View
215
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
SOCIEDADE DE ESTUDOS ITERDISCIPLINARES DA COMUNICAÇÃO
INTERCOM 1996 - LONDRINA, PR
GRUPO DE TRABALHO DE HUMOR E QUADRINHOS
AS CORES COMO NARRATIVA NO SUBTEXTO NÃO- VERBAL:
UM ESTUDO DOS QUADRINHOS DE PHILLIPE CAZAMAYOU
POR
CRISTIANE REGINA CASALE
INSTITUTO METODISTA DE ENSINO SUPERIOR
COMPROVA-SE A EXISTÊNCIA DE UM TERCEIRO CÓDIGO GRÁFICO-VISUAL (ALÉM DA IMAGEM A
TRAÇO E DA LINGUAGEM ESCRITA, CONFORME LUIZ ANTONIO CAGNIN), ATRAVÉS DA OBRA DO
AUTOR FRANCÊS DE QUADRINHOS PHILLIPE CAZAMAYOU, ONDE CLASSIFICOU-SE AS PROPRIEDADES
DAS CORES COMO FUNÇÕES SEMÂNTICAS CONSTANTES NA TRANSMISSÃO DE MENSAGENS
COMUNICACIONAIS.
JUNHO DE 1996
2
SOCIEDADE DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA COMUNICAÇÃO
INTERCOM 1996
AS CORES COMO NARRATIVA NO SUBTEXTO NÃO-VERBAL:
UM ESTUDO DOS QUADRINHOS DE PHILLIPE CAZAMAYOU
POR
CRISTIANE REGINA CASALE
JUNHO DE 1996
3
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................. 04
2. CORPUS METODOLÓGICO ................................................. 06
2.1. Objetivo ................................................................. 06
2.1.1. Tema ........................................................... 06
2.1.2. Delimitação do Objeto .............................. 06
2.1.3. Objetivos Geral e Específico ...................... 06
2.2. Justificativa ............................................................. 07
2.3. Objeto ................................................................... 08
2.3.1. Problema ..................................................... 08
2.3.2. Hipótese ...................................................... 09
2.4. Metodologia ......................................................... 09
2.5. Embasamento Teórico ............................................. 09
2.6. Definição dos Termos ............................................. 10
3. OS QUADRINHOS DE PHILLIPE CAZA .................................. 11
3.1. Um breve mas importante histórico .......................... 11
3.2. A importância dos subtextos nos
quadrinhos de Caza ................................................. 13
3.3. A consciência cromática de Caza .......................... 15
4. A NARRATIVA CROMÁTICA NO SUBTEXTO NÃO-VERBAL ... 17
4.1 A cor como código narrativo ................................. 17
4.2. A psicologia das cores nos Q de Caza .................. . 18
4.3. A narrativa cromática não-verbal ......................... 22
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................. 41
6. BIBLIOGRAFIA ................................................................ 42
4
1. INTRODUÇÃO
s mais de cem anos das Histórias em Quadrinhos trouxeram grandes mudanças para a arte na
narrativa. A imagem o texto, sempre paralelos no desenvolvimento de seus códigos
comunicacionais, foram sendo, em meados do século XIX, repensados em suas formas de
expressão, e todo o potencial de ambas as linguagens-signagens foram recebendo
progressivamente, criativas abordagens dos artistas da época.
Nomes como Jean Charles Pellerin (França-1820), Rudolphe Töpfer (Alemanha-1847),
Wilhelm Busch (Alemanha-1865), Angelo Agostini (Brasil-1869), Franz Thomas (Inglaterra-
1884) entre outros, iniciaram o processo do que conhecemos hoje como Histórias em
Quadrinhos.1
Cada artista expressou diferencialmente a união da imagem e do texto, desenvolvendo
técnicas, temas e linguagens individuais, todos porém, com o objetivo comum de contar uma
história, criar uma narrativa.
Assim como em todas as formas de comunicação que vão tornando-se mais complexas e
evoluindo gradualmente, a narrativa das HQ’s em sua forma e conteúdo foi sendo influenciada e
transformada por experiências linguístico-visuais de quadrinistas no mundo inteiro.
Entre muitas dessas experiências de vanguarda destaca-se o autor de quadrinhos francês
Phillipe Cazamayou (ou simplesmente Caza), que na década de 70, no auge do movimento
hippie de contracultura criou em seu quadrinho, uma “narrativa de subtexto”: uma série de
informações não-verbais transmitidas através das cores, que sequencialmente formariam uma
outra narrativa, quase paralela ao próprio conteúdo narrativo das histórias que criava.
1 Anselmo, Zilda Augusta. A História dos Quadrinhos. Ed. Vozes, Petrópolis, RJ, 1975.
O
5
A transformação da cor em narrativa por Phillipe Caza, ainda que criada na década de 70,
nos remete a atual interdisciplinaridade da comunicação, que tem cruzado códigos, linguagens e
tecnologias para criar novos caminhos na transmissão de mensagens e informações.
É neste contexto acadêmico-tecnológico de novas buscas e questionamentos que se propõe
a análise científica - ainda que superficial - da experiência de vanguarda de Phillipe Caza: a
criação de um código cromático-narrativo não-verbal para o universo dos quadrinhos.
6
2. CORPUS METODOLÓGICO
2.1. OBJETIVO
2.1.1. Tema
Tem-se como tema da pesquisa, estudar a utilização das cores como código
comunicacional nos quadrinhos e suas possibilidades pragmáticas na estrutura
narrativa deste meio de comunicação.
2.1.2. Delimitação do Objeto
Quanto a delimitação do objeto, propõe-se estudar as cores como elemento
narrativo nas histórias em quadrinhos de Phillipe Caza, sendo que as histórias
escolhidas para a análise foram:
NOME ORIGINAL
EM FRANCÊS
ADAPTAÇÃO PARA
O INGLÊS
ANO DA CRIAÇÃO /
PUBLICAÇÃO
Romance Romance 1976 / 1980
Dessombre Suburban Scenes:December 1976 / 1980
Envoûtement a l’escalier C Whoodoo the Voodoo ? 1977 / 1981
Overground Overground - / 1980
Du Bruit au Plafond Suburban
Scenes:November
- / 1980
Floration March Hair - / 1981
Arkhê Arkhê 1981-82/ -
2.1.3. Objetivos Geral e Específico
Tem-se como objetivo geral, estudar a criação de um subtexto narrativo não-verbal
nas HQ’s de Phillipe Caza pelo uso das cores através de um código cromático; e
objetivo específico, verificar a utilização das propriedades das cores na composição
da estrutura narrativa da HQ’s de Phillipe Caza.
7
2.2. JUSTIFICATIVA
As transformações sociais e tecnológicas trouxeram a necessidade do desenvolvimento de
novas linguagens que acompanhem as características dos atuais meios de comunicação, ou seja,
variados elementos que transmitam grande quantidade de informação em curto espaço de tempo.
Dentro desta nova “sociedade visual” Modesto Farina, em Psicodinâmica das Cores em
Comunicação, fala que “é evidente que, na força comunicativa da imagem, o que predomina é o
impacto exercido pela cor (...)” 2
Este destaque e importância foram tão gradativos e acumulativos quanto a própria
percepção da cor.
Em Homem, Cor e Comunicação, Irene Tiski-Franckowiak cita a antropóloga Christine
Ladd Franklin3, que através de pesquisas descobriu que o homem das cavernas só via em preto,
branco e cinza e que a evolução para a percepção das cores foi lenta e gradual. Atualmente
pesquisas demonstram que evoluimos ao ponto de sermos capazes de perceber milhares de cores
e tons diferentes.
Essa evolução acompanhou também os estudos científicos sobre cores. Se em um momento
anterior a atenção se voltava para as propriedades psico-fisiológicas da cor (sua semântica), hoje
estamos no momento de descobrir a pragmática de sua estrutura, isto é, onde e como podemos
utilizá-la de forma consciente para gerar um resultado específico de mensagem.
Lúcia Santaella, em seu livro Cultura das Mídias, afirma que
“os níveis e graus de importância de cada código e os movimentos das
hierarquias entre os códigos vão compondo mensagens semioticamente
2Psicodinâmica das Cores em Comunicação. Ed. Edgard Blücher, São Paulo,1982., pgs. 25 e 27
3Evolution of Sensation of Colour. Ed. Pergamon, Oxfor, 1976, pág .77, apud Tiski-Franckowiak.
8
diversificadas nas quais impera não a redundância, mas a cooperação
intercódigos, interlinguagens tanto na formação da mensagem quanto no efeito
de compreensão a ser produzido no receptor.” 4
Ainda em Cultura das Mídias, Lúcia Santaella coloca também a falta de pesquisas cujo
objeto de análise seja os processos de cruzamento e fusão que os códigos comunicacionais sofrem
com as (ainda recentes) mídias:
“A maior parte dos estudos dos meios de comunicação são conteudistas, isto é,
buscam nas mensagens apenas seus conteúdos verbais ou verbalizáveis. Esses
estudos se esquecem das peculiaridades e riquezas que as interações entre
linguagens pode criar (...) Em síntese: fica negligenciado o fato de que o modo
como essas mensagens se articulam é tão importante para a recepção quanto
aquilo que elas dizem.”5
A obra quadrinhística de Phillipe Cazamayou justifica-se como objeto de pesquisa ao
representar dentro de todo o panorama, um dos trabalhos mais importantes do cenário mundial da
mídia história-em-quadrinhos: desenvolve com o código comunicacional cor, um trabalho de
interação entre os movimentos hierárquicos quando a utiliza não apenas como diferencial de
tonalidade nos ícones de suas histórias, mas como elemento narrativo, produzindo diferentes
efeitos na leitura do conjunto de códigos (a HQ) e consequentes variações em sua interpretação.
2.3. OBJETO
2.3.1. Problema
Podem as cores, através de um código sistemático, criar uma narrativa não-verbal,
no subtexto das histórias em quadrinhos?
4Cultura das Mídias. Ed. Razão Social, São Paulo, 1992, pág. 27.
9
2.3.2. Hipótese
As HQ’s de Phillipe Caza da década de 70 demonstraram que as cores, sendo
utilizadas de forma sistemática, podem criar uma narrativa não-verbal nos
subtextos das histórias em quadrinhos.
2.4. METODOLOGIA
Serão utilizados o método de abordagem indutivo, e o método de procedimento
monográfico, dado o estudo de caso deste trabalho. Será utilizada também entrevista pessoal com
Phillipe Caza (realizada entre Maio e Junho de 1996), além de técnicas de documentação
indireta.
2.5. EMBASAMENTO TEÓRICO
Será utilizada a Dissertação de Mestrado em Letras pela Universidade de São Paulo de Luis
Antonio Cagnin, nominada Os Quadrinhos (cuja base teórica encontra-se em sua bibliografia) e
a estrutura sistêmico-gráfica desenvolvida na obra pelo ator.
Também serão utilizadas as teorias cromáticas de Modesto Farina em seu livro
Psicodinâmica das Cores em Comunicação, assim como as de Irene T. Tiski-Frackowiak em
Homem, Cor e Comunicação.
5Cultura das Mídias. Ed. Razão Social, São Paulo, 1992, pág. 28.
10
2.6. DEFINIÇÃO DOS TERMOS
Subtexto “é o que está implícito no texto, nas entrelinhas. O subtexto pode aparecer nos
gestos, nas atitudes e postura dos personagens ou subtendido na fala”, na definição de
Doc Comparato em seu livro Roteiro: arte e técnica de escrever para o cinema e
televisão, como cita Flávio Calazans em sua Tese de Doutorado pela Universidade de
São Paulo, Propaganda Visual Subliminar Gráfica: Dos Iconesos ao Subtexto, um
Estudo de Caso. 6
Contexto, de acordo com Luiz Antonio Cagnin em Os Quadrinhos, são os dados que
envolvem ou antecedem a comunicação visual.7
Código é um “conjunto de signos e regras para sua combinação, que são usados no
envio e recepção de mensagens; um sinônimo de sistema de signo”, na definição de Jan
M. Meijer 8, como cita Lúcia Santaella em seu livro Cultura das Mídias.
Narrativa, citando Cagnin “é assim um produto de unidades articuladas segundo certos
princípios. É uma série articulada organizada de acontecimentos (...). Estabelece
unidades e organizando-as, forma um conjunto de normas, o código narrativo.” 9
Não-Verbal representando tudo o que não é verbo, seja em formas, cores, gostos,
cheiros ou sons.
6Calazans, Flávio Mário de Alcântara. Propaganda Subliminar Visual Gráfica: Dos Iconesos ao Subtexto, um
Estudo de Caso. Tese de Doutorado pela Universidade de São Paulo. São Paulo, 1993. 7 Cagnin, Luiz Antonio. Os Quadrinhos. Ed. Ática, São Paulo, 1975., pág. 46
8Concerning Clustering of Codes, mainly in Art and Culture. Multimedial Communication. Hess-Lüttich (ed.),
1982, pág.26, apud Santaella. 9Os Quadrinhos. Ed. Ática, São Paulo, 1975. pág. 155
11
3. OS QUADRINHOS DE PHILLIPE CAZA
3.1. UM BREVE MAS IMPORTANTE HISTÓRICO
Não há dúvidas que o contexto histórico em uma descrição biográfica é tão importante
quanto a própria biografia em questão. No que se refere a Phillipe Caza, o contexto histórico de
Paris na década de 70 foi tão fundamental para sua produção quadrinística quanto sua própria
biografia.
Caza nasceu em 1941, em Paris, e aos sete anos foi para Haute Savoie, uma cidade do
interior da França, de onde só retornou com 18 anos. Sua família é de tradição artística, com pai
artista-colorista e mãe desenhista e professora. Após o retorno a Paris, trabalhou na publicidade,
desenhando e lidando com técnicas gráficas de imagens e cores.
O contato com o ambiente publicitário sempre o desagradou profundamente, mas apesar
disso manteve-se através da atividade de desenhista-colorista, desempenhando a função por mais
de 10 anos. Paralelamente, formou-se Bacharel em Filosofia (em essência, seu perfil mais
verdadeiro) e estudou Art Déco.
Porém, um dos maiores fatores a influenciar a obra de Caza é a participação ativa no
movimento hippie de contracultura, o Flower Power, que como em nenhum outro lugar, teve em
Paris sua mais forte manifestação: a tomada do poder pelos jovens em Março de 1968.
Partindo dessa máxima, pode-se ter um panorama da intensidade dos acontecimentos e
emoções existentes em todo o cenário da época, com os encontros feitos de música e LSD, os
protestos em praça pública, as idealizações e reivindicações da geração hippie.
12
Considerar essa mesma força como impacto para a vida de Caza é fundamental para a
compreensão abrangente de sua obra, cujos significados e relevância dependem, em boa parte, do
conhecimento histórico e psico-cultural no qual ele estava inserido.
Além disso, para perceber o trabalho cromático das histórias, é necessário conhecer também
o estilo artístico da época, o psicodelismo (do grego e depois francês psychê - alma, espírito,
intelecto e do grego delos - visível, manifesto, evidente), que é na Arte, a forma a expressar o
conteúdo hippie, em sua força e energia.
É através do traço solto, com exageros e toques de surrealismo no desenho, que o
psicodelismo fala da liberdade, do explorar o desconhecido, da criatividade sem preconceitos. As
cores quentes de tons fortes expressam os mesmos sentimentos de vida, alegria e espontaneidade
- a voz hippie enfim.
A primeira publicação de Caza acontece em 1970, com uma história em estilo psicodélico
de 10 páginas chamada Kris Kool. Foi Eric Losfeld (que ao vê-la incentiva o autor a aumentá-la
de cinco para dez páginas) que a publica e inicia a carreia de Caza.
Logo após vem a publicação de Quand les costumes avaient des dents (Quando os ternos
tinham dentes), com também desenho e cores psicodélicas. A história demonstra a consciência e
participação de Caza em todas as vertentes do movimento: o roteiro, nascido para uma campanha
publicitária, fala sobre “simpáticos” ternos que devoram as pessoas que os vestem! Depois da
recusa (por motivos óbvios) do cliente fabricante de ternos, a idéia é transformada em HQ e
publicada em seguida.
Sempre na ativa, o autor teve suas histórias publicadas nas maiores revistas de quadrinhos
adultos, como Pilote, Metal Hurlant e Heavy Metal.
Em 1985 realizou em conjunto com produtores franceses o desenho animado Gandahar,
exibido no Brasil no circuito de Cinemas de Arte, em maio de 1995.
13
Atualmente (e desde meados da década de 80), Phillipe Caza tem publicado pela editoras
Humanoides Associès, Dargaud e La Sirène (respectivamente), produzindo uma memorável
coleção de álbuns. Este ano lançou pela Le Pythagore Editions uma série de trabalhos diversos
como crayonnes (desenhos feitos à lapis), litografias, serigrafias e coleção de cartões, todos
assinados com tiragem limitada.
3.2. A IMPORTÂNCIA DOS SUBTEXTOS NOS QUADRINHOS DE CAZA
A série de histórias “Scenes de la Vie de Banlieue” tem como tema principal a vida urbana
da Paris da década de 70, retratando todos os conflitos entre a sociedade conservadora francesa e
os libertários-pacíficos hippies, de forma poética e intimista.
Nesta série, o autor se auto-retrata e torna-se morador de um prédio popular (os chamados
pombais no Brasil), colocando como personagens de sua visão urbanofóbica um vizinho e sua
esposa - Yvonne e Marcel Miquelon -, ambos com pouco mais de meia-idade.
É neste contexto que encontramos o subtexto nas histórias de Phillipe Caza: utilizando
elementos não-verbais, o autor transforma um casal de vizinhos no estereótipo da ignorância e
mediocridade, descrevendo assim, o perfil da vida de um cidadão da sociedade convencional pela
ótica de um hippie.
Percebe-se gradativamente, por exemplo, a falta de diálogo entre Yvonne e Marcel: quando
aparecem juntos, ela faz tricô e ele assiste (visivelmente entediado) a televisão, porém sempre
calados, como estranhos que nada têm a dizer um ao outro.
Em nenhuma cena Marcel dedica algum tipo carinho ou elogio a Yvonne: a relação, além
de assexuada, é também distante, sem proximidade física ou emocional. Percebe-se até mesmo
14
uma irritação mútua, característica dos relacionamentos muito longos cuja rotina é a tônica
principal. O amor é, sem dúvida, o grande “objeto” da revolução hippie e o autor trabalha muito
desse universo em seus quadrinhos.
Marcel é também funcionário de escritório, com um serviço sistemático e entediante:
despachar com carimbos documentos e mais documentos, sendo observado e controlado todo o
tempo por seu chefe. Além de vestir terno e gravata, utiliza o metrô (lotado) como transporte
para o trabalho. A crítica é para a deprimente e medíocre falta de vida e liberdade que o morador
urbano não percebe ser vítima, mas que insiste em defender e viver.
Indivíduo irritadiço, Marcel está sempre querendo tirar satisfações com os vizinhos de
prédio, batando no teto ou chão de seu apartamento com a ponta da vassoura, com o objetivo de
fazer com que os outros parem de incomodá-lo, chegando muitas vezes até mesmo a ir a porta de
seu vizinho para dizer-lhe como se “sente em relação a isto ou aquilo”. Na verdade, o fiel retrato
de um típico relacionamento dos moradores de pequenos apartamentos em Paris: eternas
reclamações, mútua intolerância, implicâncias mesquinhas...mais uma crítica à falta de
privacidade e espaço que geram lutas pelo tão escasso e comprimido “território”.
Yvonne é a esposa dona-de-casa, que não possui uma personalidade definida (o que
também nos remete a submissão das mulheres que “esquecem” suas vidas em função da família).
Típica senhora que dorme com “bobes” nos cabelos, Yvonne trata Marcel como se fosse não um
marido, mas um filho. Mais uma vez, a crítica do autor é a vida “desamorosa”, o abandono aos
sonhos e a perda da própria personalidade.
Esses são, na verdade, alguns dos elementos com que Caza desenha e ilustra a censura e
incompreensão dos mais velhos, a vida artificial longe da natureza, o trabalho burocrático e
tediante, a resistência ao novo, a desumanidade das pequenas e apertadas caixas-de-concreto - os
prédios (para Caza símbolo de todo o absurdo que a cidade representa), a carência afetiva, a
15
solidão e o tédio, o desprezo, a falta de amor à cultura e às artes, enfim, a total inexistência de
poesia e beleza da - com as próprias palavras do autor - socièté dégénérale 10
francesa.
Estes elementos, apesar de já demonstrarem riqueza de conteúdo e de estrutura narrativa,
não foram os únicos a serem usados para criar um subtexto não-verbal: faltam ainda as cores,
que no trabalho de Caza, assumiram um papel central na composição narrativa-visual de suas
histórias.
3.3. A CONSCIÊNCIA CROMÁTICA DE CAZA
O envolvimento com as cores de Caza é, na verdade, bastante anterior ao seu trabalho com
os quadrinhos. Através de entrevista pessoal realizada por fax entre Maio e Junho deste ano, Caza
diz que ele começa na infância:
“Criança, pintando, eu me disse: ‘O vermelho é muito bonito. O verde também é
muito belo, misturando-se os dois, vou obter alguma coisa ainda mais bonita!’”
O resultado não tão bonito (um “marrom sujo”) deu-lhe uma maior consciência sobre as
cores, uma consciência certamente ampliada no envolvimento com a publicidade, mas nascida
dentro de sua própria família:
“Eu creio, sim, ter uma profunda relação com as cores. (...) A cor é a vida! (...) É
sem dúvida muito significativo saber que meu avô e meu tio foram artistas-
pintores, minha mãe professora de desenho (mas mais colorista que desenhista
10
Este é na verdade, um dos muitos trocadilhos com o idioma francês feitos por Caza. Socièté Générale é uma
conceituada instituição financeira da França. Ao acrescentar a sílaba “de” a expressão toma sentido duplo:
sociedade degenerada em relação a instituição (simbolizando todo um sistema de vida sócio-financeiro) e a
crítica-alerta à sociedade atual, com a perda dos valores humanos, o paradoxo da involução cultural e a própria
degeneração da raça humana (argumento que tem estado bastante presente em obras mais recentes de Phillipe Caza).
16
(...) Eu penso que o fato de ter sempre visto em minha infância, cercado de
pintura, é importante...”
Sem dúvida que essa proximidade com o universo das cores e do desenho desde muito cedo
vai influenciar a concepção cromática de Caza, e sua participação no movimento hippie vem
contribuir ainda mais para essa consciência do poder expressivo da cor, surgida de tantos
caminhos diferentes.
Mas assim como acontece em qualquer arte, o trabalho de Caza foi transformando-se e
evoluindo, e o que nas primeiras histórias era mais intuição, com o tempo foi passando a ser mais
técnica e mais consciência. O cromatismo seguiu a mesma regra e será possível perceber isso na
análise do capítulo seguinte, com as diferenças na aplicação das cores das HQ’s da série Scenes
de la Vie de Banlieue da década de 70 e da história Arkhê, datada de 1981-82.
17
4. A NARRATIVA CROMÁTICA DO SUBTEXTO NÃO-VERBAL
4.1. A COR COMO CÓDIGO NARRATIVO
Alguns pesquisadores têm percebido a cor como um processo muito mais complexo do que
apenas espectros óticos de luz. Em Psicodinâmica das Cores em Comunicação, Modesto Farina,
além de afirmar que “a cor é uma linguagem individual” (pág.27), traz pesquisas (ainda que não
totalmente compreendidas) de 1953, afirmando que
“(...) a distinção das cores, sua identificação, sua denominação e quaisquer
reações estéticas a elas são todas funções do córtex. O córtex (...) é a parte do
cérebro que se ocupa das sensações estéticas, de onde se conclui que a visão
cromática resulta do desenvolvimento e da educação do indivíduo.” 11
Irene T. Tiski-Franckowiak, em Homem, Cor e Comunicação,12
reforça a idéia de que a cor
pode ser utilizada como elemento individual na comunicação quando diz que
“Na comunicação, a cor tem uma função bem definida e específica, deve ajudar
na clareza da mensagem a ser transmitida. A cor, às vezes cria o clima desejado
e fala por si só, o que deve ser aproveitado como instrumento técnico.” (grifo
meu).
E novamente é em Os Quadrinhos, de Antonio Luiz Cagnin, que se vai buscar a essencial
estrutura de decodificação narrativa nos quadrinhos, onde ele cita:
“A história-em-quadrinhos é um sistema narrativo formado por dois códigos de
signos gráficos: a imagem, obtida pelo desenho; [e] a linguagem escrita.”13
11
Farina, Modesto. Psicodinâmica das Cores em Comunicação. Ed. Edgard Blücher, São Paulo,1982., pág.109 12
Tiski-Franckowiak, Irene T. Homem, Cor e Comunicação. Ícone Editora, 1991, São Paulo, pág. 109. 13
Os Quadrinhos. Ed. Ática, São Paulo, 1975. pág. 25
18
Ora, se “código” é um conjunto de signos e regras usados no envio e recepção das
mensagens e se as cores possuem e involuntariamente nos transmitem associações psico-
sensoriais, logo a utilização das cores, cuja transmissão das mensagens cromáticas seja feita por
um processo regular, poderá ser denominada código, e seu encadeamento, neste caso cronológico,
poderá ainda ser classificado como narrativo. A atuação desse código narrativo ocorrendo no
domínio do que está implícito na HQ, o colocará na definição de subtexto não-verbal.
4.2. A PSICOLOGIA DAS CORES NOS Q DE CAZA
As cores nos quadrinhos têm sido trabalhadas com bastante intensidade desde a década de
70. Apesar de ainda ter um alto custo financeiro, muitas experiências têm surgido em várias
partes do mundo. Phillipe Caza é um dos autores cujo reconhecimento do trabalho inclui também
a preocupação e inovação quanto ao processo cromático no quadrinho.
No mais recente livro de História e análise do quadrinho - Desvendando os Quadrinhos -,
Scott McCloud cita Caza ao falar sobre as cores de Hergé:
“No entanto, outros como Claveloux, Caza e Moebius viram nessa impressão
superior [das cores] uma oportunidade de se expressarem através de uma paleta
subjetiva mais intensa.” 14
Outro livro, na verdade uma vasta obra francesa da história do quadrinho mundial, L’Art de
la BD: du Scénario à la Réalisation, ao citar Caza também destaca a influência psicológica de
suas cores, ao dizer que produzem eficazmente uma ambientação ou clima de mistério, drama,
suspense; novamente apenas cores para gerar atributos não-verbais nas histórias. E como isso
pode ocorrer?
14
McCloud, Scott. Desvendando os Quadrinhos. Ed.Makron Books, São Paulo, 1995, pág. 190
19
As cores, como se sabe, são freqüências de ondas de luz que naturalmente atuam sobre a
emotividade, provocando reações sensoriais involuntárias ao corpo humano.
Apesar das cores já possuirem uma natural correspondência com um determinado estado
psíquico ou emocional, a associação cromática e suas influências de fato só acontecem dentro de
um contexto, ou seja, de acordo com onde e como a cor está sendo utilizada, poderá haver
siginificativas alterações dos predicativos cromáticos.
Em Os Quadrinhos, Cagnin fala sobre esse contexto e a função na recepção dos estímulos
visuais:
“(...) ao receber um estímulo (...) podemos perceber o objeto real e receber outras
informações acessórias, se houver capacidade de organizar as sensações
recebidas e de as relacionar com os dados que envolvem ou antecedem a
comunicação visual; estes dados são o que chamamos de contexto.”15
Para o trabalho cromático de Phillipe Caza (ao menos quanto a sua primeira fase que
costuma-se chamar “urbana”), essa capacidade de interpretar o contexto é, sem dúvida,
fundamental.
Isso porque a “leitura” das cores e as associações psico-emocionais feitas vão estar
relacionadas ao contexto das histórias, ou seja, para haver uma correta interpretação é necessário
perceber que Scenes de la Vie de Banlieue se passa na Paris da década de 70 em pleno
movimento hippie, em prédio de pequenos apartamentos onde existe um forte conflito de
gerações e de vizinhos, e que em na série de trabalho como Arkhê as histórias possuem outros
objetivos de mensagem, sendo quase todas, metáforas de temas universais.
15
Os Quadrinhos. Ed. Ática, São Paulo, 1975, pág.46
20
A partir da relação das cores com esse contexto é possível perceber um padrão particular de
significados para as cores de Caza, um código, que decodificado faz possível uma interpretação-
leitura da HQ através da cor, ressaltando o subtexto existente por trás do roteiro verbo-
iconográfico.
A análise é feita com as cores básicas do arco-íris (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul,
índigo, violeta) com apenas uma variação de matiz, o amarelo-limão, além de nuances
acromáticas preto, cinza e branco.
COR ASSOCIAÇÃO POSITIVA ASSOCIAÇÃO NEGATIVA
VERMELHO Vida, energia, coragem, vigor Perigo, raiva, alerta, descontrole
LARANJA Intensidade, ação Revolta, vingança
AMARELO Alegria Tensão, crise, transição, ansiedade
VERDE Vegetação, natureza Desconforto, repulsa, agonia
AZUL Frescor, calma, exotismo,
fantasia, eternidade, liberdade,
espaço, verdade, felicidade
-
ÍNDIGO Grandeza, profundidade, justiça,
nobreza, espiritualidade
-
VIOLETA - Fúnebre, decrépito, degeneração,
melancolia, inércia,
AMARELO-LIMÃO - Desarmonia, decepção, mau-humor,
orgulho
PRETO - Pessimismo, opressão, dor, fim
CINZA - Tédio, desencorajamento,
infelicidade, decadência, carência
vital
21
BRANCO Harmonia, paz, pureza -
O encontro de várias cores (geralmente primárias ou quentes com poucas alterações nas
tonalidades principais) em um único quadrinho de Caza modifica a análise, passando a ser uma
interpretação da simultaneidade das cores e não de seus significados quando isoladas.
No aspecto geral, pode-se dizer que essa simultaneidade é uma ode à vida, acompanhando
ou atmosfera de sonho e fantasia ou uma atmosfera onde esteja em questão a liberdade e a
conquista do ideal particular de felicidade.
O preto e o branco geralmente estarão complementando outras cores, dando sentido
positivo (para o branco) ou negativo (para o preto).
A escolha dos aspectos positivos ou negativos para as cores que possuam atributos nos dois
sentidos dependerá das outras que a acompanharão, segundo o contexto da história.
22
4.3. A NARRATIVA CROMÁTICA NÃO-VERBAL
A análise das histórias-em-quadrinhos será feita a partir de elementos de ambientação da
HQ, tez dos personagens (cuja relação com a mensagem psicológica é direta), segundo a própria
compreensão das cores por Caza:
“Há em mim esta idéia de que a cor, em HQ não devia somente servir a traduzir
a realidade ou identificação dos personagens (...). Tenho a idéia de que a cor
deve ser mais agradável, mais excitante, se fundir sobre as vontades estéticas
surpreendentes, mais poética que realista, mas também e sobretudo servir a
narração, com as noções de impacto ou de “feeling” (...)”
“Pode se falar também de cor “expressionista” (...) O mais importante seria
exprimir os ambientes, as emoções, sentimentos, e os comunicar ao expectador-
leitor. (...) Eu, o faço nos “Banlieue” com uma certa exageração, uma certa
evidência no simbolismo (...)”
ROMANCE
PAGINA 1 PAGINA 2 PAGINA 3
1 2 3 10 11 12 16 17 18 19
4 8 13 20 21
6 7
5 9 14 15 22
23
É uma das histórias cuja narrativa cromática tem mais força e é mais explícita.
A primeira página mostra uma mulher jovem, sozinha em um apartamento, chorando muito
deprimida. Ela consome pílulas anti-depressivas (que tira de uma máquina fornecedora instalada
em seu próprio apartamento). Quando vai consumir algumas delas, vê um anúncio de uma
empresa de serviços (não identificado) em uma revista e entra em contato passando seus dados
pessoais.(Q1 a 9) 16
Toda a página é marcada por um roxo-acinzentado. Nada mais explícito: o roxo (que é uma
variação tonal do violeta) vem trazer o tédio, a inércia e a melancolia de uma vida urbana,
associações reforçadas pelo desencorajamento, infelicidade e carência vital do cinza.
O único detalhe diferentemente colorido é o anúncio da revista, que aparece em dois quadrinhos
(Q6,7) em tons rosa e amarelo. O rosa (vermelho+branco) do amor e ternura e o amarelo da
alegria vão ser para a personagem, um elo com a vitalidade perdida de um mundo triste e
acinzentado. Nesta página, o subtexto é a crítica à sociedade urbana, decadente, artificial e vazia.
No primeiro quadrinho da segunda página, a sala do apartamento continua toda em tom roxo-
acinzentado, sendo que novamente o diferencial cromático é o anúncio da revista, em tons
quentes na figura de um príncipe. (Q10)
Do segundo quadrinho em diante, quando o príncipe do anúncio chega à porta, é que se pode
perceber com certeza que é ele quem traz cores - literalmente - à vida da jovem. Todo o ambiente
fica colorido sendo que o foco de emissão da “luz” é o príncipe. Ele canta e toca para ela e aos
poucos a personagem vai se deixando envolver em situações oníricas. O último quadrinho da
página é bastante colorido, com predomínio do azul. Ocorre aqui, a simultaneidade cromática,
quando a personagem principal atinge o máximo de seu sonho, no mesmo momento em que toca
a sineta do marcador de tempo que o príncipe leva preso à cintura. Ele representa o amor e a
beleza, ideiais de felicidade da jovem protagonista. (Q10 a 15)
16
Q = quadrinho
24
A terceira página é ainda mais explícita: o príncipe se despede e no momento em que fecha a
porta, tudo volta a ser cinza, restando colorido, apenas o bilhete de cobrança pelos serviços
prestados. O príncipe sai do prédio e entra no carro da empresa, onde um motorista o espera
impaciente para um próximo serviço. Ele novamente, é o único elemento colorido. No último
quadro, por uma avenida onde todo trânsito e a multidão de pessoas é cinza, o carro se destaca,
sendo também o único detalhe em cores do contexto. (Q16 a 22)
As cores acompanham todos os elementos que representam a vida, a alegria e a liberdade, sendo a
cor, nesta história, um terceiro personagem, podendo transmitir com facilidade, todo o sentido e o
argumento da HQ.
A narrativa cromática de Romance fica, então, assim:
melancolia, tédio, carência vital
inércia
tédio, carência vital
melancolia, tédio, energia
carência vital, energia
melancolia
melancolia
melancolia, energia
vida, intensidade, alegria, fantasia
vida, ação, alegria, liberdade, fantasia, felicidade
vida, ternura, amor, liberdade, espaço, fantasia, felicidade
vida, ternura, decadência
decadência, energia
energia, decadência
energia, decadência
25
infelicidade, decadência, energia
energia, decadência
decadência, infelicidade, tédio, opressão, dor, energia
DESSOMBRE
PAGINA 1 PÁGINA 2 PÁGINA 3 PÁGINA 4
5 6 7 8
18
9 10 11 12
1 2 3 17
13 14 15 25 26 27
19 20 21
22 23 28
4 16
24
Dessombre é toda, basicamente, em duas cores, porque fala de dois momentos, dois
mundos separados pela cor, realidades que se transformam pelas cores existentes.
O primeiro quadrinho da primeira página mostra o único personagem decidindo-se por
mudar as cores cinzentas de seu apartamento. Ele coloca um carpete verde e pinta todo o
(pequeno) apartamento de azul, dormindo logo em seguida. Cinza mais uma vez é a realidade
decadente da infeliz vida urbana. O azul e verde são usados para trazer os tão fundamentais
espaço e natureza que a cidade não conhece mais. (Q1 a 4)
A segunda página vai, gradualmente, mostrando a percepção, consciência do personagem
das transformações sofridas por seu apartamento durante seu sono: o azul das paredes se
26
transforma em céu azul, o carpete verde, em grama, e o mínimo apartamento é agora um imenso
espaço livre! É o poder das cores, criando vida e espaço, mudando a realidade. (Q5 a 16)
A terceira página é marcada pela euforia de ter de volta a vida natural. O personagem,
vibrando de alegria, pula e se solta por todo o imenso espaço que acredita ter: acaba indo de
encontro a parede, que afinal sempre esteve lá, pois tudo não passou de uma ilusão, de um desejo
desesperado de que fosse verdade. É o azul da liberdade, do espaço, do frescor, da fantasia, da
felicidade que traz e recria os sentimentos de se viver em contato com a natureza. A blusa do
pijama que ganha outras cores e alguns detalhes em vermelho dão energia e vigor ao personagem.
Os últimos quadrinhos da página são o retorno ao mundo real, à vista da janela de onde só se vê
outros prédios e a obstinação do personagem de se adaptar ao mundo cada vez mais sujo e
cinzento. (Q18 a 24)
O primeiro quadrinho da última página mostra a mistura de várias cores - o amarelo, o
rosa, o azul, o laranja - para a obtenção do cinza, com o qual o personagem decide pintar agora
seu apartamento. Mas é terminar a tarefa de “voltar ao mundo real” através da cor cinza, que o
sonho renasce: a tinta não adere bem e pequenos lascos começam a cair por toda a parede,
parecendo ser pequenos blocos de neve. (Q24 a 28)
Para Dessombre não há necessidade de uma narrativa cromática, porque ela é uma
metademonstração da narrativa da cor. Segundo Phillipe Caza,
“Dessombre é uma história típica, pois é uma história que fala da cor... a cor é
um dos personagens, quase... É uma fábula sobre o poder da imagem, do
imagináiro, de esperança, do sonho. É a ingenuidade de pensar que repintando o
mundo de azul e verde, isto o fará mudar...Em um mundo cinza, morto, a cor é a
vida! Ao entrar no sonho, flutua...para depois recair quando se bate no muro da
realidade...Abatimento, desespero, desgosto, renúncia, depressão: pinta-se tudo
de cinza. Mas por meio deste cinza, o sonho volta com obstinação, o sonho e a
27
esperança (para mim a neve é qualquer coisa de alegria, de poético, uma festa...é
qualquer coisa de puro, que limpa tudo)...”
ENVOÛTEMENT A L’ESCALIER C
PAGINA 1 PÁGINA 2 PÁGINA 3 PÁGINA 4
8
9 10 15 16
1 2 3 22 23 24
11 12
13
17 18 19
4 6
25 26
5 7
14 20 21 27 28
Whoodoo the Voodoo? é o nome dado em inglês para uma das histórias mais bem narradas
“cromaticamente” por Caza em sua primeira fase urbana.
A primeira página mostra Marcel e Yvonne em seu apartamento violeta, quando a pele de
Marcel sofre uma pequena ruptura na altura da testa, mas rapidamente começa a se abrir por todo
o rosto e ele em segundos se transforma em um verdadeiro monstro, em tons de vermelho e
verde. O violeta do apartamento é representativo de todo um subtexto complexo de como é e
vive o casal Miquelon: decrépitos e inertes de corpo e alma, cuja vida é sinônimo de tédio e
ignorância. Caza simboliza em Yvonne e Marcel tudo o que representa a não-vida, ou seja, a
morte (física, mental e espiritual) que tem como cor associativa, o violeta. (Q1 a 7)
Na segunda página Yvonne corre para o vizinho (o personagem auto-retratado de Caza) em
busca de ajuda, que acaba sendo arrastado para o apartamento onde vê Marcel balbuciar alguns
grunidos, totalmente desfigurado. O corredor do prédio, sempre amarelo-limão, ilustra a
28
desarmonia dos pequenos prédios, com seus outros tantos moradores mau-humorados idênticos à
Marcel, decepcionantes e orgulhosos. (Q8 a 14)
O azul marca os primeiros quadrinhos da terceira página, quando o “vizinho” chamado
vomita ao ver o estado de Marcel, ficando verde em seguida. Sem muita preocupação, liga para a
emergência médica e volta ao seu apartamento (agora estranhamente decorado e em preto e
vermelho), onde pára em frente a uma mesa que tem em sua superfície, dois crânios com velas
acesas.
O azul dos primeiros quadros, que se passa no corredor do prédio (e que portanto deveria
ser amarelo-limão), corresponde a calma e a sensação de liberdade do personagem de Caza ao ver
o estado do insuportável vizinho. Com o preto e vermelho do interior de seu apartamento, faz-se
a associação de energia negativa, opressora, dolorosa, contrária a energia da vida.
A ultima página mostra o feitiço ou voodoo feito em um papel pelo personagem de Caza,
que está agora queimando-o (e nunca mais querendo fazê-lo novamente), ao mesmo tempo em
que o médico sobe as escadas amarelo-limão e encontra o apartamento violeta, agora ainda mais
decrépito com o estado de Marcel que, simultaneante a queima do papel-voodoo pelo personagem
de Caza, sofre uma combustão espontânea. A chegada do médico tem na onomatopéia da sinere
na cor azul, a promessa de libertação da dor e do mal.
Assim, a narrativa cromática de Envoûtement a l’escalier C fica com as seguintes
associações:
decrépito, inerte
decrépito, inerte
decrépito, inerte, ação, vingança
decrépito, intensidade, perigo, fim
decrépito, intensidade, perigo, fim, agonia
desarmonia, tensão
decrépito, intensidade, agonia
29
calma, liberdade, desconforto, repulsa
calma, liberdade
desarmonia
perigo, descontrole, raiva, dor, fim
tensão, liberdade
agonia, desarmonia
ação, revolta, ansiedade
decrépito, inerte
ação, revolta, intensidade
decrépito, ação, intensidade, transição
OVERGROUND
PAGINA 1 PÁGINA 2 PÁGINA 3 PÁGINA 4
1 6 7 8 10 11 12 13 21 22
2 314 15 16 17 18
923
4 5 19 20
PÁGINA 5 PÁGINA 6 PÁGINA 7 PÁGINA 8
24 2532 33 35 36 50 51
52 5326 27 28 37 38
29 30 31 34 39 40 41 42 54
Overground é a história que pode sintetizar a relação entre os hippies e sociedade
convencional da Paris da década de 70.
30
Na primeira página dois hippies chegam ao prédio e cumprimentam Yvonne. Ao irem
dormir Yvonne e Marcel escutam música vinda do apartamento vizinho dos hippies e Marcel
decide ir até lá, para fazê-los parar. O violeta é agora a cor não de um apartamento, mais de toda
uma cidade, que para Caza representa o oposto de tudo o que é vida e felicidade, um violeta que
simboliza a morte dos desejos e apatia total do absurdo urbano. Amarelo-limão para os
corredores do prédio que representa, além a falta de harmonia entre os moradores, o orgulho e
mediocridade da sociedade convencional, que cercada de concreto e poluição vive sem perceber
o quanto se destrói. Ao decidir ir até o apartamento dos hippies, o quarto de Marcel fica laranja
(uma revolta indignada) e logo depois ele mesmo se torna vermelho de raiva (uma raiva
simbólica de toda a sociedade convencional contra figuras que contrastem e ameacem o status
quo). (Q1 a 5)
A segunda, terceira, quarta, quinta e sexta página é a ida de Marcel ao apartamento dos hippies e
o contato com eles. Assim que chega, Marcel se surpreende com o interior do apartamento de
madeira, com lâmpadas à gás, e lareira ao invés de TV. Ele bebe, conversa e percebe a harmonia
do grupo, o visível bem-estar de cada um, uma alegria serena que desperta nele boas lembranças
dos avós em tempos passados. Quando Marcel pergunta sobre como fizeram a decoração interna
do apartamento, o personagem de Caza lhe chama até a varanda e mostra o céu com luar e
estrelas, dizendo que aquela é que é a decoração. Marcel, que agora se tornou “amigo” dos
hippies, ao voltar para seu apartamento frio e vazio decide quebrar tudo para ficar com a
verdadeira decoração, que é a natureza. A polícia é chamada e os hippies, da varanda, comentam
que aquele é um a menos para se preocuparem, e que para ele é tarde demais. (Q6 a 54)
As cores são em todos os momentos bastante significativas: na segunda e terceira páginas, a
cor predominante é um marrom (relacionado a segurança ou paternidade), além de vermelho-
alaranjado focalizado nos personagens, traduzindo vida, energia e coragem do grupo de hippies.
(Q6 a 20)
Na quarta e quinta páginas o vermelho predomina, vindo do fogo da lareira, seguido por
focos de amarelo. Agora a associação cromática de subtexto vai além do grupo de hippies: a
energia de vida, vitalidade, a coragem e o vigor estendem-se ao lugar onde o hippie quer ficar, ou
31
seja, ele quer um lugar que lhe transmita vida e onde ele seja permitido ser e viver alegremente.
(Q21 a 31)
A sexta página é onde Marcel vê o luar com as estrelas que vai ‘transformá-lo”. A
associação cromática do índigo é a grandeza e nobreza da alma, a profundidade, a espiritualidade
e a justiça buscada pelos hippies, que é o que justamente vai modificar o comportamento de
Marcel. (Q32 a 34)
A sétima página, totalmente em amarelo-limão, é o retorno de Marcel ao seu apartamento,
quando ele percebe a desarmonia de sua vida e na oitava e última página, resolve mudar isso,
quebrando a “decoração”. O “quebrar” tem um foco de cor amarela, expandindo para o laranja e
para o vermelho, indicando a crise e transição, a revolta e a vingança, a raiva e o descontrole de
Marcel. Yvonne totalmente verde, grita em agonia, diante da súbita loucura do marido. A polícia
chega e o laranja do som da sinere mais uma vez indica a ação, neste caso, a revolta, o “acerto de
contas” da polícia. Neste caso, poderia-se também aplicar o conceito de simultaneidade das
cores, uma vez que Marcel está exercendo uma liberdade para conquistar seu ideal de felicidade,
que é ironicamente, a destruição de seu atual estado e local de vida. (Q35 a 42)
A nar rativa cromática de Overground fica então, assim:
decrépito, fúnebre, inerte
desarmonia
ansiedade, revolta
raiva, descontrole
desarmonia
alegria
alegria
segurança (marrom)
segurança
segurança
32
vida, coragem, energia, vigor
vida, coragem, energia, vigor
vida, coragem, energia, vigor
segurança
grandeza, profundidade, nobreza, espiritualidade
desarmonia
desarnonia
crise, revolta, descontrole
agonia, crise, revolta, descontrole
revolta, acerto de contas
grandeza, profundidade, nobreza, espiritualidade
DU BRUIT AU PLAFOND
PAGINA 1 PAGINA 2 PÁGINA 3 PÁGINA 4
1 2 8 9 10 17 18 19 27 28 29
3 4 11 12 13 20 22 23
4 5 6 7 14 15 16 24 25 26 30
Du Bruit au Plafond, apesar de não ter data de criação, é uma das primeiras histórias da fase
urbana de Caza. O desenho é, comparativamente a outras histórias do próprio autor, bastante
inferior, além de ter uma estrutura cromática bastante diferente de outras HQ’s.
33
Na primeira página, Marcel começa a ouvir barulhos vindos de cima assim que se deita para
dormir. Não há código narrativo. (Q1 a 7)
Na segunda página, irritado com o barulho, Marcel bate com a ponta da vassoura no teto,
mas em seguida lembra-se que está no último andar. Nesta também ainda não há código
narrativo. (Q8 a 16)
Na terceira página Marcel decide ir ver de onde vem o barulho, e começa a subir a escada.
Aqui já se pode perceber o caraterístico amarelo-limão de desarmonia dos corredores e prédios
de apartamentos. (Q17 a 26)
Na última página, chegando até o alçapão que dá acesso à laje do prédio, Marcel percebe
que é daí que vem o barulho e faz força para abrí-lo. Quando consegue tem a surreal surpresa de
ver que a porta do alçapão era um túmulo e que saiu dentro de um cemitério, no qual estavam
reunidas várias pessoas (mais parecidas com almas), aparentemente rezando, no meio da noite.
Aqui o código cromático também acontece, com o violeta aparecendo na tez dos que estavam em
volta do túmulo e no céu do cemitério, o que comprova mais uma vez a relação direta do violeta
com morte.
FLORATION
PAGINA 1 PAGINA 2 PÁGINA 3 PÁGINA 4
1 2 3 4 9 10 16 16 23 24
5 25 26
6 11 12 13 18 19 20
7 8 14 15 21 22 27 28 29
34
Existem em Floration, dois momentos que não se encaixam à regra. São os quadrinhos 20 e
21, com as cores amarelo e violeta: o personagem principal está feliz com Marguerite, fazendo
com que a interpretação do amarelo e do violeta rivalizem com o momento da história.
Floration é uma das histórias da primeira fase de Caza - a fase urbana -, onde o processo
de narração cromática ainda não estava totalmente estruturado, o que pode ser notado também
outras histórias, como em Du Bruit au Plafond.
Caza, assim como todo artista, foi transformando sua obra e evoluindo cada parte de seu trabalho,
do traço do desenho ao texto, dos argumentos à psicologia dos personagens e consequentemente
também a utilização e aplicação das cores.
No primeiro quadrinho, um homem sério (auto-retrato de Caza), vestido formalmente, olha
estático para o leitor. O vermelho e o preto são as cores de fundo, em listras diagonais. Vermelho
é, no sentido positivo, a cor da energia, da vida, mas com o preto ele passa a ser a energia
reprimida, melancólica, de raiva ou descontrole de uma situação. (Q1)
O homem está se apresentando e introduzindo o leitor na história, ou seja, as cores vão se
referir ao contexto em que ele está inserido: depressivo, repressor, revoltante. O personagem
neste quadrinho possui uma tez amarela, óculos de lentes verdes e camisa da mesma cor. O
amarelo representa a tensão e ansiedade e o verde desconforto e agonia. As cores deste primeiro
quadrinho sintetizam muito bem uma fase da vida de Caza (que se auto retrata): seus anos de
trabalho na publicidade, quando se sentia oprimido, com profunda repulsa pela atividade.
Os quadrinhos seguintes repetem a mesma posição do personagem, com a mudança das
estações: do inverno violeta - período de tristeza e morte simbólica; à primavera azul trazendo a
“liberdade” e fazendo resnascer a vida. (Q3 e 4)
Ainda na primeira página, fios do cabelo do personagem começam a ficar verde e logo que
a primavera chega, delicadas flores se abrem por todo seu cabelo. O fundo dos quadrinhos é de
35
um rosa pastel (aqui considerado uma variação do vermelho+branco), ambientação de um
acontecimento positivo e ameno. (Q5)
A alergia que o personagem começa a apresentar, tem nas cores uma representação de
fundo vermelho, com um raio amarelo (de bordas constrastantes azuis): um vermelho de perigo,
ameaça; um amarelo de crise e transição. (Q10)
O médico consultado que lhe fala sobre a alergia, tem no consultório (além da mórbida
caveira em um quadro acima de sua cabeça) um lilás-azulado como fundo, reiterando a
mensagem icônica funesta. (Q11)
No final desta segunda página, ele veste um pijama de dormir que é da mesma cor do
cabelo: azul. É o momento em que ele sente mais à vontade com suas flores, representado pela
cor de maior expressão positiva para Caza, o azul da paz e da felicidade. (Q13)
Quando o personagem, que está tentando conquistar uma jovem - Marguerite, sente medo
de ser rejeitado por causa de suas flores, tem como fundo um verde, que traduz esse sentimento
de desconforto e agonia perante a mulher que está tentando conquistar. (Q16)
O início do relacionamento dos dois é marcado pelo vermelho e por várias outras cores, a já
citada simultaneidade cromática, que é a representação de Caza para a felicidade completa e total
harmonia. (Q18)
O último quadrinho da página é todo um arco-íris, que simboliza a máxima e feliz união do
casal. Porém, quase no fim dos arcos decrescentes, ao invés das cores vê-se a alternância de
linhas brancas e pretas, com o domínio final das linhas totalmente pretas, como uma consciência
ou alerta de nem tudo pode ser perfeito ininterruptamente. (Q22)
A última página parece comprovar o foco negro anterior. Problemas financeiros obrigam o
personagem a procurar emprego, mas suas flores assustam e se torna difícil para ele ser aceito, o
36
que lhe causa muita preocupação e angústia. As cores que acompanham essa seqüência estão em
perfeita sincronia: retícula em preto e branco fazem o fundo e parte do rosto de outro personagem
que lhe cobra mudanças em sua postura. Os óculos são os únicos elementos coloridos no
quadrinho: está em vermelho e em cada lente pode se ver o rosto triste do personagem principal
(Caza). Preto e branco são os clássicos do contraste, da negação e resistência mútua, ou seja, a
exata situação vivida pelo personagem: a necessidade de cortar as flores contra seu desejo ao
mesmo tempo em que precisa do emprego. O vermelho que acompanha (na lente dos óculos)
mais uma vez é o alerta de perigo. (Q23)
As flores que caem do cabelo com a chegada do outono, tem como fundo outro violeta,
que, sendo o começo do período introspectivo da natureza, é simbolicamente um começo
também de morte e tristeza. (Q26)
O vermelho e o preto aparecem juntos em mais dois quadrinhos desta página, tendo
idênticos contextos: tristeza e depressão. No primeiro, o personagem aparece sentado,
cabisbaixo, com as mãos segurando o rosto, visivelmente deprimido, sendo a causa a dificuldade
de arrumar emprego. No segundo, em câmera alta, ele aparece lendo uma carta-bilhete de
Marguerite, que lhe abandona súbita e inesperadamente. (Q24, 28)
O último quadrinho é o começo do nascimento das batatas na barba do personagem. Um
fundo rosa pastel é novamente apresentado, assim como foi com nascimento das flores. Um
acontecimento que para ele é positivo, mas que está apenas começando. (Q29)
Em resumo, a narrativa cromática da história Floration ficaria assim:
depressão
tristeza
liberdade
acontecimento positivo
natureza
37
irritação
acontecimento positivo
alerta/crise
morbidez
tranqúilidade
desconforto
felicidade
desconforto
felicidade e fim
conflito
depressão
depressão
acontecimento positivo.
38
ARKHÊ
PAGINA 1 PAGINA 2 PÁGINA 3 PÁGINA 4
1 3
2 6 9 10 11
4 5 7
8
PÁGINA 5 PÁGINA 6 PÁGINA 7 PÁGINA 8
12
13 18
14 19 2116
20
15 17 21 22
PÁGINA 9 PÁGINA 10 PÁGINA 11 PÁGINA 12
26 28 30 31
23 24 25 29
27
32 33
PÁGINA 13 PÁGINA 14
34 37
36
35
39
Arkhê é uma das histórias de Caza onde o conceito de narrativa cromática de subtexto pode
melhor ser compreendido.
A história é visivelmente diferente da série Scenes de la Vie de Banlieue, tanto no desenho
quanto no argumento e diagramação. Como diz o próprio autor, a HQ (que foi criada 10 anos
depois das suas primeiras publicações), teve em sua gênesis ambições maiores de expressão e o
resultado é uma metáfora universal, que possibilita a cada leitor sua própria interpretação, com
reflexões particulares e com certeza de alguma forma, crescimento interior.
O subtexto de Arkhê é, na verdade, a metáfora com a Alquimia, com o ciclo natural do
micro e macrocosmo, cuja interpretação vai ocorrer através das cores, que desde a Idade Média
vem simbolicamente representando as fases alquímicas.
A cor é, em Arkhê, um segundo roteiro e argumento, absolutamente implícito no texto e
desenho.
Para esta história, a análise será do próprio autor Phillipe Caza:
“Arkhê é uma história que eu fiz no mesmo período que os “Banlieue” mas em outro
estado de espírito para uma outra revista (Metal Hurlant) e com outras ambições, mais “místicas”
(mas eu não gosto desta palavra) talvez poética e simbólica. Sim, pode-se dizer uma história
“sincrética”, quer dizer, ensaiando de fazer a síntese entre o elemento de origem bíblica, outras
vindas da alquimia e outras da filosofia tradicional chinesa e algumas noções científicas Big
Bang, buraco negro... O aspecto alquímico teve bastante importância ao nível da escolha de cores.
A Grande Obra Alquímica passa pelas fases clássicas designadas por suas cores: nigredo, albedo,
citrinitos, rubedo... Os 4 elementos tradicionais entram em jogo também: a Arca passa pelo
negro, pelas profundezas da água, o amarelo da terra, o azul do ar, o vermelho do fogo... assim
purificada, o chumbo cujo negro da arca é transformado em ouro (depois, é ainda mais difícil de
40
exprimir...o abstrato, o espírito, a transparência, a ausência de cor, e no renascimento final, as
cores da vida que voltam com o arco-íris).
41
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A obra de Phillipe Caza é, sem dúvida alguma, um marco para as histórias-em quadrinhos.
A qualidade e complexidade de sua criação pode (e deve) gerar outros estudos, tanto no aspecto
icônico, quanto no verbal, histórico, psicológico, social.
Porém, a relevância de seu trabalho é ainda mais evidente quando percebe-se, através de seu
quadrinho, que a cor pode ter uma função narrativa, seja reforçando o conteúdo icônico-verbal ou
incluindo efetivamente elementos na comunicação.
Partindo dos estudos de Luiz Antonio Cagnin, pode-se propor então, para as histórias-em-
quadrinhos, um terceiro código gráfico-visual, além da imagem e da linguagem escrita.
Outros trabalhos poderão comprovar (ou não) a utilização eficaz das cores dentro de uma
proposta cromo-narrativa, seja nas histórias-em-quadrinhos ou em qualquer outro meio de
comunicação.
42
6. BIBLIOGRAFIA
6.1. DOCUMENTOS INÉDITOS
Entrevista com o autor de quadrinhos Phillipe Cazamayou, realizada por fax pela autora,
especialmente para esta pesquisa científica, entre Maio e Junho de 1996.
6.2. FONTES BIBLIOGRÁFICAS
Anselmo, Zilda A. A História dos Quadrinhos. Ed. Vozes, Petrópolis, 1975.
Cagnin, Luiz Antonio. Os Quadrinhos. Ed. Ática, São Paulo, 1975.
Calazans, Flávio Mário de Alcântara. Propaganda Subliminar Visual Gráfica: Dos
Iconesos ao Subtexto, um Estudo de Caso. Tese de Doutorado pela Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
Farina, Modesto. Psicodinâmica das Cores em Comunicação. Ed. Edgard Blücher, São
Paulo, 1982.
McCloud, Scott. Desvendando os Quadrinhos. Ed. Makron Books/Harper Business,
São Paulo, 1995.
Santaella, Lúcia. Culura das Mídias. Ed. Razão Social, São Paulo, 1992.
Tiski-Franckowiak, Irene T. Homem, Cor e Comunicação, 2a. edição. Ed. Ícone, São Paulo,
1991.
Recommended