

As regras para construir definições têm importância prática, sobretudo no âmbito

da pesquisa científica e técnica (e, também, porque a ignorância ou

desobediência destas normas ocasiona muita tolice evitável).

As regras da lógica da ciência que servem como diretrizes para construir uma

definição que possa ser empregada e aceitável como instrumento do

conhecimento científico são as seguintes:

a) a definição deve ser mais clara que o ente definido e indicar seus atributos

essenciais, tanto em termos de sua situação genérica, quanto específica;

7 Maisonnneuve, J., Introdução À Psicossociologia, Ed. Cia. Ed. Nacional/EDUSP, S.Paulo, 1977, pp. 26 e 27.

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b) a definição deve ser conversível simplesmente com o definido (a

decodificação de seu significado deve ser imediata e direta) e não ser

excessivamente ampla ou demasiadamente estreita (guardar correspondência

com o definido, i. é, deve conter todo o definido e só o definido);

c) em uma definição deve ser vedado o recurso do círculo vicioso ou a tautologia

(definir com o definido, a fórmula definidora não deve conter a palavra definida

nem nenhum sinônimo direto dela);

d) para definir não deve ser negativa quando puder ser afirmativa;

e) uma definição não ser expressa em linguagem ambígua, obscura ou figurada

(sendo proibido o emprego de qualquer figura de linguagem.

Questão gnosiológica polêmica acerca da definição refere-se ao seu objeto, ao que seria o objeto da definição: seria a palavra (definição nominal, característica dos nominalistas) ou seria a coisa (definição real típica dos realistasl). Tal como já se verificou com relação aos conceitos, tema em que existe idênticas divergências. Para os filósofos idealistas, desde Parmênides, Platão, Berkeley, Hume, Descartes até Comte e os neopositivistas, a definição é nominal; para eles, só se define uma palavra, não uma coisa. Posto que para eles, consoante suas formulações teóricas, a coisa real, aquilo que se denomina como realidade objetiva não existe ou, se existisse, seria incognoscível, irreconhecível ou incomunicável.

Os filósofos realistas e os materialistas, como Empédocles, Demócrito, Aristóteles, Locke e Marx sustentam a opinião que o conhecimento se consubstancia na unidade do conceito que pode se referir tanto ao objeto real, quanto ao que o representa (que lhe seja correspondente) ou à palavra que o simboliza. Para eles a definição se aplica tanto às palavras (definição nominal) quanto às coisas (definição real); porque entendem o conceito como amálgama inseparável destas duas instâncias da realidade e que os elementos da realidade são reais, existem e podem ser notados, descritos, explicados e definidos. Em suma, conhecidos.

Uma avaliação dialética da questão da definição, deve recusar qualquer apreciação parcial, seja descritiva ou explicativa, encarando estes dois pontos (como em análise e síntese, abstração e concreção, objetividade e subjetividade) como instâncias unitárias e complementares.

Tudo o que existe pode ser definido, tanto as palavras quanto as coisas. Não existe oposição real entre definição real e definição nominal, assim como não há antagonismo entre a definição descritiva e a definição explicativa.

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Pois, como já se pode observar ao longo deste trabalho, descrever e explicar são etapas progressivamente mais evoluídas do processo de conhecer. Tanto do conhecimento vulgar, quanto do conhecimento científico. Enquanto não for possível uma definição explicativa, o conhecimento vulgar e o conhecimento científico têm que se contentar com uma definição descritiva.

No interior da definição descritiva também acontece coisa semelhante: enquanto não for possível uma definição descritiva suficientemente exata para atender as exigências científicas, o conhecimento das coisas do mundo precisa se contentar com descrições menos precisas, desde que suficientes (no limites das possibilidades tecnológicas daquele momento).

Uma outra questão prática muito importante neste terreno é a confusão entre as noções de definição e conceito, que deve ser aprecidada mais aprofundadamente por quem estiver estudando o assunto e que o que se viu aqui permite enfrentar.

Definição, Ápice e Recomeço do Conhecimento

O conhecimento se completa na definição enquanto recomeça a partir da

definição. Esta formulação aparentemente contraditória fornece o núcleo para o

entendimento do significado da definição no processo cognitivo.

A elaboração cognitiva do conhecimento se completa na definição que pode ser

considerada como a maneira mais precisa de se sintetizar o conhecimento que

se tenha sobre alguma coisa, at é que novos conhecimentos imponham sua

revisão. Quando se define alguma coisa, de certa maneira sintetiza-se o

conhecimento mais aperfeiçoado que se tem sobre ela. Por isto, na medida em

que se amplia ou se aprofunda o conhecimento sobre algo, sua definição pode e

deve sofrer alguma mudanáa, ainda que esta modificação se dá unicamente no

interior dos conceitos empregados para definir.

A definição ideal sintetiza a explicação; sobretudo a definição essencial que

encerra o ponto culminante do conhecimento, inclusive do conhecimento

científico. No entanto, por melhor que for uma definição e por melhores os

recursos de cientificidade que contenha, não deve ser considerada completa,

nem definitiva.

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Em geral, deve-se considerar que qualquer definição precisa ser tida como

potencialmente incompleta, além de provisória, porque, ainda que seja uma

definição essencial, sua explicação factual conserva o defeito essencial de

provisoriedade contido em suas formas de verificação, como se há de ver

adiante, quando se tratar da comprobabilidade e das ciências factuais.

Nas ciências factuais, em princípio, qualquer informação está sujeita a ser

modificada.

Embora a definição seja fruto da explicação e enriqueça todos os níveis do

conhecimento que estão antes dela, por mais que se dê por conhecido um novo

conhecimento ou um novo paradigma, existe sempre a possibilidade de ampliar

e aprofundar este conhecimento ou, inclusive, substituí-lo. Por todas estas

razões, é muito comum que, definido um objeto ou fenômeno, esta definição

seja superada pelo conhecimento de novos fatos, muitas vezes advindo da

própria definição ou da explicação que a precedeu, evidenciando o

conhecimento como um processo sempre inacabado, sempre provisório, sempre

relativo. Embora, é preciso que se saiba, nem todo conhecimento é assim

atualizável, alguns podem ser definitivos. O problema seja que nem sempre se

pode predizer qual deles pertemce a este ou àquele tipo.

Para mais informações sobre o tema, vale a pena ler Definições, de HEGENBERG que é um valioso trabalho sobre as definições científicas, de onde se pode retirar algumas inferências para emprego em Medicina, principalmente quando se leva em conta que o diagnóstico é, em última análise, uma definição da enfermidade a que se reporta.

Diagnóstico Nosológico: Definição da Enfermidade

Diagnosticar é definir. Portanto, é perfeitamente plausível que se afirme que o

diagnóstico, mais que um conceito, deve ser (ou conter) uma definição da

enfermidade a que se refere. E, idealmente, de ser uma definição genética,

apontando para a causa da patologia. Contudo, nem sempre é possível

concretizar o processo diagnóstico com esta precisão.

Muitas vezes não se conhece o suficiente sobre a enfermidade; ou não existe,

Page 18: 5.5. definição

ao menos, uma teoria sobre a enfermidade que seja suficientemente provável

para permitir a construção de uma definição a partir dela. Neste caso, o

diaagnóstico médico deve permanecer no nível descritivo da conceituação da

enfermidade. A falta de uma explicação impede uma definição genética e o

diagnóstico daquela entidade clínica permanece como um conceito descritivo.

O diagnóstico descritivo se limita a permitir o reconhecimento de uma

enfermidade por seus elementos formais e por suas características aparentes.

Existem três tipos de diagnósticos descritivos: o reconhecimento de um ou mais

sintomas; a identificação de uma ou mais síndromes (o diagnóstico sindrômico)

e o reconhecimento do que angloparlantes denominam disorders (entidades

clínicas mais ou menos complexas descritos em uma lista nosográfica)

Em geral o diagnóstico descritivo é um diagnóstico analítico. Tipo de

procedimento diagnosticador que recolhe uma série de características do quadro

clínico, que vão sendo superpostas de modo a permitir a descrição mais perfeita

possível daquela entidade clínia. Por isto, em geral, estes diagnósticos são

denominados analítico-descritivos.

Já o diagnóstico explicativo é um diagnóstico sintético, composto de um termo

ou uma expressão com poucas palavras que informam sobre a aparência da

enfermidade (sintoma, síndrome ou entidade clínica), sua classificação

patológica (deficiência ou déficit adquirido, doença ou moléstia-com o sentido de

sofrimento inadequado), sua etiologia, a patogenia, a previsão de curso, o

prognóstico e as indicações terapêuticas genéricas.

No processo de evolução do diagnóstico de uma enfermidade, é comum que o

procedimento diagnosticador se inicie com alguns elementos descritivos. Estes

elementos vão se enriquecendo e, quando já se reportam à etio-patogenia, já

está maduro para o salto qualitativo de transformar-se em explicativo.

A eficiência e a eficácia do procedimento diagnosticador depende dos seguintes

fatores: a teoria de doença vigente na cultura, o conhecimento objetivo que se

tenha sobre a enfermidade especificamente, o paradigma diagnóstico vigente e

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o preparo técnico do diagnosticador.

Cada um destes elementos desempenha papel mais ou menos significativo no

processo. Mas, agora importa muito destacar a necessidade de preparo técnico

do médico que está diagnosticando. Sem preparação suficiente não estará a

altura do que se espera dele. E a preparação para diagnosticar depende de um

grande investimento em tempo para estudar, dedicação ao trabalho e incasável

convívio com os doentes.