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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA LINGUAGEM O Surgimento da Linguagem na Criança Por: Valéria Nunes dos Santos Orientador Profª. Ms. Andressa Maria Freire da Rocha Rio de Janeiro 2008 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · RESUMO Tendo em vista a importância do estudo ... destacou em seu livro Convite à Filosofia, ... “a unidade de análise da linguagem

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

LINGUAGEM

O Surgimento da Linguagem na Criança

Por: Valéria Nunes dos Santos

Orientador

Profª. Ms. Andressa Maria Freire da Rocha

Rio de Janeiro

2008

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

LINGUAGEM

O Surgimento da Linguagem na Criança

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de licenciado em Pedagogia.

Por: Valéria Nunes dos Santos

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os professores da

Faculdade que me fizeram refletir sobre a

vida;

À Deus por tudo, a minha família, por toda

a dedicação e paciência e os meus

amigos por todo o empenho e

cumplicidade na realização dos trabalhos.

DEDICATÓRIA

Dedico esse estudo aos meus filhos

Bruno e Vitória, a meu marido Cristiano, a

minha cunhada Maura que acreditaram

em mim e que sempre me incentivaram e

ao Profº Diomário da Silva Jr. que muito

me auxiliou na construção da escrita

científica mesmo não entendendo nada de

Linguagem.

RESUMO

Tendo em vista a importância do estudo sobre o desenvolvimento da l inguagem infantil e a contribuição que esse estudo traz para o trabalho do pedagogo que atua na educação pré-escolar, o presente trabalho trata, do surgimento da linguagem oral na criança de 0 a 3 anos.

O trabalho discute como o professor pode colaborar para esse desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer uma prática pedagógica voltada para as necessidades de seus alunos, respeitando os l imites e possibil idades da faixa etária e propiciando assim, a formação de sujeitos crít icos e pensantes. Através deste estudo poderemos identif icar como se dá as aquisições da l inguagem, baseando-se nas teorias de Jean Piaget e Lev Vygotski.

O objet ivo fundamental deste trabalho é analisar como surge a linguagem na criança, como ela se desenvolve a partir da interação do sujeito com seu meu social.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para atingir o objetivo deste estudo, a metodologia uti l izada

foi a pesquisa bibl iográf ica, considerando o que nos é apresentada

por grandes teóricos, como Jean Piaget e Lev Vygotsky.

No capítulo I, o conceito de l inguagem é apresentado com

uma breve retrospectiva histórica sobre o desenvolvimento

intelectual a partir da aquisição da linguagem, baseado nos

autores Jean Piaget e Lev Vygotsky – “O pensamento e a

l inguagem”.

O capítulo II trata do surgimento da linguagem na criança

segundo Paule Aimard e o que os educadores podem fazer para a

construção da l inguagem oral.

No capítulo II I, destaca-se o papel do educador no

desenvolvimento da linguagem oral, segundo Maríl ia Amorim,

Sônia Kramer, Mikhail Bakhtin.

SUMÁRIO

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 6

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Linguagem: Conceito e História 10

1.1 A Aquisição da Linguagem 13

1.2 O Pensamento e a Linguagem Segundo Vygotsky 15

1.3 O Pensamento e a Linguagem Segundo Piaget 19

CAPÍTULO II - O Surgimento da Linguagem na Criança 26

CAPÍTULO III - O Papel do Educador no Desenvolvimento da

Linguagem Oral

32

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FOLHA DE AVALIAÇÃO

37

39

41

8

INTRODUÇÃO

“A grande temporalidade consiste no diálogo infinito e inconcluso no qual não morre nem um só dos sentidos”.

Bakhtin

O presente trabalho tem por objetivo apresentar como se dá

o surgimento da l inguagem oral na criança de 0 a 3 anos, tendo em

vista a importância do estudo sobre o desenvolvimento da

linguagem infantil e a contribuição que esse estudo traz para o

trabalho do pedagogo que atua na pré-escola.

Neste contexto, a l inguagem oral possui um papel

fundamental. A partir desta concepção, apresentaremos o conceito

e a história do surgimento da linguagem, suas aquisições segundo

PIAGET e VYGOTSKY, destacando qual seria o papel do educador

no desenvolvimento da oral idade.

A seguir, discute como o professor pode colaborar para esse

desenvolvimento, com o objetivo de estabelecer uma prática

pedagógica voltada para as necessidades de seus alunos,

respeitando os l imites e possibil idades da faixa etária e

propiciando, assim, a formação de sujeitos crít icos e pensantes.

Atualmente, torna-se evidente, principalmente para nós

futuros educadores, a importância da linguagem oral no

desenvolvimento infantil, part indo do pressuposto de que este

desenvolvimento se dá a part ir da interação entre o sujeito e o

meio social no qual está inserido, proporcionando à criança

descobrir a si mesma e ao seu entorno.

O início da linguagem ocorre em uma rede de comunicação,

inicialmente passando por olhares, sorrisos, postura e voz. O bebê

progride ativamente através das trocas entre ele e sua mãe,

começando a produzir sons e a imitar a melodia que ela emite a

9

ele. Durante os três primeiros anos, há uma riqueza de

comunicação, e o bebê continua a adquir ir fonemas de sua língua

materna e vai desenvolvendo-se rapidamente.

Em geral, a criança chega na pré-escola com o vocabulário

restrito a algumas palavras e, quando nos damos conta, aquele ser

já está falando f luentemente. Aos poucos, vai descobrindo a fala,

os gestos, o desenho, que também são formas de linguagem.

Esse trabalho tem, portanto, a f inal idade de colaborar para

que o estudo da l inguagem oral da criança seja mais aprofundado

e também para esclarecer o papel do professor e do meio social,

como mediador neste processo.

A criança é um ser complexo e dinâmico em constante

desenvolvimento e interação com o mundo. O surgimento da

linguagem como elemento mediador e socializador é extremamente

importante: a l inguagem deve ser valorizada pela escola desde

cedo. Logo, at ividades com o objet ivo de desenvolvimento da

linguagem devem ser exploradas pela pré-escola, de forma criat iva

e estimulante.

Diante disso, o que os educadores podem fazer pela

l inguagem? Qual o papel do educador no desenvolvimento da

Linguagem Oral?

10

CAPÍTULO I

LINGUAGEM CONCEITO E HISTÓRIA

“Linguagem, o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana”.

Jean-Jacques Rousseau

Segundo o dicionário Aurélio (1999), “Linguagem é o uso da

palavra art iculada ou escrita como meio de expressão e de

comunicação entre pessoas”.

A linguagem corresponde a uma das habil idades especiais e

signif icat ivas dos seres humanos, sendo considerada a primeira

forma de socialização da criança. O que entendemos por

socialização da criança? Para nós, social ização “é o processo de

adaptação de um indivíduo a um grupo social e, em particular, de

uma criança à vida em grupo”. (Dicionário Houaiss, 2004).

Segundo Plaisance (1990, p.99), a noção de social ização é

descrita, segundo dois modelos principais: o modelo vert ical de

imposição de normas, valores e práticas (modelo durkheimiano), e

o modelo interat ivo da construção de si por meio de “negociação”

entre a criança e o seu meio.

Para Durkheim (apud Plaisance,1990, p.97), ultrapassar o

ser individual e construir o ser social em cada um de nós é o f im

da educação. Ora, a família não está na melhor posição para

cumprir esse papel, pois é fortemente submetida às dimensões

afetivas das relações entre as pessoas. A escola, em oposição,

leva a criança a reconhecer a impessoalidade das regras sociais.

11

O ingresso na moral da classe e na sua discipl ina constituir ia,

assim, uma iniciação ao respeito da regra pela regra. É o professor

das primeiras séries escolares quem permit ir ia essa passagem

para uma realidade superior, racional e impessoal, para uma moral

laica republicana.

É através desta socialização que se torna possível a

aquisição e o emprego concreto de uma língua qualquer, usando

um sistema de signos ou sinais, que servem de comunicação entre

as pessoas para expressão de idéias, valores e sentimentos.

Existem vários t ipos de linguagem: a fala, os gestos, o desenho, a

pintura, a dança, a música, pensamentos.

A respeito das origens da linguagem humana, alguns

estudiosos defendem a tese de que, a partir de alterações no

aparelho fonador, os seres humanos passaram a poder produzir

uma variedade de sons muito maior do que os demais primatas.

Nesse sentido, Aristóteles af irma que somente o homem é

um “animal polít ico”, isto é, social e cívico, por que somente ele é

dotado de linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles,

possuem voz (phone) e com ela exprimem dor e prazer, mas

somente o homem possui a palavra ( logos), e com ela exprime o

bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum

esses valores é o que torna possível a vida social e polít ica e,

dela, somente os homens são capazes. (apud CHAUI, 2000, p.

135)

Segundo Rousseau (apud Chauí, 2000, p.136), “a palavra

dist ingue os homens dos animais; a l inguagem distingue as nações

entre si. Não se sabe de onde um homem é, antes que ele tenha

falado”.

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Rousseau ( ib idem. ), considera que a linguagem nasce de

uma profunda necessidade de comunicação. ”Desde que o homem

foi reconhecido por outro com um ser sensível, pensante e

semelhante a si próprio, o desejo e a necessidade de comunicar-

lhe seus sentimentos e pensamentos fizeram-no buscar meios para

isso”.

Durante muito tempo, houve a preocupação em definir a

origem e a causa da linguagem. Uma primeira divergência sobre o

assunto surgiu na Grécia, onde se questionou se a l inguagem é

natural aos homens ou uma convenção social.

Séculos mais tarde, tal discussão levou à seguinte

conclusão: a l inguagem como capacidade de expressão dos seres

humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma

aparelhagem física, nervosa e cerebral que lhes permite

expressarem-se pela palavra.

Marilena Chauí (2000), destacou em seu livro Convite à

Fi losofia , algumas respostas acerca da origem da l inguagem:

“A l inguagem nasce por imitação (onomatópeia), humanos

imitam, pela voz, os sons da natureza;

Nasce por imitação dos gestos (pantomima) o gesto indica

um sentido;

Nasce da necessidade de nos comunicarmos;

Nasce das emoções (expressão de sentimentos) grito, choro

e riso”.

A part ir de Chauí, entende-se que estas teorias não são

excludentes, sendo provável que a linguagem tenha nascido de

todas as fontes ou modos de expressão. Uma l inguagem se

13

constitui quando passa dos meios de expressão aos de

signif icação, ou quando passa do expressivo ao signif icativo.

Chauí (2000, p.141) ainda af irma que “a linguagem é um

sistema de signos ou sinais usados para a comunicação entre

pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos.”

Ao analisar como se dá o processo de aquisição da

linguagem, destaca-se as contraposições de Vygotsky1 e Piaget2,

salientando o papel do educador no desenvolvimento da linguagem

oral e quais as implicações pedagógicas da educação infantil no

desenvolvimento da linguagem.

1.1 A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

O desenvolvimento da linguagem infantil tem sido estudado

por vários teóricos e através de diferentes visões. Para dar início

ao nosso estudo, tomaremos como base os pressupostos teóricos

Vygotsky3 e Piaget4 acerca deste tema.

Primeiramente, Vygotsky e Piaget divergem na maneira de

pensar a respeito da forma como o indivíduo adquire

conhecimento. Para Vygotsky (1987), é a partir da interação entre

indivíduos que se originam as funções mentais. Piaget, por outro

lado, acredita que esse conhecimento é adquir ido na interação do

sujeito com o objeto.

1 Lev Semeonvich Vygotsky (1896 – 1934) Teórico Estudioso do Pensamento e da Linguagem, para ele um sistema de mediação entre o processo de humanização e os ditames da natureza. - Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 2 – Coleção Memória da Pedagogia. 2 Jean Piaget ( 1896 -1980) Criador da Epistemologia Genética, investigou de modo experimental as hipóteses teóricas e abstratas sobre o conhecimento ao longo do processo de desenvolvimento. – Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 1 – Coleção Memória da Pedagogia. 3 Para Vygotsky, “a unidade de análise da linguagem deveria ser o significado da palavra” – Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 2 – Coleção Memória da Pedagogia. 4 Para Piaget, “ a linguagem é secundária em relação ao Pensamento Lógico-Matemático” – Fonte: Revista Viver “Mente & Cérebro” nº 1 – Coleção Memória da Pedagogia.

14

Apesar de contemporâneos, a morte precoce de Vygotsky

não permitiu uma troca de idéias entre ele e Piaget que, mesmo

com diferenças signif icativas, concordaram em alguns pontos de

vista. É necessário deixar bem claro que ambos são

construt ivistas, ou seja, acreditam que o indivíduo constrói seu

conhecimento e interacionistas, pois concebem o homem como

sendo resultado da interação entre dois fatores, mesmo pensando

que eles ocorram por motivos diferentes.

Vygotsky acredita que essa interação ocorre através de

fatores externos, ou seja, entre o indivíduo e o meio social. Piaget,

por sua vez, segue pelos aspectos biológicos, acreditando na

maturação do indivíduo. Para ele, o desenvolvimento ocorre de

dentro para fora e a construção do conhecimento se dá pela

interação entre o sujeito e o objeto, passando por estágios comuns

a todos e que possuem uma seqüência lógica, daí sua

universalidade.

O pensamento piagetiano demonstra que o conhecimento

parte da ação, da experimentação. Através desses momentos,

onde desde pequenos vivenciamos situações de desequil íbrio,

podemos construir novos conhecimentos, promovendo o

desenvolvimento mental. A criança formula diferentes hipóteses a

respeito do mundo que está descobrindo a sua volta e para isso

precisa de “espaço” para testá-las concretamente. Piaget acredita

no valor dessas experiências, que devem ser proporcionadas à

criança desde cedo.

Na visão de Vygotsky, as relações entre desenvolvimento e

aprendizagem, no que se refere à aquisição da linguagem, se

apresentam como um processo natural, disponibi l izando

15

instrumentos criados pela cultura5, que ampliam as possibi l idades

naturais do indivíduo e reestruturam suas funções mentais. Para

Vygotsky (1996, p.23) “tudo o que é cultura é social”, o que faz do

social um gênero e do cultural uma espécie. Isto quer dizer que o

campo do social é bem mais vasto que o da cultura, ou seja, que

nem tudo o que é social, é cultural, mas tudo o que é cultural é

social.

Entre as diferenças mais marcantes de Vygotsky e Piaget,

podemos destacar suas teorias sobre o papel da linguagem no

desenvolvimento intelectual.

1.2 O PENSAMENTO E A LINGUAGEM SEGUNDO VYGOTSKY

Segundo Vygotsky (1996), os processos mentais superiores

que caracterizam o pensamento humano são processos mediados

por sistemas simbólicos. Sendo a linguagem o sistema básico de

todos os grupos humanos, seu desenvolvimento e suas relações

com o pensamento serão um dos focos principais dos estudos

desse teórico.

Na obra de Vygotsky, a origem da linguagem é social e cada

um de nós primeiramente se apropriaria dela, para somente depois

torná-la individual: “É para se comunicar com seus semelhantes

que o homem cria e uti l iza os sistemas da linguagem” (Kohl, 2000,

p.42).

Tomaremos como exemplo um bebê. Ele ainda não sabe

falar, mas consegue se comunicar através de sons, gestos e

expressões faciais. Logo, é a necessidade de comunicação que

impulsiona inicialmente o desenvolvimento da linguagem. Para que

a comunicação entre os indivíduos seja possível, é necessário que 5 Cultura: “Conjunto de características humans que não são inatas, e que se criam e se preservam ou aprimoram através da comunicação e cooperação entre indivíduos de uma sociedade” – Fonte: Dicionário Aurélio,1999.

16

sejam util izados signos, comparti lhados e compreendidos por

outras pessoas. Estes signos traduzem idéias, sentimentos,

vontades e pensamentos de forma bastante precisa. Para

Vygotsky, é nesse momento que surge a segunda função básica da

linguagem: “a de pensamento general izante”.

Segundo Freitas, (2003), Vygotsky procurou a possibil idade

de o homem, através de suas relações sociais por intermédio da

linguagem, constituir-se e desenvolver-se como sujeito, dando

ênfase especial à l inguagem como formadora do pensamento.

Na busca pela compreensão da evolução da espécie, quanto

aos aspectos ontogenéticos6, Vygotsky estudou a forma de

comunicação de primatas superiores, descobrindo as formas do

funcionamento intelectual e as formas de uti l ização de linguagem

que, ao serem analisadas, poderiam ser tomadas como

precursoras do pensamento e da linguagem do ser humano. Esse

processo é entendido como sendo a fase pré-verbal do

desenvolvimento da linguagem.

Sobre o desenvolvimento da fala da criança, pode-se dizer

que ela passa por um estágio pré-intelectual, ou seja, sua fala não

tem relação com o pensamento, pois esse ainda não ocorre. Assim

como o desenvolvimento do seu pensamento passa por um estágio

pré-linguístico, ou seja, ocorre o pensamento, mas ele ainda não é

explicitado através da fala.

A part ir de pesquisas realizadas sobre o comportamento de

macacos, Vygotsky percebeu, por exemplo, que os chimpanzés

util izam varas ou sobem em caixotes para alcançar um elemento

distante. Esse tipo de comportamento revela o que seria uma

6 A evolução de uma espécie é chamada filogênese e o desenvolvimento de um indivíduo é chamado ontogênese. Vygotsky preocupou-se em compreender os aspectos filogenéticos e ontogenéticos do desenvolvimento humano. Fonte: Marta Kohl, Vygotsky “ Aprendendo e desenvolvendo Um processo Sócio-Histórico – Série Pensamento e Ação no Magistério.

17

“inteligência prát ica” e independente da l inguagem. Com o

resultado dessas pesquisas, também constatou que os animais

uti l izam uma linguagem própria, formada por sons, gestos e

expressões faciais que servem como alívio emocional e meio de

contato social com outros membros do grupo. Esse uso da

linguagem é pré-intelectual, no sentido de que ela não tem ainda a

função de signo, ou seja, não indica signif icados específ icos

comparti lhados por um mesmo grupo.

Portanto, pensamento e linguagem na lógica de Vygotsky têm

origens diferentes e desenvolvem-se de forma independente,

porém em um determinado momento se unem e não se separam

mais. Nesse caso, o pensamento torna-se verbal e a l inguagem

racional. A associação entre pensamento e linguagem surge com a

necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante uma atividade

especif icamente humana: o trabalho.

O trabalho exige, além da util ização de instrumentos,

planejamento, ação coletiva e, portanto, comunicação social.

Sendo assim, o homem precisou criar um sistema de comunicação

comparti lhado pelos vários indivíduos.

O surgimento da linguagem como sistema de signos é,

portanto, um momento crucial no desenvolvimento de espécie

humana.

Antes de dominar a l inguagem enquanto sistema simbólico, a

criança já uti l iza manifestações verbais como o choro, o r iso e o

balbucio, com a função de alívio emocional e contato social. Por

volta dos dois anos de idade, o pensamento e a l inguagem se

“encontram” e a fala torna-se intelectual, como função simbólica e

general izante. Já o pensamento torna-se verbal e passa a ser

mediado por signif icados dados pela l inguagem. Podemos chamar

esse tipo de comunicação de fala aberta.

18

É importante ressaltar que embora o funcionamento

psicológico humano torne-se mais complexo, a presença da

linguagem puramente emocional, sem pensamento, não é

eliminada. Mas, sem dúvida, o pensamento verbal e a l inguagem

racional passam a predominar na ação psicológica t ipicamente

humana.

A questão do signif icado das palavras é fundamental na

relação pensamento / l inguagem. É no signif icado que se encontra

a unidade das duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio

social e o pensamento generalizante. É no signif icado da palavra

que a criança irá, portanto, fazer a medição simbólica entre o

indivíduo e o mundo.

Na compreensão de Vygotsky, existem dois componentes do

signif icado da palavra, são eles: o signif icado propriamente dito e

o “sentido” dado a ele. O primeiro consiste no signif icado real da

palavra, e pode ser comparti lhado por todas as pessoas que a

util izam. O sentido refere-se ao signif icado da palavra para cada

indivíduo, de acordo com o contexto e suas vivências afetivas.

Os estudos de Vygotsky indicam que é a função

general izante da linguagem que a torna um instrumento do

pensamento. Mas o uso da linguagem como instrumento de

pensamento supõe um processo de internalização da mesma. É o

“discurso interior” que vai favorecer esse processo. O discurso

interior seria o discurso sem vocalização, voltado para o

pensamento, uma espécie de diálogo consigo mesmo.

O desenvolvimento da linguagem segue a mesma trajetória

das outras funções psicológicas, parte da atividade

individualizada. Logo, a criança primeiramente util iza uma

linguagem como instrumento do pensamento. Podemos chamá-la

de fala interior. Nesta transição, a “fala egocêntrica” possui um

19

papel fundamental. A fala ou discurso egocêntrico é um momento

onde a criança fala alto para si mesma. Esta fala acompanha a

atividade da criança, sendo util izada de certa forma como apoio na

execução de ações e soluções de problemas. Ela surge, portanto,

com uma função associada ao pensamento, servindo como

organizadora deste.

Enfim, a fala egocêntrica vem confirmar a hipótese de

Vygotsky de que a criança transita dos processos social izados

para os processos internos.

1.3 O PENSAMENTO E A LINGUAGEM SEGUNDO PIAGET

O pensamento de Piaget em relação ao desenvolvimento da

linguagem é um facil itador do desenvolvimento cognitivo, mas não

como um pré-requisito e nem como uma condição necessária para

que ele ocorra. Na sua concepção teórica, a l inguagem não é

condição nem necessária nem suficiente para assegurar o

desenvolvimento do pensamento.

Para ele, a palavra acompanha e refaz a at ividade

individualizada antes de servir como socializadora do pensamento.

Para tanto, aponta a inf luência do egocentrismo intelectual na

linguagem infantil, que seria a incapacidade da criança de se

colocar no lugar do outro. Esta forma individualizada ocorre por

inf luência do egocentrismo na relação evolutiva entre pensamento

e a l inguagem.

Em seu processo evolutivo, nas crianças de até dois anos

não se observa um comportamento que envolva a evocação de um

objeto ausente. Isso só ocorre com o aparecimento da função

semiótica ou simbólica, que consiste na possibil idade de

representar um objeto ou acontecimento ausente. Essas condutas

20

aparecem aos poucos, de acordo com o desenvolvimento da

criança.

A primeira delas é a imitação diferida, ou seja, aquela que se

inicia tendo como suporte um modelo exterior. A criança do

período sensório-motor começa imitando a partir de um modelo e,

depois, passa a fazê-lo na ausência desse modelo, sem que para

isso necessite de alguma representação em pensamento.

A part ir dos dois anos também surge o jogo simbólico, o “faz

de conta”, extremamente importante para o desenvolvimento

infantil. É nessa “brincadeira” que a criança vivencia suas

angústias, medos, frustrações e experimenta diferentes papéis de

acordo com sua imaginação.

Outra função semiótica ou simbólica que surge com o

decorrer do desenvolvimento infantil é o desenho que, segundo

Piaget, desempenha um papel intermediário entre o jogo e a

imagem mental, que aparece a partir da imitação interiorizada.

Assim, para Piaget, a l inguagem aparece mais ou menos ao

mesmo tempo em que as outras formas do pensamento semiótico.

Segundo Kramer (1997, p.60), a l inguagem é entendida como

sistema de representação da ação, não sendo por si só constitut iva

do pensamento lógico. Sua importância está ligada ao fato de que,

junto com as demais manifestações da função semiótica – o

desenho, a imitação, o jogo simbólico –, ela possibil ita, por meio

da representação, que a criança vá destacando o pensamento da

ação e vá, assim, evoluindo dos esquemas sensório-motores para

os operatórios concretos.

21

A part ir de observações feitas com conversas de crianças,

Piaget concluiu que a l inguagem pode ser dividida em dois grupos.

O egocêntrico e o socializado.

No primeiro grupo a criança não tem grande preocupação em

saber para quem fala ou se é escutada (fala sem a intenção de

comunicar algo). Fala mesmo que seja para si.

Essa linguagem egocêntrica pode ser dividida em três

categorias, são elas: a repetição, que também pode ser chamada

de ecolalia . As crianças, nos primeiro anos de vida, têm prazer em

repetir o que ouvem - sílabas e sons -, mesmo que estes não lhe

apresentem signif icado.

Essa característ ica, mesmo parecendo social, é totalmente

egocêntrica. Na verdade, ocorre que a criança não sabe que imita

e imagina ter criado aquilo que disse, ou seja, ocorre uma

confusão de papéis. A imitação é assim inconsciente, pois não há

interlocutores para essa fala.

O monólogo tem a função de acompanhar a ação. Esse é o

único motivo pelo qual existe. A criança sente necessidade de que

suas brincadeiras sejam acompanhadas por palavras, gritos, da

mesma forma que é importante para ela uti l izar essa fala para criar

uma realidade que a ação não possibi l itaria real izar.

Esta fala ocorre quando não há contato com coisas ou

pessoas. É a palavra agindo por si só. Ocorre a substituição da

ação por uma fala que propiciará um prazer i lusório. Mesmo

quando está sozinha ou junto com várias crianças, estas falam

consigo mesmas, porém não há, nessa fala, nenhuma preocupação

com o outro. Por esse motivo, está caracterizada por Piaget como

linguagem egocêntrica. A palavra aqui não tem a intenção de

22

comunicar o pensamento, mas sim a de reforçar ou adiantar a

ação.

O monólogo colet ivo não se dirige a ninguém, porém existe

nele a possibi l idade de união entre o prazer de falar diante dos

outros, atraindo assim atenção, e a possibil idade de imaginar que

está despertando o interesse do outro.

O fato de que a criança inicie suas frases supondo que a

estejam escutando é o que distingue o monólogo coletivo do

simples monólogo. Porém, assim como no monólogo simples, a

criança apenas pensa em voz alta sobre suas ações, sem o

objetivo de comunicar algo a alguém.

Pode-se observar que, quanto menor a criança, maior a

porcentagem da linguagem egocêntrica em relação à l inguagem

socializada. Piaget entendeu que esta últ ima se dá quando ocorre

troca de pensamento entre pessoas.

Sintetizando, a l inguagem social izada, segundo Piaget

(1999), pode se distinguir em:

A informação adaptada . A criança tem aqui o objet ivo de

informar alguma coisa ao outro, porém fala a partir do ponto de

vista do interlocutor e não do seu próprio. A criança tem nesse

momento a necessidade de ser entendida, e de que ocorra a troca

de informação. Sua intenção é comunicar o pensamento. (PIAGET,

1999, p.9)

A crítica e zombaria . Essa categoria não tem por função

comunicar o pensamento, mas sim satisfazer inst intos não

intelectuais como, por exemplo, o amor próprio. Estas frases são

dir igidas a um interlocutor específ ico e agem sobre este. O que faz

a crít ica e zombaria ser uma categoria à parte é o desejo que há

23

nessas falas de af irmação de superioridade, a intenção de zombar

do outro. Pode-se concluir que estas observações são mais

afetivas do que intelectuais. (PIAGET, 1999, p.25)

Ordens, súplicas e ameaças . Para a criança pequena, os

intercâmbios intelectuais são muito reduzidos. O restante da

linguagem servirá à ação e consistirá em ordens. As súplicas são

pedidos implícitos que não são feitos em forma de frases

interrogativas. (PIAGET, 1999, p.26)

As perguntas e respostas . Resposta seria, no caso, uma

frase dita ao outro depois que uma pergunta foi feita e houve

possibil idade de compreensão da mesma. Já as perguntas podem

ser classif icadas como linguagem social izada, à medida que uma

criança para outra. Porém, muitas frases das crianças adotam a

forma interrogativa sem serem perguntas ao interlocutor. Nesse

caso a criança não aguarda e nem escuta a resposta, faz isso ela

mesma. (PIAGET, 1999, p.27)

É importante lembrar que durante todo o período de

aprendizagem da língua, a criança é sempre vít ima de confusões

entre o seu próprio ponto de vista e o ponto de vista do outro.

Para Piaget (apud Aimard,1998,p.37), a l inguagem

egocêntrica de uma criança de três anos mostra que ela é incapaz

de diferenciar o ponto de vista do interlocutor do seu, e que

realmente não pode se interessar pelo seu interlocutor e transmitir-

lhe uma informação. Progressivamente, ela at ingirá certo nível de

descentralização que lhe permitirá formular perguntas, ordens,

ameaças, informar os outros, em suma, comunicar-se. Para

recordarmos como as condições de observações deram origem a

essas af irmações, o próprio Piaget as comenta:

24

“Trabalhamos apenas com duas crianças de seis anos, levando integralmente seus objetivos, mas só durante um mês e durante algumas horas do dia (...). Adotamos a seguinte técnica. Dois de nós acompanhamos cada criança (um menino) durante cerca de um mês, no turno da manhã da Pré-Escola do Instituto J.-J. Rousseau, anotando minuciosamente tudo o que a criança dizia e o seu contexto. Na sala (...), os alunos desenham e constroem o que querem, brincam com argila, de calcular, de ler , etc. Essa atividade é realizada em total liberdade, sem qualquer limitação ao desejo de falar ou de brincar juntos, sem qualquer intervenção de adultos.”(PIAGET, 1923, p17-18)

Os estudos de Piaget nos permitem entender que, até certa

idade, as crianças pensam e agem de maneira mais egocêntrica

que o adulto. Elas falam bastante entre si quando estão juntas, só

que a maioria das coisas que falam não é dirigida a alguém. A

criança não se coloca no lugar do outro. Em contrapartida, o adulto

fala menos sobre suas ações, porém sempre que o faz tem

intenção de ut i l izar a l inguagem social izada, ou seja, comunicar

algo a alguém. Por esse motivo, é importante não confundir

intimidade de pensamento com egocentrismo.

É importante ressaltar que, mesmo que as crianças se

entendam menos que os adultos entre si, isso não quer dizer que

em suas brincadeiras ou em outras atividades que desempenhem

não se compreendam o suf iciente. Porém, esta compreensão não é

ainda somente verbal.

Sendo assim, f ica claro que para Piaget o pensamento

aparece antes da linguagem, que é apenas uma das formas de

expressão. A aquisição da linguagem só ocorrerá depois que a

criança alcançar um determinado nível de habil idades mentais. A

linguagem está, portanto, subordinado ao pensamento.

O nosso estudo nos aponta ser o processo de aquisição da

linguagem pela criança bastante complexo e dinâmico. Ao

analisarmos as perspectivas de Vygotsky e Piaget, vemos que

tanto o meio social quanto o indivíduo são fundamentais para que

25

ocorra um desenvolvimento nesse sentido. Entendemos que a

linguagem para Vygotsky possui um papel fundamental, pois é

constitut iva do sujeito e organizadora do pensamento, enquanto

para Piaget esta seria uma das formas de expressão do

pensamento.

26

CAPÍTULO II

O SURGIMENTO DA LINGUAGEM NA CRIANÇA

“O sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado como coisa, posto que sendo sujeito não pode, se quiser continuar sê-lo, permanecer sem voz, portanto, seu conhecimento, só pode ter um caráter dialógico”.

BAKHTIN

Com base nos relatos de vários teóricos (Vygotsky, Piaget e

Bakhtin), a respeito do desenvolvimento da linguagem, faremos um

estudo sobre o processo de aquisição da linguagem na criança até

o início da vida escolar, entre 0 e 3 anos.

A partir da teoria de Vygotsky, que aponta que a linguagem

nasce da interação do sujeito com seu meio social, partimos do

pressuposto que sua formação ocorre em uma rede de

comunicação sem a qual não poderíamos constatar as aquisições.

Discutiremos por hora, o surgimento da linguagem na

criança. Cada criança evolui conforme o seu próprio ritmo, e sua

linguagem é entendida a partir do seu crescimento e das seguintes

aquisições: atenção, sentimento, motricidade, percepções, entre

outros.

Não conseguiríamos compreender a l inguagem isolada, pois

quando pensamos nela, a associamos obrigatoriamente ao

desenvolvimento da criança em outras áreas, tais como: Aquisição

da Linguagem e Aquisição Motora, logo, aquisição é igual a

desenvolvimento humano ou ontogênese7.

7 Ontogênese: Biol, Ontogenia: “Desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação até a maturidade” Fonte: Dicionário Aurélio, 3ª edição,1999.

27

“O que podemos ensinar a uma criança baseia-se naquilo que ela construiu: enriquecemos, melhoramos sua linguagem, mas isso não acontece logo no início.”. (Aimard, 1998)

Segundo Aimard (1998), o que percebemos é que a

linguagem nasce da interação entre o adulto e a criança, que o

adulto não tenta ensinar nada à criança. A comunicação passa por

olhares, sorrisos, posturas e voz, construindo um ambiente que

favoreça momentos de felicidade conjunta. O bebê progride em

três breves seqüências realizadas no período de algumas

semanas, participando cada vez mais ativamente das trocas.

Assim, o repertório dos sons que ele produz se enriquece,

começando a imitar a melodia. O início da linguagem ocorre em

uma rede de comunicação sem a qual não poderíamos apreciar as

aquisições do primeiro ano.

Para facil itar o nosso entendimento, apresentamos alguns

referenciais Motores, def inidos por Airmard, 1998.

v 3 meses: Sentado, o bebê mantém a cabeça erguida / Leva algum pano à boca e o chupa / Olha fixamente para as mãos.

v 3 - 6 meses: Preensão manual reflexa.

v 6 - 8 meses: Fica sentado com um leve apoio / Pega um objeto, bate sobre a mesa

com o objeto que está segurando, diverte-se com o barulho produzido.

v 8 meses: Oposição do polegar para pegar um objeto pequeno / Brinca de derrubar um objeto e procura o objeto que acabou de largar/ Olha seu rosto no espelho.

v 10 meses: Desloca-se engatinhado ou arrastando-se.

v 12 meses: Utilização manual cada vez mais precisa: manuseia, desloca,

transporta, arruma, desarruma. Pega um lápis, rabisca. Caminha.

v 15 meses: Bebe sozinho no copo. v 18 meses: Imita as atividades da casa (limpa, telefona, escreve) / Vira páginas de

um livro/ Sobe e desce de uma cadeira. Ajuda quando alguém o veste.

v 20 meses: Sobe a escada de mãos dadas.

v 24 meses: Sobe a escada, desloca-se em veículos de três ou quatro rodas / Chuta uma bola se o mandarmos / Reúne dois objetos que têm de ficar juntos.

v 30 meses: Carrega um copo d’água ou um objeto frágil / Tenta se equilibrar num

pé só / Ao desenhar, imita um traço vertical e um horizontal.

28

v 30 - 36 meses: Tira as meias/ tenta colocar os sapatos / Abre um zíper/ Ajuda quando lavamos suas mãos / Caminha sobre uma linha reta, na ponta dos pés, para trás / Pés alternados para subir a escada / Pula o último degrau com os pés juntos/ Come sozinho / Ao desenhar, imita um círculo, esboça uma figura humana.

Observando os referenciais motores, percebemos como se dá

o desenvolvimento da criança, porém ressaltamos que cada

criança desenvolve-se em seu tempo, ou seja, as aquisições

seguem mais ou menos a mesma ordem, mas a velocidade dos

progressos varia muito. O mesmo ocorre com a l inguagem.

Durante o primeiro ano, há uma riqueza de comunicação pré-

verbal com os próximos. Já no segundo ano, o bebê continua a

adquir ir os fonemas de sua “l íngua materna” e, no terceiro ano,

continua se enriquecendo muito rapidamente.

Segundo Aimard (1998), apresentado desta forma, a

aquisição da linguagem não é muito falante! Mas os detalhes a

seguir nos permitem entender como a linguagem evolui.

29

1) No primeiro ano:

Nos primeiros ensaios de l inguagem chamaremos de pré-

linguagem, que signif ica a troca entre o bebê e a mãe.

Inicialmente, o bebê produz gritos, que são respostas ao estímulo

dado por sua mãe - esse é o primeiro contato lingüístico do

indivíduo. Gradativamente, ele vai desenvolvendo novos sons,

experimentando gestos.

Com passar dos meses, ele vai se apropriando de novos

conhecimentos: a relação entre a mãe, o bebê e o meio vai

intensif icando a produção de novas acepções lingüísticas; a

criança começa a gostar de brincar com formas repet idas, como

“dadadá”, “bababá” ou “papapá”.

Geralmente, o bebê já produz um balbucio bastante r ico,

fazendo ruídos com os lábios e com a língua, imitando sons,

provocando estalos, brincando bastante com a voz, com os ruídos

e fonemas, uti l izando-se de gestos signif icativos, compreendendo

a voz cál ida e aconchegante da mãe, assim como ordens secas os

“não, não, não” imperativos. Portanto, o bebê percebe facilmente o

papel estruturante dos enunciados dos adultos.

2) No segundo ano:

Aumentam as aquisições do sistema fonético, jogos de

imitação, os exercícios, o prazer de dialogar, as repetições

silábicas e suas variáveis.

É neste momento que surge o aparecimento das primeiras

palavras com o início da constituição do léxico. A compreensão da

criança aumenta, e ela passa a construir sua l inguagem a partir

das formas orais que escuta.

30

3) No terceiro ano:

Formam-se as estruturas essenciais da l íngua. É considerada

a idade de ouro da linguagem infantil, devido à surpreendente

capacidade que a criança tem para estabelecer uma l igação do seu

conhecimento interior e o meio onde está inserida.

A criança não inventa a linguagem, não sendo capaz de

construí- la sozinha, precisando sempre do outro, que lhe fornecerá

o que chamamos de um banho de linguagem, que é tudo aquilo que

escuta ao seu redor, extraindo os modelos e os esquemas a partir

dos quais vai construir sua linguagem.

No jogo com o adulto, a criança presta muita atenção à

linguagem do mundo falado, escuta e se interessa pelo universo

sonoro.

A redundância do discurso do adulto facil ita a criação de

referências, aplicando à fala e à colocação da língua em palavras,

uma realização oral.

Para que a criança possa construir sua linguagem oral,

devemos proporcionar, através de vivências e explorações do meio

em que convivem, recursos para a constituição de sua linguagem.

A linguagem não é uma entidade isolada, mas está ligada

àquilo que a criança constrói, seja de origem cognitiva, afetiva,

cultural e social.

Segundo Aimard (1998), “Inicialmente, l inguagem e

comunicação inscreveram-se em uma rede de interações de

proximidade, logo depois a criança vira ator, presa a novos meios

de comunicação cuja rápida evolução modif ica em cada um de nós,

um raio de ação das trocas”.

31

Antes da entrada na escola maternal, começa a ser

organizado o hábito de interação entre o adulto e a criança, com

os pais. Quando isto não ocorre, cabe ao educador um papel

mágico quando a criança não encontra em casa um clima de

comunicação ou de interesse favorável à l inguagem.

A linguagem da criança modela-se na da família, pois ela

ainda não possui outra fonte. Ao começar a freqüentar a escola,

percebe-se um vocabulário um pouco mais formal misturado a um

vocabulário com algumas particularidades.

A relação da criança com a professora não possui os

mesmos compromissos afetivos que existem entre a criança e seus

pais. Cabe ao professor propiciar as atividades de l inguagem como

forma de comunicação, enriquecendo o vocabulário, despertando o

interesse pelas palavras, consolidando as estruturas da linguagem

em seus diferentes níveis: fonéticos, semânticos e sintáticos,

enfatizando que a l inguagem é mais um meio de intercâmbio.

32

CAPÍTULO III

O PAPEL DO EDUCADOR NO DESENVOLVIMENTO DA

LINGUAGEM ORAL

“Não existe nada mais fatal para o pensamento que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra f irme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido”.

Rubem Alves

O trabalho em Educação Infantil possui, sem dúvida, vários

objetivos. Um deles com certeza é propiciar o desenvolvimento das

diferentes formas de expressão, entre elas a linguagem oral.

Muitas at ividades da pré-escola levam a um desenvolvimento

da linguagem infantil, cabendo ao professor a tarefa de adequá-las

convenientemente a cada faixa etária. Exercitar a fala em sala de

aula é fundamental e isso deve ser estimulado a todo o momento.

A l inguagem deverá ser trabalhada pelo professor, através de

músicas, nas conversas de roda, pensando sempre em ampliar a

cada dia o repertório das crianças, uso de pronomes para

substituir nomes e de coordenativos adit ivos, bem como o uso de

palavras específ icas, marcadoras de tempo e lugar. Por exemplo.

(ontem, hoje e amanhã, mesmo quando que usadas sem

adequação, pois isso acontece muito nesse período pré-escolar).

Segundo Amorim, (1990, p.17): “A função do professor

consiste apenas, em garantir, e não atrapalhar, o encontro entre

as crianças. Elas tem muito o que aprender, lá entre elas”.

33

O professor, assim como os pais, colegas e familiares

servirão como “modelo” para a fala das crianças. Os adultos que

convivem com bebês e crianças pequenas são referências

importantes de l inguagem oral para eles. Portanto, é fundamental

estar atento para a maneira como se fala com as crianças e aos

diálogos que se estabelecem na sua presença.

É bastante comum que os pais e professores falem com a

criança de maneira boba, engraçada e muitas vezes no diminutivo.

Essa infantil ização deve ser evitada a f im de que a criança não

imite esse modo de falar.

O educador deve ser o mediador, o interlocutor que faz

perguntas, ouve respostas, sol icita esclarecimentos, reinterpreta e

devolve à criança sua emissão reformulada, de modo que ela

possa compreendê-la e assim ampliar seu universo discursivo.

Como nos aponta Monteiro:

“A exper iênc ia h istór ica dos homens acha-se ref le t ida nas cr iações mater ia is , e também aparecem representada nas palavras, consol idadas nos conteúdos que as envolvem. É por meio da l inguagem que os indiv íduos in teratuam ao mesmo tempo em que internal izam papéis soc ia is e conhec idos que poss ib i l i tam seu desenvolv imento ps icológico. Por meio da l inguagem, em suas múl t ip las expressões, expr imimos s igni f icados e sent idos, sent imentos e afetos ; tex to subtexto impl icado na evolução da consc iência humana”. (MONTEIRO, 1996, p.160)

O educador deve de fato estar interessado na fala de seus

alunos, estar atento aos seus gestos, movimentos, enf im, na sua

maneira de ver e pensar o mundo. Sua atitude deve ser

invest igadora, interessada e curiosa, levando sempre em

consideração os l imites da faixa etária com que está trabalhando.

Deve exist ir um cl ima de confiança, respeito e afeto entre

crianças e educador. A parceria com o adulto é fundamental para

34

que a criança se permita experimentar as funções da l inguagem.

Para Bakhtin:

“A categor ia bás ica de concepção de l inguagem é a interação verbal , e esta se dá fundamentalmente pelo d iá logo. Toda comunicação é um diá logo e faz par te de um processo in interrupto. Diá logo é aqui compreendido com um sent ido amplo, correspondendo não apenas a comunicação em voz a lta entre duas pessoas, mas a toda comunicação verbal. Nesse sent ido, qualquer enunc iado pressupõe aqueles que o antecederam e outros que o sucederão, cada enunciado é um elo de uma cadeia de comunicação e só pode ser compreendido dentro de um contexto determinado”.(BAKHTIN, 1992, p.161) .

Mesmo que a criança seja bem pequena e não saiba ainda

falar, o educador deve conversar com ela, estimulando assim sua

comunicação. A princípio, as palavras podem não ter signif icado

claro, mas têm som, entonação, ritmo e emoção. Aos poucos, a

criança começa a exercitar sua l inguagem oral. Esse é um

processo que ocorre nos primeiros anos da criança e na escola

deve ser incentivado ao máximo pelo professor. Segundo Amorim

(1990, p.20), “Com a professora e com as outras crianças, fazendo

coisas junto, a criança vai soltando a língua. E quando solta, solta

mesmo. Que grande descoberta, essa história de produzir, com

sons, signif icados e comunicação”.

O professor deve promover situações de interlocução, de

comunicação, de modo que as crianças possam, de fato, atuar

como falantes e ouvintes.

Uma das formas de interação mais freqüente entre as

crianças é, sem dúvida, o brincar. Durante a brincadeira, a criança

util iza a l inguagem oral de forma livre e espontânea, além de

desenvolver capacidades importantes como a atenção, a memória

e a imaginação. Nesse sentido, educador deve estar atento às

brincadeiras das crianças e também participar delas, interagindo

através da l inguagem.

35

O educador deve escutar a criança, dar atenção à sua fala,

atribuir sentidos. Muitas vezes, quando a criança ainda é bastante

pequena, uma simples palavra quer dizer muita coisa. Por

exemplo, ao dizer água, a criança pode estar pedindo água,

dizendo que está com sede ou que derrubou água no chão.

Outra at itude importante por parte do professor é sempre

tentar responder ou comentar de forma coerente àquilo que a

criança ou perguntou. As respostas e comentários das crianças

devem sempre ser compreendidos pelo professor, pois são

tentativas de entender as diversas situações apresentadas às

crianças. Logo, a fala da criança deve ser integrada à própria

prática pedagógica dando, assim, sentido a ela.

É muito importante a criação de contextos onde a criança

aprenda a falar e a ouvir. Para isso, todos os momentos devem ser

valorizados pelo professor. Horas como a chegada, a alimentação,

a higiene, e outras atividades - o desenho, o jogo, a história e a

roda - ou seja, as diversas situações diferentes onde ocorre

comunicação com o outro, são momentos signif icat ivos para que as

crianças aprendam a expressar-se, adquir ir uma pronúncia correta,

a escutar quem está a sua volta, contar suas experiências.

Dessa forma, o professor estará criando um ambiente

estimulador e colaborador para o desenvolvimento de seus alunos,

não só em relação à linguagem verbal, mas permit indo a

construção de um sujeito at ivo, crít ico, enf im, um cidadão.

Outro aspecto relevante em relação ao desenvolvimento da

linguagem é a questão dos distúrbios da linguagem na criança. O

professor deve sempre procurar favorecer o desenvolvimento oral

em sala de aula e deve avaliar a necessidade de uma intervenção

específ ica ou encaminhamento quando perceber algum indicativo

de distúrbio de linguagem.

36

Portanto, o professor deve estar atento a alguns “sintomas”

que podem alertá-lo no sentido de um acompanhamento

fonoaudiólogo ou psicológico, por exemplo, a essa criança.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento da linguagem oral na criança é um campo

de estudo bastante interessante e motivador, principalmente para

os, futuros pedagogos.

O processo de aquisição da linguagem e seu

desenvolvimento devem ser estudados a fundo, a f im de que

práticas pedagógicas atuais levem em consideração esta área do

conhecimento. Conseqüentemente, estaremos promovendo a

ampliação do uso das diferentes formas de l inguagem, em especial

da linguagem oral.

A f luência verbal das crianças deve, portanto, ser estimulada

desde cedo. A educação infantil , como sendo a primeira etapa da

vida escolar, tem uma função essencial, uma vez que é nesse

período que a criança está conquistando e ampliando seu universo

discursivo.

Nesse sentido, as interações que se estabelecem na escola

(criança-criança; criança-professor) irão contribuir efetivamente

para o avanço cognitivo e sócio-afetivo das crianças. Situações

onde a linguagem oral está sempre presente devem ser

estimuladas pelo professor de forma criativa, tornado a escola um

lugar de trocas.

O processo de construção da l inguagem oral não é estático

ou imutável; pelo contrário, é dinâmico e criat ivo e depende da

participação de vários elementos.

A partir dos suportes teóricos de Piaget e Vygotsky podemos

concluir que o professor deve criar situações comunicativas em

38

sala de aula, propondo atividades signif icat ivas para o

desenvolvimento da linguagem.

Através dessas atividades, as crianças terão possibil idade de

se comunicar, saber ouvir, ter segurança ao falar, aprimorando

seus diálogos em diferentes fases do desenvolvimento,

construindo uma l inguagem clara, articulada e coerente.

A valorização da expressão oral em sala de aula trará

benefícios tanto para alunos quanto para professores, à medida

que é ouvindo seus alunos que o professor poderá construir uma

prática pedagógica estimuladora, articulando os conceitos

escolares de acordo com os interesses e necessidade dos alunos,

levando em conta seus conhecimentos prévios.

Sendo a linguagem oral a forma mais comum de expressão e

mediadora de todas as relações humanas, nada mais coerente do

que permitir que o espaço escolar seja, desde cedo, o local onde,

por excelência, aconteça o exercício da linguagem de maneira

sadia e promissora.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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WADSWORTH, J. Barry,. Piaget para o Professor da Pré-Escola e 1º Grau. São Paulo, Pioneira, 3ª edição, 1989.

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

Título da Monografia: O Surgimento da Linguagem na Criança

Autor: Valéria Nunes dos santos

Data da entrega:

Avaliado por: Profª. Ms. Andressa Maria F. da Rocha Conceito: