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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
LINGUAGEM
O Surgimento da Linguagem na Criança
Por: Valéria Nunes dos Santos
Orientador
Profª. Ms. Andressa Maria Freire da Rocha
Rio de Janeiro
2008
DOCU
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O AUTO
RAL
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
LINGUAGEM
O Surgimento da Linguagem na Criança
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de licenciado em Pedagogia.
Por: Valéria Nunes dos Santos
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os professores da
Faculdade que me fizeram refletir sobre a
vida;
À Deus por tudo, a minha família, por toda
a dedicação e paciência e os meus
amigos por todo o empenho e
cumplicidade na realização dos trabalhos.
DEDICATÓRIA
Dedico esse estudo aos meus filhos
Bruno e Vitória, a meu marido Cristiano, a
minha cunhada Maura que acreditaram
em mim e que sempre me incentivaram e
ao Profº Diomário da Silva Jr. que muito
me auxiliou na construção da escrita
científica mesmo não entendendo nada de
Linguagem.
RESUMO
Tendo em vista a importância do estudo sobre o desenvolvimento da l inguagem infantil e a contribuição que esse estudo traz para o trabalho do pedagogo que atua na educação pré-escolar, o presente trabalho trata, do surgimento da linguagem oral na criança de 0 a 3 anos.
O trabalho discute como o professor pode colaborar para esse desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer uma prática pedagógica voltada para as necessidades de seus alunos, respeitando os l imites e possibil idades da faixa etária e propiciando assim, a formação de sujeitos crít icos e pensantes. Através deste estudo poderemos identif icar como se dá as aquisições da l inguagem, baseando-se nas teorias de Jean Piaget e Lev Vygotski.
O objet ivo fundamental deste trabalho é analisar como surge a linguagem na criança, como ela se desenvolve a partir da interação do sujeito com seu meu social.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para atingir o objetivo deste estudo, a metodologia uti l izada
foi a pesquisa bibl iográf ica, considerando o que nos é apresentada
por grandes teóricos, como Jean Piaget e Lev Vygotsky.
No capítulo I, o conceito de l inguagem é apresentado com
uma breve retrospectiva histórica sobre o desenvolvimento
intelectual a partir da aquisição da linguagem, baseado nos
autores Jean Piaget e Lev Vygotsky – “O pensamento e a
l inguagem”.
O capítulo II trata do surgimento da linguagem na criança
segundo Paule Aimard e o que os educadores podem fazer para a
construção da l inguagem oral.
No capítulo II I, destaca-se o papel do educador no
desenvolvimento da linguagem oral, segundo Maríl ia Amorim,
Sônia Kramer, Mikhail Bakhtin.
SUMÁRIO
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 6
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I - Linguagem: Conceito e História 10
1.1 A Aquisição da Linguagem 13
1.2 O Pensamento e a Linguagem Segundo Vygotsky 15
1.3 O Pensamento e a Linguagem Segundo Piaget 19
CAPÍTULO II - O Surgimento da Linguagem na Criança 26
CAPÍTULO III - O Papel do Educador no Desenvolvimento da
Linguagem Oral
32
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FOLHA DE AVALIAÇÃO
37
39
41
8
INTRODUÇÃO
“A grande temporalidade consiste no diálogo infinito e inconcluso no qual não morre nem um só dos sentidos”.
Bakhtin
O presente trabalho tem por objetivo apresentar como se dá
o surgimento da l inguagem oral na criança de 0 a 3 anos, tendo em
vista a importância do estudo sobre o desenvolvimento da
linguagem infantil e a contribuição que esse estudo traz para o
trabalho do pedagogo que atua na pré-escola.
Neste contexto, a l inguagem oral possui um papel
fundamental. A partir desta concepção, apresentaremos o conceito
e a história do surgimento da linguagem, suas aquisições segundo
PIAGET e VYGOTSKY, destacando qual seria o papel do educador
no desenvolvimento da oral idade.
A seguir, discute como o professor pode colaborar para esse
desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer uma prática
pedagógica voltada para as necessidades de seus alunos,
respeitando os l imites e possibil idades da faixa etária e
propiciando, assim, a formação de sujeitos crít icos e pensantes.
Atualmente, torna-se evidente, principalmente para nós
futuros educadores, a importância da linguagem oral no
desenvolvimento infantil, part indo do pressuposto de que este
desenvolvimento se dá a part ir da interação entre o sujeito e o
meio social no qual está inserido, proporcionando à criança
descobrir a si mesma e ao seu entorno.
O início da linguagem ocorre em uma rede de comunicação,
inicialmente passando por olhares, sorrisos, postura e voz. O bebê
progride ativamente através das trocas entre ele e sua mãe,
começando a produzir sons e a imitar a melodia que ela emite a
9
ele. Durante os três primeiros anos, há uma riqueza de
comunicação, e o bebê continua a adquir ir fonemas de sua língua
materna e vai desenvolvendo-se rapidamente.
Em geral, a criança chega na pré-escola com o vocabulário
restrito a algumas palavras e, quando nos damos conta, aquele ser
já está falando f luentemente. Aos poucos, vai descobrindo a fala,
os gestos, o desenho, que também são formas de linguagem.
Esse trabalho tem, portanto, a f inal idade de colaborar para
que o estudo da l inguagem oral da criança seja mais aprofundado
e também para esclarecer o papel do professor e do meio social,
como mediador neste processo.
A criança é um ser complexo e dinâmico em constante
desenvolvimento e interação com o mundo. O surgimento da
linguagem como elemento mediador e socializador é extremamente
importante: a l inguagem deve ser valorizada pela escola desde
cedo. Logo, at ividades com o objet ivo de desenvolvimento da
linguagem devem ser exploradas pela pré-escola, de forma criat iva
e estimulante.
Diante disso, o que os educadores podem fazer pela
l inguagem? Qual o papel do educador no desenvolvimento da
Linguagem Oral?
10
CAPÍTULO I
LINGUAGEM CONCEITO E HISTÓRIA
“Linguagem, o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana”.
Jean-Jacques Rousseau
Segundo o dicionário Aurélio (1999), “Linguagem é o uso da
palavra art iculada ou escrita como meio de expressão e de
comunicação entre pessoas”.
A linguagem corresponde a uma das habil idades especiais e
signif icat ivas dos seres humanos, sendo considerada a primeira
forma de socialização da criança. O que entendemos por
socialização da criança? Para nós, social ização “é o processo de
adaptação de um indivíduo a um grupo social e, em particular, de
uma criança à vida em grupo”. (Dicionário Houaiss, 2004).
Segundo Plaisance (1990, p.99), a noção de social ização é
descrita, segundo dois modelos principais: o modelo vert ical de
imposição de normas, valores e práticas (modelo durkheimiano), e
o modelo interat ivo da construção de si por meio de “negociação”
entre a criança e o seu meio.
Para Durkheim (apud Plaisance,1990, p.97), ultrapassar o
ser individual e construir o ser social em cada um de nós é o f im
da educação. Ora, a família não está na melhor posição para
cumprir esse papel, pois é fortemente submetida às dimensões
afetivas das relações entre as pessoas. A escola, em oposição,
leva a criança a reconhecer a impessoalidade das regras sociais.
11
O ingresso na moral da classe e na sua discipl ina constituir ia,
assim, uma iniciação ao respeito da regra pela regra. É o professor
das primeiras séries escolares quem permit ir ia essa passagem
para uma realidade superior, racional e impessoal, para uma moral
laica republicana.
É através desta socialização que se torna possível a
aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer, usando
um sistema de signos ou sinais, que servem de comunicação entre
as pessoas para expressão de idéias, valores e sentimentos.
Existem vários t ipos de linguagem: a fala, os gestos, o desenho, a
pintura, a dança, a música, pensamentos.
A respeito das origens da linguagem humana, alguns
estudiosos defendem a tese de que, a partir de alterações no
aparelho fonador, os seres humanos passaram a poder produzir
uma variedade de sons muito maior do que os demais primatas.
Nesse sentido, Aristóteles af irma que somente o homem é
um “animal polít ico”, isto é, social e cívico, por que somente ele é
dotado de linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles,
possuem voz (phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas
somente o homem possui a palavra ( logos), e com ela exprime o
bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum
esses valores é o que torna possível a vida social e polít ica e,
dela, somente os homens são capazes. (apud CHAUI, 2000, p.
135)
Segundo Rousseau (apud Chauí, 2000, p.136), “a palavra
dist ingue os homens dos animais; a l inguagem distingue as nações
entre si. Não se sabe de onde um homem é, antes que ele tenha
falado”.
12
Rousseau ( ib idem. ), considera que a linguagem nasce de
uma profunda necessidade de comunicação. ”Desde que o homem
foi reconhecido por outro com um ser sensível, pensante e
semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-
lhe seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para
isso”.
Durante muito tempo, houve a preocupação em definir a
origem e a causa da linguagem. Uma primeira divergência sobre o
assunto surgiu na Grécia, onde se questionou se a l inguagem é
natural aos homens ou uma convenção social.
Séculos mais tarde, tal discussão levou à seguinte
conclusão: a l inguagem como capacidade de expressão dos seres
humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma
aparelhagem física, nervosa e cerebral que lhes permite
expressarem-se pela palavra.
Marilena Chauí (2000), destacou em seu livro Convite à
Fi losofia , algumas respostas acerca da origem da l inguagem:
“A l inguagem nasce por imitação (onomatópeia), humanos
imitam, pela voz, os sons da natureza;
Nasce por imitação dos gestos (pantomima) o gesto indica
um sentido;
Nasce da necessidade de nos comunicarmos;
Nasce das emoções (expressão de sentimentos) grito, choro
e riso”.
A part ir de Chauí, entende-se que estas teorias não são
excludentes, sendo provável que a linguagem tenha nascido de
todas as fontes ou modos de expressão. Uma l inguagem se
13
constitui quando passa dos meios de expressão aos de
signif icação, ou quando passa do expressivo ao signif icativo.
Chauí (2000, p.141) ainda af irma que “a linguagem é um
sistema de signos ou sinais usados para a comunicação entre
pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos.”
Ao analisar como se dá o processo de aquisição da
linguagem, destaca-se as contraposições de Vygotsky1 e Piaget2,
salientando o papel do educador no desenvolvimento da linguagem
oral e quais as implicações pedagógicas da educação infantil no
desenvolvimento da linguagem.
1.1 A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM
O desenvolvimento da linguagem infantil tem sido estudado
por vários teóricos e através de diferentes visões. Para dar início
ao nosso estudo, tomaremos como base os pressupostos teóricos
Vygotsky3 e Piaget4 acerca deste tema.
Primeiramente, Vygotsky e Piaget divergem na maneira de
pensar a respeito da forma como o indivíduo adquire
conhecimento. Para Vygotsky (1987), é a partir da interação entre
indivíduos que se originam as funções mentais. Piaget, por outro
lado, acredita que esse conhecimento é adquir ido na interação do
sujeito com o objeto.
1 Lev Semeonvich Vygotsky (1896 – 1934) Teórico Estudioso do Pensamento e da Linguagem, para ele um sistema de mediação entre o processo de humanização e os ditames da natureza. - Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 2 – Coleção Memória da Pedagogia. 2 Jean Piaget ( 1896 -1980) Criador da Epistemologia Genética, investigou de modo experimental as hipóteses teóricas e abstratas sobre o conhecimento ao longo do processo de desenvolvimento. – Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 1 – Coleção Memória da Pedagogia. 3 Para Vygotsky, “a unidade de análise da linguagem deveria ser o significado da palavra” – Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 2 – Coleção Memória da Pedagogia. 4 Para Piaget, “ a linguagem é secundária em relação ao Pensamento Lógico-Matemático” – Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 1 – Coleção Memória da Pedagogia.
14
Apesar de contemporâneos, a morte precoce de Vygotsky
não permitiu uma troca de idéias entre ele e Piaget que, mesmo
com diferenças signif icativas, concordaram em alguns pontos de
vista. É necessário deixar bem claro que ambos são
construt ivistas, ou seja, acreditam que o indivíduo constrói seu
conhecimento e interacionistas, pois concebem o homem como
sendo resultado da interação entre dois fatores, mesmo pensando
que eles ocorram por motivos diferentes.
Vygotsky acredita que essa interação ocorre através de
fatores externos, ou seja, entre o indivíduo e o meio social. Piaget,
por sua vez, segue pelos aspectos biológicos, acreditando na
maturação do indivíduo. Para ele, o desenvolvimento ocorre de
dentro para fora e a construção do conhecimento se dá pela
interação entre o sujeito e o objeto, passando por estágios comuns
a todos e que possuem uma seqüência lógica, daí sua
universalidade.
O pensamento piagetiano demonstra que o conhecimento
parte da ação, da experimentação. Através desses momentos,
onde desde pequenos vivenciamos situações de desequil íbrio,
podemos construir novos conhecimentos, promovendo o
desenvolvimento mental. A criança formula diferentes hipóteses a
respeito do mundo que está descobrindo a sua volta e para isso
precisa de “espaço” para testá-las concretamente. Piaget acredita
no valor dessas experiências, que devem ser proporcionadas à
criança desde cedo.
Na visão de Vygotsky, as relações entre desenvolvimento e
aprendizagem, no que se refere à aquisição da linguagem, se
apresentam como um processo natural, disponibi l izando
15
instrumentos criados pela cultura5, que ampliam as possibi l idades
naturais do indivíduo e reestruturam suas funções mentais. Para
Vygotsky (1996, p.23) “tudo o que é cultura é social”, o que faz do
social um gênero e do cultural uma espécie. Isto quer dizer que o
campo do social é bem mais vasto que o da cultura, ou seja, que
nem tudo o que é social, é cultural, mas tudo o que é cultural é
social.
Entre as diferenças mais marcantes de Vygotsky e Piaget,
podemos destacar suas teorias sobre o papel da linguagem no
desenvolvimento intelectual.
1.2 O PENSAMENTO E A LINGUAGEM SEGUNDO VYGOTSKY
Segundo Vygotsky (1996), os processos mentais superiores
que caracterizam o pensamento humano são processos mediados
por sistemas simbólicos. Sendo a linguagem o sistema básico de
todos os grupos humanos, seu desenvolvimento e suas relações
com o pensamento serão um dos focos principais dos estudos
desse teórico.
Na obra de Vygotsky, a origem da linguagem é social e cada
um de nós primeiramente se apropriaria dela, para somente depois
torná-la individual: “É para se comunicar com seus semelhantes
que o homem cria e uti l iza os sistemas da linguagem” (Kohl, 2000,
p.42).
Tomaremos como exemplo um bebê. Ele ainda não sabe
falar, mas consegue se comunicar através de sons, gestos e
expressões faciais. Logo, é a necessidade de comunicação que
impulsiona inicialmente o desenvolvimento da linguagem. Para que
a comunicação entre os indivíduos seja possível, é necessário que 5 Cultura: “Conjunto de características humans que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos de uma sociedade” – Fonte: Dicionário Aurélio,1999.
16
sejam util izados signos, comparti lhados e compreendidos por
outras pessoas. Estes signos traduzem idéias, sentimentos,
vontades e pensamentos de forma bastante precisa. Para
Vygotsky, é nesse momento que surge a segunda função básica da
linguagem: “a de pensamento general izante”.
Segundo Freitas, (2003), Vygotsky procurou a possibil idade
de o homem, através de suas relações sociais por intermédio da
linguagem, constituir-se e desenvolver-se como sujeito, dando
ênfase especial à l inguagem como formadora do pensamento.
Na busca pela compreensão da evolução da espécie, quanto
aos aspectos ontogenéticos6, Vygotsky estudou a forma de
comunicação de primatas superiores, descobrindo as formas do
funcionamento intelectual e as formas de uti l ização de linguagem
que, ao serem analisadas, poderiam ser tomadas como
precursoras do pensamento e da linguagem do ser humano. Esse
processo é entendido como sendo a fase pré-verbal do
desenvolvimento da linguagem.
Sobre o desenvolvimento da fala da criança, pode-se dizer
que ela passa por um estágio pré-intelectual, ou seja, sua fala não
tem relação com o pensamento, pois esse ainda não ocorre. Assim
como o desenvolvimento do seu pensamento passa por um estágio
pré-linguístico, ou seja, ocorre o pensamento, mas ele ainda não é
explicitado através da fala.
A part ir de pesquisas realizadas sobre o comportamento de
macacos, Vygotsky percebeu, por exemplo, que os chimpanzés
util izam varas ou sobem em caixotes para alcançar um elemento
distante. Esse tipo de comportamento revela o que seria uma
6 A evolução de uma espécie é chamada filogênese e o desenvolvimento de um indivíduo é chamado ontogênese. Vygotsky preocupou-se em compreender os aspectos filogenéticos e ontogenéticos do desenvolvimento humano. Fonte: Marta Kohl, Vygotsky “ Aprendendo e desenvolvendo Um processo Sócio-Histórico – Série Pensamento e Ação no Magistério.
17
“inteligência prát ica” e independente da l inguagem. Com o
resultado dessas pesquisas, também constatou que os animais
uti l izam uma linguagem própria, formada por sons, gestos e
expressões faciais que servem como alívio emocional e meio de
contato social com outros membros do grupo. Esse uso da
linguagem é pré-intelectual, no sentido de que ela não tem ainda a
função de signo, ou seja, não indica signif icados específ icos
comparti lhados por um mesmo grupo.
Portanto, pensamento e linguagem na lógica de Vygotsky têm
origens diferentes e desenvolvem-se de forma independente,
porém em um determinado momento se unem e não se separam
mais. Nesse caso, o pensamento torna-se verbal e a l inguagem
racional. A associação entre pensamento e linguagem surge com a
necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante uma atividade
especif icamente humana: o trabalho.
O trabalho exige, além da util ização de instrumentos,
planejamento, ação coletiva e, portanto, comunicação social.
Sendo assim, o homem precisou criar um sistema de comunicação
comparti lhado pelos vários indivíduos.
O surgimento da linguagem como sistema de signos é,
portanto, um momento crucial no desenvolvimento de espécie
humana.
Antes de dominar a l inguagem enquanto sistema simbólico, a
criança já uti l iza manifestações verbais como o choro, o r iso e o
balbucio, com a função de alívio emocional e contato social. Por
volta dos dois anos de idade, o pensamento e a l inguagem se
“encontram” e a fala torna-se intelectual, como função simbólica e
general izante. Já o pensamento torna-se verbal e passa a ser
mediado por signif icados dados pela l inguagem. Podemos chamar
esse tipo de comunicação de fala aberta.
18
É importante ressaltar que embora o funcionamento
psicológico humano torne-se mais complexo, a presença da
linguagem puramente emocional, sem pensamento, não é
eliminada. Mas, sem dúvida, o pensamento verbal e a l inguagem
racional passam a predominar na ação psicológica t ipicamente
humana.
A questão do signif icado das palavras é fundamental na
relação pensamento / l inguagem. É no signif icado que se encontra
a unidade das duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio
social e o pensamento generalizante. É no signif icado da palavra
que a criança irá, portanto, fazer a medição simbólica entre o
indivíduo e o mundo.
Na compreensão de Vygotsky, existem dois componentes do
signif icado da palavra, são eles: o signif icado propriamente dito e
o “sentido” dado a ele. O primeiro consiste no signif icado real da
palavra, e pode ser comparti lhado por todas as pessoas que a
util izam. O sentido refere-se ao signif icado da palavra para cada
indivíduo, de acordo com o contexto e suas vivências afetivas.
Os estudos de Vygotsky indicam que é a função
general izante da linguagem que a torna um instrumento do
pensamento. Mas o uso da linguagem como instrumento de
pensamento supõe um processo de internalização da mesma. É o
“discurso interior” que vai favorecer esse processo. O discurso
interior seria o discurso sem vocalização, voltado para o
pensamento, uma espécie de diálogo consigo mesmo.
O desenvolvimento da linguagem segue a mesma trajetória
das outras funções psicológicas, parte da atividade
individualizada. Logo, a criança primeiramente util iza uma
linguagem como instrumento do pensamento. Podemos chamá-la
de fala interior. Nesta transição, a “fala egocêntrica” possui um
19
papel fundamental. A fala ou discurso egocêntrico é um momento
onde a criança fala alto para si mesma. Esta fala acompanha a
atividade da criança, sendo util izada de certa forma como apoio na
execução de ações e soluções de problemas. Ela surge, portanto,
com uma função associada ao pensamento, servindo como
organizadora deste.
Enfim, a fala egocêntrica vem confirmar a hipótese de
Vygotsky de que a criança transita dos processos social izados
para os processos internos.
1.3 O PENSAMENTO E A LINGUAGEM SEGUNDO PIAGET
O pensamento de Piaget em relação ao desenvolvimento da
linguagem é um facil itador do desenvolvimento cognitivo, mas não
como um pré-requisito e nem como uma condição necessária para
que ele ocorra. Na sua concepção teórica, a l inguagem não é
condição nem necessária nem suficiente para assegurar o
desenvolvimento do pensamento.
Para ele, a palavra acompanha e refaz a at ividade
individualizada antes de servir como socializadora do pensamento.
Para tanto, aponta a inf luência do egocentrismo intelectual na
linguagem infantil, que seria a incapacidade da criança de se
colocar no lugar do outro. Esta forma individualizada ocorre por
inf luência do egocentrismo na relação evolutiva entre pensamento
e a l inguagem.
Em seu processo evolutivo, nas crianças de até dois anos
não se observa um comportamento que envolva a evocação de um
objeto ausente. Isso só ocorre com o aparecimento da função
semiótica ou simbólica, que consiste na possibil idade de
representar um objeto ou acontecimento ausente. Essas condutas
20
aparecem aos poucos, de acordo com o desenvolvimento da
criança.
A primeira delas é a imitação diferida, ou seja, aquela que se
inicia tendo como suporte um modelo exterior. A criança do
período sensório-motor começa imitando a partir de um modelo e,
depois, passa a fazê-lo na ausência desse modelo, sem que para
isso necessite de alguma representação em pensamento.
A part ir dos dois anos também surge o jogo simbólico, o “faz
de conta”, extremamente importante para o desenvolvimento
infantil. É nessa “brincadeira” que a criança vivencia suas
angústias, medos, frustrações e experimenta diferentes papéis de
acordo com sua imaginação.
Outra função semiótica ou simbólica que surge com o
decorrer do desenvolvimento infantil é o desenho que, segundo
Piaget, desempenha um papel intermediário entre o jogo e a
imagem mental, que aparece a partir da imitação interiorizada.
Assim, para Piaget, a l inguagem aparece mais ou menos ao
mesmo tempo em que as outras formas do pensamento semiótico.
Segundo Kramer (1997, p.60), a l inguagem é entendida como
sistema de representação da ação, não sendo por si só constitut iva
do pensamento lógico. Sua importância está ligada ao fato de que,
junto com as demais manifestações da função semiótica – o
desenho, a imitação, o jogo simbólico –, ela possibil ita, por meio
da representação, que a criança vá destacando o pensamento da
ação e vá, assim, evoluindo dos esquemas sensório-motores para
os operatórios concretos.
21
A part ir de observações feitas com conversas de crianças,
Piaget concluiu que a l inguagem pode ser dividida em dois grupos.
O egocêntrico e o socializado.
No primeiro grupo a criança não tem grande preocupação em
saber para quem fala ou se é escutada (fala sem a intenção de
comunicar algo). Fala mesmo que seja para si.
Essa linguagem egocêntrica pode ser dividida em três
categorias, são elas: a repetição, que também pode ser chamada
de ecolalia . As crianças, nos primeiro anos de vida, têm prazer em
repetir o que ouvem - sílabas e sons -, mesmo que estes não lhe
apresentem signif icado.
Essa característ ica, mesmo parecendo social, é totalmente
egocêntrica. Na verdade, ocorre que a criança não sabe que imita
e imagina ter criado aquilo que disse, ou seja, ocorre uma
confusão de papéis. A imitação é assim inconsciente, pois não há
interlocutores para essa fala.
O monólogo tem a função de acompanhar a ação. Esse é o
único motivo pelo qual existe. A criança sente necessidade de que
suas brincadeiras sejam acompanhadas por palavras, gritos, da
mesma forma que é importante para ela uti l izar essa fala para criar
uma realidade que a ação não possibi l itaria real izar.
Esta fala ocorre quando não há contato com coisas ou
pessoas. É a palavra agindo por si só. Ocorre a substituição da
ação por uma fala que propiciará um prazer i lusório. Mesmo
quando está sozinha ou junto com várias crianças, estas falam
consigo mesmas, porém não há, nessa fala, nenhuma preocupação
com o outro. Por esse motivo, está caracterizada por Piaget como
linguagem egocêntrica. A palavra aqui não tem a intenção de
22
comunicar o pensamento, mas sim a de reforçar ou adiantar a
ação.
O monólogo colet ivo não se dirige a ninguém, porém existe
nele a possibi l idade de união entre o prazer de falar diante dos
outros, atraindo assim atenção, e a possibil idade de imaginar que
está despertando o interesse do outro.
O fato de que a criança inicie suas frases supondo que a
estejam escutando é o que distingue o monólogo coletivo do
simples monólogo. Porém, assim como no monólogo simples, a
criança apenas pensa em voz alta sobre suas ações, sem o
objetivo de comunicar algo a alguém.
Pode-se observar que, quanto menor a criança, maior a
porcentagem da linguagem egocêntrica em relação à l inguagem
socializada. Piaget entendeu que esta últ ima se dá quando ocorre
troca de pensamento entre pessoas.
Sintetizando, a l inguagem social izada, segundo Piaget
(1999), pode se distinguir em:
A informação adaptada . A criança tem aqui o objet ivo de
informar alguma coisa ao outro, porém fala a partir do ponto de
vista do interlocutor e não do seu próprio. A criança tem nesse
momento a necessidade de ser entendida, e de que ocorra a troca
de informação. Sua intenção é comunicar o pensamento. (PIAGET,
1999, p.9)
A crítica e zombaria . Essa categoria não tem por função
comunicar o pensamento, mas sim satisfazer inst intos não
intelectuais como, por exemplo, o amor próprio. Estas frases são
dir igidas a um interlocutor específ ico e agem sobre este. O que faz
a crít ica e zombaria ser uma categoria à parte é o desejo que há
23
nessas falas de af irmação de superioridade, a intenção de zombar
do outro. Pode-se concluir que estas observações são mais
afetivas do que intelectuais. (PIAGET, 1999, p.25)
Ordens, súplicas e ameaças . Para a criança pequena, os
intercâmbios intelectuais são muito reduzidos. O restante da
linguagem servirá à ação e consistirá em ordens. As súplicas são
pedidos implícitos que não são feitos em forma de frases
interrogativas. (PIAGET, 1999, p.26)
As perguntas e respostas . Resposta seria, no caso, uma
frase dita ao outro depois que uma pergunta foi feita e houve
possibil idade de compreensão da mesma. Já as perguntas podem
ser classif icadas como linguagem social izada, à medida que uma
criança para outra. Porém, muitas frases das crianças adotam a
forma interrogativa sem serem perguntas ao interlocutor. Nesse
caso a criança não aguarda e nem escuta a resposta, faz isso ela
mesma. (PIAGET, 1999, p.27)
É importante lembrar que durante todo o período de
aprendizagem da língua, a criança é sempre vít ima de confusões
entre o seu próprio ponto de vista e o ponto de vista do outro.
Para Piaget (apud Aimard,1998,p.37), a l inguagem
egocêntrica de uma criança de três anos mostra que ela é incapaz
de diferenciar o ponto de vista do interlocutor do seu, e que
realmente não pode se interessar pelo seu interlocutor e transmitir-
lhe uma informação. Progressivamente, ela at ingirá certo nível de
descentralização que lhe permitirá formular perguntas, ordens,
ameaças, informar os outros, em suma, comunicar-se. Para
recordarmos como as condições de observações deram origem a
essas af irmações, o próprio Piaget as comenta:
24
“Trabalhamos apenas com duas crianças de seis anos, levando integralmente seus objetivos, mas só durante um mês e durante algumas horas do dia (...). Adotamos a seguinte técnica. Dois de nós acompanhamos cada criança (um menino) durante cerca de um mês, no turno da manhã da Pré-Escola do Instituto J.-J. Rousseau, anotando minuciosamente tudo o que a criança dizia e o seu contexto. Na sala (...), os alunos desenham e constroem o que querem, brincam com argila, de calcular, de ler , etc. Essa atividade é realizada em total liberdade, sem qualquer limitação ao desejo de falar ou de brincar juntos, sem qualquer intervenção de adultos.”(PIAGET, 1923, p17-18)
Os estudos de Piaget nos permitem entender que, até certa
idade, as crianças pensam e agem de maneira mais egocêntrica
que o adulto. Elas falam bastante entre si quando estão juntas, só
que a maioria das coisas que falam não é dirigida a alguém. A
criança não se coloca no lugar do outro. Em contrapartida, o adulto
fala menos sobre suas ações, porém sempre que o faz tem
intenção de ut i l izar a l inguagem social izada, ou seja, comunicar
algo a alguém. Por esse motivo, é importante não confundir
intimidade de pensamento com egocentrismo.
É importante ressaltar que, mesmo que as crianças se
entendam menos que os adultos entre si, isso não quer dizer que
em suas brincadeiras ou em outras atividades que desempenhem
não se compreendam o suf iciente. Porém, esta compreensão não é
ainda somente verbal.
Sendo assim, f ica claro que para Piaget o pensamento
aparece antes da linguagem, que é apenas uma das formas de
expressão. A aquisição da linguagem só ocorrerá depois que a
criança alcançar um determinado nível de habil idades mentais. A
linguagem está, portanto, subordinado ao pensamento.
O nosso estudo nos aponta ser o processo de aquisição da
linguagem pela criança bastante complexo e dinâmico. Ao
analisarmos as perspectivas de Vygotsky e Piaget, vemos que
tanto o meio social quanto o indivíduo são fundamentais para que
25
ocorra um desenvolvimento nesse sentido. Entendemos que a
linguagem para Vygotsky possui um papel fundamental, pois é
constitut iva do sujeito e organizadora do pensamento, enquanto
para Piaget esta seria uma das formas de expressão do
pensamento.
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CAPÍTULO II
O SURGIMENTO DA LINGUAGEM NA CRIANÇA
“O sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa, posto que sendo sujeito não pode, se quiser continuar sê-lo, permanecer sem voz, portanto, seu conhecimento, só pode ter um caráter dialógico”.
BAKHTIN
Com base nos relatos de vários teóricos (Vygotsky, Piaget e
Bakhtin), a respeito do desenvolvimento da linguagem, faremos um
estudo sobre o processo de aquisição da linguagem na criança até
o início da vida escolar, entre 0 e 3 anos.
A partir da teoria de Vygotsky, que aponta que a linguagem
nasce da interação do sujeito com seu meio social, partimos do
pressuposto que sua formação ocorre em uma rede de
comunicação sem a qual não poderíamos constatar as aquisições.
Discutiremos por hora, o surgimento da linguagem na
criança. Cada criança evolui conforme o seu próprio ritmo, e sua
linguagem é entendida a partir do seu crescimento e das seguintes
aquisições: atenção, sentimento, motricidade, percepções, entre
outros.
Não conseguiríamos compreender a l inguagem isolada, pois
quando pensamos nela, a associamos obrigatoriamente ao
desenvolvimento da criança em outras áreas, tais como: Aquisição
da Linguagem e Aquisição Motora, logo, aquisição é igual a
desenvolvimento humano ou ontogênese7.
7 Ontogênese: Biol, Ontogenia: “Desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação até a maturidade” Fonte: Dicionário Aurélio, 3ª edição,1999.
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“O que podemos ensinar a uma criança baseia-se naquilo que ela construiu: enriquecemos, melhoramos sua linguagem, mas isso não acontece logo no início.”. (Aimard, 1998)
Segundo Aimard (1998), o que percebemos é que a
linguagem nasce da interação entre o adulto e a criança, que o
adulto não tenta ensinar nada à criança. A comunicação passa por
olhares, sorrisos, posturas e voz, construindo um ambiente que
favoreça momentos de felicidade conjunta. O bebê progride em
três breves seqüências realizadas no período de algumas
semanas, participando cada vez mais ativamente das trocas.
Assim, o repertório dos sons que ele produz se enriquece,
começando a imitar a melodia. O início da linguagem ocorre em
uma rede de comunicação sem a qual não poderíamos apreciar as
aquisições do primeiro ano.
Para facil itar o nosso entendimento, apresentamos alguns
referenciais Motores, def inidos por Airmard, 1998.
v 3 meses: Sentado, o bebê mantém a cabeça erguida / Leva algum pano à boca e o chupa / Olha fixamente para as mãos.
v 3 - 6 meses: Preensão manual reflexa.
v 6 - 8 meses: Fica sentado com um leve apoio / Pega um objeto, bate sobre a mesa
com o objeto que está segurando, diverte-se com o barulho produzido.
v 8 meses: Oposição do polegar para pegar um objeto pequeno / Brinca de derrubar um objeto e procura o objeto que acabou de largar/ Olha seu rosto no espelho.
v 10 meses: Desloca-se engatinhado ou arrastando-se.
v 12 meses: Utilização manual cada vez mais precisa: manuseia, desloca,
transporta, arruma, desarruma. Pega um lápis, rabisca. Caminha.
v 15 meses: Bebe sozinho no copo. v 18 meses: Imita as atividades da casa (limpa, telefona, escreve) / Vira páginas de
um livro/ Sobe e desce de uma cadeira. Ajuda quando alguém o veste.
v 20 meses: Sobe a escada de mãos dadas.
v 24 meses: Sobe a escada, desloca-se em veículos de três ou quatro rodas / Chuta uma bola se o mandarmos / Reúne dois objetos que têm de ficar juntos.
v 30 meses: Carrega um copo d’água ou um objeto frágil / Tenta se equilibrar num
pé só / Ao desenhar, imita um traço vertical e um horizontal.
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v 30 - 36 meses: Tira as meias/ tenta colocar os sapatos / Abre um zíper/ Ajuda quando lavamos suas mãos / Caminha sobre uma linha reta, na ponta dos pés, para trás / Pés alternados para subir a escada / Pula o último degrau com os pés juntos/ Come sozinho / Ao desenhar, imita um círculo, esboça uma figura humana.
Observando os referenciais motores, percebemos como se dá
o desenvolvimento da criança, porém ressaltamos que cada
criança desenvolve-se em seu tempo, ou seja, as aquisições
seguem mais ou menos a mesma ordem, mas a velocidade dos
progressos varia muito. O mesmo ocorre com a l inguagem.
Durante o primeiro ano, há uma riqueza de comunicação pré-
verbal com os próximos. Já no segundo ano, o bebê continua a
adquir ir os fonemas de sua “l íngua materna” e, no terceiro ano,
continua se enriquecendo muito rapidamente.
Segundo Aimard (1998), apresentado desta forma, a
aquisição da linguagem não é muito falante! Mas os detalhes a
seguir nos permitem entender como a linguagem evolui.
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1) No primeiro ano:
Nos primeiros ensaios de l inguagem chamaremos de pré-
linguagem, que signif ica a troca entre o bebê e a mãe.
Inicialmente, o bebê produz gritos, que são respostas ao estímulo
dado por sua mãe - esse é o primeiro contato lingüístico do
indivíduo. Gradativamente, ele vai desenvolvendo novos sons,
experimentando gestos.
Com passar dos meses, ele vai se apropriando de novos
conhecimentos: a relação entre a mãe, o bebê e o meio vai
intensif icando a produção de novas acepções lingüísticas; a
criança começa a gostar de brincar com formas repet idas, como
“dadadá”, “bababá” ou “papapá”.
Geralmente, o bebê já produz um balbucio bastante r ico,
fazendo ruídos com os lábios e com a língua, imitando sons,
provocando estalos, brincando bastante com a voz, com os ruídos
e fonemas, uti l izando-se de gestos signif icativos, compreendendo
a voz cál ida e aconchegante da mãe, assim como ordens secas os
“não, não, não” imperativos. Portanto, o bebê percebe facilmente o
papel estruturante dos enunciados dos adultos.
2) No segundo ano:
Aumentam as aquisições do sistema fonético, jogos de
imitação, os exercícios, o prazer de dialogar, as repetições
silábicas e suas variáveis.
É neste momento que surge o aparecimento das primeiras
palavras com o início da constituição do léxico. A compreensão da
criança aumenta, e ela passa a construir sua l inguagem a partir
das formas orais que escuta.
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3) No terceiro ano:
Formam-se as estruturas essenciais da l íngua. É considerada
a idade de ouro da linguagem infantil, devido à surpreendente
capacidade que a criança tem para estabelecer uma l igação do seu
conhecimento interior e o meio onde está inserida.
A criança não inventa a linguagem, não sendo capaz de
construí- la sozinha, precisando sempre do outro, que lhe fornecerá
o que chamamos de um banho de linguagem, que é tudo aquilo que
escuta ao seu redor, extraindo os modelos e os esquemas a partir
dos quais vai construir sua linguagem.
No jogo com o adulto, a criança presta muita atenção à
linguagem do mundo falado, escuta e se interessa pelo universo
sonoro.
A redundância do discurso do adulto facil ita a criação de
referências, aplicando à fala e à colocação da língua em palavras,
uma realização oral.
Para que a criança possa construir sua linguagem oral,
devemos proporcionar, através de vivências e explorações do meio
em que convivem, recursos para a constituição de sua linguagem.
A linguagem não é uma entidade isolada, mas está ligada
àquilo que a criança constrói, seja de origem cognitiva, afetiva,
cultural e social.
Segundo Aimard (1998), “Inicialmente, l inguagem e
comunicação inscreveram-se em uma rede de interações de
proximidade, logo depois a criança vira ator, presa a novos meios
de comunicação cuja rápida evolução modif ica em cada um de nós,
um raio de ação das trocas”.
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Antes da entrada na escola maternal, começa a ser
organizado o hábito de interação entre o adulto e a criança, com
os pais. Quando isto não ocorre, cabe ao educador um papel
mágico quando a criança não encontra em casa um clima de
comunicação ou de interesse favorável à l inguagem.
A linguagem da criança modela-se na da família, pois ela
ainda não possui outra fonte. Ao começar a freqüentar a escola,
percebe-se um vocabulário um pouco mais formal misturado a um
vocabulário com algumas particularidades.
A relação da criança com a professora não possui os
mesmos compromissos afetivos que existem entre a criança e seus
pais. Cabe ao professor propiciar as atividades de l inguagem como
forma de comunicação, enriquecendo o vocabulário, despertando o
interesse pelas palavras, consolidando as estruturas da linguagem
em seus diferentes níveis: fonéticos, semânticos e sintáticos,
enfatizando que a l inguagem é mais um meio de intercâmbio.
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CAPÍTULO III
O PAPEL DO EDUCADOR NO DESENVOLVIMENTO DA
LINGUAGEM ORAL
“Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra f irme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”.
Rubem Alves
O trabalho em Educação Infantil possui, sem dúvida, vários
objetivos. Um deles com certeza é propiciar o desenvolvimento das
diferentes formas de expressão, entre elas a linguagem oral.
Muitas at ividades da pré-escola levam a um desenvolvimento
da linguagem infantil, cabendo ao professor a tarefa de adequá-las
convenientemente a cada faixa etária. Exercitar a fala em sala de
aula é fundamental e isso deve ser estimulado a todo o momento.
A l inguagem deverá ser trabalhada pelo professor, através de
músicas, nas conversas de roda, pensando sempre em ampliar a
cada dia o repertório das crianças, uso de pronomes para
substituir nomes e de coordenativos adit ivos, bem como o uso de
palavras específ icas, marcadoras de tempo e lugar. Por exemplo.
(ontem, hoje e amanhã, mesmo quando que usadas sem
adequação, pois isso acontece muito nesse período pré-escolar).
Segundo Amorim, (1990, p.17): “A função do professor
consiste apenas, em garantir, e não atrapalhar, o encontro entre
as crianças. Elas tem muito o que aprender, lá entre elas”.
33
O professor, assim como os pais, colegas e familiares
servirão como “modelo” para a fala das crianças. Os adultos que
convivem com bebês e crianças pequenas são referências
importantes de l inguagem oral para eles. Portanto, é fundamental
estar atento para a maneira como se fala com as crianças e aos
diálogos que se estabelecem na sua presença.
É bastante comum que os pais e professores falem com a
criança de maneira boba, engraçada e muitas vezes no diminutivo.
Essa infantil ização deve ser evitada a f im de que a criança não
imite esse modo de falar.
O educador deve ser o mediador, o interlocutor que faz
perguntas, ouve respostas, sol icita esclarecimentos, reinterpreta e
devolve à criança sua emissão reformulada, de modo que ela
possa compreendê-la e assim ampliar seu universo discursivo.
Como nos aponta Monteiro:
“A exper iênc ia h istór ica dos homens acha-se ref le t ida nas cr iações mater ia is , e também aparecem representada nas palavras, consol idadas nos conteúdos que as envolvem. É por meio da l inguagem que os indiv íduos in teratuam ao mesmo tempo em que internal izam papéis soc ia is e conhec idos que poss ib i l i tam seu desenvolv imento ps icológico. Por meio da l inguagem, em suas múl t ip las expressões, expr imimos s igni f icados e sent idos, sent imentos e afetos ; tex to subtexto impl icado na evolução da consc iência humana”. (MONTEIRO, 1996, p.160)
O educador deve de fato estar interessado na fala de seus
alunos, estar atento aos seus gestos, movimentos, enf im, na sua
maneira de ver e pensar o mundo. Sua atitude deve ser
invest igadora, interessada e curiosa, levando sempre em
consideração os l imites da faixa etária com que está trabalhando.
Deve exist ir um cl ima de confiança, respeito e afeto entre
crianças e educador. A parceria com o adulto é fundamental para
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que a criança se permita experimentar as funções da l inguagem.
Para Bakhtin:
“A categor ia bás ica de concepção de l inguagem é a interação verbal , e esta se dá fundamentalmente pelo d iá logo. Toda comunicação é um diá logo e faz par te de um processo in interrupto. Diá logo é aqui compreendido com um sent ido amplo, correspondendo não apenas a comunicação em voz a lta entre duas pessoas, mas a toda comunicação verbal. Nesse sent ido, qualquer enunc iado pressupõe aqueles que o antecederam e outros que o sucederão, cada enunciado é um elo de uma cadeia de comunicação e só pode ser compreendido dentro de um contexto determinado”.(BAKHTIN, 1992, p.161) .
Mesmo que a criança seja bem pequena e não saiba ainda
falar, o educador deve conversar com ela, estimulando assim sua
comunicação. A princípio, as palavras podem não ter signif icado
claro, mas têm som, entonação, ritmo e emoção. Aos poucos, a
criança começa a exercitar sua l inguagem oral. Esse é um
processo que ocorre nos primeiros anos da criança e na escola
deve ser incentivado ao máximo pelo professor. Segundo Amorim
(1990, p.20), “Com a professora e com as outras crianças, fazendo
coisas junto, a criança vai soltando a língua. E quando solta, solta
mesmo. Que grande descoberta, essa história de produzir, com
sons, signif icados e comunicação”.
O professor deve promover situações de interlocução, de
comunicação, de modo que as crianças possam, de fato, atuar
como falantes e ouvintes.
Uma das formas de interação mais freqüente entre as
crianças é, sem dúvida, o brincar. Durante a brincadeira, a criança
util iza a l inguagem oral de forma livre e espontânea, além de
desenvolver capacidades importantes como a atenção, a memória
e a imaginação. Nesse sentido, educador deve estar atento às
brincadeiras das crianças e também participar delas, interagindo
através da l inguagem.
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O educador deve escutar a criança, dar atenção à sua fala,
atribuir sentidos. Muitas vezes, quando a criança ainda é bastante
pequena, uma simples palavra quer dizer muita coisa. Por
exemplo, ao dizer água, a criança pode estar pedindo água,
dizendo que está com sede ou que derrubou água no chão.
Outra at itude importante por parte do professor é sempre
tentar responder ou comentar de forma coerente àquilo que a
criança ou perguntou. As respostas e comentários das crianças
devem sempre ser compreendidos pelo professor, pois são
tentativas de entender as diversas situações apresentadas às
crianças. Logo, a fala da criança deve ser integrada à própria
prática pedagógica dando, assim, sentido a ela.
É muito importante a criação de contextos onde a criança
aprenda a falar e a ouvir. Para isso, todos os momentos devem ser
valorizados pelo professor. Horas como a chegada, a alimentação,
a higiene, e outras atividades - o desenho, o jogo, a história e a
roda - ou seja, as diversas situações diferentes onde ocorre
comunicação com o outro, são momentos signif icat ivos para que as
crianças aprendam a expressar-se, adquir ir uma pronúncia correta,
a escutar quem está a sua volta, contar suas experiências.
Dessa forma, o professor estará criando um ambiente
estimulador e colaborador para o desenvolvimento de seus alunos,
não só em relação à linguagem verbal, mas permit indo a
construção de um sujeito at ivo, crít ico, enf im, um cidadão.
Outro aspecto relevante em relação ao desenvolvimento da
linguagem é a questão dos distúrbios da linguagem na criança. O
professor deve sempre procurar favorecer o desenvolvimento oral
em sala de aula e deve avaliar a necessidade de uma intervenção
específ ica ou encaminhamento quando perceber algum indicativo
de distúrbio de linguagem.
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Portanto, o professor deve estar atento a alguns “sintomas”
que podem alertá-lo no sentido de um acompanhamento
fonoaudiólogo ou psicológico, por exemplo, a essa criança.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento da linguagem oral na criança é um campo
de estudo bastante interessante e motivador, principalmente para
os, futuros pedagogos.
O processo de aquisição da linguagem e seu
desenvolvimento devem ser estudados a fundo, a f im de que
práticas pedagógicas atuais levem em consideração esta área do
conhecimento. Conseqüentemente, estaremos promovendo a
ampliação do uso das diferentes formas de l inguagem, em especial
da linguagem oral.
A f luência verbal das crianças deve, portanto, ser estimulada
desde cedo. A educação infantil , como sendo a primeira etapa da
vida escolar, tem uma função essencial, uma vez que é nesse
período que a criança está conquistando e ampliando seu universo
discursivo.
Nesse sentido, as interações que se estabelecem na escola
(criança-criança; criança-professor) irão contribuir efetivamente
para o avanço cognitivo e sócio-afetivo das crianças. Situações
onde a linguagem oral está sempre presente devem ser
estimuladas pelo professor de forma criativa, tornado a escola um
lugar de trocas.
O processo de construção da l inguagem oral não é estático
ou imutável; pelo contrário, é dinâmico e criat ivo e depende da
participação de vários elementos.
A partir dos suportes teóricos de Piaget e Vygotsky podemos
concluir que o professor deve criar situações comunicativas em
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sala de aula, propondo atividades signif icat ivas para o
desenvolvimento da linguagem.
Através dessas atividades, as crianças terão possibil idade de
se comunicar, saber ouvir, ter segurança ao falar, aprimorando
seus diálogos em diferentes fases do desenvolvimento,
construindo uma l inguagem clara, articulada e coerente.
A valorização da expressão oral em sala de aula trará
benefícios tanto para alunos quanto para professores, à medida
que é ouvindo seus alunos que o professor poderá construir uma
prática pedagógica estimuladora, articulando os conceitos
escolares de acordo com os interesses e necessidade dos alunos,
levando em conta seus conhecimentos prévios.
Sendo a linguagem oral a forma mais comum de expressão e
mediadora de todas as relações humanas, nada mais coerente do
que permitir que o espaço escolar seja, desde cedo, o local onde,
por excelência, aconteça o exercício da linguagem de maneira
sadia e promissora.
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